SacerdoteS 27

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Magia Oculta

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Capítulo 27 – Magia Oculta

A alma de Bulque não voou para os Domínios da Alma, mas Elkens jamais soube disso. Como a maioria das almas que tentavam ir para lá agora, a alma de Bulque se perdeu no meio do caminho. Muitos Sa-cerdotes como Elkens estavam encarregados de procurar por essas al-mas que se perdiam por todo o território de Gardwen, aqueles que eram conhecidos como caçadores de almas; mais cedo ou mais tarde, ela seria encontrada e guiada até o seu devido lugar. As almas estão se perdendo porque o próprio Elemento Alma está en-fraquecido. Os Elementos foram criados para viverem em harmonia, mas a Magia ficou tempo demais isolada da Alma e do Tempo e isso enfraqueceu os três Elementos. Após Elkens e os outros terem aberto o portal para os Domínios da Magia, novamente os Elementos volta-ram a se unir, mas um estrago muito grande já havia sido feito e leva-rá algum tempo até que o equilíbrio seja restabelecido. A fronteira dos Domínios da Magia está fraca demais por conta deste isolamento e, graças a isso, Kaiser terá mais facilidade para destruí-la com o poder do Cristal e libertar Mon.

Cavaleiro-Líder da Magia – Kaiser Arma Branca – Espada da Lei

Elkens tremia de raiva. Uma raiva que nunca sentiu antes, uma raiva que o fazia esquecer-se até mesmo de quem era, como se agora fosse outra pessoa. Estava frente a frente com o verdadeiro responsável por tudo o que aconteceu nos últimos dias. Kaiser é o responsável por o Guardião da Magia estar aprisionado. É o responsável pelo caos que se espalhou pelos três Elementos da Vida. O responsável por tantas

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mortes, como de Mudriack e Calarrin, e também por tantas pessoas inocentes na cidade de Buor e também no vilarejo de Rismã, mortes causadas pelas batalhas contra os kenrauers. Kaiser aliou-se a Mon, o inimigo de toda Gardwen, e isso provocou muito sofrimento, coisa que Elkens não conseguia perdoar. Lembrou-se do jovem Luftar e seu dra-gão, um garoto que se achava homem, uma pessoa de bom coração, mas que mesmo assim não foi perdoado pelo destino. Enquanto olhava para os olhos frios e sem emoção de Kaiser, os rostos de todos aqueles que foram mortos por culpa dele apareciam em sua mente. Tantas pes-soas em Rismã, em Buor, Mudriack, Calarrin, Luftar e seu dragão e agora Bulque… Kaiser é o responsável por todas as batalhas que estavam ocorrendo. É o responsável por eles terem de enfrentar os Cavaleiros da Magia. O responsável por todos os males que aconteceram aos seus amigos que agora se encontravam impossibilitados de ajudá-lo na batalha final. E agora é o responsável por mais uma morte, a única morte na guerra contra os Cavaleiros da Magia: Bulque. Bulque foi covardemente e cruelmente assassinado, mas não foi tanto a situação que fez a raiva de Elkens explodir, foi pela pessoa que fez isso. Por mais que Kaiser fosse o inimigo por detrás de tudo, jamais imaginou que ele seria capaz de assassinar um antigo companheiro e amigo. Kaiser passou por cima do corpo de Bulque e andou alguns passos na direção de Elkens. Ele era mais alto que qualquer Cavaleiro que El-kens já havia visto e sua armadura majestosa revelava que ele era, de fato, o maior entre todos os nove. Uma longa capa branca estava pre-sa em seus ombros, esvoaçando-se no ar enquanto ele andava a passos firmes. Kaiser estava pálido, aparentemente exausto como se não dormisse há dias. Sua aparência, apesar de majestosa, era também de-

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plorável. O que mais chamou a atenção de Elkens foram os seus olhos; eram cinzentos, profundos, sem qualquer forma de emoção. Eram olhos frios, olhos que revelavam a indiferença pela morte, olhos que revelavam que a própria vida já não lhe fazia sentido algum, co-mo se sua única vontade fosse a vontade de seu novo servo: Mon. Kaiser finalmente parou de andar e ficou encarando Elkens: — Finalmente – ele disse. Sua voz transmitiu tudo aquilo que Elkens já havia visto em seu olhar: a frieza e o desgosto pela vida, tanto alheia quanto a sua própria. Dentre todos os que foram controlados por Kaiser, era ele o que mais demonstrava a aparência de um escravo. O escravo de Mon. – Eu estava a sua espera. Confesso que estou sur-preso por ter conseguido chegar até aqui, mas este é o fim da linha. O Cemitério de Dragões passará a ser também um cemitério de proteto-res, pois todos vocês morrerão aqui. As pernas de Elkens continuavam tremendo, sua respiração arfava e seu coração estava acelerado. Só queria perguntar o motivo de Kaiser ter feito aquilo que tanto atormentou o Sacerdote: — Por que matou Bulque? Sua voz demonstrava toda a raiva que estava sentindo, uma raiva que desacreditava ser capaz de sentir. Kaiser riu, mas foi um riso forçado. Já não demonstrava prazer em rir, pois mais nada na vida lhe dava prazer algum. Elkens entendia que ele foi seduzido por Mon e aceitou ajudá-lo, mas entendia também que agora lhe era insuportável viver. — Está com raiva de eu ter matado o seu inimigo? — Bulque não era meu inimigo, nunca foi – Elkens fechou as mãos com tanta força que agora suas unhas chegavam a cortar-lhe a carne; um fino filete de sangue escorria por sua mão, mas ele não reparou nisso. Lágrimas de raiva pingavam dos seus olhos, mas ele também

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não tinha consciência disso. – Eu sei a verdade. Nenhum dos Cava-leiros era nosso inimigo. Foi você… foi tudo sua culpa! Você os obri-gou a lutarem. Você os forçou a se transformarem nos inimigos que jamais quiseram ser. — Você está certo – disse Kaiser com uma voz casual. – Eu os con-trolei o tempo todo. Controlei a cada um deles. — ENTÃO POR QUÊ? Por que matou Bulque? Kaiser deu mais um passo, mas voltou a parar. Seus olhos cinzentos continuavam encarando Elkens. — A resposta não lhe é óbvia, jovem Sacerdote? – Kaiser fez uma breve pausa; analisou Elkens de cima a baixo, então voltou a encará-lo e prosseguiu: – Você está passando pela mesma coisa que me levou a matar Bulque: a raiva. Quando a raiva explode, nós perdemos o controle sobre nós mesmos. Agimos sem consciência do que fazemos e tomamos decisões errôneas e precipitadas. Foi exatamente o que acon-teceu com Bulque. Ele sentiu muita raiva por ter sido derrotado por um mero Sacerdote, uma falsa raiva, pois no fundo ele queria ser der-rotado, assim como os demais Cavaleiros. O meu feitiço de controle faz com que eles assumam as minhas próprias vontades, e por isso ele sentiu raiva ao ser derrotado. Essa raiva o levou a tomar uma decisão precipitada. Iria usar o colar para te derrotar, mesmo contra a minha vontade… — Você perdeu o controle sobre ele – Elkens disse e não era uma per-gunta; era uma provocação. — Sim – Kaiser confirmou com sinceridade. – Quando percebi o que ele iria fazer tive de vir até aqui e impedi-lo pessoalmente. Você sabe que um protetor não pode utilizar o colar para o mal, e sabe também que cada colar é o juiz das ações do seu protetor. Se ele percebe que o

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protetor está utilizando seus poderes para causas menos dignas ele tem por obrigação puni-lo. “Talvez você se pergunte por que os demais protetores que eu controlei não foram impedidos de usar o colar, assim como Mudriack, Ego e Ca-larrin. Eles não tinham como ser punidos, pois os colares reconheceri-am que eles não estavam agindo por vontade própria. Mas eu não po-deria permitir que um Cavaleiro fizesse o mesmo. Se um dos colares-Cavaleiros percebesse que havia alguma coisa de errada com um de nós, todos os Cavaleiros seriam investigados por seus próprios colares e assim eu poderia ser pego. E é por isso que só permiti que eles usas-sem suas armas brancas em batalha. Agora você entende por que fui obrigado a matar Bulque”. Elkens sentia mais raiva a cada palavra de Kaiser. O Cavaleiro-Líder falava de tudo aquilo como se fosse algo normal, mas não era. Trata-va-se da vida de uma pessoa. Uma pessoa boa e inocente que estava sendo forçada a lutar contra seus princípios. Kaiser voltou a analisar Elkens com seus olhos frios, então continu-ou: — Mas agora tudo isso não tem mais importância. Os quatro cristais finalmente estão todos aqui nos Domínios da Magia e eu só preciso matar você para prosseguir com meus planos. Assim que você morrer, Mon será libertado do Exílio. Kaiser empunhou sua espada branca e correu contra Elkens… Nos Domínios do Tempo, o Palácio do Guardião estava novamente vazio. Além de Sáturan, Cronos e Kalimuns, havia apenas mais al-guns protetores. Entre eles estava Tarandil, o Protetor das esferas do Tempo, e Kantus, novamente o tutor de Mifitrin, não da Guerreira, mas da Sacerdotisa Mifitrin.

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— Tem alguma coisa errada – disse o Mestre Kantus quebrando um longo tempo de silêncio. – Não consigo mais sentir o poder de Mifi-trin. — Não se preocupe – disse Sáturan. – Ela está muito longe, é normal não senti-la. — Mas até pouco tempo atrás eu pude senti-la. Cronos olhou preocupado para Sáturan, o Guardião da Alma, e disse: — Mas Mifitrin é a mais forte dos três Sacerdotes que lá estão. Se Mifitrin foi derrotada, então quer dizer que… — Não há motivos para nos preocuparmos – disse Kalimuns calma-mente. – Eu voltei a sentir o poder de Elkens e ainda o estou sentin-do. Eles estão bem. Todos se calaram e o silêncio voltou a reinar. Kalimuns sabia que Elkens, Meithel e Mifitrin estavam enfrentando os Cavaleiros da Magia. Como Sacerdotisa Mifitrin recebeu a missão de investigar o que estava acontecendo nos Domínios da Magia, se possível, mas a prioridade era resgatar Elkens e Meithel; lutar deveria ser a última coisa que ela deveria fazer. Mas Kalimuns sabia que ela jamais pretendeu fazer isso. Na verdade todos os presentes ali sabiam que os três Sacerdotes não viriam embora enquanto não derrotassem os Cavaleiros da Magia e descobrissem o que estava acontecendo por lá. Mesmo cientes de que não deveria haver lutas entre os Elementos, to-dos ali torciam para que Elkens e os outros derrotassem os Cavaleiros, pois sabiam que isso precisava ser feito, mesmo violando as leis dos pergaminhos ancestrais. Cada um deles aprofundou-se em seus próprios pensamentos. Ka-limuns era o único presente que conhecia as respostas de tudo o que estava acontecendo nos Domínios da Magia, mas estava disposto a

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guardar segredo. Independente do que eles fizessem agora, os três Sa-cerdotes já estavam no caminho que Morton traçou há mais de quinze anos e nada poderia estragar o plano deles agora. Todas as cartas es-tavam postas na mesa e agora a Elemantísses aconteceria de um jeito ou de outro e isso deixava Kalimuns muito feliz. Nenhuma pessoa vi-va, protetor ou não, jamais imaginou que veria algo do tipo. A Ele-mantísses renovaria a força e a esperança de Gardwen e seria funda-mental na guerra contra Mon. Após um longo tempo de meditação ininterrupta, as portas do palácio voltaram a se abrir. Por elas entrou uma pessoa que até então não ha-via participado da Convocação Elementar e a presença dele ali foi uma surpresa geral. Uma pessoa que muito raramente era vista. Era Tumbar, o Vidente do Tempo. Tumbar era muito velho; sua idade ultrapassava a idade de qualquer protetor em muitos ciclos de Tempo. Ele é cego, mas sabe de tudo o que está acontecendo ou que ainda irá acontecer. Kalimuns não via Tumbar desde o dia da morte de Morton, quinze anos atrás. O velho andou lentamente até eles e parou de frente para o grupo que continuava sentado em suas confortáveis cadeiras dispostas em volta do broto de antúnia. — Tem algo a nos dizer, Tumbar? – perguntou Cronos. Cronos conhecia Tumbar o suficiente para saber que ele não diria na-da. Apesar de saber das coisas, Tumbar raramente revelava alguma coisa do que iria acontecer, e nas poucas vezes que fazia isso, o fazia para determinadas pessoas. Sempre foi assim e esta é sua obrigação como Vidente. Raramente o velho dá alguma informação realmente importante, a não ser quando isso já esteja previsto no Livro do Des-tino.

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Apesar de não enxergar, ele olhou diretamente para Cronos com seus olhos leitosos. — Os minutos estão contados! – sua voz era asmática. — Contados? – perguntou Cronos sem entender, irritando-se. Nor-malmente ele não tinha paciência para os enigmas sem sentido de Tumbar e não gostava de perder tempo com eles. Numa situação nor-mal não lhe daria ouvidos, mas na situação atual cada informação era importante, não importando de quem ela viesse. – Contados para o quê? Tumbar não respondeu de imediato, deixou que o suspense trazido por suas palavras atingisse cada um dos presentes. Cronos aguardou a resposta por mais de um minuto, então bufou impaciente e refez sua pergunta: — Contados para o quê? — Não importa o que façamos – disse Tumbar sem responder a per-gunta. Seu tom era assombroso, como se soubesse de algo realmente ruim. – O destino já foi escrito e agora nada pode alterá-lo. Todos ficaram em silêncio, ainda sem entender do que Tumbar estava falando. Cronos não se deu ao trabalho de perguntar mais uma vez, pois sabia que era uma completa perca de tempo. Conhecia Tumbar e sabia que ele apenas diria coisas sem sentido, deixando todos assusta-dos, então iria embora sem dar qualquer informação que realmente va-lesse a pena. Tumbar sempre foi muito misterioso e reservado, guar-dando os mistérios do futuro para si mesmo. — Os três Sacerdotes que estão nos Domínios da Magia já derrota-ram quase todos os Cavaleiros… — Eles estão vivos? – perguntou Cronos exasperando-se e interrom-pendo o novo discurso do velho. – Todos eles estão vivos?

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— Sim – respondeu Tumbar encarando o Sábio do Tempo. – Acho que não será hoje que eles irão morrer. Neste momento um deles está enfrentando o Cavaleiro-Líder, mas está fazendo tudo errado. Os três. — O que estão fazendo errado? – perguntou Kalimuns entrando na conversa. Tudo o que estava acontecendo foi cuidadosamente planeja-do por Morton antes de sua morte e Kalimuns não gostava de ouvir que tudo estava sendo feito errado. – O que eles estão fazendo de er-rado? — Tudo! Tumbar agora estava encarando Kalimuns com seus olhos leitosos. Sabia que o Mestre da Alma tinha conhecimentos do que estava acon-tecendo e Kalimuns sabia que ele sabia disso. Mas nenhuma palavra foi dita a respeito. — Eles estão fazendo tudo errado desde o começo. Estão no caminho errado desde que saíram daqui e eu sempre soube… — ENTÃO POR QUE NÃO DISSE ANTES? – perguntou Cronos perdendo a paciência. Ele levantou-se de seu assento de forma tão ab-rupta que a cadeira foi jogada para trás. Mas Cronos nem se impor-tou. Tumbar era irritante. Brincava com cada um, pois era o único que sabia das coisas, mas ele não tinha esse direito. Estava mais uma vez brincando com eles e era isso o que enfurecia Cronos. Sem fazer qualquer movimento, Sáturan usou suas habilidades de te-lecinese e fez com que a cadeira de Cronos voltasse ao seu devido lu-gar, então disse com sua voz doce: — Acalme-se, Cronos. Tumbar responderá suas perguntas, mas tenha calma. O Sábio do Tempo obedeceu ao Guardião da Alma. Sentou-se nova-mente, recuperou a calma e então voltou a perguntar num tom mais educado:

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— Se sabia que tudo estava sendo feito errado, por que não nos aler-alertou? — Mas havia como ser diferente? – perguntou Tumbar, desviando os olhos leitosos de Cronos para Kalimuns. Ele apontou um dedo para Kalimuns num gesto de acusação, então prosseguiu: – Você sabe que não havia como ser diferente, não é Kalimuns? Morton sempre lhe contou tudo e ele sabia das coisas. Não sabia de tudo, mas é um dos que chegou mais perto. Durante toda a sua vida ele ignorou a maior de todas as verdades, aquela que mudaria completamente sua cabeça, mas agiu da melhor forma que pôde com o que tinha. E jamais guar-dou segredo com você, por isso você sabe que eu não poderia ter inter-ferido, não é mesmo? Kalimuns não apreciou as palavras de Tumbar. Primeiro ele disse que Morton nunca chegou a descobrir algo que era de suma importância, o que ele mesmo não acreditava ser verdade. E depois ele o acusou expli-citamente de saber das coisas, de estar escondendo segredos da Convo-cação Elementar, mas isso era verdade. Alguns olharam desconfiados para Kalimuns, mas foi para Sáturan que Kalimuns olhou. De todos os presentes, Sáturan era aquele que Kalimuns mais respeitava e ficou feliz em ver que o Guardião da Alma sequer olhou para ele. Obvia-mente que ele deveria saber que Kalimuns escondia segredos de todos, mas o respeitava por fazer isso, pois acreditava em Kalimuns. Se ele não revelou seus segredos, era porque assim devia ser feito. As atenções de todos voltaram para Tumbar quando ele recomeçou a falar: — O destino daqueles Sacerdotes era ir até os Domínios da Magia, mesmo não sendo a coisa certa a se fazer, e o meu destino era não in-terferir. Eu não poderia ter mudado isso.

