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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSUINSTITUTO A VEZ DO MESTRE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS Orientador: Profa. Ana Paula Pereira da Gama Ribeiro Aluno: Arthur Kottler da Silveira SAÚDE MENTAL E TRABALHO RIO DE JANEIRO, AGOSTO/2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

Orientador: Profa. Ana Paula Pereira da Gama Ribeiro

Aluno: Arthur Kottler da Silveira

SAÚDE MENTAL E TRABALHO

RIO DE JANEIRO, AGOSTO/2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

SAÚDE MENTAL E TRABALHO

Apresentação de Monografia à Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de Especialização em Gestão de Recursos Humanos. Por: Arthur Kottler da Silveira

Orientador: Profa. Ana Paula Pereira da Gama Ribeiro

Agosto/2009

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo investigar a saúde mental no trabalho na contemporaneidade. Pretendemos examinar as diferentes repercussões psíquicas que o trabalho pode provocar nos sujeitos-trabalhadores e os possíveis papéis que a Gestão de Pessoas, com suas potencialidades e limitações, pode assumir neste contexto. Para isso dividimos esta investigação em três capítulos. No primeiro pretendemos examinar o estresse no trabalho, no capítulo seguinte abordaremos o tema da síndrome de burnout e no último capítulo investigaremos alguns estudos da Psicopatologia do Trabalho e da Psicodinâmica do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Saúde Mental – Trabalho – Estresse – Burnout – Psicopatologia do Trabalho/Psicodinâmica do Trabalho

METODOLOGIA

A metodologia utilizada pelo presente trabalho foi a da revisão bibliográfica e estudo de conceitos. Privilegiou-se uma dimensão reflexiva e crítica.

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO 05

II – CAPÍTULO I: O Estresse no Trabalho 07

III – CAPÍTULO II: Síndrome de Burnout 14

III – CAPÍTULO III: Psicopatologia/Psicodinâmica do Trabalho 19

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS 31

V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 34

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INTRODUÇÃO

As sociedades passam na contemporaneidade por aceleradas mudanças,

trazendo repercussões nos mais diversos âmbitos da vida. Se no passado

havia uma estabilidade respaldada pelos valores da tradição, seja no plano

religioso, familiar e laboral, o que vemos agora é uma reviravolta. Os referidos

valores sofrem uma implosão a cada instante, levando o sujeito ora à surpresa

diante do novo e inesperado, ora à perplexidade diante da enxurrada destas

mudanças a que se vê submerso diante da velocidade a que a todo momento

este mesmo “novo” se torna velho, defasado, anacrônico.

Somando-se a esta situação, vive-se na atualidade uma crise econômica

mundial instalada no segundo semestre do ano de 2008. Como conseqüência

da mesma muitas empresas faliram ou se fundiram a outras, provocando assim

um índice de demissões significativamente aumentado. Em paralelo a esta

ocorrência, e por extensão a ela, a abertura de novas vagas também sofreu um

acentuado declínio.

Frente a toda esta situação o trabalhador enfrenta na atualidade um

crescente desafio, o de enfrentar uma grande e crescente pressão psíquica em

seu trabalho. Embora esta pressão não seja exclusiva do momento atual, é

notório seu incremento a partir das últimas décadas, onde um cenário de

diversas inovações implantadas no plano da tecnologia e das comunicações

num mundo cada vez mais globalizado acaba por provocar também uma série

de ajustes no campo do trabalho.

Tais ajustes são gerados e, ao mesmo tempo são conseqüência, de toda

uma ampla e complexa redefinição do mercado de trabalho — uma delas a

implantação da Gestão de Pessoas — bem como das qualificações a que o

trabalhador precisa ter para ser absorvido por este mesmo mercado. Estas

redefinições acabam assim por promover mudanças nas condições e

organizações do trabalho, e ao fazê-lo acarretam conseqüências para a saúde

mental do trabalhador.

Diante deste cenário — o qual inclui, vale frisar, a Gestão de Pessoas,

com suas potencialidades e limitações — nos sentimos instigados a investigar

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o fator trabalho na contemporaneidade e sua interface com a saúde mental. A

questão que nos guia, e que não temos a pretensão de neste Trabalho de

Conclusão de Curso esgotá-la, é a seguinte: Quais seriam as repercussões

psíquicas do trabalho para o sujeito?

O tema Saúde Mental e Trabalho pode ser categorizado e pesquisado em

três grandes eixos, a saber: estresse, psicopatologia/psicodinâmica do trabalho

e a abordagem epidemiológica. No presente estudo examinaremos os dois

primeiros eixos, os quais corresponderão, respectivamente, ao primeiro e

terceiro capítulos.

Assim, no primeiro capítulo investigaremos o tema do stress no trabalho,

nele buscaremos mapear as concepções existentes acerca deste termo e o

impacto que esta condição traz à saúde mental do trabalhador.

No segundo capítulo, como desdobramento do capítulo anterior,

examinaremos o burnout1, os motivos de seu desencadeamento, formas de

manifestações e verificaremos o impacto desta síndrome para a saúde mental

do trabalhador.

Por fim, no terceiro capítulo, empreenderemos uma investigação em

textos do psicanalista francês Christophe Dejours, principal representante da

abordagem designada de Psicopatologia do Trabalho e fundador de outra

abordagem, Psicodinâmica do Trabalho. Neste capítulo veremos que a

expressão “saúde mental”, a qual compõe parte do titulo do presente trabalho

não se contrapõe a outra expressão “doença mental”, ao que poderia parecer à

primeira vista, mas sim a inclui, porém numa perspectiva crítica e ampliada.

Esta expressão — saúde mental — tem Freud como um de seus primeiros

autores e será este autor, fundador da psicanálise, que fundamentará a

abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, tema deste último capítulo.

1 Encontramos diferentes grafias para esta nomenclatura que geralmente não é traduzida, permanecendo no seu idioma – inglês - de origem. Algumas separam a palavra “burn” de “out” por um hífen, outras não o fazem.

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CAPÍTULO I

O ESTRESSE NO TRABALHO

A constante pressão a que o trabalhador é submetido na atualidade em

seu trabalho, ameaçado por todas as mudanças no plano das condições e

organização do trabalho, o faz sentir-se a todo momento sobressaltado. No

plano da saúde mental estas pressões acabam por produzir repercussões, uma

delas, a que estudaremos no presente capítulo, recebe o nome de estresse.

Poder-se-ia dizer que sempre o trabalhador sofre pressões no trabalho já

há muito tempo, ou seja, que isso não é um dado novo, exclusivo da

contemporaneidade. De fato, a pressão no trabalho sempre existiu, o exemplo

mais emblemático disso é conhecido como Revolução Industrial, ocorrido

inicialmente na Europa no século XVIII, e posteriormente, de modo diferente e

com outras propostas, no Taylorismo e Fordismo. O que muda então na

contemporaneidade? Ou será que nada muda e então não há nenhuma

particularidade da pressão outrora sentida pelo trabalhador e a sentida na

atualidade?

