Robert Gilpin - A Economia Política Das Relações Internacionais (2002)

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Transcript of Robert Gilpin - A Economia Política Das Relações Internacionais (2002)

  • COLEC:AO RELA
  • A economia polftica das rela;:oes internacionais

  • FUNDA
  • Robert Gilpin Com a assistencia de

    jean M. Gilpin

    A economia polftica das rela~oes internacionais

    Tradur;iio Sergio Bath

    Colec;:fto Relac;:Oes Intemacionais Direr;iio de Amado Cervo

    EDITORA

    E:jE:J UnB

  • Equipe editorial: Severino Francisco (Supervisao editorial); Rejane de Meneses (Acompanhamento editorial); Maria Carla Lis boa Borba (Prepara9ao de originais);

    liciana Imbroisi e Wilma Gon9alves Rosas Saltarelli (Revisao ); Fernando M. das Neves (Editora9ao eletr6nica); Rejane de Meneses e

    Wilma Gon9alves Rosas Saltarelli (indice); Evandro Salles (Capa); Elmano Rodrigues Pinheiro (Supervisao gnifica)

    Titulo original: The political economy of international relations Copyright 1987 by Princeton University Press Copyright 2002 by Editora Universidade de Brasilia, pela tradu~ao

    Impressa no Brasil

    Direitos exclusives para esta ediyao:

    Editora Universidade de Brasilia SCS Q. 02- Bloco C- N' 78 Ed. OK- 2' andar 70300-500 Brasilia-OF Tel: (Oxx61) 226-6874 Fax:(Oxx61)225-5611 [email protected]

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publica9ao podera ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorizac;ao par escrito da Editora.

    Ficha catalografica elaborada pel a Biblioteca Central da Universidade de Brasilia

    Gilpin, Robert ():189 A economia politica das relac;Oes internacionais I

    Robert Gilpin; tradu9ao de Sergio Bath.- Brasilia: Editora Universidade de Brasilia, 2002.

    492 p.- (Cole9ao Rela96es Internacionais) Traduvilo de: The political economy of international

    relations

    ISBN 85-230-0669-9

    I. Comercio intemacional. 2. Economia mundial. 3. Comercio externo. I. Titulo.

    CDU339.9

  • John Robert (in memoriam)

  • Sumario

    LIST A DE FIGURAS E TABELAS, 11

    PREF Ac10, 13

    INTRoouc;:Ao,19

    CAPiTULO I A NATUREZA DA ECONOMIA POLITICA, 25

    Os TEMAS DA ECONOMIA POLiTICA, 28 A IMPORTANCIA DO MERCADO, 32 As CONSEQUENCIAS ECONOMICAS DO MERCADO, 35 OS EFEITOS DO MERCADO E AS REA

  • 8 Robert Gilpin

    CAPiTULO 3 A DJNAMICA DA ECONOMIA POLITICA INTERNACIONAL, 85

    TEORIAS CONTEMPORANEAS DA ECONOMIA POLiTICA INTERNACIONAL, 86 A ECONOMIA POLiTICA DA TRANSFORMA

  • Sumario

    CAPiTULO 6 As EMPRESAS MULTINACIONAIS E 0 DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, 257

    A NATUREZA DAS MULTINACIONAIS, 259 A ERA DAS MULTINACIONAIS NORTE-AMERICANAS, 265 0 PAiS DE ORIGEM, 268 0 PAiS HOSPEDEIRO, 272 0 NOVO MULTINACIONALISMO, 279 CoNcLus.i.o, 288

    CAPiTULO 7 0 DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E A QUESTAO DA DEPENDENCIA, 291

    A PERSPECTIVA LIBERAL, 293 A PERSPECTIVA MARXISTA CLASSICA, 298 A POSI~AO DOS PAlSES SUBDESENVOLVIDOS, 301 UMA AVALIA~AO DA ESTRATEGIA DOS PAISES EM DESENVOLVIMENTO, 318 0 PROCESSO DE CRESCIMENTO DESIGUAL, 330 CONCLUSAO, 332

    CAPiTULO 8 A ECONOMIA POLiTICA DAS FINAN(:AS INTERNACIONAIS, 335

    TRES PERlODOS DAS FINAN~AS INTERNACIONAIS, 337 0 MERCADO DO EUROD6LAR, 344 0 PROBLEMA DA DIVIDA NA DECADA DE 1980,347 0 SUBSlDIO JAPONES A HEGEMONIA DOS EUA, 359 A ECONOMIA NICHIBEI E SUAS PERSPECTIVAS, 368 CoNcLus.i.o, 370

    CAPiTULO 9 A TRANSFORMA(:AO DA ECONOMIA POLiTICA GLOBAL, 373

    As MUDAN~AS ESTRUTURAIS, 375 0 PROBLEMA DA TRANSI~AO, 392 CONCLUSAO, 395

    9

  • 10 Robert Gilpin

    CAPiTULO 10 A ORDEM ECON6MICA INTERNACIONAL EMERGENTE, 397

    0 PROBLEMA DA LIDERAN

  • Lista de figuras e tabelas

    Fig. I. Desenvolvimento economico e hegemonia politica, 124

    Fig. 2. 0 ciclo economico mundial durante o govemo Reagan, 168

    Tab. I. Anula~ao das leis marxistas pelo welfare state, 78 Tab. 2. Balan~o comercial dos Estados Unidos em bilhoes de d61ares corren-

    tes, 179

  • Prefacio

    Este livro e uma exposi9aO pessoal e tambem uma sintese de certos temas recorrentes e prevalecentes no campo da economia politica internaci-onal. Embora tenha procurado manter separados os elementos pessoal e sin-tetico, manifestei meu proprio ponto de vista em questOes selecionadas da economia politica internacional, como tam bern incorporei ideias e teorias alhei-as mais relevantes para os temas desenvolvidos. Nenhum volume isolado poderia fazer justi9a a todos os trabalhos importantes a respeito desses te-mas, mas procurei integrar aquelas contribui96es que, em si mesmas ou por representar investiga96es mais amp las, ajudaram a esclarecer certos pontos criticos ou teoricos e nosso entendimento da realidade da economia politica internacional contemporiinea.

    Meu interesse pessoal sabre esses assuntos nasceu a medida que me pre-parava para participar de urn seminario no Centro de Assuntos lnternacionais da Universidade de Harvard, em junho de 1970. Tratava-se da apresenta9ao inicial de estudos que foram eventualmente incorporados em Transnational Relations and World Politics (1972), coletanea concebida e editada por Robert Keohane e Joseph Nye. Esse volume de grande fertilidade transformou a disciplina das rela96es internacionais nos Estados Unidos e certamente mi-nha propria agenda de pesquisa.

    Os atores e os processes transnacionais que estavam integrando o mun-do e deslocando a perspectiva das rela96es internacionais tendo como foco os Estados eram o motivo implicito do seminario e do livro de Keohane-Nye. Acreditava-se que os atores transnacionais (par exemplo, as empresas multinacionais e os movimentos politicos), os objetivos assistencialistas e ou-tras metas internas, assim como as fontes nao-militares de influencia, tinham uma importancia cada vez maior na determinayao dos assuntos globais. Por isso, falava-se na necessidade de urn novo paradigma para a disciplina.

    Ao preparar minha contribuiyao para o seminario - sabre o papel das empresas multinacionais na cria9ao desse novo ambiente internacional-, !em-brei-me constantemente da minha experiencia como morador na Fran9a no

  • 14 Robert Gilpin

    momento do ataque do presidente Charles de Gaulle contra as empresas nor-te-americanas que se apressaram a penetrar no recem-formado Mercado Comum Europeu. Na Europa Ocidental, no Canada e no Terceiro Mundo, De Gaulle e outros nacionalistas consideravam essas empresas gigantescos agen-tes do imperialismo expansivo norte-americano, e nilo atores transnacionais neutros; mas o esfor~o concertado de De Gaulle para expulsa-las do Merca-do Co mum foi impedido eficazmente pela rccusa da Alemanha Ocidental em cooperar com essa posi~iio. Percebi, entao, que as empresas norte-america-nas eo fenomeno transnacional que representavam teriam sido destruidos se os alemiies ocidentais tivessem seguido a lideran~a nacionalista francesa.

    Assim, cheguei gradualmente a varias conclusoes de ordem geral. Por exemplo, que as empresas multinacionais eram efetivamente manifesta~oes do expansionismo norte-americano e que, portanto, niio podiam ser separadas dos objetivos mais amplos da politica extema dos Estados Unidos; que os vinculos de seguran~a entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental facilitavam muito esse movimento expansionista; que a chamada Pax Americana proporcionava urn arcabou~o politico para essas atividades economicas e de outra natureza. Minhas ideias sobre o assunto foram fortemente influenciadas pela analise de E. H. Carr (1951) sobre o papel do poder britiinico na difusiio do livre comercio e do liberalismo economico, sob a Pax Britannica. 0 paralelismo entre a expe-riencia britiinica no seculo XIX e a norte-americana no seculo XX parecia pertinente. Em bora naquele momento niio o reconhecesse inteiramente, tinha retomado a uma concep~ao realista da rela~ao entre a economia e a politica, que desaparecera das obras norte-americanas no p6s-guerra, devotadas quase inteiramente a preocupa~oes de seguran~a mais limitadas.

    Minha vincula~ao explicita da economia com a politica, e a resultante ana-lise da perm uta implicita do compromisso militar norte-americano de defender a Alemanha pela politica alemii de defesa dos investimentos dos Estados Unidos no Mercado Com urn, assim como o trade offsemelhante como Japao, provo-cou comentarios incisivos por parte de alguns participantes do seminario. Em 1970, os Estados Unidos estavam envolvidos na Guerra do Vietna, e qualquer pessoa que associasse a sua politica extema com a expansao economica inter-nacional era quase por defini~ao vista como marxista. Ora, eu tinha a certeza de que nao era marxista, mas acreditava firmemente nessa vincula~ao. Portan-to, algoma formula~ao altemativa se fazia necessaria. A partir desse ponto, procurei esclarecer minha am\lise das rela~oes entre a politica e a economia no campo intemacional.

    A principio, pouco sabia sobre o comercio intemacional, as rela~oes monetarias, etc. Com a ajuda de professores capacitados como Benjamin J. Cohen e William Branson, comecei a estudar economia. Voltei-me logo para

  • Prefacio 15

    autores mais antigos de economia politica, como Friederich List, Jacob Viner e J. B. Condliffe, eli tambem os trabalhos mais atuais de Albert Hirschman, Charles Kindleberger, Raymond Vernon e outros. A Woodrow Wilson School, com sua enfase na analise economica, era ideal para esse esfor~o de estudo individual. Embora discordasse de muitas das premissas politicas e sociais dos traba1hos a que recorri, era profundamente grato it generosidade com que os meus colegas economistas me cediam seu tempo e toleravam minha falta de sofistica~iio tecnica.

    Meu livro U. S. Power and the Multinational Corporation (1975) foi o primeiro resultado dessa campanha para esclarecer minha propria posi~iio intelectual, e para dar uma contribui~iio ao que ia assumindo a forma de uma disciplina especifica, o campo da economia politica intemacional. Ali pude desenvolver o argumento do meu trabalho anterior, ao mesmo tempo em que abordava perspectivas importantes da economia politica: o liberalismo, o mar-xismo e o realismo. Minha tese era a de que a expansiio das multinacionais norte-americanas so podia ser compreendida no contexto do sistema politico global instituido depois da Segunda Guerra Mundial. Manifestei minha pro-funda preocupa9iio com o problema do declinio norte-americano, o qual re-sultava da minha associa9iio com Harold Sprout, urn pioneiro da investiga9iio do declinio da Grii-Bretanha.