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Mais uma vez o silêncio voltou a reinar. Todos queriam fazer muitas perguntas para o Vidente, mas sabiam que as perguntas não adianta-riam de nada. Tumbar só diria o que pretendia dizer e deviam deixá-lo fazer isso por vontade própria, não adiantava pressioná-lo. De repen-te o Vidente desviou seus olhos para Tarandil e disse: — Daqui três anos você irá esferelizar nosso último ciclo de tempo. Tarandil levou um susto. Até mesmo o ar lhe faltou. Cada ciclo de tempo equivale a um período de cinco anos. Quando um ciclo chega ao fim e outro começa, Tarandil, sendo o Protetor das esferas, tem o de-ver de esferelizar este ciclo de tempo, transformando-o numa esfera do Tempo. Nessas esferas o passado fica protegido e é através delas que é possível voltar no tempo. Atualmente estamos quase na metade de um ciclo de Tempo, que se fechará em três anos, e é quando Tarandil cria-rá mais uma esfera. Mas segundo Tumbar, Tarandil jamais voltaria a fazer isso, o que significava que o fim chegaria antes dos cinco anos após a fim daquele ciclo, o que dava à Gardwen oito anos no máximo. — Você não sabe do que está falando… – disse Tarandil irritado. — Você não entende do futuro, meu caro Tarandil… – disse Tumbar também irritando-se, mas teve de se calar por causa de um acesso de tosse. Após se recuperar, ele continuou com sua voz asmática: – Você entende apenas do passado, e eu entendo do futuro. Futuro que, aliás, nós não temos. Desta vez foi Sáturan quem quis respostas, então pediu-as educada-mente: — Por favor Tumbar, explique-se. Tumbar olhou para o Guardião da Alma e o avaliou por alguns mo-mentos, então respondeu:

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— Daqui três anos Tarandil irá esferelizar o último ciclo de tempo de Gardwen. O próximo ciclo não irá se concretizar, pois tudo chegará ao fim antes que ele termine. Todos olhavam assustados para Tumbar e ele parecia estar gostando da atenção que estava recebendo, então continuou a falar: — Quinze anos atrás Morton me perguntou se a morte dele poderia nos salvar. Foi no dia em que ele morreu. Kalimuns, Cronos e Tarandil estavam lá e com certeza se lembram disso. Eu respondi que sua morte apenas atrasaria a nossa destruição, pois já estávamos todos conde-nados. Ainda mantenho minha palavra, pois em poucos anos tudo chegará ao fim. — O que o leva a afirmar isso? – perguntou Cronos tentando manter-se calmo com o velho. Tumbar voltou a olhar para o Sábio do Tempo e respondeu: — O destino está escrito desde que o Tempo nasceu. Desde que me tornei o Vidente do Tempo eu consigo ler as linhas do Livro do Desti-no e assim sei de tudo o que vai acontecer. Mas essas linhas foram in-terrompidas. O destino só está escrito até alguns anos a partir do dia de hoje e, além disso, não há mais nada escrito. É por isso que eu sei que é o fim. Cronos forçou um sorriso e balançou a cabeça. — Você pode ter interpretado errado – disse ele pondo-se em pé mais uma vez. – Se não há nada escrito, não significa necessariamente que é o fim. — E eu te pergunto, Cronos – Tumbar usava um tom de desafio. – Como a história continuará se ela não está escrita? A visita de Tumbar estava chegando ao fim. Com toda certeza foi a participação mais perturbadora na Convocação Elementar, mas ainda

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havia mais uma revelação a ser feita antes de ir embora. Chegou a hora de Tumbar dizer aquilo que o fez vir até o Palácio do Guardião: — Como eu disse, os minutos estão contados… — CONTADOS PARA O QUÊ? – perguntou Cronos se irritando mais uma vez. Tumbar fechou os olhos e respirou fundo. Ele sabia que o que diria a seguir faria as pernas de Cronos bambearem. Respirou mais uma vez, então disse: — Para a liberdade de Mon! – como ele sabia que aconteceria, as pernas de Cronos bambearam e ele voltou a se sentar, com uma expres-são mortificada no rosto. Tumbar era cego e não pôde ver, mas ainda assim deu um leve sorriso. – Em alguns minutos Mon estará livre. Es-se é o primeiro passo para o fim. Dizendo isso Tumbar deu às costas aos presentes e saiu do Palácio do Guardião

“Desperte o poder”. Essa frase estava ecoando na cabeça de Elkens enquanto o sangue lhe latejava nas veias. Ela fora dita há muito tempo por Kalimuns, num dia de treinamento. Elkens ainda nem era um Sacerdote da Alma, era um mero Aprendiz. “Toda a magia que você necessita para realizar feitiços está em seu corpo, Elkens. Normalmente usamos apenas uma pequena porcenta-gem do nosso real poder, mas nunca se esqueça de que você é um prote-tor e que este poder está à sua disposição”. As palavras de Kalimuns continuavam ecoando em sua mente. Em momentos como este é comum que a pessoa se apóie em seu passado,

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que procure nele forças para lutar e um motivo para continuar vi-vendo. “Esse poder recebe o nome de magia oculta e pode lhe salvar numa si-tuação desesperadora, mas ela precisa explodir em seu coração. É pre-ciso um motivo realmente forte para que essa magia desperte dentro de você”. Agora eu tenho um motivo, pensou Elkens. Preciso dessa magia para derrotar Kaiser e salvar meus amigos. Preciso dessa magia para impe-dir que Mon seja libertado. A voz de Kalimuns voltou a ecoar em sua mente: “Essa magia pode explodir com a raiva, mas a raiva não é boa. Ela faz com que você desperte esse poder, mas você acaba perdendo o con-trole sobre ele. Se você deixar a raiva te dominar, ela será sua ruína”. Mas a raiva já havia dominado Elkens, e agora só havia uma coisa em sua mente: Desperte o poder… Desperte o poder… Desperte o poder! Kaiser vinha correndo na direção de Elkens. A espada branca empu-nhada, preparada para mais um assassinato. O sangue de Bulque ain-da manchava a lâmina. Mas Elkens não se preocupou; não sentiu me-do. Concentrou toda a sua raiva num único objetivo: despertar o po-der! Há poucos metros de Elkens, Kaiser saltou e preparou o golpe letal. A espada apontava para o coração de Elkens, que neste momento explo-diu toda a raiva contida. Elkens apenas encarou o homem que tanto odiava e gritou.

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Gritou como nunca havia gritado antes. Seu grito ecoou por todo o Cemitério de Dragões e pôde ser ouvido além dos portais abertos. Gri-tou de um modo que não acreditava ser capaz, gritou de um modo que chegou a ferir sua garganta, mas não se importou. Apenas gritou… Este grito libertou toda a sua raiva de uma só vez e junto com ela veio a magia oculta de Elkens. Uma luz rubra explodiu não do seu co-lar, mas do próprio corpo, como se viesse do coração, e formou um es-cudo de proteção entre ele e Kaiser; por conta deste escudo seu inimigo não pôde feri-lo. Kaiser foi impulsionado para trás. Caiu em pé, com a espada ainda em mãos, mas não voltou a atacar Elkens de imediato. Primeiro voltou a analisá-lo com seus olhos cinzentos, frios, e ficou surpreso com o que viu, com o poder que pôde sentir nele. Olhou mais atentamente para Elkens e pôde perceber que o Sacerdote havia passado por uma mudança repentina. A única diferença visível estava nos olhos de Elkens, que agora assumiam uma nova cor: o ru-bro. Um tom avermelhado, perigoso. Um tom quase vingativo. Mas as mudanças iam além da aparência física. Era como se ele não fosse mais um mero Sacerdote, mas alguém tão poderoso que poderia enfren-tá-lo. De repente Kaiser sentiu algo que há muito tempo não sentia: o medo. Um medo real, um medo de um inimigo de quem ele não conhe-cia os verdadeiros poderes, que ele ignorava até onde podia se superar. Era como se Elkens tivesse passado por uma metamorfose. O Sacerdote da Alma decidiu que era hora de lutar. Mentalizou um simples feitiço e se concentrou nele: kotetsu. Pretendia enfrentar Kai-ser com força física, mas até mesmo Elkens se surpreendeu com o que aconteceu. O kotetsu é um feitiço muito simples, que aprimora as ca-pacidades físicas do individuo que o utiliza. Normalmente ele é utili-zado nos braços, o que proporciona muita força, mas também pode ser canalizado para as pernas, como Elkens fez para enfrentar Algoz, o

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que proporcionava muita velocidade. Mas desta vez o kotetsu não foi canalizado para os braços, como ele pretendia, nem para as pernas. Na verdade todo o seu corpo estava envolvido pela luz rubra do feiti-ço. Elkens ficou surpreso. Percebia agora a amplitude do seu poder alcan-çado com a ajuda da magia oculta. Tentou utilizar o kotetsu mas, sem querer, utilizou o garnetsu, o aprimoramento do kotetsu. Este é um feitiço ainda mais elevado que o seu antecessor, um feitiço que Elkens jamais conseguiu utilizar; um feitiço que normalmente só era utiliza-do por Guerreiros da Alma. Com este feitiço, ao invés de apenas parte do corpo ser influenciada, todo o corpo é protegido. Funciona como uma armadura completa, mas não serve apenas como proteção, pois proporciona ao protetor força física e velocidade extremas. Após a surpresa, Elkens sorriu. Cada centímetro do seu corpo estava coberto por aquela armadura formada de luz rubra, à exceção do ros-to. Ele olhou para Kaiser, com seus olhos ainda rubros, então começou a correr. Kaiser olhou assustado para Elkens e recuou. Viu o ódio nos olhos al-terados de Elkens e percebeu que seu poder crescia rapidamente. Cres-cia de forma tão assombrosa que o assustava. Talvez aquele mero Sa-cerdote pudesse enfrentá-lo de igual para igual, ou pior… talvez aquele mero Sacerdote pudesse até mesmo… derrotá-lo! A velocidade de Elkens era inacreditável. Kaiser levou um soco no rosto sem que tivesse tempo de se defender, sem que nem ao menos ti-vesse tempo de ter reação alguma. Foi jogado de costas, mas não caiu. Sentiu o gosto de sangue em sua boca e ouviu a voz de Elkens em seus ouvidos:

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— Você pagará por todas as mortes que causou, Kaiser – a voz também estava alterada, nem parecia ser do Sacerdote. – Vingarei as mortes de Mudriack, Calarrin, Luftar e Bulque. O segundo golpe do Sacerdote foi detido pela espada do Cavaleiro, mas mesmo assim Kaiser enfrentou dificuldades para realizar tal fei-to. Mal podia acreditar na força que aquele Sacerdote apresentava. Conseguiu atingi-lo no flanco esquerdo, mas sua espada não foi capaz de atravessar a proteção de Elkens. Sua arma branca era conhecida como a espada mais afiada de toda Gardwen, mas nem mesmo ela conseguia penetrar a armadura de Elkens. Mais uma vez Kaiser ten-tou golpeá-lo, mas desta vez Elkens foi rápido o bastante para segu-rar a ponta da espada com as próprias mãos, protegida pelo garnetsu. Os dois brigaram pela posse da arma por alguns segundos, mas logo Elkens conseguiu arrancá-la das mãos daquele assassino. A espada deu duas voltas no ar, então caiu no chão, longe do alcance de seu do-no. O som de metal retinindo encheu o Cemitério de Dragões. Agora não havia mais arma alguma. Teriam de lutar corpo a corpo. Elkens podia ter adquirido muita força e agilidade, mas nunca foi treinado para lutar assim como Kaiser. Desde que era um Aprendiz, os treinamentos de Kaiser foram focados na luta corporal ou com o auxilio de armas. As-sim tornou-se um Guerreiro, logo depois um General, o melhor deles e, anos mais tarde, foi escolhido como Cavaleiro. Poucos anos depois foi que se tornou o Cavaleiro-Líder. Suas habilidades de luta eram assus-tadoras, mas Elkens não tinha medo. Na verdade, agora sentia o mesmo prazer que Mifitrin tinha por este tipo de luta. Sentiu que par-ticipava de uma luta justa, sem auxilio de armas e contra um oponen-te muito mais poderoso que ele, mas sentiu também que era capaz de

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concretizar a sua vingança. Sentiu que era capaz de vingar todo o sofrimento causado por aquele Cavaleiro. E sentiu prazer por isso. Lutaram por muito tempo. Kaiser desviava de praticamente todos os golpes de Elkens, mas quando era atingido levava um bom tempo para se recuperar. Logo estava completamente exausto e Elkens percebeu isso. Sua vitória estava próxima agora. Era inevitável. A guerra con-tra os Cavaleiros da Magia estava chegando ao fim. Elkens continuou usando toda sua força e agilidade para atacar seu inimigo. Podia tê-lo derrotado rapidamente, mas queria causar dor. Queria que Kaiser sentisse medo e que sofresse, queria que ele pagasse por todo o sofrimento que causou. Elkens não tinha apenas a vontade de fazer isso, tinha o dever. Precisava causar dor em Kaiser, era o único jeito de aliviar a sua raiva. Ele investiu contra Kaiser sem controle algum. Este se jogou de cos-tas. Elkens avançou. Kaiser colocou as mãos no chão e, inesperada-mente, atacou Elkens. Tendo o chão como apoio, Kaiser atingiu El-kens com suas pernas, com toda a sua força. Desta vez Elkens sentiu a dor, foi pego de surpresa. Antes que tivesse qualquer reação, Kaiser se levantou e correu até atrás de Elkens, quando o pegou pelo pescoço e o jogou de costas. Elkens caiu no chão e Kaiser o atacou uma última vez, jogando-se sobre ele. O garnetsu desapareceu! A armadura de luz rubra abandonou o corpo de Elkens ao mesmo tempo em que seus olhos assumiram o tom origi-nal: castanhos, e não mais rubros. Elkens tentou se levantar, mas Kaiser já havia recuperado sua espada e a apoiava no pescoço de El-kens. Seu rosto ainda estava marcado pelo espanto da força de El-kens, mas agora um riso crispava seu rosto. Até mesmo seus olhos sem emoção agora demonstravam uma grande raiva pelo Sacerdote da Al-

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ma, assim como uma vontade incontrolável de cometer mais um as-sassinato. — Você deixou a raiva te dominar – disse Kaiser em tom sibilante, ameaçador. – Um erro muito comum entre os fracos. Lentamente Kaiser afastou sua espada de Elkens. Este aproveitou a oportunidade para se levantar e tentou atacar Kaiser, mas logo foi jo-gado de costas novamente, com grande facilidade. O Cavaleiro-Líder havia reassumido o controle. — A raiva fez você liberar um poder surpreendente, a magia oculta, como o chamam. Mas você deixou a raiva te dominar e agora esse po-der não existe mais. Você gastou todo esse poder tentando me ferir a todo custo, tentando me causar dor, mas a raiva o cegou. Você baixou a guarda e permitiu que eu o atingisse. Kaiser estava de costas para Elkens. Ele voltou a se levantar rapida-mente e tentou pegar Kaiser de surpresa, mas Kaiser é que o pegou de surpresa. Elkens atingiu apenas o ar, pois no mesmo segundo em que atacou, Kaiser estava logo atrás dele. Velocidade surpreendente. Ele o atingiu e mais uma vez Elkens foi jogado no chão. — Por um momento temi que eu pudesse ser derrotado por você – continuou Kaiser como se nada tivesse acontecido – mas você foi pa-tético. Ele voltou a rir. Era o mesmo riso sem emoção de um homem que já não sentia prazer em viver, mas ainda assim irritava Elkens. Ele ou-via o Cavaleiro com atenção. Sabia que tudo o que ele dizia era verda-de. Elkens não conseguiu controlar sua raiva, deixou que ela o domi-nasse e perdeu a única chance que tinha de derrotá-lo. — Os seus amigos ainda estão vivos – disse Kaiser olhando além de Elkens. – Vou deixar você viver mais um pouco. Quero que você sofra. Quero que me veja matar cada um deles…

