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Cibele Fernandes Dias 1 ROTEIRO DE DIREITO CONSTITUCIONAL PARA O CONCURSO DE AUDITOR FISCAL DO TRABALHO - MTE 1 - aulas 1 a 4 PONTOS DO EDITAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1.1 Princípios fundamentais. 2. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2.1 Normas de eficácia plena, contida e limitada. 2.2 Normas programáticas. 3 Direitos e garantias fundamentais. 1. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 O MAPA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 : preâmbulo, Títulos I a IX e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias “Há que se ter presente, no entanto, considerada a controvérsia em referência, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente (e unânime) decisão (ADI 2.076/AC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), reconheceu que o preâmbulo da Constituição não tem valor normativo, apresentando-se desvestido de força cogente.”[...] O preâmbulo não é um conjunto de preceitos. (...). O preâmbulo não pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria direitos ou deveres (...); não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo como texto 'a se'; só há inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na Constituição.” 2 1 Elaborado pela Professora Cibele Fernandes Dias como plano de aula. Mestre e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professora de Direito Constitucional da FEMPAR (Fundação Escola do Ministério Público do Paraná), ESMAFE (Escola da Magistratura Federal do Paraná), EMAP (Escola da Magistratura Estadual do Paraná), ESA/PR (Escola Superior de Advocacia do Paraná). Advogada (OAB/Pr 25443). 2 Voto do Ministro Celso de Mello, Relator no Mandado de Segurança n. 24645-DF, transcrição do Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 320.

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Cibele Fernandes Dias

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ROTEIRO DE DIREITO CONSTITUCIONAL PARA O

CONCURSO DE AUDITOR FISCAL DO TRABALHO -

MTE 1 - aulas 1 a 4

PONTOS DO EDITAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1.1 Princípios

fundamentais. 2. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2.1 Normas de

eficácia plena, contida e limitada. 2.2 Normas programáticas. 3 Direitos e

garantias fundamentais.

1. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

O MAPA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: preâmbulo, Títulos I a IX e Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias

“Há que se ter presente, no entanto, considerada a controvérsia em referência,

que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente (e unânime) decisão

(ADI 2.076/AC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), reconheceu que o preâmbulo da

Constituição não tem valor normativo, apresentando-se desvestido de força

cogente.”[...] O preâmbulo não é um conjunto de preceitos. (...). O preâmbulo não

pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria direitos ou deveres (...);

não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo como texto 'a se'; só há

inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na Constituição.”2

1 Elaborado pela Professora Cibele Fernandes Dias como plano de aula. Mestre e Doutora em Direito

Constitucional pela PUC/SP. Professora de Direito Constitucional da FEMPAR (Fundação Escola do

Ministério Público do Paraná), ESMAFE (Escola da Magistratura Federal do Paraná), EMAP (Escola da

Magistratura Estadual do Paraná), ESA/PR (Escola Superior de Advocacia do Paraná). Advogada

(OAB/Pr 25443). 2 Voto do Ministro Celso de Mello, Relator no Mandado de Segurança n. 24645-DF, transcrição do

Informativo do Supremo Tribunal Federal n. 320.

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1.1 Princípios fundamentais

a) DISTINÇÕES DAS NORMAS JURÍDICAS: PRINCÍPIOS E REGRAS

(a) Normas constitucionais : regras (preceitos) ou princípios

Os princípios e as regras constitucionais podem ser expressos (escritos no texto)

ou implícitos (decorrentes de normas expressas). As normas constitucionais

implícitas formam uma espécie de “Constituição virtual”, porque somente são

apreendidas mediante um processo de interpretação sistemática. Ambos,

princípios e regras, são normas constitucionais dotados de aplicabilidade e,

portanto, servem como parâmetro para (1) o controle de constitucionalidade das

leis posteriores à CF (se violarem princípios ou regras constitucionais podem ser

declaradas inconstitucionais), (2) a revogação das leis anteriores à CF que

colidam com o seu conteúdo. 3

3 Para José Joaquim Gomes Canotilho, constitucionalista português, as normas constitucionais podem ser

classificadas, quanto à sua estrutura, em princípios ou regras (preceitos) constitucionais. Esta tipologia é

adotada pela doutrina brasileira como também pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Os

princípios são normas constitucionais (i) com grau de abstração relativamente elevado em relação às

regras, (ii) vagas e imprecisas se comparados com as regras, o que lhes confere uma baixa densidade

normativa se comparados com as regras; (iii) são normas mais próximas à ‘idéia de direito’, (iv) são

multifuncionais: (1) servem como cânone (parâmetro) de interpretação do direito constitucional e do

direito infraconstitucional (FUNÇÃO INTERPRETATIVA DOS PRINCÍPIOS), (2) revelam normas que

não são expressas no texto possibilitando a integração (preenchimento de lacunas) e a complementação do

direito (constitucional e infraconstitucional) (FUNÇÃO INTEGRATIVA OU SUPLETIVA DOS

PRINCÍPIOS), (3) são o fundamento de regras jurídicas (função normogenética dos princípios, o que

justifica a circunstância de atuarem como pilares para a interpretação e integração das regras

constitucionais e legais, permitindo a compreensão da Constituição enquanto sistema, dotado de coerência

PREÂMBULO

Nós, representantes do povo

brasileiro, reunidos em Assembléia

Nacional Constituinte para instituir um

Estado Democrático, destinado a assegurar

o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o

bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade

e a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e

internacional, com a solução pacífica das

controvérsias, promulgamos, sob a

proteção de Deus, a seguinte

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL.

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A doutrina majoritária brasileira adota uma teoria que propõe uma distinção forte

entre princípios e regras. Os princípios e as regras têm estruturas lógicas diversas

porque têm formas de aplicação diversas. Não se trata de mera distinção gradual

– de generalidade e abstração – ou de diferença de grau. Segundo a teoria dos

princípios, o principal traço distintivo entre princípios e regras é que no caso das

regras garantem direitos (ou se impõem deveres) definitivos, ao passo que no caso

dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie. No

caso dos princípios, há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto)

prima facie e aquilo que é garantido (ou imposto) definitivamente. Pode-se dizer

que há um longo caminho entre um (o “prima facie”) e outro (o “definitivo”). Na

esteira de Robert Alexy, os princípios são mandamentos de optimização: são

normas que exigem que algo seja realizado na maior medida possível, diante das

possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Os princípios se distinguem das

regras, pois estas, se válidas, devem sempre ser realizadas por completo. Ao

contrário das regras, os princípios podem ser realizados em vários graus.

A aplicação dos princípios depende de condições jurídicas – a realização total de

um princípio encontra barreiras na proteção de outro princípio ou de outros

princípios. No caso das regras, a aplicação não depende de condições jurídicas do

caso concreto. A distinção do conteúdo do dever-ser das regras e dos princípios

implica uma importante diferença na forma de aplicá-los. Pode-se usar as figuras

do “conflito entre regras” e da “colisão entre princípios” para deixar isso claro.

Por causa dessa diferença de estrutura, há uma distinção na forma de aplicação

das normas jurídicas: a subsunção e o sopesamento.

Conflito normativo: conflito entre regras e colisão entre princípios. O

conflito normativo é a possibilidade de aplicação, a um mesmo caso

concreto, de duas ou mais normas cujas conseqüências jurídicas se

mostrem, pelo menos para aquele caso, total ou parcialmente

incompatíveis. É o que Alf Ross chama de “inconsistência”.

Conflito entre regras: aqui vale o conhecido raciocínio “tudo ou nada”. Se

o conflito for parcial, resolve-se pela instituição de uma cláusula de

exceção de uma delas. Se for total, a declaração de invalidade de uma

delas. O conflito entre regras é resolvido no plano da validade: sempre que

há conflito entre regras, há alguma forma de declaração de invalidade. A

validade não é graduável, pois ou uma norma é válida ou não. Tertium non

datur. Duas regras que prevêem conseqüências jurídicas diversas para o

mesmo suporte fático não podem pertencer ao mesmo sistema jurídico. Uma

delas é, pelo menos para esse sistema, inválida.

Conflito entre princípios: A solução de colisões entre princípios não exige

a declaração de invalidade de nenhum deles e também não é possível que se

interna) (FUNÇÃO FUNDAMENTADORA DOS PRINCÍPIOS). CANOTILHO, José Joaquim Gomes.

Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 166-167.

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fale que um princípio institui uma exceção a outro. Quando dois princípios

colidem, o que ocorre é a fixação de relações condicionadas de

precedência. Essa diferença decorre da estrutura dos princípios, que são

mandados de otimização.

Como o princípio é um mandado de optimização – exigem que algo seja

realizado na maior medida possível diante das condições jurídicas e fáticas

existentes – a sua realização quase sempre é restringida pela realização de

outro. Condições jurídicas expressam a possibilidade de colisão com outros

princípios, o que poderá limitar, no caso concreto, a realização de um ou

mais princípios de forma total ou parcial. Isto não é resolvido a partir da

declaração de invalidade de um dos princípios. Depois da solução da

colisão, os princípios continuam tão válidos quanto antes. E um não

constitui exceção ao outro, pois às vezes prevalecerá um, às vezes,

prevalecerá outro. Tudo dependerá do caso em questão. São relações

condicionadas de precedência, porque a relação é sempre condicionada à

situação concreta. A validade do princípio não é afetada nos casos em que

sua aplicação é restringida em favor da aplicação de outra norma.

Havendo colisão entre princípios, será necessário realizar um sopesamento

entre os princípios colidentes para que se decida qual deles terá

preferência, que valerá, enquanto precedência condicionada, apenas para

aquele caso concreto. Não se pode dizer que houve a instituição de uma

cláusula de exceção, porque quando isso acontece, no caso das regras, a

exceção é sempre a mesma e vale para todos os casos de aplicação

daquelas regras.

No caso da colisão entre princípios, portanto, não há como se falar em um

princípio que sempre tenha precedência em relação a outro. Uma norma é

um princípio não por ser fundamental, mas por ter a estrutura de um

mandado de otimização.

Colisão entre princípios e regras? Não é possível. Sopesar regra e princípio

não é possível porque poderá haver caso em que a regra válida e aplicável

é afastada. Incompatível com a idéia de que a regra garante direitos (ou

impõe deveres) de forma definitiva. E sopesamento só cabe em normas que

tenham a dimensão do peso. Solucionar o conflito no plano da validade

implicaria aceitar que um princípio que cede em favor de uma regra teria

de ser expelido do ordenamento jurídico. Incompatível com a idéia de que a

validade de um princípio não é afetada no caso em que sua aplicação é

restringida em favor da aplicação de outra norma.

Não há colisão entre princípios e regras. O que há é o produto de um

sopesamento, feito pelo legislador, entre dois princípios que garantem

direitos fundamentais, e cujo resultado é uma regra de direito ordinário. A

relação entre a regra e um dos princípios é uma relação de restrição e não

de colisão. A regra é a expressão da restrição de um dos princípios.

PROBLEMA: QUANDO A APLICAÇÃO DA REGRA POR SUBSUNÇÃO,

em determinado caso concreto, levaria a situações consideradas

incompatíveis com algum princípio constitucional decisivo para o caso

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concreto, sem que, no entanto, essa incompatibilidade seja algo verificável

em abstrato e, portanto, sem que haja razões para considerar essa regra

inconstitucional. Você decide que a regra não se aplica, que o ato não se

enquadra na descrição da regra. Em outros casos, é necessário incluir uma

conduta, um estado ou uma posição jurídica na proteção de um direito

fundamental. O Judiciário pode criar uma regra que constitui exceção à

regra proibitiva. Exemplo: a regra legal que permite o saque do FGTS

quando o titular tem AIDS, proíbe implicitamente o saque para os seus

dependentes. O Judiciário cria uma regra que permite o saque quando os

dependentes têm HIV e essa regra é aplicada por subsunção. A regra criada

pelo juiz é produto do sopesamento de dois princípios. Do sopesamento

entre princípios, surge a regra (processo de surgimento).

Na realidade, o sopesamento não é entre a regra e o princípio. Não há

colisão entre a regra e o princípio, mas entre o princípio em questão e o

princípio que sustenta a regra que com ele colide. O sopesamento é uma

forma de interpretação e não de aplicação, destina-se a verificar se o fato

em questão é típico ou não.

