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59 RESUMO ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DO ESTADO: POLÍTICAS DE REGISTROS ESTATÍSTICOS CRIMINAIS SOBRE MORTES VIOLENTAS NO RIO DE JANEIRO E EM BUENOS AIRES Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 59-81, out. 2011 Recebido em 18 de maio de 2010. Aprovado em 18 de junho de 2010. Ana Paula Mendes de Miranda María Victoria Pita Este artigo parte do interesse em produzir uma base de dados comparável das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Ao longo da pesquisa verificou-se que para atingir tal objetivo seria necessária a explicitação dos processos técnicos e das competências políticas que, no Brasil e na Argenti- na, deram lugar a modos específicos de produção de informação em matéria de criminalidade, com destaque às conjunturas particulares que levaram, em cada caso, a que os dados oficiais sobre criminalidade fossem objeto de disputas políticas, e à existência de conflitos intra e interinstitucionais. O que era, também, matéria de que se nutria a “opinião pública” quando o debate sobre a segurança pública ascendia no ranking da agenda pública. Tal abordagem permite concluir que as cifras falam mais sobre as instituições que a produziram do que sobre a criminalidade ou sobre a situação das mortes violentas nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Portanto, neste artigo, tratar-se-á de apresentar como esses dados, para poderem ser considerados comparáveis entre regiões metropolitanas tão próximas e tão distantes como Buenos Aires e Rio de Janeiro, necessitaram ser (de)compostos e (des)agregados para poder-se compará-los e lê-los como indicadores de formas violentas de resolução de conflitos. PALAVRAS-CHAVE: registros; criminalidade; mortes violentas; comparação. I. INTRODUÇÃO O que cifram as cifras? Sobre que aconteci- mentos, quais processos, enfim, sobre quais da- dos nos falam os números? Quais rotinas buro- cráticas cristalizadas possibilitam que certos fa- tos sejam convertidos em registros, o que, por sua vez, representam uma medida, um indicador, uma forma de retratar a “realidade” de forma pretensamente objetiva e padronizada, mas que conforme lido e interpretado pode-se revelar um número valioso de disputas políticas corporativas (policial e judicial) e midiáticas no processo de formulação de políticas públicas? Essa abordagem é sobre os dados quantitati- vos referentes à criminalidade 1 , qua constructo, isto é, pensados como resultado de uma série de processos e rotinas específicas de produção de informação. Parte de uma evidência etnográfica de que as estatísticas nem mentem, nem dizem a verdade. Tal perspectiva permite que se levante todas essas perguntas, mesmo correndo o risco de não poder respondê-las e mesmo assim con- tinuar mantendo-as como guias orientadoras, como parte de nossa caixa de ferramentas para pensar as cifras oficiais referidas aos delitos registrados. Isso significa afirmar que não estamos tratando de “estatísticas”, mas sim de processos de construção de registros de infor- mações que, ao serem quantificadas, passam a representar oficialmente diferentes tipos de fe- nômenos e consolidam-se como argumentos políticos na esfera pública. Este artigo possui vários objetivos que resu- mem os primeiros resultados da pesquisa “Análisis comparado de políticas de producción de regis- tros estadísticos criminales en Río de Janeiro y 1 Julga-se que o uso da categoria “criminalidade” é mais adequado do que a de “crime”, pois a primeira enfatiza tanto os vínculos societários entre os indivíduos quanto as práti- cas institucionais, enquanto o “crime” restringe-se à dimen- são legal (KANT DE LIMA, MISSE & MIRANDA, 2000).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 59-81 OUT. 2011

RESUMO

ROTINAS BUROCRÁTICAS E LINGUAGENS DOESTADO:

POLÍTICAS DE REGISTROS ESTATÍSTICOS CRIMINAIS SOBREMORTES VIOLENTAS NO RIO DE JANEIRO E EM

BUENOS AIRES

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 59-81, out. 2011Recebido em 18 de maio de 2010.Aprovado em 18 de junho de 2010.

Ana Paula Mendes de Miranda María Victoria Pita

Este artigo parte do interesse em produzir uma base de dados comparável das regiões metropolitanas doRio de Janeiro e de Buenos Aires. Ao longo da pesquisa verificou-se que para atingir tal objetivo serianecessária a explicitação dos processos técnicos e das competências políticas que, no Brasil e na Argenti-na, deram lugar a modos específicos de produção de informação em matéria de criminalidade, com destaqueàs conjunturas particulares que levaram, em cada caso, a que os dados oficiais sobre criminalidade fossemobjeto de disputas políticas, e à existência de conflitos intra e interinstitucionais. O que era, também,matéria de que se nutria a “opinião pública” quando o debate sobre a segurança pública ascendia noranking da agenda pública. Tal abordagem permite concluir que as cifras falam mais sobre as instituiçõesque a produziram do que sobre a criminalidade ou sobre a situação das mortes violentas nas regiõesmetropolitanas do Rio de Janeiro e de Buenos Aires. Portanto, neste artigo, tratar-se-á de apresentar comoesses dados, para poderem ser considerados comparáveis entre regiões metropolitanas tão próximas e tãodistantes como Buenos Aires e Rio de Janeiro, necessitaram ser (de)compostos e (des)agregados parapoder-se compará-los e lê-los como indicadores de formas violentas de resolução de conflitos.

PALAVRAS-CHAVE: registros; criminalidade; mortes violentas; comparação.

I. INTRODUÇÃO

O que cifram as cifras? Sobre que aconteci-mentos, quais processos, enfim, sobre quais da-dos nos falam os números? Quais rotinas buro-cráticas cristalizadas possibilitam que certos fa-tos sejam convertidos em registros, o que, porsua vez, representam uma medida, um indicador,uma forma de retratar a “realidade” de formapretensamente objetiva e padronizada, mas queconforme lido e interpretado pode-se revelar umnúmero valioso de disputas políticas corporativas(policial e judicial) e midiáticas no processo deformulação de políticas públicas?

Essa abordagem é sobre os dados quantitati-vos referentes à criminalidade1, qua constructo,

isto é, pensados como resultado de uma série deprocessos e rotinas específicas de produção deinformação. Parte de uma evidência etnográficade que as estatísticas nem mentem, nem dizem averdade. Tal perspectiva permite que se levantetodas essas perguntas, mesmo correndo o riscode não poder respondê-las e mesmo assim con-tinuar mantendo-as como guias orientadoras,como parte de nossa caixa de ferramentas parapensar as cifras oficiais referidas aos delitosregistrados. Isso significa afirmar que nãoestamos tratando de “estatísticas”, mas sim deprocessos de construção de registros de infor-mações que, ao serem quantificadas, passam arepresentar oficialmente diferentes tipos de fe-nômenos e consolidam-se como argumentospolíticos na esfera pública.

Este artigo possui vários objetivos que resu-mem os primeiros resultados da pesquisa “Análisiscomparado de políticas de producción de regis-tros estadísticos criminales en Río de Janeiro y

1 Julga-se que o uso da categoria “criminalidade” é maisadequado do que a de “crime”, pois a primeira enfatiza tantoos vínculos societários entre os indivíduos quanto as práti-cas institucionais, enquanto o “crime” restringe-se à dimen-são legal (KANT DE LIMA, MISSE & MIRANDA, 2000).

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Buenos Aires”, que nós, pesquisadores brasileirose argentinos2, iniciamos há um tempo. É justodizer que parte desses resultados é uma série dedados sobre mortes violentas nas regiões metro-politanas do Rio de Janeiro e de Buenos Aires,referente aos anos 2002 a 2005, que se encontraao final deste trabalho.

No entanto, como todos os participantes des-te projeto foram em algum momento, ou aindasão funcionários em organismos públicos produ-tores de informações sobre criminalidade, é pre-ciso destacar que somos, portanto, conhecedo-res, em maior ou menor medida, dos processosde produção destes dados, das diversas lógicasinstitucionais que orientam sua produção e queocasionalmente se articulam e/ou colidem, bemcomo as diversas leituras sobre estes dados. Nes-se sentido, entendemos que era necessário, simul-taneamente ao processo de produção de dadosconsistentes e comparáveis, descrever e explicarcomo são produzidos estes dados, o que envolveo desenvolvimento das etapas de construção des-tes dados para conhecer o alcance, e também, aslimitações dos mesmos, o que nos levou a iniciaruna espécie de etnografia da produção de estatís-ticas oficiais em matéria de criminalidade (pro-gressos parciais podem ser vistos em Miranda eDirk (2010), Pita e Olaeta (2010) e Miranda e Pita(no prelo)), o que é descrito como um dos resul-tados da pesquisa.