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Kaiser caminhou em direção ao local onde Kanoles e os outros esta-vam, próximos ao portal que levaria de volta ao templo de Zephir. Passou por Elkens sem sequer olhá-lo, como se ele fosse uma coisa in-significante. Kanoles assistiu a batalha entre o Sacerdote e o Cavalei-ro. Chegou a ter esperanças de que poderiam vencer, mas agora que Elkens foi derrotado ele sabia que não haveria escapatória. Não tinha mais medo da morte, esteve muitas vezes cara a cara com ela, mas não conseguia deixar de sentir a sensação de que ainda não havia cumpri-do sua missão em Gardwen. Era por isso que não queria morrer e foi por este mesmo motivo que começou a pedir ajuda ao único ser que po-deria salva-lo agora: deus. Os protetores não acreditam na existência de um deus, pois a verdade para eles é que os Elementos são responsá-veis pela criação de Gardwen e toda a vida que habita sobre ela, mas Kanoles acredita em deus. Sua adorada mãe acreditava e por isso ele acreditava também. Durante toda a sua vida se apoiou no exemplo de Serena; agora vivia somente por ela, a quem não conseguiu proteger. Sua morte foi há anos, mas Kanoles não deixava de pensar em sua mãe um dia sequer. Enquanto rezava com os olhos fechados, Kaiser continuava caminhando lentamente na sua direção. O corpo inconsciente de Meithel estava ao lado de Kanoles, mas Mifi-trin e Gauton estavam mais afastados, ainda inconscientes desde o ataque do canhão de Bulque. A vida que restava em seus corpos con-tinuava abandonando-os rapidamente. A raiva havia abandonado Elkens, sendo substituída pelo medo, mas agora ele conseguia raciocinar melhor. Agora entendia que Kaiser era forte; entendia que ele era o Cavaleiro-Líder, o mais habilidoso e pode-

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roso de todos os nove, e entendia também que não poderia derrotá-lo. Não sozinho… Ele precisava da ajuda de Mifitrin e Meithel para derrotar o verda-deiro inimigo. Sentia que somente Meithel e Mifitrin poderiam ajudá-lo a derrotar Kaiser. Sentia que se estivesse com eles isso seria possí-vel, mas ambos estavam inconscientes e Kaiser continuava seguindo na direção deles, com a espada preparada para roubar-lhes o que lhes restava de vida. Ambos seriam mortos em questão de alguns segundos e Elkens não podia evitar. Aquele seria o fim dos Sacerdotes. Mas ainda havia uma chance e Elkens conseguia senti-la. Conseguia sentir que ainda havia esperança, um fiozinho quase inexistente de esperança, um fiozinho que se consumia a cada passo do Cavaleiro; sentia que alguma coisa ainda podia ser feita. Mas o quê? Ainda caí-do no chão, Elkens olhou para Kanoles que continuava rezando, pe-dindo ajuda para um deus que Elkens acreditava não existir. Olhou para o corpo de Meithel, caído ao lado do caçador de recompensas. Então seus olhos se dirigiram para o corpo de Gauton e, finalmente, para Mifitrin. Era com ela que estava a esperança, Elkens podia sen-tir. De alguma forma sabia que Mifitrin detinha a única esperança de eles deterem Kaiser. Mas a Sacerdotisa continuava inconsciente e sua respiração era praticamente imperceptível, como se ela não existisse mais. Estava caída de costas, envolta por destroços do esqueleto de dragão ao qual atingiu juntamente com o disparo do canhão. Elkens prestou atenção em cada detalhe, em cada parte do seu corpo. Sabia que a esperança estava ali, mas não sabia exatamente onde, nem o que ela era. Olhou para o colar de Sacerdotisa em seu peito. Nada. Olhou suas vestes semi-rasgadas. Não havia nada ali também. Olhou para seus braços. O esquerdo estava escondido sob o corpo, num ângulo anormal, indicando que estava quebrado, esmagado assim como o resto

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do seu corpo, mas o braço direito estava estendido ao lado dela. Os olhos de Elkens foram atraídos para sua mão aberta, onde havia um pequeno objeto. Elkens apertou os olhos, mas demorou certo tempo para perceber que o objeto se tratava de um pequeno frasco… um pe-queno frasco de rubi! Enquanto isso Kaiser continuava andando. Já havia percorrido me-tade da distância e logo chegaria ao ponto em que Kanoles continuava rezando. Obviamente ele seria o primeiro a ser morto, depois Meithel, Gauton e, por último, Mifitrin. Mas Elkens procurou não pensar nis-so, procurou se concentrar no pequeno frasco de rubi nas mãos de Mi-fitrin. Foi então que entendeu. Já havia visto aquele frasco; sabia que ele vinha de dentro dos Domínios da Alma, mas por que ele estava em posse de Mifitrin? Dentro do frasco havia um líquido! Tanto o frasco quanto o líquido vinham de dentro dos Domínios da Alma, com toda certeza. O líquido contido no frasco era a água mais pura de toda Gardwen; era a água que nascia na fonte do Santuário Rubi. Agora tudo fazia sentido. Obviamente aquele frasco era um presente de Kalimuns, pois este também havia dado o mesmo presente a El-kens. Ele ganhou um antes de iniciar aquela jornada ao lado de Mifi-trin e Meithel, e usara o conteúdo do frasco para se curar de um enve-nenamento ainda no vilarejo Rismã. Aquela água tem o poder de curar qualquer coisa, além de trazer novas forças e esperanças. Então defi-nitivamente havia esperança e Elkens chegou até mesmo a sorrir ao perceber isso. A esperança estava nas mãos de Mifitrin. Kalimuns de-veria ter lhe dado aquele frasco assim que Mifitrin partiu para os Domínios da Magia, e agora ele seria imensamente útil. Um presente digno de seu tutor. Um presente que talvez, mesmo que a probabilida-

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de fosse minúscula, mínima, quase nula, um presente que talvez re-presentasse a diferença entre derrota e sucesso. — KANOLES! – Elkens gritou com todo o ar dos seus pulmões. O caçador de recompensas imediatamente deixou de rezar e abriu os olhos. Então Elkens prosseguiu: – O FRASCO NA MÃO DE MIFITRIN. Kanoles continuou olhando para Elkens, sem entender nada. — O QUÊ? – ele perguntou após algum tempo tentando inutilmente compreender o amigo. — O FRASCO! – Elkens repetiu. Kaiser continuava andando com toda a calma, como se nada estivesse acontecendo. Sequer prestava atenção nas palavras de Elkens. – O FRASCO NA MÃO DE MIFITRIN. VOCÊ PRECISA FAZER ELA E MEITHEL BEBEREM AQUELA ÁGUA. Kanoles continuou encarando Elkens sem reação alguma. Não com-preendia a importância daquilo nem entendia o sentido de Elkens es-tar lhe pedindo aquilo. — AGORA! – gritou Elkens impaciente. Então Kanoles acordou. Tentou levantar-se, mas não conseguiu, por isso se apoiou em Sangrini, sua espada negra. Usando-a como apoio, lentamente (mas ainda assim o mais rápido que podia) Kanoles come-çou a andar na direção de Mifitrin, usando Sangrini como uma mule-ta. Por conta desses movimentos bruscos e repentinos, os três cortes paralelos em seu peito voltaram a sangrar. Mas ele não se importou. Kaiser estava há uma distância considerável de Kanoles, mas ainda assim andava muito mais rápido que ele. Kanoles precisava se apres-sar. Seu ferimento no peito ainda doía muito enquanto sangrava. Ten-tava ignorar a dor, mas era impossível. Gritava de agonia, mas não parou de andar um segundo sequer.

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Elkens precisava interferir. Kaiser alcançaria Kanoles antes que ele chegasse até Mifitrin. Se isso acontecesse, definitivamente seria o fim. Elkens não tinha outra escolha. Precisava fazer alguma coisa. Levantou-se do chão e passou a se concentrar em seu colar. Não tinha muito tempo, portanto não poderia utilizar um feitiço muito podero-so. Foi por isso que apenas conjurou algumas esferas e as atirou con-tra o Cavaleiro. As esferas rubras explodiram em suas costas, mas ele pareceu não sentir nada. Continuou andando em direção a Kanoles como se nada tivesse acontecido. Elkens não tinha outra escolha: — KAISER – ele gritou. Precisava pensar em alguma coisa para di-zer, alguma coisa que chamasse a atenção do Cavaleiro. Kaiser não olhou para trás, sequer demonstrou ouvir Elkens chamando por ele. O Sacerdote ficou mudo por um momento, não sabia o que dizer. – EU AINDA ESTOU DE PÉ, KAISER. VOCÊ AINDA NÃO ME DERROTOU. Kaiser não deu atenção. Continuou andando calmamente na direção dos seus amigos, empunhando a espada branca em suas mãos. — NÃO FUJA DA BATALHA, KAISER. NÃO SEJA COVARDE! Ofende-lo não adiantaria de nada. Elkens precisava dizer algo que Kaiser queria ouvir. Ficou em silêncio por um longo tempo, mas então uma idéia aflorou em sua mente: — KAISER. ESTOU COM UM DOS CRISTAIS AQUI. VOCÊ O QUER, NÃO QUER? Desta vez funcionou. Kaiser parou de andar. Elkens disse o que ele queria ouvir. Estava mentindo, mas obviamente Kaiser não tinha co-mo saber disso. Três dos cristais estavam mortos, um com Laserin, um com Meithel, e o outro com Kanoles. E era com Kanoles também que

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Elkens havia deixado o último cristal vivo, portanto estava sem ne-nhum. Mas por sorte todos os cristais estavam guardados dentro de bolsas de couro e Kaiser não tinha como descobrir a mentira. — NÃO SEI SE VOCÊ SABE, MAS O CRISTAL QUE ESTÁ COMIGO É O ÚLTIMO QUE NÃO SE TRANSFORMOU EM PEDRA – Kaiser sabia disso. Sabia de tudo o que aconteceu na guer-ra entre os Sacerdotes e os Cavaleiros da Magia. Sabia que o primeiro se transformou em pedra assim que derrotaram Káfka, o primeiro Ca-valeiro. Sabia também que Gauton os traiu e roubou todos os cristais para abrir os portais trancados, mas teve de sacrificar um deles para conseguir fugir, portanto só sobraram dois cristais. Mais tarde usaram o terceiro cristal para derrotar Shanara, sobrando assim um único cris-tal vivo. Se Elkens estava dizendo que estava com ele, não havia mo-tivos para desconfiar, por isso Kaiser continuou parado. – SE VOCÊ DER MAIS UM PASSO EU SEREI OBRIGADO A USÁ-LO CONTRA VOCÊ! Desta vez Kaiser reagiu. Olhou assustado para trás, encarando El-kens nos olhos. Elkens sustentou o olhar daqueles olhos cinzentos. Não piscou uma única vez; queria manter-se firme, como se estivesse dizendo a verdade. Sabia que era isso o que Kaiser estava querendo, queria ver a mentira em seu olhar, mas não a veria. Elkens manteve-se firme, até que Kaiser se convenceu de que realmente era verdade. El-kens tirou a bolsa de couro das costas e colocou a mão dentro dela, como se estivesse se preparando para pegar alguma coisa, supostamen-te o cristal. Kaiser se assustou: — Sabe o que irá acontecer se usar o cristal contra mim, não sabe? — Sei – respondeu Elkens confiante. Agora que tinha a atenção de Kaiser não precisava mais gritar. – Se eu usar o cristal contra você a guerra contra os Cavaleiros acabará. Eu serei o vencedor.

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Enquanto conversavam, Elkens olhou disfarçadamente para um ponto atrás de Kaiser. Kanoles continuava a se arrastar lentamente na direção de Mifitrin. Agora faltava pouco. — Se me atacar com este cristal ele também se transformará em pe-dra. Como é o único vivo, jamais poderão ressuscitar as outras partes e montar o Cristal de quatro Faces. Acredito que Gauton já tenha lhe falado que o cristal é a única chance que vocês têm de salvar o Guar-dião. Se você fizer isso, Zander continuará aprisionado para sempre. Elkens continuou firme: — Eu sei disso. Mas sei também que o Cristal de quatro Faces é a sua única chance de libertar Mon do Exílio. Se eu te derrotar com o cris-tal, irei inutilizá-lo para sempre, então você também não poderá liber-tar seu novo amo. — Não teria coragem… — Estou disposto a qualquer coisa para proteger os meus amigos! Além do mais, acredito que o Guardião da Magia esteja disposto a sa-crificar sua liberdade para impedir que Mon seja libertado. Kaiser sorriu discretamente, o mesmo sorriso sem emoção. — Você não tem noção do que esta dizendo… – disse o Cavaleiro olhando-o com desprezo. – Sei que não teria coragem de sacrificar o cristal. — Então experimente – disse Elkens em tom de desafio. – Se quer o cristal, venha pegá-lo. Mas se tentar matar meus amigos eu serei obri-gado a usá-lo. A escolha é sua Kaiser. Kaiser e Elkens se encararam por alguns momentos. Havia nos olhos de Elkens uma expressão de desafio, de ousadia, e isso irritou Kaiser. A diferença de poder entre eles era indiscutível, por isso a coragem e insistência de Elkens o irritava tanto. O Sacerdote jamais teria chan-ces de derrotá-lo, e obviamente sabia disso, mas ainda assim continu-

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ava enfrentando o Cavaleiro na tentativa de proteger os amigos que já estavam praticamente mortos. Depois de terem recebido o ataque do canhão de Bulque diretamente, com certeza morreriam em questão de minutos. Seus ossos foram quebrados; seus órgãos estouraram. Para Kaiser, o que Elkens estava fazendo já não podia ser considerado lou-cura, e sim burrice. Ambos os portais estavam abertos, portanto El-kens devia ao menos tentar fugir, mas ele não fazia isso; não se movia um único passo em direção a qualquer um dos portais. Parecia dispos-to a morrer ali, ou será que acreditava ter chances de derrotá-lo? — Muito bem – disse Kaiser finalmente. – Então você será o primei-ro a morrer. Ele empunhou a Espada da Lei com as duas mãos e começou a correr na direção de Elkens, ignorando completamente o fato de, neste exato momento, Kanoles estar despejando um líquido na boca de Mifitrin. Para Kaiser nada mais tinha importância. Só queria matar cada um deles, acabar com o seu tormento. Queria acabar com tudo aquilo, po-der ficar sozinho, perdido com seus remorsos. Kaiser atacou com sua arma branca. Elkens jogou-se para a direita, caindo no chão. Sentiu a lâmina afiada passar centímetros acima de sua cabeça e viu quando fios do seu próprio cabelo caíram no chão. Agora sabia que Kaiser estava desesperado para terminar com aquilo; sabia que ele tentaria matá-lo em cada ataque, pois não queria pro-longar aquela batalha mais um segundo sequer. Não chão, Elkens concentrou-se brevemente em seu colar e disparou um feitiço contra Kaiser. Usou o feitiço congelar alma, por isso o Ca-valeiro ficou imediatamente imóvel. Elkens sabia que seu feitiço dura-ria apenas por alguns breves segundos, pois não teve tempo de concen-trar-se o suficiente nele, por isso levantou-se o mais rápido que pôde e se afastou de Kaiser. Tocou seu colar com as duas mãos e passou a

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elevar seu nível de concentração. Aquela não seria uma batalha fá-cil, por isso teria de lutar pelo menos no quarto nível de concentração, o Ginden-gan. Dos três Sacerdotes, Elkens é o que tem mais facilidade para concentrar-se e elevar sua concentração, por isso não demorou muito. Assim que terminou de elevar sua concentração, Kaiser se li-vrou do feitiço e a luta recomeçou. Kaiser atacou novamente, mas desta vez sua lâmina sentiu o gosto do sangue de Elkens. O Sacerdote cambaleou e caiu de joelhos quando sentiu a lâmina cortar-lhe a perna esquerda, mas não teve tempo de verificar o ferimento, pois foi obrigado a fugir de um segundo ataque que quase o atingiu. Kaiser atacava sem piedade alguma, atacava com tamanha ferocidade que Elkens chegou a sentir medo. Sentiu medo da raiva que sentia em Kaiser, da vontade descontrolada de matar cada um deles e acabar com aquilo de uma vez por todas. Elkens não tinha tempo de se concentrar em feitiço algum, ficava de olho apenas na espada, acompanhando seu movimento para que sou-besse para onde correr. Kaiser continuou atacando-o, mas Elkens não tirava os olhos da espada, e este foi o seu erro. Quando Kaiser levan-tou a espada sobre sua cabeça, Elkens olhou para ela e esperou para ver onde atacaria, para que ele tivesse tempo de se desviar do ataque. Mas foi pego desprevenido, pois a espada não chegou a atacá-lo, pelo contrário. Kaiser percebeu a sua tática para fugir dos seus ataques, por isso armou uma emboscada. Levantou a espada para atrair a atenção de Elkens, mas então, inesperadamente, passou uma rasteira nele. Elkens caiu de costas no chão, só então percebendo o quanto foi tolo. Esqueceu-se de que um Cavaleiro é um Cavaleiro, um exímio lu-tador, e esqueceu-se que dentre todos, Kaiser era o melhor. Esqueceu-se que a arma branca não era a única arma de um Cavaleiro, pois todo o seu corpo funcionava como uma arma.