    Meu crescente interesse pelo crescimento e pe1o declinio das grandes potencias hegemonicas, e pelo significado desse fenomeno aparentemente ciclico para a dinftmica das relay5es internacionais, levou-me a escrever War and Change in World Politics {1981). Alem de temas mais antigos, o livro dava especial aten9iio it teoria marxista (alias, quase-marxista) da dependen-cia, urn novo tema que tinha penetrado na vida academica dos Estados Uni-dos no fim dos anos 1960 e na decada seguinte, em boa parte como resposta it Guerra do Vietnii e ao interesse cada vez maior pelos problemas dos paises menos desenvolvidos. Em bora aceitasse o ponto de vista dos teoricos dade-pendencia, para quem a estrutura do mundo e hierarquica e dominada pelas grandes potencias, argumentei (seguindo a formula marxista classica) o fato de essa rela9iio levar it difusiio das fontes de poder, ao abalo do Estado hegemonico e, eventual mente, it cria9iio de urn novo sistema de hegemonia. Assim, embora reconhecesse as teorias marxistas contemporftneas sabre o sistema internacional, o objetivo do livro era amp liar a perspectiva realista da natureza e da dinfimica desse sistema.

    0 presente volume incorpora esses temas e alguns interesses mais anti-gos, e procura desenvolve-los de forma mais sistematica. Prop5e em maior detalhe as tres ideologias da economia politica, examinando a for9a e as limi-ta96es de cada uma. Em bora saliente a enfase liberal na importiincia da efi-

  • 16 Robert Gilpin

    ciencia do mercado, leva a serio a critica marxista ao mercado global e a economia capitalista. De modo geral, porem, o livro enfatiza a perspectiva realista ou do nacionalismo economico a respeito das rela10oes de comercio, monetarias e de investimento, contrastando-a com as interpreta10oes rivais da economia politica intemacional. Os temas anteriores- a hegemonia econo-mica, a diniimica da economia mundial, a tendencia da atividade economica para transformar a estrutura do sistema politico internacional- siio explora-dos sob urn novo iingulo.

    Minha preocupal'iio anterior como declfnio relativo do poder dos Estados Unidos, o papel dos fatores politicos na determinal'iio das rela10oes economi-cas internacionais e a natureza diniimica das for10as economicas, ao modifi-car as rela10oes politicas globais, ressurge mais adiante. Outros elementos, contudo, aparecem pel a primeira vez. Assim, acentuo o crescimento mete6rico do Japiio e seu desafio ao carater liberal da ordem economica internacional. Dou aten10iio particular ao nota vel deslocamento ocorrido no centro da eco-nomia mundial, do Atliintico para o Pacifico, nas ultimas decadas do seculo XX. E avalio o sentido tanto da mudan10a de posil'iiO da Europa na economia mundial como do seu recuo com rela10iio aos princfpios liberais. As possiveis implical'oes desses eventos hist6ricos para a economia politica intemacional constituem temas importantes, e prevejo uma economia mundial muito dife-rente daquela criada pela hegemonia dos Estados Unidos, no fim da Segunda Guerra Mundial.

    Talvez deva dizer uma palavra sobre o que este livro nfio e. Assim, ele niio tenta propor novas teorias ou novas interpreta10oes da economia politica internacional, nem pretende incorporar todos os temas e escritos importantes de todos os que contribuiram para o campo em expansiio da economia politi-ca internacional. 0 livro niio desenvolve nem sintetiza certas interpreta10oes e temas estabelecidos, os quais considero de importiincia fundamental. lnte-resso-me especialmente pela avalial'iio do nosso conhecimento acumulado sobre o modo como a politica e a economia internacionais interagem e se influenciam mutuamente. Essa abordagem, a qual acentua a importiincia do sistema intemacional, limita-o obviamente, porque o leva a dar atenl'iio insu-ficiente a certos importantes fatores internos da conduta do Estado - sabe-mos, porem, que, isoladamente, nenhum livro consegue abordar a totalidade da materia que pretende abordar.

    Dediquei pouca aten10iio as rela10oes economicas entre o Leste e o Oes-te, a migral'iiO internacional e a Utilizal'iiO de armas economicas para alcan-l'ar objetivos politicos. Isso porque acredito que os tenues lai'OS comerciais (de investimento e monetarios) entre Leste e Oeste tern pouco efeito sobre a politica economica internacional; que as migral'oes internacionais tern pouca

  • Pref
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    ce. Minhas secretarias durante toda a dura9iio do trabalho, Lenore Dubchek, Dorothy Grone! e Heidi Schmitt, merecem igualmente minha profunda grati-diio. Finalmente, gostaria de agradecer a Elizabeth Gretz a excelente prepa-ra9iio final do texto.

    Durante tres veroes sucessivos prometi a minha esposa, Jean, urn des-canso do seu trabalho como professora, e levei-a a urn dos mais belos lagos de Vermont, onde ela ficou presa, de manhii ate tarde da noite, ao manuscrito deste livro. Sua contribui9iio editorial e substantiva foi extraordinaria, e merece mais do que o agradecimento costumeiro com que os escritores contemplam o conjuge. Sem a sua ajuda, este livro nunca seria escrito. Dedico-lhe meu amor e meu profunda agradecimento par participar das minhas pesquisas e da minha vida.

    P de novembro de 1986.

  • Introdu~ao

    Houve uma transformayao importante na ordena9ao econ6mica intemacio-nal do pas-guerra. 0 sistema de liberalizayao do comercio, estabilidade moneta-ria e interdependencia econ6mica global instituido em Bretton Woods deixou de existir, e a concepyao liberal das relayoes econ6micas intemacionais desde meados dos anos 1970 vern sendo corroida. A difusao do protecionismo, os disturbios nos mercados monetarios e financeiros e a evoluyao de politicas econ6micas nacionais divergentes nas economias dominantes erodiram os fun-damentos do sistema intemacional. Contudo, a inercia, esse fator poderoso na vida do homem, transportou ate a decada de 1980 as normas e as institui96es de uma ordem cada vez menos liberal. Que aconteceu com o sistema? Quais as implicayoes futuras do seu fracasso? Eo que este livro se propoe a explicar.

    Em urn nivel mais generico e te6rico, este trabalho e parte de urn acervo em expansao de pesquisas academicas sobre a economia politica das relayoes inter-nacionais. Ele presume que uma compreensao do comercio, das rela96es mo-netarias e do desenvolvimento econ6mico exige a integra9ao da perspectiva te6rica das disciplinas da economia e da ciencia politica. Muitas vezes os temas das politicas publicas sao vistos como se a economia pudesse ser considerada isoladamente da politica, e vice-versa. Os acontecimentos dos ultimos anos do seculo XX estao obrigando os estudiosos das re!ayoes intemacionais a focalizar as inevitaveis tensOes e as interay5es continuas entre a economia e a politica. 0 prop6sito deste trabalho e reduzir o hiato entre esses dois pontos de vista.

    Ha uma necessidade imperiosa de integrar o estudo da economia inter-nacional com o estudo da politica internacional para aprofundarmos nossa compreensao das foryas em presenya no mundo. Muitos temas e muitas ques-toes importantes ultrapassam a divisao intelectual entre as duas disciplinas. As transformayoes ocorridas no mundo real fizeram com que a economia e a politica se tornassem mutuamente mais relevantcs, em comparayao com o passado, o que for9ou a admissao de que nosso entendimento te6rico das suas interayoes sempre foi inadequado, excessivamente simplificado e limita-do arbitrariamente pel as fronteiras impostas as duas disciplinas.

  • 20 Robert Gilpin

    Durante toda a historia, os fatores econ6micos tern desempenhado urn papel importante nas rela96es intemacionais. Na politica externa, os objeti-vos, os recursos e os instrumentos econOmicos foram sempre urn e]emento significative nas disputas entre grupos politicos. E improvavel que nos tem-pos homericos o rosto de Helena tenha sido a razao fundamental para lan9ar mil barcos ao mar e motivar o rei Agamenon a sitiar Troia- em bora possa muito hem ter sido urn fator contributivo. E mais prov3ve1 que o motive crucia1 dos gregos tenha sido o desejo de controlar a lucrativa rota comercial que passava pelos Dardanelos. Seculos mais tarde, o Imperio Persa usou sua grande reserva de ouro para intluenciar a politica externa dos estados menos importantes. No quinto seculo antes de Cristo, Atenas fechou OS portos da liga de Delos a urn aliado de Esparta, sua rival, o que e urn dos primeiros casos registrados de guerra econ6mica. A historia esta rep leta de exemplos semelhantes, a testemunhar o papel do fator econ6mico nos assuntos interna-cionais; nesse sentido, pode-se dizer que a economia politica das rela96es internacionais sempre existiu.

    Embora ao Iongo da historia os fatores politicos e econ6micos sempre tenham exercido uma influencia reciproca, no mundo moderno essa intera91io transformou-se de modo importante. Nos ultimos seculos cresceu a interdependencia das economias nacionais, em virtude do aumento dos tluxos de comercio, do intercilmbio financeiro e tecnologico. A percep9iio publica do conteudo econ6mico das disputas politicas tam bern aumentou, e as pes-soas podem (pelo menos pensam que podem) identificar mais facilmente as causas do descontentamento ou da euforia econ6mica em atos especificos de determinados grupos, no seu proprio pais ou no exterior (Hauser, 1937, p. I 0-12). E a ex pan sao des sa consciencia econ6mica, assim como da demo-cracia politica, levou a uma percep9iio quase universal de que o Estado pode ser usado para produzir resultados econ6micos, e, em particular, para redistribuir a riqueza em favor de detenninadas pessoas ou grupos (Bonn, 1939, p. 33). Assim, a distribui9iio da riqueza, a praga do desemprego e a infla91io sao vistas hoje como o resultado de a96es humanas, e nao como conseqi.iencia de leis econ6micas imutaveis, o que leva a inevitavel politizar;ao dos assuntos econ6micos.

    Ha mudanr;as profundas subjacentes a esses acontecimentos. Desde o seculo XVI, o principio da organiza9ao da ordem politica intemacional tern sido a primazia do Estado nacional. 0 Estado deslocou as fonnas pre-modernas de organiza9iio politica, como a cidade-estado, a tribo eo imperio; simultaneamen-te, o mercado tomou-se o meio primario da organizar;ao das relar;oes econ6mi-cas, e afastou outros meios de interciimbio: a reciprocidade, a redistribui9iio, o comando imperial. Essas duas fonnas opostas de organiza9iio social, o Estado

  • Introdw;ao 21

    modemo eo mercado, desenvolveram-se ao mesmo tempo, nos Ultimos secu-los, e sua interayao reciproca tomou-se cada vez mais importante para o can\-ter e para a dinamica das rela9iles intemacionais.

