Saber Científico vs Saber Escolar

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DIDÁTICA GERAL PROF. ELTON BRANDÃO TEXTO BÁSICO 1 SABER ESCOLAR E SABER CIENTÍFICO: PRESSUPOSTOS DO CURRÍCULO Maria Isabel da Cunha O objetivo principal do texto, a seguir, é fazer uma análise dos diversos fatores que estão na atividade de selecionar conteúdos. Nesse texto são encontradas ideias que tentam relacionar a questão dos conteúdos escolar com a concepção de ciência, que é o seu pressuposto, analisando algumas assertivas equivocadas sobre o tema. Posteriormente e. o estudo se encaminha para a organização curricular como expressão da estrutura do conhecimento escolar. A análise dos elementos da Didática, constitutivos da ação do professor na prática cotidiana da escola, tem sido objeto de algumas teorizações, mas, acima de tudo, vem sendo feita de maneira descontextualizada e a-histórica. A visão tecnicista do processo contribuiu para que a reflexão se desse em cima de procedimentos mecânicos, cm que, não raras vezes, o modismo se instalou e a visão do certo ou errado foi ditada exclusivamente por esse critério. A escola e os professores costumam ser presa fácil das estratégias sócio econômicas dominantes, porque, em geral, ainda sofrem um pesado direcionamento dos sistemas de ensino que ditam o que pode ou que não pode ser considerado válido. A própna pesquisa pedagógica quando dominadas pelas artimanhas do poder, serviu. muitas vezes . para legitimar o aprisionamento das ideias e das experiências, ao invés de cumprir o papel emancipador da ciência. O resultado deste processo tem sido uma ação docente pouco consciente, em que o professor celebra rituais pedagógicos sem refletir aprofundadamente sobre o seu significado, r eproduzindo práticas tradicionais ou deixando-se levar por mudanças periféricas. O ambiente social e cultural em que vive o professor interfere fortemente no seu trabalho profissional. O ensino é uma prática social não só se concretiza na interação entre professor e alunos. mas também porque estes atores refletem a cultura e os contextos sociais a que pertencem. Para entender, pois, a prática pedagógica que se realiza nas escolas, é fundamental compreender

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Saber Científico vs Saber Escolar e sua implicações didáticas

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  • DIDTICA GERAL PROF. ELTON BRANDO

    TEXTO BSICO 1

    SABER ESCOLAR E SABER CIENTFICO: PRESSUPOSTOS DO CURRCULO

    Maria Isabel da Cunha

    O objetivo principal do texto, a seguir, fazer uma anlise d o s d i v e r s o s f a t o r e s

    q u e e s t o na atividade de selecionar contedos.

    Nesse texto so encontradas ideias que tentam relacionar a questo dos contedos

    escolar com a concepo de cincia, que o seu pressuposto, analisando algumas assertivas

    equivocadas sobre o tema. Posteriormente e. o estudo se encaminha para a organizao

    curricular como expresso da estrutura do conhecimento escolar.

    A anlise dos elementos da Didtica, constitutivos da ao do professor na prtica

    cotidiana da escola, tem sido objeto de algumas teorizaes, mas, acima de tudo, vem

    sendo feita de maneira descontextualizada e a-histrica. A viso tecnicista do processo

    contribuiu para que a reflexo se desse em cima de procedimentos mecnicos, cm

    que, no raras vezes, o modismo se instalou e a viso do certo ou errado foi ditada

    exclusivamente por esse critrio.

    A escola e os professores costumam ser presa fcil das estratgias scio econmicas

    dominantes, porque, em geral, ainda sofrem um pesado direcionamento dos sistemas de

    ensino que ditam o que pode ou que no pode ser considerado vlido. A prpna

    pesquisa pedaggica quando dominadas pelas artimanhas do poder, serviu. muitas

    vezes . para legitimar o aprisionamento das ideias e das experincias, ao invs de cumprir o

    papel emancipador da cincia. O resultado deste processo tem sido uma ao docente

    pouco consciente, em que o professor celebra rituais pedaggicos sem refletir

    aprofundadamente sobre o seu significado, r eproduzindo prticas tradicionais ou

    deixando-se levar por mudanas perifricas. O ambiente social e cultural em que vive o

    professor interfere fortemente no seu trabalho profissional. O ensino uma prtica social

    no s se concretiza na interao entre professor e alunos. mas tambm porque estes

    atores refletem a cultura e os contextos sociais a que pertencem.