Algum tempo depois de iniciado este projetode pesquisa ficou claro que aquilo que se formu-lou como ponto de partida e suposição central tor-nou-se uma evidência e condição necessária: se-ria impossível aos pesquisadores do projeto ex-por e analisar dados sem considerar os modospelos quais esses têm sido produzidos, e isso por-que o modo como foram gerados dá conta de seusignificado e alcance. Desse modo, para possibi-litar a geração de uma base de dados comparável,em primeiro lugar deve-se, conjuntamente, expli-

car os processos técnicos e as competências po-líticas que, em cada país, davam lugar a um cir-cuito particular de informação em matéria decriminalidade. Também se deve referir sobre asconjunturas particulares que levaram, em cadacaso, a que os dados oficiais sobre criminalidadefossem objeto de disputas políticas, da existênciade conflitos intra e inter-institucionais, e também,da matéria de que se nutria a “opinião pública”quando o debate sobre a segurança pública as-cendia no ranking da agenda pública. Pôr em jogoessas semelhanças e diferenças nos processos téc-nicos e as competências políticas no momento deconstruir uma base de dados, em termos práti-cos, implicou tomar uma importante quantidadede decisões, o que permite afirmar que as cifrasfalam mais sobre as instituições que a produziramdo que sobre a criminalidade ou sobre a situaçãodas mortes violentas nas regiões metropolitanasdo Rio de Janeiro e de Buenos Aires.

Em outros trabalhos (MIRANDA & DIRK,2010; PITA & OLAETA, 2010; MIRANDA &PITA, no prelo) volta-se a atenção à descrição eanálise de “quem produz o quê”, ou melhor, ocu-pa-se especificamente de explicar quais agênciase por meio de que rotinas burocrático-administra-tivas são produzidos os dados nos dois países –Argentina e Brasil. Também se analisam os pro-blemas encontrados nos dois organismos públi-cos encarregados de produzir as estatísticas ofi-ciais sobre criminalidade, destacando como a suaprodução necessariamente colocava em confron-to a linguagem do direito e a linguagem policial,assim como lógicas políticas diversas, aquela queprocura fazer a gestão de dados para produzir in-formação oficial e pública e aquela que pretendeque o tratamento dos dados, chamado de “análisecriminal”, esteja voltado para a resolução de umfato delituoso. Ainda nestes trabalhos procura-sedemonstrar como mais de uma vez a lógica queorienta o debate público em torno da segurançadá lugar a um uso (por parte de funcionários pú-blicos como os agentes dos meios de comunica-ção) dos dados para fundamentar ou argumentarposições que, inevitavelmente, contornam a com-plexidade dessa construção e, portanto, das limi-tações, dos dados existentes. Assim, foi possívelconcluir que os dados sobre criminalidade, sobreos quais há sempre uma suposição deintencionalidade perversa ou de ignorância, sãotratados como verdade irrefutável nas argumen-tações, o que não somente propicia que sejam

2 O subprojeto “Análise Comparada de Políticas de Pro-dução de Registros Estatísticos Criminais no Rio de Janei-ro e em Buenos Aires”, integrou o projeto PRONEX –FAPERJ/CNPq, Sistemas de Justiça Criminal e Seguran-ça Pública em uma Perspectiva Comparada: Administra-ção de Conflitos e Construção de Verdades, coordenadopelo Professor Titular Roberto Kant de Lima (2007-2009).A equipe de trabalho foi composta pelas autoras e porHernán Olaeta e Renato Coelho Dirk.

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desenvolvidos debates que levariam à formulaçãode políticas públicas, como revelam um uso feti-chista da informação quantitativa. Foram inúme-ros debates travados publicamente em torno daverdade ou mentira dos dados, segundo o qual osnúmeros consideravam-se favoráveis ou contrá-rios ao que se desejava argumentar, deixando cla-ro que as disputas não se restringiam ao planopolítico-partidário, mas também a disputas inter-institucionais entre as agências responsáveis pelasegurança pública, chegando a envolver tambémdisputas entre grupos acadêmicos que realizampesquisas na área.

Neste artigo, busca-se expor outro capítulo denosso projeto de pesquisa, que se destina a des-crever o processo de trabalho que levamos adian-te para produzir uma série de dados, que será apre-sentada ao final do artigo. Descrever-se-á um pro-cesso de trabalho, que se pretende técnico, masque conforme avança a descrição vai ficando cadavez mais evidente que não é possível considerarque os processos técnicos, como metodologiasexportáveis e importáveis, sejam desvinculados detradições burocrático-administrativas setoriais elocais, no que se inclui o enorme corpus jurídico,que transforma os fatos em objetos judicializáveis.Ficou claro, em nosso ponto de vista, que os da-dos resultam de decisões administrativas, de mo-dalidades particulares de tratar fatos codificadoscomo delitos, e também, de tradições institucionaisque expressam ideologias próprias, ou seja, umsaber fazer e um modo particular de fazer as coi-sas. Assim, os fatos que são classificados comoviolentos, e que envolvem a pratica de um crime,ao serem capturados pelo sistema penal acabamsendo processados de um modo determinado, quepor sua vez supõe uma série de microdecisões eprocedimentos. Assim, ao analisar um dado é pre-ciso lembrar que ele nos fala de diferentes pers-pectivas, além de informar algum conflito, refe-re-se também a uma prática, um sistemaclassificatório, a vários atores. Portanto, o dadoconstruído informará algo que se constituirá noque sabemos que acontece. Neste artigo, então,tratar-se-á de mostrar como esses dados, parapoder ser considerados comparáveis entre regi-ões metropolitanas tão próximas e tão distantescomo Buenos Aires e Rio de Janeiro, necessitamser (de)compostos e (des)agregados para logopoderem ser comparados e lidos como indica-dores de formas violentas de resolução de con-flitos.

II. HOMICÍDIOS OU MORTES VIOLENTAS?EM BUSCA DE UMA CATEGORIA

A pesquisa que originou este artigo surgiu deum interesse de contar com dados comparativos,provenientes de fonte policiais, sobre mortes vio-lentas, em particular para os casos denominadoscomo homicídios nas áreas metropolitanas deBuenos Aires e Rio de Janeiro. Considerou-se quetrabalhar com dados referentes a mortes violen-tas, a partir de uma análise quantitativa, possibili-taria uma percepção acerca dos níveis de violên-cia social, entendida como um fenômenorelacional, cuja principal característica em nossassociedades é a impossibilidade de regulação daordem pública em consonância com a garantia dedireitos civis fundamentais (PERALVA, 2000), jáque se considera que os dados de homicídios dãoconta, em grande medida, de formas extremas eviolentas de administração de conflitos. Outro fa-tor relevante para a escolha foi que há um con-senso entre os pesquisadores desta área temáticade que os dados referentes aos homicídios são osque apresentam o menor índice de sub-registro.No entanto, é preciso lembrar que o homicídio éuma categoria jurídica que corresponde à ação dematar alguém, o que obrigou também a esclare-cer-se o uso da categoria mortes violentas, quefoi incorporada, no Rio de Janeiro, tanto pelo sis-tema de saúde quanto pelo de justiça criminal, eposteriormente pela mídia.

A estratégia de análise foi a leitura dos regis-tros de ocorrências policiais visando à identifica-ção da circunstância da morte para que fosse pos-sível delimitar como eram realizados os procedi-mentos burocráticos e jurídicos pelos agentes doEstado. Assim, quando ocorria uma morte natu-ral, originada por doenças não relacionadas a aci-dentes ou agressões, o fato deveria ser registradoapenas pelo sistema de saúde. Já em casos demorte violenta foi necessário classificar os casosem outros tipos, a saber, morte acidental, homici-da e suicida. Em todos os casos de morte violen-ta no Brasil, para que a morte seja registrada comoum óbito3 é preciso um laudo do Instituto Médi-co Legal, vinculado à Polícia Civil, caracterizan-

3 No Brasil os documentos que atestam a morte de umindivíduo são a Declaração de óbito, fornecida por ummédico apontando as causas da morte, e a Certidão deóbito, que é emitida por um Cartório de Registro Civil, semo qual não se pode realizar o sepultamento.

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do que a causa da morte é externa4. Desse modo,a instituição policial não tem acesso a todos ostipos de mortes, mas apenas àquelas relacionadasa possíveis crimes. Por exemplo, em um casoregistrado na polícia como tentativa de homicí-dio, cuja vítima falecer posteriormente em decor-rência dos ferimentos sofridos, na maioria dasvezes, não será classificado como homicídio, oque afetará a atualização das informações estatís-ticas5. Nos dados provenientes do sistema de saú-de (Sistema de Informações de Mortalidade (SIM))os casos de mortes violentas também não repre-sentam todas as mortes ocorridas, mas os pro-blemas de qualidade das informações têm outrasexplicações, das quais vale ressaltar a dificuldadede identificação dos cadáveres.

O mesmo acontece na Argentina, onde a cate-goria mortes violentas somente é empregada comocategoria de agregação, tanto no sistema de saúdecomo nas agências que sistematizam informaçõesdo sistema penal. No caso do sistema de saúde éusada fundamentalmente para distinguir as mor-tes resultantes de enfermidades daquelasprovocadas por causas naturais, e basicamentedão conta de mortes por acidentes (incluindo osde trânsito), suicídios e homicídios. No caso dasagências que sistematizam informações do siste-ma penal referentes a todos os tipos de mortestramitados, distinguindo os tipos penais que sereferem a cada uma, diferenciando os homicídiosdolosos, culposos, culposos por acidentes de trân-sito e suicídios6.

