Ribeiro 2005 Resenha O Gerente Equalizad 12208

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RAP Rio de Janeiro 39(6):1349-52, Nov./Dez. 2005 R ESENHA BIBLIOGRÁFICA O gerente equalizador : estratégias de gestão no setor público. Bianor Scelza Cavalcanti. Rio de Janeiro: FGV, 2005. Ludmila Deute Ribeiro* Boa parte da literatura sobre modelagem organizacional está baseada nas teorias orga- nizacionais desenvolvidas sob a égide do paradigma funcionalista no qual a modela- gem é entendida como etapa delimitada de planejamento da estrutura formal das organizações, a partir da análise do ambiente e da tarefa, cuja implementação afeta- rá a distribuição de recursos, de informação e de poder nas organizações para pro- mover a melhoria do desempenho gerencial. A congruência entre os componentes da estrutura e as características da tarefa é uma questão-chave para a modelagem organizacional. A congruência pode ser definida como “o grau em que as necessidades, demandas, metas e es- truturas de um componente (organizacional) são coerentes com as necessidades, demandas e estruturas de outro componente” (Nadler e Tushman, 1994:39-40). Entre as abordagens funcionalistas, destaca-se o arcabouço analítico abran- gente proposto por Galbraith (1997), no âmbito da teoria da contingência estrutural (TCE), para analisar organizações ou sistemas organizacionais e propor desenhos or- ganizacionais mais efetivos em relação à incerteza da tarefa a cargo da organização e do ambiente no qual ela se insere. Galbraith sustenta que a busca por coerência entre estratégia, modo de organi- zação e integração dos indivíduos é a questão central do desenho organizacional. A tarefa e a exigência de seu desempenho sob condições de incerteza são circunstânci- as fundamentais que requerem o referido ajustamento, por parte das organizações. A incerteza implica a necessidade de maior volume de informações e seu processamen- * Especialista em políticas públicas e gestão governamental, assessora técnica da ANS. Mestranda em administração pública na Ebape/FGV. Endereço: Rua Francisco Otaviano, 120, ap. 501 — Copacabana — CEP 22080-040, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].

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O gerente equalizador: estratégias de gestão no setor público. Bianor Scelza Cavalcanti. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

Ludmila Deute Ribeiro*

Boa parte da literatura sobre modelagem organizacional está baseada nas teorias orga-nizacionais desenvolvidas sob a égide do paradigma funcionalista no qual a modela-gem é entendida como etapa delimitada de planejamento da estrutura formal dasorganizações, a partir da análise do ambiente e da tarefa, cuja implementação afeta-rá a distribuição de recursos, de informação e de poder nas organizações para pro-mover a melhoria do desempenho gerencial.

A congruência entre os componentes da estrutura e as características datarefa é uma questão-chave para a modelagem organizacional. A congruênciapode ser definida como “o grau em que as necessidades, demandas, metas e es-truturas de um componente (organizacional) são coerentes com as necessidades,demandas e estruturas de outro componente” (Nadler e Tushman, 1994:39-40).

Entre as abordagens funcionalistas, destaca-se o arcabouço analítico abran-gente proposto por Galbraith (1997), no âmbito da teoria da contingência estrutural(TCE), para analisar organizações ou sistemas organizacionais e propor desenhos or-ganizacionais mais efetivos em relação à incerteza da tarefa a cargo da organização edo ambiente no qual ela se insere.

Galbraith sustenta que a busca por coerência entre estratégia, modo de organi-zação e integração dos indivíduos é a questão central do desenho organizacional. Atarefa e a exigência de seu desempenho sob condições de incerteza são circunstânci-as fundamentais que requerem o referido ajustamento, por parte das organizações. Aincerteza implica a necessidade de maior volume de informações e seu processamen-

* Especialista em políticas públicas e gestão governamental, assessora técnica da ANS. Mestranda emadministração pública na Ebape/FGV. Endereço: Rua Francisco Otaviano, 120, ap. 501 — Copacabana —CEP 22080-040, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].

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to com vistas à obtenção de desempenho satisfatório. É definida pelo autor como adiferença entre a quantidade de informação requerida para o desempenho da tare-fa e a quantidade já acumulada pela organização. A quantidade de informação va-ria em função da diversidade de suas metas, da divisão do trabalho e do nívelesperado de desempenho. De forma geral, há uma exigência crescente de informaçãosob condições de incerteza. O desenho organizacional é a forma de ajuste baseada naintervenção sobre a estrutura, como resposta às circunstâncias que determinam mai-or ou menor incerteza nas condições sob as quais operam as organizações.

Abordagens interpretativas propõem, alternativamente, que a modelagem or-ganizacional seja considerada, não como etapa prévia e condicionante do desempe-nho organizacional mas sim como atividade contínua, com sentido essencialmenteinterpretativo e prático, confundindo-se com a prática gerencial propriamente dita.

Autores como Weick (1995) contestam as premissas que orientam as aborda-gens de corte funcionalista e sustentam que a estrutura formal não representa umabarreira ou limitação ao trabalho do gerente que atue como improvisador, como umbricoleur, que sabe usar os recursos disponíveis à mão, de forma criativa. Trata-se,em última instância, de desqualificar a existência de uma estrutura organizacionaladequada como pré-requisito para o bom desempenho das organizações.