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Elkens tentou se levantar, mas Kaiser o pegou pelo pescoço. Levan-tou o corpo de Elkens no ar com incrível facilidade e apertou seu pes-coço com muita força, tentando quebrá-lo. Elkens estava sendo sufo-cado; já não conseguia respirar e seus olhos passaram a ficar verme-lhos e lacrimejantes. Encarou os olhos cinzentos de Kaiser por um breve momento, enquanto tentava se livrar das suas mãos. Tentou ti-rá-las do seu pescoço, ou ao menos diminuir a tensão do aperto, mas o Cavaleiro era muito forte. Elkens começou a se debater loucamente, mas era impossível se livrar das mãos fortes de Kaiser. O Sacerdote não suportaria mais. Olhou esperançoso para um ponto atrás de Kaiser, para onde o Cavaleiro não prestava atenção. Então parou de se debater. Kaiser alegrou-se ao perceber que eram os últimos instantes de vida de Elkens; via que ele não estava sequer se debaten-do mais. Já havia se entregado. Mas não era isso e percebeu no mo-mento em que viu um sorriso sinistro no rosto do Sacerdote já quase inconsciente. Kaiser tentou compreender o motivo do sorriso à beira da morte, mas não conseguiu. Apertou o pescoço de Elkens com mais força ainda, mas ele não deixou de sorrir. De repente algo atingiu Kaiser pelas cos-tas, desequilibrando-o e o obrigando a soltar Elkens, que caiu espar-ramado no chão, respirando todo o ar que cabia em seus pulmões. En-tão ele percebeu o que aconteceu; foi atingido por duas esferas: uma alva e outra anil. Olhou para trás e ficou assustado. Lá estavam o Sacerdote da Magia e a Sacerdotisa do Tempo, lado a lado. Exibiam sorrisos radiantes e uma coragem sem igual. Perto deles estava o caça-dor de recompensas, ainda muito ferido e segurando um pequeno fras-co de rubi nas mãos, agora vazio. — Mas como…? – começou o Cavaleiro, mas deduziu a resposta ao olhar mais uma vez para o frasco vazio. Obviamente havia alguma

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poção de cura extremamente poderosa ali, ou qualquer outra coisa do tipo. O fato é que, fosse o que fosse, foi capaz de curar os ferimentos causados pelo canhão de Zan e livrá-los da morte, além de lhes reno-var as forças. Só então compreendeu que foi enganado por Elkens, que foi feito de tolo. — O cristal nem ao menos está com você, está? – perguntou Kaiser virando-se para o Sacerdote que ainda tossia no chão, tentando se re-cuperar. Mas mesmo com esforço, Elkens sorriu e balançou a cabeça. Kaiser não conseguiu reagir de outra maneira. Chutou o rosto do Sa-cerdote, que foi jogado para o lado; então segurou a espada com força e se preparou para matá-lo de uma vez por todas, mas seu ataque foi detido por duas barreiras sobrepostas, uma de Mifitrin e outra de Meithel. Através das barreiras de luz, Kaiser encarou o rosto de El-kens, agora todo ensangüentado e que, ainda assim, exibia a maior fe-licidade do mundo. — Deixe-o em paz – disse a Sacerdotisa do Tempo avançando contra o Cavaleiro. Meithel estendeu o braço, impedindo que Mifitrin conti-nuasse andando. Ela olhou para o Sacerdote da Magia para entender o que estava acontecendo, mas não foi preciso perguntar. Compreen-deu tudo assim que encarou os olhos de Meithel. — Por favor, me deixe enfrentá-lo, Mifitrin. Vá e cuide do Elkens, ele precisa de você. — Tem certeza? – perguntou a Sacerdotisa para o amigo. — Sim – respondeu Meithel determinado. – Entenda que esta luta é minha. Eu preciso derrotar Kaiser para vingar o meu Elemento. Preci-so enfrentá-lo para vingar as mortes de Mudriack, meu eterno irmão, e também de Lakar, meu tutor e meu pai. Eu preciso fazer isso. Eu preciso fazer isso…

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Mifitrin concordou com um aceno de cabeça, então correu até onde Elkens estava caído. Passou ao lado de Kaiser, mas este não moveu um único dedo para impedi-la. Ele ouviu o que Meithel disse e enten-dia que ele seria o seu primeiro adversário. Os dois ficaram frente a frente, se encarando. A luta entre o Cavaleiro e o Sacerdote iria começar. Meithel elevou sua concentração para Ginden-gan, então esperou que Kaiser fizesse o primeiro movimento, que não tardou a acontecer.

Eu sou capaz disso. Não seria capaz alguns dias atrás, mas sei que agora é diferente. Não é questão de treinar arduamente, dia após dia, sob sol ou chuva, e prosseguir mesmo que seu corpo suplique por des-canso. Não é questão de ler livros enormes, carregados com informa-ções sobre feitiços ou métodos de luta. Não é questão de saber extrair os conselhos certos das pessoas certas. Não é questão de ser inteligen-te. Não é questão de ter o dom de aprender. Eu sei que agora sou ca-paz porque passei por coisas que jamais imaginei passar. Sei que sou capaz porque nos últimos dias passei por mais coisas aparentemente impossíveis do que jamais passei em toda a minha vida. Sei que agora sou capaz porque aprendi a acreditar no impossível, acreditar em mi-lagres e, acima de tudo, aprendi a acreditar em mim mesmo. Aprendi que sou capaz de me superar e vou fazer isso mais uma vez. Vou me superar e te derrotar Kaiser, porque sei que agora sou capaz. Empunhando sua Espada da Lei, Kaiser correu a toda velocidade contra Meithel, que permaneceu no mesmo lugar. Enquanto Kaiser corria, uma barreira branca foi materializada de repente em sua fren-te, bloqueando o seu caminho. O Cavaleiro usou um único ataque da

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sua espada para destruir a barreira e continuar correndo em direção ao Sacerdote. — Acha que uma barreira pode me deter? Meithel não estava desapontado. Sabia que aquilo aconteceria. Ainda concentrado em seu colar, conjurou uma nova barreira diante do Ca-valeiro, que mais uma vez a destruiu com incrível facilidade. Ao ser atingida pela espada, a barreira de Meithel explodia como se fosse fei-ta de vidro, então desaparecia definitivamente após transformar-se em pequenos fragmentos de flocos de luz. Kaiser continuou correndo, mas Meithel utilizou-se do mesmo feitiço. Conjurou uma nova barreira, mas desta vez não foi a única. Uma barreira foi conjurada atrás da outra, até que dezenas de barreiras estavam entre Kaiser e Meithel. Kaiser não estava gostando daquele joguinho. Ele conseguia ver Meithel diante das dezenas de barreiras de luz, então começou atacar com grande velocidade. A cada movimento de sua espada, uma ou du-as barreiras eram destruídas e ele podia avançar mais alguns passos na direção do Sacerdote. As barreiras explodiam a medida que Kaiser avançava, estilhaçando-se como se fossem incrivelmente frágeis. Desse modo Kaiser avançou. Destruiu dez ou mais barreiras em ques-tão de cinco segundos, talvez menos. O poder de destruição da sua es-pada era evidente. Pouco menos de um minuto bastou para que Kaiser destruísse todas as barreiras, então finalmente chegou ao Sacerdote da Magia. Assim que destruiu a última barreira, Kaiser atingiu Meithel com a espada. A lâmina afiada atravessou-lhe o peito com incrível fa-cilidade… Mas Meithel não demonstrou qualquer sinal de dor. Sequer o sangue lhe escorreu pelo ferimento. Foi então que Kaiser percebeu que foi en-ganado. Não estava diante de Meithel, estava diante de uma ilusão. Foi tudo um truque: Meithel conjurou as dezenas de barreiras para

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desviar a atenção de Kaiser, então correu para algum lugar seguro, deixando uma ilusão em seu lugar. A ilusão logo desapareceu e Kaiser olhou à volta na esperança de en-contrar o verdadeiro Sacerdote. Foi então que levou um susto. Meithel estava alguns metros à sua frente, mas também havia outro Meithel sobre um crânio de dragão, e um terceiro ao lado do portal de Zephir. Só agora se deu conta do verdadeiro plano de Meithel. Todo o Cemitério de Dragões estava repleto de ilusões, dezenas de ilusões es-palhadas por todo lado, todas perfeitamente idênticas ao verdadeiro Sacerdote, de modo que Kaiser não soubesse a quem atacar. Enquanto isso, Mifitrin levantou a cabeça de Elkens do chão e a co-locou sobre o seu colo. O rosto do Sacerdote estava todo ensangüenta-do, conseqüência do último chute que Kaiser lhe acertou no rosto. Também havia um corte em sua perna esquerda, possivelmente causa-do pela espada do Cavaleiro. Os olhos de Elkens estavam abertos e olhavam contentes para Mifitrin. — Não tive tempo de lhe dizer isso até agora – Elkens finalmente disse – mas eu senti muito a sua falta. Mifitrin sorriu e lhe apertou contra o peito. — Eu também – disse ela emocionada. Elkens pôde ouvir o coração de Mifitrin batendo. Queria ficar ali com ela por algum tempo, mas agora não era hora. Tinham coisas a fazer, mas antes ele tinha algo para dizer: — Você é uma Sacerdotisa agora. — É! – ela concordou. — Fez isso por que foi o que Morton lhe pediu antes de morrer? – Elkens perguntou. Ele sabia disso porque ouviu o próprio Morton di-zer isso quando Mifitrin e ele voltaram no tempo, para o dia em que

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Morton morreu. Isso foi na Convocação Elementar, alguns dias atrás, antes de iniciarem aquela jornada rumo aos Domínios da Ma-gia. Agora parecia pertencer a outra vida. — Não – respondeu ela após fazer uma breve pausa. – Voltei a ser Sacerdotisa porque foi o único modo de me deixarem vir atrás de vo-cês. Agora foi Elkens quem sorriu. — Que bom que você veio. — Eu viria mesmo que tivesse que fugir. Iniciamos esta missão jun-tos, não poderia tê-los abandonado no final, na parte mais difícil. Confesso que fiquei surpresa ao ver como você mudou, como se tornou capaz de ser um verdadeiro líder. — Só fiz minha obrigação, fiz o que qualquer protetor faria em meu lugar. Apenas tentei cumprir nossa missão… — Você se engana. Fez muito mais que a sua obrigação, foi muito além do que acreditávamos que podia ir. Estou orgulhosa de você. Elkens não soube o que dizer. Apoiou-se em Mifitrin e se levantou. Olhou para o portal alguns passos a frente deles. Finalmente estava ali, onde arriscou sua vida várias vezes para conseguir chegar. Mas agora que estava ali, não podia seguir em frente, não enquanto Kaiser não fosse derrotado. Após ter destruído as dezenas de barreiras conjuradas por Meithel com incrível facilidade, Kaiser estava parado. Com sua espada ainda em mãos, olhava para todos os lados pelo recinto mal iluminado. Todo o Cemitério de Dragões estava repleto de ilusões de Meithel. Kaiser olhava com atenção, pois sabia que uma delas era o verdadeiro Sacer-dote.

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Meithel estava à espreita. As barreiras e as ilusões foram jogadas espertas, mas ele ainda tinha uma carta na manga e, com ela, preten-dia derrotar Kaiser de uma vez por todas. As barreiras distraíram o Cavaleiro-Líder para que ele pudesse ter tempo de criar as ilusões e de se esconder no meio delas. As ilusões também serviam como distração; Kaiser podia achar que Meithel estava se escondendo, e isso fazia parte do plano, mas na verdade ele estava logo ali, apenas alguns me-tros afastado do Cavaleiro. Enquanto Kaiser tentasse encontrar o verdadeiro Sacerdote em meio às ilusões, Meithel o atacaria de surpre-sa. Seu ataque seria letal. Kaiser andou alguns passos, aproximando-se de Meithel sem saber. De repente deixou de olhar para as ilusões, procurando pelo verdadei-ro Sacerdote, e fechou os olhos. Parecia calmo demais diante da situa-ção, e isso só se intensificou quando ele sorriu. Era o mesmo sorriso que Elkens já conhecia, o sorriso forçado de alguém que já não sente mais prazer em viver, mas ainda assim demonstrava sua auto-confiança. Kaiser não estava se sentindo nem um pouco acuado pelo plano de Meithel. Havia muitas falhas nele, dezenas de maneiras di-ferentes de se identificar o verdadeiro Sacerdote no meio das ilusões, mas Kaiser sorriu pela ingenuidade e ignorância do Sacerdote a respei-to da sua arma branca. — POR ACASO SABE O NOME DA MINHA ARMA BRANCA? – perguntou ele aos gritos. Era óbvio que ele ignorava que Meithel es-tava logo à sua frente, pronto para atacar, ao contrário do que pensa-va, de que ele estava longe, escondido sob o esqueleto de algum dra-gão. – MINHA ARMA BRANCA RECEBE O NOME DE ESPADA DA LEI, E ESSE NOME NÃO É À TOA. ELA REPRESENTA A JUSTIÇA, A CAPACIDADE DE REVELAR

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À VERDADE EM MEIO À MENTIRA. E É ISSO O QUE UMA ILUSÃO É: UMA MENTIRA. Kaiser segurou sua espada com as duas mãos e a levantou no ar. Ain-da com os olhos fechados, concentrou-se em sua espada de lâmina afi-ada. Um fraco brilho alvo passou a ser emitido da espada. O brilho formava algo como uma aura de luz, que crescia rapidamente confor-me os segundos passavam. À medida que a aura avançava, as ilusões de Meithel que entravam em contado com ela desapareciam. Aquela era a habilidade da espada: destruir a mentira e revelar a verdade. A aura continuou avançando, fazendo com que mais ilusões fossem des-truídas. Meithel recuou alguns passos para se afastar dela, mas não podia perder mais tempo. Esperava que Kaiser começasse a atacar ca-da um das ilusões, na esperança de identificá-lo, e então o atacaria de surpresa. Mas não era isso o que estava acontecendo e seu plano esta-va sendo arruinado. Quanto mais as ilusões próximas a Kaiser desa-pareciam, menos chances ele tinha de pegá-lo desprevenido. Se quisesse executar um ataque surpresa, isso teria de ser feito agora. Meithel conjurou seu grande gládio formado por luz, a arma conjura-da que habitualmente usava em batalhas, e se preparou para atacar; ao mesmo tempo, cada uma das ilusões também conjuravam espadas que, assim como elas, não passavam de ilusões. Então o ataque come-çou. Dezenas de ilusões avançaram contra Kaiser, mas assim que atingiam a aura brilhante da espada, desapareciam. Enquanto isso, Kaiser continuava de olhos fechados. As ilusões continuaram avan-çando, mas desapareciam ao se aproximar do Cavaleiro. Apenas um deles não desapareceu, e este era o verdadeiro Meithel, partindo para seu ataque letal. Avançou com incrível velocidade. Mirou o peito de Kaiser, então atacou. Seu gládio atravessou o peito do Cavaleiro, de