    Para entender, pois, a prtica pedaggica que se realiza nas escolas, fundamental compreender

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  • o contexto histrico-social que envolve esta realidade e, especialmente, condiciona seus principais

    atores. Por isso, discutir a questo "do que" se ensina, isto , quais so os contedos escolares,

    necessrio compreender "por que" se ensina, ou seja, arazo histrico-social dessa escolha.

    SABER CIENTFICO E SABER ESCOLAR

    O estudo da natureza do conhecimento escolar que se desenvolve escola e sua relao com a

    produo do conhecimento cientfico tem alvo de repetidas atenes. Isto porque, a estrutura dos

    contedos e da organizao escolar, por si, j manifesta uma posio terica de conceber o

    conhecimento e revela tanto uma percepo de cincia, como com que a civilizao a produz e a

    consome. Ns, professores, no temos tido a oportunidade de refletir sobre as nossas prprias

    aes de cincia e como as veiculamos no processo de ensino que desenvolvemos. Muito menos

    temos analisado estas concepes como definidoras da forma de organizao curricular e da

    maneira como selecionamos e desenvolvemos os contedos escolares. Se a interveno

    p e d a g gica do professor influenciada pelo modo como pensa e age versas facetas de sua

    vida, fundamental analisar alguns conceitos envolvendo o conhecimento cientfico e a

    prtica escolar que erroneamente tem sustentado a ao escolar.

    Eis alguns dos mais comuns:

    O conhecimento algo esttico e completo

    A humanidade produziu determinados conhecimentos e cabe ao professor repass-los com

    segurana e certeza. Nada deve ser questionado, e o aluno deve ser algum que reproduz,

    fielmente, aquilo que a escola ensina. Ora, esta uma assertiva equivocada. porque o

    conhecimento, ao contrrio, dinmico e sempre relativo. Isso significa dizer que, sendo

    o conhecimento uma produo humana e o homem um ser em movimento, as descobertas humanas

    so provisrias. O prprio fato de fazer cincia depende do questionamento, da indagao e,

    portanto, da dvida. Isso caracteriza o conhecimento como um processo histrico e sempre

    inacabado. O que vale hoje pode no valer amanh, porque novas descobertas e anlises j

    superaram as anteriores. Na escola, dificilmente essa percepo passada aos alunos. Em geral, os

    contedos so dados definitivos e sinnimos de verdades inquestionveis. No h a

    p r e o c u p a o de fazer o aluno entender em que contexto eles foram dos e, muito menos,

    de tom-los como relativos. Os prprios professores no produzem o conhecimento que

    so chamados a reproduzir, e, muitas vezes. o domnio estrutural de sua matria de ensino deixa

    muito a desejar.

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  • Reforam esta concepo as relaes de poder que esto- presentes na organizao escolar, em

    especial a avaliao. a predominncia da cultura do "certo" e do "errado". normalmente

    ligados verdade do professor ou do livro didtico. O aluno chamado a desenvolver muito mais o

    pensamento convergente. do que o pensamento divergente, que, em algumas circunstncias, chega

    at a ser punido. E o pensamento divergente que estimula a criatividade e a capacidade

    de fazer caminhar o conhecimento. O pensamento convergente. como o prprio nome j

    esta indicando, aquele que se organiza em uma mesma direo, em que so desprezadas

    quaisquer alternativas de chegar ao conhecimento que no seja aquela considerada "certa",

    normalmente numa viso tradicional do professor e/ou do livro. J o pensamento divergente,

    pela prpria raiz da palavra (di-vergente), o que pressupe, pelo menos, duas possibilidades de

    alcanar um objetivo indicando que o aprendjz tem liberdade para pensar epropor os seus prprios

    caminhos.