    Essas mudan9as na organizayao social e na consciencia hum ana elevaram os temas economicos ao nivel mais alto das rela9iles intemacionais. 0 bem-estar economico dos povos e o destino das na9iles uniram-se intimamente ao funcionamento e as conseqiiencias do mercado. Os estadistas modemos preo-cupam-se com a direyao dos tluxos financeiros, as mudanyas inevitaveis nas vantagens comparativas e a distribuiyao intemacional das atividades prod uti-vas. No principia do seculo XX, Halford Mackinder, o reputado estudioso da geografia politica, profetizou que a crescente sensibilidade dos estadistas a es-sas mudanyas concentraria sua atenyao na "disputa pela eficiencia relativa" (Mackinder, 1962 [1904], p. 242).

    A despeito dessas mudanyas, as duas disciplinas continuaram a estudar os eventos contemporiineos mantendo separadas as esferas do Estado e do mercado. Os motivos dessa especializayao academica sao apropriados e com-preensiveis: a realidade social, da mesma forma que a realidade fisica, preci-sa ser fragmentada em pedayos manipulaveis para ser estudada, de modo a permitir o progresso do conhecimento te6rico. No en tanto, e necessaria tam-bern reunir esses fragmentos individuais em uma estrutura integrada da eco-nomia politica, mais ampla, para que se possa compreender toda a realidade politica e econ6mica.

    Assim, este estudo desenvolve-se em do is niveis. No primeiro, consiste em uma averiguayao pratica da realidade da economia politica internacional contemporanea, e busca entender como a interayao do Estado e do mercado esta transformando as relayiles internacionais nas ultimas decadas do seculo XX. lndaga quais serao as provaveis conseqiiencias quando o locus da "efi-ciencia relativa" se deslocar da Europa Ocidental e dos Estados Unidos para o Japao e outras potencias economicas na Asia e no mundo em desenvolvi-mento. Em urn segundo nivel, e urn estudo te6rico, e procura integrar as diferentes formas como os estudiosos tern concebido a economia politica in-ternacional, de modo geral e em areas especificas, tais como o comercio, a moeda e os investimentos estrangeiros. Essa abordagem adota a premissa de que o estudo dos acontecimentos contemporaneos deve seguir em paralelo com o estudo das questiles te6ricas, e par meio da discussao que segue pro-curaremos extrair implicayiles para a ordem internacional emergente, econo-mica e politica.

    A evoluyao da economia politica intemacional nas pr6ximas decadas sera intluenciada profundamente par tres desenvolvimentos importantes. 0 primei-ro eo relativo declinio da lideran9a economica, pelos Estados Unidos, da econo-

  • 22 Robert Gilpin

    mia liberal intemaeional do pas-guerra. Com a redw;ao do poder norte-ame-ricano, as foryaS favoraveis a interdependencia economica global ficaram na defensiva.' 0 segundo e a mudanya em andamento no locus central da eco-nomia do mundo, do Atlantica para o Pacifico; nos anos 1970 o fluxo de comercio por meio do Pacifico excedeu o do Atlantica. 0 terceiro e a cres-cente integrayao das economias do Japao e dos Estados Unidos, integrayao esta que chegou a urn grau sem precedentes para as nayiies soberanas.

    A crescente cooperayao entre essas duas economias passou a ser urn dos trayos predominantes da economia mundial contemporanea. Em termos de co-mercia, produyao e finanyas essas economias sao cada vez mais interdependentes. Com a politica economica do governo Reagan e a transfor-mayao dos Estados Unidos em pais devedor, a criayao da economia nichibei-nipo-norte-americana - deu-se com extraordin3ria rapidez.2 Ao representar 30% da produyao mundial, esse vinculo por meio do Pacifico tomou o Iugar preeminente da anterior relayao entre os Estados Unidos e a Europa Ociden-tal.3 Os fluxos comerciais maciyos entre o Japao e os Estados Unidos, as alian-yas entre as suas empresas multinacionais e a importancia do capital japones na economia norte-americana transformaram as relayoes entre os dois paises, de superior e subordinado, para uma parceria mais equilibrada. Em grande parte, a natureza, a dinamica e a estabilidade dessa relayao determinarao o con junto das relayiies economicas globais.

    A importancia do vinculo nipo-norte-americana para as relayiies interna-cionais reside no fato de o d6lar sera base da projeyao mundial dos Estados Unidos. Juntamente com a proteyao dada aos seus ali ados japoneses e euro-peus pelas armas nucleares norte-americanas, foi a funyao do d6lar como principal moeda do sistema monetario internacional que consolidou o sistema de alianyas mundiais dos Estados Unidos, constituindo a base da hegemonia norte-americana. Como d6lar lastreando o sistema monetario internacional, os Estados Unidos puderam com bater no exterior, manter tropas em outros

    1 Kenneth Waltz (1979) analisa o papel do sistema politico internacional como urn fator impor-tante no desenvolvimento da interdependCncia econOmica. Segundo The Economist (7 de dezembro de 1985, avalia~tiio do Japao, p. 17), "essa economia con junta osjaponeses chamam de Nichibei, palavra composta com dois caracteres para' Japiio' (Nihon) e America (Beikoku, pais do arroz)". Nlio pude veriflcar se os japoneses de fato usam esse tenno para se referir a crescente integra~ao entre as duas economias. No entanto, como ela parece apropriada, vou us

  • Introdw;:ao 23

    paises e financiar sua posiyao hegem6nica sem impor urn custo substancial ao contribuinte, o que reduziria o seu padrao de vida. Esse papel crucial do d6lar, e os "privilegios extravagantes" que conferia aos Estados Unidos- para usar as palavras de Charles de Gaulle-, vern exigindo que urn parceiro estrangei-ro a jude a apoiar o d6lar. Hoje, essa incumbencia tern recaido nos japoneses, com seus imensos investimentos nos Estados Unidos, cuja dependencia fi-nanceira do Japao e urn dos temas importantes deste livro, assim como a interdependencia da economia Nichibei.

    A estruturayao descrita em seguida reflete esses objetivos pn\ticos e te6-ricos. Os tres primeiros capitulos indicam a perspectiva intelectual e relacio-nam os t6picos te6ricos a ser explorados. 0 Capitulo I define a natureza da economia politica intemacional como a interayao do Estado como mercado, e estuda o significado dessa relayilo. 0 Capitulo 2 avalia os tres pontos de vista (ou ideologias) prevalecentes sobre o caritter dessa interayao. 0 Capitulo 3 analisa a dinamica da economia politica intemacional.

    Os capitulos seguintes voltam-se para temas substantives. 0 sistema mo-netario internacional constitui o nexo necessaria de uma economia intemacio-nal que funcione com eficiencia- materia do Capitulo 4. Os Capitulos 5 e 6 discutem o comercio internacional e as empresas multinacionais, temas cujo inter-relacionamento e cada vez maior. 0 Capitulo 7 trata da controversia so-bre o impacto da economia internacional no desenvolvimento econOmico e sobre o bem-estar dos paises em desenvolvimento. 0 Capitulo 8 analisa a im-portancia crucial do sistema financeiro intemacional ao associar as economias nacionais e seu papel fundamental na sustentayilo do desenvolvimento global, focalizando a amea9a que sua crescente vulnerabilidade traz a estabilidade econ6mica do mundo. Portanto, sao capitulos que comeyam com o dinheiro e tenninam com as finanyas: o dinheiro facilita o funcionamento e a integrayilo do mercado global; o sistema financeiro esta implicado na dinamica da econo-mia, mas representa tam bern o seu vinculo mais debil.

    Os capitulos conclusivos avaliam os temas e os problemas da economia politica intemacional no fim dos anos 1980. 0 Capitulo 9 analisa as mudanyas politicas, econ6micas e tecnol6gicas que transfonnaram a economia mundial nas tiltimas decadas. 0 significado dessas mudanyas para as relayoes econ6-micas intemacionais eo tern a do Capitulo I 0, o qual avalia a importancia cres-cente do mercantilismo, do regionalismo e do protecionismo setorial.

  • Capitulo 1

    A natureza da economia polftica

    E a existencia paralela e a interayilo recfproca do Estado e do mercado que cria, no mundo modemo, a "economia politica"; sem o Estado e o mercado essa disciplina nilo existiria. Ausente o Estado, o mecanismo dos preyos e as foryas do mercado determinariam o resultado das atividades econ6micas: esta-riamos no mundo puro do economista. Na ausencia do mercado, os recursos econ6micos seriam distribuidos pelo Estado, ou urn seu equivalente; estariamos no mundo puro do cientista politico. Em bora nenhum desses dois mundos possa existir de forma pura, a influencia relativa do Estado e do mercado muda com o tempo e com as circunstancias. Portanto, os conceitos de "Estado" e "mer-carlo" na amilise que segue silo o que Max Weber denominou de "tipos ideais".

    A expressilo "economia politica" sofre de ambigiiidade. Adam Smith e os economistas chissicos a utilizaram com o sentido do que hoje chamamos de "cif:ncia econ6mica". Mais recentemente, alguns estudiosos como Gary Becker, Anthony Downs e Bruno Frey definiram "economia politica" como a aplicayilo da metodologia da economia formal, ou seja, o cham ado "modelo do ator racio-nal", a todos os tipos de conduta hum ana. Outros usam a expressilo querendo referir-se ao emprego de uma teoria econ6mica especffica para explicar a con-duta social: os jogos, a ayilo coletiva e as teorias marxistas silo tres exemplos. A abordagem baseada na escolha publica inspira-se tanto no metoda como na teoria econ6mica para explicar o comportamento social. E outros ainda usam "economia politica" para indicar urn con junto de questoes geradas pel a intera9i16 das atividades econ6micas e politicas- questOes a ser exploradas com todos os metodos teoricos e metodol6gicos disponiveis (Tooze, 1984).

    Embora as abordagens a economia politica baseadas na teoria e no meto-da da economia sejam muito uteis, silo ainda inadequadas para propiciar urn

  • 26 Robert Gilpin

    arcabou90 abrangente e satisfat6rio para a investiga9ao academica. Os con-ceitos, as varhiveis e as rela96es de causalidade nao foram ainda desenvolvi-das de forma sistematica: 0 fator politico e outros fatores nao-econ6micos sao muitas vezes desprezados. Com efeito, uma metodologia unificada ou uma te-oria da economia politica exigiriam uma com preen sao generica do processo da mudan9a social, incluindo-se af os modos como interagem os aspectos social, econOmico e politico da socicdadc. Por essas raz5es uso aqui "economia politi-ca" apenas para indicar urn con junto de questoes que devem ser examinadas com uma mistura eclt!tica de metodos analiticos e perspectivas te6ricas.

    Essas questoes sao geradas pel a intera9ao do Estado e do mercado como a incorpora9ao da politica e da economia no mundo moderno. Elas investi-gam de que forma o Estado e seus processos politicos conexos afetam a produ9ao e a distribui9ao de riqueza, assim como, em particular, o modo como as decisoes e os interesses politicos influenciam a localiza9ao das atividades econ6micas e a distribui9ao dos seus custos e beneficios. lnversamente, essas questoes indagam tam bern qual o efeito dos mercados e das for9as econ6mi-cas sabre a distribui9iio do poder e do bem-estar entre os Estados e outros atores politicos, e especialmente como essas for9as alteram a distribui9ao internacional do poder politico e militar. Nem o Estado nem o mercado sao causa primaria; as rela96es causais entre eles sao interativas, e na verdade ciclicas. Assim, as questoes a ser exploradas aqui focalizam as intera96es miiltiplas de meios muito diversos para ordenar e organizar as atividades hu-manas: o Estado e o mercado.

