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SANEANTES DOMISSANITÁRIOS E SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE A EXPOSIÇÃO DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS LILIA MODESTO LEAL CORRÊA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRODUÇÃO, AMBIENTE E SAÚDE ORIENTADOR: PROF. DR. VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA Professor Titular da Faculdade de Medicina/UFRJ Professor Titular do NESC/UFRJ RIO DE JANEIRO 2005

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SANEANTES DOMISSANITÁRIOS E SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE A EXPOSIÇÃO

DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS

LILIA MODESTO LEAL CORRÊA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA

MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: PRODUÇÃO, AMBIENTE E SAÚDE

ORIENTADOR: PROF. DR. VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA

Professor Titular da Faculdade de Medicina/UFRJ Professor Titular do NESC/UFRJ

RIO DE JANEIRO 2005

II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA

SANEANTES DOMISSANITÁRIOS E SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE A EXPOSIÇÃO

DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS

LILIA MODESTO LEAL CORRÊA

Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva

Área de concentração: Produção, Ambiente e Saúde

ORIENTADOR: PROF. DR. VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA

RIO DE JANEIRO 2005

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SANEANTES DOMISSANITÁRIOS E SAÚDE: UM ESTUDO SOBRE A EXPOSIÇÃO

DE EMPREGADAS DOMÉSTICAS

Lília Modesto Leal Corrêa

Dissertação submetida ao corpo docente do Núcleo de Saúde Coletiva da UFRJ como parte dos

requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.

Aprovada por:

__________________________________ Prof. Dr. Volney de Magalhães Câmara – Orientador Professor Titular da Faculdade de Medicina/UFRJ Professor Titular do NESC/UFRJ _______________________________________ Prof. Dra. Heloisa Pacheco Ferreira Professora Adjunta do Departamento de Medicina Preventiva/UFRJ Professora Adjunta do NESC/UFRJ ________________________________________ Profa. Dra. Laís de Carvalho Professora Adjunta do Departamento de Histologia e Embriologia/UERJ

RIO DE JANEIRO

2005

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614.07 Corrêa, Lília Modesto Leal C824 Saneantes domissanitários e saúde: um estudo sobre a exposição de empregadas

domésticas/ Lília Modesto Leal Corrêa. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. xi, 94 f.; il. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Universidade Federal do Rio de

Janeiro – UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – NESC. Orientador: Volney de Magalhães Câmara Inclui referências bibliográficas: f. 69 – 74 1. Saúde Pública 2. Empregadas Domésticas – Saúde 3. Saneantes

Domissanitários I. Câmara, Volney de Magalhães (Orientador) II. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC) III. Título.

V

RESUMO

Os agentes químicos utilizados nos saneantes domissanitários têm provocado fortes impactos ambientais e sérios danos à saúde humana. Nossa pesquisa pretende realizar uma investigação preliminar tomando como universo um grupo de empregadas domésticas que estudam numa mesma instituição de ensino. Por meio de entrevistas organizadas a partir de um questionário pré-elaborado, investigamos a percepção de risco que essas profissionais desenvolvem à medida que acumulam experiência no desempenho de sua função. Fizemos também um levantamento das principais atividades realizadas, e dos principais produtos de limpeza utilizados, averiguando, ademais, numa amostra selecionada aleatoriamente, o nível de compreensão das informações técnicas contidas nos rótulos das embalagens, bem como a adesão dos sujeitos às orientações de segurança aí presentes. Na variável relacionada ao relato de risco à saúde, 23,9% das trabalhadoras entrevistadas afirmaram terem tido algum problema já no primeiro emprego; 61,6% perceberam algum risco durante o segundo emprego; e 77,3% reconhecem que durante o terceiro emprego tiveram algum problema de saúde associado ao uso de produtos de limpeza. Quanto à leitura e entendimento das informações contidas nos rótulos das embalagens, 24,8% do nosso universo o fazem; 23,6% declararam que apenas às vezes; e 51,6% das trabalhadoras afirmaram que nunca consultam as instruções para manuseio do produto. A variável referente à compreensão das informações presentes no rótulo também apresentou um percentual significativo (52,2%) para aquelas que nunca entendem o que está escrito; 31,2% declararam que compreendem às vezes, e apenas 16% compreendem freqüentemente.

Palavras-Chave: saneantes domissanitários, empregadas domésticas, riscos à saúde

VI

ABSTRACT

Chemical agents used in household cleaning materials have produced strong environmental impacts and caused serious damage to their users’ health. Our research is directed toward a preliminary investigation of these impacts on a universe of domestic servants who are all studying at the same institution. Conducting interviews based on a prepared questionnaire, we investigate the extent to which these employees develop a perception of the inherent risks as they accumulate experience with the cleaning materials. We look additionally at the principal tasks involved as well as the main cleaning products used, and evaluate at the same time the level of understanding in a randomly selected group of the technical information supplied on the labels and the degree to which precautionary suggestions about their use are followed. Perception of health risks were discovered in a sampling of 23.9% of servants on their first job; 61.6% were aware of some risk by the time of their second job; and 77.3% realized that they had incurred some health problem arising from use of the detergents by their third job. 24.8% of the respondents said the read and understood information on the labels, whereas only 23.6% claimed to do so occasionally. 51.6% of the servants said that they never consult instructions on the product labels. Insofar as understanding what is written on the labels, a significant portion (52.2%) said they never understood such printed information, whereas 31.2% claimed to understand the precautions occasionally and 16% frequently.

Key words: household cleaning products, household servants, health risks

VII

AGRADECIMENTOS

Ao doutor Volney de Magalhães Câmara, meu querido orientador, pela acolhida,

paciência e respeito por saber compreender o tempo de amadurecer as idéias, e também

pelo incentivo nestes dois anos de convivência.

À doutora Heloisa Pacheco, querida amiga, pelas orientações nos momentos

iniciais que me ajudaram a trilhar o caminho para realização de um sonho.

À doutora Laís de Carvalho, amiga de longa data, pela disponibilidade e

contribuição como membro da banca neste trabalho.

Ao doutor Herling Gregório Aguilar Alonzo, pelas sugestões durante a

construção deste trabalho.

À Maria Izabel de Freitas Filhote, pela solidariedade nas incógnitas horas de

solidão, quando me encontrava perdida num turbilhão de idéias... Obrigado por ensinar a

fazer da realidade uma fonte de aprendizagem.

À Maria Imaculada Medina Lima, a força para começar e a luz para um caminho,

sua ajuda foi de grande importância.

À Sigrid Haikel, amiga e colaboradora, sempre presente nos caminhos tortuosos

que me levaram a este tema.

À Delvaci, sempre com seu sorriso e paciência para comigo durante toda a

nossa convivência ao longo desses anos.

Ao Geraldo de Oliveira e ao João Cruz, pela presteza e carinho que sempre me

acolheram nas horas difíceis.

A todo o pessoal do NESC, doutores, mestres e funcionários, pelo apoio e

amizade, e também por terem me agüentado por todo esse tempo.

Aos colegas de turma , pela acolhida nesta jornada tão preciosa da minha vida.

Ao Colégio Santo Inácio e ao Professor Carlos Alberto Gomes dos Santos,

Diretor do Curso Noturno, por mais uma vez acolher a idéia de uma pesquisa na instituição.

Obrigado pela oportunidade, confiança e credibilidade na construção desse trabalho.

VIII

À Neusa Maria Gonçalves Rocha, Coordenadora do Serviço de Orientação do

Curso Noturno do Colégio Santo Inácio, e toda sua equipe pelo carinho, ajuda e presteza

de criar a possibilidade para esta pesquisa acontecer.

A todos os educadores do Curso Noturno do Colégio Santo Inácio, sempre

disponíveis, compartilhando momentos de intenso trabalho.

A todas as alunas do Curso Noturno do Colégio Santo Inácio, que com suas

alegrias e sofrimentos, em momento algum se recusaram a atender qualquer solicitação

para que esta pesquisa acontecesse... Este trabalho é de vocês!

Ao Toni Faria, um anjo que caiu do céu, grande incentivador para concretização

deste trabalho.

À Regina Guariglia, pelo apoio pessoal e por me ajudar a buscar forças dentro

de mim quando muitas portas pareciam se fechar na minha frente.

Ao André Rapozo, pelos agradáveis momentos em sua companhia durante as

nossas reflexões pelas serras cariocas.

Aos meus grandes amigos que me suportaram nestes anos de luta, e sem os

quais não teria concluído este trabalho.

A todos, muito obrigada!!!

IX

“O que provém unicamente do coração conquistará para si o coração dos outros”

Goethe

X

LISTA DE GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS

Página

Gráfico 1. Principais casos de intoxicação no Brasil, por agentes (2001)......................................12 Gráfico 2. Principais casos de intoxicação na região Sudeste, por agentes (2001)........................13 Quadro 1. Principais substâncias químicas encontradas em domissanitários,

com indicação de danos causados ao organismo humano............................................14

Tabela 1. Vendas de domissanitários, por país latino-americano, em bilhões de US$ (1996-2000)....................................................................................................................17 Tabela 2 . Previsão de venda de produtos domissanitários, por país latino-americano,

em bilhões de US$ (2000-2005)......................................................................................18

Tabela 3 . Vendas de produtos domissanitários, por setor, em bilhões de dólares (1996-2000).....................................................................................................................19

Tabela 4a. Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes

domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas........................................54 Tabela 4b. Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes

domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas........................................58 Tabela 5a. Distribuição de variáveis selecionadas de identificação segundo associação

de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas................................................63

Tabela 5b. Distribuição de variáveis selecionadas de exposição segundo associação

de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas................................................65

XI

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 - A GUERRA CONTRA A SUJEIRA: UMA GUERRA LIMPA?.................................... 5

1.1 DOMISSANITÁRIOS: AGENTES DE LIMPEZA OU “ARMAS-SUJAS”?........................................................ 8

1.2 EMPREGADAS DOMÉSTICAS: ATRIZES COADJUVANTES OU COMBATENTES VITIMADAS?.................... 20

1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA.............................................................................................................. 24

1.4 JUSTIFICATIVA .............................................................................................................................. 25

1.5 MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................................................. 27

CAPÍTULO 2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA....................................................................................... 35

2.1 O USO DE DESINFETANTES NO AMBIENTE DOMÉSTICO.................................................................... 39

2.2 O DEBATE ENTRE AUTORIDADES ALEMÃES E HIGIENISTAS .............................................................. 42

2.3 ASMA, PRODUTOS E ATIVIDADES DE LIMPEZA E SAÚDE OCUPACIONAL............................................ 45

CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................ 53 CAPÍTULO 4 - CONCLUSÕES ........................................................................................................... 66 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................... 69 ANEXOS .............................................................................................................................................. 75

INTRODUÇÃO

Segundo reportagem da revista Cosméticos e Perfumes (2001), desde o início

da Idade Média a fabricação de sabão é uma atividade bem estabelecida e regulamentada,

e os segredos de sua fabricação muito bem guardados. Porém, até meados do século XIX

o sabão era taxado pesadamente como artigo de luxo, e somente quando as taxas foram

suprimidas o produto ficou mais acessível à população.

O primeiro grande passo para a fabricação comercial do sabão foi a descoberta,

em 1791, do processo de fabricação do carbonato de sódio, ou barrilha, o componente

alcalino que se mistura com as gorduras, o material que servia de base no preparo do

sabão. Os custos de produção foram ainda mais reduzidos com a descoberta, na segunda

metade do século XIX, do processo da amônia.

No início do século XX, começaram a aparecer os sabões de toalete, os sabões

em escama, os sabões em pó, e os primeiros detergentes domésticos surgiram no início

dos anos 1930. Mas foi somente com o fim da Segunda Guerra Mundial que a sua indústria

realmente se desenvolveu.

Antes disso, por volta de 1918, aparece na Alemanha o primeiro surfactante, em

função da falta de gorduras de origem animal no mercado. Os surfactantes (do inglês,

surface active agents) são produtos químicos orgânicos que modificam as propriedades da

água, ao diminuir a sua tensão superficial e facilitar o processo da lavagem. Essas

substâncias são hoje também conhecidas como tensoativos, e são fabricadas por síntese,

ou seja, juntadas quimicamente a partir de uma grande variedade de matérias-primas,

exercendo a função de agente de limpeza nos sabões.

Em 1946, nos Estados Unidos, surgiu o primeiro detergente reforçado, contendo

um surfactante e um adjuvante, componente essencial para limpeza e eficiência da

lavagem, como os fosfatos complexos ou polifosfatos, que favorecem a capacidade de

lavar roupas extremamente sujas. Atualmente, os surfactantes de síntese encontram-se em

todos os detergentes, e para desenvolverem eficazmente as funções para as quais são

destinados, muitos produtos de limpeza contêm, pelo menos, dois surfactantes.

2

Desde 1950, o mais famoso produto, o alquilbenzeno sulfonato de sódio,

utilizado em detergentes líquidos, em pó e em barras, demonstrou ser muito eficiente, tanto

em termos de diminuir a tensão superficial da água, quanto para a remoção e o isolamento

de sujeiras oleosas e de diversas naturezas. No entanto, demonstrou-se ser este um

produto poluidor de águas residuais despejadas em rios e córregos, uma vez que nelas ele

não se degrada naturalmente. O avanço das pesquisas permitiu que essa substância fosse

modificada, agregando às suas funções de limpeza a capacidade de ser biodegradável.

Hoje em dia, para comporem os produtos comerciais são adicionados diversos

outros agentes químicos, tais como os coadjuvantes ou auxiliares do processo de lavagem

– abrasivos, ácidos, solventes, álcalis, enzimas, hidrotópicos, anticalcários, reguladores de

espuma (estabilizantes e supressores), reforçadores, antiredepositantes e amaciantes –, os

aditivos inibidores de corrosão e inibidores de manchas, os branqueadores (óticos e

químicos) e os abrilhantadores de tecido (de ação amaciante), os agentes antimicrobianos,

os conservantes, os opacificantes, os corantes e perfumes, e demais materiais inertes. Por

conseguir conciliar aumento na eficiência da lavagem com redução do custo global, esses

agentes químicos têm promovido um rápido incremento da aceitação dos detergentes entre

os consumidores. No entanto, muitos deles provocam fortes impactos ambientais, e – como

têm provado as recentes pesquisas científicas –, sérios danos à saúde humana, exigindo-

se limitações legais contra sua utilização exagerada na composição da fórmula final do

produto de limpeza.

Inicialmente acreditou-se que as reações alérgicas e as síndromes respiratórias

de diversos tipos pudessem ser derivadas apenas de susceptibilidades individuais, não se

constituindo propriamente problemas de saúde pública. Com o desenrolar das pesquisas,

os cientistas têm conseguido relacionar a exposição aos saneantes domissanitários com

riscos de desenvolvimento de doenças associadas a atividades de limpeza, sendo a asma

a principal delas. Trabalhadores de escritório, profissionais de ambiente hospitalar e

faxineiros, e, mais recentemente também, empregadas domésticas e donas-de-casa têm

sido investigados no intuito de estabelecer relações mais precisas entre variáveis

selecionadas no ambiente de trabalho e decorrentes de hábitos comportamentais.

Nossa pesquisa se alinha com as preocupações desses pesquisadores

internacionais, e de organizações governamentais e não-governamentais envolvidas nas

investigações sobre os possíveis danos que os agentes químicos presentes em

domissanitários provocam em trabalhadores submetidos à sua exposição. Em virtude da

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inexistência no Brasil de trabalhos sobre o tema (salvo aqueles relacionados com a

exposição a agrotóxicos e a inseticidas), procuramos realizar uma investigação preliminar

tomando como universo amostral um grupo de empregadas domésticas, alunas de uma

mesma instituição de ensino.

Por meio de entrevistas organizadas a partir de um questionário pré-elaborado,

investigamos a associação de risco que essas profissionais desenvolvem à medida que

acumulam experiência no desempenho de sua função. Fizemos também um levantamento

das principais atividades realizadas, e dos principais produtos de limpeza utilizados,

averiguando, ademais, numa amostra selecionada aleatoriamente, o nível de compreensão

das informações técnicas contidas nos rótulos das embalagens, bem como a adesão dos

sujeitos às orientações de segurança aí contidas.

Os dados coletados sugerem que as autoridades governamentais deveriam

realizar mais campanhas educativas, no sentido de esclarecer a população (e não apenas

as empregadas domésticas) acerca dos riscos envolvidos e da necessidade do uso de

equipamentos de segurança durante a manipulação de domissanitários. Acreditamos

também que as autoridades deveriam prestar mais atenção aos procedimentos de

rotulagem, procurando tornar mais acessível a linguagem excessivamente técnica que eles

apresentam.

Para efeito de apresentação, organizamos esta dissertação em quatro capítulos.

No primeiro, procuramos construir nosso objeto de pesquisa, apresentando aos

leitores as informações disponíveis sobre os domissanitários, os principais agentes

químicos neles contidos, e os principais danos à saúde humana que eles comportam.

Fornecemos também alguns dados sobre o mercado latino-americano dos produtos de

limpeza na última década, e tratamos de refletir sobre o mercado de serviços domésticos

remunerados no Brasil.

Discutimos, ainda, os objetivos principais e específicos de nossa pesquisa, bem

como a sua justificativa e a metodologia empregada. Aí também apresentamos dados sobre

a população de estudo e a instituição em que realizamos a investigação.

No segundo capítulo, realizamos a revisão da bibliografia específica sobre o

nosso tema, apresentando um trabalho que organizou as primeiras pesquisas, efetuadas

nas décadas de 1950, 1960 e 1970, sobre o uso de desinfetantes no ambiente doméstico.

Focamos igualmente a arena discursiva internacional em que se trava hoje a batalha entre

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higienistas e ambientalistas a respeito do uso de biocidas, e as contribuições recentes de

pesquisadores das áreas de Saúde Ocupacional e Epidemiologia.

No capítulo III, organizamos os dados coletados em duas tabelas, e procedemos

à sua análise. Procuramos também fornecer alguns resultados, ainda que iniciais, de nossa

pesquisa, cotejando nossas informações com os principais trabalhos brasileiros sobre

serviço doméstico remunerado existente no país desde a nossa perspectiva (Melo, 1998; e

Santana et al., 2003a).

O último capítulo traz as principais conclusões, além de algumas sugestões para

o desenvolvimento da pesquisa num momento posterior.

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CAPÍTULO 1

A GUERRA CONTRA A SUJEIRA:

UMA GUERRA LIMPA?

As décadas de 1950 e 1960 são consideradas pelos historiadores como “Os

Anos Dourados” da civilização ocidental (Hobsbawm, 2001, pp. 253-81). Sobretudo nas

principais sociedades européias, o processo de reconstrução dos países devastados pela

Segunda Guerra Mundial foi acompanhado por um grande crescimento econômico, o que

tornou possível à grande parte da população acesso aos bens e serviços que até então

eram privilégios apenas dos ricos. Durante esse período também foram construídos os

sistemas de seguridade social e previdenciária que vieram a ser conhecidos como Estados

do Bem-Estar Social, ou Welfare States.

O crescimento explosivo da economia mundial é hoje principalmente

representado pela revolução tecnológica, e pela produção mundial de manufaturas (que

segundo o historiador inglês, quadruplicou em duas décadas), bem como o seu comércio

(que aumentou dez vezes). Igualmente, a produção agrícola disparou graças ao aumento

da produtividade por hectare durante o mesmo período, assim como as capturas da

indústria de pesca (idem, p. 257).

De acordo com a ideologia do progresso que dominou aquela época, “o

crescente domínio da natureza pelo homem era a mesma medida do avanço da

humanidade” (ibidem). Esse desenvolvimento vertiginoso gerou, nas palavras de

Hobsbawm, um “subproduto ameaçador” que nos afeta a todos, bem como deixará suas

marcas para as gerações futuras. A poluição e a deterioração ecológica que pouco chamou

a atenção durante a Era de Ouro são hoje um fato preocupante. Entre 1950 e 1973, o

tráfego movido a petróleo fez quase triplicar as emissões de dióxido de carbono que

aquecem a atmosfera, e a produção de clorofluorcarbonetos, produtos que afetam a

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camada de ozônio, cresceram quase verticalmente. Logo, era de se esperar que a poluição

atmosférica fosse se transformar numa das primeiras preocupações dos ecologistas

(p.258).