    O conhecimento neutro, livre de implicaes sociais e polticas

    Esta perspectiva foi absurdamente instalada na comunidade escolar e cientfica. Serviu

    queles que estavam interessados em que o processo educativo no fosse emancipatrio,

    capaz de instrumentalizar os homens para pensar e tomar decises. Ora. bvio que os

    resultados da produo cientfica dependem de procedimentos tcnicos que possuem uma

    estrutura prpria de ao vinculada aos diversos tipos de investigao. certo,

    porm, que a escolha desses metodos a interpretao dos dados cientficos so

    atividades humanas e j revelaram uma posio valorativa frente ao mundo e a

    determinada sociedade.

    O homem um ser axiolgico por excelncia; nada do que ele faz est liberto de

    valores. Quando definimos produzir um conhecimento que responda a um tipo de

    problema, j estamos evidenciando que h um tipo de interesse que move a ao

    investigatria. Por que pesquisar maior produtividade dos frangos do avirios, e no das

    galinhas caipiras que ciscam pelo quintal? Por que investigar materiais de construo

    artesanais de baixo custo, em vez da utilizao da fibra [tica na construo? Questes

    como esta fiundamentaram a produo do conhecimento feito ao longo da histria e

    conceberam, ainda, a interpretao de resultados que se adequavam aos interesses

    humanos. Esta perspectiva pode se adequar para a Histria, para a Fsica, para qualquer

    campo cientfico. Isto no um mal em si . porque prprio da natureza humana; o equvoco

    est em negar tal proposio. usando-a como forma ideolgica de impedir a emancipao

    dos povos. O conhecimento escolar, portanto, tambm.. no neutro e no pode ser assim

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  • tratado, quando transmitido aos alunos.

    Na prtica, a teoria outra.

    A ideia da separao entre a. teoria e a prtica tambm tem servido de escopo para manter o

    conhecimento cientfico e o conhecimento escolar descolados do fazer dos homens. Para

    muitos de nossos alunos - e talvez at para os professores -, a construo do

    conhecimento sistematizado no consegue revelar a relao entre teoria e prtica . Este fato

    decorre da concepo reprodutivista da cincia, que separa aqueles que pensam o

    conhecimento daqueles que o veiculam. Para quem faz cincia. absolutamente claro que

    teoria e prtica so duas faces inseparveis do mesmo ato de conhecer. dos desafios da

    prtica que nasce o conhecimento terico, pois da observao e experimentao que

    se desenvolvem a reflexo e a anlise.

    Por outro lado, no h prtica sem teoria, porque, por mais simples que seja a ao humana,

    ela vem sempre precedida de urna concepo terica, mesmo que de forma implcita.

    bvio que a relao entre teoria e prtica no linear, e sim dialtica. A teoria que se

    forma inspirada numa prtica pode e deve ir adiante na sua formulao e propor-se a

    iluminar novas formas de prtica, nem sempre j postas e experimentadas. Mas, mesmo

    havendo um interregno entre as duas, se a nova teoria no for "praticada", ela se esvazia no

    seu contedo social. Beckmann (apud Goergen, 1979, p. 25) afirma que "a distncia entre a

    teoria e a prtica sempre maior onde a prtica age sem grande reflexo. e onde a teoria

    to geral que a prtica no se sente atingida por ela". No ser este o perfil mais

    encontrado em nossas escolas?

    O ato de conhecer requer, especialmente, esforo individual

    -Toda nossa organizao escolar est voltada para o individual, propondo, inclusive,

    aparatos que procuram dificultar a comunicao entre os aprendizes. nesta percepo

    que se organizam os espaos de sala de aula, as tarefas de ensino e os procedimentos de

    aprendizagem. O conceito de "disciplina" tomado na perspectiva do "bom

    comportamento" , que. em geral, sinnimo de imobilismo, "ordem", passividade. A

    obedincia, neste paradigma, o valor maior. A competio bastante estimulada,

    inclusive com prmios e castigos. Qualquer movimento dos alunos no espao escolar.