O que mudou foi o contexto em que esta pressão é exercida pelo

empregador e é sentida pelo empregado. Na Revolução Industrial e nos dois

modelos de administração mencionados acima, o que contava era o

trabalhador braçal, operário, trabalhando numa esteira de produção em

condições de trabalho pouco salubres.

Neste contexto histórico sócio-político-econômico-cultural o trabalhador

funcionava apenas como uma mola de uma grande engrenagem em que o que

era requisitado era apenas sua força braçal, mecânica. Deste modo este

operário podia ser rápida e facilmente substituído por outro operário que iria

desempenhar igualmente a mesma tarefa que o substituído, já que o que era

lhe exigido era apenas sua força física e sua docilidade, isto é, cumprir ordens

submetendo-as e alienando-se.

Hoje este cenário está em grande parte modificado. O crescimento do

chamado terceiro setor (setor de serviços) não requer geralmente força física.

O que este setor requer são competências que poderiam ser enquadradas, a

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grosso modo, na categoria do conhecimento. Não é à toa que vivemos na Era

designada de Era do Conhecimento, em contraposição ao momento histórico

anterior que o que estava em jogo era a força braçal, mecânica de um corpo

dócil e facilmente substituído.

Se na contemporaneidade, nesta Era do Conhecimento, o que se requer

é então o conhecimento o homem não será mais um operário braçal que utiliza

seu recurso mecânico para cumprir suas tarefas. Agora o profissional deve

apresentar todo um leque de competências — conhecidas pela sigla CHA

(Conhecimentos, Habilidades e Atitudes, reparem bem que a primeira palavra a

aparecer é “Conhecimento”) e que são mapeadas por processos de Gestão de

Pessoas — que o habilitam a competir a uma vaga no mercado de trabalho.

Se no contexto da Revolução Industrial o corpo do operário adoecia,

agora é o psiquismo que o faz sofrer. Esta colocação, corpo de um lado e

psiquismo de outro evidentemente, é esquemática, nada tem de uma cisão

cartesiana. Ela procura, com efeito, acentuar esta diferença de exigências nos

distintos momentos históricos. Se na contemporaneidade este psiquismo é

exigido em primeiro plano, é ele também que mais sofrerá as conseqüências

destas novas exigências.

Estas conseqüências aparecem em múltiplos sintomas, uma delas,

aquela que está na ordem do dia, recebe o nome de stress.

Um quadro nos auxiliará no estudo das patologias no campo da saúde

mental relacionadas direta ou indiretamente ao fator trabalho. Trata-se do texto

“A classificação das doenças relacionadas com o trabalho (Jardim, 2000)

baseado na proposta de Schilling, que as divide em três grupos.

“GRUPO I - enquadram as típicas “doenças profissionais”, onde o trabalho é causa necessária e, portanto, o nexo é evidente, como nas neurointoxicações ocupacionais, provocadas pelo mercúrio, chumbo, manganês e outros produtos.

GRUPO II - neste item encontram-se as patologias em que, o trabalho pode ser um fator de risco, que contribui, mas não é necessário, sendo mais encontradas em determinadas categorias profissionais. É o caso do alcoolismo crônico (F 10.2) e dos transtornos do ciclo sono-vigília devido a fatores

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não orgânicos (F 51.2), onde o nexo causal é de natureza epidemiológica.

GRUPO III – representadas pelas enfermidades em que o trabalho é um desencadeador de um distúrbio latente, melhor explicado pela concausalidade. Encontramos, aqui, os seguintes transtornos mentais: os episódios depressivos (F 32); as reações ao estresse grave e os transtornos de adaptação (F43), como é o caso do transtorno de estresse pós-traumático (F43.1); a neurastenia (F 48.0); a neurose ocupacional (F 48.8) e também a síndrome de esgotamento profissional ou burn-out. (z 73.0).” (CAMARGO & NEVES, 2004:27-28)

Para o presente capítulo nos interessará o grupo III, especificamente os

itens a respeito do estresse. A síndrome de burnout será examinada no

próximo capítulo.

Definição e Classificação

O termo “stress” é um conceito que tem sua origem na Física, porém seu

uso extravasou este campo e adentrou no terreno da medicina e psicologia,

onde então recebeu outro significado e se difundiu de tal modo que já é uma

palavra utilizada por leigos no senso comum.

O autor que, reconhecidamente, introduziu a partir de 1936 os estudos

sobre stress foi Hans Seyle que o definiu como sendo uma “(...) síndrome

específica, constituída por todas as alterações não-específicas produzidas num

sistema biológico.” (Seyle, 1965, apud Zanelli, Borges-Andrade e cols, p.281).

Desta definição podemos destacar, numa perspectiva crítica, certos

desdobramentos de sua inespecificidade e seu caráter biológico. O primeiro

destaque nos leva a refletir a respeito do quanto esta síndrome pode ser

confundida com tantas outras, levando a possíveis erros de diagnóstico, seja

pelo equívoco de abundância ou escassez no estabelecimento deste

diagnóstico. Esta problemática permite-nos ver o quanto o diagnóstico do

stress é sujeito à controvérsias, e, por extensão, também seu tratamento.

Diante desta situação cria-se muitas vezes um certo mal-estar quando um

funcionário se queixa de stress, como não há especificidade desta síndrome,

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nem um exame com resultado patognômico, seus colegas ou mesmo sua

chefia podem negligenciar esta queixa, levando a este funcionário a omitir ou

desconsiderar seu sofrimento2.

Ainda sobre a inespecificidade é importante salientar que o stress,

entendido como Síndrome Geral de Adaptação não se refere exclusivamente

ao impacto das atividades laborativas à saúde mental do sujeito, bem como

não é intrinsecamente “positivo”/ “saudável”, ou “negativo”/“adoecedor”.

O segundo ponto que destacamos refere-se ao caráter biológico que

Seyle dá a esta síndrome. Este é outro ponto problemático, pois retira — ou

parece pelo menos minimizar — do stress o fator psíquico, restando, portanto,

unicamente o fator biológico. Nota-se, deste modo, que a definição que este

autor pioneiro neste campo dá ao stress é reducionista. Esta concepção

unicamente biológica trazida por este autor vem possivelmente atender aos

cânones de uma concepção científica positivista, sendo deste modo respaldada

pela comunidade científica afinada com este paradigma.

A CID X — Classificação Estatística Internacional de Doenças e

Problemas Relacionados à Saúde, 10ª revisão (1992) — categoriza no grupo

diagnóstico F43 (Reação ao “stress” grave e transtornos de adaptação) os

seguintes itens:

- F43.0: Reação aguda ao stress

- F43.1: Estado de “stress” pós-traumático

- F43.2: Transtorno de adaptação

- F43.8: Outras reações ao “stress” grave

- F 43.9: Reação não especificada a um “stress” grave

O DSM-IV(1994), por sua vez, classifica os transtornos relacionados ao

estresse em Transtorno agudo de estresse; Transtorno de estresse pós-

traumático e transtornos de ajustamento.

2 Este assunto voltará a ser abordado no último capítulo.

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Desencadeamento e curso

Na perspectiva biológica — reducionista, como salientamos acima — o

stress é desencadeado pela necessidade de adaptação ou ajustamento do

indivíduo frente às pressões do meio o qual está inserido. Vemos assim que o

stress seria um estado reativo a algo, portanto, não seria um estado primário.