Segundo Hobsbawm, “as principais inovações que começaram a transformar o

mundo assim que a guerra acabou talvez tenham sido as do setor químico e farmacêutico”

(p. 265). Se as essas últimas só se fizeram sentir mais tarde, possibilitando nas décadas de

1960 e 1970 a eclosão da revolução sexual graças aos antibióticos e a pílula

anticoncepcional, as primeiras são, por um lado, grandes conquistas se pensarmos nos

avanços para a indústria alimentícia e no setor químico; mas também grandes responsáveis

por malefícios de variada índole, tanto para os seres humanos, como para o meio ambiente

que nos abriga desde sempre.

Como afirma o eminente historiador inglês:

“A revolução tecnológica entrou na consciência do consumidor em tal medida que a novidade se tornou o principal recurso de venda para tudo, desde os detergentes sintéticos (que passaram a existir na década de 1950) até os computadores laptop. A crença era que ‘novo’ equivalia não só a melhor, mas ao absolutamente revolucionário” (p. 261).

Essa enorme sedução pelo novo e suas diversas manipulações pela indústria

cultural serviram de fonte de inspiração para outro grande humanista europeu. Entre os

anos 1954 e 1956, o estudioso francês Roland Barthes dedicou-se a escrever uma série de

textos, que em 1957 foram reunidos e publicados sob o título de Mitologias. Tentava, na

época, o autor, como ele próprio afirma, “refletir regularmente sobre alguns mitos da vida

cotidiana francesa. O material dessa reflexão veio a ser muito variado (um artigo de jornal,

uma fotografia de semanário, um filme, um espetáculo, uma exposição) e o assunto muito

arbitrário: tratava-se evidentemente da minha atualidade” (Barthes, 1987, p. 7).

Dentre a série de pequenos ensaios, há um artigo surpreendente intitulado

“Saponáceos e detergentes”. Passados 50 anos percebemos que os comentários do

pensador francês, suscitados pela observação do seu cotidiano, ainda hoje são instigantes

e sugestivos. Naquela ocasião, Barthes insistia na necessidade de se investigar o universo

da publicidade de alguns produtos de limpeza disponíveis no mercado francês, opondo,

num efeito de retórica, três “psicanálises”: a dos líquidos purificadores, a dos saponáceos

em pó, e a dos detergentes. A cada uma dessas “psicanálises” corresponderia uma

potência contida nos diferentes produtos de limpeza, tematizadas pelos publicitários ora

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como “guerra”, ora como “ação libertadora”, ora como “transformação da matéria”, todas

marcadas fortemente pelo sentido civilizatório da ação.

No primeiro caso, destaca-se o poder dos abrasivos, tais como o cloreto de

sódio e a amônia, que “’matam’ a sujeira”. No caso dos saponáceos em pó, destaca-se seu

poder de separação: “’expulsa-se’ a sujeira”. Em ambos o prestígio do produto de limpeza

está fundamentado no resultado, representado pelo objeto imaculado e livre de impurezas.

No terceiro caso, a publicidade desloca o foco de atenção do consumidor para o

processo de limpeza, que se dá em duas dimensões sensuais: a limpeza em profundidade,

e através da espuma produzida pelos detergentes. Apela-se para o imaginário coletivo,

culturalmente codificado, associando o processo de limpeza com um certo caráter de

“espiritualidade da espuma”, que mascara a função abrasiva do detergente ao mesmo

tempo em que evoca sensações e motivos positivamente valorizados pela sociedade

ocidental. O autor chama a atenção dos leitores para a maneira como os publicitários

manipulam valores, incorporando à matéria “estados-valores” que a matéria em si não

possui.

É costumeiro referir-se aos produtos de limpeza (cleaning products) de forma

diversa, e, poderíamos dizer, em função daquilo que se quer neles destacar. Os

fabricantes, segundo a sua utilidade, classificam em lavadores de roupa e louça,

limpadores de superfície, alvejantes, purificadores do ar, polidores, produtos de higiene

pessoal e repelentes (inseticidas, raticidas e outros). Os órgãos estatais de vigilância e os

especialistas acadêmicos, por outro lado, enfatizam a sua dimensão saneante,

desinfetante, higienizante, isto é, anti-infecções e infestações de todo tipo, e empregam no

Brasil o nome genérico “domissanitários”.

Seguindo a sugestão de Barthes, notamos que esses produtos também tendem

ser classificados, mormente pela indústria publicitária, segundo a natureza do mal que se

pretende combater, e contra o qual se dirige a ação de limpeza. Assim, valorizam-se as

suas funções de remoção da sujeira em geral, desde manchas de gordura, a acúmulos e

sobreposição de pós e demais resíduos invasores dos ambientes que deveriam ser

resguardados, enfim, a sua função de remoção daquilo que nos é visível. Por outro lado,

destacam seu poder de higienização e desinfecção, sua ação sobre os micróbios e

microorganismos oportunistas que se proliferam invisivelmente nos ambientes domésticos e

coletivos. A atuação eficaz dos produtos de limpeza decorre, aqui, de sua capacidade de

penetração nos mais recônditos espaços, onde se esconderiam os germes e demais

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patógenos nocivos à saúde humana. Há, portanto, dois discursos que estão articulados por

uma idéia comum, sendo que a limpeza surge como resultado físico-químico de uma guerra

vitoriosa.

Em relação à sujeira visível, as adjetivações empregadas na classificação

tendem a ressaltar a capacidade de transformação da superfície inanimada que será objeto

de conservação e/ou manutenção. Nesta classe estão os alvejantes (geralmente à base de

cloro, e responsáveis pelo branqueamento), os abrasivos (tais como os removedores e

produtos à base de amoníaco, verdadeiros “fogos líquidos”, na expressão de Barthes, que

agem por atrito, arrancando as partículas de forma devastadora), os detergentes, os

saponáceos e seus congêneres (que dissolvem as gorduras, clareiam e purificam); e

também os polidores, tais como ceras e lustra-móveis (que “arrematam” a limpeza,

tornando as superfícies brilhosas e perfumadas).1 No grupo dos higienizadores, que

combatem a “sujeira invisível”, estão os desinfetantes (e biocidas em geral), os

esterelizantes e os desodorizantes.

Acreditamos que essa oposição – visível / invisível – pode nos ser útil para

desenvolvermos nossa reflexão sobre os efeitos nocivos, e não previstos, decorrentes da

exposição contínua aos produtos de limpeza de uma população específica que os utiliza

como instrumento de trabalho, isto é, mulheres que exercem serviço doméstico

remunerado, também conhecidas como “empregadas domésticas”.

1.1 Domissanitários: agentes de limpeza ou “armas-sujas”?

Os agentes de limpeza são empregados no intuito de tornar possível e facilitar a

remoção de contaminantes de superfícies, e são utilizados em grandes quantidades ao

redor do mundo. Tipicamente são compostos de um componente ativo (ou alguns

componentes, dependendo da função técnica do agente de limpeza), aditivo e usualmente

água. Embora um amplo espectro de exposição a agentes químicos resulte em problemas

de saúde, tais como alergias, eczemas e asma reportados entre trabalhadores em limpeza,

somente um reduzido número de estudos sobre agentes de limpeza têm sido realizados.

Dado o grande número de problemas de saúde que podem ser derivados dos componentes

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utilizados como princípio ativo, aditivos, conservantes, solventes ou função desinfetante,

caberia perguntar, como faz Janice Hughes (2004), até que ponto estamos convertendo

nossos lares em “fábricas químicas em miniatura”.

Por meio de campanhas publicitárias, a cada dia novos produtos de limpeza

lutam para conquistar a preferência dos consumidores, apelando para cores reluzentes,

aromas refrescantes e embalagens sedutoras. Ressaltando o “brilho” e o “cheiro” da

limpeza (“casa perfumada é sinônimo de casa limpa”; “produto com agradável perfume de

longa duração”), antropomorfizando os seus agentes (como o poder dos “maridos ideais” de

uma recente marca de saponáceo), ou convertendo em monstros animados a sujeira

invisível (que se torna “rebelde”, “difícil”), a publicidade tenta ganhar a visibilidade num

mercado hiper-competitivo, sem mencionar, ou mesmo mascarando, poderíamos dizer, ao

tornar invisíveis (como os germes que afirma combater) os inúmeros males que os mesmos

produtos podem causar à saúde humana, conforme veremos na próxima seção.

Mais recentemente, segundo uma nova tendência que se fortalece nos países

europeus, na sua composição os produtos de limpeza vêm sendo adaptados no sentido de

se empregarem ingredientes “ecologicamente corretos” (ecologically friendly), isto é, que

adotam os requisitos da biodegradabilidade e a não toxidade, ou, ao menos, uma toxidade

mínima para os organismos vivos. A introdução do eco-selo europeu, e do Swan-labelling,

na Escandinávia, tem acelerado este processo.2

1.1.1 Principais componentes dos agentes de limpeza3

Os surfactantes (detergentes e tensoativos) são os principais componentes da

maior parte dos agentes de limpeza. A sua função é incrementar o efeito do agente de

limpeza ao diminuir a tensão de superfície da água. Os detergentes são considerados

responsáveis por um conjunto de problemas de pele entre trabalhadores em limpeza.

1 Como veremos adiante, mais recentemente uma nova subclasse de produtos contra a sujeira visível vêm ganhando uma importante fatia do mercado. São os chamados “limpadores multiuso”, cuja capacidade de conjugar várias potências de ação removedora os tem convertido no sonho de consumo daquele(a)s que se dedicam a essas tarefas domésticas. 2 De acordo com Wolkoff et al. (1998, p. 141), para obter o eco-selo, por exemplo, as ceras e polidores em geral não podem ser classificados como muito tóxicos, tóxicos, danosos à saúde, corrosivos, irritantes, alergênicos, carcinogênicos, teratogênicos ou mutagênicos. Eles não podem ainda provocar risco ambiental, risco de incêndio ou serem passíveis de provocar explosões. 3 Baseamo-nos largamente nesta seção nas informações técnicas contidas em Wolkoff et al., 1998.

10

Além deles, são empregados substâncias ácidas ou alcalinas que têm o poder

de dissolver o cálcio e as gorduras, respectivamente, e funcionam na regulação do pH da

solução resultante. Os compostos alcalinos também inibem a corrosão das superfícies de

metal, e alguns ácidos também agem como desinfetantes. Agentes complexos ou

“amaciantes” (water softeners) são adicionados para dissolver e dar liga ao cálcio,

magnésio e outros íons metálicos, que diminuiriam o efeito do surfactante. Muitos deles são

prejudiciais à saúde e provocam efeitos ambientais adversos, e têm sido evitados ou

eliminados nos países desenvolvidos nos últimos anos como os fosfatos.

Os aditivos são inibidores de corrosão e protegem as superfícies metálicas.

Também entram nessa classe os perfumes e fragrâncias, que são usados para emprestar

ao produto um odor agradável ou mascarar um cheiro desagradável. Eles não são

essenciais para a função técnica do produto. Muitos são alergênicos, logo o risco de

exposição dos trabalhadores em limpeza a essas substâncias é freqüentemente

desnecessário. O mesmo se pode dizer dos corantes e dos pigmentos.

Também são considerados aditivos as substâncias conservantes, que inibem o

crescimento microbiano durante a estocagem e o uso de um produto, e servem, portanto,

para prolongar a sua vida útil. Os conservantes freqüentemente criam problemas

ambientais, uma vez que muitos deles são sensibilizadores de organismos vivos. Isto

acontece com as isotiazolinonas, os formaldeídos e os compostos liberadores de

formaldeídos, que além do efeito alergênico, também é classificado como carcinogênico.

Os solventes dissolvem as substâncias gordurosas. Eles são usados para

promover a homogeneidade do produto final. Os solventes mais típicos são os álcoois

(propanol e etanol), e os éteres glicóis.

Os polidores em geral são produtos que “tratam as superfícies” (Surface care

produtcs ou ‘Film-formers’). Eles são agentes que combinam as funções de limpeza e

manutenção das superfícies em que são aplicados, uma vez que formam uma película de

proteção nas superfícies (‘care film’), cuja função é proteger o piso ou móveis contra a

destruição química ou o desgaste pelo uso, ao mesmo tempo em que facilitam a limpeza

devido ao efeito antiestático que alguns possuem. Além dos seus componentes básicos

(emulsões e ceras), os polidores tipicamente contêm um polímero de dispersão,

plastificadores e solventes. Geralmente é necessária a aplicação de removedores antes de

se aplicar uma nova camada de cera.

11

Os removedores são emulsões aquosas de etanolaminas, éteres glicóis e sais

alcalinos, ou metasilicatos e conservantes. A maior parte dos produtos empregados como

polidores e removedores contêm substâncias potencialmente perigosas, tais como

alergênicos, carcinogênicos, neurotóxicos ou tóxicos para a reprodução humana.

Os desinfetantes são substâncias ativas que destroem bactérias e outros

microrganismos. Eles são usados sobre superfícies caso seja necessário um ambiente

especialmente limpo, ou estéril, como nos hospitais. Os componentes ativos nos

desinfetantes são liberadores de cloro (hipocloritos, álcoois (etanol e isopropanol), aldeídos

(formaldeídos e glutaraldeídos) e compostos quaternários de amônia. Compostos

liberadores de oxigênio e enzimas também são utilizados para esse fim.

O hipoclorito de sódio é classificado como corrosivo e muitos exemplos de

efeitos danosos à saúde devido à exposição aos produtos que contêm hipoclorito são

mencionados pela literatura médica. A maior parte dos casos notificados têm sido descritas

como dermatites alérgicas de contato. Os formaldeídos e os glutaraldeídos são bem

conhecidos como alergênicos, e também foram identificados como causadores da asma

ocupacional. Os desinfetantes podem conter outros componentes que causam problemas

crônicos de saúde, tais como boratos que são considerados tóxicos para a reprodução

humana .

12

O gráfico abaixo, elaborado a partir de dados do Sinitox sobre casos de

intoxicação registrados no Brasil em 2001, permite-nos perceber que dentre os oitos

principais agentes de intoxicação, os domissanitários representam o segundo maior índice

de ocorrência (9%) das internações por esse motivo, seguidos respectivamente por picadas

de escorpiões (7,83%), agrotóxicos de uso agrícola (7,15%), raticidas (6,79%), picadas de

serpente (6,28%), produtos químicos industriais (6,09%), e animais não peçonhentos

(5,72%).

As possíveis causas por esta elevada percentagem de domissanitários seriam a

ingestão por acidente, o risco ocupacional e mesmo o intencional onde são muito utilizados

na tentativa de suicídio. As mais freqüentes intoxicações em crianças são causadas por

remédios, produtos de uso doméstico, como alvejantes, querosene, polidores de móveis,

detergentes e inseticidas pois, de modo geral, elas encontram esses produtos em local de

fácil acesso. Deste modo as crianças também contribuem com uma maior participação

neste percentual. Em função disto, estes produtos devem ser bem guardados, trancados e

fora de alcance das crianças.

Gráfico 1

Fonte: MS/FIOCRUZ/Sinitox, 2004.

Principais casos de Intoxicação por AgenteBrasil - 2001

0

5

10

15

20

25

30

Medica

mentos

Domiss

anitá

rios

An.Peç

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orpiõe

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Agrot/U

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entes

Prod.Q

uím.In

dustr

iais

An. nã

o peç

onhe

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Agentes

% d

os c

asos

13

Quando comparamos com o total de casos para a região Sudeste, observamos

uma incidência ainda mais significativa, uma vez que podemos considerar que os casos de

picadas de animais peçonhentos são mais comuns nas áreas rurais.

De fato, como podemos observar no gráfico 2, abaixo, a porcentagem de casos

de intoxicação por domissanitários na região Sudeste sobe para quase 12%, mantendo a

segunda posição entre os oitos principais, enquanto que os agrotóxicos de uso agrícola são

responsáveis por 8,43% dos casos de internação, seguidos respectivamente pelos produtos

químicos industriais (6,43%), os raticidas (6,02%), as picadas de escorpião (5,04%), os

agrotóxicos de uso doméstico (4,14%), e os animais não peçonhentos (3,25%).

Gráfico 2

Fonte: MS/Fiocruz/Sinitox, 2004.

O quadro 1, apresentado a seguir, indica de forma esquemática os principais

perigos para seres humanos representados por alguns agentes químicos presentes em

produtos domissanitários utilizados para a limpeza dos ambientes domésticos, segundo a

Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.

Principais Casos de Intoxicação por Agente Região Sudeste - 2001

05

10152025303540

Medica

mentos

Domiss

anitá

rios

Agrot/U

so A

gríco

la

Prod.Q

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Raticid

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Agrot/U

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omés

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An. nã

o peç

onhe

ntos

Agentes

% d

os c

asos

14

Quadro 1. Principais substâncias químicas encontradas em domissanitários, com indicação de danos causados ao organismo humano

Hipoclorito de sódio

(alvejantes)

Destilados do

petróleo. (polidores de metais)

Amônia

(limpa-vidro)

Fenol e Cresol (desinfetantes)

Nitrobenzeno

(lustra-móvies e ceras para o

chão)

Formaldeído

(material prima de muitos produtos

caseiros, tais como móveis de madeira

compensada)

Percloroetileno ou

solventes 1-1-1 tricloroetano

(lavagem à seco, removedores de

manchas, limpadores de carpete)

Naftaleno ou

paradiclorobenzeno (bolinhas de naftalinas, e sapólios, utilizados para

limpar pias e vasos sanitários)

Ácido

hidroclorídrico ou sulfato ácido de sódio (sapólios)

Formaldeído,

fenol e pentaclorofenol

(sprays)

Provoca irritação de olhos e pulmões. Dentre os alvejantes domésticos é aquele que mais comumente é ingerido acidentalmente pelas crianças. Se misturado com amônia ou outro detergente de base ácida (incluindo o vinagre), libera o gás cloroamina, altamente tóxico. Uma pequena exposição a este gás pode causar sintomas asmáticos brandos ou problemas respiratórios mais sérios. (Fonte: Children's Health Environmental Coalition)

Mesmo uma exposição por curto espaço de tempo pode causar temporariamente embaçamento dos olhos. Uma exposição por período mais longo pode afetar o sistema nervoso, pele rins e olhos.

Pode causar irritação de pele e pulmões. Se misturado com cloro libera o gás tóxico cloroamina. A exposição a este gás mesmo por curto período pode causar tosse, parada respiratória e danos aos pulmões. Os asmáticos são particularmente vulneráveis aos vapores deste gás. (Fonte: Children's Health Environmental Coalition)

Corrosivo. Pode causar diarréia, vertigem, tonteira e danos aos rins e ao fígado.

Pode provocar dificuldades na respiração, vômitos, e mesmo morte. Esta substância está associada com o câncer e defeitos de nascimento.

Provável carcinógeno humano. Um nível de formaldeído no ar tão baixo quanto 0,1 p.p.m (parte por milhão) pode causar lacrimejamento, sensação de ardência nos olhos, nariz e garganta, dificuldades para respirar, náusea, tosse, pressão no peito, rachaduras na pele e reações alérgicas. (Fonte: U.S. Consumer Product Safety Commission)

Provoca irritações nos olhos, pele e pulmões. Pode prejudicar o fígado e os rins se for ingerido. O percloroetileno pode causar câncer em alguns animais de laboratório e é considerado um provável carcinógeno humano. Pode se acumular e persistir nos tecidos gordurosos humanos e nas lactantes.

Os vapores do naftaleno podem irritar os olhos, a pele e o sistema respiratório. A exposição crônica ao naftaleno pode causar danos ao fígado, rins, pele e sistema nervoso central. O paradiclorobenzeno é um provável carcinógeno que também pode afetar o sistema nervoso central, fígado e rins. Uma alta concentração dos seus vapores pode irritar os olhos, nariz garganta e pulmões. (Fonte: Children's Health Environmental Coalition)

Ambos podem causar queimaduras na pele, vômitos, diarréia e queimação no estômago se ingeridos. Também podem causar cegueira se descuidamente caírem nos olhos.

Qualquer tipo de aerossóis. Podem irritar os pulmões.

Fonte: Adaptado de U.S. Environmental Protection Agency, 2004.