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lado a lado, mas neste momento Meithel percebeu que também foi enganado. O que ele atacou foi uma ilusão. O verdadeiro Kaiser estava oculto, um metro atrás de sua ilusão. Assim que Meithel atingiu a ilusão, Kaiser se revelou e atacou o Sacerdote. Um profundo corte foi aberto no braço esquerdo de Meithel, provocado pela afiada Espada da Lei. Meithel recuou, assustado, e encarou seu inimigo. Ele estava sorrindo. — O feitiço virou contra o feiticeiro. Não é isso o que os humanos costumam dizer? Confesso que você conseguiu me enganar. As barrei-ras, as ilusões… tudo muito engenhoso; ao menos para ser usado con-tra um Aprendiz! Mas não é à toa que eu sou o líder dos Cavaleiros do Guardião. Criei minha própria ilusão, enquanto eu me ocultava com um simples feitiço de invisibilidade. Levei um segundo para com-preender o seu plano, por isso continuei oculto, escondido logo atrás da minha ilusão. Você me viu com os olhos fechados, o que pensou que fosse eu, e achou que era o momento certo para atacar, não é isso? Es-perava mais de um protetor da Magia, mas você apenas ridicularizou nosso Elemento… — Não Kaiser – disse Meithel com a voz firme, enfrentando seu ini-migo sem medo. – Realmente há alguém aqui que não é digno da Ma-gia, mas este alguém é você. Não diga que eu não faço por merecer ao meu Elemento, pois eu estou sendo fiel a ele até o fim. Você pode me matar, mas morrerei lutando pelo Elemento que me acolheu, e não so-mente por ele. Luto em nome dos três Elementos da Vida, assim como Elkens e Mifitrin. Kaiser riu ainda mais alto, o mesmo riso forçado. — Belas palavras – disse ele com ironia. – Mas morrer em nome de qualquer coisa é algo ridículo. Se você chega ao ponto de dizer que es-

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tá disposto a morrer pelo seu Elemento, significa que você não é dig-no o suficiente para viver. Meithel ouviu as palavras ditas por Kaiser e se calou. O Cavaleiro analisou seu adversário com atenção, olhando com interesse para o grande gládio de luz conjurado por ele. — Normalmente Sacerdotes não empunham espadas. — Sou uma exceção – respondeu Meithel sem desviar os olhos de seu inimigo. – Posso ser um Sacerdote, mas o Sábio Lakar não foi o meu único tutor. Outras pessoas me ajudaram, e uma delas é Kam. Ele me ensinou a lutar usando armas e também me ensinou a lutar ao modo de um Guerreiro. Kaiser pareceu admirado, uma falsa admiração. — Então vamos pôr o seu aprendizado à prova. Você e eu, usando apenas nossas espadas. E que a Magia proteja aquele que julgar ser mais digno. Meithel aceitou. Não havia outra alternativa. Teria de enfrentar Kai-ser até o fim. Segurou seu gládio firmemente e esperou mais uma vez que o Cavaleiro fizesse o primeiro movimento. Fazendo isso Meithel tinha a vantagem de pensar num contra-ataque, mas Kaiser já ataca-va pensando no seu ataque, no contra-ataque de Meithel, e no seu próximo movimento. Era um ótimo lutador, possivelmente o melhor dentro dos Domínios da Magia. As habilidades de Meithel não podi-am ser comparadas às habilidades de Kaiser, tampouco sua arma. Seu gládio era poderoso, mas não passava de uma arma conjurada, de luz sólida. Já a arma de Kaiser não era aplicada a esse plano. A Espada da Lei é uma arma material, forjada de algum metal mágico, num Fo-go da Magia, por um dos próprios protetores ancestrais. A Espada da Lei carrega grandes poderes e habilidades, além de possíveis bênçãos

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concedidas por Sumos-Sacerdotes ao longo dos anos. Meithel e Kai-ser representavam os extremos. Meithel não tinha a menor chance. Kaiser finalmente avançou. Seu primeiro ataque foi bloqueado por Meithel, assim como o segundo, mas o Sacerdote se viu obrigado a re-cuar para escapar do terceiro ataque. Kaiser era muito rápido; Meithel mal conseguia acompanhar seus movimentos. Além da veloci-dade inacreditável, Kaiser também contava com habilidades fora do comum. Lutava de um modo totalmente novo para Meithel, com mo-vimentos novos. Ele não pensava como os demais, seu modo de lutar era completamente diferente de qualquer outro protetor que Meithel já tivesse visto em combate. Suas habilidades eram ímpares. Meithel nunca sabia onde seria o próximo ataque, nem como seria, muito me-nos quando viria. Cada ataque era surpresa e por diversas vezes Meithel se viu obrigado a recuar. Após um movimento rápido, Meithel recuou pela quinta vez desde que a luta começou, e nisso fize-ram a primeira pausa. — Parece cansado – disse o Cavaleiro rindo. Meithel não respondeu. Realmente estava cansado, isso porque o pri-meiro embate não durou mais que alguns segundos. Aproveitou cada segundo da pausa para respirar, para tentar readquirir o controle da sua respiração que estava arfante. Mas não era apenas cansaço que estava sentindo. Sentia medo também; um medo desesperador por ter que enfrentar alguém com tais habilidades. Kaiser não podia ser um protetor, ninguém podia lutar de modo semelhante. Aquilo era um demônio, um demônio criado com o único propósito de lutar e matar. Após alguns segundos a luta recomeçou. Kaiser atacou por cima; Meithel bloqueou. Então pela direita, por baixo, por cima, mais uma vez por baixo, pela esquerda, na diagonal, e por fim um ataque certei-ro no peito. Meithel se superou para conseguir bloquear cada um dos

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ataques, mas se viu obrigado a recuar diante da última investida. Novamente a batalha foi interrompida segundos após começar. Esta já era a segunda pausa num intervalo de pouco mais de um minuto — O que está havendo? – perguntou o Cavaleiro sorrindo. – Por que recuou? Pensei que estivesse um pouco mais ansioso por me derrotar, mas até agora não me atacou uma única vez. Tudo o que disse foram palavras vazias? Meithel não respondeu. Primeiro porque não conseguia; precisava aproveitar a pausa para respirar e adquirir fôlego para quando reco-meçarem a batalha. Segundo porque era verdade. Não atacou Kaiser uma única vez, mas não era por medo. Na verdade não teve tempo nem oportunidade de atacá-lo, mal teve tempo de se defender. Real-mente aquilo era um demônio com uma espada na mão. Precisava pen-sar em alguma coisa. Se continuasse enfrentando Kaiser numa luta de espadas seria sua ruína. Pensou por algum tempo num contra-ataque. Pensou em cada ensi-namento de Kam, mas não tardou a chegar à conclusão de que estava enfrentando o melhor, de que suas habilidades de luta não seriam su-ficientes; na verdade nem chegavam perto. Era um Sacerdote, precisa-va lutar como um Sacerdote. Pensou em cada feitiço que Lakar lhe en-sinou, pensou em cada ensinamento, em cada treinamento, em cada conselho que seu tutor lhe deu nos anos de sua vida. Mas por mais que pensasse, não chegava a uma resposta concreta. Conhecia feitiços po-derosos, habilidades surpreendentes, mas nenhum deles se aplicava à situação. Uns eram descartados pela falta de tempo, outros pelo sim-ples fato de Meithel não conseguir executá-los no momento. Estava exausto e o nível de sua concentração só decaía. Então a luta recomeçou. Pela terceira vez, foi Kaiser quem fez o pri-meiro movimento. Atacou com um veloz ataque da espada, que

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Meithel bloqueou com dificuldades. Na verdade o ataque não seria tão difícil de bloquear, mas Meithel não estava completamente con-centrado na batalha. Chegou à conclusão de que suas habilidades e conhecimentos de Sacerdote não serviriam contra Kaiser, mas então se lembrou de algo que Mudriack lhe ensinou há algum tempo. Na ver-dade não era um feitiço, era um recurso a se usar em último caso. Pen-sando nisso, Meithel voltou a elevar sua concentração para Ginden-gan e começou a acumular magia. — Ainda acha que pode me derrotar? – perguntou Kaiser confiante. Meithel não respondeu. Queria se concentrar. — No que está pensando agora? – perguntou Kaiser mais uma vez. Não tinha medo de nada que Meithel pudesse fazer, mas estava curio-so. – Qual é o seu truque desta vez? — Espere – disse Meithel ainda acumulando magia. – Espere e verá. A luta prosseguiu. A Espada da Lei e o gládio continuavam se encon-trando no ar, mas Meithel continuava lutando no seu limite. Teve que se superar muitas vezes para conseguir se defender de um ataque ou mesmo fugir dele, e por mais de uma vez conseguiu se salvar quando achou que tudo já estava perdido. Estava imensamente grato pelos ensinamentos de Kam, pois se não fossem por eles já estaria morto. Mas apesar de tudo, continuava apenas se defendendo ou fugindo. Kaiser não abria brecha em seus movimentos, sequer dava tempo para Meithel pensar em revidar. Seus movimentos de luta eram perfeitos, sem falhas; cada passo, cada investida, cada ataque, tudo parecia ser cuidadosamente estudado, como se Kaiser tivesse minutos de prepara-ção antes de qualquer movimento. Era impossível atacá-lo, ao contrá-rio de Kaiser, que o atacava sem piedade. Atacou pela direita, pela esquerda, por baixo, saltou, atacou por cima, um rodopio rápido, mais um ataque, se abaixou, uma rasteira, Meithel

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saltou, tentou atacar, mas foi obrigado a se defender. Se estudaram por um segundo, e mais um ataque, dois, três… A luta prosseguia em ritmo acelerado. Meithel avançou, atacou Kaiser, mas atingiu apenas o ar. No mesmo momento Kaiser atacou com seu joelho direito, atin-gindo Meithel no estomago e obrigando-o a recuar mais uma vez. Nis-so prosseguiu uma nova pausa, mais uma, em que Meithel aproveitou para descansar e, principalmente, continuar acumulando magia. — Estou curioso – disse Kaiser enquanto descansava. – Vejo que vo-cê está acumulando muita magia, mas vejo também que não está fo-cando-a em nenhum ponto específico. Está acumulando toda a magia no seu próprio corpo, sem nenhum sinal de estar concentrado em um feitiço. Está acumulando magia, mas para quê? Não está usando-a. Mesmo com a respiração arfante, Meithel respondeu: — Não sou tolo, por isso não pense que estou acumulando magia a toda. Já devia saber que estou disposto a qualquer coisa para te derro-tar. Com esse comentário a expressão de Kaiser alterou-se rapidamente. Pareceu preocupado por alguns segundos, mas logo se recuperou. — Está pensando em usar algum feitiço de sacrifício? – perguntou ele rindo. Meithel não negou. Mesmo com a expressão de riso de Kaiser, mante-ve-se firme, o que incentivou Kaiser a dizer o que estava pensando: — Você é um Sacerdote, o que significa que tem técnicas de sacrifício à sua disposição. A maioria se resume a rituais, os quais não duvido que você saiba usar, apesar de não ter nada a sua disposição para rea-lizá-los. Talvez você conheça algum feitiço de sacrifício, mas acredita mesmo que pode usá-lo? Você precisaria elevar sua concentração ao máximo e utilizar toda a magia do seu corpo. Se acha que está em condições de realizar tal feitiço, sinto lhe dizer que está louco.

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Meithel sorriu, um sorriso provocante, mas não disse nada. Precisa-va evitar falar ou fazer qualquer coisa que desviasse a sua concentra-ção. Só iria desviar sua concentração para lutar contra Kaiser, nada mais. Então a luta recomeçou. Novamente foi Kaiser quem fez o primeiro movimento. Desta vez foi mais agressivo. Utilizou uma seqüência de ataques que Meithel suou para poder se defender, era quase impossí-vel. A cada embate Meithel se surpreendia mais com as habilidades de seu inimigo. Kaiser avançou, atacou Meithel de todas as direções, com movimentos ágeis e certeiros. Estava cada vez mais difícil evitar os golpes, (Eu sou capaz…) até que finalmente Meithel foi atingido. Achou que seria morto, mas a lâmina não lhe cortou. Parou em seu pescoço. Kaiser podia tê-lo decepado, mas não fez isso, e foi então que Meithel percebeu que ele só estava brincando. Kaiser sorriu, retirou a espada do pescoço do Sacerdote e se afastou, dando-lhe tempo para se preparar para prosseguir com a luta. Meithel encheu-se de raiva. Kaiser estava brincando com ele; não estava le-vando-o a sério desde o início e, mesmo assim, Meithel sentia que par-ticipava da luta mais difícil de toda a sua vida. E Kaiser estava ape-nas brincando! Meithel estava com muita raiva. Encarando Kaiser, fez desaparecer o seu gládio de luz, que se desintegrou em flocos de luz que se perderam pelo Cemitério de Dragões, ficando então desarmado. — Está se rendendo? – perguntou Kaiser. Meithel não respondeu. Concentrando-se momentaneamente em seu colar, novamente usou o feitiço de conjurar arma, mas desta vez sur-preendeu Kaiser. Não conjurou um gládio, como normalmente usava, mas também não conjurou uma única espada. Conjurou duas espadas de luz, segurando-as com cada uma das mãos.

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— O gládio é uma arma muito poderosa – disse Meithel. – É uma arma difícil de ser conjurada, mas Kam me ensinou muito bem. Basi-camente não é utilizada da forma como estou lutando com você. É uma arma demasiada grande e, conseqüentemente, pesada, o que gera movimentos lentos. Com um grande poder, é usada para atacar e ma-tar, mas nos torna vulneráveis, pois, se errarmos, estamos abertos a um contra-ataque. É por isso que não vou usar mais o gládio contra você. Kaiser ouvia atentamente. Realmente o Cavaleiro Kam havia treina-do bem o Sacerdote, mas até onde teria ido com os ensinamentos? — Obviamente que, usando uma espada, você se tornará mais ágil na batalha. E usando duas, a velocidade dos ataques é multiplicada. Mas a minha pergunta é: você é capaz de lutar com duas espadas? Meithel não respondeu. Continuava acumulando magia em seu corpo. A raiva que sentiu ao descobrir que Kaiser só estava brincando com ele fez com que a magia fosse acumulada mais rapidamente, mas ele teve que gastar parte da magia para conjurar as espadas e, mesmo as-sim, não podia concentrar-se totalmente em acumular magia. Precisa-ria de muito mais tempo do que imaginou no começo. Precisava ga-nhar tempo. Esperava que Kaiser não se cansasse da brincadeira. Meithel estendeu os braços, apontando as espadas para direções dis-tintas. Pela primeira vez naquela batalha, foi ele quem fez o primeiro movimento. Avançou correndo contra seu inimigo. Tentou atacá-lo, mas Kaiser se desvencilhou com incrível velocidade, atacando-o de imediato. Com uma das espadas Meithel bloqueou o ataque, ao mesmo tempo em que atacava com a outra espada. Pensou que já tinha visto o limite das habilidades de Kaiser, mas percebeu que estava redonda-mente enganado. O Cavaleiro o enfrentava com tanta facilidade quanto antes. Precisou lutar mais rápido para poder enfrentar as duas

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espadas de Meithel, mas fez isso com tamanha naturalidade que chegava a assombrar. Continuava confiante, sem medo algum. Eu sou capaz… Mas pelo menos havia uma diferença positiva desta vez. Meithel es-tava tendo tempo de atacar. Não chegou nem perto de atingir Kaiser em nenhuma das suas investidas (Eu sou capaz…), mas o fato é que agora estava tendo tempo para atacá-lo e isso já representava uma grande vantagem. Os movimentos de Meithel com as espadas eram perfeitos. Até mesmo Mifitrin, que agora assistia a batalha, se surpreendeu. Jamais soube que Meithel tinha conhecimentos de Guerreiro, mas estava muito sur-presa com suas habilidades. Não era um ótimo Guerreiro, na verdade suas habilidades não se comparavam às habilidades dela, mas ainda assim eram geniais. Ficou admirada em ver que Meithel conseguiu se tornar um ótimo Sacerdote ao mesmo tempo em que desenvolvia e se aperfeiçoava em habilidades paralelas à sua posição. De repente per-cebeu que Meithel devia ser o mais esforçado entre os três Sacerdotes, alguém que procurava aprender coisas novas dia após dia. Não sabia a amplitude de seus conhecimentos, mas conviveria com ele tempo su-ficiente para ver a mente brilhante do Sacerdote da Magia. A luta prosseguia de maneira emocionante. Meithel mostrava toda a sua habilidade na luta com duas espadas; atacava e se defendia, e por mais de uma vez chegou muito perto de atingir Kaiser. Mas por mais que fosse habilidoso, jamais teria chances de derrotar o Cavaleiro-Líder. Enquanto lutavam, viu a lâmina vir em sua direção. Bloqueou-a com uma das espadas, mas no segundo seguinte era atacado da dire-ção oposta (Eu sou capaz…). Percebeu que não teria como bloquear o ataque, por isso tentou recuar. Saltou para trás, mas a espada abriu-lhe um corte na lateral do seu rosto. Foi um corte superficial, mas o