    fora dos "muros da sala de aula", visto com preocupao pela estrutura

    organizacional da escola. O ideal v-los quietos e ss, estimulando o "sentante" ,

    mesmo que muito pouco o "pensante", corno satiriza Caniato (1985). Esta

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  • perspectiva da prtica escolar absolutamente incompatvel com a percepo de que o

    ato de conhecer sempre um ato social, mediatizado pela realidade. A realidade do

    mundo que nos circunda, diz Luckesi (1989). mediatiza as nossas conscincias, "serve de

    ncleo e objeto do pensamento e reflexo de diversos indivduos, ao mesmo tempo". No

    uma pessoa sozinha que vai encontrar a soluo e a sada para os desafios que a vida lhe

    apresentar. Mas o indivduo, relacionado a outros indivduos, que poder vislumbrar o

    caminho a percorrer. Para produzir conhecimento, preciso saber que existem outras

    pessoas pensando sobre a mesma realidade e, com elas, ou com seu pensamento,

    preciso estabelecer elos de comunicao. Nesta perspectiva, a ideia de "disciplina" na

    escola passa a ser outra. Fica contemplada com a perspectiva de desenvolver habilidades

    de busca de :informaes, de elaborao de anlises e snteses, tanto no coletivo, como no

    individual. claro que sempre haver o espao necessrio para a sistematizao

    prpria de cada um, e o aluno deve ser ensinado e estimulado a construir sua

    disciplina para o estudo. Mas os momentos articulares precisam desaguar na relao

    coletiva, pois ningum produz conhecimento sozinho.

    A aprendizagem enfadonha, mas necessria

    -Quando se l iber tam as ideias literrias ou satricas sobre a escola, que se percebe

    quanto a experincia escolar vista como algo de penoso e enfadonho Nos ltimos anos,

    tambm, tm-se visto escritos de crtica sobre os rituais escolares, denunciando as artimanhas de

    uma engrenagem que, ao invs de ser libertadora, mais uma forma de aprisionamento do

    movimento e da inteligncia. Para quase todos ns, a escola foi um "mal necessrio", e as

    lembranas positivas que guardamos com algum carinho quase sempre esto no plano das

    relaes ou de experincias particulares, que se diferenciavam das que aconteciam no cotidiano.

    Ser que aprender pode dar prazer ou, necessariamente. tem de ser um ato penoso e

    desgastante? A resposta a essa questo tem muito a ver com o conhecimento e a forma com

    que este conhecimento posto para o aprendiz.

    No dizer de Snyders (1988), necessrio "desorganizar a escola, a partir de novos contedos, que

    eliminem o abismo entre o que a escola e o que poderia ser". No se trata. aqui, de defender a

    ideia do laissez faire ou da permissividade escolar. Nem se trata de achar que a atividade escolar

    possa prescindir de direo e encaminhamentos. Trata-se, sim, de conceber a apropriao cultural

    como algo gratificante, se provida de um sentido. Se os alunos forem partcipes da construo do

    conhecimento, e se este conhecimento tiver algum significado para eles, certamente vivero, ao

    aprender, uma experincia prazerosa. No se trata, novamente usando o pensamento de Snyders (

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  • 1988).de achar que os alunos so iguais aos professores: trata-se de torn-los parceiros culturais. O

    que distingue a autoridade do professor justamente o fato de ele estar mais perto de determinados

    ngulos essenciais da satisfao cultural, e a sua competncia que lhe d autoridade. sua a

    capacidade de selecionar contedos que sejam significativos para os alunos e, acima de tudo, saber

    trabalhar com os desejos existentes, articulando-os com o conhecimento sistematizado.

    necessrio fazer com que a liberdade dos alunos progrida em unio com a orientao, como

    resultado dos contedos renovados e aes que correspondam a isso.