15

1.1.2 O mercado de domissanitários

As associações e federações internacionais dos fabricantes dos produtos

domissanitários (Abipla, 2004; AISE, 1997)4 costumam classificá-los, segundo a sua

utilidade, em:

1. Produtos para lavagem de roupas (Textile washing products): Inclui entre outras

categorias sabões em barra, detergentes em pó, amaciantes e removedores de

manchas. Segundo o Market Overview (Euromonitor, 2000), uma publicação

destinada às empresas do ramo, trata-se de um subsetor relativamente maduro

em termos do mercado latino-americano, que apesar de demonstrar um

considerável potencial de crescimento para os detergentes em pó, à medida que

cresce a demanda por máquinas de lavar, tem sustentado a demanda por sabões

em barra devido a tradicional popularidade das práticas de lavagem manual, e a

disponibilidade de mão-de-obra barata.

2. Produtos para lavagem de louças (Dishwashing products): Inclui saponáceos

em geral, sabão em pastas e detergentes líqüidos (lavagem manual) e em pó

(para máquinas). Este subsetor é dominado pelos detergentes manuais em virtude

dos baixos níveis de penetração de lavadoras automáticas na América Latina. Nos

anos mais recentes os fabricantes têm se dedicado ao lançamento de produtos

com formulações e extensões que visam a agregar maior valor aos produtos já

existentes, oferecendo maior poder bactericida e propriedades biodegradáveis,

além de investirem em fórmulas que supostamente protegem a pele e evitam

irritações cutâneas.

4 A Ablipla (Associação Brasileira dos Produtos de Limpeza e Derivados de Plástico) é o principal órgão de representação dos industriais brasileiros. “As empresas associadas da AISE [Association Internationale de la Savonnerie, de la Detergence et des Produits d'Entretien – Associação Internacional de Fabricantes de Sabões, de Detergentes e de Produtos de Manutenção] no mercado Industrial e Institucional [I & I] oferecem uma grande variedade de produtos e serviços, que tornam suas atividades fundamentalmente diferentes daquelas do mercado de produtos domésticos. Conhecido como segmento I&I, seus clientes típicos são profissionais [o que o diferencia do mercado doméstico] e os produtos e serviços oferecidos satisfazem às suas necessidades de limpeza e higiene” (AISE, 1997).

16

3. Limpadores de superfícies (Surface cleaners): Inclui os limpadores à base de

amoníaco, desinfetantes, produtos para tirar limo e outras categorias. Atualmente,

devido à demanda crescente, vêm sendo desenvolvidas pesquisas para oferecer

uma maior gama de produtos que possam ser empregados em diferentes

superfícies, tais como cerâmica, pisos de madeira, etc., os chamados “limpadores

multiuso”.

4. Alvejantes à base de cloro (Chlorine bleach): Basicamente o hipoclorito de sódio,

também conhecido como água sanitária. Além de sua usual função germicida

sendo,por isso, bastante utilizado na limpeza de banheiros, os consumidores

freqüentemente misturam o hipoclorito de sódio com outros produtos de limpeza,

tais como saponáceos e sapólios, para produzir limpadores de superfície

alternativos. Os fabricantes têm incrementado as vendas desses produtos graças

à introdução de fragrâncias diversas que têm sido bem recebidas pelo público

consumidor e têm ajudado a manter a demanda por esses produtos.

5. Produtos para higiene pessoal (Toilet care products): Inclui os sabonetes,

condicionadores e xampus. Geralmente tais produtos são considerados pelo

público como não essenciais e mesmo supérfluos.

6. Polidores (Polishes): Ceras, graxas, lustra-móveis e demais produtos

empregados em polimentos. Trata-se de um subsetor bastante tradicional devido

às características culturais dos latino-americanos, que valorizam as roupas limpas

e bem passadas, bem como os sapatos e pisos brilhantes, tal como avalia o

relatório supracitado.

7. Purificadores de ar (Air fresheners): Aerossóis e fragrâncias do tipo “Bom Ar”.

São pouco consumidos na região, uma vez que o clima por aqui favorece a

ventilação natural, o que pesa contra às fragrâncias artificiais. A baixa renda da

população combinada com oferta irregular de eletricidade impedem a expansão do

mercado de purificadores de ar elétricos. No entanto, como aponta o relatório que

vimos citando, uma área de potencial crescimento para esses produtos são os

purificadores de ar para automóveis, dado o grande número de carros existentes

na região.

17

8. Inseticidas (Insecticides): Trata-se de um mercado sujeito às variações sazonais.

As maiores vendas desses produtos ocorrem entre novembro e fevereiro

(coincidindo com o verão no hemisfério sul). Os formatos elétricos não são

comuns, devido ao preço elevado. Os consumidores tendem a preferir os mais

baratos, e a conveniência e o efeito imediato dos sprays e aerossóis. As inovações

mais recentes neste subsetor têm focado na questão de incremento da segurança,

com a introdução de novos ingredientes ativos que são menos perigosos tanto

para humanos quanto para animais domésticos.

As tabelas a seguir demonstram a variação no crescimento do volume de

vendas de certos domissanitários entre 1996-2000, e a sua previsão para os anos

2000-2005.

O Mercado dos Domissanitários

Tabela 1. Vendas de domissanitários, por país latino-americano, em bilhões de US$ (1996-2000)

1996 1997 1998 1999 2000 Brasil 4,59 5,16 5,44 4,08 4,11 México 1,51 1,61 1,82 1,99 2,24 Argentina 1,13 1,23 1,32 1,40 1,38 Colômbia 0,91 0,98 0,93 0,87 0,64 Chile 0,50 0,52 0,50 0,46 0,44 Venezuela 0,41 0,43 0,43 0,41 0,40 Outros países da região 1,15 1,17 1,17 1,15 1,14 TOTAL 10,20 11,10 11,61 10,36 10,35 Fonte: Euromonitor, www.euromonitor.com, 2000.

Na última década o mercado de domissanitários se ampliou

consideravelmente na América Latina e, sobretudo no Brasil, que é responsável por

quase metade das vendas totais de produtos de limpeza na região (valores

destacados em negrito). Como verificamos pela tabela acima, em 1998, ano de maior

consumo destes produtos, a indústria de produtos de limpeza na América Latina

18

faturou cerca de US$ 11,6 bilhões. O mercado brasileiro movimentou na mesmo ano

cerca de US$ 5,4 bilhões. Tamanho crescimento é creditado pela Euromonitor ao

maior poder aquisitivo dos consumidores, que conseqüentemente são capazes de

trocar produtos mais simples por aqueles de maior valor agregado, e também ao

grande investimento em propaganda por parte das grandes multinacionais.

Segundo a Abipla (2004), “a Argentina é o único país com gasto per capita

em produtos de limpeza doméstica maior que o Brasil. No entanto, devido ao tamanho

de sua população, muito menor que a brasileira, seu total de vendas foi bem menos

significativo, totalizando em um pouco mais de US$ 1,3 bilhões em 1998. O México,

ao contrário da Argentina, teve como responsável por valor de venda a sua grande

população, de aproximadamente 97 milhões em 1998, apesar do gasto per capita

nestes produtos ser o menor da região”.

A partir de 1999, com a desvalorização do real, as vendas sofreram uma

queda, mas houve uma leve recuperação a partir de 2000, com previsão de retomada

no crescimento para os anos subseqüentes, como se pode observar na tabela 2,

abaixo.

Tabela 2. Previsão de venda de produtos domissanitários, por país latino-americano, em bilhões de US$ (2000-2005)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 Brazil 4,11 4,27 4,44 4,62 4,81 5,00 Mexico 2,24 2,24 2,25 2,27 2,31 2,37 Argentina 1,38 1,41 1,44 1,48 1,52 1,56 Colombia 0,64 0,63 0,63 0,64 0,67 0,71 Chile 0,44 0,43 0,43 0,43 0,43 0,43 Venezuela 0,40 0,37 0,37 0,37 0,39 0,40 Outros países da região 1,14 1,12 1,12 1,14 1,17 1,21 TOTAL 10,35 10,47 10,68 10,95 11,30 11,68

Fonte: Euromonitor, 2000.

19

Observando a tabela 3, a análise por setor demonstra que a maior parte

dos gastos com domissanitários está concentrada em produtos para lavar roupas,

seguidos pelos limpadores de superfície, que incluem os desinfetantes, os limpadores

multiuso, os limpadores especializados (como os xampus para tapete, os produtos

para tirar limo, os limpadores de canalizações, os limpa-vidros, os limpa-fornos, etc.) e

outras categorias.

Tabela 3. Vendas de produtos domissanitários, por setor, em bilhões de dólares (1996-2000)

1996 1997 1998 1999 2000 Produtos para lavar roupas 5,73 6,21 6,50 5,70 5,43 Limpadores de superfície 1,26 1,44 1,53 1,45 1,53 Alvejantes à base de cloro 0,69 0,75 0,81 0,81 0,88 Polidores 0,85 0,92 0,95 0,76 0,75 Produtos para lavar louças 0,64 0,68 0,72 0,71 0,75 Inseticidas 0,71 0,75 0,75 0,62 0,67 Purificadores de ar 0,19 0,21 0,21 0,20 0,21 Produtos de higiene pessoal 0,14 0,16 0,16 0,13 0,13 TOTAL 10,21 11,12 11,63 10,38 10,35 Fonte: Euromonitor, 2000.

O setor de produtos para lavar roupas (que inclui entre outras categorias

detergentes, amaciantes e removedores de manchas) foi aquele que apresentou

melhor desempenho, movimentando US$ 6,5 bilhões em 1998, o equivalente a quase

56% do mercado total. Este setor deve ter sido beneficiado, entre outras fatores, pela

substituição por parte do consumidor da água sanitária por limpadores multiusos e

desinfetantes para a limpeza geral. Dentre as classes de maior poder aquisitivo,

cresce a participação de produtos mais específicos, como aqueles para limpar vidros,

cozinhas ou contra o limo. Segundo o relatório da empresa Euromonitor (1999), “o uso

de limpadores multiuso ainda prevalece na região, sendo a categoria responsável por

35% das vendas totais do setor em 1998, seguida pela categoria de desinfetantes,

com 33%”.

20

1.2 Empregadas domésticas: atrizes coadjuvantes ou combatentes vitimadas?

A guerra contra a sujeira é travada todos os dias nos lares brasileiros.

Contra as manchas e os germes, as donas-de-casa contam com importantes

auxiliares que ainda são consideradas coadjuvantes nessa batalha. São as

empregadas domésticas, um exército de trabalhadoras invisíveis para a mídia e

apenas pouco visíveis para as estatísticas oficiais, conforme veremos abaixo.

O trabalho doméstico no Brasil tem suas raízes no escravagismo do

período colonial e ainda hoje é considerado imprescindível na maioria das famílias,

tanto nas áreas urbanas como rurais, pois permite uma redução da sobrecarga do

trabalho de casa, liberando as mulheres, outrora exclusivamente dedicadas a essas

tarefas, para o mercado de trabalho formal. Num dos primeiros trabalhos de avaliação

da participação dessa categoria profissional no seio das atividades econômicas – e

que traça um quadro da realidade do serviço doméstico remunerado no país e nas

suas grandes regiões –, Melo (1998) afirma que:

“A história do serviço doméstico no Brasil não difere muito da acontecida nos Estados Unidos. Aqui como lá, antes da abolição da escravatura, escravos domésticos eram encarregados das tarefas do lar. Ao longo do século XIX, as famílias tinham além das escravas domésticas a possibilidade de contar com mocinhas para uma espécie de ‘ajuda contratada’. Essa era uma fonte adicional de trabalho doméstico que no Brasil e nos Estados Unidos, depois da Abolição, tornou-se a maior fonte de trabalho feminino. A ajudante era enviada pela sua família para outra casa, como um passo intermediário entre a casa de sua família e o matrimônio” (p. 1).

Como decorrência dessa herança cultural, a maioria da sociedade não vê

a empregada doméstica como uma profissional: ainda hoje não há isonomia de

tratamento dessa categoria em relação às demais; e o serviço doméstico remunerado

é uma profissão desvalorizada. Segundo a Melo, o serviço doméstico é um verdadeiro

“bolsão de ocupação” para a mão-de-obra feminina no Brasil, do qual participavam,

em 1995, 19% das mulheres da população economicamente ativa.

Dada a peculiaridade dessa atividade profissional, a autora afirma que:

“é difícil fazer uma análise econômica do serviço doméstico remunerado, porque os indicadores econômicos não permitem captar as sutilezas ideológicas e culturais que essa questão envolve. Essas atividades não são organizadas de forma capitalista, porque se realizam no interior de residências particulares e as patroas/patrões não são empresários. O contrato de trabalho firmado, seja verbal ou escrito, define que as

21

empregadas realizam tarefas cujo produto — cozimento de alimentos (bens) ou lavagem de roupas e pratos (serviços) — é consumido diretamente pela família. Esses bens/serviços não circulam no mercado e não se mobiliza capital para a realização dessas tarefas, mas rendas pessoais. (idem, pp. 1-2).

O trabalho doméstico também funciona como porta de entrada para as

jovens migrantes rural-urbanas e existe uma forte presença de crianças do sexo

feminino exercendo essas atividades em casas de família. O mais grave é que esse

trabalho infantil doméstico é muito mais difícil de fiscalizar do que outras formas de

trabalho infantil, uma vez que é invisível porque ocorre no âmbito do privado. Mas não

só ele.

Segundo a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade

Racial (SEPPIR, 2005), as trabalhadoras no serviço doméstico remunerado

representam:

“um exército formado por oito milhões de trabalhadores, sendo que 95% são mulheres e 82% mulheres negras. Todas elas sofrem com a precariedade na regulamentação do seu trabalho. Cerca de 300 mil têm carteira assinada. No árduo dia-a-dia são desconsideradas e tratadas de maneira pouco profissional. Muitas são vítimas ainda de violência sexual e racismo. Sofrem em silêncio. Esse pequeno quadro é uma amostra da situação invisível dos trabalhadores domésticos no Brasil (SEPPIR, 2005, grifo nosso).

A jornada de trabalho dessas trabalhadoras também costuma ser ainda

maior do que a média brasileira, sendo que muitas trabalham de 9 a 10 horas diárias,

e algumas até mais do que isso. Segundo Melo (1998):

“A jornada de trabalho no Brasil é muito superior aos padrões internacionais embora tenha declinado nos últimos anos. Essa categoria tem uma jornada de trabalho definida por uma relação de trabalho mesclada por trabalho assalariado com um certo regime servil”.

Embora as empregadas domésticas formem uma categoria profissional

que possui grande dificuldade para se organizar, já que exercem um trabalho

extremamente atomizado, as reivindicações dessa categoria vêm de longa data. A

Associação de Empregadas Domésticas do Brasil foi fundada em 1936, mas somente

na década de 1970, elas conquistaram o direito de ter Carteira de Trabalho e

Previdência Social assinada.

Porém, ainda falta muito para que essas profissionais participem dos

direitos de cidadania como as demais categorias: o trabalho doméstico é regulado

22

pelo artigo 7 da Constituição Federal, e não pela Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT). Hoje essas trabalhadoras ainda se encontram desamparadas, pois a

Constituição reconhece apenas alguns de seus direitos trabalhistas: elas não têm

direito à hora-extra, têm assegurado apenas 20 dias por ano de direito a férias, e os

patrões só recolhem o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) se quiserem.

Conforme dados recentes do IBGE (2004), em 2003 o total de trabalhadores

domésticos no país era de 6.081.879, sendo que 397.891 homens (6,6%) e 5.683.988

mulheres (93,4%). Menos de 30% deles têm registro em carteira.

Além disso, como afirma Melo (idem):

“Não se pode esquecer que existe uma heterogeneidade de situações dentro do serviço doméstico remunerado. Existem as empregadas domésticas residentes, que vivem no local de trabalho, recebem salário mensal, mais casa e comida — as mensalistas. No outro extremo, as diaristas, isto é, empregadas que não residem no local de trabalho, trabalham em várias casas de famílias, recebem salário diário ou semanal/mensal” (p. 2, grifo no original).

Até 1985, a classificação utilizada pelo IBGE para a Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD) não permitia uma análise mais precisa do serviço

doméstico remunerado, pois a categoria utilizada pelo órgão oficial abrangia tanto os

serviços de ama, ama-de-leite, arrumadeira, babá, como os de camareiro, caseiro,

copeiro, cozinheiro, criado, dama-de-companhia, doméstica, governanta, mordomo,

pajem e servente. A partir de 1995,

“essas atividades foram abertas em várias ocupações, num total de seis, o que possibilitou separar cozinheiras de babá, diarista, lavadeira, doméstica polivalente e governanta. No entanto, um aspecto importante para o seu estudo seria a separação das empregadas domésticas que residem no local de trabalho e as chamadas diaristas. Seria possível, assim, afirmar que a “profissionalização” dessas relações favorece o crescimento das diaristas, enquanto as domésticas que residem na casa da patroa estão fadadas a desaparecer. Infelizmente os dados não permitem claramente essa separação. Nos grandes centros urbanos tudo indica que há provavelmente uma tendência de contratar domésticas mensalistas ou diaristas, mas que tenham domicílio próprio” (Melo, 1998, p. 3).

Ao que parece, de modo geral as empregadas domésticas são

trabalhadoras solteiras, provavelmente em função da dificuldade de conciliar esta

atividade com as demandas por atenção de suas próprias famílias. Segundo a

Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do Dieese, 17% das empregadas

domésticas são analfabetas e 64,3% não completaram o Ensino Fundamental.

23

Como vemos, a maioria das vagas de empregada doméstica é ocupada

por mulheres e parece ser esta uma das poucas opções de trabalho para aquelas

com baixa escolaridade. De todo modo, empregar-se como doméstica significa para

muitas delas uma “possibilidade de autonomia relativa” em termos de dinheiro e de

acesso a um mundo cultural e social diferente do seu meio.

A antropóloga Jurema Brites (2003) esclarece que o serviço doméstico

remunerado não pode ser considerado uma ocupação preferida no espectro de

escolhas profissionais das trabalhadoras. Quando outras opções de inserção no

mercado de trabalho se mostram inatingíveis, o serviço doméstico surge como uma

possibilidade, inexistente no mercado de trabalho formal. Além disso, vantagens de

negociar adiantamentos, faltas, horários e as ajudas materiais advindas da casa dos

patrões foram apontadas pelas informantes da pesquisa antropológica como “o que

vale a pena neste tipo de serviço”. A falta de assinatura da carteira também pode

significar outra coisa. Grande parte das pessoas que trabalham como empregadas

domésticas vêem a ocupação como temporária, sendo, por isso, refratárias à

assinatura em carteira para não “sujar” o documento.

A baixa escolaridade e o baixo nível socioeconômico das mulheres que

trabalham como empregadas domésticas dificultam a escolha de outras opções no

mercado de trabalho. Esses fatores alimentam um ciclo vicioso iniciado pela

precariedade das condições nos estágios iniciais da vida e o restrito acesso à

educação e qualificações profissionais, reforçados pelo ingresso em idades muitos

jovens no mercado de trabalho. O emprego precário e o trabalho insalubre e pouco

seguro, por sua vez, favorecem o adoecimento e acidentes de trabalho, e, como um

grande número dessas trabalhadoras não possuem carteira assinada (ou outra forma

de cobertura por seguro social), o afastamento do trabalho em decorrência do

adoecimento produz mais empobrecimento e piores condições de saúde em geral.

Embora o emprego em atividades domésticas tenha sido abordado em

alguns estudos sociológicos, antropológicos, econômicos e feministas,5 poucas são as

pesquisas voltadas para a saúde dessas trabalhadoras, conforme veremos no

5 Ver, por exemplo, Mota, 1977; Saffioti, 1984; Chaney & Castro (eds.), 1989; Melo, 1989 e 2002; Senes, 1996; Barros et al., 1997; e Brites, 2003.

24

próximo capítulo. E a falta de dados de morbidade em acidentes de trabalho para

essas profissionais dificulta a implantação de medidas de controle e prevenção.

Em um dos raros trabalhos existentes no Brasil (Santana et al., 2003a),

estimou-se que a ocupação em serviços domésticos proporciona um risco maior de

envolvimento em acidentes não fatais do que as demais profissões, e que esse risco

tende a aumentar com o tempo de trabalho medido pela jornada diária ou semanal

das empregadas domésticas. Também foi observado que a maioria dos casos

ocorreram sempre na casa do patrão, confirmando as expectativas de ser o ambiente

doméstico fonte de muitos riscos ocupacionais.