Resumo das diferenças entre regras e princípios: (1) é estrutural, implica deveres

de estrutura diferentes (deveres definitivos – regras e deveres prima facie –

princípios), (2) formas diferentes de aplicação (subsunção – regras e

sopesamento ou ponderação – princípios), (3) os princípios têm a dimensão do

peso (um princípio cede preferência a outro, em determinada situação de colisão,

sem que, com isso, se torne inválido e tenha que ser expurgado do ordenamento

jurídico), as regras seguem a lógica do “tudo ou nada”.4

a) PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

INTERPRETAÇÃO: possibilidade de indagação do conteúdo semântico dos enunciados

linguísticos do texto constitucional com a conseqüente dedução de que a matéria de

regulamentação é abrangida pelo âmbito normativo da norma constitucional.

INTEGRAÇÃO: determinadas situações que se devem considerar constitucionalmente

reguladas não estão previstas e não podem ser cobertas pela interpretação, mesmo

extensiva, dos preceitos constitucionais (considerados na sua letra e na sua ratio).

DOIS PROCESSOS GRADUAIS DE OBTENÇÃO DO DIREITO

CONSTITUCIONAL: o intérprete tem uma dupla tarefa – (1) fixar o âmbito e o

conteúdo de regulamentação da norma a aplicar, (2) se a situação de fato carecedora de

decisão não se encontrar regulada no complexo normativo-constitucional, ele deve

completar a lei constitucional preenchendo ou colmatando as suas lacunas.

4 Sobre o tema, consultar: SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do direito: os direitos

fundamentais nas relações entre particulares. 1. ed. 3. Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011. Do mesmo

autor: Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros,

2011.

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LACUNA CONSTITUCIONAL AUTÔNOMA: ausência de disciplina jurídica no

complexo normativo, mas esta pode ser deduzida do plano regulativo da Constituição e da

teleologia da regulamentação constitucional.

LACUNAS DE REGULAMENTAÇÃO: (1) lacunas no nível das normas, quando um

preceito constitucional é incompleto, tornando-se necessária a sua complementação para

que ele seja aplicado, (2) quando não se trata de uma incompletude da norma, mas uma

determinada regulamentação em conjunto.

MÉTODO PARA COLMATAÇÃO: analogia (argumentum a simile) – transferência de

uma regulamentação de certas situações para outros casos merecedores de igualdade de

tratamento jurídico e que apresentam uma coincidência axiológica significativa.

b.1 PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

1) PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO: a Constituição deve ser

interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos), obrigando o

intérprete a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas

constitucionais, considerando-as não como normas isoladas e dispersas, mas como

preceitos integrados num sistema interno unitário.

2) PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR: na resolução dos problemas

constitucionais, deve dar-se primazia aos critérios que favoreçam a integração política e

social e o reforço da unidade política.

3) PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE OU PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É

invocado no âmbito dos direitos fundamentais: no caso de dúvida, deve ser preferida a

interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais.

4) PRINCÍPIO DA JUSTEZA OU DA CONFORMIDADE FUNCIONAL: o órgão

encarregado da interpretação constitucional não pode chegar a um resultado que subverta

ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, ou seja,

visa impedir a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas por

meio da concretização constitucional.

5) PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU DA HARMONIZAÇÃO: impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o

sacrifício total de uns em relação aos outros, a fim de se buscar uma harmonização ou

concordância prática. Aplica-se principalmente na colisão entre direitos fundamentais ou

entre eles e bens jurídicos constitucionalmente protegidos, de forma que este princípio

exigirá a ponderação.

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6) PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO: na solução dos

problemas constitucionais, deve dar-se prevalência aos pontos de vista que contribuem

para uma eficácia ótima da lei fundamental, ou seja, que garantem a a eficácia e

permanência da Constituição

7) PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E

DOS ATOS DO PODER PÚBLICO: as leis e atos do Poder Público elaborados na

vigência de uma Constituição presumem-se constitucionais em relação à ela.

8) PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS EM CONFORMIDADE COM

A CONSTITUIÇÃO: no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve-se dar

preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição.

Devem ser considerados os seguintes princípios na interpretação conforme a CF:

(1) Princípio da prevalência da Constituição: deve-se escolher a interpretação não

contrária ao texto e ao programa da norma.

(2) Princípio da conservação: uma norma não deve ser declarada inconstitucional

quando puder ser interpretada em conformidade com a Constituição.

(3) Princípio da exclusão da interpretação conforme a Constituição mas “contra

legem”: o aplicador da norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma

através de uma interpretação conforme, mesmo que por meio dela consiga uma

concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais (não é

possível chegar-se a uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido

literal ou objetivamente claro da lei ou em manifesta dessintonia com os objetivos do

legislador).

c) PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (TÍTULO I DA CF): são princípios

fundamentais todos aqueles dispostos no Título I da Constituição, dos artigos 1º a 4º,

que compreendem:

(1) FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (1º, CF);

(2) PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES (art. 2º, CF)

(3) OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

(art. 3º, CF)

(4) PRINCÍPIOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL (art. 4º, CF)

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PRINCÍPIO REPUBLICANO

FORMA DE GOVERNO (modo como se organiza a Chefia de Estado num país): a forma

de governo adotada no Brasil é a republicana. A República constitui princípio constitucional

fundamental, pois atua como fonte inspiradora para várias regras constitucionais. Não é por

acaso que a parte permanente começa com a expressão “A República” (art. 1º, da CF). O art.

2º do ADCT previu a realização de plebiscito para escolha da forma e do sistema de governo,

resultando na decisão popular pela manutenção da república e do presidencialismo,

constantes da Constituição na sua redação originária.

a) Diferenças entre Chefia de Estado e Chefia de Governo

O Chefe de Estado (i) representa o Estado na sua unidade (povo, território e governo), (ii)

comanda as Forças Armadas e (iii) defende e preserva os objetivos de Estado (presidir).

Exemplos na CF de 1988: incs. VII, VIII, IX, XII, XIII, XIX, XX, XXI do art. 84, que elenca

as competências do Presidente da República. O Chefe de Governo (i) representa, no máximo,

o partido dominante (uma parte do Estado, o governo, responsável pela consecução de

políticas públicas), (ii) comanda uma equipe de políticos e (iii) executa a plataforma do

partido (governar). Exemplos: incs. I, II, III, VI, XI, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, do art. 84, da

CF.

Três são as características centrais que distinguem a República da Monarquia e estão

baseadas nas prerrogativas inerentes à Chefia de Estado (CE):

REPÚBLICA

1. Chefe de Estado eleito - Não se admite sucessão hereditária, o Chefe de Estado tem

legitimação popular direta (escolhido pelo povo mediante sufrágio, voto direto) ou indireta

(escolhido por representantes do povo reunidos no Parlamento), pois só a eleição lhe confere

justo título para o exercício do poder.

2. Chefe de Estado temporário

Não se admite a vitaliciedade no cargo, pois a República implica eleições periódicas a fim de

assegurar a alternância no poder. Para evitar que as eleições reiteradas de um mesmo

indivíduo criassem um paralelo com a monarquia, é costume, nas repúblicas presidencialistas,

estabelecer a proibição de reeleições sucessivas. O art. 14, § 5º, da CF, acrescentado pela

Emenda Constitucional 16/97, que permite a reeleição do Presidente da República, dos

Governadores e dos Prefeitos e de quem os houver sucedido ou substituído no curso dos

mandatos para um único período subsequente está inspirado no princípio republicano.

3. Chefe de Estado responsável

Responde pelos seus atos. A República exige a responsabilidade ampla do Estado e serve de

fundamento à regra do art. 37, § 6º, da CF, que estabelece a responsabilidade objetiva das

pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de

serviços públicos.

Na monarquia, por sua vez, o Chefe de Estado é HEREDITÁRIO, VITALÍCIO e

IRRESPONSÁVEL (“The King can do not wrong”, o Rei não pode errar, justamente porque

não responde pelos seus atos).

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REPÚBLICA (combina com os dois sistemas de governo): pode ser

PARLAMENTARISTA OU PRESIDENCIALISTA

MONARQUIA (não combina com o sistema presidencialista de governo): pode ser

ABSOLUTISTA OU PARLAMENTARISTA

PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO

REGIME POLÍTICO OU REGIME DE GOVERNO: “complexo estrutural de princípios e

forças políticas que configuram determinada concepção política do Estado e da sociedade, e

que inspiram seu ordenamento jurídico”5:

REGIME DEMOCRÁTICO REGIMES AUTOCRÁTICOS: autoritários e

totalitários

a) Para Karl Loewenstein, duas são as diferenças entre o regime autocrático e o democrático.

No regime democrático, há uma real e efetiva separação de poderes (com os mecanismos

inerentes ao sistema de checks and

balances) e um autêntico pluralismo político. Nos regimes autocráticos, predomina a

concentração de poderes nas mãos de uma autoridade, grupo, classe ou partido com ausência

de controles efetivos sobre o exercente do poder. Há uma aparência de pluralismo político

(mimetismo politico típico deste tipo de regime) enquanto no regime totalitário não há

pluralismo político (regime de partido único).

b) Adoção do regime democrático na Constituição brasileira: (i) o

art. 1º estabelece que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado

Democrático de Direito; (ii) entre os fundamentos da República estão a cidadania e a

dignidade da pessoa humana (segundo a filosofia kantiana de que o homem é um fim em si

mesmo); (iii) democracia pluralista: pluralismo político como fundamento republicano

(art. 1º, inc. V, CF), pluralismo partidário respeitados os limites constitucionais (art. 17,

caput, CF), pluralismo econômico (livre-iniciativa e livre concorrência – art. 170, CF),

pluralismo de idéias e de instituições de ensino (art. 206, III, CF), pluralismo cultural

(arts. 215 e 216, CF), pluralismo de meios de informação (art. 220, caput, CF); (iv) o art.

2º, da CF fixa a soberania popular (todo o poder emana do povo), com a adoção da

democracia indireta ou representativa (que encontra no sufrágio universal seu principal

instrumento – aliás, voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea) ao lado

da adoção de instrumentos de democracia quase direta: (i) plebiscito (art. 14, I, CF), (ii)

referendo (art. 14, II, CF), (iii) iniciativa popular (arts. 14, III, CF; 61, § 2º, CF – iniciativa

popular em projetos de lei federal; 27, § 4º, CF – determina que o legislador deve dispor

sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual e 29, inc. XIII, CF – prevê a

iniciativa popular para projetos de lei municipal) e (iv) ação popular (art. 5º, LXXIII, CF).

Todavia, não existe, no direito brasileiro, o mecanismo do veto popular, em que o povo é

consultado para revogar uma lei já existente e o recall, quando o povo é chamado para

votar sobre a revogação do mandato de um representante.

5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001.

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2. Aplicabilidade das normas constitucionais

1. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM A CONSTITUIÇÃO

ANTERIOR

a) Tese do STF – REVOGAÇÃO TOTAL (AB-ROGAÇÃO): A tese que prevalece

na doutrina e jurisprudência é a da revogação total (ab-rogação) e irrestrita das normas

da Constituição velha pela nova Constituição. Toda a Constituição anterior é revogada

com o advento de uma nova Constituição, independentemente de conter normas

compatíveis com a nova ordem constitucional.

b) Desconstitucionalização: É defendida pela Professora Maria Helena Diniz.6 A

desconstitucionalização seria a possibilidade de recepção tácita, pela nova ordem

constitucional, de dispositivos da Constituição anterior como legislação

infraconstitucional, preenchidos os seguintes requisitos: (i) compatibilidade material e

(ii) desde que o assunto não tenha sido objeto da nova Constituição. A tese da

desconstitucionalização tácita não é aceita pela jurisprudência do STF. No entanto, a

desconstitucionalização somente é possível caso haja dispositivo expresso da

Constituição nova recepcionando norma da Constituição anterior como lei, já que o

poder constituinte originário é ilimitado, pode tudo.

Desconstitucionalização tácita – VEDADA

Desconstitucionalização expressa – PERMITIDA

c) Recepção material de normas constitucionais: normas da Constituição anterior são

recebidas pela nova Constituição e continuam a vigorar como normas constitucionais.