    Estas so algumas posturas sobre a cincia e o saber escolar que, historicamente, foram passadas

    aos professores, atravs da sua trajetria escolar e acadmica, e precisam ser examinadas

    aprofundadamente. Se estamos insatisfeitos com a prtica escolar que temos, se desejamos fazer o

    ato pedaggico mais adequado a uma concepo crtica de educao que responda aos desafios da

    modernidade, sem dvida, necessrio rever nossas crenas sobre a cincia e, nela, a percepo que

    est contida de mundo e de sociedade. A reflexo feita sobre objetivos e finalidades da educao

    j encaminhou a idia que subjaz nesta proposta. isto . que. ao falarmos em educao, temos

    como referncia a perspectiva da formao do profissional cidado. capaz de, enquanto homem

    educado, intervir historicamente na sociedade em que vive. Assim, o ponto de partida para a anlise

    da seleo de contedos escolares o compromisso com a mudana que nos leve construo de

    um saber escolar mais estimulador da inteligncia e da independncia do pensamento.

    2. O CURRCULO

    Cabem, agora, algumas consideraes sobre o currculo, j que ele a expresso

    organizacional do conhecimento escolar. fcil perceber que as mesmas concepes

    equivocadas de cincia se repetem e se multiplicam na organizao curricular. Ela a

    expresso da transmisso cultural na escola, entendida, aqui, como aquilo que se ensina, a

    maneira como se portam os alunos e o que realmente a escola assume corno aceitvel.

    Como se v, estamos tomando o conceito de currculo no seu sentido amplo, isto ,

    envolvendo todas as experincias escolares proporcionadas ao estudante. Nesta

    perspectiva, preciso analisar aquilo que comumente denominamos currculo. ou seja, a grade

    curricular, mas tambm as lies pedaggicas passadas no cotidiano escolar, que se referem

    a valores, hbitos e atitudes. Estas, na maior parte das vezes, no so explcitas e esto

    embutidas nas aes da comunidade social, refletindo-se na educao do estudante. o que

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  • os estudiosos contemporneos tm denominado de currculo "oculto". Torna-se

    fundamental que os educadores tenham conscincia destas duas vertentes pedaggicas na escola

    a fim de que possam, de forma mais consciente, dar rumo s suas intenes.

    Entende-se por currculo "oculto" toda a gama de valores culturais que so passados

    ao estudante no ambiente escolar, especialmente as interaes educacionalmente

    significativas que ocorrem no espao da sala de aula. Normalmente, so aprendizagens

    incidentais, com contedos determinados fora da sala de aula, que, se so ocultos para

    quem os recebe, so explcitos para quem os elabora. Fundamentalmente, surgem partir da

    histria de vida e dos marcos de referncia dos atores, incluindo suas experincias cotidianas.

    Com eles, ensinamos os alunos a valorizar algumas coisas e a desprezar outras, e, com

    isso, estabelecer regras sociais de convivncia. Os preconceitos de classe social, de sexo e

    de raa so sempre presentes no cotidiano escolar- ainda que nem sempre expressos nos

    documentos oficiais (currculo oficial) e tm nos professores e nos livros didticos seus principais

    veiculadores. a postura ideolgica que est presente na elao pedaggica, tormando ,

    aqui, o conceito de ideologia de Kemmis ( 1988) como sendo "a relao dialtica entre

    a conscincia individual e a estrutura social, isto , referente aos processos e prticas

    sociais, mediante as quais as estruturas caractersticas da vida social se reduzem e mantm

    na conscincia do indivduo os valores de uma sociedade concreta".

    TEXTO BSICO 2

    SELE O E ORGANIZA O DE CONTE DOS: CONSIDERAES SOBRE A

    PRTICA PEDAGGICA*

    Analisadas as questes sobre o saber cientfico e o saber escolar. assim como sua

    relao com a organizao curricular, importante, agora, fazer algumas consideraes

    sobre a especificidade da seleo e organizao de contedos na escola. fundamental ficar

    claro que esta uma atividade iluminada pela anterior e, portanto, s pode ser

    compreendida se tivermos clareza de suas implicaes sociopedaggicas. Se a atividade de

    seleo e organizao de contedos no estiver envolta nas questes maiores das concepes de

    cincia e de sociedade. tal atividade ser mecnica e reprodutiva.

