Sebenta Direitos Reais 2017/2018 DNB - AAFDL

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB Regência: Luís Menezes Leitão História ......................................................................................................................................................... 5 PRINCÍPIOS GERAIS dos Direitos Reais ........................................................................................................ 6 1. Princípio da Tipicidade ........................................................................................................................ 6 2. Princípio da Especialidade .................................................................................................................... 6 3. Princípio da Elasticidade ...................................................................................................................... 7 4. Princípio da Transmissibilidade ............................................................................................................ 7 5. Princípio da Publicidade ....................................................................................................................... 8 6. Princípio da Boa Fé ............................................................................................................................... 8 CONCEITO e ESTRUTURA dos Direitos Reais ............................................................................................... 8 Teoria Clássica ou Realista ....................................................................................................................... 8 Teorias Modernas ou Personalista ........................................................................................................... 8 Teoria do Poder Direto e Imediato sobre uma Coisa........................................................................... 8 Teoria do Poder Absoluto .................................................................................................................... 9 Teorias Mistas ...................................................................................................................................... 9 Orientações Doutrinárias Portuguesas .................................................................................................... 9 CARACTERÍSTICAS dos Direitos Reais ........................................................................................................ 10 I. Caráter Absoluto ................................................................................................................................. 10 II. Inerência ............................................................................................................................................ 10 III. Sequela .............................................................................................................................................. 11 IV. Prevalência ........................................................................................................................................ 11 Objeto dos Direitos Reais: COISAS ............................................................................................................ 13 Situações Jurídicas Propter Rem ............................................................................................................... 18 Obrigações Propter Rem ........................................................................................................................ 18 Ónus Reais.............................................................................................................................................. 19 Pretensões Reais .................................................................................................................................... 20 CLASSIFICAÇÕES dos Direitos Reais........................................................................................................... 22 Direitos Reais de Gozo, de Garantia e de Aquisição .............................................................................. 22 Direito Real Maior e Menor ................................................................................................................... 22 Direitos Reais sobre Coisa Própria e Coisa Alheia .................................................................................. 23 Direitos Reais de Proteção Definitiva e Proteção Provisória ................................................................. 23 Direitos Reais Simples e Complexos ....................................................................................................... 23 Direitos Reais Autónomos e Subordinados ............................................................................................ 24 Direitos Reais de Titularidade Imediata e Titularidade Mediata ........................................................... 24 POSSE .......................................................................................................................................................... 25 Fundamento da Proteção Possessória ..................................................................................................... 25 POSSE E DETENÇÃO ................................................................................................................................ 27 Solução da Lei .................................................................................................................................... 28 Âmbito da Posse ..................................................................................................................................... 30

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

Regência: Luís Menezes Leitão

História ......................................................................................................................................................... 5

PRINCÍPIOS GERAIS dos Direitos Reais ........................................................................................................ 6

1. Princípio da Tipicidade ........................................................................................................................ 6

2. Princípio da Especialidade .................................................................................................................... 6

3. Princípio da Elasticidade ...................................................................................................................... 7

4. Princípio da Transmissibilidade ............................................................................................................ 7

5. Princípio da Publicidade ....................................................................................................................... 8

6. Princípio da Boa Fé ............................................................................................................................... 8

CONCEITO e ESTRUTURA dos Direitos Reais ............................................................................................... 8

Teoria Clássica ou Realista ....................................................................................................................... 8

Teorias Modernas ou Personalista ........................................................................................................... 8

Teoria do Poder Direto e Imediato sobre uma Coisa........................................................................... 8

Teoria do Poder Absoluto .................................................................................................................... 9

Teorias Mistas ...................................................................................................................................... 9

Orientações Doutrinárias Portuguesas .................................................................................................... 9

CARACTERÍSTICAS dos Direitos Reais ........................................................................................................ 10

I. Caráter Absoluto ................................................................................................................................. 10

II. Inerência ............................................................................................................................................ 10

III. Sequela .............................................................................................................................................. 11

IV. Prevalência ........................................................................................................................................ 11

Objeto dos Direitos Reais: COISAS ............................................................................................................ 13

Situações Jurídicas Propter Rem ............................................................................................................... 18

Obrigações Propter Rem ........................................................................................................................ 18

Ónus Reais .............................................................................................................................................. 19

Pretensões Reais .................................................................................................................................... 20

CLASSIFICAÇÕES dos Direitos Reais........................................................................................................... 22

Direitos Reais de Gozo, de Garantia e de Aquisição .............................................................................. 22

Direito Real Maior e Menor ................................................................................................................... 22

Direitos Reais sobre Coisa Própria e Coisa Alheia .................................................................................. 23

Direitos Reais de Proteção Definitiva e Proteção Provisória ................................................................. 23

Direitos Reais Simples e Complexos ....................................................................................................... 23

Direitos Reais Autónomos e Subordinados ............................................................................................ 24

Direitos Reais de Titularidade Imediata e Titularidade Mediata ........................................................... 24

POSSE .......................................................................................................................................................... 25

Fundamento da Proteção Possessória ..................................................................................................... 25

POSSE E DETENÇÃO ................................................................................................................................ 27

Solução da Lei .................................................................................................................................... 28

Âmbito da Posse ..................................................................................................................................... 30

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Direitos abrangidos pela Tutela Possessória ...................................................................................... 30

Concurso de Posses ............................................................................................................................ 31

Classificações da Posse............................................................................................................................ 32

Vicissitudes da Posse ............................................................................................................................... 34

Constituição da Posse – art. 1263º..................................................................................................... 34

Manutenção da Posse ........................................................................................................................ 36

Modificação da Posse ......................................................................................................................... 36

Sucessão na Posse .............................................................................................................................. 36

Acessão na Posse ............................................................................................................................... 36

Perda da Posse – art. 1267º ............................................................................................................... 37

Efeitos da Posse ...................................................................................................................................... 38

Direitos do Possuidor ......................................................................................................................... 38

Deveres do Possuidor ......................................................................................................................... 39

Defesa da Posse ...................................................................................................................................... 39

Regime específico das Ações Possessórias ......................................................................................... 40

Natureza da Posse ................................................................................................................................... 42

Conteúdo dos Direitos Reais ..................................................................................................................... 43

Limitações aos Direitos Reais ....................................................................................................................... 45

Limitação da Propriedade pela sua função social: o Abuso do Direito ................................................... 45

1. Limitações de Direito Público ............................................................................................................. 46

2. Limitações de Direito Privado ............................................................................................................. 48