Recepção material tácita – VEDADA

Recepção material expressa – PERMITIDA. Exemplo: artigo 34 do ADCT, que

manteve o sistema constitucional tributário da Constituição de 1967, com a

Emenda n. 1/69 por um determinado período.

2. RELAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NOVA COM AS LEIS E ATOS

NORMATIVOS ANTERIORES

b1) RECEPÇÃO (TOTAL OU PARCIAL): (1) A Constituição recebe as normas

infraconstitucionais anteriores materialmente compatíveis com ela, confirmando sua

vigência, eficácia e validade.7 As leis velhas são “novadas”, porque terão de ser

reinterpretadas em face da nova Constituição. Para a recepção da legislação anterior,

exige-se compatibilidade material (de conteúdo) com a nova Constituição. A recepção das

leis anteriores visa garantir o princípio da continuidade da ordem jurídica e da segurança

jurídica. As leis anteriores são recebidas, mas deverão receber uma interpretação

ajustada à nova Constituição (o que José Afonso da Silva chama de “eficácia

construtiva” da nova Constituição).

De outro lado, é importante salientar que a Constituição nova não tem poder convalidar as

6 DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 50-51.

7 DINIZ, op. cit., p. 48.

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leis e atos normativos anteriores que eram incompatíveis com a Constituição anterior,

então vigente.

EXIGÊNCIAS PARA A RECEPÇÃO DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS

ANTERIORES À CF de 1988:

(1) LEI DEVE SER CONSTITUCIONAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

ANTERIOR, QUE ESTAVA EM VIGOR QUANDO FOI PUBLICADA + (2)

COMPATIBILIDADE MATERIAL COM A NOVA CONSTITUIÇÃO.

A incompatibilidade da lei anterior com a nova Constituição no aspecto formal (relativo ao

processo legislativo ou às regras de repartição de competências) é irrelevante (não há

inconstitucionalidade formal superveniente), porque a legislação recebe a natureza que a

nova ordem constitucional reservou para a matéria. Assim, o art. 146, da CF de 1988 exige

lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. O

Código Tributário Nacional, que se constitui numa lei ordinária anterior à Constituição

Federal de 1988 (Lei 5172/66), trata, no livro segundo, das normas gerais de direito

tributário. Embora o Código Tributário Nacional não seja uma lei complementar, as

normas gerais de direito tributário, constantes do seu livro segundo, foram recepcionadas

pela Constituição com caráter de lei complementar.

b2) NÃO-RECEPÇÃO TOTAL OU PARCIAL: a legislação anterior (constitucional

em face da Constituição que vigorava quando foi publicada) incompatível com o conteúdo

da nova Constituição não é por ela recebida. Essa é a tese prevalente na jurisprudência do

STF. O problema é que a não-recepção está baseada exclusivamente no critério temporal

(lei posterior revoga lei anterior) e a nova Constituição não só retira a vigência, mas

também o fundamento de validade da legislação incompatível com o seu conteúdo.

Todavia, esta última tese, que sustenta a inconstitucionalidade material superveniente das

leis anteriores em face da nova Constituição, não é aceita pelo STF. A não-recepção pode

ser questionada em ADPF, porque leis anteriores (federais, estaduais, distritais ou

municipais) incompatíveis com o conteúdo da nova Constituição podem ser objeto de

arguição de descumprimento de preceito fundamental, segundo jurisprudência do STF.

A Constituição de 1988 também não recebe leis anteriores que nasceram inconstitucionais

em face da Constituição que estava em vigor na época que a lei foi publicada, ainda que

essas leis anteriores apresentem compatibilidade material com a nova Constituição. Esse

problema pode ser suscitado no controle concreto de constitucionalidade. O juiz poderá

declarar a inconstitucionalidade incidental da lei anterior em face da Constituição velha.

Todavia, essa questão não pode ser objeto de controle abstrato, já que neste o parâmetro do

controle é sempre norma constitucional em vigor.

b3) Repristinação: A repristinação ocorre quando uma lei volta a vigorar, pois foi

revogada a lei revogadora. O art. 2º, §3º, da Lei de Introdução ao Código Civil admite a

repristinação desde que haja regra expressa (“Salvo disposição em contrário, a lei

revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”). É claro que a

repristinação, ainda que haja regra legal expressa, não poderá atingir o direito adquirido, o

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ato jurídico e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF – “a lei não prejudicará o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”).8 A circunstância de a nova

Constituição revogar a Constituição anterior não terá, a princípio, o condão de restaurar a

eficácia das leis que foram revogadas pela Constituição antiga. Todavia, como o Poder

Constituinte Originário é inicial, ilimitado e incondicionado, ao elaborar uma nova

Constituição, pode ressuscitar leis anteriores que já haviam sido revogadas pela

Constituição velha. Todavia, para que isso aconteça, é necessária (1) expressa previsão no

texto da nova Constituição, (2) essa repristinação poderá até prejudicar direitos adquiridos

e atos jurídicos perfeitos, já que realizada pelo Poder Constituinte Originário, mas também

nessa circunstância deverá haver regra constitucional expressa (como a irretroatividade é a

regra, não há retroatividade tácita).9

CONCLUSÃO

LEI ANTERIOR (constitucional em face

da Constituição velha) COMPATÍVEL

COM O CONTEÚDO DA NOVA

CONSTITUIÇÃO = É

RECEPCIONADA, AINDA QUE HAJA

INCOMPATIBILIDADE FORMAL.

LEI ANTERIOR (constitucional em face

da Constituição velha) INCOMPATÍVEL

COM O CONTEÚDO DA NOVA

CONSTITUIÇÃO = NÃO É RECEBIDA,

AINDA QUE HAJA

COMPATIBILIDADE FORMAL.

2.1 Normas constitucionais de eficácia plena, contida e limitada. 2.2 Normas

programáticas

APLICABILIDADE das normas constitucionais (teoria de José Afonso da Silva)

EFICÁCIA PLENA EFICÁCIA CONTIDA EFICÁCIA LIMITADA

As normas

constitucionais de

As normas constitucionais

de eficácia contida são

Já as normas constitucionais de

eficácia limitada têm aplicabilidade

8 Como ressalta Luis Roberto BARROSO, o princípio da não-retroatividade das leis somente condiciona a

atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas na Constituição: “São elas: a) a

proteção da segurança jurídica no domínio das relações sociais, veiculada no art. 5º, XXXVI, já citado; b)

a proteção da liberdade do indivíduo contra a aplicação retroativa da lei penal, contida no art. 5º, XL (‘a

lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’), c) a proteção do contribuinte contra a voracidade

retroativa do fisco, constante do art. 150, III, a ( é vedada a cobrança de tributos ‘em relação a fatos

geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’). Fora

dessas hipóteses, a retroatividade da norma é tolerável.” BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e

aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 53. Logo, a Constituição admite a

retroatividade da lei desde que não atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Também admite a retroatividade da lei penal mais benéfica. Nesse sentido, a questão da ESAF: (Gestor

Fazendário 2005 – ESAF) A Constituição em vigor expressamente admite a possibilidade de leis

retroativas no ordenamento brasileiro. (certa) 9 “O princípio da não-retroatividade, todavia, não condiciona o exercício do poder constituinte originário.

A Constituição é o ato inaugural do Estado, primeira expressão do direito na ordem cronológica, pelo que

não deve reverência à ordem jurídica anterior, que não lhe pode impor regras ou limites. Doutrina e

jurisprudência convergem no sentido de que ‘não há direito adquirido contra a Constituição.’”

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

p. 55.

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eficácia plena são

normas de

aplicabilidade

DIRETA, IMEDIATA

E INTEGRAL.

Sozinhas, ou seja, sem

necessidade de lei

regulamentadora, já

produzem todos os seus

efeitos (positivos e

negativos).

normas de aplicabilidade

DIRETA, IMEDIATA,

MAS POSSIVELMENTE

NÃO INTEGRAL. Embora sozinhas já

consigam produzir todos os

seus efeitos (positivos e

negativos), autorizam ao

legislador a restrinção,

diminuição, contenção dos

seus efeitos, prevendo

exceções ou restrições,

condicionamentos à sua

incidência.

INDIRETA, MEDIATA E

REDUZIDA. Sozinhas, só produzem

efeitos negativos (capacidade da norma

constitucional para servir de parâmetro

para invalidar atos contrários ao seu

conteúdo). No entanto, precisam de lei

que as regulamente e complete o seu

comando normativo para produzirem

efeitos positivos e assegurarem o

exercício do direito ou da competência

nelas previsto.10

ESPÉCIES DE NORMAS DE

EFICÁCIA LIMITADA:

a) PROGRAMÁTICAS

b) PRINCÍPIOS INSTITUTIVOS

ALERTA: A doutrina e a jurisprudência referem-se, muitas vezes, a normas constitucionais

auto-aplicáveis (são as de eficácia plena e contida que não dependem do legislador para a

produção de efeitos positivos) e a normas constitucionais não auto-aplicáveis (são as de

eficácia limitada, que dependem do legislador para produção de efeitos positivos). Exemplo de

utilização dessa classificação: Súmula 24, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “São

auto-aplicáveis os parágrafos 5º e 6º do art. 201 da Constituição Federal de 1988”; Súmula

648, do STF: “A norma do §3º, do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda

Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua

aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”; Súmula vinculante n. 7, do STF:

“A norma do §3º do artigo 192 da CONSTITUIÇÃO, revogada pela Emenda Constitucional

40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à

edição de lei complementar.” Súmula 13, do TSE: “Não é auto-aplicável o §9º, do art. 14, da

Constituição, com a redação da emenda constitucional de revisão nº 4/94.”

Essa nomenclatura merece críticas porque as normas de eficácia limitada são auto-aplicáveis no

que se refere à eficácia negativa, podendo servir, imediamente, como parâmetro para declaração

de inconstitucionalidade de leis posteriores e revogação de leis anteriores com ela colidentes

(imediatamente já produzem uma eficácia reduzida, que é a eficácia negativa ou paralisante).

Exemplo de eficácia negativa de norma constitucional é o que mostra a Súmula 280 do STJ:

“O art. 35 do Decreto-Lei n. 7661, de 1945, que estabelece a prisão administrativa, foi

revogado pelos incisos LXI e LXVII do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.”

3. Direitos e garantias fundamentais

I – TEORIA GERAL DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Espécies de direitos e garantias fundamentais (Título II, CF)

a.1) Direitos e garantias individuais e coletivos (Capítulo I - 5º, CF)

10

DIAS, Cibele Fernandes Dias. Direito constitucional didático. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2012.

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a.1.1) Diferença entre DIREITOS e GARANTIAS

a.1.2) Princípio-garantia e Garantias fundamentais: remédios constitucionais e ações

constitucionais

A expressão ‘remédios constitucionais’ designa as garantias que servem de

instrumento para a efetivação da tutela, ou proteção dos direitos fundamentais.11

Os remédios constitucionais são garantias fundamentais destinadas à tutela dos

direitos fundamentais: (1) direito de petição ou também chamado pela doutrina

‘direito de representação’ (5º, XXXIV, a, CF), (2) habeas corpus (5º, LXVIII), (3)

habeas data (5º, LXXII), (4) mandado de segurança individual (5º, LXIX), (5)

mandado de segurança coletivo (5º, LXX), (6) mandado de injunção (5º, LXXI), (7)

ação popular (5º, LXXIII) e ação civil pública (129, III). Entre os remédios

constitucionais, somente o direito de petição não constitui ação constitucional,

pois não envolve o direito de provocar o exercício da função jurisdicional. Na

definição de Celso Ribeiro Bastos, as ações constitucionais são “direitos de ordem

processual, são direitos de ingressar em juízo para obter uma medida judicial com

uma força específica ou com uma celeridade não encontrável nas ações

ordinárias.”12

No mesmo sentido, Álvaro Ricardo de Souza Cruz aponta as

características das ações constitucionais: “(a) a sumariedade dos ritos e

preferência de trâmite, (b) informalidade processual, (c) antecipação da tutela, de

caráter preventivo ou repressivo, (d) manifestação jurisdicional de caráter

condenatório/mandamental, (e) amplitude na legitimação ativa.”13

a.2) Direitos sociais (Capítulo II - 6º a 11, CF)

a.3) Direitos relativos à nacionalidade (Capítulo III - 12 a 13, CF)

a.4) Direitos políticos (Capítulo IV - 14 a 16, CF)

a.5) Direitos relativos à organização e participação em partidos políticos (Capítulo V

- 17, CF)

(b) GARANTIAS INSTITUCIONAIS: são instituições (direito público) ou institutos

(direito privado) que desempenham função de proteção de bens jurídicos indispensáveis à

proteção de valores essenciais.