A metáfora da arquitetura, associada às abordagens funcionalistas, e a metá-fora da improvisação, associada às abordagens interpretativas, ilustram bem a apa-rente contradição entre as duas visões, que pode ser superada se a análise e aintervenção modeladoras incorporarem as críticas de Weick e de outros autores quequestionam a modelagem organizacional. Dessa forma, aspectos menos tangíveis,como a criatividade e a capacidade de improvisação dos gerentes, seriam incorpora-dos ao conjunto de aspectos formais focalizados pelas abordagens tradicionais, demodo a propiciar um melhor entendimento dos problemas reais das organizações.

Exemplo de esforço conciliatório entre essas abordagens é o esquema analí-tico desenvolvido por Cavalcanti (2005) para estudar as estratégias de gestão deum grupo de dirigentes da administração pública federal (APF) brasileira.

A partir das narrativas dos entrevistados, foram categorizadas oito estratégiasde ação adotadas pelos dirigentes para superar as limitações estruturais da APF:compartilhar quadros de referência; explorar os limites da formalidade; fazer o jogoda burocracia; induzir o envolvimento dos outros; promover a coesão interna; criarescudos contra as transgressões; superar restrições internas; e permitir o floresci-mento de estruturas. Cada um desses blocos de estratégia foi analisado à luz da abor-dagem interpretativa da modela-gem organizacional. Para ilustrar o conceitosubjacente a essas estratégias, o autor recorre à metáfora da equalização, emprestadada eletrônica, que significa a redução da distorção de um sinal por meio de circuitoscompensadores.

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Longe de negar, tal como Weick, a centralidade das estruturas formais para obom desempenho das organizações, Cavalcanti reconhece a existência de limita-ções, impostas tanto pela estrutura rígida e centralizada da APF quanto por caracte-rísticas culturais da nossa sociedade, na qual “a política assume os tons e nuanças dopatrimonialismo, clientelismo, corporativismo, nepotismo, quando não do ainda pre-sente coronelismo” (Cavalcanti, 2005:22). As estratégias adotadas pelos dirigentesentrevistados são exemplos de ações equalizadoras, destinadas a compensar a incon-gruência de um ou mais componentes da estrutura com os requisitos da tarefa. A pre-missa subjacente é a que a administração pública brasileira apresenta incongruênciasque podem ser explicadas, em grande medida, pelo ambiente sociocultural e políticono qual ela se insere, e pela predominância das organizações burocráticas em diver-sas esferas sociais, inclusive na governamental, nas quais a hierarquia e a base nor-mativa substituem parâmetros gerenciais baseados na busca da eficácia. A adoçãodessa premissa explicaria a resiliência da máquina administrativa diante das diver-sas tentativas de reforma do aparelho do Estado efetuadas nas últimas décadas noBrasil.

O esforço analítico desenvolvido favorece a interpretação de que, ao se de-parar com a quase impossibilidade de realizar uma modelagem organizacionalpara atender aos requisitos das tarefas a seu cargo, restaria ao gestor público ado-tar estratégias de equalização para obter bons resultados organizacionais. De fato,Cavalcanti (2005:233) afirma que “bons resultados organizacionais, quando alcan-çados no setor público, não são fruto de uma modelagem formal coerente, pois emmomento algum ela é obtida, por melhor que possam ser as grandes reformas ad-ministrativas”.

Uma conclusão que se pode extrair dos relatos é que saber detectar e aprovei-tar as oportunidades emergentes é uma habilidade gerencial importante. Uma outrahabilidade é saber avaliar o grau de incongruência entre os elementos da estrutura e atarefa da organização, ou seja, ser capaz de fazer um exercício “intuitivo” de mode-lagem organizacional.

Ao constatarmos a eficácia das estratégias adotadas, não podemos deixar deassinalar, como se depreende dos dados coletados junto aos dirigentes entrevistados,que a adoção de tais estratégias parece depender fortemente de oportunidades queemergem em situações nas quais os dirigentes controlam recursos organizacionaissignificativos, sobretudo de poder, por ocuparem cargos de alto escalão. Essa depen-dência de fatores circunstanciais e, até mesmo, aleatórios, não assegura o fortaleci-mento das instituições do setor público que, por sua própria natureza, devemsobreviver aos seus dirigentes. A equalização promete, no entanto, o equacionamen-to imediato de problemas estruturais da APF, enquanto não se estabeleçam condi-

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ções para uma modelagem organizacional congruente das instituições públicasbrasileiras.

Referências bibliográficas

CAVALCANTI, Bianor Scelza. Fundamentos da modelagem organizacional. Adaptado de GAL-BRAITH, Jay. Organization design, reading. Massachusetts: Addison Wesley, 1997.

———. O gerente equalizador: estratégias de gestão no setor público. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

GALBRAITH, Jay R. Organization design, reading. Massachusetts: Addison Wesley, 1997.

NADLER, David; TUSHMAN, Michael. Projeto de organizações com boa apresentação: umamoldura para compreender as novas arquiteturas. In: NADLER, David. Arquitetura organizacio-nal: a chave para a mudança empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 1994.

WEICK, Karl. Organizational redesign as improvisation. In: HUBER, G. P.; GLICK, W. H. Orga-nizational change and redesign: ideas and insights for improving performance. New York: OxfordUniversity Press, 1996.

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