Nesta perspectiva o acento se dá ao meio estressor, o qual o indivíduo

precisaria reagir se defendendo por meio da adaptação a ele. Nesta

perspectiva o que fica em evidência é a necessidade do trabalhador de se

conformar ao meio, sob pena de possivelmente sofrer alguma retaliação. Nota-

se aí que o fator biológico do stress não é tão unicamente biológico como

postulam certos autores. Há aí nesta necessidade de reagir se conformando,

se submetendo, toda uma constelação psicodinâmica inegavelmente envolvida.

Cabe reforçar aqui a ressalva que stress não é só desencadeado pelo

fator trabalho. O sujeito pode se estressar por múltiplos fatores, como, além

deste fator mencionado, por sua relação conjugal, familiar, social, cultural, entre

outras. Um mesmo sujeito é afetado inevitavelmente por todos estes fatores,

que podem estar atuando em conjunto e dificilmente isoladamente no

desencadeamento e até mesmo no agravamento do stress.

O curso do stress, segundo Seyle, seguiria três fases sucessivas: alarme

diante de um agente estressor, a resistência a ele e, por fim, a exaustão . O

agente estressor pode ser cada um destes fatores acima citados os quais farão

exigências constantes ao sujeito e os quais este sujeito deparar-se-à ao longo

de sua vida, frente os quais terá que lidar e dar um destino. Este destino, que

pode ser aqui entendido como uma resposta diante de outras delas possíveis,

é que manifestar-se-à sob a forma de alarme, resistência e exaustão.

Pressão e Estresse – Uma relação não determinística

É relevante destacar a dimensão psíquica do modo como cada sujeito,

singularmente, vive e interpreta as pressões que sofre no trabalho. A prova

desta importância é a de que indivíduos trabalhando no mesmo local, ao

mesmo tempo e na mesma atividade não desenvolverão, necessariamente,

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estresse. Vê-se, portanto, que a despeito das mesmas pressões as reações

serão distintas, dadas as singularidades dos sujeitos.

Sobre as distintas reações às pressões no trabalho a Organização

Mundial da Saúde numa série sobre proteção à saúde dos trabalhadores

escreve:

A pressão no trabalho é inevitável devido às demandas do ambiente de trabalho contemporâneo. A pressão percebida como aceitável pelo individuo pode até mesmo manter os trabalhadores alertas, motivados, capazes de trabalhar e aprender, dependendo dos recursos disponíveis e das características pessoais. Entretanto, quando esta pressão torna-se excessiva ou, diferentemente, não-manejável, isto leva ao estresse. O estresse pode prejudicar a saúde dos trabalhadores e sua performance laboral. (WHO,2003: 3-4, tradução minha)

Destacamos nesta citação a questão dos recursos psíquicos que cada

sujeito pode mobilizar para enfrentar as pressões no trabalho. Enquanto para

alguns esta pressão pode ser impulsionadora e deste modo motivadora, para

outros, ao contrário, ela pode ser estressante. Nota-se, portanto, que a

pressão no trabalho não é determinante no desencadeamento do estresse, se

o fosse todos trabalhadores na contemporaneidade estariam obrigatoriamente

estressados, e não é isso o que se observa. É verdade que há um alto índice

de trabalhadores estressados, mas isso não permite — pelos motivos

apresentados acima — estabelecer uma relação determinística verdadeira.

Apresentamos abaixo uma citação que revela o resultado de algumas

pesquisas que comprovam esta relação não determinística pressão-estresse:

“(...) pesquisadores concordam que a natureza e a severidade do estresse dependem das características da demanda, qualidade da resposta emocional e processo de enfrentamento (coping) mobilizados pelo indivíduo. Entre as características pessoais mediadoras entre trabalho e estresse estão a auto-estima e o lócus de controle.” (Codo, Soratto e Menezes, 2004: 285)

Esta inexistência de relação determinística demonstra a necessidade

fundamental dos gestores de pessoas estarem atentos ao modo como seus

funcionários estão lidando com as pressões no trabalho, isto é, se

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saudavelmente ou não e os recurso psíquicos que os mesmos dispõem para

tal. Mais adiante, nas considerações finais do presente estudo, pretendemos

propor, numa perspectiva crítica, uma inversão deste raciocínio, isto é, não

seria o caso do gestor e, num plano maior, a própria empresa/organização,

proporcionar um ambiente (mais) saudável de modo a minimizar as pressões

exercidas no trabalho?

Continuando o estudo sobre Saúde Mental e Trabalho investigaremos no

próximo capítulo uma modalidade particular de estresse designada de burnout.

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CAPÍTULO II

SÍNDROME DE BURNOUT

As rápidas mudanças condições políticas, econômicas e sócio-culturais

ocidentais como vimos no capítulo anterior provocam conseqüências. No

campo do trabalho e do desdobramento deste para a saúde mental notamos

que o stress tem figurado como um destes sinais das referidas mudanças e do

ritmo delas.

Neste capítulo examinaremos uma modalidade particular de estresse que

atinge, sobretudo, profissionais do campo da saúde e da educação. Trata-se da

síndrome designada de “Síndrome de Burnout”, também conhecida como

Síndrome do esgotamento/estafa profissional.

Esta síndrome foi primeiramente descrita pelo psicólogo H.J.

Freudenberger em 1974, nos Estados Unidos, sendo por ele designada de

“burnout”, expressão da língua inglesa que associa o verbo “ to burn”, queimar,

com a preposição “out”, fora, podendo ser traduzida para o português extinguir-

se, esvaziamento, exaustão . Este psicólogo observou que os voluntários com

os quais trabalhava apresentavam, por um período de um ano, um processo

gradual de desgaste do humor e/ou desmotivação, sendo acompanhado de

sintomas físicos e psíquicos que denotavam um particular estado de estar

exausto.

Posteriormente a psicóloga Christina Maslach empreende pesquisas

empíricas acerca da estafa profissional, publicando em 1986 o primeiro estudo

sobre este tema.

Características da Síndrome

A partir dos estudos destes dois autores mencionados acima pôde-se

verificar que esta Síndrome constitui um quadro caracterizado por exaustão

emocional, despersonalização e redução da realização pessoal.

Sobre cada uma destas características Soares e Cunha (2007:505)

escrevem:

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“A exaustão emocional representa o esgotamento dos recursos emocionais do individuo. É considerado o traço inicial da síndrome e decorre principalmente da sobrecarga e do conflito pessoal nas relações interpessoais. A despersonalização é caracterizada pela insensibilidade emocional do profissional, que passa a tratar clientes e colegas como objetos. Trata-se de um aspecto fundamental para caracterizar a síndrome de estafa (burnout), já que suas outras características podem ser encontradas nos quadros depressivos em geral. Por fim, a redução da realização pessoal (ou sentimento de incompetência) revela uma auto-avaliação negativa associada à insatisfação e infelicidade com o trabalho (Tucunduva et al, 2006).” (grifos meus)

Guimarães & Cardoso (2004) apontam outra versão, mencionando

Maslach que conclui não haver consenso sobre a evolução da síndrome, e que

poderiam haver oito possíveis combinações, de acordo com pesquisas de

Golembieswski e Munzenrider, sendo a primeira fase a da despersonalização,

seguida da redução da realização pessoal e culminando com o esgotamento

emocional. Uma outra possibilidade é que as diferentes dimensões se

desenvolvam simultaneamente, mas de forma independente.