Na verdade, a adoção da categoria morte vio-lenta foi uma decisão tomada durante o própriotrabalho de pesquisa. E fez-se não só buscandocerta tradutibilidade entre as instituições do siste-ma de justiça penal e outras instituições estatais eos mass media, porque consideramos necessáriodistinguir esses fatos das categorias penais, queos colocavam em tipos diferentes, o que implicaem tratamentos judiciais diferenciados e valoraçõesmorais distintas, o que em algumas ocasiões dei-xavam fora da contabilização oficial como mor-tes. Adiante, voltar-se-á a essa questão.

Os tipos de morte que foram analisados tive-ram como critérios de seleção a possibilidade decontar com dados consistentes, e fundamental-mente, comparáveis. Para isso, detemo-nos naanálise do processo de trabalho de elaboração des-ses dados – do Instituto de Segurança Pública(ISP)7, para o caso do Rio de Janeiro, e daDirección Nacional de Política Criminal (de agoraem diante DNPC)8, para o caso da área metropo-litana de Buenos Aires, para conhecer assim o al-cance e as limitações dos mesmos, mas tambémbuscar dar conta do processo de produção da in-formação.

III. OS FATOS CONVERTEM-SE EM REGIS-TROS

A que eventos referem-se os dados? Como searticulam, de maneira mais ou menos conflituosa,os diversos saberes técnicos e políticos que ope-ram ou intervêm sobre eles? O registro dos fatosnos contextos analisados supõe o uso de uma téc-nica que transforma a história contada pelas víti-mas ou os supostos delinqüentes em um relatoimpessoal utilizando-se de procedimentos buro-cráticos e jurídicos. Também é sabido que essaforma de narração difere-se da linguagem cientí-fica, que se caracteriza por estabelecer uma rela-

4 O termo “causas externas” é utilizado pela área de saúde,no Brasil, para referir-se à mortes por homicídios, suicídi-os, agressões físicas e psicológicas; acidentes de trânsito,transporte, quedas, afogamentos e outros; lesões e traumasprovocados também por esses eventos (MINAYO, 2009).5 Sobre uma comparação dos dados da saúde e da polícia,ver Dirk (2007).6 Os dados sobre suicídios analisados pela Dirección Na-cional de Política Criminal, vinculada ao Ministério deJusticia y Derechos Humanos, informam que se o suicídioé uma conduta que atenta contra a própria vida, não carac-teriza um delito e não há punição, a exceção é apenas quan-do alguém “[...] instiga a outro ao suicídio ou ajuda a cometê-lo, se o suicídio tenha sido tentado ou consumado” (BRA-SIL, 1940, art. 83). De fato, o suicídio ou as condutassuicidas são consideradas geralmente questões de saúdepública e não de caráter penal. Porém, os suicídios consti-tuem um dos tipos de morte por causas “não-naturais”,sendo portanto parte do campo de interesse e preocupaçãoao momento de comparar estes dados com outros tipos de

mortes por causas não naturais, tal como os homicídiosdolosos e culposos (destacando-se dentre os últimos aque-les ocorridos em acidentes de trânsito).7 Trata-se de uma autarquia estadual, vinculado à Secreta-ria de Estado de Segurança, que foi criada em dezembro de1999, para assegurar, gerenciar e executar a política de se-gurança do Estado do Rio de Janeiro, elaborando o planeja-mento da força policial que mais atenda às necessidades dasociedade.8 Organismo nacional vinculado ao Ministerio de Justicia,que é o encarregado de processar, sistematizar e publicaraqueles que se constituirão em dados oficiais.

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ção entre a “realidade” e sua representação na buscade algo universal, em especial, a identificação depadrões. Outro aspecto importante é que o siste-ma penal caracteriza-se por manter sua tradiçãoinquisitiva de busca da verdade por meio, princi-palmente, da suspeição, por isso toda documen-tação juntada aponta à imputação de um crime aum sujeito considerado suspeito9. No caso dosregistros policiais, os processos de trabalho dão-se de forma particular. O registro representa ocomeço do trabalho de classificar os conflitos, demodo que os agentes chegam à conclusão de que“cada caso é um caso”10. Portanto, ao processara informação, os registros policiais acabamdescontextualizando os fatos, desconsiderandoque o “conteúdo” a que se referem é resultado dediversas práticas inter e intra-institucionais, queconvergem e também colidem em função de dife-rentes lógicas forjadas em processos de trabalhoe definições de categorias sobre os fatos.

Na Argentina existe uma ampla gama de deli-tos que, ao não serem denunciados por suas víti-mas, nem “pegos” pela polícia, não ingressam aocircuito judicial e, portanto, não são registradosna estatística oficial, fenômeno que é conhecidocomumente como “cifra negra”. Conforme estu-dos de vitimização desenvolvidos na Cidade deBuenos Aires e no Conurbano, aproximadamente70% das vítimas de roubos e furtos não o relata-ram (Informe Encuesta de Victimización CABA,2006, DNPC)11. Trata-se principalmente de gran-de parte de roubos, furtos, lesões e crimes sexu-ais, que por diferentes razões não são informa-dos: porque a vítima não quer perder tempo, por-que não crê que se pode esclarecer o fato, porquenão confia no sistema de justiça etc. Também há

uma elevada quantidade de delitos que não se ba-seiam em denúncias de particulares e que são muitodifíceis de serem captados pelo sistema de justiçapor deficiências próprias dos organismos de con-trole: como o caso dos denominados “delitos com-plexos”, narcotráfico, lavagem de dinheiro etc.

Outra importante observação refere-se àseletividade do sistema de justiça na recepção doscrimes. Basta analisar qualquer estatística oficial(registros policiais, ações penais ou pessoas puni-das com privação de liberdade) para observar queo perfil dos imputados pelo cometimento de umcrime responde a um padrão determinado. Emprimeiro lugar, há que se levar em conta que cer-ca de 70% dos fatos delituosos registrados sãodelitos contra a propriedade (basicamente roubose furtos), dos 30% restantes destacam-se as le-sões (dolosas e culposas) e as infrações à lei dedrogas. Essa característica tem a ver com o tipode infração que habitualmente denuncia-se (basi-camente roubos pessoais, de veículos e de resi-dências) e com os crimes que se iniciam pela pró-pria atuação da polícia nas denominadas tarefasde prevenção, o que aponta principalmente aomodo como as polícias lidam com os “crimes derua” cometidos por um infrator que reúne os ele-mentos considerados a priori como de“periculosidade”. Por isso não é de surpreender-se que entre os delitos sobressaiam-se os roubosde rua e as infrações relacionadas às drogas ilíci-tas. Se muitas dessas limitações não se aplicamao caso do homicídio doloso, por tratar-se de umdelito com um alto nível de registro oficial, é pre-ciso lembrar que se trata de um dado surgido deuma fonte particular, de acordo com categorias einterpretações específicas da agência produtorada informação, que devem ser “traduzidas” emuma lógica jurídica, o que orienta o formuláriocom as informações para a confecção de estatís-ticas oficiais.

Essa questão possui especial importância, jáque toda vez que se elabora estatísticas pelaDirección Nacional de Política Criminal reque-re-se à polícia que se classifique um fato de mor-te com a categoria jurídica homicídio doloso, quea rigor somente será validada ao final de um pro-cesso judicial. Dá-se, então, nesse momento totalliberdade de ação – e sem nenhum tipo de proce-dimento de controle ou padronização, que provêo próprio exercício do oficio no qual o policialtoma a decisão, a partir do saber empírico, deagir ou não, e de como intervirá no caso. Portan-

9 Era comum no ISP o recebimento de solicitações deinformações sobre crimes encaminhados pelo MinistérioPúblico ou pela Defensoria Pública para anexar em proces-sos judiciais. Mais raramente os pedidos eram feitos porparticulares para este objetivo.10 É comum no meio policial ouvir que “cada caso é umcaso”, o que impossibilitaria a construção de estratégias deanálise a partir da definição de padrões dos crimes e criariauma dificuldade maior para pensar-se a investigação doshomicídios (MIRANDA, OLIVEIRA & PAES, 2010).11 Estudos de vitimização realizados na área metropolita-na de Rio de Janeiro (2006-2007) indicaram que 35,50%das vítimas de roubos e furtos denunciaram-nos (MISSE,2008).

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to, os policiais que chegam ao lugar do fato ouque participam do fato que resulta em uma mortereconstroem o acontecimento a partir de relatos,declarações e de sua presença no local, constru-indo assim o material que constituirá parte dasprimeiras atuações policiais, integrando o expedi-ente judicial: as ações policiais que formarão parteda instrucción da causa ou do expediente judicial,isto é, aquilo que a polícia produzir em seu cará-ter de auxiliar da justiça. Porém, ainda que os po-liciais considerem que se trata de um homicídiodoloso, a rigor essa é uma categorização judicial,somente ao final do processo judicial poderá serafirmado. O resultado é o registro do fato que secompilará e sistematizará para construir as esta-tísticas policiais, com base nas quais completar-se-ão as planilhas que enquadrarão o fato comoum tipo de caso particular (a categoria homicídiodoloso), para informar ao DNPC. A polícia estáinterpretando o fato e possivelmente atribuindointencionalidade ao ato de matar somente movidopela obrigação burocrática de completar a infor-mação requerida pela DNPC.