    Essa formula9ao certamente nao e original, e e pelo menos Hio antiga quanta a distin9ao critica de Georg Hegel na sua Filosojia do dire ito ( 1945 [1821]), entre Estado e sociedade (economia). Outros autores propuseram defini96es semelhantes. Charles Lindblom ( 1977), por exemplo, pro poe "in-terc3mbio" e "autoridade" como os conceitos fundamentais da economia politica. Peter Blau (1964) usa "intercambio" e "coer9ao"; Charles Kindleberger (I 970) e David Baldwin (I 971) preferem "poder" e "dinheiro"; Klaus Knorr (1973) emprega "poder" e "riqueza". Enquanto Oliver Williamson (1975) contrasta "mercados" e "hierarquias", Richard Rosecrance (1986) contrasta "mercado" e "territorialidade", dois conceitos pr6ximos dos esco-lhidos por nos. Note-se que cada uma dessas visoes da economia politica tern seus pr6prios meritos.

    Charles Kindleberger observou ( 1970, p. 5) que tanto o or9amento do Es-tado como o mercado funcionam como mecanismos para a aloca9ao de recur-sos e de produtos. Em urn mundo exclusivamente politico, em que nao existisse o mercado, o Estado distribuiria os recursos disponfveis de acordo com seus objetivos sociais e politicos, decisoes que assumiriam a forma do or9amento

  • A economia polftica das rela~6es internacionais 27

    estatal. E em urn mundo sem interven9iio do Estado, em que s6 exista o merca-do, este funcionaria na base dos pre9os relativos das mercadorias e dos servi-90S; as decisoes teriam a forma da busca do interesse individual. Assim, os estudiosos da economia politica intemacional devem procurar entender como esses modos contrastantes de decidir e de organizar as atividades humanas se intluenciam mutuamente, determinando, assim, resultados sociais.

    Em bora o Estado eo mercado sejam aspectos distintos do mundo moder-no, incorporando respectivamente a politica e a economia, e 6bvio que niio podem ser separados de forma completa. Com efeito, o tema deste livro eo seu inter-relacionamento. 0 Estado intluencia profundamente o resultado das atividades do mercado ao determinar a natureza e a distribui9iio dos direitos de propriedade, assim como as regras que regulam a conduta econ6mica (Gerth e Mills, 1946, p. 181-182). A crescente percep9iio de que o Estado pode intluen-ciar as for9as do mercado, e as intluencia, determinando o seu destino em grau significativo, e urn fator importante para explicar a emergencia da economia politica. Por outro !ado, o proprio mercado e uma fonte de poder que intluencia os resultados politicos. A dependencia econ6mica cria uma rela9iio de poder que e fundamental na economia mundial contemporilnea. Em suma, em bora seja pas-sive! considerar a politica e a economia como duas for9as distintas, as quais determinam a fei9ii0 da epoca em que vivemos, e]as niio funcionam de forma independente.

    0 Estado eo mercado tern procurado deslocar outras formas de organiza-9iiO politica e econ6mica no mundo moderno em virtude de sua eficiencia na produ9iio do poder e/ou da riqueza. Originarios do principia da Europa moder-na, o Estado eo mercado difundiram-se daquele recanto relativamente peque-no do globo para abranger uma fra9iio substancial da humanidade. Hoje, muito poucas pessoas vi vern a margem da sombra do Estado; e estas consideram a institui9iio de urn Estado como urn dos seus objetivos mais importantes, como testemunha a !uta dos judeus, dos palestinos e de outros povos. Ao seguir urn ritmo altemado, o mercado como modalidade de intercilmbio tambem se ex-pandiu, e trouxe urn numero cada vez maior de sociedades para a rede da interdependencia econ6mica. 1

    A rela9iio entre Estado e mercado, e especialmente as diferen9as entre esses dois principios de organiza9iio da vida social, e urn tema recorrente do

    1 A rela~ao histOrica entre Estado e mercado e tema de intensa controversia acadCmica. Se os do is tiveram urn desenvolvimento autOnomo, se o mercado gerou o Estado ou o contnirio, sao questOes hist6ricas importantes cuja solw;i'io nao e relevante para o argumento apresentado neste livro. Qualquer que tenha sido a sua origem, o Estado eo mercado tern hoje uma existCncia independente, uma 16gica prOpria e uma intera~ao reciproca.

  • 28 Robert Gilpin

    discurso academico. De urn !ado, o Estado baseia-se nos conceitos da territorialidade, lealdade e exclusividade, e tern o monop6lio do uso legitimo da for9a. Embora nenhum Estado possa sobreviver por muito tempo sem o consentimento dos grupos sociais mais poderosos, e niio garanta os seus inte-resses, os Estados gozam de graus de autonomia variados com respeito as sociedades das quais participam. De outro !ado, o mercado fundamenta-se nos conceitos da integrayao funcional, das relayOes contratuais e da crescen-te interdependencia de compradores e vendedores. E urn universo composto principaJmente por pre90S e quantidades; 0 agente economico autonomo, que responde aos sinais dados pelos pre9os, tern uma base para a sua decisiio. Para o Estado, as fronteiras territoriais sao necessarias para a unidade politi-ca e a autonomia nacional. Para o mercado, e imperativo eliminar todos os obstaculos politicos e de outra natureza ao funcionamento do mecanismo dos pre9os. A tensiio entre essas duas maneiras de ordenar as rela96es humanas, fundamentalmente distintas, afetou profundamente o curso da hist6ria mo-dema e constitui urn problema crucial no estudo da economia politica. 2

    Essa concep9iio da economia politica difere sutilmente da defini9iio usa-da no meu livro anterior sobre o assunto, a qual definia a economia politica como "a intera9iio reciproca e diniimica ( ... ) da busca da riqueza e do poder" (Gilpin, 1975, p. 43). Embora ambas focalizem os efeitos da rela9iio entre "economia" e "politica", a presente fonnulayao salienta a organizacrao dessas atividades na Era Moderna, enquanto o trabalho anterior acentuava o objeti-vo dessas atividades. Obviamente, essas concep96es inter-relacionam-se. Con forme observado antes, os mercados constituem certamente urn meio de conseguir e de exercer o poder, e o Estado pode ser us ado ( e e usado) para alcan9ar a riqueza. Estado e mercado interagem para intluenciar a distribui-9iio de poder e riqueza nas rela96es intemacionais.

    Os temas da economia politica

    0 contlito entre a crescente interdependencia tecnica e econ6mica do mundo e a continua compartimentaliza9iio do sistema politico, composto de Estados soberanos, e urn motivo dominante dos trabalhos contemporiineos sobre a eco-nomia politica intemacional.3 Enquanto poderosas for9as do mercado- o co-mercio, OS fluxos financeiros e OS investimentos extemos- tendem a uJtrapas-

    2 Os conceitos de Estado e de mercado usados neste livro derivam primariamente de Max Weber (1978, v. I, p. 56, 82 e passim).

    3 0 primeiro autor a abordar sistematicamente esse tema deve ter sido Eugene Staley (1939).

  • A economia politica das rela~6es internacionais 29

    sar as fronteiras nacionais, a escapar ao controle politico e a integrar as socie-dades, a tendencia dos governos e restringir, canalizar e fazer com que a ali vi-dade economica sirva os interesses percebidos dos Estados e dos grupos pode-rosos que atuam no seu interior. A l6gica do mercado consiste em localizar as atividades economicas onde elas sao mais produtivas e lucrativas; a l6gica do Estado consiste em capturar e controlar o processo de crescimento economico e de acumulayao de capital (Heilbroner, 1985, p. 94-95).

    Durante seculos, debateu-se sobre a natureza e as conseqiiencias do che-que das l6gicas do mercado e do Estado, que se opunham fundamental mente. Desde os primeiros pensadores modernos sobre a economia, como David Hume, Adam Smith e Alexander Hamilton, ate luminares do seculo XIX, como David Ricardo, John Stuart Mille Karl Marx, e os autores contemporiineos, a opiniao esteve sempre profundamente dividida a respeito da interayiio da economia e da politica. As interpretayiies conflitantes representam tres ideologias funda-mentalmente diferentes, as quais discutiremos no proximo capitulo.

    0 cheque inevitavel cria tres temas genericos inter-relacionados que pene-tram as controversias hist6ricas no campo da economia politica internacional. Todos se relacionam com o impacto do crescimento de uma economia do merca-do mundial sobre a natureza e a diniimica das relayoes internacionais4 E todos podemos encontrar nos tratados dos mercantilistas do seculo XVIII, nas teori-as dos economistas classicos e neoclassicos dos ultimos dois seculos, nos to-mes dos marxistas do seculo XIX e dos criticos radicais contemporiineos do capitalismo e da economia da globalizayao. Uma longa tradiyao te6rica e especulativa e crucial para 0 entendimento dos problemas contemporiineos do comercio, das finan'Yas e das rela'YOes monet3rias entre os paises.

    0 primeiro lema tern aver com as causas e os efeitos economicos e poli-ticos do surgimento de uma economia de mercado. Em que condiyoes emerge uma economia global altamente interdependente? Ela promove harmonia entre os Estados nacionais ou provoca conflitos entre eles? Sera necessaria a pre-senya de urn poder hegem6nico para assegurar que Estados capitalistas man-

    4 Obviamente, nem todos que trabalham no campo da economia politica internacional concorda-dio com a escolha desses tres temas como os mais importantes. Muitos poderiam apresentar outros temas, com boa razao. Assim, por exemplo, os temas propostos excluem a formayao e a subst

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    tenham relaviies cooperativas ou paden\ essa cooperayao surgir espontanea-mente do interesse mutua? Sabre este ponto os te6ricos de diferentes escolas de pensamento tern apresentado opinioes profundamente conflitantes.

    Os liberais em economia acreditam que as vantagens de uma divisao internacional do trabalho com base no principia das vantagens comparativas fazem com que os mercados surjam espontaneamente e promovam a harmo-nia entre os Estados; acreditam tambem que as redes de interdependencia economica, que se encontram em expansao, criam uma base para a paz e para a cooperayao no sistema de Estados soberanos, competitivos e anarqui-cos. Par outro !ado, os nacionalistas economicos acentuam o papel do poder na formayao de urn mercado e a natureza conflitiva das relaviies economicas internacionais; argumentam que a interdependencia econi\mica precisa ter urn fundamento politico, cria outra arena para o conflito entre os Estados, aumenta a vulnerabilidade nacional e constitui mecanismo que uma socieda-de pode usar para dominar outra. Embora todos os marxistas enfatizem o papel do imperialismo capitalista na criayao de uma economia de mercado global, eles se dividem entre os leninistas, para quem as relayoes entre as economias de mercado sao pela sua natureza conflitivas, e os seguidores de Karl Kautsky, o principal protagonista de Lenin, os quais acreditam que as economias de mercado (pelo menos as dominantes) cooperam na explorayao con junta das economias rna is fracas. A ale gada responsabilidade do sistema de mercado pela paz e pela guerra, pela ordem e pela desordem, pelo imperial is-rna e pel a autodeterminavao esta implicita nesse tema importante, como tam-hem a questao crucial de saber se a existencia de uma economia internacional liberal exige a participayao de uma economia hegemi\nica para governar o sistema. 0 desafio aos Estados Unidos e a Europa Ocidental representado pelo Japao e outras potencias econi\micas em ascensao, no fim do seculo XX, dramatiza a importiincia dessa materia.