A. Deveres de Abstenção de certas condutas ...................................................................................... 49

B. Dever de Tolerar o exercício de poderes sobre o prédio ................................................................. 51

C. Deveres de Prevenção do perigo para o prédio vizinho ................................................................... 51

D. Deveres de participar em atividades de interesse comum .............................................................. 53

Contitularidade dos Direitos Reais ............................................................................................................ 54

COMPROPRIEDADE – art. 1403º e ss. .................................................................................................... 54

CONTITULARIDADE DAS ÁGUAS – art. 1398º e ss. ................................................................................. 57

Constituição dos Direito Reais ................................................................................................................... 58

Por Negócio Jurídico .............................................................................................................................. 58

Por Lei .................................................................................................................................................... 58

Por Sentença Judicial ............................................................................................................................. 58

USUCAPIÃO – art. 1287º e ss. ................................................................................................................ 58

Capacidade para a Usucapião ........................................................................................................... 58

Direitos que podem ser objeto de Usucapião .................................................................................. 58

Requisitos da Posse necessária para a Usucapião ........................................................................... 59

PRAZOS .............................................................................................................................................. 59

Invocação da Usucapião ................................................................................................................... 60

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ACESSÃO ................................................................................................................................................ 61

Distinção das Benfeitorias ................................................................................................................ 61

Art. 1326º tem as espécies de acessão ............................................................................................. 62

Formas de Atuação da Acessão ........................................................................................................ 63

Transmissão dos Direitos Reais ................................................................................................................. 65

Contratos Reais...................................................................................................................................... 65

Modificação dos Direitos Reais ................................................................................................................. 66

Defesa dos Direitos Reais .......................................................................................................................... 67

Extinção dos Direitos Reais .......................................................................................................................... 69

REGISTO – Publicidade dos Direitos Reais ................................................................................................ 73

Princípios do Registo Predial ................................................................................................................. 73

Modalidades de Atos de Registo .......................................................................................................... 75

Processo do Registo............................................................................................................................... 76

Efeitos do Registo .................................................................................................................................. 76

PROPRIEDADE ............................................................................................................................................. 81

Art. 1305º - Conteúdo do Direito de Propriedade .................................................................................. 81

Características do Direito de Propriedade .............................................................................................. 81

Formas de Aquisição da Propriedade ..................................................................................................... 81

Propriedade sobre as Águas – art. 1385º e ss. ....................................................................................... 82

Natureza do Direito de Propriedade ....................................................................................................... 83

PROPRIEDADE HORIZONTAL ........................................................................................................................ 84

Requisitos Legais e Partes Comuns do Prédio ........................................................................................ 84

Constituição da Propriedade Horizontal ................................................................................................. 85

Título Constitutivo ............................................................................................................................ 85

Condomínio ............................................................................................................................................ 86

Poderes .............................................................................................................................................. 86

Limitações aos Poderes – art. 1420º ................................................................................................ 86

Obrigações ......................................................................................................................................... 87

Administração das partes comuns ................................................................................................... 87

Modificação e Extensão .......................................................................................................................... 88

Natureza da Propriedade Horizontal ...................................................................................................... 89

USUFRUTO ................................................................................................................................................. 90

Características e Objeto ......................................................................................................................... 90

Constituição do Usufruto – art. 1440º ................................................................................................... 91

Poderes do Usufrutuário – art. 1446º .................................................................................................... 91

Obrigações do Usufrutuário ................................................................................................................... 92

Direitos do Proprietário de Raiz ....................................................................................................... 93

Extinção do Usufruto – art. 1476º ......................................................................................................... 93

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Tipos Especiais do Usufruto ................................................................................................................... 94

Natureza ................................................................................................................................................. 95

Uso e Habitação ......................................................................................................................................... 95

Conteúdo e Regime ................................................................................................................................ 96

Tipos Especiais de Uso e Habitação ....................................................................................................... 96

Natureza ................................................................................................................................................. 96

SUPERFÍCIE .................................................................................................................................................. 97

Objeto e Duração ................................................................................................................................... 97

Constituição do Direito de Superfície – art. 1528º ................................................................................. 98

Poderes e Direitos do Superficiário ........................................................................................................ 98

Poderes e Direitos do Proprietário do Solo ............................................................................................ 99

Extinção da Superfície – art. 1536º ...................................................................................................... 100

Natureza ............................................................................................................................................... 101

SERVIDÕES PREDIAIS ................................................................................................................................. 102

Características das Servidões Prediais .................................................................................................. 102

Modalidades de Servidões .................................................................................................................... 103

Servidões Legais ............................................................................................................................... 104

Constituição, Conteúdo e Mudança ..................................................................................................... 105

Extinção das Servidões – art. 1569º ..................................................................................................... 107

Natureza ............................................................................................................................................... 108

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA .................................................................................................. 109

DL 275/93, de 5 de agosto .................................................................................................................... 109

DIREITOS REAIS DE GARANTIA ................................................................................................................... 111

Consignação de Rendimentos (art. 656º-665º) ..................................................................................... 111

Penhor (art. 666º-685º) ........................................................................................................................ 113

Hipoteca (art. 686º-732º) ...................................................................................................................... 115

Privilégios Creditórios (art. 736-753º) ................................................................................................... 117

Direito de Retenção (art. 754º-761º) .................................................................................................... 118

Penhora ................................................................................................................................................ 118

DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO .................................................................................................................. 119

Promessa Real ....................................................................................................................................... 119

Preferência Real .................................................................................................................................... 119

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História Origem na categoria de ações romanística:

• Actio in personam – formulavam pretensão contra pessoa, não podendo a pretensão

extravasar a relação obrigacional.

o Deu origem ao iura in personam

• Action in rem – formulavam pretensão contra uma coisa, visando estabelecer a sua

defesa contra qualquer pessoa que de alguma forma perturbasse o aproveitamento

pelo titular, podendo este perseguir a coisa onde quer que ela se encontrasse.

o Deu origem ao iura in rem – Direitos Reais, que incidem sobre coisas, tendo

eficácia real1.

Os Direitos Reais são um ramo do Direito Civil.

Desde a pandectística alemã e a partir da classificação germânica do Direito Civil – instituída por

Savigny.

• Livro III do CC de base estrutural – sempre que surja estruturalmente a atribuição de

coisas corpóreas2 a determinada pessoas, essa situação jurídica3 é potencialmente

regulada pelo Direito das Coisas.

o Os direitos reais de gozo estão no Livro III; os direitos reais de garantia estão no

Livro II; os direitos reais de aquisição estão no II e no III.