1.3 Objetivos da pesquisa

1.3.1 Objetivo geral da pesquisa

Caracterizar a exposição e os possíveis efeitos nocivos à saúde de

trabalhadoras domésticas devido à manipulação rotineira de saneantes

domissanitários em seu local de trabalho.

1.3.2 Objetivos específicos

1 Investigar variáveis que possam contribuir para explicar os eventuais efeitos à

saúde identificados em um grupo de empregadas domésticas que manipulam

cotidianamente produtos saneantes domissanitários em domicílios urbanos.

2 Avaliar a compreensão do material informativo, presente nos rótulos de

embalagens de produtos saneantes domissanitários quanto à clareza das

informações, à forma de apresentação e à linguagem utilizada na descrição das

informações técnicas.

3 Fornecer subsídios para propor medidas de prevenção aos possíveis agravos de

saúde dessas trabalhadoras, considerando as relações que as mesmas

estabelecem com os saneantes domissanitários nos seus afazeres diários.

25

1.4 Justificativa

Em geral, as atividades econômicas são reguladas apenas de acordo com

o desenrolar das forças produtivas. No cotidiano essas práticas não estão orientadas

segundo princípios ambientalmente corretos, e na maior parte das vezes elas são

desfavoráveis à natureza.

Na manipulação dos domissanitários sem a dimensão do cuidado

preventivo, o trabalhador doméstico acaba por tornar-se susceptível à exposição a

substâncias químicas, além de ser um agente poluidor ambiental. As atividades que

envolvem a manipulação e utilização de substâncias químicas geram riscos de

intoxicação que podem conduzir a processos de enfermidades. Nestes casos o

trabalhador acaba se prejudicando ao se converter num potencial produtor de

doenças para si mesmo. Como essas substâncias estão presentes na vida moderna

quase sempre de forma imperceptível, elas acabam por comprometer a qualidade de

vida de toda a sociedade. Como, acertadamente, afirmam Druck e Franco (1995):

A incorporação de milhares de novas substâncias químicas, o aumento das plantas industriais, dos volumes produzidos e transportados e da aplicação de diversas formas de energia trouxeram, indubitavelmente, a ampliação da grandeza e do alcance dos impactos sócio-ambientais das atividades humanas nas sociedades contemporâneas. Assim, os padrões de produção e de consumo passaram a redefinir, cada vez mais profundamente, tanto o estado das águas, do ar, dos solos, da fauna e flora, quanto às próprias condições da existência humana: seus espaços de moradia e de trabalho, seus fluxos migratórios, as situações de saúde e morte. A evolução desta relação – entre riscos industrial, meio ambiente e saúde das populações – é particularmente forte e perceptível quando focalizamos certos ramos industriais, altamente poluentes e de maior risco, como o nuclear, o petroquímico, o químico e o siderúrgico (p. 120).

A poluição do meio ambiente por saneantes domissanitários – cujo

consumo, aliás, aumenta maciçamente ano após ano, devido à falta de controle no

seu emprego e a disseminação de seu uso – nos expõe a todos a substâncias

químicas perigosas e aos efeitos nocivos que elas trazem. Como vimos acima, ao

longo dos anos os produtos químicos têm se tornado cada vez mais populares entre

os contaminantes do meio ambiente. A liberação química pode ocorrer numa

determinada fase do ciclo de vida de um produto, seja durante sua manufatura,

durante seu uso, ou após ele entrar na cadeia residual para ser lançado no meio.

Alguns dos produtos mais comuns já são detectados nas mais remotas áreas do

26

planeta, tais como o Ártico e nas profundezas dos oceanos (Greenpeace, 2004).

Porém, este risco tende a passar quase despercebido pelo usuário de tais produtos,

seja por falta de esclarecimento na sua utilização, seja pela própria negação da

existência do risco, como prática de convivência em um processo de trabalho injurioso

(Dejours, 1994).

Muitos dos produtos que consumimos ou com os quais entramos em

contato diariamente, em casa ou no trabalho, contêm substâncias químicas perigosas,

e é inegável o impacto que eles exercem em nossa sociedade. Logo, poderíamos

perguntar qual a utilidade de tantos aditivos químicos para manter limpos os bens de

consumo cotidiano, uma vez que ao mesmo tempo em que nos livram de certos

agentes patogênicos eles também podem causar danos desconhecidos à nossa

saúde?

É importante ressaltar que alguns dos produtos mais comumente

encontrados nas prateleiras dos supermercados são nocivos ao ser humano, e que,

freqüentemente, quando liberados no meio doméstico ou lançados descuidadamente

no meio ambiente estes produtos não se transformam facilmente em outros menos

tóxicos. Seus compostos podem simplesmente se dispersar no meio externo, levados

pelas correntes de ar ou água, e, em função de sua degradação natural, podem cair

na cadeia alimentar, se acumulando durante anos nos corpos dos animais e dos seres

humanos.

No entanto, praticamente inexiste informação sobre a presença e a

quantidade de substâncias químicas em nosso meio, e a isto não é dado o devido

valor. Como então, desenvolver ações no sentido de criar uma abordagem

interdisciplinar entre ambiente e a saúde na perspectiva de construir alternativas para

o desenvolvimento sustentável? Como afirma Akerman (2002), se "promover a saúde

é fortalecer potenciais e desenvolver capacidades", o trabalho que não é um estímulo

de potencialidades pode se converter em um produtor de doenças.

É fundamental, portanto, que a coletividade elabore conjuntamente

medidas de promoção da saúde ambiental que não apenas reduzam o risco, a

exposição e os agravos à saúde individual e coletiva, mas que também desnudem as

potencialidades daqueles que participam ativamente dos processos produtivos e de

consumo.

27

Além de seu consumo, também são questões para a Saúde Coletiva os

resíduos destes produtos. Dentro da lógica do processo produtivo que contempla

elementos da extração da matéria prima, consumo dos produtos e os resíduos finais

(Tambellini & Câmara, 1998), os recursos do ambiente são explorados infinitamente

como insumos para a produção de acordo com as imposições do mercado, na

produção de bens e do lucro. Trata-se, na verdade, de um consumo predatório da

água, das fontes de energia e das riquezas minerais. Além disso, uma externalidade

negativa do processo produtivo em si é a produção de dejetos, de qualquer tipo e em

qualquer quantidade, que são lançados na natureza sem um mínimo de cuidado ou

critério. Os limites impostos pela natureza e sua incompatibilidade com a lógica

capitalista são discutidos por Stahel (1995):

“A busca de expansão constante é inerente ao próprio capitalismo, é sua”. base de funcionamento. A eficiência produtiva, uma necessidade de sobrevivência do capitalismo de mercado, é priorizada e mensurada sem levar em conta os custos sociais ou ambientais da produção”.

1.5 Materiais e Métodos

Para cumprir os objetivos, foi realizado um estudo descritivo através de

entrevistas semi-estruturadas aplicadas a uma população de empregadas domésticas

que enfatizava dados sobre exposição a domissanitários. Todas as entrevistas foram

realizadas pela pesquisadora principal deste estudo. Mais especificamente, através de

questionários, buscou-se a freqüência de relatos de exposição aos saneantes

domissanitários, bem como uma proporção de efeitos à saúde relatados pelas

pessoas, os quais poderiam estar associados a este tipo de exposição.

1.5.1 População estudada

A população alvo constituiu-se de todas as empregadas domésticas

matriculadas numa instituição de ensino que exerciam sua atividade laboral na

limpeza geral em ambientes domésticos. A intenção foi investigar o universo dessas

trabalhadoras, observando se através da manipulação dos saneantes domissanitários

elas faziam algum tipo de associação com possíveis riscos à sua saúde. Como

28

percebemos de início, nossos sujeitos podiam ser/estar expostos aos saneantes

domissanitários de diversas maneiras, e por períodos variados de tempo.

Foram estudados um total de 159 trabalhadoras dentre todas as

empregadas domésticas existentes na instituição e que se dispuseram participar da

pesquisa. A seleção da população estudada foi feita a partir de um levantamento

sobre a situação econômica de todos os estudantes do curso noturno para fins de

adequação à lei da filantropia. Desta enquete foram aproveitados todos os alunos que

declararam a sua profissão como empregada doméstica, o que equivaleria uma

população de 190 mulheres.

Gostaríamos de ressaltar, entretanto, que ao longo do período letivo

muitas delas desistiram do curso, abandonaram ou trancaram sua matrícula por

motivos diversos, tais como, mudança de endereço de trabalho, cansaço físico,

desemprego, depressão e falta de dinheiro para pagar o transporte público. Além

disso, havia algumas mulheres que se incomodaram de serem chamadas de

“empregadas domésticas”, e, por isso, se recusaram a fazer parte da pesquisa. Na

realidade, foram consideradas apenas aquelas que voluntariamente responderam o

questionário durante a entrevista (n=159, o que corresponde a 83% da população

total). Consideramos a amostra aleatória na medida que não ocorreu entrevista

diferenciada para qualquer trabalhadora que constituía a população alvo.

Conforme classificação usualmente utilizada por pesquisadores desta

categoria profissional (Melo, 1998), definimos empregada doméstica como aquela

trabalhadora que exerce seu ofício em residências, diariamente, em tempo integral ou

parcial, ou por jornada diária. A doméstica que mora/dorme no próprio emprego, de

modo geral, possui longas jornadas de trabalho, sem horário fixo para começar e

terminar suas atividades. Já as funções da diarista e de faxineira são um pouco

distintas. As residentes, que vivem no local de trabalho recebem salário mensal, mais

casa e comida, são as mensalistas. No outro extremo, encontramos as diaristas, isto

é, empregadas que não residem no local de trabalho pois trabalham em várias casas

de família, recebendo salário diário ou semanal/mensal.

Em relação à formação escolar, o grupo estudado englobou tanto

empregadas que estavam matriculadas no Ensino Fundamental, quanto aquelas que

freqüentavam o Ensino Médio, ou o Profissionalizante. Isto porque optamos por

investigar como era realizada (e/ou, se realmente o era) a leitura dos rótulos dos

29

produtos de limpeza, e qual o nível de compreensão dos termos presentes nos rótulos

em função do tamanho das letras. Esses foram, por assim dizer, nossos “indicadores

ideais” de investigação.

Inicialmente o estudo foi explicado claramente a cada uma das

participantes e dada a oportunidade de se esclarecerem eventuais dúvidas a partir

dos questionamentos que surgiram. Todos os integrantes do grupo leram e assinaram

um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo 1), demonstrando sua

disponibilidade para participar deste projeto de pesquisa.

1.5.2 O local do estudo

O presente estudo foi realizado em uma instituição prestadora de serviços

de caráter sócio-educativo, localizada no coração do Bairro de Botafogo, zona sul do

município do Rio de Janeiro. Essa escola oferece um curso diurno com cerca de

3.500 alunos e um curso noturno que possui, atualmente, cerca de 1.300 alunos,

sendo a população noturna constituída basicamente pela classe trabalhadora de

diferentes categorias profissionais.

A escolha da instituição teve como principal critério ser a escola que

concentra o maior número de empregadas domésticas de uma área do município do

Rio de Janeiro, onde trabalham a maior parte das profissionais dessa categoria. Além

disso, pudemos contar com a facilidade de acesso à população estudada, em virtude

da pesquisadora trabalhar na mesma instituição.

O curso noturno dessa instituição, direcionado para jovens e adultos

trabalhadores com pouca ou nenhuma escolaridade, foi fundado em março de 1968

com o objetivo de oferecer cursos de Alfabetização, Ensinos Fundamental e Médio,

além de Educação Profissional no sentido de criar oportunidades para o mercado de

trabalho. A clientela do curso noturno é constituída, em sua grande maioria, por

pessoas provenientes do fluxo migratório das zonas rurais, ou ainda de outros centros

urbanos, oriundos de famílias sem recursos econômicos, as quais tiveram que lançar

mão de seus filhos em idade escolar como força de trabalho.

A instituição enfatiza também ações preventivas, desenvolvendo junto aos

alunos programas de educação para a saúde. Ela possui uma estrutura profissional

composta de 76 educadores, sendo que 54 são docentes e 22 não docentes. O

30

serviço de orientação é composto de quatro assistentes sociais, dois pedagogos, um

médico e um psicólogo.

A manutenção de uma equipe de Serviço de Orientação, constituída por

oito educadoras, é um sinal evidente das dificuldades e dos problemas especiais em

que vivem estes alunos. Essa equipe trabalha interdisciplinarmente, acompanhando

os alunos tanto em suas dificuldades relativas ao processo ensino-aprendizagem,

quanto também existenciais, procurando auxiliá-los em suas dificuldades

momentâneas, isto é, que afetam diretamente seu rendimento escolar, como perda de

emprego, doenças, problemas financeiros, problemas com familiares ausentes,

problemas de moradia, de alimentação, passagens, problemas emocionais e afetivos.

As idades do alunado variam desde adolescentes de quinze anos (idade mínima para

ingresso na instituição), até adultos na terceira idade.

Numa pesquisa realizada pelo serviço social da instituição, no segundo

semestre de 2003, alguns dados foram levantados:

a) em relação ao sexo, observa-se uma predominância do sexo feminino sobre o

masculino: 67,3% nos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental; e, 63,3%

nos últimos quatro anos restantes.

b) em relação à idade, verifica-se que a faixa etária predominante situa-se entre os

19-35 anos, com maior incidência entre os 20 e 25 anos. Podemos perceber com

isso que os alunos estão eqüitativamente distribuídos nas faixas de jovens e

adultos. Esta predominância de idade na faixa etária entre os 19 e 35 anos ocorre

em todo Ensino Fundamental.

c) em relação ao estado civil, predominam os alunos solteiros sobre os casados, com

cerca de 84,4%.

d) em relação à procedência, podemos perceber que os alunos provêm de diferentes

estados da Federação, sendo em maior número do Rio de Janeiro, Paraíba,

Ceará, Maranhão e Minas Gerais.

e) em relação à residência, observa-se que aproximadamente 51% dos alunos moram

em apartamento, seguido de 26,7%, residentes em casa. Esse dado encontra-se

relacionado com a atividade profissional dos alunos.

31

f) em relação à profissão, das 70 atividades profissionais computadas, a maior

incidência se encontra nos trabalhos domésticos: 41,7% nos quatro primeiros anos

do Ensino Fundamental e 22% nos quatro últimos anos. Observamos, portanto,

que na medida em que vai crescendo o nível de escolaridade, diminui o percentual

de alunos nestas ocupações.

Ainda como uma caracterização da clientela, podemos dizer que muitos

apresentam dificuldades na área da aprendizagem, dificuldades estas relacionadas

provavelmente à deficiência alimentar e outros fatores decorrentes da dura infância.

Para muitos deles estas dificuldades persistem até hoje devido à jornada de trabalho

estafante, além de más condições de habitação e falta de lazer.

1.5.3 Instrumentos de pesquisa

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Núcleo de Estudo de

Saúde Coletiva (NESC-UFRJ), incorporando os aspectos éticos recomendados pela

resolução 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Após sua aprovação

houve um esclarecimento a cada trabalhadora dos objetivos e benefícios deste

estudo, sendo então apresentados a elas os termos de Consentimento Livre e

Esclarecido (Anexo 1), que cada uma assinou por livre e espontânea vontade.

Na segunda etapa da pesquisa, cada indivíduo foi submetido a uma

entrevista com um questionário semi-estruturado (Anexo 2) aplicado pela

pesquisadora com a finalidade de levantar aspectos ocupacionais relacionados à

saúde desta população de empregadas domésticas e possíveis implicações derivadas

da utilização dos saneantes domissanitários, sempre levando em consideração a

relação saúde e trabalho que vimos discutindo nos capítulos anteriores. Estas

entrevistas representaram a principal fonte de dados do presente estudo. Foi

realizado um piloto para teste deste instrumento aplicado em 10 trabalhadoras, sendo

este precedido de explicação dos objetivos da pesquisa.

Selecionamos ainda um grupo de 16 entrevistadas, para as quais foi

solicitado que lessem três rótulos de produtos de limpeza. A pesquisadora assinalou à

margem das questões a clareza da leitura e os termos que não foram lidos ou

compreendidos pelas entrevistadas. A escolha dessas informantes recaiu nos

múltiplos de dez (aleatória) e os produtos de limpeza foram também escolhidos

32

aleatoriamente. A sala onde foi aplicado o referido instrumento era clara, ampla e bem

iluminada, de modo a facilitar a leitura dos rótulos. Outras questões que se fizeram

relevantes, além daquelas contidas no questionário, também foram abordadas pela

pesquisadora, de acordo com a natureza dos desdobramentos das respostas obtidas.

Na tentativa de traçar alguns parâmetros, o presente estudo levou em

consideração as seguintes variáveis:

Identificação: nome, estado civil, naturalidade, idade e formação escolar.

História ocupacional pregressa: foram solicitadas informações sobre o primeiro e os

dois últimos empregos. Tratamos de identificar a idade em que a informante

começou a trabalhar, atividade(s) que realizava, tempo que permaneceu em cada

um dos respectivos empregos, motivo(s) da(s) demissão(ões), percepção de risco

e tempo de afastamento.

História ocupacional atual: foram solicitadas informações sobre a data de admissão,

situação funcional, jornada de trabalho em horas, benefícios, moradia, carga

horária e atividades desenvolvidas no trabalho.

Morbidade geral: Por meio dessas questões buscamos informações sobre algum

problema de saúde que a informante tenha apresentado nos últimos quinze dias

que antecederam a entrevista, e quais foram estes problemas.

Avaliação: Tentativa de estabelecer relações entre o nexo ocupacional do sujeito, a

utilização de saneantes domissanitários e os possíveis problemas de saúde

mencionados pelas informantes, além da avaliação na compreensão da leitura dos

rótulos.

1.5.4 Armazenamento e análise dos dados

Com os dados coletados através dos questionários, foi criado, com a

utilização do software EPIINFO 6.04, um banco de dados por meio do qual foram

33

obtidas freqüências simples de cada uma das variáveis selecionadas com o objetivo

de descrevê-las. As variáveis consideradas importantes foram cruzadas para uma

melhor caracterização da população em estudo.

O tempo de atividade nos empregos e a manipulação de saneantes

domissanitários foram as variáveis independentes consideradas mais importantes

para a análise de associação. Como a atividade da trabalhadora doméstica tem como

especificidade a manipulação destes produtos de limpeza ou atividades afins, o tempo

de exposição foi considerado igual ao tempo de atividade na manipulação desses

produtos.

1.5.5 Outros aspectos éticos

Como citado anteriormente, este projeto incorporou os aspectos éticos

recomendados pela Resolução 196/96 sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e

não apresentou atividades que pudessem acarretar danos às dimensões físicas,

psíquicas, morais, intelectuais, sociais, culturais ou espirituais de nossos informantes.

Trata-se de um estudo que pode se reverter em recomendações para diminuir a

exposição do grupo estudado aos saneantes domissanitários.

Os dados que foram coletados referentes aos sujeitos da pesquisa foram

de uso exclusivo da equipe de pesquisa, e a pesquisadora responsável garantiu que

nenhum estranho tivesse acesso a essas informações e que foi preservado a

confidencialidade necessária. Não obstante, a divulgação dos resultados da pesquisa

deverá ser pública, e, em primeiro lugar, endereçada aos sujeitos da pesquisa.

Os sujeitos da pesquisa tiveram garantia de livre consentimento após total

esclarecimento de todos os benefícios e possíveis riscos que poderão advir do

desenvolvimento da pesquisa. A pesquisadora principal foi a pessoa responsável pela

coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos

envolvidos.

Vale também considerar que a equipe contou com o apoio da direção da

instituição onde foi realizada a pesquisa. Vale acrescentar que a mestranda é

funcionária da referida instituição onde foi realizado o estudo.

34

Finalmente, caso ocorresse algum motivo imprevisto, a suspensão ou

encerramento da pesquisa deveria ser decidido após discussão com todos os atores

sociais envolvidos, e sujeita à análise das razões pelos responsáveis deste projeto.