Na tradição jurídica brasileira, o registro emcartório é necessário para dar publicidade, auten-ticidade, segurança e eficácia aos atos praticados,assegurando o cumprimento das formalidades le-gais necessárias a cada situação. A “lógica cartorial”permeia os procedimentos jurídico-burocráticos,o que implica que o registro é algo que deve serfeito pelo Estado para o próprio Estado, com oobjetivo de criar uma interpretação autorizada so-bre os fatos. É preciso destacar que a legitimida-de do registro está dada pela “fé pública”12, querdizer, pela imposição de certeza-veracidade aodocumento produzido, que é dada pelo cartório(MIRANDA, 2000). Portanto, é possível compre-ender por que o registro de ocorrência não repro-duz literalmente o discurso do “depoente”, sejavítima, agressor ou testemunha, e, sim,reinterpreta-o em termos burocráticos e jurídicos.Tudo o que é dito é repetido pelo delegado ao ofi-cial de cartório, de modo a traduzir os fatos acon-tecidos em narrativas de segunda mão, nas quaispredomina a linguagem jurídica. Assim, pode-seafirmar que o registro policial é um ato

interpretativo do Estado por meio da polícia, cons-tituindo-se em uma primeira representação do fatodelituoso pela instituição policial. Trata-se de umdocumento provisório, pois é elaborado com basenas primeiras informações que a polícia incorpo-ra acerca do fato, que é posteriormente entranha-do ao processo judicial (KANT DE LIMA, 1995).As informações que constam no registro de ocor-rência vão orientar a investigação subseqüente eserão complementadas, confirmadas ou refutadasno decorrer da investigação. A investigação poli-cial tem por base o inquérito policial que é inicia-do, nos casos de ação penal pública, de ofício,mediante requisição da autoridade judiciária ou doMinistério Público, ou mediante requerimento doofendido ou de quem tiver qualidade pararepresentá-lo13. Considerando que o registro é umato interpretativo do Estado sobre os fatos e queo oficial de cartório possui fé pública, a estatísti-ca oficial não tem relação com tudo o que aconte-ce, mas sim com aquilo que a instituição policialdecide registrar e, conseqüentemente, atestar suaveracidade. Nesse sentido, a discussão políticasobre a verdade ou mentira sobre as estatísticasoficiais torna-se problemática, pois a informaçãoque se publica no Diário Oficial, pelo Instituto deSegurança Pública, possui um estatuto de “verda-de oficial”, conferida automaticamente pela auto-ridade legítima do Estado, independente da vera-cidade de seu conteúdo.

Assim, quando alguém fala que “as estatísti-cas mentem”, o debate político direciona a dis-cussão com base na crença de que as cifras deve-riam reproduzir fielmente a realidade, sendo que aprática revela que elas são construções feitas apartir de uma determinada perspectiva, a visãopolicial sobre os crimes. Nesse caso, seria maisadequada uma reflexão sobre a seletividade poli-cial, que julga os fatos com base em critérios pes-soais e institucionais, o que é mais “grave”, demodo que os conflitos interpessoais sejamdesconsiderados e desqualificados como questõesde menor relevância.

No caso de Argentina, em Buenos Aires, dife-rentemente do Brasil, especificamente do Rio de

12 Embora a “fé pública” não assegure o conteúdo dodocumento, funciona como atestação de veracidade. Deve-se lembrar que, no Brasil, os documentos públicos possu-em valor de “prova plena”.

13 O artigo 5º, incisos I e II, do Código de Processo PenalBrasileiro, descreve quando o Inquérito Policial é iniciadonos casos de ação penal pública, isso é, quando o titular daação penal é o Estado em função da natureza do bem jurídi-co violado, o que se aplica ao caso do homicídio doloso.

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Janeiro, a polícia produz um tipo de informaçãopara o poder judicial e outro para a DNPC, sendoo primeiro um relato dos fatos que constituirá partedo que se chama a instrução policial e que iniciao expediente judicial, e o segundo corresponde aum registro quantitativo que se informa emplanilhas produzidas pela própria DNPC. Porém,esses dados, ainda que não sejam publicados emum Boletim Oficial, também possuem caráter dedados oficiais. Por isso, do mesmo modo, o im-portante é dar conta do momento do processo detrabalho policial e das lógicas que intervêm ao re-gistrar-se ou não um fato e como se faz.

IV. TORNANDO POSSÍVEL A COMPARAÇÃO

O foco da comparação na perspectiva antro-pológica é a busca da diversidade, e não da seme-lhança (BARTH, 2000), o que significa dizer quea comparação etnográfica não se refere ao pró-prio objeto descrito, mas contrasta as descrições.Dito de outro modo, ao serem analisados os re-gistros procurou-se pistas que permitiam enten-der os significados que eles possuíam em cadacontexto e lugar, para posteriormente percebercomo eram interpretados por aqueles que o “pro-duziam”. As variações de significado sobre os re-gistros de mortes violentas foram levando à cons-trução de hipóteses explicativas sobre os proces-sos subjacentes a sua produção. Nesse sentido,identificamos que para compreender as diferen-ças em relação aos conhecimentos empregadosna definição do que seriam as mortes violentas,em especial, os casos de homicídio, era precisoficar atento aos seguintes parâmetros:

1. O período temporal: definir o período a con-siderar, levando-se em consideração que oobjetivo era uma extensão temporal signifi-cativa, mas ao mesmo tempo não escolheranos, cujos dados sabia-se que tiveram pro-blemas técnicos que afetavam sua qualida-de, foi uma decisão importante. Por exem-plo, o ano 2000 foi na Argentina, o primeiroano da implantação a nível nacional do Sis-tema Nacional de Información Criminal, quedelegou a DNPC a função de confeccionara estatística anual sobre criminalidade e fun-cionamento do sistema de justiça penal dopaís, sobre a base da informação registradapelas polícias, forças de segurança (prefei-tura naval argentina, com poder de polícianas zonas portuárias, rios e mar; gendarmeria,com poder de polícia nas zonas fronteiriças),

e pelos tribunais, pelo ministério público naárea penal e os serviços penitenciários, res-pectivamente14. Para os objetivos deste ar-tigo trabalhou-se exclusivamente com a in-formação produzida pelas polícias, a prefei-tura naval e a gendarmeria. Como esse anofoi o primeiro na implantação do sistema,não se encontrava suficientemente consoli-dado e contava com importantes carênciasde informação. Isso sugere que, por exem-plo, em uma categoria particular de delitosnão se tenha certeza se um zero implica au-sência de ocorrência de casos ou ausênciade registro de informação sobre casos acon-tecidos. Por isso, a decisão foi iniciar-se asérie com o ano 2001, período para o qual aDNPC já havia realizado capacitações e ge-rado um sistema de controles das informa-ções recebidas (ainda assim, no caso dosdados referidos a vítimas e autores somenteconta-se com informação completa a partirdo mês de julho desse ano). No caso do Riode Janeiro15, os dados passaram a ser pu-blicados mensalmente no Diário Oficial16

a partir do ano de 1999, como parte do Pro-grama de Qualificação Estatística e Relaçãocom a Mídia, o que passou a dar maiorconfiabilidade aos dados produzidos pelaPolícia Civil. Em 2000, foi criado o Núcleo

14 O sistema foi criado e implantado em virtude da Lei n.25 266, que modificou a Lei n. 22 117. Existe um projeto deregulamentação desta norma que, entre outras questões,especifica como se programarão os sistemas de informaçãosobre criminalidade: periodicidade no envio da informação,organismos obrigados a informar, apresentação de infor-mes, publicações, controle da informação remetida, intimaçãopara sua retificação ou ratificação etc., que ainda não estávigente.15 No caso do Brasil, apenas em 2003 foi desenvolvido oSistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública eJustiça Criminal (Sinespjc), com o objetivo de reunir asinformações de segurança pública e justiça criminal produ-zidos pelos estados, que até hoje apresenta problemas decobertura em função das características regionais. O Rio deJaneiro é um dos poucos estados cujos dados possuem100% de cobertura, mas não há pesquisas que avaliem aqualidade dessas informações.16 Trata-se de um veiculo de comunicação oficial, cujacriação remonta a chegada de D. João VI ao Brasil, voltadoa imprimir com exclusividade os atos normativos e admi-nistrativos nos âmbitos do governo federal (Decreto n. 4520, de 16 de dezembro de 2002), estadual e municipal.

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de Pesquisa em Justiça Criminal e Seguran-ça Pública (Nupesp), vinculado ao Institutode Segurança Pública, tendo como finalida-des principais produzir os relatórios estatís-ticos sobre o sistema de segurança públicaestadual. Inicialmente, só foi possível traba-lhar-se com os dados agregados, mas apóso ano de 2002 o Nupesp passou a ter acessocom regularidade aos micro-dados17 da Po-lícia Civil, o que possibilitou o desenvolvi-mento e coordenação de análises que con-tribuíram para o aprimoramento da qualida-de das informações policiais, em especial,no que se refere à desagregação por ÁreasIntegradas de Segurança Pública (AISP)18,a fim de produzir mapas de risco com indi-cação de pontos de concentração de ocor-rências de crimes, entre outras análises. Par-ticiparam desse projeto diversos setores dasociedade, em especial, pesquisadores queestudam a temática da violência,criminalidade e segurança pública(MIRANDA, 2008). Nos dois casos ficouclaro que se podia tomar a decisão do re-corte temporal a partir de 2002 por ter-separticipado de alguma forma de seu proces-so de produção.