• É o direito que regula a atribuição das coisas corpóreas com eficácia real, i.e., eficácia

absoluta perante terceiros.

Gomes da Silva: não há dois direitos reais iguais

➢ Daí que não seja possível estabelecer uma teoria geral dos Direitos Reais, pois há uma

diferença vasta entre os vários direitos reais

o ML: é vantajoso pensar-se numa teoria geral dos Direitos Reais em que se

estude, a um nível mais geral e abstrato, todas as características comuns a

essa categoria (como o é a eficácia real).

o Não havendo uma parte geral o Direito Real paradigmático é a Propriedade,

que está regulado no CC e se aplicará a outros direitos reais (como servidões,

superfície, usufruto e etc.)

Tutela Constitucional dos Direitos Reais Garantia constitucional da propriedade -> art. 62º CRP: permite aos cidadãos um espaço de

liberdade, no âmbito do qual eles podem desenvolver livremente a sua vida, através do pleno

aproveitamento dos bens de que são titulares.

• Extensiva a todos os Direitos Reais

• Análoga aos DLG – tese do TC, desde 1984, por força do art. 17º CRP

• Limites do art. 18º/2 e 18º/3 CRP.

Jurisprudência do TC tem reiterado que propriedade deve ser entendida amplamente –

componente estática de proteção e componente dinâmica da tutela dessa propriedade.

1 Eficácia do direito contra qualquer pessoa – direito de cariz absoluto 2 Havendo semelhança de consequências jurídicas geradas a partir da atribuição de direitos reais sobre coisas corpóreas. 3 Situações da vida humana valoradas pelo Direito – aquelas situações da vida às quais o Direito confere relevância para os fins próprios do Direito

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PRINCÍPIOS GERAIS dos Direitos Reais Ideias gerais subjacentes a este ramo do Direito4, cuja doutrina discute.

• Henrique Mesquita: tipicidade, consensualidade, causalidade

• Carlos Mota Pinto: especialidade, transmissibilidade, elasticidade, tipicidade,

publicidade, consensualidade

• José Alberto Vieira: tipicidade (numerus clasus), inerência, especialidade,

consensualidade, causalidade e unidade, territorialidade, publicidade.

o Menezes Leitão: muitos destes são características dos direitos reais e não

princípios, que correspondem aos fundamentos dogmáticos específicos do

Direito das Coisas.

1. Princípio da Tipicidade

Numerus clausus dos direitos reais – art. 1306º CC

➢ Proíbe a inexistência de direitos reais que não se encontrem previstos na lei.

o Se as partes quiserem criar novos direitos reais, ao abrigo da sua autonomia

privada, a lei nega-lhes a pretendida eficácia real, atribuindo-lhes apenas

natureza obrigacional – vincula inter partes.

➢ Limitação do número de realidades que podem ser qualificadas como direitos reais.

o Infração a esta regra leva a conversão legal.

▪ OA: apenas as restrições ao direito de propriedade estão sujeitas a

conversão legal; constituição de figuras parcelares é nula nos termos

gerais.

▪ ML: não há base para estabelecer essa distinção e estando em causa a

criação de um novo direito real, o tratamento dado é o mesmo.

Justificação do princípio: cariz absoluto dos direitos reais pode ser entrave à circulação dos bens

(o titular pode opô-lo eficazmente a qualquer adquirente de boa fé); sobreposição sucessiva de

direitos pode dar origem a litígios, afetando a possibilidade de exploração dos bens; Estado deve

criteriosamente instituir a ordenação jurídica dos bens.

Críticas: parte mais rígida e menos mutável do Direito Privado patrimonial – congelado e

cristalizado na forma clássica

2. Princípio da Especialidade Tem que ser possível individualizar concretamente a coisa que constitui o objeto do direito

real: coisas corpóreas, determinadas, com existência presente e autónomas de outras coisas.

• Subprincípio da determinação: a coisa tem de estar determinada – se o titular tiver

direito a receber coisas genéricas não tem direito real e sim direito de crédito (art. 539º).

o Só há direito real a partir do momento em que as coisas sejam determinadas

(art. 408º/2).

o Não há direitos reais autónomos sobre universalidades, incidindo o direito

individualmente sobre cada uma das coisas que compõe a universalidade.

4 JAV: a autonomização de um ramo do Direito depende da existência de princípios jurídicos próprios que lhe permitam constituir um subsistema autónomo dentro do sistema geral da ordem jurídica.

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• Subprincípio da atualidade: coisa tem de ter existência presente – se o titular tiver

direito a coisa futura, então isso não é direito real e sim direito obrigacional a uma

prestação futura.

o Não existe também direito sobre coisas passadas (perdidas ou cujo direito sobre

a mesma se extinguiu).

• Subprincípio da autonomização/totalidade: coisa tem de ser autónoma, não havendo

direito real sobre partes de uma coisa.

o Não dá direito real de coisas ligadas materialmente a outras.

o Se coisa separada for unida e incorporada noutra coisa, há extinção do direito e

sua aquisição ex novo por acessão (art. 1325º e ss.) – não é possível manter a

reserva de propriedade a partir do momento em que as coisas passem a

constituir partes integrantes dos prédios.5

o Consequência de os negócios sobre direitos reais serem de disposição e não

obrigacionais.

3. Princípio da Elasticidade Admissibilidade das compressões e expansões dos Direitos Reais, em virtude da constituição

de um novo Direito Real que onere a coisa ou extinção posterior desse Direito.

➢ Conteúdo do direito não é imutável – varia conforme se vão constituindo e extinguindo

os direitos reais que incidem sobre a coisa – pode haver mudanças no conteúdo do

direito real.

➢ Em consequência da extinção do direito real menor, o direito real maior pode retomar

o seu conteúdo originário.

No caso de sobreposição de direitos sobre a mesma coisa há necessidade de harmonizarem-se,

havendo mecanismos de compressão, na lei. Não se podem constituir sucessivamente 2

propriedades sobre a mesma coisa, mas tal resulta da falta de legitimidade para a realização de

uma segunda disposição do mesmo direito e não da falta de compatibilidade dos direitos entre

si.

4. Princípio da Transmissibilidade Comum aos outros direitos patrimoniais – mais importante nos direitos reais, tendo mesmo

garantia constitucional.

➢ Implica que os direitos reais possam ser objeto de sucessão por morte e que possam

ser transmitidos por ato inter vivos.

o Mas há direitos reais que não podem exceder a vida do titular (art. 1444º) e

outros inalienáveis (art. 1488º).