35

CAPÍTULO 2

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

O estudo das relações entre saúde e ambiente requer um tratamento

interdisciplinar, isto é, trata-se de um processo que pressupõe pensar estratégias e

diretrizes que devem ser construídas a partir de referenciais teóricos acerca da saúde,

do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Isso quer dizer que para

solucionar problemas complexos precisamos atuar não apenas nas suas partes

constituintes, mas, ao contrário, investir na compreensão sobre o todo do problema.

Para tal, é requerida a contribuição de diversas áreas e especialidades, pois quando

reconhecemos a complexidade dos problemas coletivos da saúde, do ambiente e da

qualidade de vida, somos levados a construir um modelo de compreensão e de

atuação interdisciplinar.

Os ambientes de trabalho vêm despertando interesse nos pesquisadores,

seja devido às situações de risco específicas para a saúde, seja por conta do

crescimento das estatísticas de acidentes, e/ou doenças que têm acometido os

trabalhadores. Segundo Câmara e Corey (1992), embora os ambientes de trabalho

apresentem comumente situações de risco que podem ser categorizadas como

físicas, químicas, mecânicas, biológicas, ergonômicas e psicossociais, os fatores de

risco em determinadas situações ultrapassam os limites dos ambientes de trabalho e

atingem também a população não trabalhadora.

Tambellini (1996) define a Saúde do Trabalhador como uma das áreas

presentes na Saúde Coletiva, um campo de práticas teóricas e de intervenção

concreta na realidade que tem como objeto os processos de saúde e de doença nas

coletividades. As relações entre saúde, doença e trabalho têm como ponto de partida

a investigação dos riscos para a saúde, presentes no âmbito da produção e do

consumo de bens e serviços, no meio ambiente e no modo de viver dos indivíduos.

36

Entre as diferentes situações de risco para a saúde originadas por

processos produtivos deve-se destacar a elevada toxicidade das substâncias

químicas. O uso indiscriminado destas substâncias propicia um processo intenso de

exposição das populações a esses produtos e uma deterioração ambiental crescente.

Como afirmam Tambellini & Câmara (2002):

[como] o ambiente pode de muitas maneiras afetar a saúde humana, é fundamental o conhecimento das situações de risco de origem no ambiente e suas conseqüências para a saúde (p. 86).

No ambiente circula um elevado número de substâncias químicas, e para a

grande maioria delas ainda não estão disponíveis conhecimentos toxicológicos,

ecotoxicológicos, metodologias e tecnologias, tanto para o diagnóstico de situações

de risco para a saúde quanto para o desenvolvimento de atividades de vigilância que

visem sua prevenção e controle (Geo-Brasil, 2002). Além disso, um grande número de

produtos é elaborado pelas indústrias ano após ano, mas geralmente o público

consumidor não dispõe de informações mais claras sobre o seu possível impacto na

saúde humana e ambiental. Ainda que as indústrias aleguem que estes produtos

estão diluídos em outras substâncias e, deste modo, não representam ameaças aos

consumidores, cientistas e grupos ambientalistas têm demonstrado uma preocupação

crescente em virtude da falta de controle mais efetivo por parte das autoridades

públicas, visto que uma exposição prolongada, mesmo em pequenas doses, a estes

produtos, pode virtualmente causar sérios danos à saúde:

A cada ano são incorporadas aos processos produtivos milhares de novas substâncias. Mas é escasso, quanto aos efeitos sobre a saúde, o conhecimento sobre a grande maioria das substâncias químicas (Câmara et al., 2003).

A própria lógica do desenvolvimento industrial e inovações tecnológicas no

ramo químico vêm possibilitando um crescimento dos riscos numa velocidade bem

maior do que a capacidade científica e institucional de analisá-los e gerenciá-los.

Embora diversos produtos sejam comprovadamente prejudiciais à saúde humana, seu

consumo ainda é incentivado pelos meios de propaganda, sem, acreditamos,

adequada orientação técnica. E conforme indica um recente estudo do Greenpeace

(2004), os estudos que investigam a associação de agravos à saúde com o uso de

37

saneantes domésticos são escassos e baseados apenas em casos de intoxicação

aguda.

À medida que as pesquisas em Epidemiologia avançam, 6 sobretudo nas

instituições de ponta dos chamados países desenvolvidos, vem sendo constituído um

conhecimento mais sólido que tem permitido aos pesquisadores estabelecer relações

mais precisas entre algumas doenças respiratórias, gastrointestinais, dérmicas e

outras (tais como conjuntivites e otites) e a exposição a agentes químicos presentes

em produtos domissanitários, ou por compostos gerados a partir de sua aplicação nos

ambientes internos, ou mesmo decorrentes da própria atividade de limpeza.

No Brasil, entretanto, ainda é freqüente que se subestimem as várias

conseqüências desses casos de enfermidades e intoxicações no que tange à saúde

coletiva e à economia.7 O que se nota é que existe uma certa tendência para

considerar certas infecções que afetam a coletividade como secundárias, mesmo

sabendo-se que elas representam um sério problema que afeta tanto indivíduos

adultos, que compõem a população economicamente ativa, quanto crianças em fase

escolar. Nos indivíduos pertencentes aos grupos de risco os casos podem ser ainda

mais sérios, requerendo até hospitalização, o que ocasiona custos adicionais para a

coletividade.

Além disso, como veremos adiante, apesar de haver uma grande variação

na incidência de doenças pulmonares ao redor do mundo, seja com relação à asma, à

pneumonia, à tuberculose, ou mesmo ao câncer de pulmão, todas essas doenças

podem ser causadas pela exposição a agentes nocivos no ambiente de trabalho, ou

seja, terem em sua origem uma causa de tipo ocupacional, o que requer atenção das

6 A Epidemiologia descritiva mostra a freqüência de uma determinada doença nos diferentes grupos populacionais, considerando o local e o momento em que isto é observado. Procura, também, esclarecer as causas da variabilidade de uma doença na população. As vantagens deste tipo de estudo consistem na sua facilidade de execução, simplicidade da análise dos dados, apresentando um custo relativamente baixo e, suas desvantagens seriam o baixo poder analítico (inadequado para testar hipóteses causais) e o tempo, pois se o estudo for muito prolongado poderá apresentar sérias alterações metodológicas (Klein & Bloch, 2002). 7 De um levantamento realizado na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional entre os anos de 1974 e 1994, foram encontrados poucos trabalhos. Em 1974, Goelzer chamava a atenção para um componente cancerígeno (o cloreto de vinila) presente nos aerossóis, o qual poderia vir a comprometer a saúde de cabeleireiros. Em 1979, Morita e outros publicavam um trabalho sobre casos de intoxicação com inseticidas organofosforados, seguido por Lombardi e outros (1983), que pesquisaram os inseticidas de uso doméstico. Mais recentemente, começam a surgir alguns trabalhos sobre contaminações com agrotóxicos, e destacam-se os trabalhos de Câmara Neto (2000), que estudou as relações entre condições sanitárias do ambiente urbano e o uso de pesticida doméstico; e de Diel e outros (2003), que estabeleceram relações entre o consumo de inseticidas e a renda per capita. Porém, pouca relevância tem sido dada aos problemas decorrentes da exposição aos produtos de limpeza e/ou demais domissanitários, a não ser

38

autoridades para encarar o desafio de converter os dados da pesquisa epidemiológica

em informação específica o bastante no sentido de iniciar mudanças nas práticas de

trabalho.

Como afirma o editorial do volume 26, do ano de 2000, do Scandinavian

Journal of Work, Environment & Health,

“as causas etiológicas precisas das doenças pulmonares têm recebido mais atenção do que aquelas relacionadas a outras enfermidades, particularmente porque a resposta dos pulmões aos agentes externos pode ser monitorada com mais precisão do que muitos outros órgãos, e parcialmente porque a maior parte das doenças pulmonares podem se derivar de substâncias inaladas, e essas substâncias podem ser medidas no ar que nós respiramos”.

Ainda segundo o mencionado editorial, o exame de raio-x foi o primeiro

método objetivo para o acesso aos pulmões. As reações fibróticas e inflamatórias,

provocadas pela retenção de poeira nos pulmões, são freqüentemente visíveis nas

radiografias do tórax, e as pneumocistoses foram as primeiras doenças pulmonares

de origem ocupacional bem estabelecidas. É necessário, entretanto – segundo os

editores –, distinguir entre as causas de doenças ocupacionais e não-ocupacionais.

Embora o câncer pulmonar e a doença crônica de obstrução pulmonar podem ser

provocados por fatores ocupacionais, somente pode ser atribuída uma causa

particular a uma determinada doença através das estimativas de risco derivadas de

uma abordagem epidemiológica.

De todo modo, o estudo epidemiológico de doenças crônicas no ambiente

de trabalho é notoriamente difícil, pois os trabalhadores que desenvolvem uma

doença crônica geralmente se afastam (ou são afastados), e somente aqueles que

são relativamente resistentes aos efeitos da exposição ocupacional permanecem para

serem estudados.8 Conforme veremos mais adiante, os estudos observacionais em

base de coortes, utilizando usualmente mensurações feitas durante surveys seguidos

de follow-up, têm sido empregados para lidar com os problemas que surgem em

função das dificuldades inerentes à pesquisa em ambientes de trabalho. O

acompanhamento dos sujeitos da pesquisa durante um período de tempo permite

algumas denúncias publicadas em revistas especializadas (Gonçalves, 2003), e jornais de grande circulação (Santos, 2005). 8 Esse risco de deturpar os dados da pesquisa devido a uma contingência temporal e espacial específica é chamado pela literatura especializada como healthy worker effect, ou o “efeito do trabalhador saudável”.

39

avaliar potenciais fatores de risco ocupacionais ou ambientais, isto é, potenciais

causas de uma dada condição clínica (Hulley et al., 2003, pp. 113-25).

2.1 O uso de desinfetantes no ambiente doméstico

Como demonstra nosso recenseamento da literatura especializada no

assunto, os estudos relativos ao uso de saneantes domissanitários em ambientes

domésticos eram escassos até algumas décadas atrás. Num primeiro esforço de

organizar as pesquisas realizadas até meados da década de 1970, Saly Bloomfield

(1978) procurou passar em revista ao conjunto dos produtos desinfetantes destinados

ao uso doméstico e tentou estabelecer o valor potencial do seu emprego em várias

áreas do lar. Porém, apesar do foco no ambiente doméstico, a autora nos alerta, já no

início do seu artigo, que os dados disponíveis até aquele momento se baseavam, na

sua maioria, em pesquisas realizadas em hospitais.

A autora relata que a partir da década de 1950 foram sendo desenvolvidas

investigações em microbiologia aplicada e áreas afins, e realizados testes de

laboratório e simulações para demonstrar a atividade dos desinfetantes como agentes

de redução da contaminação ambiental e controle de infecções em ambiente

hospitalar, onde o risco de disseminação mais freqüentemente ocorre via a

contaminação cruzada (de um paciente a outro), e essencialmente via mãos ou

vestimentas dos enfermeiros e médicos, ou ainda através do ar e das partículas de

poeira.9

As pesquisas usualmente diferenciavam as chamadas áreas “secas” e

“molhadas”, procurando estabelecer em cada uma delas a capacidade de

sobrevivência de microorganismos potencialmente patogênicos: bactérias, vírus,

fungos e outros germes.

Com relação às áreas secas, descobriu-se que os pisos e material de

forração do solo (carpetes e tapetes) são mais fortemente contaminados do que

9 Uma avaliação microbiológica de desinfetantes químicos de uso doméstico foi realizada no Brasil por Timenetsky (1990). O Grupo Técnico de Saneantes Domissanitários (GTSAN), da FioCruz, realiza um relevante trabalho de análise de saneantes domissanitários, alertando os órgãos de vigilância sanitária para a importância da inspeção das empresas fabricantes e do monitoramento desses produtos, consumidos de forma constante e rotineira pela população.

40

outras áreas nas mesmas condições (paredes, janelas e teto; vestimentas e roupas

de cama e banho), e que, apesar de efetivo após a aplicação, o uso de desinfetantes

era em geral de pouca valia, uma vez que essas áreas voltavam a se contaminar

poucas horas após a atividade de desinfecção. Recomendava-se, simplesmente, o

controle da poeira, complementando a rotina por meio da limpeza com água quente e

detergente, considerados suficientes para a descontaminação; ou o acréscimo de

uma certa proporção de hipoclorito de sódio, no caso do emprego de água fria nos

procedimentos de lavagem de roupa.

As chamadas áreas molhadas, por outro lado, onde pode haver acúmulo

de líqüidos de diversos tipos, representam as principais áreas em que o uso de

desinfetantes é recomendado. Mesmo aí, no entanto,

“as evidências de hospitais e outros locais indicam que a aplicação per se de desinfetantes produz pouca ou nenhuma permanente redução na contaminação bacterial em situações que estão expostas à contínua recontaminação do ambiente. Consistentemente, baixos níveis de contaminação podem ser alcançadas em áreas molhadas somente pela limpeza com água quente e detergentes, e a aplicação de desinfetantes onde for apropriado” (p. 16).

É impressionante pensar que o conjunto desses estudos apontava que a

eficácia da limpeza e descontaminação era derivada mais dos cuidados com os

utensílios e métodos de limpeza empregados, do que propriamente com o acréscimo

de produtos químicos, tais como desinfetantes. E, de fato, em 1976, um documento

sobre o uso de alvejantes e desinfetantes no lar, do Public Health Laboratory da Grã-

Bretanha, recomendava

“o uso de água quente e detergente para a maioria dos processos de limpeza, e sugeria também, quando fosse possível, que itens tais como roupas e outros utensílios de limpeza deveriam ser descontaminados por fervura; em certos casos o uso adicional de alvejante era recomendado, mas apenas em situações em que fosse considerado que esse produto químico fosse trazer alguma contribuição para o controle da infecção no lar, e apenas quando acompanhado por todos os procedimentos de limpeza” (apud Bloomfield, p. 17; grifo nosso).

Bloomfield afirma que, como existem várias áreas molhadas dentro de uma

casa, os níveis e os tipos de contaminação que elas abrigam variam

consideravelmente. Em função do conhecimento existente até aquele momento, a

autora elenca uma série de situações em que os desinfetantes poderiam ser de

grande valia no controle das infecções. Certos recipientes, tais como pias e lavatórios,

41

utensílios de limpeza, banheiras, vasos sanitários e ralos mereceriam uma atenção

especial. Além disso, em virtude do alto risco de contaminação existente em

banheiros e cozinhas (sobretudo no preparo de alimentos crus), recomendava-se para

esses locais o uso de desinfetantes.

Tanto a higiene pessoal, quanto o que autora denomina de “situações de

alto risco” (isto é, primeiros socorros e cuidados com pessoas idosas e enfermas, e

higiene infantil), também são objeto de sua atenção.

No que tange à higiene pessoal, afirma Bloomfield que há relatos

conflitantes na literatura sobre a relação entre os efeitos dos produtos empregados e

a possível redução na incidência de infecções. Em geral, as pessoas sadias são

adequadamente resistentes contra organismos patogênicos que se depositam na

superfície da pele, a chamada “flora transiente”, e o uso de sabões, sabonetes e

xampus com propriedades bactericidas e/ou fungicidas é somente recomendado em

casos específicos, pois reações adversas, tais como irritação e fotossensibilidade,

podem ocorrer. Normalmente, o cuidado com a lavagem regular das mãos com água

e sabão é suficiente para conter a contaminação cruzada no ambiente doméstico.

Quanto às situações de alto risco, recomenda-se, no primeiro caso,

cuidado na administração de desinfetantes, porque eles podem estar incorretamente

diluídos, ou mesmo contaminados, transformando-se em reservatórios de infecções.

No que se refere à higiene infantil, a utilização de água fervida juntamente com a

imersão em solução com hipoclorito tende a surtir bons resultados, ainda que não

inteiramente satisfatórios.

Nas décadas seguintes foram realizadas várias pesquisas – muitas das

quais conduzidas por Bloomfield10 –, que permitiram avançar no conhecimento dos

potenciais riscos de infecção no ambiente doméstico, e novas recomendações foram

traçadas. Como veremos na próxima seção, o uso de desinfetantes passou a ser

indicado em certas situações específicas, sendo que os cuidados com a higiene do

lar, a higiene dos alimentos e a higiene pessoal têm adquirido uma importância vital,

na opinião dos higienistas, no sentido de conter o avanço das infecções na

coletividade. Em publicação recente (IFH, 2002b), o Fórum Internacional de Higiene

Doméstica credita o sucesso do controle das doenças infecciosas, sobretudo nos

10 As referências bibliográficas podem ser encontradas em IFH, 2002b; e 2002c.

42

países em desenvolvimento, a uma política pública de saúde que combina

saneamento ambiental (tratamento da água e esgotos) e políticas educacionais de

higiene doméstica.

2.2 O debate entre autoridades alemães e higienistas

Em 2000, o Instituto Alemão de Proteção à Saúde do Consumidor e à

Medicina Veterinária, juntamente com a Autoridade Alemã do Meio Ambiente e o

Instituto Robert Koch publicaram um relato em que se afirmava que no ambiente

doméstico o processo de limpeza com um detergente convencional era suficiente para

reduzir o risco de contaminação a um nível seguro e saudável, isto é, que o uso de

bactericidas e demais saneantes domissanitários eram nitidamente desnecessários.

Também afirmava que a utilização de produtos desinfetantes neste meio acarretava

potenciais riscos a saúde, tais como alterações na flora natural da epiderme e o

favorecimento de mecanismos de resistência dos germes (IFH,2002b). Além disso, as

autoridades alemães estavam preocupadas com os efeitos adversos promovidos

pelos agentes que contêm fenóis ou halogênios, tanto sobre a funcionalidade do

tratamento biológico do esgoto, como sobre os equipamentos de tratamento da água

potável.

Em 2002, o Fórum Internacional de Higiene Doméstica (IFH, 2002a)

questionou essas colocações, que, segundo os pesquisadores reunidos, estavam

baseadas em dados desatualizados de pesquisas realizadas na década de 1970. O

IFH traçou outras recomendações, visto que as questões levantadas pelos alemães

poderiam confundir a percepção do público em relação aos riscos de doenças

infecciosas no ambiente doméstico e sobre a importância de medidas eficazes no

controle de tais riscos.

O Fórum Internacional acredita, como as agências alemãs, que em muitas

situações o processo de limpeza com um detergente básico é suficiente no controle

de riscos à saúde. No entanto, reitera que existem situações em casa nas quais o uso

de desinfetantes é recomendável. Segundo os pesquisadores ali reunidos, para ser

efetiva, a política de higiene doméstica precisa estar baseada na relação entre a taxa

de risco e a prevenção do risco. O IFH destaca, ainda, a importância de se escolher

43

um produto próprio de acordo com a necessidade, de modo a evitar o uso excessivo

de agentes químicos dentro do ambiente doméstico. O Fórum se propôs também a

elaborar uma política de higiene doméstica baseando-se em estudos mais recentes,

que indicam as principais fontes de contaminação doméstica: o manuseio de comidas

cruas; a existência de pessoas doentes em casa; e a presença de animais de

estimação em ambientes domésticos (IFH, 2002b).

Segundo essas pesquisas, a contaminação pode ser disseminada a partir

dessas fontes através de atividades cotidianas via manuseio de alimentos, superfícies

e outras rotas, e de pessoa a pessoa dentro de uma mesma família. O IFH concluiu

que a interrupção das rotas de transmissão através de uma boa política de higiene

doméstica poderia reduzir significantemente a incidência de infecções na comunidade

e no ambiente doméstico (IFH, 2002c).

Os pesquisadores estabeleceram uma diferença entre as atividades de

limpeza rotineiras e a prevenção de uma contaminação cruzada. A higiene doméstica,

diária ou semanal, reduz o risco de infecção, evitando a reprodução dos germes. Mas

em alguns casos o uso de desinfetante é recomendável; isto é, mesmo que as

autoridades alemães afirmassem que a atividade de limpeza por si só poderia estar

associada com a disseminação de germes no ambiente doméstico, em relação ao

desenvolvimento de mecanismos de resistência dos germes nada ainda foi

comprovado.

De modo geral, as bactérias resistentes a antibióticos são trazidas para o

ambiente doméstico por animais, mas os agentes virais também podem provocar não

somente infecções gastrointestinais como também respiratórias. Como as infecções

virais não são tratadas com antibióticos, deve-se, segundo o IFH, reforçar a

necessidade de prevenção através da higiene.