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sangue não tardou em escorrer. Novamente fizeram uma breve pausa na luta. Kaiser veio caminhando lentamente na sua direção, sorrindo, empunhando sua espada com as duas mãos. — Te subestimei – disse ele. – Desta vez eu tentei te matar; não achei que você fosse conseguir evitar o meu ataque. Meithel sentiu o sangue quente escorrendo do corte superficial pela la-teral do seu rosto. Kaiser continuou andando em sua direção, lenta-mente e com o mesmo sorriso forçado. Seus olhos cinzentos e sem emo-ção indicavam que ele estava prestes a terminar com aquela luta de uma vez por todas; havia se cansado de brincar. Chegou a hora de Meithel usar toda a magia que conseguiu acumular. Era muito pouca, mas torcia para que fosse suficiente. Ele gritou e correu na direção de Kaiser, brandindo as duas espadas. O Cavaleiro se preparou para evitar o ataque e cravar a Espada da Lei no peito do Sacerdote, acabando com aquela luta. Quando estava há pouco mais de um metro de Kaiser, Meithel largou as espadas no chão. Saltou para frente, apoiou as duas mãos no chão, então execu-tou uma mortal no ar, passando por cima do Cavaleiro. Quando atingiu o chão, já do outro lado de Kaiser, Meithel pulou so-bre ele, prendendo o corpo dele contra o seu. — Agora você vai descobrir a minha carta na manga. Kaiser tremeu. Eu sou capaz… Meithel concentrou-se em toda a magia que conseguiu acumular em seu corpo, e foi nesse momento que Mifitrin entendeu o que ele iria fazer. — NÃO MEITHEL! Mas o Sacerdote estava decidido. Eu sou capaz… Realmente o que ele iria usar não era um feitiço, era um recurso, algo que aprendeu com

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seu velho amigo Mudriack. Um recurso usado em último caso. Mas apesar disso não deixava de ser o que Kaiser disse, pois se tratava de um sacrifício. Eu sou capaz… Meithel não teve tempo de acumular magia o suficiente, mas torcia que bastasse para derrotar Kaiser. A magia em seu corpo brilhou por um breve momento, (Eu sou capaz…) então explodiu. — MEITHEL! A explosão foi forte. Mifitrin e Elkens sabiam que possivelmente Kai-ser tinha sido derrotado; o problema é que, com toda certeza, Meithel também.

Mifitrin e Elkens ficaram imóveis, apenas observando as conseqüên-cias do sacrifício de Meithel. Havia dois corpos no chão, ambos atira-dos em direções opostas. Meithel estava de bruços; suas vestes aparen-tavam terem sido queimadas em diversos pontos, assim como todo o seu corpo que também estava coberto por marcas de queimadura. Di-versos cortes superficiais se originaram quando a magia explodiu na superfície de seu corpo, nenhum sério demais. Sua respiração estava ainda mais arfante que antes, mas Mifitrin ficou feliz em constatar que ele ainda respirava. Aparentemente o Sacerdote não havia se feri-do muito. Por sorte não teve tempo de acumular muita magia, o que poderia tê-lo levado à morte. Mas isso significava que Kaiser também não havia sofrido tanto. O outro corpo no chão era do Cavaleiro. Sua armadura não apresenta-va um único arranhão, mas seu corpo continha as mesmas marcas de queimadura presentes no corpo de Meithel. O Cavaleiro estava caído de costas no chão. Sua espada havia sido atirada para longe dele. Seus

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olhos cinzentos estavam abertos, desfocados, olhando para cima. Sua respiração também estava arfante, mas logo foi se normalizando. O sacrifício de Meithel foi em vão. Logo Kaiser se levantou do chão. Caminhou lentamente em direção à sua espada e a recuperou. Meithel recobrou os sentidos também, mas não teve forças para se levantar. Kaiser olhou na direção deles, enca-rando-os com um olhar que os enchia de raiva. — Desta vez eu acabo com ele – disse Elkens andando a passos deci-didos na direção do Cavaleiro, mas Mifitrin o deteve: — Não. Você já fez mais do que devia, e o Meithel também. Ajude-o a se levantar e fique com ele. Agora é a minha vez de lutar. Elkens não discutiu com a Sacerdotisa. Ela estava determinada a en-frentar o último e verdadeiro inimigo. Elkens percebeu em sua voz a ansiedade por lutar, a mesma ansiedade da velha Guerreira, a paixão pela luta. Iria enfrentar um dos melhores naquilo que ela passou parte de sua vida treinando, e isso a emocionava. Elkens percebeu que quem se preparava para lutar não era a Sacerdotisa, e sim a Guerreira. Por mais que agora carregasse no peito outro colar, Mifitrin jamais aban-donaria sua postura de Guerreira, sua antiga paixão pela luta, e sua coragem desmedida. Elkens correu até onde Meithel estava caído. Ajudou-o a se levantar e juntos se afastaram da batalha que logo teria início. O Cavaleiro e a Sacerdotisa caminharam um na direção do outro, com a maior calma do mundo. Enquanto se aproximavam, Kaiser brandia a Espada da Lei ameaçadoramente, ao contrário de Mifitrin, que não exibia ne-nhuma arma. Quando Guerreira, Mifitrin costumava lutar com seu velho arco e fle-cha, além de ter quase sempre uma espada à sua disposição. Ela sem-pre treinou muito, desenvolvendo suas habilidades ao máximo, sendo

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capaz de lutar com qualquer tipo de arma. Agora, como Sacerdotisa, ela não devia andar com uma arma, mas, assim como Meithel, também era capaz de conjurar armas de luz sólida. Conjurou um bastão de luz para enfrentar Zephir, mas agora, enquanto caminhava na direção de Kaiser, não se preocupou em conjurar arma alguma. Você é melhor que eu Kaiser, reconheço isso. Não vou mentir para mim mesma e acreditar tolamente que sairei vitoriosa nesta batalha; reconheço que minhas chances são mínimas. Para te vencer não pode-rei contar apenas com minhas habilidades, precisarei contar também com a sorte e com o acaso. Mas eu aprendi a acreditar em todas essas coisas. Sorte, acaso… tudo se resume em destino! Aprendi que o des-tino nós mesmos fazemos. O destino não é sólido, concreto, imutável; o destino se reescreve a cada vez que o enfrentamos. Cada vez que sa-ímos da linha, que não seguimos o que nos foi imposto, que violamos o que foi escrito, o destino é alterado. Então vou deixar que o destino me guie nesta luta e, se for o meu destino perder, tentarei mudar as li-nhas escritas. Tentarei fazer o meu próprio destino. Habilidades, sor-te, destino… acho que não são essas coisas que me fazem acreditar na menor chance que tenho de vencer. O que me faz acreditar é que tenho motivos para vencer. Eu tenho pessoas queridas para proteger e não vou permitir que as machuque mais. Este é o meu motivo e o que me faz acreditar… Cavaleiro e Sacerdotisa se estudaram. — Como pretende me enfrentar, Sacerdotisa? Mifitrin não respondeu. Continuou andando em direção ao seu inimi-go, exibindo um sorriso confiante. Quando se aproximaram o bastan-te, Kaiser atacou. Elkens chegou a virar o rosto, por isso não viu que Kaiser atingiu apenas o ar. Mifitrin estava atrás dele agora.

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— Você é rápida – disse ele surpreso. – Não é à toa que é uma pro-tetora do Tempo. Então ele atacou mais uma vez. Seu segundo ataque foi mais veloz, mais agressivo, mas novamente atingiu apenas o ar. Kaiser podia ser o melhor, podia ser o mais forte, podia ser muito ágil, mas sua velocida-de não se comparava à velocidade de Mifitrin. — Não quero brincar com você, Sacerdotisa – disse Kaiser atacando pela terceira vez e, novamente, atingindo apenas o ar. – Já perdi mui-to tempo. Pare de fugir como uma covarde e vamos acabar com isso de uma vez por todas. — Que assim seja – disse a Sacerdotisa fugindo do quarto e quinto ataques. – Também temos muitas coisas a fazer, por isso prometo aca-bar com esta luta o mais breve possível. Kaiser riu. O mesmo riso de sempre. Mifitrin tocou seu colar e executou seu primeiro feitiço na batalha. Rapidamente várias Mifitrin começaram a surgir por todos os lados. Em segundos todo o Cemitério de Dragões estava repleto de Mifitrins, todas à volta de Kaiser, dezenas delas. Mais uma vez Kaiser riu. — Esse truque não funcionou comigo na primeira vez; não pense que vai funcionar agora. Creio que você tenha assistido a minha batalha contra o seu amigo, por isso sei que viu que ilusões não bastam para me enganar. Agora foi Mifitrin quem riu. — Sinto decepcioná-lo – disse ela – mas não sou capaz de criar ilu-sões. Na verdade, tudo o que você vê é real. Os olhos de Kaiser estalaram ao ouvir isso, e uma sombra de medo perpassou seus olhos cinzentos. Ele não precisou usar o poder de sua espada para comprovar que aquilo realmente não era uma ilusão. Es-

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tava convencido de que estava diante de dezenas de Mifitrin, cada uma delas carregada com muita vontade de derrotá-lo. — Como eu disse, pretendo ser muito breve. Mifitrin tocou seu colar e finalmente conjurou uma arma: um bastão formado por luz anil. Imediatamente todas as outras Mifitrin imita-ram seu gesto. Quando cada uma das Sacerdotisas estava em posse de um bastão, a luta começou. Elkens estava assistindo uma das lutas mais surpreendentes e emoci-onantes de toda a sua vida. Um único protetor enfrentando dezenas. Cada uma das Mifitrin avançou contra Kaiser, atacando com suas armas conjuradas, mas o Cavaleiro as enfrentou dignamente. Mas es-ta luta estava sendo muito diferente da luta contra Meithel. Desta vez, Kaiser teve que lutar no limite de suas habilidades. A Espada da Lei e os bastões de luz sólida encontravam-se no ar a todo o momento. Kaiser continuou executando seus incríveis movimentos, movimentos que até mesmo Mifitrin desconhecia. Estava provado porque ele era o Cavaleiro-Líder; seus conhecimentos e suas habilidades de luta eram sobre-humanos. As réplicas da Sacerdotisa eram derrotadas rapida-mente. Com um movimento rápido da sua espada, Elkens viu quando Kaiser atravessou o peito de uma das réplicas com sua espada. O san-gue jorrou pelo ferimento e, assim que retirou a espada, o corpo caiu sem vida no chão, mas logo desapareceu. Era apenas uma Mifitrin a menos, mas ainda restavam dezenas, que atacavam ao mesmo tempo. A luta prosseguia cada vez mais incrível. Kaiser chegou a ser atingido por uma das Mifitrin por mais de uma vez, mas se recuperava do gol-pe com incrível facilidade, voltando a atacar suas inimigas. Bloquea-va os ataques por alguns segundos, até que tinha a chance de eliminar mais uma réplica.

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Por muito tempo a luta prosseguiu assim, mas a quantidade de Mi-fitrin em batalha ia diminuindo conforme os segundos passavam. Até mesmo Mifitrin, que havia presenciado lutas amistosas (e surpreen-dentes) entre os melhores lutadores do Tempo, ficou assustada com a habilidade de seu inimigo. Não importava o quão ágil ela fosse, ou a quantidade de ataques surpresa que realizava, Kaiser estava sempre um passo à sua frente, preparado para se defender e revidar qualquer ataque. Assim como Meithel pensou, agora Mifitrin também pensava que Kaiser era um demônio com uma espada na mão. Mesmo orgulhosa como era, Mifitrin chegou a admitir para si mesma que mesmo que treinasse por duas vidas inteiras, suas habilidades jamais poderiam ser comparadas às habilidades de Kaiser. Era impossível vencê-lo! Era algo impossível até mesmo de se imaginar. Quando a última de suas réplicas foi derrotada, Mifitrin estava mais uma vez sozinha na luta contra Kaiser, assim como no principio. Ela estava cansada; sua concentração decaiu bastante, além de ter prati-camente esgotado todo o estoque de magia presente em seu corpo na inútil tentativa de acabar com a guerra contra os Cavaleiros. Kaiser, por outro lado, parecia tão disposto como quando a luta começou. Era visível que estava cansado, que teve de se esforçar naquela luta, mas ainda assim parecia ser capaz de repetir toda a ação sem qualquer di-ficuldade. Ele avançou em sua direção, mas Mifitrin não recuou. Estava tão exausta que não conseguiria fazer isso mesmo que quisesse. Ele levan-tou a espada, pronto para derrotá-la. Mifitrin era orgulhosa, mas sa-bia reconhecer quando havia perdido. E essa era exatamente a situa-ção. Foi derrotada. Não havia mais nada a fazer; fugir era inútil.

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Mifitrin foi a última dos três Sacerdotes a enfrentar Kaiser, e a úl-tima esperança deles, mas também foi derrotada pelo Cavaleiro. Cada um deles teve a sua chance de enfrentar o verdadeiro inimigo, de vin-gar tudo o que estavam sentindo, mas nenhum foi capaz de vencer. O Cavaleiro-Líder era simplesmente invencível. Os Sacerdotes passaram por todos os Cavaleiros, mas pereceriam ali, diante do último deles. A guerra contra os Cavaleiros da Magia estava prestes a ser definida, e Kaiser seria o vencedor. Quando Kaiser baixou a Espada da Lei para executar sua inimiga, foi atingido por duas esferas de energia. Foi pego de surpresa novamente; se desequilibrou e não conseguiu sequer tocar a Sacerdotisa. Mifitrin olhou para o lado e viu Elkens e Meithel se aproximando dela. — Cometemos um erro – disse Elkens postando-se ao seu lado direito. — Cada um de nós tentou derrotá-lo sozinho, à sua maneira – Meithel postou-se ao seu lado esquerdo. – Agora vamos lutar juntos! Mifitrin concordou e sorriu. — Juntos! – ela repetiu – Como deveríamos ter feito desde o início. A guerra contra os Cavaleiros da Magia ainda não estava definida…

Meithel, Mifitrin e Elkens ficaram em pé, lado a lado, encarando o verdadeiro inimigo, o homem por detrás de todos os acontecimentos ruins dos últimos dias. Pensaram em Laserin, deixada para trás na guerra contra os Cavaleiros. Talvez ainda estivesse inconsciente no jardim de Briluem, ou talvez já tivesse acordado; o fato é que estava sozinha e devia estar procurando por eles. Elkens e Meithel não ti-nham notícias de Karnar, mas Mifitrin sabia que ele estava bem, cui-dando dos ferimentos do seu demônio. Yusguard continuava enfren-

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tando seu irmão para vingar a morte de Luftar. Na verdade não era apenas uma luta que envolvia vingança, era um acerto de contas de toda uma vida. Toda uma vida em que Yusguard esteve errado, toda uma vida em que desperdiçou seu tempo. Passou cada minuto da sua vida idolatrando Longuard, idolatrando o irmão a quem acreditava ser o melhor, enfrentando qualquer um em nome daquele a quem agora sentia tanto ódio. Olharam para Gauton, ainda inconsciente por conta do ataque do Ca-nhão de Zen. Gauton foi uma grande decepção para eles; apareceu sob a mentira de que também estava preso fora dos Domínios da Magia, sem saber de nada do que estava acontecendo. Mais tarde Elkens e Meithel descobriram a sua traição, sem ainda saber que ele foi obriga-do por Kaiser a fazer aquilo. E finalmente conheceram o verdadeiro Gauton e ficaram gratos por toda a sua ajuda desde então. Agora ele estava ali, não muito longe da morte. Então o último membro do gru-po: Kanoles. Ele estava sentado no chão, sem conseguir se levantar por causa dos cortes em seu peito provocados pelas garras de Zephir. Estava assistindo a luta final, descontente por não poder ajudar, mas contente em ver o quanto os três Sacerdotes cresceram. Elkens, Meithel e Mifitrin se separaram. A luta iria começar. Elkens conjurou o kotetsu, e a luz rubra passou a envolver seus dois braços. Mifitrin voltou a conjurar seu bastão de luz anil, assim como Meithel, que novamente conjurou suas duas espadas alvas. Kaiser co-nhecia cada feitiço, cada arma, mas o que não conhecia era o modo como os três funcionavam juntos em batalha. Mas estava prestes a descobrir. Mifitrin foi a primeira a avançar. Atacou Kaiser, mas foi bloqueada. Desviou do primeiro ataque, do segundo, então voltou a atacar. Kai-ser executou um movimento rápido, desvencilhando-se do ataque. Mi-

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fitrin havia cometido uma falha grande logo no começo da luta, dei-xando uma brecha muito grande. Kaiser podia atacá-la, pois sabia que ela não teria como fugir ou se defender. Estava exposta. Ele atacou com sua espada, mas parou em tempo ao perceber que era uma armadilha. Atacando Mifitrin, ele é que ficaria exposto a um ataque de Meithel. Foi tudo um truque. Mas infelizmente Kaiser per-cebeu e teve tempo de revidar. Então Elkens entrou na luta. O kotetsu lhe concedia grande força fí-sica, mas as habilidades de luta de Elkens eram péssimas. Seus movi-mentos eram precipitados e, quase sempre, previsíveis. Kaiser sabia como, onde e quando seria cada um de seus ataques, por isso os evita-va com incrível facilidade. Meithel era bem superior à Elkens nas ar-tes de luta. Diferente de Elkens, com Meithel Kaiser não podia ape-nas se desviar dos ataques, precisava também defendê-los, mas nada que representasse algum perigo para o Cavaleiro. Já com Mifitrin era diferente e era nela que ele estava concentrado. A luta girava entre Kaiser e a Sacerdotisa; Elkens e Meithel eram apenas estorvos. De repente Kaiser executou um movimento com sua espada que obri-gou os três a recuarem. Nisso a luta teve uma pausa. — Não está funcionando – disse Mifitrin aos companheiros. Isso era evidente. Mesmo lutando os três contra Kaiser, jamais teriam uma chance de vencer se não alterassem o modo de lutar. Mesmo lu-tando ao mesmo tempo, lutar cada um por si não daria resultados. Precisavam lutar os três de modo organizado. Mifitrin foi uma Guer-reira; conhecia diversas formações e estratégias de batalha em equipe. Meithel, como ela sabia agora, provavelmente devia conhecer algu-mas. O problema era Elkens, que jamais teve qualquer treinamento em batalhas que bastasse para aquela situação. Era um Sacerdote; sabia se defender e defender o seu Elemento, mas nada muito além disso.