Princípio da Consensualidade: para a constituição ou transmissão do direito real basta o acordo

das partes – celebração do contrato acarreta a transferência do direito real (art. 408º/1 e

1317º/a – quod constitutionem).

➢ Portanto, transferência do direito real é imediata e instantânea, apenas com o acordo

das partes.

5 STJ decidiu assim, em 1996, em relação aos elevadores – a partir do momento que estão incorporados no prédio faze parte dele e não podem haver direitos reais autónomos sobre o elevador.

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5. Princípio da Publicidade Factos jurídicos relativos aos direitos reais devem ser dados a conhecer ao público em geral.

• Forma mais comum de assegurar a publicidade dos direitos reais: Posse (art. 1268º/1)

• Forma mais perfeita de assegurar a publicidade dos direitos reais: Registo

6. Princípio da Boa Fé Princípio geral do Direito Civil.

• Aplicação mais restrita do que no Direito das Obrigações – não há princípio que protege

o possuidor de boa fé contra a reivindicação de móveis.

o Mas releva para efeitos da posse, usucapião e acessão industrial.

CONCEITO e ESTRUTURA dos Direitos Reais

Teoria Clássica ou Realista Relação entre Pessoa e Coisa

Grotius: direito real é um direito de propriedade entre uma pessoa e uma coisa, sem relação

necessária com outra pessoa.

Natureza ontológica das relações: direitos reais estruturam-se com base na relação de uma

pessoa com uma coisa, através da qual esta era afetada ao sujeito – tutelada pela actio in rem

e dirigida contra qualquer pessoa.

Teorias Modernas ou Personalista Criticam a Teoria Clássica:

• Pufendorf – jusracionalistas concluíram que as relações jurídicas só se podem

estabelecer entre pessoas; propriedade das coisas resulta de convenção, expressa ou

tácita, entre pessoas.

• Kant – o que existia era uma vinculação dos outros para com o proprietário da coisa.

• Thibaut – direito absoluto pois era tutelado por uma ação absoluta.

• Feuerbach – direito real era direito sobre determinado objeto, que teria validade contra

todas as pessoas, mediante o qual o seu titular poderia ser considerado em relação com

todos os outros seres humanos; qualquer pessoa teria o dever de reconhecer esse

direito, não perturbar o seu titular e não limitar por qualquer forma o seu exercício.

Após a pandectística alemã surgiram várias teses:

Teoria do Poder Direto e Imediato sobre uma Coisa O que caracteriza o direito real consiste na circunstância de ele recair direta e imediatamente

sobre uma coisa corpórea, ou seja, não necessitar da colaboração de ninguém para ser

exercido.

Defensores: Wäcther, Guilherme Moreira, Pessoa Jorge e etc.

Críticas: excessivamente empírica e não explicativa da forma como são juridicamente atribuídos

ao titular os poderes que sobre ela tem.

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Teoria do Poder Absoluto O que caracteriza o direito real não é a relação com a coisa, mas antes a relação com os outros

sujeitos da ordem jurídica, através da qual o titular teria a faculdade de exigir dos outros

sujeitos que se abstenham de, por alguma forma, perturbar o exercício de poderes sobre a

coisa.

➢ Relação entre o titular do direito real e todos os outros sujeitos da ordem jurídica, ou

com todos aqueles que se encontrem em condições de lesar o seu gozo sobre a coisa,

sendo essa relação que explicaria juridicamente os seus poderes sobre a coisa.

➢ Relação de uma pessoa (lado ativo) com todas as outras (lado passivo = universalidade

de sujeitos)

Críticas: direito real não estabeleceria poderes para o titular e apenas deveres de abstenção a

terceiros, sendo um dever universal de respeito ou obrigação passiva universal (Windscheid); é

muito abstrata e faz esquecer o núcleo fundamental do direito que é precisamente a relação

com a coisa.

Teorias Mistas Conjugam as duas conceções, considerando que o direito real tem:

• Lado interno – poder direto e imediato sobre a coisa

• Lado externo – relação com todos os outros sujeitos da ordem jurídica

o Jaime de Gouveia: é a relação jurídica que se estabelece entre o titular do direito

e todas as outras pessoas que se obrigam a respeitar o poder que o titular tem

de tirar da coisa, objeto do direito, todas as utilidades que a ordem jurídica

consente.

Defensores: Pires de Lima, Galvão Telles, Henrique Mesquita, Antunes Varela, Mota Pinto,

Santos Justo.

Críticas: estão sujeitas às críticas de qualquer uma das anteriores.

Orientações Doutrinárias Portuguesas Gomes da Silva: “Só pode ser direito real o que representa a afetação da coisa a um fim. Neste

sentido temos a inerência do direito à coisa. O bem afetado pela lei à realização do fim é a

própria coisa.”

Oliveira Ascensão: “Direitos absolutos, inerentes a uma coisa e, funcionalmente dirigidos a

outorgar vantagens intrínsecas desta ao titular.”

➢ Direitos erga omnes inerentes a uma coisa numa relação tão intensa que leva o direito

a perseguir a coisa.

Menezes Cordeiro: “Permissão normativa específica de aproveitamento de uma coisa

corpórea.”

José Alberto Vieira: “Direito real é aquele que atribui um determinado aproveitamento

de uma coisa corpórea.”

Menezes Leitão

Direito Real: direito absoluto e inerente a uma coisa corpórea, que permite

ao seu titular determinada forma de aproveitamento jurídico desta.

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Permissão normativa específica de aproveitamento de uma coisa corpórea existe nos direitos

reais mas também noutros, tendo que se acrescentar outros traços distintivos como o caráter

absoluto e a inerência.

➢ É um direito absoluto porque pode ser oponível a qualquer pessoa e incide sobre uma

coisa corpórea, à qual é inerente.

CARACTERÍSTICAS dos Direitos Reais ≠ Princípios – que são os fundamentos dogmáticos específicos.

As características dos Direitos Reais são analisadas numa ótica do direito subjetivo.

JAV: eleva algumas destas características a princípios (a absolutidade e a inerência) e não

autonomiza a Sequela.

I. Caráter Absoluto Consiste no facto de os direitos reais não se estruturarem com base em qualquer relação

jurídica, sendo oponíveis erga omnes.

➢ MC discorda pois também entende os direitos de crédito como oponíveis a terceiros.6

Consequência é a 1) existência dum dever genérico de respeito desse direito por parte dos

outros sujeitos, aos quais o 2) titular do direito pode sempre opor eficazmente o seu direito.