Estudos têm apontado ainda a disseminação de um grande número de

vírus e bactérias potencialmente infecciosas a partir de comidas infectadas, pessoas

ou animais doentes, e também através das mãos, roupas e outras superfícies. No

ambiente doméstico também pode ocorrer a disseminação de vírus respiratórios,

como o rinovírus e o vírus sincicial respiratório durante as preparações de alimentos

crus na lavagem de roupas, ou por meio de lenços, maçanetas de portas e telefones.

Os experimentos indicam que o vírus é transferido pelos dedos à mucosa nasal ou

conjuntiva, e isto possibilita uma infecção.

44

Em alguns casos o ambiente doméstico, por ter se tornado um meio de

cuidados médicos, vem se transformando num fator de risco bem semelhante ao de

um hospital. Em função do envelhecimento da população, um maior número de

pessoas carecem de serviços de saúde em casa, e nesse caso em particular o uso de

desinfetantes tem sido considerado indispensável para a higiene doméstica, e

recomendado como política de saúde para o controle de situações de risco.

Quanto à possível correlação entre a utilização de biocidas e à resistência

aos antibióticos, os estudos até o presente momento concluíram que não há

evidências suficientes na prática clínica, mesmo porque, talvez seja a prescrição

demasiada de antibióticos a principal responsável pela resistência dos germes. Outro

argumento dos higienistas a favor do uso de desinfetantes no ambiente doméstico,

seria que os biocidas utilizados na higiene poderiam contribuir para reduzir o impacto

da resistência ao antibiótico pela diminuição do número de infecções, o que levaria,

conseqüentemente, a uma menor taxa de prescrição aos antibióticos.

No que se refere às questões ambientais, estudos recentes provaram que

os desinfetantes baseados nos aldeídos, cloro e álcool, quando usados no ambiente

doméstico, são degradáveis e não contaminam o tratamento do esgoto ou da água

potável. Embora o hipoclorito produza traços de substancias organocloradas (cerca de

1,5% do cloro original), essas substâncias são geralmente biodegradáveis e solúveis

em água tornando-se improvável que causem sérios danos ao meio ambiente. Para

se ter uma idéia, o consumo de hipoclorito doméstico na Inglaterra é cerca de dez

vezes maior que o consumo na Alemanha, e mesmo assim o Comitê Técnico da

Inglaterra para Detergentes e Meio Ambiente concluiu que não há nenhum relato de

que os biocidas contendo halogênios exerçam efeitos adversos nos trabalhos de

tratamento de esgotos.

O impacto dos componentes biocidas no meio ambiente deve ser avaliado

caso a caso, visto que o comportamento e a natureza de cada um varia dentro de

uma faixa muito grande. Mas com relação à experiência em países onde o consumo

destes produtos é elevado e utilizado há muitos anos, nada tem sido sugerido que tais

produtos possam trazer riscos significativos para a saúde coletiva. No entanto,

afirmam os higienistas, é importante elaborar dossiês detalhados e atualizados de

45

cada componente químico destes produtos, para uma melhor avaliação sobre o seu

impacto ambiental.11

Em suma, ao se pensar num balanço de probabilidades entre os riscos de

biocidas e a necessidade de um processo efetivo de higiene para reduzir riscos de

infecção no ambiente doméstico, o IFH concluiu que os benefícios da utilização no

ambiente doméstico de processos de desinfecção em determinadas situações de

risco devem ser considerados, e que esta medida representa uma importante atitude

na proteção da saúde, no controle de infecções e da disseminação de

microorganismos que são resistentes aos antibióticos.

2.3 Asma, produtos e atividades de limpeza e Saúde Ocupacional

A relação entre alergênicos existentes no ambiente doméstico e a asma

tem sido extensivamente estudada por especialistas médicos, mas apenas

recentemente estudos têm sugerido a possibilidade do papel de poluentes químicos

no ambiente interno relacionado com a gênese da asma. Dados da pesquisa

bibliográfica que realizamos nos sugerem que foi nos países escandinavos que

surgiram as primeiras investigações sobre o tema, em parte motivados pelo que se

convencionou chamar de “Síndrome dos Edifícios Doentes”; em parte devido ao

grande número de casos de problemas respiratórios decorrentes do clima gélido e da

necessidade de contar com equipamentos de isolamento térmico e aquecimento

central. Neste sentido, a preocupação com a poluição dos interiores (indoor pollution)

se tornou um problema de saúde pública que motivou pesquisadores de vários

países.12

O estudo de Burge & Richardson (1994) é um exemplo de um dos

primeiros trabalhos a relatar um grave caso de asma ocupacional desenvolvido pela

exposição a um agente químico (lauryl dimethyl benzyl ammonium chloride) presente

11 Ver a respeito a publicação da OMS (2000). 12 Em 1993, S. Meredith (apud Medina-Ramón et al., 2003) já investigava casos de asma ocupacional notificados no Reino Unido. Nos EUA, trabalho semelhante foi desenvolvido por Jojosky R. et al. (1999, apud Medina-Ramón et al., idem) entre os anos de 1993 e 1995. Reinisch et al. (2001, apud Zock et al., 2002) analisaram casos de notificação de asma ocupacional na Califórnia entre os anos de 1993 e 1996. Na Finlândia, Karjalainem, A. et al. (2002 apud Zock et al., idem) estudaram a incidência de asma entre trabalhadores em limpeza em diferentes indústrias.

46

em um produto de limpeza utilizado para a desinfecção do piso de um local de

trabalho. Trata-se de um estudo de caso individual de um farmacêutico de 44 anos

que se viu ameaçado de perder seu emprego. Seu caso foi confirmado por uma série

de medidas dos picos de fluxo respiratório, tanto em casa como no trabalho. A

substituição deste produto de limpeza por um simples detergente levou a um

substancial melhora da sua situação clínica.

Em 1998, Wolkoff e outros publicaram um trabalho que fornecia uma

abrangente introdução aos agentes de limpeza, e tratava do impacto da atividade de

limpeza sobre os trabalhadores domésticos e ocupantes de ambientes fechados. Os

agentes de limpeza são usualmente agrupados em diferentes categorias em função

de suas funções técnicas e a intenção de uso (isto é, desinfetantes e limpadores de

superfície, por exemplo), mas o estudo também indica que existe uma relação entre

efeitos adversos de saúde ou desconforto associados com esses agentes em

conexão com o processo de limpeza.

Em virtude de conterem tanto substâncias voláteis como não voláteis, os

desinfetantes foram identificados pelos autores como o mais perigoso grupo dentre os

agentes de limpeza. Os seus constituintes mais significantes são os compostos

orgânicos voláteis (COVs). Partículas de sujeira também contêm uma grande

variedade, tanto de substâncias voláteis como não voláteis, incluindo alergênicos.

Enquanto a fração volátil pode consistir de mais de 200 diferentes COVs, incluindo

formaldeídos, a fração não volátil pode conter consideráveis quantidades de sais de

gordura ácida e tensoativos, tais como sulfonatos alquil benzeno lineares. Como o

nível dessas substâncias pode ser alto imediatamente após o processo de limpeza, é

provável que elas se originem parcialmente do uso dos agentes de limpeza. No

entanto, as atividades de limpeza também geram poeira, principalmente por

ressuspensão, assim como outras atividades desenvolvidas nos ambientes internos,

as quais podem ressuspender a poeira por longos períodos de tempo.

De acordo com Wolkoff et al. (1998), um dos mais extensivos estudos

sobre agentes de limpeza foi realizado na Dinamarca, no final dos anos 80, em virtude

de uma notificação de registro compulsório, emitida em 1986, pela Agência de

Proteção Ambiental Dinamarquesa para agentes utilizados em processos de lavagem

e limpeza em geral (Børglum & Hansen, 1994, apud autores). Foram coletadas

informações sobre quantidades manufaturadas e importadas, bem como sobre a total

47

composição química de agentes de limpeza em uso naquele ano: um total de 2.567

agentes, num montante de aproximadamente 250 mil toneladas!

Também na Dinamarca, entre os anos de 1989 e 1991, Nielsen & Bach

(1999) realizaram um estudo de coorte prospectivo com faxineiras empregadas em

enfermarias, escolas e escritórios. O trabalho foi conduzido de forma a descrever a

incidência de sintomas oculares, nasais ou de garganta derivados da asma e da

bronquite entre faxineiras de diferentes faixas etárias, e diferentes experiências

profissionais, com relação ao uso de sprays.13

Os estudos basearam-se em questionários, tendo sido acompanhado um

grupo de 1.011 mulheres durante o período. A média de idade em 1989 era de 45

anos e a média de anos de trabalho entre as mais experientes era de 10 anos.

Concluiu-se que o risco para desenvolver sintomas respiratórios era o mesmo entre

as menos e as mais experientes trabalhadoras. O uso de sprays durante o período da

investigação, no entanto, foi associado a um risco incremental de ocorrência de

sintomas oculares e respiratórios.

Apesar de estudos realizados com indivíduos ter mostrado que alguns

biocidas e aditivos causam asma ocupacional tanto em faxineiros como em

trabalhadores cujos ambientes de trabalho foram limpos enquanto eles não estavam

presentes, o Survey da Comunidade Européia para a Saúde Respiratória (SCESR),

predominantemente investigando a asma, descobriu que trabalhadores em limpeza

têm um maior risco para desenvolver asma. As investigações ainda estão sendo

realizadas, buscando identificar entre os diferentes tipos desses profissionais

(domésticos, industriais, comerciais, etc.) os tipos particulares de exposição no seu

ambiente de trabalho.

Exemplos desses estudos são os trabalhos de Zock et al. (2001; 2002) e

de Medina-Ramón et al. (2003), que foram realizados no sentido de aprofundar os

conhecimentos sobre a incidência de doenças respiratórias de origem ocupacionais,

sobretudo a asma, que afetam os trabalhadores em limpeza em ambientes fechados.

A originalidade desses estudos decorre do fato de, além de ser particularmente difícil

realizar uma investigação com trabalhadores domésticos (como se trata de uma

13 Segundo consta, J. Nielsen também realizou o primeiro trabalho em Saúde Ocupacional de empregados em limpeza, intitulado “The health of cleaners”, apresentado como tese PhD na Universidade de Copenhagen, em 1995. Infelizmente seu trabalho ainda não foi traduzido do dinamarquês (Nielsen, J., 1995, apud Wolkoff et al., 1998).

48

ocupação com alto grau de informalidade, mesmo nos países europeus não estão

disponíveis registros oficiais), estão sendo encontradas evidências de que a própria

natureza da atividade ocupacional, bem como a exposição a produtos químicos pode

estar associada ao risco do desenvolvimento da asma.

O primeiro deles (Zock et al., 2001) trata-se de um estudo transversal a

partir de dados coletados com trabalhadores em limpeza na Espanha, como parte do

SCESR. Os autores afirmam que até que os primeiros trabalhos do grupo de

pesquisadores do Survey começassem a vir à luz, em 1999, as atividades de limpeza

não eram geralmente associadas como uma ocupação de alto risco com relação à

asma ocupacional. Os estudos baseados em uma determinada categoria profissional

(work-force based studies), e os estudos de comunidade (community-based studies)

haviam identificado algumas profissões de risco, tais como pintores que utilizam

sprays, padeiros e confeiteiros, soldadores, agricultores, técnicos de laboratório que

lidam com animais, cabeleireiros e enfermeiras.

Apesar de não haver até aquele momento nenhum estudo epidemiológico

focado nos trabalhadores em limpeza, alguns trabalhos anteriores haviam sugerido

que agentes químicos presentes em produtos de limpeza poderiam causar asma, tais

como os derivados de cloro e amônia, os compostos quaternários de amônia, e as

etanolaminas. Os pesquisadores se propuseram então a investigar o uso de produtos

de limpeza específicos em determinadas atividades de limpeza, procurando

estabelecer as condições de risco para essa população contrair asma ocupacional, se

comparados com um grupo de referência formado por trabalhadores de escritório. Os

próprios autores reconhecem, entretanto, que a amostra muito pequena (21 sujeitos)

e bastante seleta era uma limitação potencial do trabalho realizado.

De todo modo, segundo eles, o risco excessivo para asma foi confirmado

usando informações específicas sobre a atividade de limpeza e questões sobre

sintomas respiratórios relacionados com o trabalho. Além disso, foram investigados os

determinantes da asma entre trabalhadores em limpeza de ambientes fechados, que

foram predominantemente atribuídos à limpeza de domicílios particulares. A limpeza

de banheiros e cozinhas, a aplicação de lustra-móveis, e o uso de limpa-fornos em

spray e polidores surgiram como os principais fatores de risco para asma ocupacional

entre trabalhadores de limpeza domésticos.

49

Algumas hipóteses foram traçadas a partir dos resultados encontrados (p.

79-80). Em primeiro lugar, o fato de a asma ocupacional estar relacionada com a

limpeza de cozinhas deve dizer respeito ao uso de compostos de amônia e sprays

limpa-forno, cujo componente ativo é a soda cáustica. Inclusive, algumas

queimaduras de pele devido ao uso desses produtos já tinham sido reportadas. Além

disso, o uso de produtos de limpeza na forma de sprays facilitam a inalação da soda

cáustica contida em aerossóis, possivelmente similar ao que ocorre com a amônia.

Em segundo lugar, o polimento de móveis e o uso de lustra-móveis em

spray também já foram relacionados com a asma. Esses produtos contêm uma

variedade de compostos químicos que podem agir como irritantes das vias

respiratórias. E, sobretudo, alguns deles possuem uma fragrância à base de pinho ou

limão que contém (mono) terpenos, os quais têm potencialmente propriedades

sensibilizadoras.

Finalmente, os trabalhadores domésticos também apresentavam maior

propensão a desenvolver alergias do que trabalhadores de limpeza em outros

ambientes, para as quais os autores apontam um mecanismo plausível de

agravamento da asma em virtude das atividades ocupacionais: irritantes, aditivos,

conservantes, biocidas e inibidores de corrosão em metais, todos esses compostos

podem provocar problemas de saúde de diversa índole, conforme vimos no primeiro

capítulo (Wolkoff et al., 1998). O uso de luvas de borracha também podem introduzir o

risco de sensibilização e asma devido a alergênicos do látex, e a mistura de

compostos de cloro e amônia produz um gás altamente tóxico, a monocloramina, que

provoca a síndrome reativa de disfunção das vias respiratórias.

O trabalho seguinte de Zock et al. (2002) foi um estudo epidemiológico de

base comunitária internacional (international community-based epidemiological study)

a partir de amostras aleatórias selecionadas em países de diferentes continentes.

Embora, conforme afirmam os autores, não tenha sido possível estabelecer o papel

desempenhado por características específicas do trabalho em limpeza, o estudo

demonstrou que os casos de asma de trabalhadores em limpeza apresentam grande

similaridade com a asma em trabalhadores que sabidamente correm o risco de

adquirir asma ocupacional. Além disso, os resultados alcançados destacam o fato de

que os trabalhadores em limpeza têm uma excessiva prevalência para apresentar

bronquite crônica, sendo importante, como indicam os autores, desenvolver estudos

50

posteriores “cujo foco recaia na identificação da exposição (química), incluindo

irritantes, e a sensibilização específica a agentes de limpeza, e o diagnóstico clínico

dos casos” (p. 683).

O artigo de Medina-Ramón et al. (2003), realizado a partir dos estudos

epidemiológicos acima, afirma que aqueles pesquisadores haviam mostrado uma

associação entre o trabalho em limpeza e a asma, mas reconhece que os fatores de

risco ainda eram incertos, uma vez que tais estudos se basearam numa pequena e

seleta amostra populacional, sob a qual poderia ter incidido um viés específico (recall

bias). Assim, o objetivo dos autores era estabelecer o risco de mulheres empregadas

em serviços domésticos de limpeza adquirirem asma, pois não havia, até aquela data,

estudos epidemiológicos publicados que estabelecessem uma associação precisa

entre esses fatores (p. 952). Dado o cuidado metodológico com que foi conduzida a

pesquisa, acreditamos também ser importante nos determos um pouco mais sobre

este artigo.

O trabalho do grupo de pesquisadores de Medina-Ramón trata-se de um

estudo transversal (cross sectional) que foi conduzido em Cornellà, uma cidade da

área metropolitana de Barcelona, na Espanha. Utilizando um censo municipal,

selecionou-se uma amostra aleatória de 5.390 mulheres residentes (37%), com

idades variando entre 30 e 65 anos, e com menos de oito anos de educação formal. A

partir de um questionário padrão elaborado no seio da pesquisa para a Comunidade

Européia (Burney, P. et al., 1994; e Galobardes. B. et al., 1998 apud Medina-Ramon

et al., 2003), foram selecionadas as variáveis-teste em base de questões sobre

sintomas relacionados à presença de asma (current asthma), à asma em estágio

inicial (adult onset asthma), à bronquite crônica (chronic bronchitis), à rinite (rhinitis), e

a sintomas respiratórios relacionados com atividades ocupacionais (work related

respiratory symptoms). Questões mais detalhadas acerca do trabalho em limpeza

seguiram as perguntas sobre sintomas respiratórios.

Os sujeitos foram classificados de acordo com o tempo de trabalho e o tipo

de atividade de limpeza realizado, tornando possível a distinção entre trabalhadores

mais e menos experientes. Distinguiu-se também entre as faxineiras domésticas e

não domésticas. Por meio da análise estatística, utilizando modelos de regressão,

foram estimados as freqüências desviantes (odd ratios) e um intervalo de confiança

de 95% para cada grupo de trabalhadores em limpeza segundo a classificação em

51

função do status respiratório. Freqüências desviantes foram ajustadas para grupos de

idade e situação em relação ao hábito de fumar. As mulheres que nunca tinham

trabalhado em limpeza foram usadas como grupo de referência.

As evidências do trabalho foram conclusivas: 25% dos casos de asma na

população em estudo foram atribuídos ao histórico de trabalhos em limpeza

doméstica (p. 953). O incremento significativo no risco de apresentar asma e outros

sintomas respiratórios foram encontrados em mulheres que correntemente

trabalhavam como faxineiras domésticas, bem como entre aquelas que tinham

trabalhado em atividades de limpeza no passado. A variável exposição ocupacional foi

considerada igualmente relevante para a alta prevalência de asma em faxineiras

domésticas seja como um líquido incremento na sua incidência entre elas, seja como

resultado de uma exposição de longo prazo em casos de asma pré-existente.

Além disso, e para o que nos interessa particularmente, como os

trabalhadores em limpeza em ambiente doméstico são expostos a uma grande

variedade de produtos de limpeza, contendo tanto irritantes, como sensibilizadores,

bem como alergênicos de ambientes fechados (indoor allergens), os autores sugerem

a hipótese de que a asma em estágio inicial, ou o agravo da asma em empregadas

domésticas podem estar relacionados com um mecanismo indutor de irritação (irritant

induced mechanism) ou a uma sensibilização específica (specific sensitisation) (p.

952). O estudo sugere ainda que esse tipo de atividade tem um importante impacto

em saúde pública, provavelmente envolvendo não apenas os seus respectivos

profissionais, mas também demais pessoas que assumem essas tarefas no lar, como

as donas-de-casa.

Apesar de relativamente abrangente, nossa pesquisa bibliográfica não

identificou a existência no Brasil de estudos sobre problemas de saúde em

trabalhadoras domésticas derivados da exposição contínua a produtos de limpeza.

Um trabalho que tangencia nosso objeto de estudo, no entanto, merece ser citado em

virtude da originalidade da investigação em Saúde Ocupacional com relação às

trabalhadoras domésticas.

O trabalho de Santana et al. (2003a) trata da incidência de acidentes não

fatais entre trabalhadoras em serviços domésticos, o qual foi estimado em 5% maior

entre as empregadas em serviços domésticos (7,3%), do que entre as demais

trabalhadoras. Afirmam os autores que “metade dos acidentes entre empregadas em

52

atividades domésticas causou efeitos, freqüentemente não incapacitantes, mas que

levaram 38,1% dessas mulheres a faltar ao trabalho” (p. 65). O estudo conclui que

como “mulheres com emprego em atividades domésticas representam um contingente

expressivo da força de trabalho (...) a alta incidência de acidentes ocupacionais não

fatais entre elas revela sua importância em saúde pública, o que requer ações

apropriadas de prevenção” (idem).