(c) DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS COMO CLÁUSULAS

PÉTREAS (60, §4º, IV) e PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO

SOCIAL (art. 5º, XXXVI, CF). REGIME EXCEPCIONAL NO ESTADO DE

DEFESA E DE SÍTIO (136 A 141, CF): os direitos fundamentais podem sofrer uma

restrição mais acentuada nos estados de exceção constitucional, no estado de sítio podem

até ser suspensos, mas jamais suprimidos.

11

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2000.

p. 140. 12

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 239. 13

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Processo constitucional e a efetividade dos direitos fundamentais. In:

Hermenêutica e jurisdição constitucional. Coordenadores: José Adércio LEITE SAMPAIO; Álvaro

Ricardo de SOUZA CRUZ. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001. p. 234.

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INFORMATIVO DO STF Nº 582 do STF

Direito à Saúde - Reserva do Possível - “Escolhas Trágicas” - Omissões

Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social

(Transcrições) (v. Informativo 579) STA 175-AgR/CE* RELATOR: MINISTRO

PRESIDENTE V O T O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O alto significado

social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem

ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável

compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário. O

objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde,

traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de

inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver

presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido

programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas

conseqüentes e responsáveis. Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO,

proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004): “ARGÜIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA

LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO

PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS,

QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL.

DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À

EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER

RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR.

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’.

NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA

INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO

‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE

DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES

POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).” Salientei,

então, em referida decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão

política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do

gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se

identificam - enquanto direitos de segunda geração - com as liberdades positivas, reais

ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 199/1219-1220,

Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). É que, se assim não for, restarão comprometidas a

integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do

estatuto constitucional, motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento

de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de

inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min.

CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal: “DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO

- MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER

PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal

quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode

derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em

desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os

princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um

‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar

de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição,

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em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de

cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa

do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a

inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência

adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.

................................................... - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior

ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como

comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia,

o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se

fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria

aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (RTJ 185/794-796, Rel.

Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É certo - tal como observei no exame da ADPF 45/DF,

Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) - que não se inclui,

ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta

Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas

públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na

Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois,

nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas

fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário,

se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-

jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal

comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos

impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame. Mais do

que nunca, Senhor Presidente, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir

efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva

limitação à discricionariedade administrativa. Isso significa que a intervenção

jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir

significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer

ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse

processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer

prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema

de respeito e de proteção ao direito à saúde. Cabe referir, neste ponto, ante a extrema

pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA

FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A

Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max

Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em

tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala:

“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas,

o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição

Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de

discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.

................................................... Como demonstrado no item anterior, o administrador

público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a

implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja,

própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.

................................................... Conclui-se, portanto, que o administrador não tem

discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de

implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois

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tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de

integração. ................................................... As dúvidas sobre essa margem de

discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido

concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou

comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso,

a concretização da ordem social constitucional.” (grifei) Não deixo de conferir, no

entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do

possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999,

Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios

Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e

implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos,

sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste,

prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou

coletivas. Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais -

além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende,

em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades

orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de

incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente

exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do

comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder

Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele - a partir de indevida

manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - o ilegítimo,

arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o

estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições

materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO,

Informativo/STF nº 345/2004). Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva

do possível” — ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível — não

pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do

cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta

governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de

direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de

liberdade real ou concreta, a proteção à saúde — que compreende todas as

prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República

(notadamente em seu art. 196) — tem por fundamento regra constitucional cuja

densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o

Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior

grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente,

com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação

mesma dessa prerrogativa essencial. O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em

evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo,

o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da

Constituição da República, que assim dispõe: “Art. 196. A saúde é direito de todos e

dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução

do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei) Na realidade, o

cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei

Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à

saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-

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se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de

nossa organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever

constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal que a instituição

governamental interessada deduziu na presente causa. Tal como pude enfatizar em

decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em

contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a

inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo

inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”,

e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse

financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões

de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que

privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. Essa relação dilemática, que

se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste Supremo Tribunal a proferir

decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas” (GUIDO

CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company),

que nada mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal

de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um

lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros,

sempre tão dramaticamente escassos, de outro. Mas, como precedentemente acentuado, a

missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da

Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os

direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência,

o direito à vida e o direito à saúde. Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo,

que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível,

assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz

bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira

responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas

sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário

à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da

Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano

institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR,

“Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense

Universitária) - não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob

pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela

coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever

por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei

Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima

obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe promover,

em favor das pessoas e das comunidades, medidas — preventivas e de recuperação —,

que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar

concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este

Supremo Tribunal tem reiteradamente reconhecido: “O DIREITO À SAÚDE

REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO

À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica

indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da

República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja

integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe

formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir,

aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-

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hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que

assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do

direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação

no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao

problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão,

em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA

PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL

INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta

Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano

institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode convertê-la em

promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas

expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o

cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade

governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO

GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À

PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER

CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O

reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de

medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da

Constituição da República (arts. 5º, ‘caput’, e 196) e representa, na concreção do seu

alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas,

especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua

própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.” (RE 393.175-

AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO) O sentido de fundamentalidade do direito à

saúde — que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa

humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas — impõe,

ao Poder Público, um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido,

pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a

promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto

constitucional. É por tal razão, Senhor Presidente, que tenho proferido inúmeras

decisões, nesta Suprema Corte, em plena harmonia com esse entendimento, sempre a

fazer prevalecer, nos casos por mim julgados (RTJ 175/1212-1213, v.g.), o direito

fundamental à vida, de que o direito à saúde representa um indissociável consectário,

como o atestam os seguintes julgamentos de que fui Relator: - RE 556.886/ES

(adenocarcinoma de próstata) - AI 457.544/RS (artrite reumatóide) - AI 583.067/RS

(cardiopatia isquêmica grave) - RE 393.175-AgR/RS (esquizofrenia paranóide) - RE

198.265/RS (fenilcetonúria) - AI 570.455/RS (glaucoma crônico) - AI 635.475/PR

(hepatite “c”) - AI 634.282/PR (hiperprolactinemia) - RE 273.834-AgR/RS (HIV) - RE

271.286-AgR/RS (HIV) - RE 556.288/ES (insuficiência coronariana) - AI 620.393/MG

(leucemia mielóide crônica) - AI 676.926/RJ (lipoparatireoidismo) - AI 468.961/MG

(lúpus eritematoso sistêmico) - RE 568.073/RN (melanoma com acometimento cerebral) -

RE 523.725/ES (migatia mitocondrial) - AI 547.758/RS (neoplasia maligna cerebral) - AI

626.570/RS (neoplasia maligna cerebral) - RE 557.548/MG (osteomielite crônica) - AI

452.312/RS (paralisia cerebral) - AI 645.736/RS (processo expansivo intracraniano) - RE

248.304/RS (status marmóreo) - AI 647.296/SC (transplante renal) - RE 556.164/ES

(transplante renal) - RE 569.289/ES (transplante renal) Vê-se, desse modo, que, mais do

que a simples positivação dos direitos sociais — que traduz estágio necessário ao

processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à

sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”,

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p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) —, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo

institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em

ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação

estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente

vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes

impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o

reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples

declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente

garantido, especialmente naqueles casos em que o direito — como o direito à saúde — se

qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do

Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento

constitucional. Cumpre assinalar que a essencialidade do direito à saúde fez com que o

legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e

serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e

do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente,

deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a

eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável

modalidade de comportamento governamental desviante. Tenho para mim, desse modo,

presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional,

juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da Constituição, e que

representa - como anteriormente já acentuado - fator de limitação da discricionariedade

político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde,

não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples

conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

Entendo, por isso mesmo, que se revela inacolhível a pretensão recursal deduzida pela

entidade estatal interessada, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no

Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise. Nem se atribua,

indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera

reservada aos demais Poderes da República. É que, dentre as inúmeras causas que

justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma

positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a

primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por

pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo

Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar

medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do

Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse

gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da

República. A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede jurisdicional,

notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade

institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam,

excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa

determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o

Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não

pode se reduzir a uma posição de pura passividade. As situações configuradoras de

omissão inconstitucional — ainda que se cuide de omissão parcial derivada da

insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma

impositiva fundada na Carta Política — refletem comportamento estatal que deve ser

repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se como uma das causas geradoras dos

processos informais de mudança da Constituição, tal como o revela autorizado

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magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais

de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE

MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988,

Coimbra Editora; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da

Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora). O fato inquestionável é um

só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável

gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um

incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto

significado de que se reveste a Constituição da República. Nada mais nocivo, perigoso e

ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir

integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la

aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos

governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. A percepção da

gravidade e das conseqüências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que

transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou

depositário, por efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós,

já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito

Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério

da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em lições que

acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA

SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998,

Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança

da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA,

“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed.,

1970, RT, v.g.). O desprestígio da Constituição — por inércia de órgãos meramente

constituídos — representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois

reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade

suprema da Lei Fundamental do Estado. Essa constatação, feita por KARL

LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em

pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração,

no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da

Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos

julgamentos, como resulta evidente da seguinte decisão consubstanciada em acórdão

assim ementado: “(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL

LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA. -

O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de

legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório - infringe, com esse

comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no

âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI

1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO). - A inércia estatal em adimplir as imposições

constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e

configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela

mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de

fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito

subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à

conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos

cidadãos. DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE

LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE

CAUSALIDADE. - O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando

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também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão

do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à

atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que

o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação

constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (...).”

(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) Em tema de implementação de

políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente

nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde pública (RTJ 174/687 –

RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que neutralizam

os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em

situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a

direitos básicos assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício

estava sendo inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal. O

Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a omissão governamental

e conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando-lhes concreção e, desse modo,

viabilizando o acesso das pessoas à plena fruição de direitos fundamentais, cuja

realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do

Poder Público. Para além de todas as considerações que venho de fazer, há, ainda,

Senhor Presidente, um outro parâmetro constitucional que merece ser invocado. Refiro-

me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de

caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo

cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado

magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES

COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e

Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES

CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03,

1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no

Brasil e na Alemanha”, p. 40, 2002, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor, INGO W.

SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito

à saúde na Constituição de 1988”, “in” Revista Público, p. 99, n. 12, 2001). Na

realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de

sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de

natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os

níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos

ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo inocorrente na espécie — em que políticas

compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais. Lapidar,

sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a

propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e Teoria da

Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3): “O princípio da democracia

econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa

também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução

reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito

dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um

determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia

institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer

contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em

análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de

desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da

confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do

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núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa

humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade,

subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo,

uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as

expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado

justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada

justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a

subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o tempo de serviço

necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer modo, mesmo que se

afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as

eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito

vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O

princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial

dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança

social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se

constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que,

sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na

prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo

essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm

como limite o núcleo essencial já realizado.” (grifei) Bem por isso, o Tribunal

Constitucional português (Acórdão nº 39/84), ao invocar a cláusula da proibição do

retrocesso, reconheceu a inconstitucionalidade de ato estatal que revogara garantias já

conquistadas em tema de saúde pública, vindo a proferir decisão assim resumida pelo

ilustre Relator da causa, Conselheiro VITAL MOREIRA, em douto voto de que extraio o

seguinte fragmento (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 3/95-131, 117-118,

1984, Imprensa Nacional, Lisboa): “Que o Estado não dê a devida realização às tarefas

constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser

objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas

quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge

uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no

plano da própria inconstitucionalidade por acção. Se a Constituição impõe ao Estado a

realização de uma determinada tarefa - a criação de uma certa instituição, uma

determinada alteração na ordem jurídica -, então, quando ela seja levada a cabo, o

resultado passa a ter a protecção directa da Constituição. O Estado não pode voltar

atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de

devedor. (...) Se o fizesse, incorreria em violação positiva (...) da Constituição.