1) Atribuem ao titular um domínio reservado de atuação, que todos os outros sujeitos têm

de respeitar.

2) Oponíveis a qualquer pessoa que se pretenda ingerir no domínio reservado ao seu

titular – grande potencial de reação

Direitos reais de gozo – propriedade pode constituir-se por ocupação (art. 1318º); ação de

reivindicação (art. 1311º a 1315º).

Direitos reais de garantia – faculdade da satisfação do crédito a partir dos rendimentos da coisa

ou do produto da sua venda.

Direitos reais de aquisição – aquisição pode ser desencadeada independentemente do atual

titular do bem/feita contra qualquer pessoa.

II. Inerência Consiste no facto de os direitos reais estabelecerem com a coisa uma ligação especialmente

intensa, não podendo ser dela separados, designadamente para passarem a ter outra coisa

como objeto.

Carvalho Fernandes: O interesse do titular é realizado pela coisa.

Estão de tal forma ligados à coisa que é o seu objeto que a ela inerem e não podem ser

desligados – coisa tem de ser existente, certa e determinada para poder ser objeto do direito

real.

6 Fala também em direitos reais relativos, como a servidão de vistas.

JAV discorda pois a servidão de vistas é oponível a terceiros.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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➢ Não podem ser separados da coisa nem passarem a ter outra coisa como objeto – é

juridicamente impossível transmitir o direito da coisa sem a própria coisa.

o Transmissão do direito para outra coisa é juridicamente impossível. Ex: alguém

tem usufruto do prédio X e quer que esse usufruto passe antes a incidir sobre o

prédio Y – não o pode fazer; tem de extinguir o usufruto sobre X para constituir

um novo sobre Y

➢ Também não permite alargar o direito a uma realidade sobre a qual não incidia.

Manifestação positiva no art. 1545º/2

Implica que as vicissitudes da coisa se reflitam no direito real que incide sobre as mesmas –

manifestando a inerência dos direitos reais (art. 730º/2, 1485º, 1535º/e).

Questão da sub-rogação especial é controvertida.

• Sub-rogação legal especial real – caso de quando desaparece a coisa que é objeto de

direitos reais e há transmissão desses direitos para outra coisa (como uma

indemnização) – art. 1480º

o ML, JAV: não está em causa a inerência, pois passa é a haver outro direito real.

Extingue-se o direito sobre a coisa destruída e surge um novo direito real,

sobre uma nova realidade. Extinção do direito real, com a extinção do objeto,

constituindo-se um novo direito real sobre outro objeto.

III. Sequela Constitui uma manifestação dinâmica da inerência7 – titular pode ir buscar a coisa,

independentemente de qual o seu atual possuidor, mesmo que ela venha a ser objeto de uma

cadeia de transmissões (ubi rem invenio, ibi vindico).

➢ Características dos direitos reais e apenas destes – res perit domino

➢ Permite ao titular do direito atuar sobre a coisa para realizar o seu direito

Direitos reais de garantia: possibilidade de executar o direito e ser-se satisfeito com a venda

Direitos reais de aquisição: possibilidade de fazer sua a coisa (art. 1410º)

IV. Prevalência Significa que o direito real que primeiro se constituir prevalece sobre todos os direitos reais de

constituição ou registo posterior, bem como sobre todos os direitos de crédito que se venham

a constituir.

• Maior força dos direitos reais sobre os direitos de crédito – confrontando direitos de

crédito com direitos reais, prevalece o real mesmo que os de crédito tenham sido

constituídos primeiro.

Direitos reais que não se compatibilizem sobre a mesma coisa são hierarquizados por uma

ordem de precedência, que pode ser conferida pela prioridade na constituição ou pela

prioridade no registo.

• Direitos reais, no confronto com outros direitos reais incompatíveis, prevalecem se se

tiverem constituído/registado primeiro.

7 JAV não liga à Inerência e sim ao Caráter Absoluto

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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MC segue Pinto Coelho e OA e nega que a prevalência seja, em absoluto, uma característica dos

direitos reais.

➢ ML discorda: os direitos de crédito não possuem prevalência pois regem-se pela

igualdade entre credores – o que não se verifica nos direitos reais, pois aquele que

constituiu primariamente o direito tem prioridade (prior in tempore, prior in iure),

aproximando-se à noção de prevalência (art. 604º/2).

➢ Ela funciona é em termos divergentes.

Direitos reais de gozo: implica que apenas o direito resultante da primeira alienação se

constitua, não chegando o segundo direito a constituir-se. O segundo é inválido pois não há

legitimidade.

Direitos reais de garantia: credores não estão em pé de igualdade e um será satisfeito

prioritariamente, tendo em conta a precedência do seu direito real.

• Satisfação preferencial do direito real constituído em primeiro lugar.

• Se o valor não chegar para satisfazer totalmente o direito que tem preferência, então

satisfaz até onde pode e o que não for satisfeito é crédito obrigacional.

Direitos reais de aquisição: constituindo-se um direito real, o direito de crédito extingue-se

por impossibilidade – essa extinção resulta de ter sido constituído um direito real incompatível,

que sobre ele prevalece.

Há algumas exceções: privilégios creditórios (art. 745º e ss.); privilégio imobiliário especial (art.

751º)

Prevalência pode ser extensiva a direitos não reais: art. 733º, art. 736º, 747º/1/a.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Objeto dos Direitos Reais: COISAS = BENS8

O conceito de Direito Real pode ser essencialmente delimitado em função do seu objeto: as coisas

corpóreas (art. 1302º)9

➢ Por força do princípio da especialidade, as coisas, para serem objeto de direitos reais,

têm que ser corpóreas, com existência presente, autónomas de outras coisas e

determinadas.

o Sem estas características não têm idoneidade para ser objeto de um direito real.

Noção de Coisa – art. 202º “Tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”

➢ A lei não tem que definir, a lei deve regular. A doutrina é que define.

➢ Tem que se entender num sentido mais amplo (leitura atualista) que o da relação jurídica – pode ser uma

situação jurídica (ex: direito de propriedade só supõe um sujeito e a coisa)

o Neste caso a coisa só existia quando transacionada, conceito de relação (sujeito-sujeito) –

aplicam-se as críticas feitas à relação jurídica.

➢ Mas não num sentido tão amplo como o Código de Seabra que definia coisa como “tudo o que carece de

personalidade” – se não é pessoa é coisa. Definição pela negativa que gera dificuldades em relação aos

cadáveres, nascituros e etc.