Seja seguindo uma sequencia, ou ainda havendo uma simultaneidade de

sintomas, destacamos o aspecto da despersonalização pois é ele que marca

uma especificidade desta síndrome, ou seja, as outras duas características —

exaustão emocional e redução da realização pessoal — podem ser

encontradas em outras patologias. Neste sentido sendo esta uma síndrome

que é localizada em profissionais que prestam cuidados, os indivíduos que

estão sob os cuidados destes agentes profissionais não desenvolvem burnout.

Assim, professor pode ter burnout não alunos, o mesmo acontecendo com

profissionais de saúde, estes poderão desenvolver burnout, não os pacientes.

É preciso que os sujeitos que percebam estar desenvolvendo alguns

destes sinais possam pedir ajuda, pois dado o seu ofício de agente de

cuidados há, necessariamente, outras pessoas envolvidas — as que recebem

estes cuidados — e que, por sua vez, também estão necessitadas de cuidados

que esperam receber deste agente. Porém, se o próprio agente de cuidados

não está em condição de fazê-lo dado o prejuízo em sua saúde mental, como

ele poderá cuidar adequadamente do seu objeto de cuidado?

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Outra questão se coloca, nem sempre o próprio agente de cuidado

reconhece estar passando pelos sinais e sintomas acima descritos. Neste caso

é necessário que alguém, um outro profissional, o faça ou ainda um setor, no

caso de uma instituição, se incuba de fazê-lo. Pois, caso contrário, aquele

individuo que recebe os cuidados do agente cuidador pode se transformar em

“vítima” deste, não recebendo os cuidados apropriados.

Alguns sinais podem ser observados com certa facilidade, são aqueles

expressos física e comportamentalmente pelo sujeito. Freudenberguer assim

os divide:

“- os sintomas fisicos: sensação de exaustão e fadiga, tremor, freqüentes dores de cabeça, distúrbios gastrintestinais, perda de sono e falta de ar; - os sintomas comportamentais: hiperatividade, explosão emocional violenta, aumento do consumo de estimulantes como café, álcool e abuso de substâncias, comportamento de evitação, dificuldade nas relações interpessoais (Tamayo, 1997).” (Camargo & Neves, 2004:64-65).

Dado o caráter manifesto destes sinais — aqui há um pleonasmo que

convém explicar: “sinal” é um conceito que traz subjacente a ele justamente

esta característica de ser manifesto — é possível que se o sujeito não for

capaz de percebê-los e procurar ajuda, outro profissional ao ver tais sinais

pode tentar ajudar a este indivíduo, mesmo que este não lhe peça ajuda.

Classificação e Padrão de acometimento

Na CID-X esta síndrome é classificada na categoria Z.73.0, sendo

também designada de “Síndrome do esgotamento profissional”.

Como visto anteriormente são os profissionais que prestam cuidados que

desenvolvem o burnout, principalmente aqueles com maior nível de estresse,

como por exemplo: bombeiros, controladores de tráfego aéreo, professores,

agentes penitenciários e sobretudo profissionais de saúde.

Níveis de gravidade

Uma pesquisa realizada por Casadei et al (2000, apud Campos et al,

2004) com médicos em Buenos Aires detectou diferentes graus de gravidade

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de burnout nestes profissionais. Para efetuar esta investigação foi utilizado o

instrumento MBI (Inventário de Burnout de Maslasch) estabelecendo assim

quatro níveis de gravidade:

“ 1 – Leve: Apresentação de sintomas físicos vagos como: cefaléias, dores de contraturas musculares etc. Pode observar-se influência na personalidade e diminuição da eficiência na operacionalidade laboral;

2 – Moderado: Apresentação de alterações no sono, dificuldades para concentrar-se, problemas relacionados a questões interpessoais, alteração no peso, diminuição do apetite sexual, pessimismo. É comum ocorrência de auto-medicação.

3 – Grave: Nesse estágio a produtividade laboral diminui, marcadamente, aumento do absenteísmo e da sensação de angústia acompanhada de baixo auto-estima. É comum o abuso de álcool e/ou de psicofármacos.

4 – Extremo: Frequentemente encontram-se quadros de isolamento, sentimentos de perdas e tristeza. A sensação de fracasso acompanha a falta de sentido do trabalho e da profissão. Nesse estágio existe certo risco de suicídio.” Legislação:

Benevides-Pereira (2009) relata que a Síndrome de Burnout “(...) em 1999

passou a figurar como doença do trabalho segundo o Anexo II pertencente ao

Decreto nº3048/99”. No mesmo texto, um pouco mais adiante, a mesma autora

menciona a lei 11.430/2006, regulamentada pelo decreto 6042/07, como

facilitadora da obtenção dos direitos dos trabalhadores no que se refere a esta

síndrome.

UMA NECESSÁRIA RESSALVA

Antes de passar ao próximo capítulo apresentaremos uma sucinta

observação, ou melhor, ressalva quanto ao tema do presente capítulo. Sem

negar a existência da síndrome de Burnout — à qual parece estar “na moda”

no momento —, é preciso estarmos atentos à sua difusão seja nos meios

técnicos seja no meio leigo. Este apontamento tem como fundamento uma

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necessária cautela quanto a toda e qualquer nova síndrome no campo do

psiquismo, seja envolvendo ou não outro campo, o do trabalho.

Esta cautela tem como sustentação o fato de que há todo um interesse da

indústria farmacêutica em que sejam feitas supostamente “descobertas” de

novas síndromes para que possam se beneficiar delas e então lançar novos

remédios, drogas que serviriam para curá-las ou reduzir seus efeitos. Sabe-se

que a indústria farmacêutica é altamente poderosa, capaz de mobilizar a

opinião pública por meio da mídia paga e manipular até mesmo certos

profissionais que atendem pacientes. Ela o faz através da divulgação da

existência de pesquisas de pouca credibilidade que atestariam a suposta

existência daquela síndrome bem como pela oferta de toda uma série de

vantagens a estes profissionais (como pagamento da inscrição em congresso,

oferecendo livros, produtos, etc) para que estes respaldem a existência

daquela síndrome, medicando os pacientes com aquela medicação daquele

laboratório que mobilizou todos estes recursos de convencimento a estes

profissionais.

É verdade que a Síndrome de Burnout não tem um medicamento

específico, porém na psiquiatria os medicamentos utilizados são voltados para

os sintomas, assim é possível medicar os seus efeitos (os sintomas), como por

exemplo, prescrevendo um ansiolítico e/ou um antidepressivo. Assim, a

indústria farmacêutica se beneficia desta nova síndrome, bem como certos

profissionais também dela se beneficiam — desta indústria — medicando o

Burnout sem uma necessária cautela quanto a real necessidade desta

prescrição, a qual não será capaz de mudar a realidade do trabalhador, que

“anestesiado” continuará trabalhando naquela atividade sem tentar

transformar-se e/ou transformá-la em algo mais saudável.