2. O alcance territorial: definir a área a consi-derar também foi uma questão que supôsuma importante série de “micro-decisões” eexplicitações. Estima-se que fosse especial-mente valioso poder contar com informa-ções das cidades e da área metropolitana queas circundam. Assim, estariam sendo con-sideradas áreas relativamente semelhantes noque se refere a seu caráter urbano e tambémem termos de população. Mas isso teve im-plicações no caso da Argentina, já que osdados referentes à “região metropolitana”referem-se a distritos independentes, que

eram fornecidos pela DNPC separadamentee considerar também que se referiam a duaspolícias diferentes (a polícia federal e a daprovíncia de Buenos Aires), com tradiçõesde trabalho diferentes, com rotinas de tra-balho distintas e, portanto, também com“desvios” e “erros” diversos.

3. As categorias nativas: definir com precisãoas categorias de uma e da outra base de da-dos que seriam consideradas para construira categoria de mortes violentas foi resultadode importantes discussões atendendo ao queem cada país e, especificamente, em cadaagência produtora de informação, registra-va-se. É possível dizer que isso implicouconstruir um “tradutor” de categorias de ume outro país, o que por sua vez implicou emdesconstruir o próprio, e particular, proces-so de registro e interpretação dos fatos porparte de cada uma das agênciasintervenientes.

Assim, foi como considerar-se que para o casodo Rio de Janeiro deviam ser incluídas as catego-rias de homicídio doloso, mas também as de la-trocínio, ou seja, o roubo seguido de morte, quesão processadas como outro tipo penal, já queimplicam em outro processo judicial vinculado acrimes contra a propriedade19; lesão corporal se-guida de morte; e auto de resistência, termo queoriginariamente se referia a um documento admi-nistrativo20. O documento era preenchido pelospoliciais quando se tratava da morte de um su-posto criminoso em confronto com os policiais,dispensando a confecção do auto de prisão emflagrante ou a instauração de inquérito policial nes-ses casos; e hoje é utilizado como título de regis-

17 O microdado é a menor parte observável de uma base dedados; é o conjunto, em meio digital, de todas as informa-ções que compõe uma base de dados (BORGES & DIRK,2006).18 Trata-se da correspondência geográfica entre a área deum batalhão da Polícia Militar (responsável pelo policia-mento ostensivo e a preservação da ordem pública) e umaou mais circunscrições de delegacias da Polícia Civil (exer-cendo as funções de polícia judiciária e apuração de infra-ções penais).

19 Foi possível observar também uma preferência porparte dos policiais civis pelo uso da categoria “latrocínio”na tipificação das mortes ao invés de “homicídio”, exata-mente porque o crime passa a ser julgado por um juiz daVara Criminal Comum e não pelo Tribunal do Júri, o que“facilitaria a condenação, pois no Júri tudo é um teatro, oadvogado arma uma cena e os jurados muitas vezes acredi-tam no teatro que ele está fazendo. Por isso é mais difícil deprovar que ele é culpado e de punir o autor. Se deixar parao juiz decidir é mais fácil condenar do que deixar para osjurados decidirem” (Delegado de Polícia Civil entrevistadopara a pesquisa).20 Ordem de Serviço “N”, n. 803, de 2 de outubro de 1969,da Superintendência da Polícia Judiciária do Estado daGuanabara.

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tro de ocorrência. A seguir estão as orientaçõesque aparecem nos documentos de orientação parao preenchimento do Sistema de ControleOperacional (SCO) do Programa Delegacia Le-gal21:

“Morte provocada pela Ação de Terceiros

Afastada a morte natural e a morte violentaprovocada pela ação exclusiva da vítima, verifi-caremos a participação direta (ou indireta) de ter-ceiros, na ação (ou omissão) que contribui para oevento morte. Em outras palavras, pelas evidên-cias apresentadas na investigação preliminar de-senvolvida na Unidade Policial, foi verificada (emtese) a existência de dolo ou culpa de terceiros. Ainfração penal (em tese) é identificada, devendoinvestir-se na apuração do fato. A escolha da in-fração penal entre os diversos delitos edetalhamentos da relação do sistema (SCO)norteará o caminho da complementação da inves-tigação, inobstante a imediata identificação ou nãoda autoria. As opções são muitas, vejamos:

Homicídio – Homicídio Provocado por Projé-til de Arma de Fogo (artigo 121 do Código Penal);[...]

Lesão Corporal seguida de morte – Lesão Cor-poral seguida de morte Provocada por Pedrada(artigo 129 § 3º do Código Penal); [...]

Roubo Seguido de Morte – Roubo Seguido deMorte Provocado por Emprego de Arma Branca(artigo 157, § 3º do Código Penal); [...];

Etc.” (SESP-RJ, 2003; grifos no original).

“O CONFRONTO POLICIAL: Nem sempreuma morte se origina de uma ação ilícita provocadapelos integrantes do tráfico de entorpecentes. Osconfrontos violentos entre os órgãos repressorese os integrantes do tráfico também ocasionamvítimas, algumas fatais. Esses fatos devem serregistrados da melhor forma possível, pois essaresistência constitui uma clara demonstração depoderio de força armada dos grupos criminosos,evidenciando o alto grau de periculosidade dessessegmentos delituosos. Ao resistir às incursõespoliciais, a resposta violenta do tráfico de entor-

pecentes, empregando suas armas em fogo cer-rado contra os membros do aparato policial, pro-voca uma reação armada legal por parte dos re-presentantes do Estado. Pode ocorrer nesse con-fronto a morte de algum oponente, o que não édifícil de esperar, pois seu autor se encontra sob omanto da excludente de ilicitude, instituto jurídi-co-penal em que se acha a legítima defesa, nãoexistindo assim, condenação para o autor da açãoperpetrada, caso se configure essa modalidade”(SESP-RJ, 2005, p. 50-51; sem grifos no origi-nal).

No caso da Argentina, a categoria homicídiodoloso (que inclui roubo e outros tipos de delitoscujo resultado seja a morte, tanto do autor comoda vítima) e que é a categoria na qual as políciasdevem completar uma planilha especial, inclui porsua vez as mortes equivalentes ao que no Rio deJaneiro (e em São Paulo) registra-se como “autode resistência”. Essa é uma questão importante,pois consta que, ao classificar os dados, as polí-cias resistem em registrar essas mortes com acategoria penal homicídio doloso, toda vez queconsideram que é altamente discutível a intençãode matar. De fato, tanta resistência criou nas po-lícias essa instrução de registrar esses casos comohomicídio doloso que, no Manual de Instrucciones,as orientações resumidas para os funcionáriospoliciais encarregados do registro dos fatos apa-recem os seguintes textos:

“Homicidios dolosos: comprende todos loshomicidios causados en forma intencional por elimputado, ya sea homicidio simple (art. 79 C.P.),agravado (art. 80 C.P.), en estado de emoción vi-olenta (art. 81 inc. a C.P.), homicidiopreterintencional (art. 81 inc. b C.P.), homicidioen ocasión de robo (165 C.P.) y homicidio en riña(art. 95 C.P.).

Las muertes producidas por miembros de lasfuerzas de seguridad en cumplimiento del debertambién deben consignarse como homicidiosdolosos (aunque no constituyan delito)” (DNPC,1999a; grifos no original).

En ocasión de otro delito? (C): Ver Tablas deCodificación de Datos e Indicar sólo el númeroque corresponde a la categoría seleccionada (sóloUNA).

Sí, robo: cuando el homicidio se produce enocasión de un robo o intento de robo. Incluye loscasos de muertes producidas por posteriores

21 Para uma análise do Programa Delegacia Legal, ver:Miranda (2005); Paes (2006); Miranda, Oliveira e Paes(2007); Gomes (2008); Oliveira (2008); Peixoto (2008) eMiranda, Oliveira e Paes (2010).

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enfrentamientos (en caso de robo) con la policía,sean éstos delincuentes o terceros” (DNPC,1999b; sem grifos no original).

Uma vez que fizemos isso passamos tambéma construir bases equivalentes, questão que parao cruzamento de dados era especialmente neces-sária, já que a base de dados brasileira é uma sópara fatos, vítimas e autores do fato; enquanto naArgentina tratava-se de duas bases de dados, umapara os fatos e suas características e outra paraas pessoas implicadas (vítimas e autores, que coma lógica judicial que permeia o sistema são deno-minados “imputados”). Isso implicou não só odesenvolvimento de tarefas informáticas de certacomplexidade, mas também o confronto com pes-soal técnico que, nos dois lugares, mencionaramseus sistemas, suas rotinas e suas modalidades detrabalho padronizadas, que não eram simples dealterar. O certo é que, conforme avançava o tra-balho de investigação ficou cada vez mais eviden-te que essa tarefa prévia de explicar os processosde produção de informação levava a uma etnografiada produção de estatísticas oficiais decriminalidade. Uma tarefa na qual, como se dissepor todos os participantes deste projeto de pes-quisa, além de cientistas sociais, desempenharampapéis em distintos momentos, como funcionári-

os públicos diretamente ligados às tarefas de cons-trução de sistemas de classificação de crimes eoutras formas de registros policiais e à produçãode informação no ISP e na DNPC, ou seja, nósfomos especialmente afetados (FAVRET-SAADA,2005; MIRANDA, 2010).