Delimitação das coisas (MC):

1. Coisa opõe-se a pessoa – as pessoas são sujeitos e não objetos de negócios jurídicos. Pode não ser assim

tão evidente, ex: escravos eram coisas

2. Coisa pode ser material ou imaterial

3. Coisa pode ter valor económico ou não – juridicamente é irrelevante

4. Coisa é um conceito jurídico – a realidade “coisa” é uma criação do Direito. Ex: questão dos animais, para

nós não são coisas, mas o Direito entende como tal

a. Menezes Cordeiro tenta definir como “realidade delimitada pelo Direito a partir do conceito de

seres inanimados”

Palma Ramalho: fica-se pela definição do CC

PPV: Só são coisas jurídicas aquelas que forem pessoalmente apropriáveis e utilizáveis para a realização

de fins concretos, que puderem ser pelo Direito especialmente afetas à satisfação de fins.

Menezes Cordeiro: as coisas podem ser inalcançáveis

Classificação das coisas – art. 203º e ss. Qualquer classificação pode ser sobreponível a outra.

O art. 202º precede uma classificação

Coisas fora do comércio

• Não podem ser objeto de transação (direitos privados) e/ou apropriação individual

o Naturais: impossibilidade de apropriação individual. Ex: lua, sol e etc.

o Jurídicas: impossibilidade de situações jurídicas privadas, excluem-se do comércio privado e/ou

fazem parte do domínio público. Ex: um rim; Torre de Belém, praias, estradas

▪ Na dúvida se está no domínio público ou não, é o Tribunal que decide

o A não comercialidade das coisas fora do comércio é tributária da lei e não das próprias coisas.

• PPV: As coisas fora do comércio são insuscetíveis de apropriação – logo não são coisas em sentido jurídico.

Coisas corpóreas e incorpóreas

8 PPV: tudo aquilo que não seja pessoa e tiver uma utilidade (apto a satisfazer necessidades)

9 Art. 1303º - ML: é muito difícil verificar-se pois o regime dos Reais no CC pressupõe a existência de uma coisa corpórea, não se harmonizando com coisa não corpórea.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Coisa Corpórea: existência exterior e apreensível pelos sentidos. Suscetíveis de posse (apropriação física)

o Podem sofrer atuação humana direta, no sentido mais imediato de atuação física.

o Palma Ramalho: podem ser consideradas Materiais ou Imateriais

o Art. 1302º - só das coisas corpóreas se pode ser proprietário. Em qualquer dos estados físicos

(gases e líquidos são corpóreos mas envolvem um recetáculo).

o PPV: Coisas corpóreas dividem-se em coisas materiais (têm matéria e dimensão) e coisas imateriais (têm

realidade e existência na natureza física mas não têm matéria como a eletricidade).

• Coisa Incorpórea: produto do espírito (honra, memória, imagem, obras)

o Bens Intelectuais

▪ Obras literárias ou artísticas, independente da forma física de que se revestem.

Reguladas pelo Direito de Autor.

▪ Inventos, dão lugar a registo e a patente mesmo que impliquem descobertas científicas

(que mais facilmente caem no domínio público). Regulados pelo Código da Propriedade

Industrial.

▪ Marcas, sinais distintivos (gráficos, desenhos, palavras) de uma coisa ou serviço.

Reguladas pelo Código da Propriedade Industrial e Código da Publicidade.

o Prestações – conduta humana devida por alguém (Castro Mendes). A prestação em si mesma é

um bem jurídico (já o objeto da prestação é corpóreo)

▪ De dare, de facere, de non facere/de pati

o Quia Jurídicos – figurações técnicas e sociais relacionadas com uma situação jurídica em que um

direito é perspetivado como uma coisa. A ordem jurídica perspetiva os direitos como um bem.

▪ Ex: direitos inerentes aos imóveis (art. 204º/1/d) – pode-se transmitir o direito de

usufruto que é um bem mas não deixa de ser um direito; quota dos sócios dá direito a

votar e etc. mas ao lhe atribuir valor (para vender) é perspetivada como um bem

o Bens de Personalidade – discute-se na doutrina se são bens ou não

▪ Palma Ramalho: é um bem incorpóreo em termos gerais, sobretudo aqueles que podem

ser objetos de negócios jurídicos (ao abrigo do art. 81º). Os não passíveis de serem

transacionados são realidades intermédias.

▪ Menezes Cordeiro: não são coisas os bens de personalidade – estão ligados

intimamente com os direitos de personalidade.

Coisas Imóveis – art. 204º É importante esta distinção pois os negócios jurídicos que têm como objeto as coisas imóveis são mais exigentes na

forma e pode dar origem a deveres de registo – para tornar a situação conhecida de terceiros e assegurar a segurança

jurídica.

➢ Pois sociológica e historicamente dá-se mais valores aos bens imóveis. Hoje em dia há desvios pois há ações

(móveis) que podem valer mais que um metro quadrado de terra (imóvel)

➢ O Simplex de 2007 veio simplificar a formalidade dos negócios jurídicos associados a coisas imóveis

Não se definem coisas imóveis, nem móveis, devido à sua grande heterogeneidade. O código decide enunciar, quer

as de origem natural quer as construções humanas (incluindo as realidades jurídicas).

Numeração enunciativa e não taxativa pois há muitas outras coisas imóveis não cobertas pelo artigo –

pontes, estradas, aquedutos

Núcleo essencial: um bem imóvel é um bem ligado ao solo com caráter de permanência, que dele não se

pode desligar – critério de imobilidade material à exceção dos direitos.

Pode-se também aplicar, residualmente, um critério da funcionalidade do bem.

a) Prédios – noção jurídica – porção de terreno ou construção incorporada num terreno, há sempre um solo.

i. Rústico: elemento predominante é o solo, mesmo que lá haja uma construção sem autonomia

económica – o elemento do solo é predominante quando a sua afetação económica, a sua utilidade

própria, residir principalmente no solo, tendo as edificações que nele existirem uma utilidade apenas

instrumental ou acessória.

Art. 204º/2

ii. Urbano: elemento predominante é a edificação (edifício incorporado no solo) – utilidade própria é a

edificação servindo o solo apenas como suporte físico

Art. 204º/2

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Logradouro – terreno à volta do qual está implantado, sem autonomia e servente às necessidades

dos habitantes prédio urbano. Ex: jardim

Não se olha para o contexto, mas quando o elemento predominante não chega, olha-se

à utilidade económica e à funcionalidade.