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Kaiser estava entre os três Sacerdotes, olhando para cada um deles atentamente, estudando-os. Quando os olhos de Elkens e de Kaiser se encontraram, o Sacerdote se encheu de raiva e avançou. Mas sequer chegou a dar dois passos quando Mifitrin gritou e o fez voltar ao seu lugar. Com a voz severa, disse: — Não deixe a raiva te guiar – ela sequer olhou para ele, mas conti-nuou falando de modo severo: – Você é o elo fraco do nosso grupo, por isso não faça movimentos desmedidos. O melhor que pode fazer para nos ajudar é pensar duas vezes antes de cada movimento. Deve pensar no adversário, tentar descobrir o que ele irá fazer a seguir… — Isso não adianta agora, Mifitrin – Meithel a interrompeu. – Não há nada que possa fazer para compensar a falta de habilidades e co-nhecimentos de Elkens em batalhas. Por mais que sejam bons, seus conselhos não surtirão efeito sem treinamento. Elkens deverá nos aju-dar com o que é capaz de fazer agora. Elkens não disse nada. Um antigo sentimento voltou a tomar conta dele, o sentimento de que era completamente inútil e que não podia ajudar. Mas sentiu que isso não era verdade ao olhar para Mifitrin. A Sacerdotisa o encarou com respeito, como se realmente precisasse da sua ajuda, por mais que fosse pouca. — O que sugere que façamos? – perguntou ela para Meithel, sem ainda desviar os olhos de Elkens. Meithel não respondeu de imediato, mas tinha uma idéia em mente. — Cada um de nós precisa ver o que o outro vê, saber o que o outro sabe. Kaiser não dizia nada. Continuava no meio do cerco formado pelos Sacerdotes, analisando cada um deles demoradamente. Seus olhos ago-ra estavam em Meithel, pois sabia que ele estava pensando em algo para derrotá-lo. Meithel era o estrategista do time.

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— Ainda quando Aprendizes todos nós aprendemos a utilizar a te-lepatia. Já me comuniquei com cada um de vocês usando essa habili-dade, por isso sei que a dominam com perfeição – Elkens e Mifitrin ouviam o plano de Meithel com atenção. – Precisamos nos concentrar e manter nossas mentes conectadas, o máximo possível. Se elevarmos nossa concentração para Ginden-gan podemos usar a telepatia para unir nossas mentes a um nível elevado, quase como se elas estivessem fundidas. Assim seremos um. “Vocês verão o que eu ver e saberão o que eu sei, pois o que eu vejo e sei, também será o que vocês vêem e sabem. Nossas mentes serão uma só. Só assim poderemos estar sincronizados o bastante para enfrentar Kaiser. Elkens pode não conhecer habilidades avançadas de luta, mas ainda assim saberá cada movimento que você fará, Mifitrin, e assim saberá o que deve fazer. O mesmo servirá para mim. E Mifitrin será nossa guia”. Então os três fecharam os olhos e passaram a se concentrar. Kaiser ouviu toda a conversa com atenção. Achou o plano interessante, tal-vez até surtisse algum resultado, mas estava se cansando de tudo aquilo. Era hora de acabar com aquela guerra que já havia durado muito mais do que o planejado. Ele avançou com a espada em mãos, mas no mesmo segundo Mifitrin estendeu um dos braços e lhe lançou um feixe de luz anil. Imediatamente Kaiser ficou imobilizado, conge-lado no tempo. Mifitrin sabia que não ficaria assim por muito tempo, mas esperava que fosse o bastante. Então o plano foi posto em ação. Elkens era o ponto fraco do grupo quando se tratava de habilidades de luta, mas Mifitrin se tornava o elo fraco quando o quesito em questão era a concentração. Diferente deles, Meithel tinha conhecimentos em diversas áreas. Podia não ser perfeito em nenhuma delas, mas conhecia um pouco de tudo. Sendo o

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mais desenvolvido na capacidade de concentração, Elkens foi o que primeiro atingiu o Ginden-gan. Logo depois foi Meithel, mas Mifitrin ainda se mantinha em Roe-gan. Antes de se tornar Guerreira, Mifi-trin jamais conseguiu ultrapassar o terceiro estágio de concentração, por isso desistiu de ser Sacerdotisa. Mas agora era necessário que ela atingisse o quarto estágio, por isso se esforçava ao máximo. Já conse-guiu esse feito antes; isso foi durante sua aventura no reino de Emel-dis, mas só conseguiu graças a ajuda da Ampulheta do Tempo, a relí-quia que trazia consigo, escondida em sua bolsa de couro. Mas agora Mifitrin não precisou da ajuda de nenhuma relíquia. A si-tuação em que se encontravam, sua vontade de vencer e a alegria por lutar ao lado de seus amigos foram as únicas ajudas de que precisou. Demorou muito tempo, mas finalmente conseguiu se superar, atingin-do finalmente o Ginden-gan. Quando isso aconteceu os três utiliza-ram a telepatia; o resultado foi surpreendente. Mifitrin podia sentir Elkens e Meithel como se fossem parte dela. Mesmo com os olhos fe-chados, sabia onde cada um estava, o que estavam sentindo e pensan-do. Era algo magnífico. Quando abriram os olhos, viu o mundo pelos olhos de cada um deles, e isso foi uma sensação inesquecível. Quando se moveram, era como se ela mesma se movesse. Sabia para onde cada um deles estava indo, onde cada um iria atacar, como e quando. Kaiser já havia se livrado do feitiço de Mifitrin, e agora se movia li-vremente; mas não se movia, estava paralisado, não por um feitiço, mas pela terrível visão que teve ao encarar os olhos dos Sacerdotes: ele enxergava os olhares dos três em cada um deles, todos os olhos em um só; não eram apenas azuis de Mifitrin, nem os castanhos verdadeiros de Elkens, tampouco os olhos negros de Meithel; eram um só. Porém, Kaiser se moveu e a luta recomeçou, mas agora os três Sacer-dotes estavam perfeitamente sincronizados, como se fossem um. Na

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verdade, eram um. Graças aos conhecimentos de Mifitrin nas artes de luta, Elkens e Meithel sabiam exatamente o que fazer. Quando Elkens assistiu a luta de Kaiser contra as dezenas de Mifi-trin, achou estar vendo a luta mais emocionante de toda a sua vida; não sabia ele que agora era Kanoles quem estava assistindo a melhor de todas as lutas, e Elkens participava dela. O sincronismo era perfeito. Mifitrin, Elkens e Meithel atacavam de maneiras variadas e inteligentes, sempre conseguindo a vantagem so-bre Kaiser. Toda a técnica de luta vinha de Mifitrin, pois agora esta-vam compartilhando habilidades. Meithel contribuía com estratégias de ataque, enquanto Elkens focava toda a sua concentração em Kai-ser, permitindo que Meithel formulasse uma nova estratégia de ataque enquanto Mifitrin contribuía com suas incríveis habilidades físicas. Cada um deles via o que o outro via e sabia o que o outro sabia, mas não era apenas isso. Era como se realmente fossem parte um do outro. Kaiser tentava atacar, mas não conseguia. Cada ataque seu era frus-trado pelo novo modo de luta dos Sacerdotes. Tentou todos os seus movimentos de luta, mas nenhum chegou realmente a funcionar. Sua raiva só foi crescendo à medida que percebia que não era páreo para a tríade de Sacerdotes. Logo Kaiser estava desesperado, agindo e atacando sem controle al-gum, querendo apenas acabar com aquilo. A raiva passou a atrapalhá-lo, cegá-lo para o que realmente deveria fazer. Estava ficando cansa-do. Após mais uma tentativa frustrada de ataque, Kaiser acabou tro-peçando em seus próprios pés, caindo no chão de joelhos. Mas ainda assim não parou de atacar. Continuou atacando da mesma forma des-controlada como estava acontecendo. Quando os seus olhos se encon-traram com os de Elkens, o Sacerdote da Alma chegou a sentir pena, uma pena que lhe cortou o coração. Viu loucura e insanidade nos

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olhos de Kaiser, olhos carregados de raiva. Sua respiração rápida se assemelhava à respiração de alguma fera enraivecida. Era isso o que Kaiser parecia agora, nada mais. Alguém já incapaz de sentir qual-quer coisa que não seja raiva, além de uma vontade louca de matar. Era só isso o que lhe importava agora. Precisava matar, precisava acabar com aquilo. Não importava o que aconteceria depois, não se importava com mais nada, queria apenas acabar com aquilo. Por isso continuou atacando como louco, ainda sem controle algum. Kaiser já estava acabado. — Veja em que se transformou, Kaiser – disse Mifitrin em tom acu-satório. Ele só queria matar. — Está pagando por tudo o que fez – complementou Meithel. – Está pagando por todo o sofrimento que causou, todas as mortes… Ele precisava matar. Precisava silenciar aquelas vozes. Não queria mais ouvir aquilo. Elkens não conseguiu dizer nada. Não conseguia atirar mais pedras contra aquele ser miserável, por mais que merecesse. Estava sentindo muita pena dele; não conseguia aumentar ainda mais seu sofrimento jogando-lhe na cara as coisas terríveis que fez. Esteve louco por justi-ça nas últimas horas. Enfrentar Kaiser e derrotá-lo era tudo o que Elkens mais queria, mas agora que estava ali nem conseguia sentir ódio do seu inimigo, apenas pena. Isso era tudo o que sentia. — Você desonrou a Magia… — Matou meu amigo e meu tutor… — Não merece morrer, merece pagar em vida. É assim que acontece quando um protetor é punido, não é? Paga em vida o que fez, para en-tão ganhar o descanso da morte… — Matou o Bulque…

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— Não merece ser chamado mais de protetor… — Matou inocentes… — NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! – o Cavaleiro gritou. Agora não estava mais atacando. Estava caído de joelhos, tampando os ouvidos com as mãos, com os olhos fechados. Seu grito fez Mifitrin e Meithel se calarem. De repente uma energia fora do comum explodiu em seu corpo. A energia transformou-se em magia, e ela passou a fluir pelo corpo de Kaiser em grande velocidade e quantidade. Seus olhos adqui-riram um tom alvo. Elkens sabia o que estava acontecendo. Havia passado por isso também. — A magia oculta! – disse ele olhando com medo para seu inimigo, incapaz de acreditar no que via. – A raiva de Kaiser o fez libertar sua magia oculta. Mifitrin e Meithel olhavam assombrados para o Cavaleiro que a cada segundo passava a emanar mais magia do próprio corpo. — O que faremos? – perguntou Mifitrin com medo. – Não importa o quanto estejamos sincronizados, se Kaiser usar sua magia oculta não teremos a menor chance. E era verdade. Quando um protetor atinge a magia oculta, se torna praticamente invencível. O caso mais famoso que se tem registro do uso da magia oculta aconteceu com um protetor chamado Giamelin. Neste caso, o protetor se tratava de um mero Aprendiz com poucos anos de treinamento e alguns poucos e insignificantes pingentes em seu colar. Não era habilidoso, estava longe de ser o Aprendiz mais promissor de sua época. Mas aconteceu alguma coisa que o fez desper-tar a magia oculta. Em poucos minutos ele derrotou todos os nove Cavaleiros do Tempo e, o mais surpreendente, derrotou também o Guardião do Tempo atual. Giamelin ficou famoso e sua história foi

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escrita em diversos pergaminhos antigos. Até hoje sua história é tida como referência ao poder da magia oculta. De repente Kaiser se levantou. A magia continuava emanando do seu corpo. Parecia muito maior do que realmente era. Estava se concen-trando em algum tipo de ataque, e os Sacerdotes perceberam isso. — Ele vai nos atacar! O que faremos? — Precisamos atacá-lo antes que nos ataque. — Sabe que não temos chance… — Talvez tenhamos. Ao ouvir isso Mifitrin deixou de encarar os olhos que agora não eram mais cinzentos, e sim alvos, e olhou para Meithel. — O que está sugerindo? – ela perguntou. – Acha que um de nós pos-sa usar algum ataque forte o suficiente para derrotar Kaiser do modo que ele se encontra? — Talvez. Como estavam com as mentes unidas, Mifitrin logo compreendeu o que Meithel estava pensando, assim como Elkens. — Já fomos capazes de criar uma barreira juntos, talvez também se-jamos capazes de atacar juntos. — Sugere que devemos combinar a magia dos três Elementos em um único ataque? Meithel não respondeu. Essa era a idéia. — Então vamos fazer isso. Não temos tempo a perder. Os três Sacerdotes ficaram lado a lado. Não tinham idéia do que fa-zer, encontravam-se na mesma situação de quando criaram a barreira juntos para se defender do ataque do Canhão de Zen. Mas naquela ocasião funcionou, e talvez agora funcionasse também. Os três fecha-ram os olhos e passaram a se concentrar em um ataque que pudessem criar juntos.