................................................... Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para

o Estado em obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema

escolar, sistema de segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a

Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido

criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da

Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos

fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a

criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados. Quer isto dizer que a

partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas

constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional

deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se

transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava

obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-

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se de atentar contra a realização dada ao direito social. Este enfoque dos direitos sociais

faz hoje parte integrante da concepção deles a teoria constitucional, mesmo lá onde é

escasso o elenco constitucional de direitos sociais e onde, portanto, eles têm de ser

extraídos de cláusulas gerais, como a cláusula do ‘Estado social’.” (grifei) Concluo o

meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, devo observar que a ineficiência

administrativa, o descaso governamental com direitos básicos da pessoa (como o direito

à saúde), a incapacidade de gerir os recursos públicos, a falta de visão política na justa

percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a proteção

à saúde, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições

constitucionais não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder

Público, da norma inscrita no art. 196 da Constituição da República, que traduz e impõe,

ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão

governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental e que é, no

contexto ora examinado, o direito à saúde. Sendo assim, em face das razões expostas, e

considerando, sobretudo, Senhor Presidente, o magnífico voto proferido por Vossa

Excelência, nego provimento ao recurso de agravo interposto pela União Federal. É o

meu voto. * acórdão pendente de publicação INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 12 a 16 de

abril de 2010 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) Preso - Trabalho -

Reabilitação Penal - Pena Alternativa - Programa Portaria nº 49/CNJ, de 30 de março de

2010 - Estabelece os requisitos para outorga do selo do Projeto Começar de Novo

conforma artigo 3º da Resolução nº 96, de 27 de outubro de 2009. Publicada DJE/CNJ de

15/4/2010, n. 67, p. 2. Direitos Humanos - Medalha Resolução nº 109/CNJ, de 6 de abril

de 2010 - Institui a Medalha Joaquim Nabuco de Direitos Humanos e dá outras

providências. Publicada no DJE/CNJ de 12/4/2010, n. 64, p. 3. Sistema Carcerário -

Alvará de Soltura - Preso - Movimentação Resolução nº 108/CNJ, de 6 de abril de 2010 -

Dispõe sobre o cumprimento de alvarás de soltura e sobre a movimentação de presos do

sistema carcerário, e dá outras providências. Publicada no DJE/CNJ de 12/4/2010, n. 64,

p. 2. ESTATUTO DA CONFERÊNCIA DA HAIA DE DIREITO INTERNACIONAL

PRIVADO Decreto nº 7.156, de 9 de abril de 2010 - Promulga o texto do Estatuto

Emendado da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, assinado em 30 de

junho de 2005. Publicado no DOU de 12/4/2010, Seção 1, p. 5. ADMINISTRAÇÃO

FEDERAL - Transação extrajudicial - Defesa - Advocacia Geral da União Decreto nº

7.153, de 9 de abril de 2010 - Dispõe sobre a representação e a defesa extrajudicial dos

órgãos e entidades da administração federal junto ao Tribunal de Contas da União, por

intermédio da Advocacia-Geral da União. Publicado no DOU de 12/4/2010, Seção 1, p.

4.

(d) CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. Conceito: fundamentalidade material (1º, inc. III) e fundamentalidade formal

a) Os direitos previstos em Tratados internacionais em que a República Federativa

do Brasil seja parte

5º, §3º, da CF de 88 na redação da Emenda Constitucional 45/04: “Os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa

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Cibele Fernandes Dias

25

do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos

membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”14

1. Sistemas: dualista ou monista

1. Fases de incorporação, transposição ou recepção dos tratados internacionais:

1. Celebração do

tratado pelo

Presidente da

República (84, VIII,

CF)

2. Referendo do

Congresso Nacional

por meio de decreto

legislativo (49, I,

CF)

3. Ratificação do

tratado (depósito ou

troca)

4. Promulgação e

publicação do tratado

por decreto do

Presidente da

República (84, IV, CF)

(a) Tratados sobre direitos humanos incorporados antes da Emenda 45/04: têm

status supralegal

(b) Tratados sobre direitos humanos incorporados após a Emenda 45/04: têm (1)

status supralegal: se aprovados no Congresso no rito simples, (2) status de emenda

constitucional: se aprovados no Congresso no rito das emendas. O único tratado

com força de emenda no Brasil é a Convenção Internacional de Proteção às

Pessoas Portadoras de Deficiência (incorporada pelo Decreto 6949/2009). Os

tratados com status constitucional servem (1) de parâmetro para o controle de

constitucionalidade das leis (é o que se chama de controle de convencionalidade),

(2) podem revogar normas constitucionais originárias e derivadas.

Súmula vinculante n. 25, do STF: “É ilícita a prisão civil de depositário

infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”

HC 95967 / MS - MATO GROSSO DO SUL

Relator(a): Min. ELLEN GRACIE

Julgamento: 11/11/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação

DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008

EMENT VOL-02343-02 PP-00407

DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL.

PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA

JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste

habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no

ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa

Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos

(art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica

(art. 7°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais

sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da

Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados

internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação

infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na

atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art.

5°, §2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput

14

Como salienta Ana Cândida DA CUNHA FERRAZ, “é de certa forma freqüente o recurso à emenda

formal à Constituição para modificar decisões judiciais, quer as que declaram inconstitucionais leis de

aplicação do texto constitucional, quer para afastar interpretação judicial de normas e disposições da

própria Constituição.” FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da

Constituição. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 112.

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Cibele Fernandes Dias

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do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados,

ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São

José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos,

expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e,

conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas

corpus concedido.

HC 90450 / MG - MINAS GERAIS

Relator(a): Min. CELSO DE MELLO

Julgamento: 23/09/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação

NDJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009

EMENT VOL-02347-02 PP-00354

"HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL - A QUESTÃO DA

INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

(ARTIGO 7º, n. 7) - HIERARQUIA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS

INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE

JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. - Não mais

subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária,

independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou

cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. TRATADOS

INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO

INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais

em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. -

Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF,

art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos

humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de

supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia

constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A

INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA

CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do

Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança

informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder

Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante

exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos

processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos

aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA

MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO

PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa,

especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um

princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana

de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à

pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário,

nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser

aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do

Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações

constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais,

notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos

fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade

humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos

da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico

de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.

Características dos direitos fundamentais

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27

(1) HISTORICIDADE (generatividade)15

– não são direitos naturais

“Também os direitos do homem são direitos históricos, que emergem

gradualmente das lutas que o homem trava pela sua própria emancipação e

das transformações das condições de vida que essas lutas produzem.”16

“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) — que

compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio

da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e

culturais) — que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas —

acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que

materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as

formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um

momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento

dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais

indisponíveis, nota de uma essencial inexauribilidade.” (MS 22.164, Rel. Min.

Celso de Mello, DJ 17/11/95)

Os direitos de quarta geração compreenderiam os direitos das minorias, de que

são expressões o direito à democracia, o direito ao pluralismo e o direito à

informação.17

(PAULO BONAVIDES). No entanto, para Norberto BOBBIO, os

direitos de quarta geração são referentes à proteção do patrimônio genético de

cada indivíduo em face das novas pesquisas biológicas.18

(2) RELATIVIDADE – não são direitos absolutos19

: admite-se limitação ou contenção dos

direitos fundamentais numa situação de colisão (conflito) entre direitos fundamentais (em

15

“BOBBIO assinala o gradualismo dos direitos fundamentais, destacando que eles, nem nasceram todos

de uma vez (generatividade), nem de uma vez por todas (garantismo).” CRUZ, op. cit., p. 207. Segundo

Manoel GONÇALVES FERREIRA FILHO, os direitos de terceira geração seriam os seguintes: (i) direito

à paz (4º, VI e VII, CF), (ii) ao desenvolvimento (4º, IX, CF); (iii) à autodeterminação dos povos (4º, III,

CF); (iv) ao patrimônio comum da humanidade (fundo do mar e seu subsolo); (v) ao meio ambiente (225)

e (vi) à comunicação social (220). FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos

fundamentais. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 58. 16

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 32. 17

CARVALHO, Kildare Gonçalves, op. cit., p. 403. 18

BOBBIO, A era dos direitos..., op. cit., p. 6. 19

“OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TEM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no

sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque

razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades

legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das

prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria

Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estão

sujeitas, e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de

ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar

a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em

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Cibele Fernandes Dias

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que deverá prevalecer o que for considerado de ‘maior peso’ no caso concreto) ou em face

da ordem pública, dos interesses da coletividade. Essa limitação pode estar prevista

expressamente na Constituição Federal (exemplos: hipóteses do art. 5º, XI e XII que

prevêem a possibilidade de invasão domiciliar e interceptação telefônica), ser realizada pelo

legislador tendo em vista a necessidade de harmonizar direitos fundamentais (exemplo:

hipóteses de aborto autorizadas pelo Código Penal), ou pelo próprio juiz no caso concreto.

IMPORTANTE: No choque entre direitos fundamentais, o exercício de um implicará a

invasão do âmbito de proteção do outro. A convivência exige um regime de cedência

recíproca. A regra de solução do conflito é a da máxima observância dos direitos

fundamentais envolvidos e da sua mínima restrição (menor sacrifício possível) compatível

com a salvaguarda adequada de outro direito fundamental.20

Assim, no juízo de ponderação

dos direitos colidentes, feito pelo legislador ou pelo juiz, num caso concreto e determinado

(exemplo: permitir o aborto em casos de gravidez decorrente de estupro) é possível que um

direito prevaleça sobre o outro.21

Exemplo de relatividade – O princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (5º,

XXXV) não é absoluto, a própria Constituição Federal prevê exceção no art. 142, §2º,

CF – “não caberá habeas corpus em relação à punição disciplinar militar”, o que a

jurisprudência do STF lê como “não caberá habeas corpus em relação ao mérito da

punição disciplinar militar”. Todavia, o STF entende ser cabível habeas corpus em

relação à punição disciplinar militar quando houver desatendimento, pela autoridade

administrativa, de pressupostos formais:

“Como assinala Pontes de Miranda, a transgressão disciplinar tem quatro pressupostos: 1º)

a hierarquia: o transgressor deve estar subordinado a quem o pune, 2º) poder disciplinar: a

lei deve atribuir poder de punir a esse superior, 3º) ato ligado à função: o fundamento da

punição tem de ligar-se à função do punido, 4º) pena: ou seja, sanção prevista em lei. Se

faltar qualquer desses pressupostos, não houve, na verdade, transgressão disciplinar. Daí

decorre que o cerceamento da liberdade de locomoção é ilegal, cabendo então a ordem

judicial.”22

Sobre o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e a proibição da exigência

de exaurimento da via administrativa, a Súmula 89 do STJ: “A ação acidentária

prescinde do exaurimento da via administrativa”.

ADPF 130 / DF - DISTRITO FEDERAL

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

Relator(a): Min. CARLOS BRITTO

Julgamento: 30/04/2009 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação: DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009

EMENT VOL-02381-01 PP-00001

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE

IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE

detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.” Supremo Tribunal

Federal, MS 23452-RJ, Relator: Ministro Celso de Mello, DJU 12.5.00. 20

ARAÚJO, Luiz Alberto David de. Curso de direito constitucional positivo. 8. ed. São Paulo:

Saraiva, 2004. p. 95-96. 21

SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo

Horizonte: Del Rey, 2002. p. 728. 22

FERREIRA FILHO, Direitos humanos..., op. cit., p. 143.

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Cibele Fernandes Dias

29

INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A

"PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER

TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU

SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE

EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE

DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS

DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO

SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE

INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL.

TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO

PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE

PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE

IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA.

PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE

DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR

RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO

PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE

PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS

CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE

LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A

TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E

DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A

IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO

ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU

OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE

ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS PERIFERICAMENTE DE

IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO

RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS

JURÍDICOS DA DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE

PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. A ADPF, fórmula

processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de

norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões conflitantes.

Atendimento das condições da ação. 2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA

COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E

DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO

INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. A Constituição reservou à imprensa

todo um bloco normativo, com o apropriado nome "Da Comunicação Social" (capítulo V do título VIII). A

imprensa como plexo ou conjunto de "atividades" ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a poder

influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar o que se convencionou chamar de opinião pública.

Pelo que ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à

vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo

que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em

qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensamento crítico o que, plenamente comprometido

com a verdade ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de mentes e espíritos. O corpo

normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de

imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida

dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. 3. O CAPÍTULO

CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DE

SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA EMANAÇÃO DA DIGNIDADE

DA PESSOA HUMANA: A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O DIREITO À INFORMAÇÃO

E À EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA

NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A

COMUNICAÇÃO SOCIAL. O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de

atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de

pensamento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja

qual for o suporte físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras

disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação jornalística

é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que

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Cibele Fernandes Dias

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dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos.

Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são

de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja,

antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de

controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização

ou consequência do pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional "observado o disposto nesta

Constituição" (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros bens de

personalidade, é certo, mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute da "plena liberdade de

informação jornalística" (§ 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de imprensa

pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se

resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao

regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território

virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude

de comunicação. 4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO DE PRINCÍPIOS. O art.

220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e

informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da

aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal: vedação do anonimato

(parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou

moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer

trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII);

direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso

XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência

desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros

termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos de personalidade em que se traduz a "livre" e

"plena" manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar

do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda

que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea

paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do

art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento

(vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a

informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei

Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das

ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de

resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e

responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute

da plenitude de liberdade de imprensa. 5. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA

E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade

indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao

princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou

material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a

indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido.

Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por órgão de imprensa,

porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de expansão e de

robustez da liberdade de pensamento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de contração e de

esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua

honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente

público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as

aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um

comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos. 6. RELAÇÃO DE MÚTUA

CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. A plena liberdade de imprensa é

um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo

um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes

do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência

ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a

desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de

expressão dos indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma

constitucional de concretização de um pluralismo finalmente compreendido como fundamento das

sociedades autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da respeitosa

convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural, devido a que são constitucionalmente

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Cibele Fernandes Dias

31

proibidas a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220 da CF). A proibição do monopólio

e do oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado "poder social da

imprensa". 7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A

IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO

ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação

plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da

própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de

expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as

autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse

público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O

próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do

pensamento crítico e "real alternativa à versão oficial dos fatos" ( Deputado Federal Miro Teixeira). 8.

NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma

atividade que já era "livre" (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo

de "plena" (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à

essência mesma do jornalismo (o chamado "núcleo duro" da atividade). Assim entendidas as coordenadas

de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que

não se tem o desembaraçado trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação.

Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração

do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante,

unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder

Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a

ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao

Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por

indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação

legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização,

proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando necessário ao exercício profissional");

responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento

dos "meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou

programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de

produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art.

220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua

própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de

comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação

Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências

ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos

abusos de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de

eventuais descomedimentos da imprensa (justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem

prejuízo da ordem de precedência a esta conferida, segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do

abuso que se vai coibir o uso. Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, "a censura governamental,

emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público". 9.

AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. É da lógica encampada

pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de

limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo

social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos.

Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público

decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais

pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno

do País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220). 10. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI 5.250 PELA

NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de

compleição estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador de

segundo escalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5º do

art. 128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou

substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria

interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade

normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema.

10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988.

Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda

a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que

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para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz;

b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a

realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no

País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a

Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o

emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de "interpretação

conforme a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a

descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do

intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico

(linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou

por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer possibilidade da

declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas

permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes

de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada.

Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio

interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente

apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. 11. EFEITOS JURÍDICOS DA

DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o

Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O

direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável

por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no

inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, "de eficácia plena e de aplicabilidade imediata",

conforme classificação de José Afonso da Silva. "Norma de pronta aplicação", na linguagem de Celso

Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. 12. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Total

procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o

conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.

Inq 2424 / RJ - RIO DE JANEIRO

Relator(a): Min. CEZAR PELUSO

Julgamento: 26/11/2008 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

“PROVA. Criminal. Escuta ambiental. Captação e interceptação de sinais eletromagnéticos, óticos ou

acústicos. Meio probatório legalmente admitido. Fatos que configurariam crimes praticados por quadrilha

ou bando ou organização criminosa. Autorização judicial circunstanciada. Previsão normativa expressa do

procedimento. Preliminar repelida. Inteligência dos arts. 1º e 2º, IV, da Lei nº 9.034/95, com a redação da

Lei nº 10.217/95. Para fins de persecução criminal de ilícitos praticados por quadrilha, bando, organização

ou associação criminosa de qualquer tipo, são permitidos a captação e a interceptação de sinais

eletromagnéticos, óticos e acústicos, bem como seu registro e análise, mediante circunstanciada

autorização judicial. 8. PROVA. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais

óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para

instalação de equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não

caracterização. Suspeita grave da prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto de exercício

da profissão. Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional. Inteligência do art. 5º, X e XI, da

CF, art. 150, § 4º, III, do CP, e art. 7º, II, da Lei nº 8.906/94. Preliminar rejeitada. Votos vencidos. Não

opera a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de

crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da

profissão.”

PARA LEITURA – O DIREITO DE GREVE, como os demais direitos fundamentais, é

relativo e por isso pode ser limitado tendo em vista a necessidade de proteger o interesse

público e outros direitos fundamentais. Assim, quando a Constituição Federal assegura o

direito de greve aos trabalhadores (art. 9º), já traça expressamente limites a serem respeitados

nos §§1º e 2º: “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o

atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” e “os abusos cometidos sujeitam

os responsáveis às penas da lei”. Da mesma forma, quando permite o direito de greve aos

servidores públicos civis, remete o exercício do direito ao legislador ordinário que deverá

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definir termos e limites tendo em vista a necessidade de garantir a continuidade dos serviços

públicos, do qual a coletividade depende (37, VII, CF que o STF classifica como norma

constitucional de eficácia limitada). De outro lado, dada a estrutura militar (hierarquia e

disciplina), a natureza das funções a serem por ela exercidas e a essencialidade da segurança

pública, a Constituição Federal proíbe a sindicalização e a greve para os servidores militares

(142, §3º, IV).

(3) INALIENABILIDADE/INDISPONIBILIDADE/IRRENUNCIABILIDADE

“A inalienabilidade traz uma conseqüência prática importante – a de deixar claro

que a preterição de um direito fundamental não estará sempre justificada pelo

mero fato de o titular do direito nela consentir. (...) Do ponto de vista prático, a o

caráter inalienável entrevisto em alguns direitos fundamentais conduziria à

nulidade absoluta, por ilicitude de objeto, de contratos em que se realize a

alienação desses direitos. Na doutrina nacional, José Afonso da Silva acolhe essa

característica.”23

“Não se pode, dessa forma, abraçar a tese radical de Gladstone, segundo a qual a

vida privada de um homem público seria pública, mas reconhecer a liberdade de

informação relativa às suas atividades públicas e privadas, à medida que estas

possam de modo plausível e concreto, ser prejudiciais ao interesse público. [...]

Não significa que não possuam uma intimidade, mas somente que parte de sua

vida privada, em uma visão mais geral ou do homem comum, acha-se fora da

reserva e pode ser exposta ao público. Há, com efeito, uma ‘contenção’ do sentido

de intimidade, não sua negação.”24

“O nosso Superior Tribunal de Justiça entendeu de interesse público, a divulgação

do resultado de uma ação de investigação de paternidade, envolvendo um homem

público.”25

INFORMATIVO Nº 568 do STF - RE228177

Liberdade de Imprensa - Crítica Jornalística - Figuras Públicas ou Notórias - Excludentes

Anímicas - Inexistência de Abuso (Transcrições) AI 505595/RJ* RELATOR: MIN.

CELSO DE MELLO EMENTA: LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. DIREITO DE

CRÍTICA. PRERROGATIVA POLÍTICO-JURÍDICA DE ÍNDOLE

CONSTITUCIONAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA QUE EXPÕE FATOS E VEICULA

OPINIÃO EM TOM DE CRÍTICA. CIRCUNSTÂNCIA QUE EXCLUI O INTUITO DE

OFENDER. AS EXCLUDENTES ANÍMICAS COMO FATOR DE

DESCARACTERIZAÇÃO DO “ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI”.

AUSÊNCIA DE ILICITUDE NO COMPORTAMENTO DO PROFISSIONAL DE

IMPRENSA. INOCORRÊNCIA DE ABUSO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO

23

MENDES et al, Curso..., 2. ed., p. 242-243. 24

SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da

sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte:

Editora Del Rey, 1998. p. 250-252. 25

SAMPAIO, Direito à intimidade..., op. cit., 251.

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DO PENSAMENTO. CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO REGULAR

EXERCÍCIO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO. O DIREITO DE CRÍTICA, QUANDO

MOTIVADO POR RAZÕES DE INTERESSE COLETIVO, NÃO SE REDUZ, EM SUA

EXPRESSÃO CONCRETA, À DIMENSÃO DO ABUSO DA LIBERDADE DE

IMPRENSA. A QUESTÃO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO (E DO DIREITO

DE CRÍTICA NELA FUNDADO) EM FACE DAS FIGURAS PÚBLICAS OU

NOTÓRIAS. JURISPRUDÊNCIA. DOUTRINA. JORNALISTA QUE FOI

CONDENADO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANOS

MORAIS. INSUBSISTÊNCIA, NO CASO, DESSA CONDENAÇÃO CIVIL.

IMPROCEDÊNCIA DA “AÇÃO INDENIZATÓRIA”. CONVERSÃO DO AGRAVO

DE INSTRUMENTO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, QUE, PARCIALMENTE

CONHECIDO, É, NESSA PARTE, PROVIDO. Não se pode desconhecer que a

liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e

de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras

prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de

buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar. A crítica

jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional,

plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em

geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais

suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas. É por tal razão que a crítica que

os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e

veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações

externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade. Lapidar, sob tal

aspecto, a decisão emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

consubstanciada em acórdão assim ementado: “Os políticos estão sujeitos de forma

especial às críticas públicas, e é fundamental que se garanta não só ao povo em geral

larga margem de fiscalização e censura de suas atividades, mas sobretudo à imprensa,

ante a relevante utilidade pública da mesma.” (JTJ 169/86, Rel. Des. MARCO CESAR -

grifei) É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de

responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar

observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica

severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem

dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade

governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira

excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Com efeito, a exposição de

fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática

concreta do direito de crítica, descaracterizam o “animus injuriandi vel diffamandi”,

legitimando, assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de

imprensa. Expressivo dessa visão pertinente à plena legitimidade do direito de crítica,

fundado na liberdade constitucional de comunicação, é o julgamento, que, proferido pelo

E. Superior Tribunal de Justiça - e em tudo aplicável ao caso ora em exame -, está assim

ementado: “RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL -

(...) - DIREITO DE INFORMAÇÃO - ‘ANIMUS NARRANDI’ - EXCESSO NÃO

CONFIGURADO (...). ...................................................... 3. No que pertine à honra, a

responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa tem lugar tão-somente ante a

ocorrência deliberada de injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso

demonstrar que o ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima.