V. OS DADOS OFICIAIS

Conforme desenvolvemos anteriormente, aopartirmos do princípio de que as estatísticas nãomentem e nem dizem a verdade, buscamos com-preender seus processos de produção para tentarconstruir comparações entre as informaçõesdivulgadas oficialmente sobre as regiões metro-politanas de Buenos Aires e Rio de Janeiro, tendoem vista que a temática da gestão da informa-ção22 tem sido considerada contemporaneamenteum dos “pressupostos” para uma política de se-gurança eficiente e transparente.

A primeira consideração relevante é que, en-quanto a região metropolitana de Buenos Aires(RMBA) é maior em termos de população, comcerca de 12 198 207 de pessoas em 2005, com-parada com os 10 973 530 de pessoas estimadaspara a área metropolitana do Rio de Janeiro(RMRJ), o número de homicídios é muito maior,onde em um ano o total de vítimas excede o mon-tante de vítimas em quatro anos de RMBA.

TABELA 1 – VÍTIMAS DE HOMICÍDIOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANAS DO RIO DEJANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

22 A gestão da informação geralmente está associada àestruturação de formas de acesso e difusão da informação.Embora não seja o escopo deste trabalho, é preciso salien-tar que há uma grande discussão sobre as diferenças entregestão da informação e gestão do conhecimento. O que sepode identificar no que se refere ao debate na área de segu-rança é que os modelos propostos partem da idéia de umacomplexificação progressiva: Dados > INFORMAÇÃO> CONHECIMENTO (MIRANDA, no prelo).

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TABELA 2 – CASOS DE HOMICÍDIOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANAS DO RIO DEJANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Outro aspecto relevante é que nas duas regi-ões observou-se uma diminuição de registros dehomicídios nas taxas por 100 000 habitantes, masa escala do fenômeno é claramente divergente,tendo uma média no período analisado de 61,42vítimas na RMRJ e 9,62 vítimas para a RMBA.Talvez, essas escalas muito diferentes possibili-tem destacar as diferenças que fazem uma matrizde sociabilidade diferente, na qual a extrema vio-lência expressa uma maneira de resolução de con-

flitos predominante. Pode-se notar, no entanto, queem ambas as regiões a razão entre os fatos e asvítimas é, muitas vezes 1:1, ou seja, a relação en-tre fatos/vítimas para a RMRJ foi 1:14 vítimaspor fato e na RMBA foi de 1:03. Tal observaçãopermite afirmar que essas mortes possuem umanatureza interpessoal, mas como não se pode iden-tificar a motivação do crime, é possível ao menosafirmar que não se tratam de mortes em massa ouem série.

TABELA 3 – SUPOSTOS AUTORES DE HOMICÍDIOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANASDO RIO DE JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Quando se analisa a razão entre fatos e autores,entendidos como as pessoas inicialmenteidentificadas como responsáveis pela autoria do cri-me na fase de investigação policial, observa-se quena RMRJ a existência de supostos autores indiciadospelos oficiais de polícia foi de 0,99 enquanto na RMBA

foi de 0,72. Vale ressaltar que no caso do Rio de Ja-neiro essa relação não significa o indiciamento, massim que ao abrir um inquérito de homicídio o sistemapressupõe a existência de um autor, mesmo que elenão seja identificado e muito menos indiciado pelapolícia.

GRÁFICOS 1-4 – LOCAL DO FATO DAS MORTES VIOLENTAS REGISTRADASNAS REGIÕES METROPOLITANAS DO RIO DE JANEIRO E DEBUENOS AIRES (2002-2005)

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FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Os casos de morte violenta nas duas regiõesmetropolitanas revelam que os eventos ocorreramprincipalmente na “via pública” ou em áreas demenor espaço de privacidade ou intimidade (valorque pode ser aumentado se forem tratados comocategorias agregadas à via pública e ao comér-cio), o que realmente poderia levar a pensar sobreos usos dos espaços públicos, mas também e prin-cipalmente a indagar que tipo de lugares são clas-sificados nesta categoria genérica de via pública,levando-se em consideração que a “rua” tem sig-

nificados e usos distintos em favelas, “villas”23 ebairros pobres daqueles existentes em bairrosresidenciais, característicos das classes médias,

23 Villa de emergencia ou Villa miseria é o termo utilizadona Argentina para se referir a bairros muito pobres, deviviendas precárias e infraestrutura deficiente surgidos semplanificacao oficial. No seu interior tem ruelas ou corredo-res muito estreitos (“pasillos”) por onde as pessoas circu-lam.

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sendo o primeiro um espaço público de alta con-centração de pessoas, moradores ou passantes,que é integrado socialmente às rotinas da comu-nidade, de modo muito diferente de bairrosresidenciais ou das áreas centrais, mais voltadasàs atividades comerciais. O aprofundamento des-sa análise demandaria uma desagregação territorialde dados, o que não foi possível para os dadoscompilados.

GRÁFICOS 5-28 – SEXO E FAIXA ETÁRIA DASVÍTIMAS DE MORTES VIOLEN-TAS REGISTRADAS NAS RE-GIÕES METROPOLITANAS DORIO DE JANEIRO E DE BUE-NOS AIRES (2002-2005)

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FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Observamos que as mortes violentas são even-tos que envolvem majoritariamente a populaçãomasculina jovem. Nas duas regiões metropolita-nas, as vítimas de sexo masculino excedem 90%,enquanto proporcionalmente a RMBA apresentauma maior percentagem de vítimas do sexo femi-nino. No caso da RMRJ, as vítimas do sexo mas-culino concentram-se em grupos de idade que va-riam de 15 a 29 anos, enquanto que o RMBA deve

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incluir também o grupo de idade após os 34 anos.No entanto, para RMBA deve-se considerar a dis-tribuição das vítimas mulheres por grupo etário,assim se pode ver que ela é muito diferente dospadrões da população masculina. Para as mulhe-res, as maiores percentagens concentram-se emgrupos de idade que se pode chamar de extremas,estando em primeiro lugar o grupo de idade de 65anos ou mais (15%), seguido pelo grupo de 15-19 anos (11,6%). Entre as vítimas mulheres naRBMA, destaca-se também uma participação não-negligenciável de grupos de idade de mulheres quevariam de zero a nove anos (5,5%).

Existe uma forte coincidência na concentra-ção das percentagens de vítimas, 82% e 85% dos

homens no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, res-pectivamente. Porém, ressalta-se que no caso daRegião Metropolitana de Buenos Aires a percenta-gem de homens subiu para 92%. Em relação àidade das vítimas, é uma coincidência o elevadonúmero de casos de pessoas menores de 26 anos.Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 22,5%das vítimas estavam concentradas na faixa etáriaentre 18 e 26 anos, enquanto em Buenos Airesessa percentagem sobe para 29%. Outro pontoimportante é que não há nenhuma informação em12% dos casos no Rio de Janeiro, o que poderiaindicar um problema relativo à qualidade das in-formações que constam nos registros de ocor-rências.

SÉRIE ANUAL DE VÍTIMAS DE HOMICÍDIOS PROVOCADOS POR ARMA DE FOGO

TABELAS 4 E 5 – HOMICÍDIOS PROVOCADOS POR ARMA DE FOGO REGISTRADOS NAS REGIÕESMETROPOLITANAS DO RIO DE JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

PERCENTUAL DE PARTICIPAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO SOBRE O TOTAL DE VÍTIMAS DE HOMICÍDIOS

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

Pelos dados é possível observar que se o totalde casos e a taxa de vítimas de homicídio sãosignificativamente diferentes nas duas Regiões Me-tropolitanas, a evolução do número de casosregistrados durante os anos estudados apresentasemelhanças. A maioria dos homicídios registradosem ambos os locais foi cometida com uso de ar-mas de fogo.

No entanto, a percentagem de casos com ar-mas de fogo durante o ano de 2005 foi a menorde toda a série em ambos os casos, destacando-se o que aconteceu em Buenos Aires, onde a per-centagem diminuiu de 81% para 64,4% em 2005.Embora esses dados sejam meramente indicativos,sendo necessário um aprofundamento para sabersobre as possíveis razões para esse comportamen-to, seria interessante relacionar os outros tipos de

armas usadas nesses modos ou circunstâncias emque as mortes foram produzidas, o que não foipossível devido à limitação de qualidade das in-formações.

No que se refere à RMRJ, entre os anos de2001 a 2003, houve um aumento da participaçãodo uso de armas de fogo no Rio de Janeiro, quepassou a cair a partir de 2004. Embora não sejapossível demonstrar com base nessas informa-ções, é importante ressaltar que nesse períodoentrou em vigor no Brasil o Estatuto do Desarma-mento, que além de aumentar as restrições paraporte e uso de armas, implantou uma política derecompensa financeira para quem entregasse suasarmas. No caso da RMBA é possível notar que atendência de queda está presente desde o ano de2001.