    0 segundo lema relacionado com a economia politica internacional e o vinculo entre a mudanva econi\mica e a politica. Quais sao os efeitos sabre as relaviies politicas internacionais e que problemas estao associ ados as mudan-yas estruturais no locus global das atividades economicas, nos principais seta-res da economia enos ciclos da atividade econi\mica? Vice-versa, de que modo os fatores politicos afetam a natureza e as conseqtiencias das mudanyas estru-turais nos assuntos econ6micos? Assim, par exemplo, pode-se questionar se os ciclos econ6micos e seus efeitos politicos sao urn feni\mcno end6geno (interno) ao funcionamento da economia de mercado ou se essas flutuayoes sao devidas ao impacto de fatores ex6genos (externos) sabre o sistema econ6mico, tais como guerras ou outros eventos politicos. E necessaria tam bern indagar se a instabilidade econ6mica e ou niio a causa de certos disti1rbios politicos profun-

  • A economia politica das rela~6es internacionais 31

    dos, como a expansao imperialista, as revoluyoes politicas e as grandes guerras dos ultimos seculos.

    Assim, este livro interessa-se em parte pelos efeitos das mudan9as eco-n6micas sabre as relayoes politicas internacionais. Essas mudan9as pertur-bam o status quo internacional e levantam problemas politicos de grandes dimensoes: qual sen\ a base da nova ordem econ6mica, equal a nova lideran-l'a politica? Haver:\ um ajuste apropriado as novas realidades econ6micas (por exemplo: novas relayoes monet:irias e comerciais)? Como se poder:i resolver o choque inevit:ivel da vontade de os Estados manterem sua autono-mia interna com a necessidade de regras internacionais que regulem tais mudan9as? Esses aspectos da transi9iio entre epocas hist6ricas surgiram no-vamente corn a difusao global de atividades econ6rnicas e as alterayoes pro-fundas nos principais setores econ6micos que ocorrem no firn do seculo XX. E irnportante pesquisar a relayao entre essas rnudan9as estruturais e a crise na economia politica internacional.

    0 terceiro lema do livro e o significado, para as econornias nacionais, de urna economia de rnercado globalizada. Quais sao as conseqiiencias para o desenvolvimento econ6rnico, o declinio eo bern-estar de cada urna dessas so-ciedades? De que modo a economia de mercado rnundial afetar:i o desenvolvi-rnento dos paises menos desenvolvidos eo declinio das econornias avan9adas? Quais os seus efeitos sabre o bem-estar interno dos paises envolvidos? Como afetar:i a distribui9iio do poder e da riqueza entre as sociedades nacionais? 0 funcionamento de uma economia mundial tender:\ a concentrar a riqueza eo poder ou, ao contr:irio, contribuir:i para a sua difusao?

    Tanto os liberais como os marxistas tradicionais considerarn a integra9ao de urna sociedade na econornia mundial como urn fator positivo para o bem-estar interno e o desenvolvirnento econ6mico. Para a rnaioria dos liberais, o comCrcio e urn "motor do crescimento"; embora as fontes intemas de desen-volvimento sejarn mais irnportantes, o processo de crescimento beneficia-se grandernente com OS fluxos internacionais de comercio, de capita] C de tecnologia produtiva. Os marxistas tradicionais acreditam que essas for9as externas pro-rnovem o desenvolvimento ao destruir as cstruturas sociais conservadoras. Por outro ]ado, nos paises desenvolvidos como nos paises ern desenvolvimento, os nacionalistas acreditarn que a economia de rnercado rnundial prejudica a eco-nomia e 0 bem-estar internes. Para eles, 0 comercio e, na verdade, Uql "motor de explorayao" dos seus paises, urn fator de subdesenvolvirnento- no caso das economias avan~adas, uma causa do declinio econOmico. Essa controvCrsia sobre o papel da economia mundial na distribui9ao global da riqueza, do poder e do bem-estar constitui uma das questoes mais controvertidas e rna is intensa-mente discutidas da economia politica.

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    Esses tres temas- as causas e os efeitos da economia de mercado global, a rela9iio entre as mudanyas econ6mica e politica, o significado da economia mundial para as economias intemas- constituem as mais importantes areas de interesse do livro. Naturalmente, nem todos os aspectos desses temas seriio examinados aqui em detalhe: pretendo concentrar-me naqueles t6picos especi-ficos que esclarecem os problemas da economia mundial contemporanea.

    No restante deste capitulo discutiremos a natureza do mercado, suas con-seqtiencias econ6micas, sociais e politicas, assim como as respostas politicas a esses efeitos. E nos capitulos subseqiientes estudaremos o papel do Estado na sua tentativa de controlar as foryas do mercado. No entanto, antes de consi-derar a tematica te6rica implicada nessa interayiio, e sua relevancia para a compreensiio de assuntos tais como o comercio, as relayoes monetarias e o investimento extemo, devemos fazer a seguinte pergunta sobre o foco desse mercado: por que enfatiza-lo como o ponto crucial da vida econ6mica modema em vez de focalizar, por exemplo, o capitalismo, o advento da industrializayiio ou o impacto da tecnologia cientifica?

    A importancia do mercado

    Nosso estudo da economia politica tern como foco o mercado e suas rela-y5es com o Estado porque na nossa epoca a economia de mercado mundial e crftica para as relayoes intemacionais; ate mesmo nas sociedades socialistas a chave para 0 debate econ6mico e 0 pape] atribufdo as foryaS intemas e exter-nas do mercado. No seu estudo classico sobre a transformayiio da sociedade modema Karl Polanyi disse:

    ( ... ) a fonte e matriz do sistema [ econ6mico e politico modem a] era a auto-regulagem do rnercado. Foi essa inovar;:ao que criou uma civilizar;:ao especffi-ca. 0 padrao-ouro era simplesmente uma tentativa de estender ao campo internacional o sistema interne de mercado; o sistema do equilibria de poder era uma superestrutura erigida sabre o padrao-ouro e que em parte funciona-va por meio dele; o prOprio Estado liberal era uma criar;:ao do mercado auto-regulado. A chave para o sistema institucional do seculo XIX [assim como o da nossa epoca] sao as leis que govemam a economia de mercado (Polanyi, 1957, p. 3).

    Por outro !ado, Karl Marx acentuava a importancia do capitalismo ou do modo de produyiio capitalista como urn fator exclusivo, e criativo, do mundo modemo. Segundo Marx e seu colaborador Engels, os trayos que definem o capitalismo (e que aceito) silo a propriedade privada dos meios de produyiio, a

  • A economia polftica das relac;6es internacionais 33

    existencia de trabalho livre ou assalariado, o Iuera como motivayilo e a tendon-cia para acumular capital. Sao essas caracteristicas que dao ao capitalismo o seu dinamismo, e, por sua vez, o can\ter dinamico do sistema capitalista trans-formou todos os aspectos da sociedade moderna. Conforme Gordon Craig dei-xou clara, a natureza revoluciom\ria do capitalismo reside no fato de, pela pri-meira vez, o instinto de acumulayilo da riqueza ter se incorporado ao processo produtivo; o que mudou a face do globo foi a combinayilo desse sistema econo-mico como desejo de adquirir riqueza (Craig, 1982, p. I 05-1 06).

    Nao ha duvida de que e correta essa caracteriza9ilo da natureza dinamica do capitalismo, e do seu impacto: eo espirito agressivo do capitalismo aquisitivo que da vida ao sistema de mercado (Heilbroner, 1985). Mas foi o mercado que liberou inicialmente essas foryas do capitalismo, e depois as canalizou. 0 capitalismo exerce sua influencia profunda nas rela9iies sociais e no sistema politico por meio do mecanismo de mercado. 0 mercado e o interciimbio co-mercia! unificam o universo economico; no entanto, nao se pode falar de urn modo internacional de produyilo capitalista. A despeito da emergencia da em-presa multinacional e das finanyas internacionais, a produyilo e as finan9as ainda tern uma base nacional, e, apesar da maior interdependencia economica, poucas economias estao completamente integradas na economia mundial. AI em disso, nas ultimas decadas do seculo XX o bloco socialista, o qual nao privilegia o mercado, aumentou sua participayilo no mercado global. Portanto, o mercado global nao se confunde com 0 sistema capitalista, e e bern maior.

    0 dinamismo do sistema capitalista deve-se precisamente ao fato de, esti-mulado pela motivayilo do Iuera, o capitalista precisar competir para sobreviver em uma economia de mercado competitiva. Acompetiyao elimina os ineficientes, premia a inova9ilo e a eficiencia e promove a racionalidade. Na ausencia de urn mercado, o capitalismo perde sua criatividade e seu vigor essencial (McNeill, 1982). As caracteristicas pr6prias do modo capitalista de produ9ilo, conforme definidas pelos marxistas, nao teriam levado ao progresso economico sem 0 estimulo da competiyilo no mercado. No entanto, na presenya do mercado, ate mesmo as firmas nacionalizadas precisam lutar para man ter-se lucrativas e com-petitivas. Assim, o advento do socialismo nao deve alterar necessariamente essa dinamica subjacente, desde que continue a haver a competiyao ou urn seu equivalente funcional. John Rawls lembra-nos que "nao ha urn vinculo essenci-al entre a utilizayilo do mercado livre e a propriedade privada dos meios de produ91io" (Rawls, 1971, p. 271 ). 0 capitalismo nao esta associ ado necessaria-mente ao sistema de trocas no mercado.

    Assim, o conceito de "mercado" e mais amplo do que o de "capitalismo". A essencia de urn mercado, a qual definimos adiante com maiores detalhes, eo papel central dos preyos relatives na tomada de decisiies para a alocayao de

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    recursos. A essencia do capitalismo, como dissemos anteriormente, e a pro-priedade privada dos meios de produ9iio e a existencia de trabalho livre. Teori-camente, urn sistema de mercado poderia ser composto par atores publicos e com for9a de trabalho sem liberdade, como no conceito de socialismo de mer-carlo. 0 papel crescente do Estado e dos atores publicos no mercado criou ultimamente uma economia mista de empresa publica e privada. Na pn\tica, porem, o mercado tende a vincular-se ao capitalismo intemacional.

    Em suma, o sistema de intercilmbio no mercado e o modo de produ9ao capitalista sao coisas distintas, em bora haja uma conexao estreita entre elas, e algumas vezes sejam mencionadas neste livro indiferentemente. 0 termo "ca-pitalismo" e ambiguo demais para ser usado como uma categoria analitica. Com efeito, existem muitas variedades de capitalismo, as quais funcionam de maneira diferente. Sen\ a Fran9a, par exemplo, genuinamente capitalista, com 90% do seu setor financeiro e boa parte da sua industria pesada em maos do Estado? Como classificar o capitalismo japones, com o papel tao importante atribuido ao Estado na orienta9iio da economia? 0 mundo contemporilneo esta composto em grande parte de economias mistas, for9adas a competir entre si no contexto intemacional.

    Outros pesquisadores identificaram o industrialismo, a sociedade industrial e/ou o desenvolvimento da tecnologia cientifica como caracteristicas da vida econ6mica modema.5 0 desenvolvimento da tecnologia industrial eo da cien-cia modema sao obviamente importantes para a prosperidade e para o carater do mundo modemo. Niio se pode explicar a Revolu9iio Industrial e o advento da ciencia modema simplesmente como uma resposta as for9as do mercado; sem a tecnologia baseada na ciencia, a modema economia do mercado nao teria podido progredir tanto.