Se a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (‘animus criticandi’) ou a

narrar fatos de interesse coletivo (‘animus narrandi’), está sob o pálio das ‘excludentes

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de ilicitude’ (...), não se falando em responsabilização civil por ofensa à honra, mas em

exercício regular do direito de informação.” (REsp 719.592/AL, Rel. Min. JORGE

SCARTEZZINI – grifei) Não é por outro motivo que a jurisprudência dos Tribunais – com

apoio em magistério expendido pela doutrina (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Manual

de Direito Penal”, vol. 2/147 e 151, 7ª ed., 1993, Atlas; DAMÁSIO E. DE JESUS,

“Código Penal Anotado”, p. 400, 407 e 410/411, 4ª ed., 1994, Saraiva; EUCLIDES

CUSTÓDIO DA SILVEIRA, “Direito Penal - Crimes contra a pessoa”, p. 236/240, 2ª ed.,

1973, RT, v.g.) – tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar (tal como

sucedeu na espécie) atua como fator de descaracterização da vontade consciente e dolosa

de ofender a honra de terceiros, a tornar legítima a crítica a estes feita, ainda que por

meio da imprensa (RTJ 145/381 – RTJ 168/853 – RT 511/422 – RT 527/381 – RT 540/320

– RT 541/385 – RT 668/368 – RT 686/393), eis que – insista-se – “em nenhum caso deve

afirmar-se que o dolo resulta da própria expressão objetivamente ofensiva” (HELENO

CLÁUDIO FRAGOSO, “Lições de Direito Penal - Parte especial”, vol. II/183-184, 7ª

ed., Forense – grifei), valendo referir, por oportuno, decisão que proferi, a propósito do

tema, neste Supremo Tribunal Federal: “LIBERDADE DE IMPRENSA (CF, ART. 5º, IV,

c/c O ART. 220). JORNALISTAS. DIREITO DE CRÍTICA. PRERROGATIVA

CONSTITUCIONAL CUJO SUPORTE LEGITIMADOR REPOUSA NO PLURALISMO

POLÍTICO (CF, ART. 1º, V), QUE REPRESENTA UM DOS FUNDAMENTOS

INERENTES AO REGIME DEMOCRÁTICO. O EXERCÍCIO DO DIREITO DE CRÍTICA

INSPIRADO POR RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO: UMA PRÁTICA INESTIMÁVEL

DE LIBERDADE A SER PRESERVADA CONTRA ENSAIOS AUTORITÁRIOS DE

REPRESSÃO PENAL. A CRÍTICA JORNALÍSTICA E AS AUTORIDADES PÚBLICAS. A

ARENA POLÍTICA: UM ESPAÇO DE DISSENSO POR EXCELÊNCIA.” (RTJ 200/277,

Rel. Min. CELSO DE MELLO) Entendo relevante destacar, no ponto, analisada a

questão sob a perspectiva do direito de crítica - cuja prática se mostra apta a

descaracterizar o “animus injuriandi vel diffamandi” (CLÁUDIO LUIZ BUENO DE

GODOY, “A Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade”, p. 100/101, item n.

4.2.4, 2001, Atlas; VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR, “A Proteção Constitucional da

Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 88/89, 1997, Editora FTD; RENÉ

ARIEL DOTTI, “Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação”, p. 207/210, item

n. 33, 1980, RT, v.g.) -, que essa prerrogativa dos profissionais de imprensa revela-se

particularmente expressiva, quando a crítica, exercida pelos “mass media” e justificada

pela prevalência do interesse geral da coletividade, dirige-se a figuras notórias ou a

pessoas públicas, independentemente de sua condição oficial. Daí a existência de

diversos julgamentos, que, proferidos por Tribunais judiciários, referem-se à legitimidade

da atuação jornalística, considerada, para tanto, a necessidade do permanente escrutínio

social a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou não, de cargos oficiais,

qualificam-se como figuras públicas: “Responsabilidade civil - Imprensa - Declarações

que não extrapolam os limites do direito de informar e da liberdade de expressão, em

virtude do contexto a que se reportava e por relacionar-se à pessoa pública -

Inadmissibilidade de se cogitar do dever de indenizar - Não provimento.” (Apelação nº

502.243-4/3, Rel. Des. ÊNIO SANTARELLI ZULIANI – TJSP - grifei) “Indenização por

dano moral. Matéria publicada, apesar de deselegante, não afrontou a dignidade da

pessoa humana, tampouco colocou a autora em situação vexatória. Apelante era

vereadora, portanto, pessoa pública sujeita a críticas mais contundentes. Termos

deseducados utilizados pelo réu são insuficientes para caracterizar o dano moral

pleiteado. Suscetibilidade exacerbada do pólo ativo não dá supedâneo à verba

reparatória pretendida. Apelo desprovido.” (Apelação Cível nº 355.443-4/0-00, Rel. Des.

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NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA - TJSP - grifei) “INDENIZAÇÃO.

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA QUE

TRADUZ CRÍTICA JORNALÍSTICA. AUTORA QUE, NO EXERCÍCIO DE CARGO

PÚBLICO, NÃO PODE SE FURTAR A CRÍTICAS QUE SE LHE DIRIGEM. CASO EM

QUE FERIDA MERA SUSCETIBILIDADE, QUE NÃO TRADUZ DANO. AUSÊNCIA DE

ILICITUDE DO COMPORTAMENTO DOS RÉUS. DIREITO DE CRÍTICA QUE É

INERENTE À LIBERDADE DE IMPRENSA. VERBA INDEVIDA. AÇÃO JULGADA

IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO, PREJUDICADO

O APELO ADESIVO. (...).” (Apelação Cível nº 614.912.4/9-00, Rel. Des. VITO

GUGLIELMI - TJSP - grifei) “INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO

MORAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. PUBLICAÇÃO DE ARTIGO

EM REVISTA COM REFERÊNCIAS À PESSOA DO AUTOR. INFORMAÇÕES

COLETADAS EM OUTRAS FONTES JORNALÍSTICAS DEVIDAMENTE INDICADAS.

AUSÊNCIA DE CONOTAÇÃO OFENSIVA. TEOR CRÍTICO QUE É PRÓPRIO DA

ATIVIDADE DO ARTICULISTA. AUTOR, ADEMAIS, QUE É PESSOA PÚBLICA E

QUE ATUOU EM FATOS DE INTERESSE PÚBLICO. SENTENÇA MANTIDA.

RECURSO IMPROVIDO.” (Apelação Cível nº 638.155.4/9-00, Rel. Des. VITO

GUGLIELMI - TJSP - grifei) “(...) 03. Sendo o envolvido pessoa de vida pública, uma

autoridade, eleito para o cargo de Senador da República após haver exercido o cargo de

Prefeito do Município de Ariquemes/RO, condição que o expõe à crítica da sociedade

quanto ao seu comportamento, e levando-se em conta que não restou provado o ‘animus’

de ofender, tenho que o Jornal não pode ser condenado ao pagamento de indenização por

danos morais. 04. Deu-se provimento ao recurso. Unânime.” (Apelação Cível nº

2008.01.5.003792-6, Rel. Des. ROMEU GONZAGA NEIVA - TJDF - grifei) “A

notoriedade do artista, granjeada particularmente em telenovela de receptividade

popular acentuada, opera por forma a limitar sua intimidade pessoal, erigindo-a em

personalidade de projeção pública, ao menos num determinado momento. Nessa linha de

pensamento, inocorreu iliceidade ou o propósito de locupletamento para, enriquecendo o

texto, incrementar a venda da revista. (...) cuida-se de um ônus natural, que suportam

quantos, em seu desempenho exposto ao público, vêm a sofrer na área de sua

privacidade, sem que se aviste, no fato, um gravame à reserva pessoal da reclamante.”

(JTJ/Lex 153/196-200, 197/198, Rel. Des. NEY ALMADA - TJSP - grifei) Vê-se, pois - tal

como tive o ensejo de assinalar (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in”

Informativo/STF nº 398/2005) -, que a crítica jornalística, quando inspirada pelo

interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada,

ainda mais quando dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na

condução dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz nem se reduz, em

sua expressão concreta, à dimensão do abuso da liberdade de imprensa, não se revelando

suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer

repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo. É

certo que o direito de crítica não assume caráter absoluto, eis que inexistem, em nosso

sistema constitucional, como reiteradamente proclamado por esta Suprema Corte (RTJ

173/805-810, 807-808, v.g.), direitos e garantias revestidos de natureza absoluta. Não é

menos exato afirmar-se, no entanto, que o direito de crítica encontra suporte legitimador

no pluralismo político, que representa um dos fundamentos em que se apóia,

constitucionalmente, o próprio Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, V). É por tal

razão, como assinala VIDAL SERRANO NUNES JÚNIOR (“A Proteção Constitucional

da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 87/88, 1997, Editora FTD), que o

reconhecimento da legitimidade do direito de crítica - que constitui “pressuposto do

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sistema democrático” - qualifica-se, por efeito de sua natureza mesma, como verdadeira

“garantia institucional da opinião pública”: “(...) o direito de crítica em nenhuma

circunstância é ilimitável, porém adquire um caráter preferencial, desde que a crítica

veiculada se refira a assunto de interesse geral, ou que tenha relevância pública, e

guarde pertinência com o objeto da notícia, pois tais aspectos é que fazem a importância

da crítica na formação da opinião pública.” (grifei) Não foi por outra razão - e aqui

rememoro anterior decisão por mim proferida nesta Suprema Corte (Pet 3.486/DF, Rel.

Min. CELSO DE MELLO) - que o Tribunal Constitucional espanhol, ao veicular as

Sentenças nº 6/1981 (Rel. Juiz FRANCISCO RUBIO LLORENTE), nº 12/1982 (Rel. Juiz

LUIS DÍEZ-PICAZO), nº 104/1986 (Rel. Juiz FRANCISCO TOMÁS Y VALIENTE) e nº

171/1990 (Rel. Juiz BRAVO-FERRER), pôs em destaque a necessidade essencial de

preservar-se a prática da liberdade de informação, inclusive o direito de crítica que dela

emana, como um dos suportes axiológicos que informam e que conferem legitimação

material à própria concepção do regime democrático. É relevante observar, ainda, que o

Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em mais de uma ocasião, também

advertiu que a limitação do direito à informação e do direito (dever) de informar,

mediante (inadmissível) redução de sua prática “ao relato puro, objetivo e asséptico de

fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem compatível com o pluralismo, a

tolerância (...), sem os quais não há sociedade democrática (...)” (Caso Handyside,

Sentença do TEDH, de 07/12/1976). Essa mesma Corte Européia de Direitos Humanos,

quando do julgamento do Caso Lingens (Sentença de 08/07/1986), após assinalar que “a

divergência subjetiva de opiniões compõe a estrutura mesma do aspecto institucional do

direito à informação”, acentua que “a imprensa tem a incumbência, por ser essa a sua

missão, de publicar informações e idéias sobre as questões que se discutem no terreno

político e em outros setores de interesse público (...)”, vindo a concluir, em tal decisão,

não ser aceitável a visão daqueles que pretendem negar, à imprensa, o direito de

interpretar as informações e de expender as críticas pertinentes. Não custa insistir, neste

ponto, na asserção de que a Constituição da República revelou hostilidade extrema a

quaisquer práticas estatais tendentes a restringir ou a reprimir o legítimo exercício da

liberdade de expressão e de comunicação de idéias e de pensamento. É preciso advertir,

bem por isso, notadamente quando se busca promover, como no caso, a repressão à

crítica jornalística, mediante condenação judicial ao pagamento de indenização civil, que

o Estado - inclusive o Judiciário - não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as

idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação

social. Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como

precedentemente assinalado, representa, em seu próprio e essencial significado, um dos

fundamentos em que repousa a ordem democrática. Nenhuma autoridade, mesmo a

autoridade judiciária, pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras

questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem

estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de

divulgação do pensamento. Isso, porque “o direito de pensar, falar e escrever livremente,

sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental” representa, conforme

adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos

da América, “o mais precioso privilégio dos cidadãos (...)” (“Crença na Constituição”,

p. 63, 1970, Forense). Vale rememorar, por relevante, tal como o fiz em anterior decisão

neste Supremo Tribunal Federal (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO),

fragmento expressivo da obra do ilustre magistrado federal SÉRGIO FERNANDO

MORO (“Jurisdição Constitucional como Democracia”, p. 48, item n. 1.1.5.5, 2004, RT),

no qual esse eminente Juiz põe em destaque um “landmark ruling” da Suprema Corte

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norte-americana, proferida no caso “New York Times v. Sullivan” (1964), a propósito do

tratamento que esse Alto Tribunal dispensa à garantia constitucional da liberdade de

expressão: “A Corte entendeu que a liberdade de expressão em assuntos públicos deveria

de todo modo ser preservada. Estabeleceu que a conduta do jornal estava protegida pela

liberdade de expressão, salvo se provado que a matéria falsa tinha sido publicada

maliciosamente ou com desconsideração negligente em relação à verdade. Diz o voto

condutor do Juiz William Brennan: ‘(...) o debate de assuntos públicos deve ser sem

inibições, robusto, amplo, e pode incluir ataques veementes, cáusticos e, algumas vezes,

desagradáveis ao governo e às autoridades governamentais.’” (grifei) Essa mesma

percepção em torno do tema tem sido manifestada pela jurisprudência dos Tribunais, em

pronunciamentos que se orientam em sentido favorável à postulação do ora recorrente,

que agiu, na espécie, com o ânimo de informar e de expender crítica, em comportamento

amparado pela liberdade constitucional de comunicação, em contexto que claramente

descaracteriza qualquer imputação, a ele, de responsabilidade civil pela matéria que

escreveu: “RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA PUBLICADA EM REVISTA SEMANAL.