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GRÁFICOS 29-32 – PROPORÇÃO ENTRE VÍTIMAS DE MORTES VIOLENTAS EROUBOS REGISTRADOS NAS REGIÕES METROPOLITANASDO RIO DE JANEIRO E DE BUENOS AIRES (2002-2005)

FONTES: as autoras, a partir de DNPC (s/d) e ISP-RJ (s/d).

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É notável que a RMRJ seja onde se tem a mai-or percentagem de mortes violentas em eventosnos quais não houve nenhum roubo (97,4% para2005 contra 50,7 por cento para RMBA), ressal-tando-se que na RMBA nesse ano não havia infor-mação sobre 20,6% no que se refere às circuns-tâncias do evento.

Assim, para a RMRJ apenas 2,6% das vítimasforam mortas em situação de roubo, enquanto noRMBA foram 28,7%. Por conseguinte, é impor-tante observar que a maior parte das mortes vio-lentas não estão relacionadas ao cometimento deoutro delito, sendo altamente provável inferir queuma elevada percentagem de eventos ocorreu en-tre as pessoas com algum grau de relacionamentoanterior.

Neste ponto, em função dos dados apresenta-dos, têm-se algumas afirmações, alguns pressu-postos e novas perguntas: as mortes violentasregistradas não parecem resultar de situações deroubo, que são classificados como crimes contra apropriedade, mas sim parecem estar relacionadas aoutro tipo de eventos que envolvem a morte, quese tornam o resultado de um conflito, de qualquerdaqueles envolvidos no evento. Por essa razão, pelomenos um percentual significativo de casos deveser separado dos atos de violência extrema em si-tuações de roubo de rua. No entanto, a maioria dasvítimas é morta em resultado do uso de armas defogo, o que evidencia em grande medida a existên-cia, a circulação e a utilização de armas - indepen-dentemente do status de sua posse, legal ou ilegal.Essas mortes são evidências claras de formas vio-lentas de resolução de conflitos. Mas a que tipo deconflito as mortes referem-se? Conflitos entre co-nhecidos? Conflitos de vizinhança? Conflitos coti-dianos que transcendem aos limites tolerados soci-almente de violência física? Quantos desses confli-tos têm encontrado essa forma extrema de resolu-ção com a eliminação do outro? Em que medidatais eventos e suas características podem levar-nosa pensar que as mortes violentas correspondemmenos a uma forma própria de resposta a crimescontra a propriedade, mas sim a um tipo de socia-bilidade, uma forma de relacionamento que ultra-passa e excede uma dinâmica criminosa prévia doqual a morte violenta é uma consequência? Pode-se pensar que elas são resultados de ajustes e desa-cordos – dos mais variados tipos – dos quais resul-tam uma resolução pensada, possível e evidente?Se esse fosse o caso, que tipo de política pública

deve ser considerado para a sua redução que nãoesteja centrado na lógica da “luta para o crime”?

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o início este trabalho implicou o reco-nhecimento de um fato: toda vez que se propu-sesse a produzir dados e dar conta do processode produção de estatísticas estatais em matéria decriminalidade, dever-se-ia trabalhar observandovárias dimensões dos registros. Isso ocorria por-que ao tratar-se da produção de estatísticas ofici-ais, ou seja, de estatísticas como saberes legíti-mos do Estado, está-se lidando diretamente comuma “linguagem do Estado”. Uma linguagem queao mesmo tempo é resultado e/ou efeito das ações,decisões e “formas de pensar o mundo” de umaburocracia, que possui em si mesmo um sentido,uma significação24 e que porta uma ampliação devalor: a “estatalidade”25. Essa afirmação, que po-deria dizer respeito à produção de conhecimento,em geral, nos âmbitos do Estado, em nosso cam-po específico de interesse, a segurança pública,

24 Sobre a distinção entre “sentido” e “significação”, verOliveira (2000).25 Embora desenvolver essa questão in extenso aqui nosdesviaria demasiadamente dos objetivos deste artigo, nãoqueremos deixar de mostrar de um modo sintético que sen-tido damos à noção de “estatalidade”. Quando falamos deestatalidade nos referimos a um acréscimo de autoridadeque reveste as ações de certos indivíduos e/ou grupos depessoas. Neste sentido incorporamos a premissametodológica de Radcliffe-Brown que o leva a afirmar que“o Estado é uma ficção dos filósofos”. Sustentar isto nãoimplica subtrair seu poder, muito pelo contrário, já que setrata de una ficção poderosa. Mas permite advertir que oEstado não é nem uma “coisa” com vontade própria e su-pra-individual, nem tampouco uma “abstração legal”, massim o efeito de um grupo das pessoas, de repartições, deleis, regulamentos, que encarnam a autoridade de essa fic-ção, ou seja, investidos de estatalidade. Conforme afirmouRadcliffe-Brown (1970, p. xxxiii), “o que existe é uma or-ganização, isto é, um grupo de seres humanos ligados porum sistema complexo de relações. Dentro desta organiza-ção diferentes indivíduos desempenham diferentes papéis,e alguns detêm um poder especial ou autoridade, comochefes ou anciãos capazes de dar ordens que serão obedeci-das, como legisladores ou juízes, e assim por diante. Opoder do Estado é coisa que não existe; há apenas na rea-lidade, poderes de indivíduos – reis, primeiros-ministros,magistrados, polícias, chedes de partido e votantes”. Con-cordando com essa leitura, Melossi (1992) nos recorda queWeber sustenta a importância de compreender como os indi-víduos, com suas ações fazem as organizações e instituiçõesque, por sua vez, dão um caráter de pessoas fictícias e que,agrupadas sobre a “idéia de Estado”, constituem-no.

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envolve diferentes “especialistas”, com saberes,interesses e capacidades de poder diversas: cien-tistas sociais, policiais e funcionários políticos, ouseja, aqueles que ocupam cargos em função deuma indicação política. Todos eles envolvem-sena produção de uma informação que, por um ladoreflete processos de trabalho que vão desde a des-coberta (pela via da queixa – policial ou judicial –ou a investigação policial) de um fato até a cons-trução de um caso que se converterá em um dado;e proverá elementos para pensar “a realidade” e o“clima social” referidos à criminalidade e a vio-lência social, que de maneira concomitanteincidem sobre a formulação de políticas públicas,ao menos na pretensão de sua formulação.

Essa última questão não é um assunto banal,já que especialmente nesse campo, tanto os “cli-mas sociais” que necessariamente ligam-se àsdemandas da população, como as pretensões derespostas rápidas dos “poderes políticos”, espe-cialmente sensíveis a elas, têm nos dado um es-pecial objeto de interesse e também de disputa.Quer dizer, embora a questão do crime não sejanova, a forma como tem articulado-se o tema comas demandas por segurança nas últimas décadastem levado a consolidar-se um campo de “opi-nião” ou de “demanda social” relativamente difusa,mas fortemente poderosa e que incide de maneiraeficaz não apenas em definir os assuntos da agen-da pública, mas de impor a forma de interpretaros fatos e, conseqüentemente, demandar respos-tas urgentes e rápidas. As intervenções ativas quese poderia denominar, segundo Darío Melossi, deelites morais, “aqueles que estão autorizados paraidentificar e rotular os problemas sociais e queem conseqüência operam para controlar uma si-tuação que percebem como ameaçadora para asbases políticas, sócio-econômicas e culturais queidentificam com a “defesa e promoção de sua pró-pria hegemonia”26 (MELOSSI, 1992, p. 43), sem

dúvida contribuem para criar cenários nos quaiso poder político e as agências estatais envolvidasdevem responder com urgência diante “do queacontece”. Criados esses climas sociais, os da-dos resultam em um elemento de combate comalto valor político.

Tornou-se claro que seria necessário tambémdar conta da articulação da burocracia com o po-der político. O “valor político” dos dados produ-zidos por essa burocracia particular tratava-se deum espaço privilegiado para dar conta das ten-sões e conflitos entre a produção de conhecimen-to e as razões de Estado. Assim, ficou evidenteque o campo de trabalho implicava atender a es-sas várias dimensões (PANTALEÓN, 2004) queproduzem a configuração de uma racionalidadeprópria, expressa por uma dimensão técnica (le-gitimada “cientificamente” mediante processosunificados de medições), alimentada por una di-mensão cognitiva experta (aquela que faz a cons-trução de categorias classificatórias e taxonomiasresultantes de um saber prático – policial – bemcomo a vinculação entre esse saber prático e oscódigos legais – o código penal), e uma dimensãopolítica (produzida pela articulação, muitas vezesconflituosa, das perspectivas e do trabalho dosburocratas, dos funcionários políticos e dos cien-tistas sociais, que buscam definir e impor deter-minados modos de medir e ler os fenômenos so-ciais que, por sua vez, ao serem transformadosem dados, resultam em insumos para o diagnósti-co de situações e para a formulação de políticaspúblicas) (GUEDES, 2008; MIRANDA & DIRK,2010; PITA & OLAETA, 2010; MIRANDA, noprelo). Compreender essas dimensões é funda-mental porque as classificações do Estado são amaterialização de relações de poder, portanto o queresulta de uma disputa, questão que mais de umavez fica obscurecida e/ou eventualmente apresen-tada como um problema metodológico, o que levaa discussão a outro tipo de debate, um debate “téc-nico”.