Noutro trabalho (Santana et al, 2003b) a equipe de pesquisadores já havia

demonstrado preocupação com as freqüências de acidentes de trabalho não fatais e

investigaram se diferenças de gênero e tipos de contrato de trabalho poderiam ser

destacados como variáveis explicativas para essas ocorrências. Segundo eles, “no

Brasil, trabalhadores sem vínculo formal de trabalho representam mais da metade da

força de trabalho, cuja maioria é composta por mulheres”. Os autores observaram

uma incidência anual de acidentes “discretamente maior entre os homens (6,05%) do

que entre as mulheres (5,53%), ou entre trabalhadores sem contrato formal de

trabalho (5,92%) do que no grupo de comparação (5,67%)”, diferenças, estas,

consideradas não estatisticamente significantes. No entanto, os autores afirmam que

“a semelhança entre as freqüências de acidentes de trabalho entre mulheres e

homens independentemente do tipo de contrato de trabalho apontam para a

necessidade de maior atenção a estes eventos no sexo feminino, e entre os

trabalhadores informais, amplamente ignorados nas estatísticas oficiais do país”.

53

CAPÍTULO 3

ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise da base de dados foi realizada a partir das respostas obtidas no

questionário padrão, o que nos possibilitou a construção de um perfil das empregadas

domésticas que estudaram nesta instituição e que também manipularam saneantes

domissanitários em seus respectivos empregos. Com esse material, elaboramos as

tabelas 4 e 5.

As tabelas 4a e 4b trazem uma caracterização das trabalhadoras de

acordo com algumas variáveis selecionadas do nosso questionário. Nas tabelas 5a e

5b, nós selecionamos uma amostra de 123 trabalhadoras que declararam possuir

uma percepção de risco à saúde associada à exposição aos saneantes

domissanitários no último emprego. Em seguida, nós verificamos o comportamento

desta variável em relação a algumas variáveis independentes selecionadas, como

veremos adiante.

A tabela 4a apresenta a caracterização individual das trabalhadoras

domésticas segundo a idade, escolaridade, estado civil, inicio da vida produtiva,

residência e carga horária diária.

Essa tabela evidenciou que 40,3% das entrevistadas se encontravam na

faixa etária entre 29 a 39 anos de idade, e 32,7% entre 18 e 28 anos, as quais

somadas representam 73% do nosso universo. A presença de jovens nessa ocupação

pode ser uma pista para a afirmação de que essa atividade é a porta de entrada para

o mercado de trabalho menos qualificado.

Quanto ao nível de escolaridade, observou-se que apenas um pequeno

contingente do universo estudado (3,1%) possui o Ensino Fundamental Completo,

enquanto 80% não completaram este segmento. A grande maioria do nosso universo,

54

TABELA 4a: Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005.

Variáveis selecionadas

N (%)

(n = 159) Idade (anos) 18 a 28 52 (32,7%) 29 a 39 64 (40,3%) 40 a 49 20 (12,6%) 50 ou mais 23 (14,4%) Total 159 (100 %)

Escolaridade Ensino Fundamental incompleto 127 (79,9 %) Ensino Fundamental completo 5 (3,1 %) Ensino Médio incompleto 18 (11,3 %) Acima destes níveis 9 (5,7 %) Estado civil Solteira 93 (58,5 %) Casada 48 (30,2 %) Separada 18 (11,3 %) Início da vida produtiva 7 a 11 anos 31 (19,5 %) 12 a 17 anos 99 (62,3 %) 18 a 23 anos 20 (12,6 %) 24 anos ou mais 9 (5,7 %) Residência no local de trabalho Sim 109 (68,6 %) Não 50 (31,4 %) Carga horária diária 6 a 8 horas 40 (25,9 %) 9 a 10 horas 113 (73,4 %) Sem informação 6 (0,7 %)

55

portanto, não possui elementos necessários e suficientes para a leitura e

compreensão da linguagem verbal, configurando um perfil de escolaridade que nos

parece extensivo à classe das trabalhadoras domésticas.

A grande presença de jovens e a baixa escolaridade nesta categoria

profissional reforça a afirmação de que essa atividade é a principal fonte de emprego

de mulheres que têm opções limitadas de inserção no mercado de trabalho em função

de seu baixo nível de qualificação. Como vimos no primeiro capítulo, o serviço

doméstico tem um papel fundamental na absorção das mulheres de menor

escolaridade e sem experiência profissional no mercado de trabalho (Melo, 1998).

Esse fato é importante quando comparamos os dados que retratam o início

da vida produtiva dessas trabalhadoras. 81,8% dessas trabalhadoras começaram a

trabalhar muito cedo, justamente no período que deveriam estar desenvolvendo

atividades escolares. Como este tipo de trabalho funciona como a porta de entrada

para as jovens migrantes rural-urbanas no mercado informal, existe uma forte

presença de crianças do sexo feminino exercendo essas atividades de diferentes

maneiras.

Quanto ao estado civil, evidenciou-se que a maioria das trabalhadoras são

solteiras (58,5%), as casadas representando 30,2%, e uma pequena parcela de

mulheres separadas (11,3%). Esse dado confirma a sugestão de Melo (1998) de que

a maior parte das trabalhadoras em atividades domésticas são solteiras,

provavelmente em função da dificuldade de conciliar este emprego com as demandas

por atenção das suas próprias famílias.

Um aspecto importante, como pudemos observar na tabela 4a, foi que a

percentagem de trabalhadoras domésticas que residem no local de trabalho alcançou

68,6% nesta amostra, apesar da tendência à “profissionalização” desta profissão.

Atualmente, nos grandes centros urbanos, tudo indica que há uma tendência a

empregar domésticas, mensalistas ou diaristas que tenham domicílio próprio, pois não

oferecer alojamento e todas as refeições é uma maneira de cortar custos para a

classe média (Melo, 1998). Além disso, a situação das trabalhadoras diaristas

representa uma forma mais clara para demarcar as relações de classe, definindo

melhor a relação patroa/empregada e separando mais facilmente a jornada de

trabalho.

56

As formas como essas relações patroa-empregada se conjugam têm

influenciado nas condições da vida social, de trabalho e de saúde dessas

trabalhadoras, embora pouca atenção é dada para saúde desta categoria.14

Com relação à carga horária trabalhada notou-se que as trabalhadoras

domésticas têm uma jornada laborativa diária de aproximadamente 9-10 horas

(73,4%), confirmando os dados de Melo (1998), que afirma que as relações de

trabalho do serviço doméstico são inscritas num contexto mais amplo do que as

simples relações estritamente empregatícias.

A tabela 4b apresenta a caracterização individual das trabalhadoras

domésticas segundo diversas variáveis: os principais tipos de saneantes utilizados, o

hábito de ler o rótulo, o entendimento das informações do rótulo, o manuseio correto

do produto conforme as informações do rótulo, o local de armazenamento dos

saneantes, o hábito de alimentar-se durante a exposição a saneantes, a associação

de problemas de saúde ao uso de saneantes, o afastamento do trabalho por

problemas de saúde, a escolha do produto, e relato de risco à saúde na manipulação.

Vejamos abaixo como se distribuem as freqüências.

Os dados indicaram que toda a população estudada (100%) havia sido

exposta aos saneantes domissanitários no ambiente de trabalho. A maioria das

trabalhadoras tinha de 11 anos até 21 anos ou mais de exposição (71%).

Também foi observada a preferência das 159 trabalhadoras entrevistadas

em relação aos produtos de limpeza empregados no ambiente de trabalho. Por

categoria de uso, o consumo preferido foi dos limpadores multiuso (100%), seguidos

bem próximo pela água sanitária (83%), e sabões em pó e amaciantes (70,4%) e os

detergentes à base de formol (47,8%). Abaixo dessa freqüência encontramos outros

produtos, tais como outros clorados (32,7%), sabão de coco (19,5%), e os

removedores (7,5%).

Quanto à rotulagem, investigamos três variáveis: o hábito de ler o rótulo, a

compreensão das informações nele contidas, e a correta utilização do produto

segundo as indicações prescritas, oferecendo às informantes uma gradação de

14 No estudo de Santana et al. (2003), foi observado que a ocupação em serviços domésticos proporcionou um risco maior do que as demais profissões, e esse risco aumentou com o tempo de trabalho, medido pela jornada diária ou semanal nas empregadas domésticas, levando ao afastamento por cerca de duas semanas (22,7%) ou mais semanas (18,2%).

57

intensidade representada pelas alternativas “freqüentemente”, “às vezes”, e “nunca”.

Nosso objetivo era investigar não somente se o rótulo cumpria sua função, mas

também se a linguagem era adequada para a população a que se destina. Da mesma

maneira, subentende-se por “correta utilização do produto” não apenas o cuidado na

sua aplicação, sua dosagem e especificidades técnicas, mas também se os

equipamentos de segurança indicados pelos produtores estavam sendo utilizados

pelas trabalhadoras.

24,8% do nosso universo lêem freqüentemente as informações do rótulo.

23,6% declararam que apenas às vezes o fazem, e 51,6% das trabalhadoras

afirmaram que nunca consultam as instruções para manuseio do produto. A variável

referente à compreensão das informações presentes no rótulo também apresentou

um percentual significativo (52,2%) para aquelas que nunca entendiam o que estava

escrito no texto do rótulo. 31,2% declararam que compreendem às vezes, e apenas

16% compreendem freqüentemente.

Cruzando os dados, percebemos que embora quase ¼ da nossa

população lêem freqüentemente os rótulos, mais da metade não compreende o que

está escrito. Da mesma forma, um grande número de trabalhadoras (54,4%) nunca

seguiu as instruções dos rótulos, enquanto que 27,8% as seguem às vezes e apenas

17,7% afirmam que aplicam o produto corretamente.

Quanto ao local de armazenamento, a cozinha despontou como o principal

cômodo da casa utilizado para esse fim (52,2%). Bem abaixo desse percentual,

seguem o quarto (15,7%) e o banheiro (11,9%). Não obstante, outros locais (fora da

casa, área de serviço, dispensa, etc.) alcançam um percentual significativo (20,1%).

58

TABELA 4b: Distribuição de variáveis selecionadas sobre exposição a saneantes domissanitários segundo trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005.

Variáveis selecionadas

N (%)

(n = 159)

Exposição a saneantes domissanitários no ambiente de trabalho 159 (100%) Tempo de exposição aos saneantes 2 a 10 anos 46 (28,9 %) 11 a 20 anos 71 (44,6 %) 21 anos ou mais 42 (26,4 %) Principais tipos de saneantes utilizados Detergentes multiuso 159 (100 %) Água sanitária 132 (83,0 %) Sabão em pó e amaciantes 112 (70,4 %) Detergentes à base de formol 76 (47,8 %) Outros clorados 52 (32,7%) Sabão de coco 31 (19,5 %) Removedores 12 (7,5 %) Hábito de ler o rótulo Freqüentemente 39 (24,8 %) Às vezes 37 (23,6 %) Nunca 83 (51,6 %) Entendimento das informações do rótulo Freqüentemente ou às vezes 75 (47,2 %) Nunca 84 (52,2 %) Manuseio do produto conforme as instruções do rótulo Freqüentemente 28 (17,7 %) Às vezes 44 (27,8 %) Nunca 87 (54,4 %) Local de armazenamento dos saneantes Cozinha 83 (52,2%) Quarto 25 (15,7%) Banheiro 19 (11,9 %) Outros 32 (20,1%) Alimentação durante exposição a saneantes Freqüentemente 30 (18,9 %) Às vezes 45 (28,3 %) Nunca 84 (52,2 %) Problemas de saúde decorrentes do uso de saneantes Sim 62 (39,0 %) Afastamento do trabalho por problemas de saúde (n=62) Sim 10 (16,1 %) Escolha do produto Empregador 52 (33,1 %) Trabalhadora Doméstica 107 (66,9 %) Relato de risco à saúde na manipulação No Primeiro Emprego 38 (23,9 %) No Segundo Emprego 98 (61,6 %) No Último Emprego 123 (77,3%)

59

Felizmente, a maior parte de nossas informantes (52,2%) procuram nunca

fazer suas refeições enquanto manipulam os saneantes domissanitários. No entanto,

a soma daquelas que o fazem com freqüência e às vezes correspondem a quase

metade do nosso universo (47,2%), o que é preocupante.

É impressionante perceber que 66,9% das trabalhadoras são responsáveis

pela escolha do produto, enquanto que a patroa/patrão (ou empregador) o fazem em

33,1% dos casos. Durante as entrevistas, fomos informados que essa escolha é

realizada em função de preferências não necessariamente relacionadas com a função

técnica do produto, e sim com variáveis subjetivas, tais como a fragrância, a beleza da

embalagem (cores, formas, etc.) e a propaganda veiculada nos meios de

comunicação. Parece, ademais, que outras empregadas domésticas, eventualmente

colegas de nossas informantes, também exercem forte influência no quesito escolha.

Elas relataram ainda que quando a patroa vai perguntar sobre os produtos a serem

usados, é sugerido que se faça uma listagem, sempre a partir de um conhecimento

supérfluo e da falsa idéia acerca da existência de produtos inócuos à saúde.

Ora, o papel das campanhas publicitárias, com suas mensagens de cunho

apelativo e embalagens atrativas, são influenciar a preferência do consumidor, e atraí-

lo para escolher um determinado produto, sem necessariamente demonstrar

preocupação em alertá-lo adequadamente sobre os possíveis riscos a que está

exposto: limpeza e desinfecção do ambiente e dos utensílios domésticos são

garantidos; aromas agradáveis e outros atrativos criam motivações para o uso destes

produtos. Mas não podemos esquecer que essa forma de escolher os produtos pode

acarretar forte impacto na saúde não somente da trabalhadora, como também em

todo âmbito domiciliar.

O mais freqüente é que boa parte dos consumidores não procura no rótulo

as informações para a aquisição do produto. Isso é preocupante, já que a maioria dos

indivíduos não sabe nada sobre os riscos a que estão sujeitos, ou não se preocupam

com eles. Por isso é fundamental um critério de escolha que não leve em

consideração somente aparência do produto, mas também a sua qualidade e eficácia

na limpeza doméstica e menor risco à saúde e ao ambiente.

Quanto a afastamento do trabalho por motivos de saúde, do total de 159

informantes, 62 delas declararam ter tido algum caso de afastamento do trabalho

devido à manipulação de saneantes domissanitários, o que compreende 39% de

60

nosso universo, ou seja, mais de 1/3 das mulheres entrevistadas. Dessa amostra

de 62 (100%), 10 (16,1%) foram efetivamente afastadas por motivo de doença

comprovadamente relacionada com a exposição aos produtos de limpeza.

Na variável relacionada ao relato de risco à saúde pela manipulação de

saneantes domissanitários, 23,9% das trabalhadoras entrevistadas afirmaram terem

tido algum problema já no primeiro emprego. 61,6% perceberam algum risco durante

o segundo emprego, e 77,3% reconhecem que durante o terceiro emprego tiveram

algum problema de saúde associado ao uso de produtos de limpeza. Isso quer dizer

que quanto maior a experiência das trabalhadoras, e tanto maior o tempo de

manipulação desses produtos, maior é a percepção das empregadas domésticas dos

riscos a que estão sujeitas. Se, por exemplo, durante o primeiro emprego um caso de

alergia poderia estar associado a outras razões, durante o segundo e o terceiro

empregos, a associação parece ser evidente por parte de nossas informantes.

Dentre os problemas de saúde associados a manipulação dos produtos

domissanitários, os sintomas mais citados foram alergias de contato, alergias

respiratórias devido a inalação de produtos, coceiras no nariz e nas mãos, rinites

alérgicas, crise de espirros, asma, ardência nos olhos e no rosto, lesões de pele e

dores de cabeça. Porém, existem os “riscos invisíveis”, aqueles que não são

percebidos conscientemente, de difícil diagnóstico associativo, tais como: a tristeza, o

hipotireodismo, depressão, labilidade emocional, irritabilidade, alteração do ciclo

menstrual dentre outros. Acreditamos poder considerá-los como distúrbios sentinelas

de intoxicação que se manifestam em cargas laborais e padrões de desgaste

constitutivos dos ambientes e das condições de trabalho, que precisam de maior

investigação clínica e epidemiológica.

Outra questão relevante é que sendo a maioria das entrevistadas solteiras

e residindo no local de trabalho (uma vez que das mensalistas se exige a

permanência por dias seguidos no local do emprego), é importante levar-se em

consideração que ao tempo de exposição nesses casos se acrescenta um grande

desgaste na saúde física e psíquica destas trabalhadoras. Também é importante

registrar que a jornada de trabalho diária é estafante, e que existem situações em que

o descanso está planejado, mas não é usufruído. O trabalho de Santana et al.

(2003a), estimou uma incidência anual de 33,78/1000 acidentes de trabalho não fatais

entre diaristas e, de 41,11/1000 em mensalistas.

61

Há algumas questões que não foram aproveitadas na confecção das

tabelas, mas gostaríamos de fazer alguns comentários em torno das freqüências que

achamos mais relevantes.

Em primeiro lugar, o local onde as residentes no emprego dormem: 76%

dormem no quarto situado na área de serviço, e 20,2% em outro cômodo anexo à

casa; 2,8% dormem em locais onde também se armazenam os produtos de limpeza,

mas essas trabalhadoras não percebem nenhum problema com relação a isso. Essas

trabalhadoras são expostas desde o momento em que acordam até sua hora de deitar

e dormir.

Em segundo lugar, quando entrevistadas sobre o treinamento ou qualquer

esclarecimento sobre o uso destes produtos, 100% delas afirmaram que nunca

receberam qualquer tipo de instruções ou informações sobre os cuidados na

manipulação dos saneantes. Poucas trabalhadoras domésticas relataram que alguns

informes foram adquiridos ao longo da vida laboral, por iniciativa própria, lendo os

rótulos das embalagens dos produtos.

Com relação às embalagens vazias, todas foram unânimes em afirmar que

não as utilizam para outros fins. 46,1% das trabalhadoras separam as embalagens

para uma futura reciclagem, mas 53,9% ainda misturam as embalagens com outros

tipos de lixo.

No que diz respeito aos equipamentos de proteção individual que foram

citados (luvas e botas), apenas 21% utilizam esse material para sua proteção,

enquanto 79% não fizeram nenhuma referência ao fornecimento de uniformes, luvas,

botas ou qualquer material que lhes protegesse, e confirmaram que apenas utilizam

bermuda e camiseta para fazer a faxina diária.

Quanto à periodicidade da limpeza, as respostas apresentaram uma

grande variação, embora a maioria das trabalhadoras tenham dito fazê-la diariamente,

ou pelo menos três vezes por semana.

Especificamente quanto aos riscos à saúde e de outros indivíduos, 93%

das entrevistadas afirmaram ter informações de que os saneantes domissanitários

são prejudiciais à sua saúde, ou a da comunidade, do ambiente e de seus familiares,

principalmente com o uso prolongado.

Durante a aplicação do questionário, foi selecionada, aleatoriamente, uma

amostra equivalente a 10% do nosso universo. Para essas 16 trabalhadoras, pedimos

62

que realizassem a leitura dos rótulos de três diferentes produtos. Para aquelas que

conseguiram ler todo o texto foi pedido que explicassem o que haviam compreendido

das respectivas leituras.

50% leram (8) e 50% (8) declararam não serem capazes de ler os rótulos

por afirmarem, entre outras coisas, que as letras eram muito pequenas ou que não

entenderam os termos técnicos utilizados pelos fabricantes. Estas questões,

juntamente com a baixa escolaridade, constituem uma barreira na compreensão das

informações apresentadas nos rótulos das embalagens dos produtos saneantes

domissanitários. As minúsculas letras, além da quantidade de informações

apresentadas nos conteúdos dos rótulos, e a dificuldade de interpretação das

informações técnicas são as principais queixas relatadas pelas trabalhadoras

domésticas.

Dentre aquelas que conseguiram ler, somente três (37,5%) declararam

compreender o conteúdo. As demais cinco que leram mas não compreenderam o que

dizia no rótulo,somadas com as oito que não conseguiram ler, perfazem um total de

13 entrevistadas nessa amostra, o que corresponde a 81,3% desse microuniverso.

Parece que as informações contidas nos rótulos desses produtos, aparentemente se

destinam a um grupo de pessoas que tenham um grau de instrução melhor, podendo

assim entender o emprego da linguagem técnica usada para construir os conteúdos

presentes nas embalagens.