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  • A linha de reflexo que tentamos explicitar at aqui demonstra que, para discutir os

    contedos escolares. so necessrias ilaes mais abrangentes do que simplesmente aquelas que

    tratam do rol de assuntos a serem desenvolvidos na escola. No possvel analisar a questo dos

    contedos, sem refletir sobre as concepes de cincia que esto presentes em nossa estrutura

    intelectual, as quais, por sua vez, so construes ideolgicas que referenciam a compreenso de

    homem e de mundo. Alm disso, pensar em seleo de contedos pensar em currculo, no

    sendo admissvel que o enfoque seja dado de maneira fracionada, disciplina por disciplina, sem

    discutir a lgica de suas relaes e da forma como os indivduos aprendem.

    Feita esta anlise, cabe agora enfocar alguns aspectos especficos em tomo da seleo de

    contedos. bastante comum que professores das escolas levantem questes, como: a quem

    cabe a tarefa de selecionar contedos? Quais as instncias envolvidas nesta questo? Que fontes

    de informaes podem ser utilizadas, com o intuito de selecionar ou rever os conhecimentos

    desenvolvidos na escola? A definio prvia e geral que o Conselho Nacional de Educao faz

    sobre as matrias dos currculos escolares pertinente? Como definir o que fundamental e

    o que complementar na organizao do conhecimento escolar? O aluno pode participar da

    organizao dos programas escolares? Como compatibilizar a necessidade de "cumprir o

    programa" com os acontecimentos do cotidiano que, muitas vezes. so o foco do

    interesse dos alunos?

    De que forma aproveitar o conhecimento prvio do estudante, para relacionar com o

    novo contedo? O que fazer quando os alunos no trazem os pr-requisitos para a

    aprendizagem dos contedos propostos?

    Estas so algumas preocupaes que aparecem entre os professores, quando se

    discute a prtica pedaggica cotidiana , e m especial a relacionadas com os contedos. A

    resposta a tais preocupaes s pode serr dada de forma circunstanciada, isto . procedendo a

    uma anlise do contexto onde a dvida se produz. Na cincia pedaggica. por sua

    insero social, nada absoluto e completamente generalizvel, entretanto, possvel

    levantar princpios terico-prticos que encaminhem a anlise dos problemas.

    A discusso sobre a quem cabe a tarefa de selecionar contedos pertinente neste

    momento em que vivemos uma perspectiva de transio poltica e social no pas e, por

    conseguinte, na prpria escola. A ao de lecionar contedos no uma atividade solta.

    desvinculada das demais. Ela a instrumentalizao da escola para atingir seus objetivos e

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  • finalidades. So estes os norteadores principais. Portanto, a questo central no a quem

    cabe a tarefa, mas sim oque inspira esta atividade. os modelos de centralizao do poder

    poltico, o Estado toma para si esta atribuio , como forma de controle e enquadramento do

    saber e scolar (currculo oficial e currculo padro). Na perspectiva da sociedade democrtica ,

    o Estado, legitimamente constitudo, assume o papel de definidor de polticas

    i n tegrativas, especialmente com o intuito de preservar a unidade nacional. P ortanto, o cerne da

    questo est referenciado no projeto de escola. ele que deve inspirar a seleo de

    contedos. Para tal, pode contar com participao da legislao nacional, desde que seja numa

    demarcao ampla. a escola, atravs de seus atores principais (professores, equipe tcnica,

    alunos, comunidade), que pode e deve dar direo a seu projeto educacional. Para tanto,

    preciso que a escola organize mecanismos de fluxos de informaes que alimentem e

    oxigenem a sua discusso curricular. fundamental , para isso, o contato com a sociedade e,

    em especial, com a comunidade circundante . preciso encontrar mecanismos e integrao

    com as farru1ias, sindicatos, empresas, formas organizadas a sociedade civil. Certamente.

    tais prticas levaro a um salutar movimento de avaliao institucional , que fornecer

    escola elementos ara rever suas prticas em consonncia com os seus objetivos e a

    repercusso de sua ao no projeto de sociedade de que se prope participar.