    Os avan9os cientificos dos seculos XVll e XVIII que instituiram os alicer-ces da industria e da tecnologia modemas nao podem ser explicados s6 par motivos econ6micos. A ciencia e uma cria9iio intelectual resultante da curiosi-dade humana e da tentativa de compreender o universo. Contudo, sem uma demanda par maior eficiencia e novas produtos, o estimulo para explorar a ciencia e para desenvolver inova96es tecnol6gicas seria muito menor. Embora o progresso cientifico aumente o suprimento potencial de novas industrias e novas tecnologias, e 0 mercado que produz a demanda necessaria para que essas tecnologias sejam criadas. Assim, o papel crucial do mercado, ao organi-zar e ao promover a vida econ6mica, justifica nosso enfoque no mercado, as-sim como as implica96es da interdependencia econ6mica nas rela96es intema-cionais.

    5 Goldthorpe (1984, cap. 13), Giddens (1985) e Rostow (1975) representam essas posi~Oes.

  • A economia politica das relac;:Oes internacionais 35

    0 conceito de mercado, ou de interdependencia econ6mica, e ambiguo, havendo muitas defini9iies diferentes.6 Neste Iivro usaremos a defini9ao de interdependencia econ6mica do Oxford English Dictionary, favorecida por Richard Cooper: interdependencia e "o fato ou condi9ao da dependencia reci-proca; a mutua dependencia" (Cooper, 1985, p. 1196). Alem dis so, como Robert Keohane e Joseph Nye (1977) observaram, a interdependencia econ6mica pode referir-se a uma rela9a0 de poder, isto e, ao que Albert Hirschman (1945) chama de "interdependencia de vulnerabilidade". A expressao pode significar tambem interdependencia de sensitividade, ou seja, a pronta intera9ao das mu-dan9as nos pre9os e nas quantidades em diferentes mercados nacionais.

    Embora em teoria esses diferentes sentidos se possam distinguir facil-mente uns dos outros, na realidade isso nem sempre acontece. A nao ser advertencia em contrario, uso "interdependencia" no senti do de "dependen-cia mUtua, embora nao igual". Aceito a interdependencia econ6mica como urn fato ou condi9ao, mas nao concordo com muitas das suas alegadas con-seqtiencias econ6micas e politicas.

    Se por aumento da interdependencia econ6mica se pretende indicar o fun-cionamento da "lei do pre90 unico"- isto e, 0 fato de OS bens identicos tende-rem a ter o mesmo pre9o -, entao, a interdependencia global alcan9ou urn nivel sem precedente. No entanto, as conclusiies a que podemos chegar nao sao 6bvias. Em bora examinemos neste livro a integra9ao dos mercados nacionais em uma economia global interdependente e em expansao, questionaremos tam-bern alguns dos efeitos que se atribui a essa crescente interdependencia no campo das rela96es intemacionais. A intcrdependencia. e urn fen6meno a ser estudado, nao urn con junto pronto de conclusiies a respeito da natureza e da diniimica das rela96es intemacionais.

    As conseqiH\ncias economicas do mercado

    Embora "mercado" seja urn conceito abstrato, a econo~ia de mercado pode ser detlnida como aquela em que bens e servi9os sao intercambiados na base de pre9os relativos; no mercado as transa96es sao negociadas e os pre-yos determinados. Nas palavras de urn economista, sua essencia e "a forma-9ao de urn pre9o, mediante a negocia9ao entre os que vendem e os que com-pram" (Condliffe, 1950, p. 301). Em termos mais formais, mercado e "o con-junto de qualquer regiao onde compradores e vendedores se encontram com tal liberdade que os pre9os das mesmas mercadorias tendem a se igualar rapida-

    6 Cooper (1985, p. 1196-1200) apresenta urn a excelente ami lise desses v

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    mente e sem dificuldade" (Coumot, citado em Cooper, 1985, p. 1199). Suas caracteristicas especificas dependem do grau de abertura e da intensidade da competi9iio. Os mercados diferem entre sino concemente a liberdade que ti!m os participantes de nele ingressar, e tambem na medida em que compradores e vendedores podem influenciar individualmente os tennos desse interciimbio. Assim, urn mercado perfeito ou auto-regulado e aquele que esta aberto a todos os interessados potenciais, e no qual nenhum vendedor ou comprador pode detenninar os tennos desse interciimbio. Embora nunca tenha havido nenhum mercado perfeito a esse ponto, este eo modelo implicito no desenvolvimento da teoria econ6mica.

    A economia de mercado representa urn afastamento significativo dos Ires tipos mais tradicionais da economia de troca. Embora nenhuma dessas fonnas de interciimbio tenha existido de forma exclusiva, uma del as sempre tendeu a predominar. 0 sistema econ6mico que mais prevaleceu ao Iongo da hist6ria, e que ainda e caracteristico de muitas economias menos desenvolvi-das, eo interciimbio localizado, muito restrito em termos do escopo geografi-co e da cesta dos bens oferecidos. 0 segundo tipo de interciimbio e 0 das economias comandadas, como as dos grandes imperios hist6ricos da Assiria e, em grau muito menor, de Roma; que e tam bern a dos paises socialistas de hoje. Nessas economias planificadas, a produ9iio, a distribui9iio eo pre9o das mercadorias tendem a ser controlados pela burocracia govemamental. 0 ter-ceiro tipo e 0 do comercio por meio de grandes distiincias, com mercadorias de alto valor, como as caravanas que cruzavam a Asia e a Africa, principais centros desse interciimbio. Em bora com urn comercio geograficamente exten-so, envoi via so urn pequeno numero de bens ( condimentos, sed as, escravos, metais preciosos, etc.). Por muitas razoes, os mercados tendem a deslocar as fonnas mais tradicionais de interciimbio.

    Urn dos motivos da primazia do mercado na fonna9iio do mundo modemo e 0 fato de ele obrigar a reorganiza,ao da sociedade, para que possa funcionar mais adequadamente. Como Marx percebeu claramente, quando surge urn mercado ele se toma uma for9a poderosa para a transfonna9ilo social. Vale a pena citar uma autoridade no assunto:

    Quando o poder econ6mico e redistribuido por aqueles que abra9am o ideal produtivo, sua influncia como compradores, investidores e empregadores e considerada capaz de modificar o resto da sociedade. 0 passo critico no estabelecimento de urn momenta do mercado e a alienaf;i'io da terra c do trabalho. Quando esses componentes fundamentais da existencia social sen-tern a influencia do mecanisme dos preyos, a direc;ao social transferc-se para os determinantes econ6micos (Appleby, 1978, p. 13-15).

  • A economia politica das relac;Oes internacionais 37

    Na ausencia de limites sociais, fisicos e de outra natureza, a economia de mercado tern uma qualidade dinamica e expansiva. Tende a provocar o desen-volvimento econ6mico, a expandir-se territorialmente e a abranger todos os segmentos da sociedade. Estados e grupos de interesse procuram restringir o funcionamento do mercado porque ele tern a capacidade potencial de exercer uma pressao considen\vel sobre a sociedade; os esforyos para controlar os mer-cados levam ao surgimento da economia politica das relayi'ies intemacionais.

    Tres caracteristicas da economia de mercado sao responsaveis pelo seu dinamismo: I) o papel critico dos preyos relativos na troca de bens e de servi9os; 2) a importancia fundamental da competiyao como determinante da conduta individual e institucional; e 3) a importiincia da eficiencia na deterrni-nayao da capacidade de sobrevivencia dos atores econ6micos. Delas decor-rem todas as profundas conseqiiencias do mercado para a vida econ6mica, social e politica.

    A economia de mercado promove o crescimento por razi'ies estaticas e diniimicas. 0 mercado aumenta a alocayao eficiente dos recursos existentes. 0 crescimento econ6mico existe porque o mercado promove urn a redistribuiyao de terra, trabalho e capital, orientando-os para aquelas atividades mais compe-titivas. E como as for9as competitivas do mercado obrigam o produtor a inovar e levam a economia a niveis cada vez mais altos de tecnologia e eficiencia produtiva (para que possam prosperar ou meramente sobreviver), o mercado promove dinamicamente inova9i'ies tecnol6gicas e de outros tipos e expande, assim, o poder e a capacidade da economia. Embora tanto os aspectos estati-cos como os dinamicos dos mercados tenham ao Iongo da hist6ria contribuido para o crescimento econ6mico, o fator dinamico adquiriu importancia decisiva com o advento da ciencia modema, base da tecnologia de produ9ao.

    A economia de mercado tende a expandir-se geograficamente, ultrapassar fronteiras politicas e incorporar uma parte cada vez maior da populayao do globo (Kuznets, 1953, p. 308). A demanda por recursos e mao-de-obra mais baratos faz com que se difunda o desenvolvimento econ6mico (H. Johnson, 1965b, p. 11-12). Com o tempo, uma parte crescente da peri feria econ6mica e atraida para a 6rbita do mercado. As razi'ies dessa tendencia expansionista incluem as eficiencias de escala, o aperfeiyoamento dos transportes e o au-menlo da demanda. E o que Adam Smith tinha em mente quando afirrnou que tanto a divisao do trabalho como o crescimento econ6mico dependem da esca-la do mercado (Smith, 1937 [ 1776], p. 17). Para aproveitar esse aumento da eficiencia e reduzir os custos, os atores econ6micos procuram expandir a ex-tensao e a escala do mercado.

    Outra caracteristica da economia de mercado e a tendencia para incorpo-rar todos os aspectos da sociedade as relay5es de mercado. Por meio dessa

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    "comercializayao", todas as facetas da sociedade tradicional sao trazidas para a 6rbita do mecanismo dos preyos. A terra, a forva de trabalho e outros chama-des "fatores de produyao" passam a ser mercadorias, a ser intercambiadas, sujeitas ao jogo das foryas do mercado (Heilbroner, 1985, p. 117). De forma rna is crua, pode-se dizer que tudo tern o seu preyo; como urn amigo economista costuma dizer, "o valor de uma coisa e o seu preyo". Em conseqih~ncia, os mer-cados tern urn impacto profundo e desestabilizador na sociedade, porque disso!-vem as estruturas tradicionais e as relaviies sociais (Goldthorpe, 1978, p. 194).

    Tanto no nivel intemo como no intemacional, o sistema de mercado tende tambem a criar uma divisao hienirquica de trabalho entre os produtores, ba-seada principalmente na especializayao e no que os economistas chamam de lei das vantagens (ou custos) comparativas. Em conseqtiencia das foryas do mercado, a sociedade (intema e intemacional) e reordenada sob a forma de urn centro diniimico e uma peri feria dependente. 0 centro caracteriza-se princi-palmente pelos niveis mais avanyados de tecnologia e de desenvolvimento econ6mico; a peri feria depende do centro, pelo menos inicialmente, como urn mercado para suas exportayiies de produtos basicos e como fonte de tecnicas produtivas. No curto prazo, a medida que o centro cresce ele vai incorporando a sua 6rbita uma parte cada vez maior da peri feria; no Iongo prazo, contudo, em conseqtiencia da difusao da tecnologia produtiva e do processo de cresci-mento, novas centres tendem a formar-se na periferia, tomando-se nU.cleos altemativos de crescimento. Essa tendencia para a expansao do centro e o surgimento de novos nucleos tern conseqiiencias profundas para a economia e para a politica (Friedmann, 1972).