63

TABELA 5a: Distribuição de variáveis selecionadas de identificação segundo associação de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005.

Variáveis selecionadas

Associação de risco pela exposição aos

saneantes no último emprego (n=123)

Não associação de risco pela exposição

aos saneantes no último emprego (n=36)

Total

(n=159) Idade (anos) n % n % n % 18 - 28 39 (31,7) 13 (36,1) 52 (32,7) 29 - 39 53 (43,1) 11 (30,6) 64 (40,3) 40 - 49 14 (11,4) 6 (16,7) 20 (12,6) 50 ou mais 17 (13,8) 6 (16,7) 23 (14,5) Total 123 (77,4) 36 (22,6) 159 (100,0) Escolaridade Ens. Fund. Incompleto 93 (75,6) 34 (94,4) 127 (79,9) Acima deste Nível 30 (24,4) 2 (5,6) 5 (3,1) Total 123 (77,4) 36 (22,6) 159 (100,0) Estado civil Solteira 70 (56,9) 23 (63,9) 93 (58,5) Casada 38 (30,9) 10 (27,8) 48 (30,2) Separada 15 (12,2) 3 (8,3) 18 (11,3) Total 123 (77,4) 36 (22,6) 159 (100,0) Início da vida produtiva 7 a 11 anos 22 (17,9) 9 (25,0) 31 (19,5) 12 a 17 anos 81 (65,9) 18 (50,0) 99 (62,3) 18 a 23 anos 15 (12,2) 5 (13,9) 20 (12,6) 24 anos ou mais 5 (4,1) 4 (11,1) 9 (5,7) Total 123 (77,4) 36 (22,6) 159 (100,0) Residência no local de trabalho Sim 82 (66,7) 27 (75,0) 109 (68,6) Não 41 (33,3) 9 (25,0) 50 (31,4) Total 123 (77,4) 36 (22,6) 159 (100,0) Carga horária de trabalho diária 6 a 8 horas 30 (24,4) 10 (27,8) 40 (25,2) 9 a 10 horas 90 (73,1) 23 (63,8) 113 (71,0) Sem Informação 3 (2,5) 3 (8,4) 6 (3,8) Total 123 (77,3) 36 (22,7) 159 (100,0)

Foi realizada ainda uma tentativa de associação entre dois grupos de

empregadas domésticas, o primeiro grupo representado pelas trabalhadoras que

associavam risco pela exposição aos saneantes no último emprego e aquelas que

não faziam esta associação. Nas tabelas 5a (acima) e 5b (a seguir) foram feitos

cruzamentos destes dois grupos com diversas variáveis estudadas, observando-se

entre outros, uma associação estatisticamente significante para as variáveis:

64

“Escolaridade” (Teste Qui Quadrado Yates Corrected = 6,15; p < 0,01) e “Problemas

de saúde decorrentes do uso de saneantes” (Teste Qui Quadrado Yates Corrected =

27,66; p < 0,000).

Com relação ao grau de escolaridade (tabela 5a, variável destacada em

negrito), é possível afirmar que existe uma significativa correlação entre aqueles que

atingiram níveis mais avançados (acima do Ensino Fundamental Incompleto) e a

percepção de risco à saúde. Dentre as 36 que não associaram risco à saúde pela

exposição aos saneantes no último emprego, apenas duas (5,6%) estavam entre as

mais escolarizadas. Quando observamos a coluna daquelas que declaravam perceber

o risco a saúde, 30 informantes (24,4%) dentre as 123, tinham grau de escolaridade

mais elevado. Isso comprova que o acesso a educação formal fornece elementos

para julgar com maior propriedade os riscos que os agentes químicos representam no

cotidiano laboral dessas trabalhadoras.

Era nosso objetivo verificar se os danos à saúde percebidos pelas

trabalhadoras domésticas estavam associados por elas a alguns dos produtos

manipulados em seu cotidiano. Isso quer dizer que, provavelmente, com o tempo de

exposição crescente, a observação no próprio corpo levou-as a estabelecer uma

relação causa-efeito com determinados produtos.

De fato, quanto à variável problemas de saúde decorrentes do uso de

saneantes (tabela 5b, destacada em negrito), de 123 que associam o risco à saúde no

último emprego, 62 (50,4%) afirmaram ter efetivamente tido algum problema de

saúde, enquanto que as demais 61 (49,6%) não reconheceram ter tido ainda nenhum

dano associado à exposição aos domissanitários. Isso quer dizer que é possível que

toda vez que essas mulheres se sentem mal, tendem a averiguar se a sua causa foi

devido à manipulação de produtos de limpeza. Na outra coluna, por sua vez, todas as

36 entrevistadas (100%) afirmam nunca terem tido problemas de saúde pelo mesmo

motivo. Provavelmente, isso se deva ao fato de que muitas doenças percebidas no

trabalho doméstico apresentam sintomas comuns a outras patologias, tornando-se

difícil identificar os processos que as geraram, bem mais amplos que a simples

exposição a um agente exclusivo.

65

TABELA 5b: Distribuição de variáveis selecionadas de exposição segundo associação de risco para a saúde pela manipulação de saneantes domissanitárisos no último emprego das trabalhadoras domésticas estudadas. Rio de Janeiro, Brasil – 2005.

Variáveis selecionadas

Associação de risco pela exposição aos

saneantes no último emprego (n = 123)

Não associação de risco pela exposição aos

saneantes no último emprego (n =36)

Total (n = 159)

Tempo de exposição aos saneantes n % n % n % 2 a 10 anos 37 (30,1%) 9 (25,0%) 46 (28,9%)11 a 20 anos 54 (43,9%) 17 (47,2%) 71 (44,7%)21 anos ou mais 32 (26,0%) 10 (27,8%) 42 (26,4%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)Hábito de ler o rótulo Freqüentemente 30 (24,4%) 9 (25,0%) 39 (24,5%)As vezes 27 (22,0%) 10 (27,8%) 37 (23,3%)Nunca 66 (53,7%) 17 (47,2%) 83 (52,2%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)Entendimentos das instruções do rótulo Freqüentemente 18 (14,6%) 8 (22,2%) 26 (16,4%)As vezes 38 (30,9%) 11 (30,6%) 49 (30,8%)Nunca 67 (54,5%) 17 (47,2%) 84 (52,8%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)Seguimento das instruções do rótulo Freqüentemente 21 (17,1%) 7 (19,4%) 28 (17,6%)As vezes 34 (27,6%) 10 (27,8%) 44 (27,7%)Nunca 68 (55,3%) 19 (52,8%) 87 (54,7%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)Local de armazenamento dos saneantes Cozinha 67 (54,5%) 16 (44,4%) 83 (52,2%)Quarto 17 (13,8%) 8 (22,2%) 25 (15,7%)Banheiro 16 (13,0%) 3 (8,4%) 19 (11,9%)Outros 23 (18,7%) 9 (25,0%) 32 (20,2%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)Alimentação durante exposição a saneantes Freqüentemente 23 (18,7%) 7 (19,4%) 30 (18,9%)As vezes 33 (26,8%) 12 (33,3%) 45 (28,3%)Nunca 67 (54,5%) 17 (47,2%) 84 (52,8%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)Problemas de saúde decorrentes do uso de saneantes Sim 62 (50,4%) 0 (0,0%) 62 (39,0%)Não 61 (49,6%) 36 (100,0%) 97 (61,0%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)Afastamento do trabalho por problema de saúde (n = 62) Sim 10 (16,2%) - - 10 (16,2%)Não 52 (83,8%) - - 52 (83,8%)Total 62 (100,0%) - - 62 (100,0%)Escolha do produto Empregador 40 (32,5%) 12 (33,3%) 52 (32,7%)Trabalhadora Doméstica 83 (67,5%) 24 (66,7%) 107 (67,3%)Total 123 (77,4%) 36 (22,6%) 159 (100,0%)

66

CAPÍTULO IV

CONCLUSÕES

Dentre as diferentes categorias profissionais no Brasil, o serviço doméstico

remunerado é um dos que apresenta um dos maiores graus de informalidade e

precariedade em termos de relações de trabalho. Algumas pesquisas têm abordado

esse tipo de serviço, mas poucas são as investigações voltadas para a saúde de

mulheres, que em sua maioria desempenham essas funções. A falta de dados de

morbidade centrados em doenças de ordem química nesta profissão dificulta a

implantação de medidas de controle da saúde dessas trabalhadoras, não contribuindo

para a melhoria de suas condições de vida e trabalho.

Essa lacuna tem alimentado um ciclo vicioso, que, como vimos, se inicia

com a precariedade de condições durante a infância dessas profissionais, se reforça

com o restrito acesso à educação e qualificação profissional, e conduz essas

mulheres ao ingresso em idades muito jovens no mercado de trabalho, em cujo

ambiente estão sujeitas ao adoecimento ou aos acidentes ocupacionais, muitas vezes

sem cobertura médica ou previdenciária, o que acaba por gerar mais empobrecimento

dessa parcela da população.

É importante reconhecer que a falta de informação em relação aos riscos e

ao agravo potencial à saúde pela exposição aos produtos saneantes domissanitários,

somados aos efeitos não muito claros sobre a saúde dos trabalhadores domésticos

em geral, e de outros tipos de trabalho informal que são exercidos por um grande

número de mulheres, provocam transtornos relacionados com determinadas

enfermidades, que por vezes podem resultar em posterior afastamento do emprego.

Por isso é preciso pensar estratégias para intervir nos processos que

afetam, particularmente, a saúde da mulher que realiza o serviço doméstico

remunerado, avaliando riscos invisíveis comprovadamente existentes. Como vimos

acima, a maioria delas associam os problemas de saúde ao uso ou à exposição aos

produtos de limpeza, porém, em geral, não se preocupam com sua toxicidade.

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Como sugestão, deveria haver um incentivo junto às associações e

sindicatos da categoria no sentido de esclarecer os danos à saúde quando se

manipulam estes produtos inadequadamente, explicar o manuseio adequado dos

produtos, e reforçar a importância da leitura dos rótulos para minimizar os riscos de

exposição a esses produtos. As mudanças necessárias devem incorporar a

participação das empregadas domésticas, pois elas são as principais conhecedoras

do processo de trabalho, que inclui diversos saberes. Deve-se buscar, portanto,

conjugar o saber-fazer adquirido através da experiência profissional acerca da

eficiência de certas atividades e certos produtos de limpeza, com o conhecimento

sobre os possíveis danos à saúde e ao ambiente, procurando internalizá-los no seu

cotidiano.

O uso adequado dos produtos de limpeza no lar é fundamental para que

sua função seja atingida, seja na chamada “limpeza pesada”, seja na higienização,

desinfecção e/ou desinfestação. Neste sentido, as informações contidas nas

embalagens têm importante papel para alertar o consumidor sobre o uso correto de

um determinado produto. Porém, acreditamos que as embalagens, de modo geral,

não empregam uma linguagem adequada para o público ao qual se destina, nem

esclarece cuidadosamente sobre os riscos decorrentes da exposição a determinados

agentes químicos. Além disso, as informações contidas nos rótulos, em letras miúdas,

não são de fácil consulta. Por isso seria importante que os órgãos públicos tornassem

mais eficaz a vigilância na produção, comercialização, e utilização destes produtos tão

empregados na “guerra contra à sujeira”.

Gostaria de sugerir a elaboração de um manual ou cartilha de fácil

compreensão tanto para as empregadas domésticas quanto para os patrões. Este

documento poderia conter formas alternativas de limpeza com substancias mais

simples e caseiras que desempenhassem a mesma eficiência dos produtos

comerciais.

Parece-nos cada vez mais evidente que a Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde deveriam prestar mais atenção na

fiscalização dos atuais e novos produtos domissanitários à venda nos supermercados,

bem como na elaboração de campanhas de esclarecimento sobre os riscos que esses

aparentemente inofensivos produtos podem representar para a saúde de todos

aqueles que os manipulam com maior freqüência, sejam empregadas domésticas,

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donas-de-casa ou faxineiras eventuais. É necessário também pensar estratégias

específicas para intervir nos processos que afetam particularmente a saúde da

trabalhadora doméstica, submetida a riscos invisíveis.

As questões ambientais, por seu lado, encontram-se intrinsecamente

relacionadas ao grau de desenvolvimento industrial e populacional de um país. E não

se pode esquecer que, concomitantemente ao desgaste e degradação ambientais,

cresce também o número de trabalhadores agredidos pelo próprio ambiente de

trabalho. Mas também são possíveis transformações nas formas de organização e

nos processos de trabalho. Acreditamos ser necessário trazer para uma ampla

discussão, um “outro” meio ambiente, que muitas vezes passa despercebido, mas que

polui, desgasta e adoece homens e mulheres: o ambiente do trabalho. Trabalhar

integradamente as questões relacionadas à saúde do trabalhador e ao meio ambiente

é fundamental para desenvolver novas abordagens teórico-metodológicas que

possibilitam avançar nos processos de análise e intervenção sobre as situações e

eventos de riscos que são colocados para trabalhadores e para o meio ambiente

como um todo.

69

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ANEXOS

ANEXO 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

NÚCLEO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

O Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

através do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva, está realizando um estudo

desenvolvido pela Dra. Lília Modesto Leal Corrêa, cujo título é: Domissanitários e

Saúde: Um Estudo sobre a Exposição de Empregadas Domésticas.

O principal objetivo deste estudo é avaliar os problemas de saúde que podem ser

causados pelo uso de domissanitários durante o trabalho em domicílios urbanos e,

para sua realização as pessoas que participarão do estudo serão submetidas a

perguntas sobre saúde que serão feitas numa população de empregadas domésticas.

A participação nesta pesquisa é voluntária e a realização destas atividades não

oferece riscos para a saúde dos participantes da pesquisa, que a qualquer momento

podem recusar esta participação. Os dados colhidos serão inteiramente sigilosos,

avaliados apenas pelos pesquisadores e seu orientador e a identidade dos

participantes do estudo será preservada. Entretanto, os resultados, em sua totalidade,

serão publicados em literatura científica especializada. Será marcada uma data para

divulgação dos resultados e, caso seja detectada alguma anormalidade, os

participantes da pesquisa serão encaminhados para avaliação clínica. Em caso de

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alguma dúvida, os pesquisadores podem ser contatados pelos telefones citados

abaixo.

Atenciosamente,

Lilia Modesto Leal Corrêa / Psicóloga e Pesquisadora.

Volney de M. Câmara / Prof. Titular e Orientador da Pesquisa.

Eu, _______________________________________________RG no__________,

certifico que lendo as informações acima concordo com o que foi exposto e autorizo a

minha participação nesta pesquisa.

Rio de Janeiro, ____ de _____________________ de 2004.

Assinatura

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ANEXO 2

QUESTIONÁRIO

Pesquisa sobre a utilização de domissanitários por empregadas domésticas

A) Perfil da população

Nome: ____________________________________________ Idade: ________ Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado ( ) separado Natural (UF): ________ Grau de escolaridade: ( ) ensino fundamental incompleto ( ) ensino fundamental completo ( ) médio incompleto ( ) médio completo ( ) técnico incompleto ( ) técnico completo

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B) História ocupacional

B.1.a. História pregressa

♦ Com que idade começou a trabalhar? ____ anos.

♦ Que atividades realizava na primeira moradia?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

♦ Tempo que ficou no trabalho? ( ) meses ( ) anos

♦ Motivo(s) da saída do trabalho?

( ) desentendimento c/ patrões ( ) insatisfação salarial ( ) gravidez ( ) doença (1 – familiar; 2 – própria) ( ) contenção de despesas ( ) outros:__________________________________________________________ ♦ Você percebia algum risco para sua saúde quando usava algum produto de

limpeza? ( ) sim ( ) não Qual:_____________________________________________________________

B.1.b.

♦ Com que idade começou a trabalhar? ______ anos.

♦ Que atividades realizava na segunda moradia?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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♦ Tempo que ficou no trabalho?

( ) meses ( ) anos

♦ Motivo(s) da saída do trabalho?

( ) desentendimento c/ patrões ( ) insatisfação salarial ( ) gravidez ( ) doença (1 – familiar; 2 – própria) ( ) contenção de despesas ( ) outros:__________________________________________________________

♦ Você percebia algum risco para sua saúde quando usava algum produto de limpeza? ( ) sim ( ) não

Qual: _____________________________________________________________

B.1.c.

♦ Com que idade começou a trabalhar? ______ anos.

♦ Que atividades realizava na terceira moradia?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

♦ Tempo que ficou no trabalho?

( ) meses ( ) anos

♦ Motivo(s) da saída do trabalho?

( ) desentendimento c/ patrões ( ) insatisfação salarial ( ) gravidez ( ) doença (1 – familiar; 2 – própria) ( ) contenção de despesas ( ) outros:_________________________________________________________

♦ Você percebia algum risco para sua saúde quando usava algum produto de limpeza? ( ) sim ( ) não

Qual: ____________________________________________________________

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♦ Nestes empregos ocorreu algum tipo de afastamento? ( ) sim ( )não ♦ Motivo(s) do(s)afastamento(s):_______________________________________ ♦ Qual o benefício? ( ) doença ( ) acidentário ( ) invalidez ♦ Tempo de afastamento: ( ) dias ( ) meses ( ) anos

B2. História ocupacional atual

♦ Data da admissão:________________________________________________ ♦ Situação funcional: ( ) em atividade ( ) afastado em benefício previdenciário/ auxílio-doença ♦ Mora no emprego: ( ) sim ( ) não ♦ Onde? ( ) quarto anexo à casa ( ) quarto na área de serviço ( ) quarto com produtos de limpeza ( ) outros:_________________________________________________________ ♦ Carga Horária diária: __________ hs. ♦ Atividade desenvolvida no trabalho: Como faz? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Quando faz? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Por que faz? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ♦ Você apresentou problemas de saúde nos últimos 15 dias? ( ) sim ( ) não ♦ Você sofreu alguma internação nesse último ano? ( ) sim ( ) não ♦ Que problemas apresentou?

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

C) Avaliação

1. Na sua atividade, você trabalha com produtos químicos/limpeza? ( ) sim ( ) não 2. Há quanto tempo trabalha com estes produtos?_________________________ 3. Quais são os produtos que você mais utiliza no seu trabalho? ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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4. Você recebe algum tipo de orientação sobre como usar estes produtos? ( ) sim ( ) não 5. Quem dá essa orientação?_________________________________________ 6. Como é dada?___________________________________________________ 7. Você sabe para que serve o rótulo do produto? ( ) Ensina a aplicar / usar o produto. ( ) Mostra o tipo de proteção para o manuseio do produto ( ) Fala sobre saúde ( ) Fala sobre ambiente ( ) Outros: ________________________________________________________ 8. Você tem o hábito de ler o rótulo das embalagens dos produtos que você utiliza? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 9. Você entende as informações presentes nos rótulos? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 10. Você costuma seguir as instruções contidas no rótulo? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 11. Qual o destino que você dá as embalagens vazias dos produtos? ( ) Joga no lixo (1- separadas / 2- misturadas) ( ) Recicla esse material ( ) Utiliza embalagem vazia para outros fins 12. No seu trabalho, onde ficam guardados os produtos que você usa na limpeza geral? ( ) na cozinha ( ) no quarto ( ) no banheiro ( ) em outro ambiente da casa: Qual? ____________________________________________________________ 13. Você tem acesso a toda casa? ( ) sim ( ) não 14. Você costuma alimentar-se quando está usando estes produtos? ( ) freqüentemente ( ) às vezes ( ) nunca 15. Qual a roupa que você usa para trabalhar? ____________________________ 16. Você usa luvas/botas quando está lavando/limpando algo? ( ) sim ( ) não

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17. Você acredita que o produto pode fazer mal para sua saúde e de outros? ( ) sim ( ) não 18. Você já teve alguma doença relacionada com o uso de substância química? ( ) sim ( ) não 19. Você ficou afastado do emprego por este problema? ( ) sim ( ) não 20. Você acha que o uso destes produtos pode fazer mal a comunidade, para os

vizinhos ou familiares? ( ) sim ( ) não 21. O que você acha que pode ser feito para melhorar esta situação? ______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 22. Quem escolhe o produto a ser comprado? ( ) patroa ( ) empregada ( ) indiferente