Dando sequência à investigação do tema saúde mental no trabalho

passamos agora ao terceiro e ultimo capítulo onde examinaremos a

Psicopatologia do Trabalho e a Psicodinâmica do Trabalho.

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CAPÍTULO III

PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO - PSICODINÂMICA DO TRABALHO

Buscando garantir sua subsistência o sujeito vê-se submetido à condições

de trabalho muitas vezes ameaçadoras a seu psiquismo. Frente a elas haveria

uma bifurcação, para um lado o sujeito sucumbe, e para outro este mesmo

sujeito busca encontrar saídas frente à tais pressões que garantam sua

permanência como força de trabalho. No primeiro caminho vemos um rumo de

adoecimento, no segundo vemos uma tentativa de seguir pelo caminho da

saúde.

Cabe aqui, porem, uma fundamental ressalva, estes caminhos não são

mutuamente excludentes, ou seja, ao seguir o rumo de um não estamos,

necessariamente, garantindo que não haja o atravessamento do outro. Saúde e

doença não são condições obrigatoriamente antagônicas. Pelo contrário, há

toda uma dinâmica entre estas condições, assim esta bifurcação é apenas uma

ilusão.

A psicanálise, desde a sua fundação por Sigmund Freud, traz esta

concepção da ausência de dicotomia entre saúde e patologia. Entre elas

haveria uma diferença não de natureza, mas de intensidade. Isto é, o que as

distinguiria estaria no plano quantitativo e não qualitativo. Nota-se assim que

Freud introduz uma novidade no campo da saúde mental, não há um abismo

separando o normal – saudável, do patológico – doentio. Estas condições não

são mais separadas por um muro intransponível, onde haveria uma

permanência irreversível seja de um lado deste muro seja do outro.

Vê- se assim que Freud opera com uma noção de saúde mental que traz

subjacente a ela a idéia de movimento, da dinâmica entre as condições de

normalidade e patologia. Não há, portanto, garantias de que uma vez

conquistada a saúde esta permanecerá até o término da vida daquele sujeito.

Pelo contrário, para que haja uma condição mínima de saúde psíquica que

permita ao sujeito possa manter sua vida, e assim adiar a sua futura e

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inevitável morte, é preciso um esforço, o dispêndio de uma energia psíquica,

energia esta que Freud designará de libidinal.

Para que o trabalhador possa se manter vivo, e capaz de utilizar sua força

de trabalho em prol de seu sustento torna-se necessário justamente o emprego

desta energia libidinal. É esta energia que precisa também mobilizar para

enfrentar o sofrimento advindo das pressões do trabalho, e não sucumbir a ele.

Cristophe Dejours, psicanalista francês, explora este campo participando

inicialmente da corrente de pesquisas composta em grande parte por autores

franceses da Psicopatologia do Trabalho e, posteriormente, funda a chamada

Psicodinâmica do Trabalho. A fundamentação teórica da primeira linha de

pesquisa é heterogênea, já na segunda a fundamentação teórica utilizada

pelos autores é oriunda da Psicanálise.

As primeiras pesquisas da Psicopatologia do Trabalho

As primeiras pesquisas da Psicopatologia do Trabalho tiveram seu início

na década de cinquenta do século XX, tendo como objeto de estudo as

perturbações psíquicas ocasionadas pelo trabalho. Algumas destas

perturbações estudadas foram chamadas de “neurose das telefonistas”

(operadoras de centrais telefônicas), “neurose dos mecanógrafos”,

psicopatologia das empregadas-para-todo-serviço e a dos mecânicos de

estradas de ferro. Assim, buscava-se descrever na Psicopatologia do Trabalho

as doenças mentais do trabalho.

Segundo Dejours (1996) estas pesquisas tinham como principal

dificuldade a dependência de modelos médicos clássicos, como por exemplo

os conhecimentos oriundos da patologia profissional e da medicina do trabalho.

Embora este autor não especifique que dificuldades eram estas podemos supor

que deveriam girar em torno dos entraves de conciliar o modelo médico

clássico, cartesiano, com a complexidade dinâmica do funcionamento da

subjetividade, a qual seguiria um modelo anti-cartesiano.

Estas dificuldades aliadas às críticas de seus motivos permitiram a

realização do que Dejours (ibid) classificou como “reviravolta epistemológica”.

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O interesse agora não se voltava mais às patologias do trabalho, mas

inversamente, ao enigma de como podem os trabalhadores não adoecer. Dito

de outro modo, as pesquisas voltam-se agora para outro objeto, o da

manutenção da normalidade, isto é, de um equilíbrio psíquico, apesar de todas

as pressões vividas no trabalho.

Estratégias Defensivas Coletivas

A mudança no objeto das pesquisas conduziu seus autores a uma nova

direção, saindo do campo das “doenças mentais” e então voltando-se para as

estratégias utilizadas pelos trabalhadores para enfrentar as adversidades

vividas no trabalho. Este enfrentamento se dá sob a forma de estratégias

defensivas e são tais estratégias que permitirão ao trabalhador manter sua

saúde psíquica mesmo, e apesar, da pressão acima mencionada.

Estas estratégias são desenvolvidas inconscientemente pela coletividade

de trabalhadores, geralmente do mesmo setor, envolvidos com a mesma

tarefa. Diante de determinadas pressões organizacionais do trabalho

intrínsecas à determinadas atividades o conjuntos de profissionais erigem

defesas que os permite continuar a desempenhar seu trabalho.

Estas estratégias, por serem inconscientes, são evidentemente

involuntárias, isto é, sem intenção consciente, podendo receber diferentes

nomes, como por exemplo, defesas coletivas ou ainda ideologias defensivas de

profissão.

Uma destas estratégias, designada pelo autor de ideologia defensiva da

vergonha, é ocultar ou minimizar a dor e/ou o sofrimento. Estes devem

permanecer nesta condição oculta ou minimizada pois são encarados pelos

demais funcionários ou mesmo por parentes ou vizinhos como uma espécie de

vagabundagem, Isto é, confundido com preguiça, “corpo mole”. De acordo com

esta equivocada compreensão da coletividade, o sujeito sente-se culpabilizado

e, logo, envergonhado de sua condição enferma. Diante desta vergonha o

sujeito protelará ao máximo um pedido de ajuda diante seu problema, e

somente o fará se tal doença tenha atingido um tal nível de gravidade que o

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impeça de continuar exercer seu trabalho, Isto é, que o deixe em uma condição

de incapacitado. Portanto, o que se espera de cada trabalhador e ao mesmo

tempo de todos eles é que não adoeçam, e que se o fizer que protelem ao

máximo a interrupção da atividade laborativa.