    Por outro lado, preciso dar um especial destaque ao aluno, na tarefa de seleo de

    contedos. No estamos, aqui, defendendo a supremacia inconsequente do estudante no

    processo pedaggico .Mas, impossvel desconsiderar o fato de que para ele que a escola se

    organiza. Com isso, estou afirmando que, se o processo educacional no for interativo

    com o estudante - com suas caractersticas e peculiaridades - ele ser incuo. O

    aluno, como j discutimos anteriormente , no uma tbula rasa, desprovido de saberes. Ele

    fruto de uma cultura e condicionado por uma circunstncia. No um objeto. um sujeito da

    sua prpria histria e marcado por ela que faz sua trajetria escolar. Desta forma,

    absolutamente diferente, por exemplo, construir um projeto escolar que tem como objeto o

    aluno do meio rural e um projeto que se destina a uma escola noturna urbana. Os contedos

    escolares tero de se apoiar na realidade experiencial dos estudantes, a fim de poderem

    apresentar significao. A faixa etria, a relao com o trabalho, a origem de classe, a

    predominncia de sexo, o ambiente cultural so pontos de partida para a discusso dos

    contedos que tero, como ponto de chegada. a construo de competncias especficas.

    prprias para o profissional-cidado.

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  • Ainda preciso discutir com profundidade, tendo como ponto de partida a condio do

    aluno, a preocupao dos professores com o cumprimento do programa. Esta uma inteno

    legtima, mas no pode ser principal, nem excludente. A aprendizagem no se faz aos saltos,

    sendo incuo imaginar que as lacunas de aprendizagem podem ser obscurecidas. Quem

    tem de vencer o programa o aluno, no o professor na sua perspectiva funcional. certo

    que um plano de estudos articulado depende da continuidade sistematizada das sries escolares.

    Mas certo, tambm, que a principal condio para ir adiante o domnio que faz o aprendiz

    dos conhecimentos escolares. Esta uma ao que requer o bom senso do professor e o

    empenho pedaggico para encontrar alternativas de equilbrio. O programa um ponto de

    referncia fundamental para a escolarizao, mas no pode ser uma camisa-de-fora que

    impea a aprendizagem significativa. O conhecimento humano e circunstanciado

    historicamente requer articulaes tanto com a experincia do sujeito que aprende, como com

    os fatos sociais do cotidiano.

    Revisando a literatura pedaggica na parte que se refere seleo de contedos, encontra-

    se um rol de critrios que devem orientar esta atividade. Tais critrios, entretanto, no podem

    ser vistos de forma parcial e fragmentada. Tambm no devem ser orientadores de uma

    atividade descolada da prtica pedaggica que se quer desenvolver. Entre eles, os que mais

    aparecem so:

    - adequao -Esta a qualidade da organizao dos contedos que diz respeito

    necessidade de compatibilizar o conhecimento sistematizado com o projeto pedaggico da

    escola que, por sua vez, deve ter levado em conta o contexto social onde se situa. Por um bom

    tempo, caracterizando uma prtica pedaggica tradicional, os contedos eram definidos

    antes dos objetivos estarem claros. Os contedos justificavam-se por eles mesmos, sem

    uma reflexo aprofundada sobre seu papel na vida dos educandos . Mais recentemente, j foi

    dada maior nfase aos objetivos como os definidores dos contedos a serem

    trabalhados. So eles que do rumo ao que se quer ensinar. Esta a estratgia mais

    correta, sem dvida. Mas ela s ser adequada. se os objetivos _e ensino tiverem suporte

    nas reflexes anteriores sobre os elementos e circunstncias em que se dar a

    aprendizagem. Substituir a primazia dos contedos pela preponderncia dos objetivos no

    garante, por si s, uma forma adequada de analisar a questo. O importante que expresse.

    atravs deles. o projeto desejado;