No caso particular das estatísticas decriminalidade, elas têm recebido dois grandesquestionamentos: que existe um alto número deeventos que não ingressam ao sistema, e que háuna seletividade nos casos que são reportados. Oque se pode afirmar é que a estatística oficial decriminalidade surge de um processo complexode construção da informação em que diferentesatores pertencentes a organismos produtores dedados devem tomar uma série de decisões que

26 Ao esboçar o tema nestas condições, Darío Melossileva o olhar mais além do que “o Estado ‘faz’ ou ‘deixa defazer’”, estendendo sua análise de maneira que seja possí-vel considerar a intervenção de “grupos, de organizações ede indivíduos, assim como de outros atores sociais, quetem razões e fundamentos para suas próprias ações”, deelites morais “[...] indivíduos e grupos que dentro de pau-tas dadas, têm êxito em expressar as posições morais queeventualmente se transformarão em hegemônicas, frequen-temente através do conflito. Mais especificamente, elestêm êxito em reclamar sua ‘propriedade’ [...] sobre áreasespecíficas da vida social” (MELOSSI, 1992, p. 43).

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implica recortes ou suspeitas sobre os númerosinformados. Assim, trata-se de informações querefletem a atuação da agência, sua forma particu-lar de tratar o fenômeno, expressando limites querefletem, entre outras questões, em seu própriocampo de atuação. A estatística oficial sobrecriminalidade surge do próprio registro que fa-zem os organismos integrantes do sistema de jus-tiça sobre sua própria área de competência. Emum sentido amplo, pode-se dizer que os dadosoficiais abarcam as polícias e forças de seguran-ça, o poder judiciário, o ministério público e osserviços penitenciários. No que se refere ao re-gistro de delitos em particular, as estatísticas po-liciais e de forças de segurança são as que repre-sentam a cifra oficial. Em suma, as estatísticaspoliciais mostram o estado da criminalidade deacordo com os critérios e as concepções das pró-prias agências de segurança; tomando como baseo registro originado nas denominadas atividadesde prevenção, que realizam as polícias nas ruasou por meio de reclamações particulares efetuadasnas delegacias. Foi conhecendo esse processo deprodução, analisando as categorias e seu alcance,que conseguimos gerar esses dados que aqui ex-pomos.

Ter realizado uma pesquisa dessa natureza nãofez duvidar da validade científica da informaçãoquantitativa, nem desistir de considerá-la no mo-mento de avançar em descrições e análises a res-peito dos fatos que resultam em mortes violentas.Ao contrário, ao descrever seu complexo proces-so de produção, acreditamos que foi possívelavançar não apenas na geração de informaçãoconsistente e comparável, mas principalmente emdar conta daquilo que está cifrado nas cifras, ouseja, o resultado cristalizado de rotinas burocráti-cas e sensibilidades. Acredita-se que a articulaçãodas metodologias qualitativa e quantitativa possi-bilita romper com uma visão positivista correntede que os “dados” estão na realidade prontos aserem “coletados”, o que nega uma oposição vi-gente no senso comum entre os métodos quanti-tativos e qualitativos como modos opostos e in-conciliáveis de ver a realidade.

Uma questão adicional que excede o limite denosso trabalho, mas não deve ser perdida de vis-ta, é a legitimidade social da autoridade que validaos dados em um ato de fé pública, tendo em vistaque questão é a confiança pública no Estado. Éimportante lembrar que há uma enorme tradição

de desconfiança e falta de credibilidade a respeitode qualquer indicador proveniente do circuito deprodução de informações e estatísticas oficiais(O’DONNELL, 1997).

No caso das estatísticas oficiais sobre mortesviolentas é relevante destacar que, no Rio de Ja-neiro, foi possível observar um processo de des-valorização da categoria homicídio a partir da aná-lise das distinções entre os casos atendidos pelospoliciais entre aqueles considerados “crimes deverdade” e conflitos “menores”, comumente cha-mados entre os policiais de “feijoada” (SOUZA,2008). Os “crimes de verdade” estariam relacio-nados aos crimes contra o patrimônio, como gran-des assaltos e tráfico de drogas, enquanto os ho-micídios apenas se destacariam quando fossem“crimes de repercussão”, ou seja, o fato poderiaganhar destaque na mídia em função da naturezado morto, o que lhe garantiria um tratamento di-ferenciado no âmbito policial, pois esse é um doscritérios para que um caso seja requisitado nasDelegacias de Homicídios . Tal fato é mais umademonstração de que as rotinas relacionadas aoregistro de uma morte violenta revelam uma di-versidade de interpretações das normas legais queexplicitam uma sensibilidade jurídica (GEERTZ,2006) própria, marcada por uma tradiçãoinquisitorial de construção da verdade, na qual osegredo, a suspeição e a desigualdade jurídica sãoos princípios básicos de intervenção. Isso conflitacom um modelo da transparência e publicidadedos dados, que orienta as atuais políticas públicasde segurança, denominadas de “gestão da infor-mação”, segundo as quais a informação estariaassociada a formas pré-estabelecidas de análise,que pressupõem algum consenso sobre os signi-ficados atribuídos ao fato e o compartilhamentodo conhecimento construído, para que possamser legitimados socialmente.

A comparação das diferenças entre os modosde registrar, buscando eventuais equivalências,possibilitou perceber que a variedade das classifi-cações relativas às mortes violentas é reveladorade representações que qualificam a morte em fun-ção não só da intencionalidade do ato, como pre-vê a legislação, mas também em função da natu-reza do morto, delimitando assim a existência de“seres matáveis” (PITA, 2010), o que pode serpensado como uma legitimação da morte e umaforma de administração institucional e informal deconflitos.

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Ana Paula Mendes de Miranda ([email protected]; [email protected]) é Doutoraem Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), Professora do Programa de Pós-Gradu-ação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Coordenadora-Executiva do NúcleoFluminense de Estudos e Pesquisas (Nufep).

María Victoria Pita ([email protected]) é Professora Adjunta do curso de Ciencias Antropológicasda Universidad de Buenos Aires (UBA, Argentina) e Investigadora Adjunta do Consejo Nacional deInvestigaciones Científicas y Técnicas (Conicet).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 291-296 OUT. 2011

BUREAUCRATIC REGIMES AND STATE LANGUAGES: THE POLITICS OF STATISTICALCRIMINAL RECORDS ON VIOLENT DEATHS IN RIO DE JANEIRO AND BUENOS AIRES

Ana Paula Mendes de Miranda and María Victoria Pita

This article emerges from our interest in producing a comparable data base for the metropolitanareas of Rio de Janeiro and Buenos Aires. Our research reveals the need to identify the technicalprocesses and political skills that, in Brazil and Argentina, give rise to particular modes of producinginformation on criminality. This, in turn, requires fleshing out the particular conditions that, in eachcase, turn official criminal data into the object of political disputes, and lead to intra- and inter-institutional conflicts - as well as turning it into the stuff of “public opinion”, as the debate on publicsafety moves up on the list of public agenda priorities. This approach enables us to conclude that thefigures speak more about the institutions that produce them than about criminality or violent deathsin the Rio de Janeiro or Buenos Aires metropolitan regions per se. Therefore, in this article, we tryto show that creating comparable data for metropolitan regions as near and as far Buenos Aires andRio de Janeiro demands its part- by- part examination and disaggregation. Only then can data becompared and read as an indicator of violent forms of conflict resolution.

KEYWORDS: Records; Criminality; Violent Death; Comparison.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 299-305 OUT. 2011

LES ROUTINES BUREAUCRATIQUES ET LES LANGAGES DE L‘ETAT : LES POLITIQUESDE REGISTRES STATISTIQUES CRIMINELS SUR LES MORTS VIOLENTES À RIO DEJANEIRO ET À BUENOS AIRES

Ana Paula Mendes de Miranda et María Victoria Pita

Cet article part de l’intérêt de produire une base de données comparable des régions métropolitainesde Rio de Janeiro et de Buenos Aires. Tout au long de la recherche, on a vérifié que pour atteindreà cet objectif, il serait nécessaire d’expliciter les processus techniques et les compétences politiquesqui ont donné lieu, au Brésil et en Argentine, à des méthodes spécifiques de production d’informationen matière de criminalité, en particulier les conjonctures spécifiques qui ont conduit, dans chaquecas, les données officielles sur la criminalité à devenir l’objet de disputes politiques, et à l’existencede conflits intra et inter-institutionnels. Ce qui était aussi, un sujet dont « l’opinion publique » s’ennourrissait, au moment où le débat sur la sécurité publique s’élevait dans le classement de l’agendapublic. Cette approche nous permet de conclure que les chiffres parlent plus sur les institutions quel’ont produite, au lieu de parler sur la criminalité ou sur la situation des morts violentes dans lesrégions métropolitaines de Rio de Janeiro et de Buenos Aires. Donc, cet article présentera la façondont ces données ont dû être (dé) composées et (dés) agrégées pour être comparées et lues autantqu’indicateurs de formes violentes de résolution de conflits, pour qu’elles puissent enfin êtreconsidérées comparables entre des régions métropolitaines aussi proches et aussi distantes commeBuenos Aires et Rio de Janeiro.

MOTS-CLÉS: les registres ; la criminalité ; les morts violentes ; la comparaison.

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