Dejours (1988) propõe seis características da ideologia defensiva. A

primeira delas mencionada pelo autor diz respeito a seu objetivo funcional, qual

seja, o de distorcer, conter e ocultar uma angústia grave; a segunda

característica diz respeito a especificidade destas defesas no que diz respeito a

um grupo social particular. Um exemplo mencionado pelo autor de defesa

atrelado a uma determinada categoria profissional é o da ideologia defensiva

da vergonha; a terceira característica indica que estas ideologias defensivas

incidem contra um perigo e risco reais, e não contra uma angústia intra-

psíquica, logo intra-subjetiva; a quarta característica aponta a necessidade de

que todos os envolvidos em determinada atividade estabeleçam tais defesas,

ou seja, elas devem ser coletivas, aqueles que não a aderem são excluídos; a

quinta característica é a de que as ideologias defensivas devem ser coerentes;

a sexta aponta o grau elevado da relevância de sua existência, devendo ser

vital, fundamental, necessário, portanto, obrigatória. O autor ainda acrescenta

neste item o fato destas ideologias defensivas coletivas substituírem as

defesas individuais.

Medo e Ideologia Defensiva Coletiva

O tema do medo é também explorado por Dejours, sentimento este,

segundo o autor, presente em todas ocupações profissionais. O medo

frequentemente não pode ser admitido pelos funcionários e para impedí-lo de

se manifestar é preciso erigir mecanismos de defesas, sob pena de, no limite,

haver a interrupção do trabalho, como podemos ver abaixo o autor salientar:

“Apesar do risco de crítica, afirmamos que se o medo não fosse assim neutralizado, se pudesse aparecer a qualquer momento durante o trabalho, neste caso os trabalhadores não poderiam continuar suas tarefas por muito tempo mais.” (ibid:70)

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Esta neutralização é justamente papel do mecanismo de defesa, ou mais

precisamente, a neutralização será o mecanismo defensivo utilizado para

aplacar, subtrair, de modo a fazer o medo desaparecer e junto com ele o

sentimento de se sentir vulnerável diante da ameaça de um risco potencial. É

preciso que este mecanismo exista num nível individual e coletivo, para que

impeça a “contaminação”, isto é, que o medo de um indivíduo acabe

influenciando outro(s) indivíduo(s) que passam a tê-lo também. Esta

participação de todos nesta estratégia defensiva coletiva do medo, numa

espécie de pacto de silêncio resulta, segundo o autor, de sua eficácia

simbólica.

Uma das formas estratégicas de se defender do medo é não só buscar

ignorá-lo como enfrentá-lo, procurando dar provas de sua suposta inexistência

através de atos de bravura e de sacrifício.

O uso inconsciente, isto é, não racional, portanto, não voluntário, do

recurso das estratégias defensivas permite aos trabalhadores não sucumbirem

diante das contínuas pressões no trabalho. Vê-se deste modo que os

funcionários de uma organização conseguem por estes mecanismos

defensivos manter a saúde mental sem maiores prejuízos, ou seja, dentro de

uma “normalidade” funcional.

Esta manutenção da “normalidade” a despeito de todas pressões das

mais diversas ordens que os funcionários são submetidos, especialmente no

mundo contemporâneo como vimos na introdução do presente estudo, levou

justamente a este novo desenvolvimento da Psicopatologia do Trabalho. Esta

nova abordagem realiza uma reviravolta nos estudos que até então vinham

sendo empreendidos. A partir dos estudos que constatam a existência destes

mecanismos de defesa, desloca-se a ênfase da patologia relacionada ao

trabalho para a manutenção da “normalidade”, abrindo assim um campo para a

futura fundação da abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, introduzida por

Christophe Dejours.

O equilíbrio psíquico dos trabalhadores no trabalho não é, portanto, algo

natural, mas sim construído inconscientemente e por um coletivo, isto é, entre

pares. Este equilíbrio é dinâmico, tendo que ser reconquistado a cada dia, num

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embate contra uma organização do trabalho que muitas vezes é francamente

hostil e inflexível com seus funcionários.

A Exploração do Sofrimento

As estratégias defensivas, e diríamos sobretudo a estudada logo acima, é

explorada pelos gestores de modo a tirar delas um proveito. Este proveito diz

respeito à elevação da produção. Explicando melhor: os gestores tem

conhecimento da existência destas estratégias defensivas coletivas que vimos

examinando e buscam se beneficiar delas, pois tem como resultado uma

submissão dócil ao trabalho, ou mais exatamente, às condições e organizações

(respectivamente, condições do ar, temperatura, ruídos etc; organogrmas,

fluxogramas etc).

Dejours (ibid:102-103) cita o exemplo da exploração do sofrimento do

trabalho das telefonistas, em que a tensão nervosa das mesmas resulta em

aumento da produtividade. O acúmulo de tensões, frustrações e provocações

diante do interlocutor resulta em agressividade, que, porém, precisa ser

contida, pois caso contrário corre o risco de ser demitida. Esta pressão, embora

precise ser contida, acaba escapando de algum modo. Este modo muitas

vezes pode assumir a forma de auto-agressão, já que ela não pode agredir o

cliente-interlocutor. Assim, para dar um certo escoamento a esta agressividade

a telefonista acaba por acelerar o tempo de comunicação com o interlocutor,

trabalhando assim mais depressa, de modo a aumentar, involuntariamente, a

produtividade, ao custo do sofrimento psíquico.

Analisando este exemplo das telefonistas Dejours (ibid:103) propõe uma

inversão na concepção tradicional da relação trabalho—sofrimento psíquico,

vejamos:

“Mostra-se então, nesse trabalho de informações telefônicas, que o sofrimento psíquico, longe de ser um epifenômeno, é o próprio instrumento para obtenção do trabalho. O TRABALHO NÃO CAUSA O SOFRIMENTO, É O SOFRIMENTO QUE PRODUZ O TRABALHO.” (Grifos e palavras destacadas em maiúscula do autor, negritos meus.)

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A frase acima destacada tem um forte impacto pois põe em cheque uma

relação clássica, de um certo determinismo, onde o trabalho provocaria

necessariamente, em alguma medida, o sofrimento psíquico. Acreditamos ser

necessário uma certa cautela na análise desta afirmação de Dejours. Parece-

nos que a intenção do autor com esta frase, digamos, “de efeito”, é mais

sublinhar o quanto a exploração do sofrimento do trabalhador pelo gestor pode

resultar no aumento da produtividade, do que negar categoricamente que o

trabalho cause sofrimento.

Seguindo o mesmo texto, um pouco mais adiante, o autor dá maior

precisão a esta frase analisada especificando que “O que é explorado pela

organização do trabalho não é o sofrimento, em si mesmo, mas principalmente

os mecanismos de defesa utilizados contra esse sofrimento.” (ibid:104. Grifo do

autor). Vemos assim que os mecanismos de defesa que permitem o funcionário

manter sua produção, e que existem para afastar certos riscos, eles próprios

são explorados — sem que o funcionário tenha esta percepção — resultando

num aumento ainda maior da produtividade.