VIÉS CRÍTICO SOBRE TERAPIAS ALTERNATIVAS. LIBERDADE DE IMPRENSA.

INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. 1. A liberdade de imprensa, garantia inerente a

qualquer Estado que se pretenda democrático, autoriza a publicação de matéria que

apresente críticas a quaisquer atividades.” (REsp 828.107/SP, Rel. Min. HUMBERTO

GOMES DE BARROS - grifei) “Críticas - inerentes à atividade jornalística. Estado

Democrático - cabe à imprensa o dever de informar. Art. 5º, IV e X, da Constituição.

Idéias e opiniões pessoais são livres. Garantia constitucional. Vida pública - todos estão

sujeitos a críticas favoráveis ou desfavoráveis. .......................................................

Exercício da crítica não produz lesão moral.” (Apelação Cível nº 2006.001.21477/RJ,

Rel. Des. WANY COUTO - grifei) “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS -

LIBERDADE DE IMPRENSA - DIVULGAÇÃO DE FATOS ENVOLVENDO O AUTOR -

AUSÊNCIA DE DESVIRTUAMENTO. 1 - A liberdade de imprensa deve ser exercida com

a necessária responsabilidade, para que não resulte em prejuízo à honra, à imagem e ao

direito de intimidade da pessoa abrangida na notícia. 2 - Não tendo as matérias

publicadas ultrapassado os limites legais e constitucionais do direito de informação,

afasta-se a ocorrência de dano moral, eis que ausente a intenção de lesar ou prejudicar

outrem.” (Apelação Cível nº 2004.01.1.063638-4/DF, Rel. Des. HAYDEVALDA

SAMPAIO - grifei) Impõe-se reconhecer que esse entendimento tem o beneplácito do

magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que, em hipótese assemelhada à ora em

exame, proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: “Direito à

informação (CF, art. 220). Dano moral. A simples reprodução, pela imprensa, de

acusação de mau uso de verbas públicas, prática de nepotismo e tráfico de influência,

objeto de representação devidamente formulada perante o TST por federação de

sindicatos, não constitui abuso de direito. Dano moral indevido. RE conhecido e

provido.” (RE 208.685/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE - grifei) Concluo a minha decisão:

as razões que venho de expor levam-me a reconhecer que a pretensão deduzida pelo

jornalista recorrente revela-se acolhível, eis que compatível com o modelo consagrado

pela Constituição da República. É que a opinião jornalística ora questionada - que

motivou a condenação civil imposta ao recorrente - veicula conteúdo que traduz

expressão concreta de uma liberdade fundamental que legitima o exercício do direito

constitucional de crítica e de informação. Sendo assim, pelas razões expostas, conheço do

presente agravo de instrumento, para, desde logo, conhecer, em parte, do recurso

extraordinário, e, nessa parte, dar-lhe provimento (CPC, art. 544, § 4º), em ordem a

julgar improcedente a “ação indenizatória” ajuizada pela parte ora recorrida,

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restabelecendo-se, quanto às custas processuais e à verba honorária, a sentença

proferida pela magistrada estadual de primeira instância, com a conseqüente devolução,

ao ora recorrente, do valor de sua condenação, por ele já depositado nos autos do

Processo nº 2000.001.139887-4 (8ª Vara Cível da comarca do Rio de Janeiro/RJ).

Publique-se. Brasília, 11 de novembro de 2009. Ministro CELSO DE MELLO Relator *

decisão publicada no DJE de 23.11.2009

(4) INDIVISIBILIDADE

(5) IMPRESCRITIBILIDADE (como regra, exceção: art. 7º, inc. XXIX)

(6) UNIVERSALIDADE

(7) INTER-RELAÇÃO e INTERDEPENDÊNCIA

APLICABILIDADE das normas constitucionais sobre direitos fundamentais (art. 5º, §1º,

CF – “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”)

ART. 5º, §1º - HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL – Em se tratando de normas

constitucionais sobre direitos fundamentais, a regra é que têm eficácia plena ou contida,

garantindo imediatamente o exercício do direito mesmo não havendo legislação sobre o assunto

(aplicação imediata), excepcionalmente, têm eficácia limitada, dependendo o exercício do

direito da existência de lei que regulamente a norma constitucional (aplicação mediata). Com

efeito, há um princípio de presunção de aplicabilidade imediata das normas definidoras de

direitos e garantias fundamentais. Faz prova da existência de normas constitucionais que

estabelecem direitos fundamentais com eficácia limitada a existência do mandado de injunção

(5º, LXXI CF).

4. DIREITOS FUNDAMENTAIS EXPRESSOS E IMPLÍCITOS – a “abertura” das

normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §2º, CF), a

“inesgotabilidade” dos direitos fundamentais.26

Súmula vinculante n. 5, STF: “A falta de defesa técnica no processo

administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”

Súmula vinculante n. 14 do STF: “É direito do defensor, no interesse do

representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em

procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia

judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

Súmula vinculante n. 21, do STF: “É inconstitucional a exigência de depósito ou

arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso

administrativo.”

5. TITULARIDADE OU DESTINATÁRIOS DA PROTEÇÃO (art. 5º, caput):

26

A redação do art. 5º, §2º, da CF não é novidade. Já constava do §36, do art. 153, da Carta de 1969: “A

especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.” A inspiração de ambas as Constituições foi a

IX Emenda à Constituição americana: “A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser

interpretada como negando ou coibindo outros direitos inerentes ao povo” (“The enumeration in the

Constitution of certain rights shall not be construed to deny or disparage others retained by the people.”).

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(1) brasileiros ou estrangeiros ‘residentes’ no país (que se encontram no país) ou

não-residentes: embora a proteção constitucional seja mais forte em se tratando

dos brasileiros – (pessoas físicas)

(2) pessoas jurídicas desde que (a) o direito seja compatível com a sua personalidade

(exemplo: direito à honra objetiva);

(3) Em certas situações, até universalidades patrimoniais despidas de personalidade

(direito de ação, direito de acesso ao Poder Judiciário, por exemplo)

Súmula 227, do STJ “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”

“A honra objetiva da pessoa jurídica pode ser ofendida pelo protesto indevido de

título cambial, cabendo indenização pelo dano extrapatrimonial daí decorrente.27

Súmula 365 do STF: Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação

popular.

"A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos

comuns não exonera o Estado brasileiro — e, em particular, o Supremo Tribunal

Federal — de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que

venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de

qualquer Estado estrangeiro. O fato de o estrangeiro ostentar a condição jurídica de

extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a

essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa humana e que lhe confere a

titularidade de direitos fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua

insuperável importância, a garantia do due process of law. Em tema de direito

extradicional, o Supremo Tribunal Federal não pode e nem deve revelar indiferença

diante de transgressões ao regime das garantias processuais fundamentais. É que o

Estado brasileiro — que deve obediência irrestrita à própria Constituição que lhe

rege a vida institucional — assumiu, nos termos desse mesmo estatuto político, o

gravíssimo dever de sempre conferir prevalência aos direitos humanos (art. 4º, II)."

(Ext 633, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-8-96, DJ de 6-4-01)

Súmula 654, do STF: A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º,

XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a

tenha editado.

A QUESTÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS, NOTADAMENTE AQUELES

DE CARÁTER PROCEDIMENTAL, TITULARIZADOS PELAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO

PÚBLICO. - A imposição de restrições de ordem jurídica, pelo Estado, quer se concretize na esfera

judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos

devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o

efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do "due process of law", assegurada, pela

Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas

jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode

exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes.

(AC 2403-MC-ED-Ref/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, Julgamento: 20.08.2009, Plenário do STF)

27

STJ, 4ª Turma, Recurso Especial nº 60033/MG, Relator Ministro Ruy Rosado Aguiar Júnior.

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7. EFICÁCIA ou EFEITOS dos direitos fundamentais: “VERTICAL” e

“HORIZONTAL” (“eficácia privada”, “eficácia em relação a terceiros”, “eficácia

externa”)

7a. TEORIAS SOBRE A EFICÁCIA HORIZONTAL:

EFICÁCIA INDIRETA OU MEDIATA EFICÁCIA DIRETA OU IMEDIATA

Os direitos fundamentais são aplicados de

maneira reflexa, tanto em uma dimensão

proibitiva, porque o legislador não poderá

editar leis violadoras de direitos fundamentais,

quanto numa dimensão positiva, impondo um

dever ao legislador de implementar os direitos

fundamentais, decidindo quais serão aplicáveis

às relações privadas.

Os direitos fundamentais podem ser invocados

diretamente nas relações privadas,

independentemente de qualquer mediação por

parte do Legislador.

7b. Precedentes sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais:

1. RE 158.215-4/RS, STF, 2ª Turma, DJ 7.6.97, Relator Ministro Marco Aurélio: entendeu

como violado o princípio do devido processo legal e ampla defesa na hipótese de exclusão de

associado de cooperativa sem direito à defesa;

2. RE 161.243-6/DF, STF, 2ª Turma, Relator Min. Carlos Mário da Silva Velloso: acolheu

pretensão do empregado brasileiro da Air France de reconhecimento de direitos trabalhistas

assegurados no Estatuto do Pessoal da Empresa, que a empresa reconhecia tão-somente aos

empregados franceses, por ofensa ao princípio da igualdade;

3. RE 251.445/GO, STF, Relator Min. Celso de Mello: a proibição constitucional da prova

ilícita alcança no processo penal as provas resultantes de ato ilícito perpetrado por particular,

ainda que o Estado não tenha nenhuma participação.

4. HC 12.547/DF, STJ, 4ª Turma, Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12.2.2001:

invalidade do decreto de prisão civil da devedora que deixou de pagar dívida bancária assumida

com a compra de um automóvel-taxi, que se elevou, em menos de 24 meses, de R$ 18.700,00

para R$ 86.858,24, a exigir que o total da remuneração da devedora, pelo resto do tempo

provável de vida, seja consumido com o pagamento de juros, ofensa ao princípio da dignidade

da pessoa humana, dos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contratual (artigos 1º,

III; 3º, 5º, caput, da CF);

5. RE 249.321, STJ, 4ª Turma, Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar: rejeitou

aplicabilidade ao limite do valor da indenização em casos de extravio de bagagem nas viagens

aéreas, previsto no Pacto de Varsóvia, por ofensa ao princípio da igualdade (5º, caput), já que

esta cláusula estabelece nítida desigualdade entre as partes, criando situação de verdadeira

desoneração de responsabilidade em favor do transportador, além de conceder à empresa aérea

benefício que não concede aos demais transportadores.28

28

Comentando estes precedentes, conferir Daniel SARMENTO. A vinculação dos particulares aos

direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto. A nova

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"Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. As violações a direitos fundamentais não

ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas

entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela

Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à

proteção dos particulares em face dos poderes privados. Os princípios constitucionais como limites à

autonomia privada das associações. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer

associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos

postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em

tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela

Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o

respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações

de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de

terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não

confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as

restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem,

aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais." (RE 201.819,

Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 11-10-05, DJ de 27-10-0. Voto no Informativo 405/STF.)

interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. São Paulo-Rio

de Janeiro: Renovar, 2003.