    A economia de mercado tende tambem a redistribuir a riqueza e as ativi-dades econ6micas entre as sociedades e no seu interior. Embora todos se beneficiem, em termos absolutos, a medida que enriquecem com a participa-viio na economia de mercado, alguns ganham mais do que outros. Ha uma tendencia para que os mercados, pelo menos inicialmente, concentrem a rique-za em determinados grupos, classes ou regiiies. Os motivos sao muitos: as economias de escala, a renda dos monop6lios, os efeitos das extemalidades positivas (transferencias de uma atividade para outra), as vantagens do apren-dizado e da experiencia e muitas outras eficiencias que produzem urn ciclo caracterizado por "dar mais a quem tern mais". No entanto, subseqiientemen-te, os mercados tendem a difundir a riqueza por todo o sistema, em razao da transferencia de tecnologia, das mudanyas nas vantagens comparativas e ou-tros fatores. Em certas sociedades pode haver tam bern urn circulo vicioso de declinio a depender da sua flexibilidade e da capacidade de ajustar-se as mu-danyas. Mas o crescimento e a difusao da riqueza nao ocorre de forma homo-genea em todo o sistema; tende a concentrar-se naqueles novos centros ou

  • A economia politica das rela~6es internacionais 39

    nucleos de crescimento em que as condio;:oes sao mais favon\veis. Em conse-qiiencia, a economia de mercado tende a promover urn processo de desenvol-vimento irregular nos sistemas interno e internacional.

    Deixada a seus pr6prios impulsos, uma economia de mercado tern efeitos profundos sabre a natureza e a organizao;:ao das sociedades, assim como sabre as relao;:oes politicas entre elas. Embora muitas dessas conseqiiencias possam ser beneficas, e desejadas por uma sociedade, outras contrariam os desejos e os interesses de grupos e Estados dotados de poder. Assim, a tendencia resul-tante e a de que OS Estados intervenham nas atividades economicas para pro-mover os efeitos que os beneficiam e para reduzir os que lhes sao prejudiciais.

    Os efeitos do mercado e as rea~oes politicas

    No universo abstrato dos economistas, a economia e outros aspectos da sociedade existem em esferas separadas. Os economistas propoem a hip6tese de urn universo te6rico composto de atores autonomos e homogeneos, os quais tendem a maxi mizar vantagens, sao livres e capazes de reagir as foro;:as do mercado em termos do que entendem seja seu auto-interesse. Assumem o fato de as estruturas economicas serem flexiveis e os comportamentos mu-darem automaticamente e de forma previsivel em funo;:ao dos sinais emitidos pelos preo;:os (Little, 1982, cap. 2). Como se nao existissem classes sociais, lealdades etnicas e fronteiras nacionais. Quando lhe perguntaram certa vez 0 que faltava no seu classico livro de texto, o economista Paul Samuelson, ganhador do Premia Nobel, teria respondido: "a !uta de classes". 0 que e correto, embora ele pudesse ter acrescentado, sem exagero indevido e sem violar o espirito do seu livro, "rar;as, Estados nacionais e todas as outras divisoes politicas e sociais".

    De acordo com os economistas, a essencia da economia e de suas impli-cao;:oes para a organizao;:ao polftica e social esta contida no que Samuelson qualificou de "mais bela ideia" da teoria economica, a saber: a lei das vanta-gens comparativas de David Ricardo. Esse simples conceito implica a orga-nizao;:ao da sociedade internacional e das sociedades nacionais em termos de eficiencia relativa. lmplica uma divisao universal do trabalho baseada na es-pecializao;:ao, em que cada participante se beneficia de acordo com a contri-buio;:ao que da ao conjunto. E urn mundo em que a pessoa mais humilde e a nao;:ao com menos recursos podem encontrar urn nicho de prosperidade. Par baixo do crescimento e da expansao do mercado e da interdependencia eco-nomica presume-se uma harmonia fundamental de interesses entre OS indivf-duos, os grupos e as nao;:oes.

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    No mundo real, dividido em muitos grupos e Estados, freqiientemente contlitantes, os mercados tern urn impacto diferente daquele proposto pela teoria economica, e provocam poderosas rea96es politicas. As atividades economicas afetam diferentemente 0 bem-estar politico, social e economico de varios grupos e Estados. 0 mundo real e urn universo de lealdades exclusivas, muitas vezes contrastantes, e de fronteiras politicas em que a divisao do trabalho e a distri-buiyfio dos seus frutos sao detenninadas tanto pelo seu poder e sua sorte como pelas leis do mercado e do mecanismo dos pre9os. Com freqiiencia a premissa de uma harmonia fundamental de interesses nao se sustenta, eo crescimento e a expansao dos mercados em urn mundo social e politicamente fragmentado tern conseqiiencias profundas para a natureza e o funcionamento da politica internacional. Quais sao essas conseqiiencias que provocam rea96es politicas?

    Uma conseqiiencia da economia de mercado para a politica nacional e internacional sao os efeitos altamente perturbadores sobre a sociedade; a intro-du9ao das for9as do mercado e do mecanismo dos pre9os em uma sociedade tende a sobrepor-se as institui96es e as rela96es sociais da tradi9ao, e ate mesmo a dissolve-las. A competi9ao da eficiencia expulsa os ineficientes e obriga todos a se adaptar a novos habitos. Como ja notamos, os mercados tern uma tendencia inerente para expandir-se e atrair tudo para a sua 6rbita. Novas demandas sao estimuladas constantemente, novas fontes de suprimento sao procuradas. Alem disso, os mercados estao sujeitos a disturbios e flutua96es ciclicas sobre os quais a sociedade pode ter pouco controle; a especializa9ao e as dependencias resultantes aumentam a vulnerabilidade a eventos imprevis-tos. Em suma, os mercados constituem uma fonte poderosa de transforma9ao social e politica e provocam rea96es igualmente importantes, a medida que as sociedades tentam se proteger contra as for9as que desencadeiam (Polanyi, 1957). Portanto, nao ha Estado, por mais liberal, que perm ita a manifesta9ao plena e livre das for9as do mercado.

    Outra conseqiiencia da economia de mercado eo fato de ela afetar signi-ficativamente a distribui9ao de riqueza e de poder entre as sociedades e dentro de cada uma. Teoricamente, todos podem aproveitar as oportunidades do mer-cado; na pratica, pon\m, os individuos, os grupos e as na96es tern dotes desi-guais, e estao em situa96es diferentes para beneficiar-se dessas oportunida-des. Assim, o aumento da riqueza e a difusao das atividades economicas em urn sistema de mercado tendem a ser desiguais, o que favorece alguns atores mais do que outros. Por isso os Estados procuram orientar as for9as do merca-do de modo a que trag am beneficios a seus cidadaos, e disso resulta, pelo menos no curto prazo, uma distribui9ao desigual da riqueza e do poder entre os participantes daquele mercado e a estratifica9ao das sociedades na economia politica internacional (Hawtrey, 1952).

  • A economia polltica das rela~Oes internacionais 41

    Outra conseqiiencia importante da economia de mercado, no que se re-fere aos Estados, e em decorrencia do fato de a interdependencia econ6mica criar uma rela9ao de poder entre grupos e sociedades. Os mercados nao sao politicamente neutros; criam poder economico, o qual urn a tor pode usar contra outro. A interdependencia provoca vulnerabilidades que podem ser explora-das e manipuladas. Nas palavras de Albert Hirschman, "o poder de interrom-per as rela9iies comerciais e financeiras com qualquer pais( ... ) e a causa fundamental da posi9ao de influencia ou de poder que urn pais adquire com rela9iio a outros" (Hirschman, 1945, p. 16). Portanto, em graus variados, a interdependencia econ6mica estabelece uma dependencia hien!rquica e cria rela9iies de poder entre os grupos e as sociedades nacionais. Ao reagir a essa situa9ao, os Estados procuram aumentar a sua propria independencia, assim como a dependencia dos demais.

    Uma economia de mercado traz beneficios e custos para os grupos e para as sociedades. De urn lado, a especializa9ao e a divisao do trabalho promovem o crescimento da economia eo aumento da riqueza dos que parti-cipam do mercado. Embora esses beneficios nao se distribuam de forma igualitaria, de modo geral todos ganham em termos absolutes. Assim, poucas sociedades procuram fugir a participayao no sistema econ6mico mundial. De outro lado, porem, a economia de mercado impiie tambem custos econ6mi-cos, sociais e politicos a determinados grupos e sociedades, de forma que, em termos relatives, alguns se beneficiam mais do que outros. Por isso, os Esta-dos procuram proteger-se ao limitar os custos que incidem sobre eles e sobre os seus cidadaos. No mundo contemporaneo, a disputa entre grupos e Estados, a prop6sito dessa distribui9ao de vantagens e custos, tornou-se urn dado importante das rela9iies internacionais.

    Conclusao

    As preocupayoes principais deste livro sao como impacto da economia de mercado global sobre as rela9iies entre os Estados, e o modo como estes pro-curam influir nas foryas do mercado para maxi mizar suas vantagens. lmplicitos nessa rela9ao entre Estado e mercado, ha tres temas interligados, importantes para o estudante de politica. 0 primeiro eo modo como a interdependencia no mercado afeta a politica intemacional e e afetada por ela, particularmente pela presenya ou pela ausencia de uma lideran9a politica. 0 segundo tern aver com a interayao das mudan9as econ6micas e politicas, a qual provoca uma intensa competi9ao entre os Estados pela localizayao global das atividades econ6mi-cas, em particular nos nucleos de maior importancia da industria moderna.

  • 42 Robert Gilpin

    0 terceiro e 0 efeito do mercado mundial sobre 0 desenvolvimento economico e o conseqUente esforyo dos Estados para controlar ou pelo menos para ter condiy5es de influenciar as regras ou os regimes que govemam o comercio, o investimento extemo e o sistema monetario intemacional, assim como outros aspectos da economia politica intemacional.

    Por tnis dos temas aparentemente tecnicos do comercio e das finanyas intemacionais ha temas politicos que influenciam profundamente o poder, a independencia e o bem-estar dos Estados. Assim, embora o comercio possa trazer beneficia mutuo para 0 comprador e para 0 vendedor, todos OS Estados pretendem que seus ganhos sejam desproporcionalmente maiores do que a vantagem que o comercio lhes traz; e querem utilizar a tecnologia para obter o maior acrescimo de valor a sua contribuiyao a divisao intemacional do trabalho. E da mesma forma, todos os Estados querem ter influencia no processo decis6rio das regras do sistema monetario intemacional. Em todos os segmentos dos assuntos econ6micos internacionais, os temas econ6micos e politicos entrela-yam-se.

    Os pesquisadores e outros individuos diferem, contudo, a respeito dana-tureza dessas relay5es entre OS temas economicos e politicos. Embora pos-samos identificar muitas posiyoes distintas, quase todas tendem a recair em tres perspectivas, ideologias ou escolas de pensamento contrastantes: o libe-ralismo, o nacionalismo eo marxismo. No prOximo capitulo vamos avaliar as foryas e os limites de cada uma delas. Em particular, estudaremos o desafio fundamental do nacionalismo, especial mente do marxismo, com respeito as perspectivas de persistencia da economia internacionalliberal do pas-guerra.