Diante do medo de um determinado risco o trabalhador precisa

desenvolver um mecanismo de defesa que o permita protegê-lo. A gestão da

empresa tendo ciência do medo de seus funcionários diante deste risco e da

necessidade dos mesmos de se protegerem os mantém num estado de alerta

permanente. Assim estes funcionários ficarão atentos a quaisquer situações

ameaçadoras que fujam à normalidade do funcionamento de sua atividade e,

assim, tomarão maiores precauções diante de anomalias na produção. Disto

resulta um benefício para a empresa, pois o funcionário torna-se mais eficiente,

logo sua produção (aqui englobando a atividade de serviços do chamado

“terceiro setor”) também.

Condições de Trabalho, Organização do Trabalho e Gestão de Pessoas

É preciso fazer aqui uma especificação com relação a uma maior precisão

no que diz respeito a que aspecto do trabalho que poderia desencadear uma

determinada reação no campo do psiquismo. Dejours em suas pesquisas

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afirma que o fator conhecido como organização do trabalho é que seria

responsável por este atravessamento trabalho-saúde mental no que diz

respeito ao abalo da saúde psíquica, em contraposição ao fator condições de

trabalho. Vejamos:

“Foi possível mostrar que as pressões do trabalho que põem particularmente em causa o equilíbrio psíquico e a saúde mental derivam da organização do trabalho. Ao contrário, os constrangimentos perigosos para a saúde somática dos trabalhadores situam-se nas condições de trabalho, isto é, nas condições físicas (barulho, temperatura, vibrações, irradiaçõe ionizantes etc), químicas (poeira, vapores etc) e biológicas (vírus, bactérias, fungos), que têm o corpo como alvo principal. Por organização do trabalho é preciso entender, de uma parte, a divisão das tarefas (chegando à definição do modo operatório) que atinge diretamente a questão do interesse e do tédio no trabalho; de outra parte, a divisão dos homens (hierarquia, comando, submissão) que atinge diretamente as relações que os trabalhadores estabelecem entre si no próprio local de trabalho.” (ibid:153. Grifos do autor, negritos meus.)

Podemos ver que Dejours propõe que reservemos a expressão

“condições de trabalho” para a esfera daquilo que atinge o corpo, ao passo que

a expressão “organização do trabalho” diz respeito ao que atinge o psiquismo.

Nota-se deste modo que quando falamos em saúde mental e trabalho, sendo

este inclusive o presente título de nosso Trabalho de Conclusão de Curso,

estamos nos referindo mais propriamente às relações da saúde mental e

organização do trabalho.

Conhecer esta distinção “condições de trabalho” e “organização do

trabalho” é fundamental para o campo da Gestão de Pessoas. Esta importância

se deve às expectativas de resultados a partir da elaboração de um

Planejamento Estratégico da Empresa. Sendo mais claro: não se pode esperar

que haja um incremento, por exemplo, da motivação dos funcionários de uma

empresa se, no referido Planejamento, buscar-se apenas melhorias nos

aspectos das condições de trabalho da instituição. Neste caso as ações

voltadas para conseguir-se a motivação dos funcionários deveriam incidir no

aspecto da organização do trabalho.

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Evidentemente que um âmbito não anula o outro, ou seja, ações voltadas

para organização do trabalho não exclui que também possam ser feitas ações

nas condições de trabalho e vice-versa. Porém é necessário que o Gestor de

Pessoas ao elaborar o Planejamento Estratégico conheça com precisão esta

distinção para que a implementação deste Planejamento, ou seja, as ações,

possam ser eficazes.

Cabe aqui uma observação, muitas vezes uma mudança não ocorre

isoladamente, ou seja, pode haver um efeito sistêmico. Assim, mira-se em um

determinado aspecto e este ressoa nos demais, mesmo que estes não estejam

estreitamente vinculados. Assim, é possível que condições de trabalho e

organização do trabalho, embora âmbitos distintos, possam ser campos

complementares. Assim, ações estratégicas voltadas para um podem provocar

efeitos indiretos no outro.

Contudo, estes efeitos não são garantias, apenas possibilidades,

portanto, ao traçar o Planejamento Estratégico nos parece importante não

perder de vista a referida distinção.

A busca por melhorias no campo da saúde mental dos funcionários, o

qual poderia começar por frear a exploração do sofrimento psíquico dos

trabalhadores — procedimento examinado anteriormente — deveria incidir

assim na organização do trabalho. Assim, promover melhorias apenas nas

condições de trabalho pode não resultar o objetivo almejado, ou se o fizer pode

ser apenas um efeito passageiro, efêmero, não indo, assim, no cerne da

questão.

Oferecer incrementos apenas nas condições de trabalho e esperar que

possam automaticamente gerar melhorias na esfera da saúde mental é o risco

dos programas conhecidos como Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Estes

deveriam contemplar, para tal objetivo, prioritariamente ações voltadas para a

organização do trabalho.

Ocorre, contudo, que muitas vezes é mais fácil e mais rápido formular no

Planejamento Estratégico ações voltadas para melhorias nas condições de

trabalho do que ações voltadas para a organização do trabalho. Vê-se, assim,

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que é mais cômodo e conveniente uma empresa oferecer programas de QVT

na empresa do que, de fato, buscar mudanças significativas na organização do

trabalho.

Propor mudanças na organização do trabalho resulta, no limite, em

colocar o “poder” em jogo. Pôr o poder em jogo pode resultar num conflito de

forças, em que se de um lado uns podem tê-lo fortalecido, outros podem tê-lo

enfraquecido. Neste sentido é a hierarquia da instituição que é diretamente

afetada e com ela toda uma engrenagem institucional.

Sofrimento Criativo e Sofrimento Patogênico

A utilização pelos funcionários das estratégias defensivas descritas

anteriormente os permite controlar o sofrimento psíquico, impedindo que este

se transforme em patologia. Assim, não há neuroses de trabalho ou psicoses

do trabalho, estas patologias, segundo Dejours, são compensadas justamente

por estas estratégias defensivas.

A inexistência de neuroses ou psicoses do trabalho indica que a atividade

laborativa, por si só, não provoca adoecimento psíquico. A impossibilidade

destes quadros psicopatológicos serem desencadeados exclusivamente pelo

trabalho não impede, porém, que o sofrimento exista e seja desencadeado pelo

trabalho. Portanto, na esfera psíquica, o trabalho, ou mais especificamente, a

organização do trabalho, pode fazer sofrer, mas não adoecer.

O sofrimento psíquico, contudo, ao contrário da doença

somática/orgânica, é desqualificado ou mesmo não reconhecido pelo

funcionário. Nesta perspectiva o sofrimento não sendo doença não deve ter o

mesmo status desta última, pelo contrário, este — o sofrimento — deve ser

ocultado dos demais funcionários. Assim, enquanto a doença é admissível pelo

conjunto dos funcionários o mesmo não deve ocorrer com o sofrimento, o qual

deve ser proibido, junto com a fadiga — a qual, por sua vez pode estar

relacionada com o sofrimento — de se manifestar no ambiente de trabalho.

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O trabalho pode sim desencadear uma descompensação neurótica ou

psicótica, porém, é fundamental a ressalva que esta ocorrência se dá em

função da estrutura psíquica do sujeito, a qual é formada anteriormente a

entrada no trabalho. É justamente a presença de uma destas estrutura que

tornará o sujeito ou mais ou menos vulnerável às referidas descompensações

no trabalho. Neste sentido, tendo o sujeito tendo uma estrutura neurótica caso

descompense em função do trabalho sua descompensação será neurótica,

mutadis mutandi para o caso do sujeito com estrutura psicótica.