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  • relevncia - a complementao da adequao. uma condio e s treitamente

    ligada ao tema j aqui discutido da relao entre conhecimento escolar e

    conhecimento cientfico. A escola, em funo de seus objetivos, seleciona os

    conhecimentos que reconhece como vlidos para determinada finalidade. Quando se trata

    do ensino, esta uma atividade complexa, mas extremamente necessria. Sabe-se que a

    velocidade com que a cincia progride espantosa, na sociedade contempornea. O

    professor precisa estar muito atento ao desenvolvimento de sua rea. para poder selecionar

    contedos relevantes. "No se trata de aderir a modismos, nem mesmo de enquadrar o

    conhecimento como objeto descartvel. Trata-se, sim, de acompanhar a evoluo de sua

    matria de ensino. para poder saber exatamente quais so os conhecimentos bsicos e

    estratgicos, e quais aqueles que o aluno, querendo aprofundar, pode faz-lo de forma

    independente.

    sequncia -A questo da sequncia em que os contedos so desenvolvidos

    merece especial ateno. A tendncia tradicional que inspira, at hoje, a escola que

    vivenciamos , valoriza significativamente organizao lgica dos contedos. Esta forma

    est estruturada de maneira que os contedos mais simples precedem os mais complexos, e

    aqueles que cronologicamente aconteceram em primeiro lugar sejam estudados como ponto

    de partida, que fundamental uma cadeia de pr-requisitos, para se processar a

    aprendizagem. Parece bvio que os contedos sejam selecionados de uma maneira tal

    que permita o encadeamento do pensamento do aprendiz.

    Entretanto, preciso ter o dado para no fazer deste critrio um empecilho s

    motivaes dos alunos. Muitas vezes, os fatos atuais, as curiosidades cotidianas, os

    eventos histricos e as necessidades psicolgicas e sociais exigem que a sequncia da

    aprendizagem se desprenda da estrutura lgica formal. extremamente desestimulador

    quando um aluno faz uma pergunta ou traz um problema e o professor diz: "Mais tarde

    vamos abordar isso", ou esta a matria do ano que vem". necessrio que o professor tenha

    sensibilidade para saber dosar o conhecimento s necessidades do aluno e u s ar as

    motivaes espontneas como mvel da aprendizagem. A sequncia dos contedos deve

    ser delineada como roteiro bsico da organizao didtica da escola. Mas muito mais a

    contextualizao da situao de aprendizagem que deve definir seu ritmo e progresso.

    Analisados os critrios mais comuns para orientar a seleo de contedos.

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  • importante afirmar, mais uma vez, que a organizao do conhecimento cientfico em

    disciplinas escolares , na maior parte das vezes, arbitrria. Tanto assim que escolas

    variadas tm programas diferentes para disciplinas com o mesmo nome. No existe a

    noo de certo e errado, nesta organizao. Tudo depende dos objetivos que se tem ao

    ensinar e do contexto onde a situao de aprendizagem se localiza. O objeto e os problemas

    concretos de aprendizagem transcendem as disciplinas, e estas no podem confinar os

    alunos a seus muros. Uma disciplina apenas uma forma de sistematizar o

    conhecimento e de transcender o senso comum e a experincia. A linha divisria entre as

    disciplinas arbitrria, sendo por isso, preciso que no partamos do pressuposto de que

    temos diante de ns disciplinas eternas e indiscutveis. preciso comear a discutir o

    conhecimento interdisciplinar e projetar para o futuro a possibilidade de enfocar o

    conhecimento de maneira mais flexvel e globalizada.

    A tarefa de selecionar contedos complexa, especialmente se o ponto de partida for

    a ideia de cincia em movimento. Mas, apaixonante se inspirada na perspectiva do Homem

    como artfice da Histria.

    LEITURASS RECOMENDADAS

    FRIGOTTO, Gaudncio et al. Ensino Mdio Integrado: concepes e contradies. SP: Cotez

    Editora, 2010.

    LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currculo. SP: Cortez Editora, 2011.

    ___________________________ Currculos Debates contemporneos, SP; Cortez Editora, 2002

    PARO, Vitor Henrique. Critica da estrutura da Escola. SP: Cortez Editora, 2011.

    ROCHAm Ubiratan. Histria, currculo e cotidiano escolar. SP: Cortez Editora, 2011.

    ROMO, Jos Eustquio. Questes do sculo XXI. SP: Cortez Editora Tomo 1 e II, 2003

    MANFREDI, Silvia Maria. Educao Profissional no BraSIL. Sp: Cortez Editora, 2005

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