  • Capitulo 2

    Tres ideologias da economia polftica

    Nos ultimos 150 anos, Ires ideologias dividiram a humanidade- o liberalis-mo, o nacionalismo e o marxismo. Este livro entende par "ideologias" o que Heilbroner (1985, p. I 07) chama de "sistemas de pensamento e de cren9as com os quais [os individuos e os grupos] explicam ( ... )como funciona o seu sistema social, e que principios ele testemunha". 0 conflito entre essas tres atitudes marais e intelectuais tern girado em torno do papel e do significado do mercado na organiza9ao da sociedade e da economia.

    Por meio de uma avalia9ao dos pontos fortes e das fraquezas dessas ide-ologias e passive! iluminar o estudo da economia politica internacional. A for9a de cada uma dessas perspectivas sen\ aplicada a discussoes posteriores de temas especificos, tais como comercio, investimento e desenvolvimento. Em-bora meus valores pessoais sejam os do liberalismo, o mundo em que vivemos sugere uma melhor descri9ao com as ideias do nacionalismo econ6mico e, ocasionalmente, tam bern do marxismo. 0 ecletismo pode nao levar a precisao, te6rica, mas as vezes eo Unico caminho disponivel.

    As Ires ideologias citadas diferem em urn amplo cardapio de perguntas, como as seguintes: qual o significado do mercado para o crescimento econ6mi-co e para a distribui9ao da riqueza entre grupos e sociedades? Qual deveria ser o papel dos mercados na organiza9ao da sociedade nacional e internacional? Qual o efeito do sistema de mercado sabre os temas relacionados com a guer-ra e a paz? Essas perguntas, e outras semelhantes, sao fundamentais para a economia politica internacional.

    Essas tres visoes ideol6gicas diferem profundamente no modo como con-cebem as rela96es entre sociedade, Estado e mercado, e talvez nao seja urn exagero afirmar que todas as controversias no campo da economia politica internacional podem ser reduzidas as diferen9as na maneira de interpretar

  • 44 Robert Gilpin

    essas rela96es. 0 contraste intelectual tern mais do que simples interesse hist6rico. 0 liberalismo economico, 0 marxismo e 0 nacionalismo economico subsistiam com for9a total no fim do seculo XX, ao definir as perspectivas conflitantes que as pessoas tern com respeito as implical'oes do sistema de mercado para as sociedades nacionais e a intemacional. Muitos dos temas que eram controvertidos nos seculos XVlll e XIX voltaram a ser debatidos intensamente.

    E importante compreender a natureza e o conteudo dessas ideologias contrastantes da economia politica. Uso o termo "ideologia", em vez de "teo-ria", porque cada posi9aO implica urn sistema de cren9as abrangente a respeito da natureza da sociedade e dos seres humanos, assemelhando-se assim ao que Thomas Kuhn denominou de "paradigma" (Kuhn, 1962). Como Kuhn demons-trou, os compromissos intelectuais sao defendidos com tenacidade e raramente podem ser afastados pela 16gica ou pela evidencia contn\ria. lsso se deve ao fato de esses compromissos ou ideologias pretenderem anunciar descri96es cientificas do modo como o mundo funciona, em bora constituam tam bern posi-l'oes normativas sobre o modo como o mundo deveria funcionar.

    Em bora muitas "teorias" tenham sido elaboradas para explicar a relal'iiO da economia com a politica, tres delas adquiriram importancia especial e tern tido uma influencia profunda tanto na pesquisa como na politica. Ao simplifi-car uma realidade bern mais complexa, podemos dizer que o nacionalismo economico (ou mercantilismo, como foi conhecido originalmente), o qual se desenvolveu a partir da pnitica dos govemantes no principia da hist6ria moder-na, presume e advoga o primado da politica sobre a economia. E essencial-mente uma doutrina que privilegia o Estado e afirma o fato de o mercado dever estar sujeito aos interesses estatais. Argumenta serem os fatores poli-ticos determinantes das rela,oes economicas, ou pelo menos deveriam determim\-las. Quanta ao liberalismo, que emergiu do lluminismo nos livros de Adam Smith, entre outros, foi uma rea9ao ao mercantilismo e incorporou-se a economia ortodoxa. 0 liberalismo presume que, pelo menos do ponto de vista ideal, politica e economia ocupam esferas separadas. No interesse da eficien-cia, do desenvolvimento e da soberania do consumidor, os mercados devem funcionar livres de interferencia politica. 0 marxismo, que surgiu em meados do seculo XIX como uma rea9ao contra o liberalismo e a economia classica, sustenta ser a economia a condutora da politica. Os conflitos politicos nas-cem da !uta entre as classes sociais a prop6sito da distribui9ao da riqueza, e s6 cessarao quando o mercado e a sociedade de classes forem eliminados. Como na nossa epoca tanto o nacionalismo como o marxismo se desenvolve-ram em rea,ao aos objetivos da economia liberal, meu exame e avalial'ao dessas tres ideologias come9ara com o liberalismo econ6mico.

  • A economia polftica das relat;Oes internacionais 45

    A perspectiva liberal

    Alguns estudiosos afirmam niio existir uma teoria liberal da economia po-litica, porque o liberalismo distingue a economia da politica e entende que cada esfera funciona de acordo com regras e 16gica pr6prias. 1 Mas esse ponto de vista e em si mesmo uma posi

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    A premissa do liberalismo economico e a ideia de que urn mercado surge de forma espontanea para satisfazer as necessidades humanas, e que, uma vez que comece a funcionar, o faz de acordo com sua propria 16gica interna. 0 homem e, por natureza, urn animal natural, e, portanto, os mercados desen-volvem-se naturalmente, sem uma direyao central. Nas palavras de Adam Smith, "transportar, vender e trocar" sao atividades inerentes a humanidade. Para facilitar o com6rcio e melhorar seu bem-estar, as pessoas criam mercados, meios de pagamento e instituiyiies economicas. Assim, no seu estudo sobre a organizayao econ6mica de urn campo de prisioneiros de guerra, R. A. Radford (1954) mostra como mesmo nas condiyiies mais extremas surge espontanea-mente urn mercado complexo e sofisticado para satisfazer as necessidades humanas; mas a sua descriyao mostra tambem a necessidade de alguma forma de govemo para policiar esse sistema primitivo de mercado2

    A rationale do mercado e o aumento da eficiencia economica, a maximizayao do crescimento da economia e, portanto, a melhoria do bem-estar humano. Em bora os liberais acreditem que a atividade economica au-menta tam bern o poder e a seguranya do Estado, argumentam que o objetivo primordial dessa atividade e beneficiar os consumidores individuais. Sua de-fesa fundamental do livre comercio e da abertura dos mercados e que eles aumentam a gama de bens e serviyos disponiveis ao consumidor.

    A premissa fundamental do liberalismo e a noyao de que a base da socie-dade eo consumidor individual, a firma, a familia. Os individuos comportam-se de forma racional e procuram maximizar ou satisfazer certos val ores ao me-nor custo passive!. A racionalidade s6 se aplica ao sentido da conduta, ao esforyo feito, nao ao resultado. Assim, se urn objetivo nao e alcanyado por causa da ignorancia ou alguma outra causa, para os liberais isso nao invalida a premissa de que OS individUOS agem Sempre na base de urn calculo do custo/beneficio, dos fins com relayao aos meios. Finalmente, o liberalismo sustenta que o individuo continua a perseguir urn objetivo ate que urn equili-bria seja ale any ado no mercado, ou seja, ate que os custos associados com a realizayao desse objetivo igualem as vantagens decorrentes. Os economistas liberais tentam explicar o comportamento econ6mico e, em certos casos, a conduta humana de modo geral, com base nessas premissas individualistas e racionalistas (Rogowski, 1978).

    0 liberalismo presume tam bern que exista urn mercado em que os indivi-duos tern inforrnayao completa e, portanto, podem selecionar o curso de ayao que lhes traz mais beneficios. Produtores e consumidores individuais serao muito sensiveis aos sinais dos preyos, e isso criara uma economia flexivel, em que

    ~ Agrade

  • A economia polftica das relac;:Oes internacionais 7

    qualquer mudanva nos prevos relatives provoque uma mudanva corresponden-te na estrutura da produvao, do consumo e das instituiv5es econ6micas; estas ultimas seriam o produto e nao a causa do comportamento econ6mico (Davis e North, 1971 ). AI em disso, em urn mercado genuinamente competitive, os ter-mos de interciimbio sao determinados de forma exclusiva pela oferta e pela demanda, e nao pelo exercicio do poder e pela coervao. Seas trocas sao volun-tarias, ela satisfazem os dois )ados.

    A disciplina academica da "economia", ou seja, a economia como e ensi-nada na maioria das universidades norte-americanas (que os marxistas cha-mam de economia ortodoxa ou burguesa), e considerada a ciencia empirica da maximizavao da conduta. 0 comportamento humano e tido como govemado por urn con junto de "leis" econ6micas, impessoais e politicamente neutras. Assim, economia e politica podem ser separadas em esferas distintas. Os governos nao devem intervir no mercado, exceto nos casos em que este ultimo falhe (Baumol, 1965), ou entao para proporcionarum bern publico, ou coletivo (Olson, 1965).

    A economia de mercado e governada principalmente pela lei da demanda (Becker, 1976, p. 6). Essa "lei" ( ou, se preferirmos, essa premissa) a firma que as pessoas comprarao mais de urn bern se o seu preyo relativo cair, e menos se ele subir. Da mesma forma, as pessoas tenderao a comprar rna is se sua renda relativ::t aumentar, e menus se ela diminuir. Qualquer desenvolvimento que mude o prevo relative de urn bern, ou o rendimento relative de urn ator, criara urn estfmulo, positive ou negative, para adquirir ( ou produzir) rna is ou menos desse bern. Essa lei tern ramificav5es profundas em toda a sociedade. Em bora haja algumas excev5es a esse simples conceito, ela e fundamental para o funciona-mento e para o exito de urn sistema de mercado.

    Do I ado da oferta, a economia liberal entende que os individuos perse-guem seus interesses em urn universo marcado pela escassez e pelos limites a disponibi1idade dos recursos- uma condivao fundamental e inescapavel da existencia humana. Toda decisao implica urn custo de oportunidade, uma op-vao entre os usos alternatives dos recursos disponiveis (Samuelson, 1980, p. 27). A 1ivao fundamental da economia liberal e que there is no such thing as a free lunch, ou seja, "todo almovo tern o seu prevo" - para obter algo precisamos ceder alguma coisa em troca.

    0 liberalismo afirma tam bern que a economia de mercado tern uma estabi-lidade inerente, e mostra uma forte tendSncia para o equilibria, pelo menos no Iongo prazo. Esse "conceito de equilibrio auto-imposto e autocorrigivel, alcan-vado pela contraposivao de forvas em urn universe racional" e crucial para a crenva dos economistas no funcionamento do mercado e nas leis que o gover-nam (Condliffe, 1950, p. 112). Se urn mercado se desequilibra em razao de

  • 48 Robert Gilpin

    algum fator ex6geno, tal como uma mudanya nas preferencias do consumidor ou na tecnologia da produyao, o mecanismo dos preyos o reconduzin\ oportu-namente para urn novo estado de equi