Nota-se assim que ao abordar a temática do sofrimento no trabalho

imputar a este fato, isto é, o trabalho a causa de uma neurose ou psicose é um

equívoco

Se, como vimos o trabalho pode desencadear, e não produzir, estes

quadros psicopatológicos o mesmo pode promover um saída criativa. Quanto

a essa possível saída vejamos o que Dejours propõe como duas possíveis

vicissitudes que o trabalhador pode tomar frente a seu sofrimento no trabalho:

“Às vezes, em sua luta contra o sofrimento, o sujeito chega a elaborar soluções originais que (...) são em geral favoráveis simultaneamente à produção e à saúde: caracterizaremos então esse sofrimento denominando-o sofrimento criativo. Ao contrário, nessa luta contra o sofrimento, o sujeito pode chegar a soluções desfavoráveis à produção e desfavoráveis também à sua saúde. O sofrimento será então qualificado como sofrimento patogênico.” (Dejours, 1996:150. Grifos do autor)

Vemos aqui que o autor afirma haver a possibilidade do trabalhador ao ter

que lidar com o sofrimento no trabalho conquistar uma habilidade para conciliar

a necessidade de ter que produzir com sua saúde. Vê-se, deste modo,

portanto, não haver um antagonismo necessário entre as vertentes saúde e

trabalho.

Embora tal antagonismo não exista, é necessário destacarmos que

sempre haverá o sofrimento, pois este é condição humana, logo inescapável. O

que pode haver é sofrimento sem adoecimento, que caracterizaria o que

Dejours designou pensando a relação do sujeito com o trabalho de “sofrimento

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criativo”, em oposição ao sofrimento com adoecimento, “sofrimento

patogênico”.

Pretender exterminar o sofrimento no trabalho é, assim, uma tarefa

impossível, e, no limite, indigna já que seria extrair do trabalhador sua condição

humana.

Como ficaria então uma organização diante do sofrimento inescapável de

seus trabalhadores — a propósito cabe aqui destacar que o sofrimento,

evidentemente, não atinge apenas os trabalhadores mas também aos gestores

— que papel os gestores poderiam ter?

Parece-nos que um caminho poderia ser o de se buscar por meio da

elaboração de um Planejamento Estratégico ampliado da organização inserir

na organização do trabalho condições que por um lado promovessem um

destino do sofrimento em direção à criatividade — sofrimento criativo — , e que

por outro buscasse excluir as condições de possibilidade do sofrimento

patogênico.

Este caminho poderia iniciar-se pela reformulação da organização do

trabalho, onde se buscaria fundamentalmente implantar um modelo que

privilegia a ética nas organizações.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste amargo cenário de desenfreadas mudanças, num contexto

neoliberal excessivamente competitivo — competição esta muitas vezes

predadora — o trabalhador se vê sem saída, precisa manter seu emprego, do

contrário fica desempregado sem perspectivas de conseguir no curto prazo

uma nova vaga no mercado de trabalho. Assim, acaba por se vê sem saída,

submetendo-se assim às mais diversas pressões, muitas vezes com forte

aspecto violento, para deste modo tentar assegurar a continuidade de seu

emprego.

O custo desta permanência no posto de trabalho é pago com a saúde

mental do trabalhador, podendo ser expressa por meio do estresse, do burnout,

da depressão, das drogadicções, da auto-negligência com a saúde como

defesa inconsciente, e mesmo do suicídio. Cabe aqui a fundamental ressalva,

examinada no terceiro capítulo, de que o trabalho por si só não é capaz de

produzir isoladamente estes fenômenos. É preciso levar em consideração o

sujeito o qual não se reduz ao contexto laboral. Este sujeito tem uma história

prévia a sua atividade profissional, nasceu num contexto familiar e nele viveu,

com todos os desejos, identificações e hostilidades edípicas ali envolvidas.

Embora, como mencionado acima, o sujeito não se reduza a seu trabalho

há de se considerar que este ocupa boa parte de sua vida adulta. Um

trabalhador da indústria ou do comércio, por exemplo, trabalha em média até

um terço de seu dia. Se considerarmos o tempo que ele leva de sua casa até o

trabalho e depois, no fim do expediente, o trajeto contrário esta fração aumenta

ainda mais. Se também levarmos em consideração que passamos um terço de

nossas vidas dormindo sobra, portanto, apenas um terço em que o sujeito nem

está no trabalho nem está dormindo. Não podemos esquecer de computar

neste cálculo o tempo do deslocamento que acima apontamos.

Vemos assim que o trabalhador é tomado pelo trabalho, mesmo fora dele

e até mesmo antes dele, pois é preciso todo um tempo anterior mais ou menos

longo de preparação para ocupar certas funções, sobretudo aquelas que

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requerem graduação completa ou mesmo pós-graduação. Nesta dinâmica há

grande possibilidade do desencadeamento do estresse, ou mesmo de uma de

suas manifestações específicas que atinge determinados profissionais como é

o caso do burnout, como vimos no primeiro capítulo.

No capitalismo ocidental, dentro de uma política neoliberal, o trabalho

está à serviço da produtividade à qual precisa ser cada vez maior e mais

rápida, muitas vezes a qualquer custo, para que possa auferir lucros

compensadores do investimento nesta produção. Diante deste complexo

quadro o trabalhador muitas vezes se submete por não ver saída, restando-lhe

o sofrimento.

O gestor de pessoas não pode fechar os olhos para esta dura realidade, a

qual ele próprio também participa e contribui, seja para uma direção

enriquecedora da subjetividade ou seu inverso.

Enriquecer a subjetividade poderia ser aqui traduzida, sucinta e

esquematicamente, como promover a saúde, e empobrecê-la, isto é, achatá-la,

poderia ser aqui entendida como promover processos adoecedores. Portanto,

como vimos no terceiro capítulo, enriquecer a subjetividade seria dar um

destino ao sofrimento que não seja patogênico, ou seja, um destino criativo,

conforme sugere Dejours.

Entendemos assim que posicionar-se do lado da atenção à saúde mental

dos trabalhadores pode ser sustentado pela recusa da posição contrária.

No âmbito do trabalho cabe a área da gestão de pessoas posicionar-se

tanto ideologicamente quanto na prática do cotidiano laboral do lado desta

promoção da saúde — por exemplo, criando e difundindo programas de

Qualidade Vida no Trabalho (QVT) e fora dele, que não esteja voltado

exclusivamente às condições de trabalho, mas que contemple sobretudo aos

aspectos da organização do trabalho, e que, por fim, não esteja atrelado ao

incremento da produtividade. Se este incremento vier é resultado do aumento

da qualidade de vida e não sua causa, isto é, seu motor — a qual deve incluir

necessariamente a atenção à saúde mental de cada e ao mesmo tempo de

todos sujeitos.

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Esta compreensão tem como fundamento uma bússula, inegociável, o da

ética nas organizações.

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