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Precisamos de um ataque forte o bastante para derrotar Kaiser. Um ataque que ele não possa defender. Um ataque que vingue toda a dor que ele causou. Os três Sacerdotes ficaram ali, lado a lado, focando todas as suas for-ças na tentativa de criarem um ataque juntos. Parecia algo impossí-vel, uma falsa esperança, mas não era. A idéia de fundir os Elementos num único propósito é pouco difundida, mas perfeitamente plausível. Pouco se sabe sobre como unir a magia dos Elementos de forma eficaz, mas Meithel, Mifitrin e Elkens acabam de descobrir por si mesmos como conseguir isso. Neste momento suas mentes estão ligadas, como se os três fizessem parte de um único ser, de um único corpo. O que um vê é o que o outro vê, o que um sabe é o que todos sabem. O que pen-sam, sentem, tudo, até mesmo as batidas do coração estão no mesmo ritmo. As mentes deles estão tão fundidas que é impossível saber onde termina uma e começa outra, pois são uma só. Esse sincronismo per-feito presente entre os três Sacerdotes agora é o que eles precisam para serem capazes de combinar suas magias em um único ataque. E final-mente conseguiram! Um jato de luz rubra saiu do colar de Elkens, assim como um jato al-vo do colar de Meithel e um jato de luz anil do colar de Mifitrin. Os três jatos de luz seguiram na direção de Kaiser. Ainda pareciam insig-nificantes, simples fiapos de energia prestes a se dissiparem no ar. Até mesmo Kanoles, que pouco entendia sobre magia, chegou à conclusão de que aqueles três jatos de luz jamais causariam qualquer tipo de da-no em Kaiser, e ele estava certo. Mas acontece que os três jatos de luz não seguiram diretamente contra o Cavaleiro. Enquanto avançavam contra Kaiser, os três jatos se aproximaram e formaram uma espiral entre si, então tomaram um novo rumo. Desviaram de Kaiser e passa-ram a subir. O Cavaleiro não se deu conta do que estava acontecendo;

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estava concentrado demais no ataque que mataria os Sacerdotes de uma vez por todas. Estava tão concentrado que não viu quando os três jatos de luz se encontraram no ar. Nesse momento Elkens, Meithel e Mifitrin abriram os olhos. Houve um momentâneo clarão quando os três jatos de luz se encontraram, mas apenas um jato prosseguiu após o encontro. Não era anil, nem rubro nem alvo, era de uma cor totalmente nova. Uma cor que repre-sentava a junção das três cores. Era verde. Um verde-esmeralda, re-sultado da mistura dos três Elementos da Vida. O novo jato de luz ganhou tamanho e agilidade. Passou a circular Kaiser em grande velocidade, ao mesmo tempo em que aumentava de tamanho num ritmo assustador. Alguns segundos se passaram e Kaiser finalmente abriu os olhos. Es-tava pronto para atacar, pronto para utilizar todo o poder da sua magia oculta. Mas agora já era tarde, e os Sacerdotes já sabiam disso. Sabiam que Kaiser seria derrotado por causa do sexto sentido de Mifi-trin: a previsão. A Sacerdotisa foi capaz de ver o que aconteceria a se-guir e, por estarem sincronizados, Elkens e Meithel viram também. A guerra dos Cavaleiros estava no fim. — A sua tirania acaba aqui, Kaiser! – disse a Sacerdotisa do Tempo, mas as vozes de Meithel e Elkens pareciam estar fundidas com a dela. O jato de luz verde parou de circundar Kaiser, então avançou contra ele. Porém, antes de atingi-lo, mais uma vez o feitiço alterou seu curso mas, ao fazer isso, seguiu para duas direções distintas ao se dividir. Agora eram dois jatos de luz verde, que mais uma vez se dividiram, e agora eram quatro. Logo eram oito, dezesseis… Era um feitiço poderoso, isso qualquer um podia sentir, mas era tam-bém lindo de se ver. Vários jatos de luz circulando Kaiser, deixando rastros brilhantes no ar por onde passavam, mas finalmente atacaram.

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Mudaram de direção bruscamente, seguindo mais uma vez contra Kaiser. Cada um dos jatos passou a envolver o Cavaleiro, até que vol-taram a se fundir, criando um grande globo de luz da mesma cor. Kai-ser estava preso dentro do globo de luz verde-esmeralda; em seu rosto uma estranha expressão, uma raiva misturada com alívio. Parecia de certa forma contente por aquilo ter acabado. O globo de luz flutuou no ar, levando Kaiser consigo; logo a seguir brilhou por alguns instan-tes… então explodiu! Houve um forte clarão, mas os três Sacerdotes se mantiveram firmes olhando para o desfecho daquela batalha. Kaiser estava caído no chão, longe da sua Espada da Lei. Finalmente, após tanto sacrifício, o inimigo foi derrotado. Kaiser não estava morto, mas definitivamen-te não estava mais em condições de lutar. Elkens, Mifitrin e Meithel ainda estavam surpresos com o que pude-ram fazer juntos. Aquele feitiço é apenas um exemplo do que se pode fazer ao fundir magia dos Elementos da Vida. Esse feitiço recebe o nome de Trigenese, e é descrito em alguns textos antigos como o feitiço mais poderoso que três Sacerdotes podem criar juntos. Ma estes textos não são exatos, pois ainda há um feitiço mais poderoso que somente três Sacerdotes, um de cada Elemento, podem realizar. Morton se de-dicou parte de sua vida para entender este feitiço, cujo nome é Ele-mantísses. Os três Sacerdotes se encararam. Estavam felizes. Agora não havia mais nenhum inimigo. Derrotaram todos os Cavaleiros da Magia e es-tavam livres para prosseguir. Com Kaiser derrotado, agora poderiam juntar os quatro cristais no Cristal de quatro Faces e, assim, libertar Zander, o Guardião da Magia. Mas o maior feito dos Sacerdotes ao derrotar Kaiser foi impedir que Mon pudesse ser libertado do Exílio. Isso representava muito para Gardwen e os Elementos da Vida. Mifi-

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trin riu sozinha. Agora não importava mais se Emeldis e Roldur não se uniriam na guerra para enfrentar Mon, pois não haveria mais essa guerra. Mon continuaria preso no Exílio e Gardwen poderia continu-ar desfrutando seus dias de paz. — Vamos – disse Meithel decidido aos companheiros. – Vamos liber-tar o Guardião da Magia!

♦ Aquilo já parecia pertencer à outra vida, embora Kaiser jamais se es-quecesse dos detalhes. Foi há mais de quarenta anos, antes mesmo de Zander ter assumido o trono. À época o Guardião da Magia ainda era outro; quem carregava este título era Sirius. Ele foi um dos maiores Guardiões da Magia, alguém que realizou muitos feitos por Gardwen e pelos Elementos, alguém que ajudou a Magia a prosperar com sua inteligência inigualável. Foi tutor de Shiron e o Cavaleiro herdou par-te de sua inteligência, suas habilidades e seus segredos. Porém, há mais de quarenta anos, Sirius foi misteriosamente morto; seu assassi-no jamais foi revelado. Quando isso aconteceu, praticamente todos os seus Cavaleiros renunciaram ao título num gesto de protesto (pois era evidente que o assassino era um protetor da Magia) e por isso Zander enfrentou tantos problemas quando teve de assumir o trono com tão poucos Cavaleiros para servi-lo. Nesta noite, uma noite tranqüila, Kaiser seguiu para seus aposentos mais cedo do que costumava. Estava feliz após mais uma missão rea-lizada com sucesso, pois deixara Sirius orgulhoso mais uma vez. Tudo estava bem sob o comando de Sirius, não havia com o que se preocu-par. Kaiser já estava dormindo quando sentiu o colar esquentar-se su-avemente em seu peito nu. Estava sendo convocado. Levantou-se

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imediatamente, assustado com o que pudesse estar acontecendo no meio da noite, mas se acalmou ao ouvir a voz de Sirius em sua mente. Segundo ele, estava tudo bem, queria apenas conversar. O Cavaleiro caminhou até seu pequeno guarda-roupa a um canto e tirou lá de den-tro uma calça e uma camisa qualquer, ambas brancas. Calçou algo nos pés e se encaminhou para a porta do aposento. Levaria muito tempo para vestir sua armadura, e era completamente desnecessário, mas, quando saiu pela porta, levava sua Espada da Lei numa das mãos. Ela era sua companheira, jamais se separava dela. O conhecido orgu-lho de Cavaleiro, que os impedia de serem vistos desacompanhados de suas armas brancas. Mas Kaiser não encontrou ninguém enquanto subia pelas centenas de degraus da Torre Espiral, em direção ao escritório de Sirius no ápice da torre. Todos estavam dormindo, cientes de que aquela era, de fato, apenas mais uma noite tranqüila. Quando ficou diante das pesadas portas de mármore, abriu-as sem se identificar, pois sabia que Sirius o estava esperando. Mas, ao olhar para dentro do escritório, porém, le-vou um susto. Cinco pequenas labaredas crepitavam pelo recinto, dispostas de modo a formarem um círculo. Eram chamas brancas e Kaiser as reconheceu imediatamente, embora não tivesse compreendido o motivo de estarem ali. Quando olhou assustado para Sirius, porém, este lhe abriu um lar-go sorriso. — Por favor Kaiser, sente-se. O Cavaleiro obedeceu, mas não pôde deixar de perguntar: — Para que esses Fogos da Magia, Sirius? Mas assim que terminou de perguntar, as labaredas alvas correram para os lados, fechando o círculo à volta deles. Kaiser sentiu o calor das chamas que os rodeavam. Neste instante Sirius fechou os olhos e

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sussurrou algo que o Cavaleiro não pôde ouvir. Linhas de luz foram traçadas no chão, formando símbolos que ele não conseguiu reconhe-cer. — Sirius! ‒ Kaiser o chamou, ainda mais assustado, quando o Guar-dião finalmente abriu os olhos e parou com os sussurros. ‒ O que é is-so? Para que me chamou? — Por que estou com medo, Kaiser – a voz do Guardião agora tremia levemente, embora ele forçasse um sorriso. – Estou com medo de Mon. Kaiser se mexeu em sua cadeira, incomodado. — Descobrimos alguma coisa nova? – ele perguntou. ‒ Encontraram outra fortaleza oculta…? — Não – o Guardião se apressou em responder, e sua voz tremia ain-da mais. – Não descobrimos nada novo. Está tudo como deveria es-tar… — Então por quê? Não precisamos temê-lo. Não com o senhor aqui, ele é que precisa te temer… — Eu também costumava pensar assim, Kaiser. E acredito que Mon tenha percebido que eu representava uma ameaça para ele, então… então ele me encontrou! Kaiser sentiu seu coração gelar. Embora não tivesse realmente com-preendido o sentido da frase, seu coração já se antecipava como se, em seu íntimo, ele sempre esperasse por aquilo. Sua mão suava enquanto apertava com força o cabo da Espada da Lei. — Não entendo… — Eu o ouço… ‒ Sirius respondeu, e lágrimas escorreram por seu rosto. Eram lágrimas, e Kaiser logo percebeu, de medo. Sirius estava sucumbindo ao medo; estava tremendo, pálido. Parecia estar precisan-do de um enorme esforço para dizer cada palavra. ‒ Eu ouço sua voz

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em meu coração… estou com medo, Kaiser… eu o ouço o tempo to-do… ele fala comigo… — Não lhe dê ouvidos! – disse Kaiser, quase gritando. ‒ Não impor-ta o que ele lhe diga, não lhe dê atenção. Ele está com medo de você, por isso está tentando te apavorar também… — Eu conversei com Shiron – Sirius o interrompeu, referindo-se àque-le que Kaiser tomava por seu melhor amigo. ‒ Conversei com ele por horas… eu não poderia me ajudar, mas achei que ele pudesse ameni-zar o meu medo. Mas Mon já me encontrou e nenhum de nós encon-trou um meio de eu me esconder dele. Ontem Shiron me procurou para dizer a última alternativa que me restava. Kaiser encarava seu Guardião com os olhos saltados, com medo do medo dele, e sequer piscava. — Você é o Guardião da Magia! – Kaiser quase gritou novamente. – O mais sábio e poderoso em muitas gerações, não precisa temê-lo. Mon é que precisa temê-lo. Por favor Sirius, não lhe dê ouvidos… você é tão poderoso que… — Exatamente – o Guardião o interrompeu mais uma vez, sua voz abalada. Mais lágrimas de medo escorreram de seus olhos. – Esse é o grande problema. Eu sou poderoso. É por isso que Mon me procu-rou… Nas mãos dele eu serei um aliado formidável, e é isso o que ele quer. — Mas não terá. Eu o conheço. Sei que jamais nos trairia, jamais tra-iria a Magia… — Mas eu o ouço… ‒ Sirius desmoronou, finalmente. ‒ Eu o ouço e ele me pede coisas… eu não conseguirei me manter lúcido por muito tempo… eu já me sinto tentado a fazer o que ele me pede. O único modo de eu me esconder dele, de impedir que ele me tenha como seu mais novo aliado, é… eu preciso… morrer!

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Kaiser levantou-se da cadeira abruptamente, derrubando-a. Recuou alguns passos, mas, a um gesto de Sirius, as labaredas alvas cresceram, impedindo-o de sair de dentro do círculo. Os símbolos de luz no chão continuavam reluzindo. — Para isso que me chamou? – perguntou completamente abalado, transtornado. – Para eu te matar? Sirius assentiu com um leve aceno de cabeça, incapaz de dizer coisa alguma. Quando se recuperou um pouco, disse: — O Fogo da Magia… os símbolos no chão… este é o Ritual do Se-gredo Perpétuo. Nenhuma forma de magia será capaz de revelar o que aconteceu dentro deste círculo. Você irá me matar Kaiser, e ninguém jamais poderá te culpar. Este será nosso segredo… — Esta foi a solução que Shiron encontrou? – o Cavaleiro perguntou e, assim que Sirius concordou, sentiu sua raiva explodir: ‒ ENTÃO POR QUE NÃO PEDIU ISSO A SHIRON? POR QUE EU…? — Ele faria – disse Sirius, agora levantando-se de sua cadeira, con-tornando a mesa e ficando de frente para seu leal Cavaleiro. – Shiron tem um modo de pensar diferente do nosso, ele sempre colocou a razão à frente do coração. Ele faria isso, com toda certeza, mas como eu iria obrigá-lo a viver com isso? Não poderia ser ele, não ele que sempre es-teve comigo… — MAS E EU? Como poderei viver sabendo que matei o mais reno-mado Guardião da Magia da nossa época? Como viverei sabendo que matei um amigo precioso? — Você viverá com a consciência de que fez o certo, de que salvou a mim e também a Magia! Houve uma pausa em que Guardião e Cavaleiro se encararam; um en-xergava nos olhos do outro o quanto aquela decisão pesava em seus ombros, o quanto era difícil para ambos tomar uma atitude, mas

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Guardião e Cavaleiro sabiam que aquilo era inevitável. Um teria de ser morto pelas mãos do outro. Sirius de repente fechou os olhos e pa-receu estar revivendo algum tipo de prazer. Um sorriso prazeroso sur-giu em seus lábios, não combinando com as lágrimas de medo que vol-taram a cair dos olhos, e disse: — Ele está falando comigo… ele está falando comigo… precisa ser feito agora, Kaiser. Ele está me dando ordens e eu quase as obedeço. Eu não consigo me controlar… Ele já percebeu o que estamos fazen-do, Kaiser. Está me mandando te matar… Vamos Kaiser, faça agora! Não vou conseguir ignorá-lo por mais tempo… — Não farei – o Cavaleiro disse, decidido. Sabia as conseqüências terríveis que sua decisão traria, mas não era capaz de realizar tal fei-to. Não seria capaz de matar aquele que tanto o ensinou, que tanto acreditou nele quando ninguém mais acreditava. — Mas você me jurou lealdade eterna – o Guardião finalmente jogou suas cartas na mesa. Aquela era sua garantia de que Kaiser não pode-ria desobedecê-lo. ‒ Me jurou lealdade e me concedeu o poder de con-trolar seus atos… Assustado, Kaiser levou a mão em direção ao colar, para arrancá-lo de seu peito e se livrar das ordens de Sirius. Mas o Guardião percebeu o que ele faria e usou sua autoridade sobre ele. O que a mão de Kaiser pegou não foi seu colar, mas o cabo de sua espada. — Se algum dia isso acontecer de novo Kaiser, espero que saiba o que fazer. O Cavaleiro segurou a espada com as duas mãos e caminhou na dire-ção do Guardião, mais baixo que ele. — E se Mon me encontrar? – Kaiser perguntou, agora também cho-rando. Apontou a espada para o peito do amigo e deu mais um passo. ‒ E se algum dia eu ouvir os sussurros de Mon também…?

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— Se Mon te encontrar terá de ter a coragem que estou tendo agora. Se Mon lhe encontrar precisaremos de um novo portador para a Espa-da da Lei. Se você não tomar esta atitude logo que ouvir os primeiros sussurros de Mon, logo será tarde demais. Você se tornará seu aliado. Kaiser deu mais um passo e finalmente ficou próximo para o ataque letal. Enquanto ele chorava copiosamente, Sirius abriu um largo e sin-cero sorriso. Sua boca disse um “adeus” e um “obrigado” e neste mo-mento a Espada da Lei lhe transpassou o coração. A lâmina branca surgiu vermelha do outro lado de seu peito. Kaiser só conseguiu tirar a lâmina do corpo do amigo quando ele finalmente morreu, em questão de segundos, agora livre do seu juramento de lealdade eterna. O Fogo da Magia enfraqueceu e os símbolos de luz no chão desapareceram. O Ritual do Segredo Perpétuo estava se encerrando agora que seu execu-tor se foi e Kaiser precisaria sair dali e deixar o corpo do amigo caso quisesse que aquilo continuasse sendo um segredo. E assim morreu Si-rius, um grande Guardião da Magia, talvez um dos melhores, e desta forma a sombra se instalou no coração de Kaiser, onde ficaria pelas décadas seguintes.

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