Pode-se alterar a classificação dos prédios10 com a submissão à Câmara Municipal da

alteração do registo – depende apenas do objetivo ou do elemento que agora

predomine.

iii. Frações Autónomas: decorrem da possibilidade de instituição do regime da propriedade

horizontal (art. 1414º)

Palma Ramalho -> Para reconhecer as partes comuns em copropriedade (escadas,

elevador, garagens) enquadra-se como partes de imóveis mas a fração autónoma é um

bem imóvel em si mesmo e segue as regras de bens imóveis.

iv. CC reconhece que o direito de propriedade sobre um prédio abrange o subsolo e o espaço aéreo

respetivos – art. 1344º (desde que não entre numa lógica de abuso de direito e má fé. Ex: espigões

para furar os dirigíveis)

b) Águas – as águas particulares (art. 1386º CC), nomeadamente as que nascem na nossa propriedade, passam

pela nossa propriedade ou estão no subsolo da nossa propriedade, podem ser objeto de direitos privados.

c) Árvores, arbustos e frutos naturais enquanto estiverem ligados ao solo – é tido em conta o critério de

incorporação no solo. A partir do momento que há autonomia passa a ser uma coisa móvel.

d) Direitos ligados aos anteriores – quia jurídico – aplica-se aos direitos sobre os bens imóveis o regime das

coisas imóveis. Ex: terreno X tem registo, usufruto de X também está sujeito a registo.

e) Partes integrantes – art. 204º/3 – quando uma coisa móvel está ligada materialmente a um prédio com

carácter de permanência – coisas originalmente móveis que foram integradas com caráter de permanência numa

coisa imóvel e que passaram, assim, a fazer parte dela, perdendo a individualidade e a autonomia.

i. Critério da ligação material. Bens que não têm autonomia relativamente ao prédio.

ii. Ao estarem separados podem ser tratadas como móveis, mas juntas são parte integrante de um

bem imóvel. Ex: azulejos da cozinha, elevador. A escultura do jardim não é vendida juntamente

com a casa porque não está a ela ligada materialmente, mas os azulejos estão.

iii. O prédio ao ser transmitido, as partes integrantes têm que acompanhar o destino do prédio.

Coisas Acessórias – art. 210º = Pertenças

• Podem aplicar-se também a bens móveis enquanto as partes integrantes é só a bens imóveis

o A doutrina critica e defende uma extensão do regime das partes integrantes. Ex: pneus do carro

deviam ser partes integrantes e não acessórias – pois asseguram a funcionalidade da coisa

principal

o O adquirente da coisa principal deve explicitar quais as pertenças abrangidas pelo negócio.

• É meramente ornamental, ao passo que a parte integrante assegura a funcionalidade da coisa.

o A coisa acessória não assegura a manutenção da funcionalidade

Coisas Móveis – art. 205º Determinadas por exclusão – determinação pela negativa (tudo o que não é imóvel)

• A energia, o gás e etc. são também coisas móveis.

Devido ao seu valor, há móveis sujeitos a registo e a matrícula – têm garantias do regime dos imóveis.

Coisas semoventes – coisas que se mexem, animadas. Ex: animais, carros

Coisas Compostas – art. 206º = Universalidades de Facto11

10 Rustico vs. urbano

Teoria do valor – será segundo a parcela que tiver maior valor Teoria da afetação económica – se visa o aproveitamento do terreno ou construção Teoria da consideração económica – será o que a comunidade jurídica entender 11 Também pode haver Universalidades de Direito (ex: herança) ou um misto

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Favorece-se o tratamento unitário de um conjunto de coisas conglomeradas – o conjunto é que é objeto de Direito.

Individualmente as coisas também podem ser objeto de situações jurídicas. Ex: somos donos de cada livro, mas

também da biblioteca

• Móveis pertencentes à mesma pessoa com o mesmo destino unitário

o Analogicamente pode se aplicar a imóveis

• Têm um tratamento jurídico individual autónomo, sem prejuízo da individualidade jurídica dos seus componentes.

Coisas Fungíveis – art. 207º Não se determinam pela coisa em si, mas sim pelo género, qualidade e quantidade quando são objeto de relações

jurídicas.

• Critério não pelas características específicas e que pode ser substituída por outra da mesma espécie. Ex: ao

pedir um pastel de nata, não queremos um em específico. Pedimos aquele género e quantidade. O dinheiro

é a coisa mais fungível

o Manuel de Andrade – coisas fungíveis intervêm não in specie (individualmente determinadas)

mas in genere (identificadas através de notas genéricas)

• Só se sabe se é fungível olhando para a situação jurídica em questão. Ex: uma moeda pode ser fungível

como infungível (se for de coleção)

o A infungibilidade pode ser devido a ligações sentimentais

• Influencia os contratos em que uns pressupõem a fungibilidade dos bens e outros não

o Certas prestações podem ser infungíveis pois dependem das qualidades próprias do devedor

Coisas Consumíveis – art. 208º Classificação que pode alargar-se a situações de Direito e não meramente naturalistas.

• A vontade das partes pode atribuir a qualidade das coisas consumíveis ou não

• Depende da sua utilidade. Ex: vela para iluminação ≠ vela para decoração

• A coisa extingue-se ao ser consumida

o As não consumíveis podem ser Deterioráveis ou Não Deterioráveis

Coisas Divisíveis – art. 209º Não é a divisibilidade natural mas sim jurídica – critério de unidade da coisa reside na sua utilidade.

Algo considera-se indivisível quando:

1. A divisão determina uma alteração da sua substância

2. Diminui o seu valor

3. Deixa de ser adequada para o uso a que se destina – prejuízo de utilidade

A doutrina considera que prevalece o critério do valor – dependendo da situação jurídica concreta e o negócio jurídico

celebrado.

Ex: Vaca. 1 – Ao cortar-se uma vaca ao meio ela continua uma vaca. 2 – Se for uma vaca para carne o seu valor pode

aumentar; se for para leite pode passar a valer menos. 3 – Se for para carne, não prejudica o uso a que se destinava;

se for para leite já prejudica. Uma vaca para carne é divisível. Uma vaca leiteira é indivisível.

Coisas Futuras – art. 211º Podem ser futuras por 2 razões:

1. Ainda não existem – objetivamente futuras. Ex: Faz-se um negócio jurídico sobre o quadro que A vai pintar

de B

2. Ainda não estão em poder do disponente, mas irão estar – subjetivamente futuras. Ex: bens que C herdará

Venda de coisa alheia que se espera vir a ser própria – os efeitos do negócio jurídico dependem da aquisição ou posse

por parte de quem negoceia.

Coisas alheias são objeto de atos de disposição na expetativa da sua futura aquisição pelo disponente.

Disponente fica obrigado às diligências necessárias para que as coisas futuras se tornem presentes

(art. 880º) – negócio só está concluído quando a coisa estiver junto da pessoa interessada.

Frutos – art. 212º e ss. Advêm de coisas frutíferas.

O fruto é uma coisa que provém periodicamente de outra e que não altera a substância dessa outra.

• Periocidade é importante, regime dos frutos moldado à ideia de que eles vão surgindo

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Podem ser frutos naturais (frutas das árvores, crias de animais) ou civis (renda que se recebe pelo

arrendamento de um prédio)

• Na coisa composta, como o rebanho, o excesso é que é o fruto. Não conta os que nascem e compensam os

que morrem – só deve ser tido como fruto o que sobrar depois de descontado o necessário para a manutenção da

coisa frutífera. o Ao nº3 do art. 212º do CC pode-se aplicar analogicamente para os frutos civis como por exemplo as

aplicações de capital, cujos rendimentos só devem ser considerados frutos depois de deduzido o que for

necessário à reposição do capital. Ex: juros do depósito após compensar a inflação.

Frutos Pendentes: quando ainda estão integrados na coisa principal e não têm autonomia

Em princípio os frutos pertencem ao proprietário da coisa frutífera, atendendo ao momento da colheita.

As coisas produzidas aleatoriamente e as que sejam com prejuízo ou detrimento da substância da coisa são tidas juridicamente

como produtos da coisa principal, não frutos.

Benfeitorias – art. 216º Verdadeiramente são uma intervenção sobre uma coisa que existe: gasta-se dinheiro (despesa) com uma coisa para

conservar ou melhorar essa coisa.

• Envolve o dispêndio de dinheiro.

• Envolve a conservação ou melhoramento da coisa.

Necessárias: evitam a perda, destruição, deterioração. Ex: quando chove em casa

Útil: aumenta o valor da casa. Ex: pinta-se a casa para tirar as manchas de humidade

Voluptuária: não aumenta o valor da casa. Ex: não se gosta da cor que se pintou e pinta-se de novo Ex: construiu uma casa num prédio. É benfeitoria porque melhora a coisa e gastou-se dinheiro. É necessária? Não. O

prédio não se perdia sem a casa. É útil? Sim. Valorizou o prédio. Colocou-se uma piscina, é útil? Sim. Valorizou o prédio.

Colocou-se puxadores topo de gama mas que não trazem valor à casa, é útil? Não, essa despesa é voluptuária. Se se

substitui os puxadores porque só assim se vendia a casa então foi útil.

Quando as despesas não são feitas pelo proprietário da coisa, quem as faz tem o direito a ser reembolsado se elas

forem necessárias mas não se forem voluptuárias. ➢ Regime de benfeitorias serve para saber se se paga a quem fez a benfeitoria

Domínio Público Determinado por lei – coisas que são propriedade da nação e todos podem utilizar.

O Estado tem poder sobre estas coisas, sendo que esse domínio deve seguir regras mais apertadas daquelas que se

aplicam aos privados.

Reparte-se em várias esferas nomeadamente o natural, construído, monumental e histórico, militar.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Situações Jurídicas Propter Rem Efeito resultante dos Direitos Reais

Situações jurídicas cujo sujeito ativo ou passivo é determinado em virtude da titularidade dum

direito real.

➢ Correspondem a situações em que a existência do direito real atribui ao seu titular

direitos ou obrigações em relação a outrem.

Obrigações Propter Rem Obrigações em que o respetivo devedor é determinado pela titularidade de um direito real.

• Aquelas em que o devedor é devedor em virtude de ser titular de um direito real

• Sujeito passivo é variável, correspondendo ao que for titular, naquele momento, de

determinado direito real – obrigações ambulatórias.

Origem no Direito Romano – situações tuteladas por uma actio in rem scripta, em que o nome

do demandado não figurava na intentio pois podia ser dirigida contra qualquer pessoa que se

encontrasse em determinada situação.

Regime jurídico Existem inúmeras situações em que surgem obrigações propter rem no âmbito dos direitos

reais.

Comproprietários (art. 1411º/1); Condóminos (art. 1424º/1); Pagamento de impostos e outros

encargos anuais (art. 1474º); Usuário e morador usuário (art. 1489º); Canôn superficiário (art.

1530º/1); Servidões prediais (art. 1567º/1)

➢ Casos de obrigações propter rem injuntivas – tendo e conta que elas podem ser

convencionais

Obrigações propter rem constituem verdadeiras obrigações, sujeitas ao Direito das

Obrigações12, mas integram o conteúdo do direito real, não tendo existência isolada do

mesmo.

Conteúdo positivo – Henrique Mesquita – deveres negativos correspondem a uma delimitação

do próprio conteúdo do direito real.

Conteúdo negativo – JAV; ML – usufrutuário tem que tolerar as obras e melhoramentos (art.

1471º) e assume obrigação de não semear o terreno a cada três anos para respeitar o pousio –

assume caráter de pati e de obrigação de non facere.

Não é obrigação propter rem os casos de responsabilidade civil atribuídos ao proprietário que

exigem um facto culposo para se poderem constituir – art. 492º e 1348º

Fazem parte do conteúdo do direito real uma vez que este, como situação jurídica complexa,

além do seu núcleo essencial, que consiste na faculdade de aproveitamento de uma coisa

corpórea, pode incluir outros elementos, entre estes se incluindo essas obrigações.

12 Não estão totalmente sujeitas ao regime vindo do Direito das Obrigações, uma vez que há várias exceções – quanto à prescrição

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Em certos direitos a lei confere uma certa amplitude para a constituição de obrigações

propter rem por via negocial – usufruto (art. 1445º), uso e habitação (art. 1485º),

superfície (art. 1530º) e servidões prediais (art. 1564º).

• Apesar disto, estão sujeitas ao princípio da tipicidade e só se podem constituir nos casos

previstos na lei – pois elas vinculam o titular do direito real enquanto tal.

Obrigações propter rem acompanham o direito real de que fazem parte nas suas vicissitudes,

permanecendo ligadas a este.

• São transmitidas caso o direito real também o seja.

• Se a obrigação se venceu enquanto a coisa estava na titularidade do alienante, não é

transmitida com o direito real pois o vencimento desta implicou que ela passasse a

vincular pessoalmente o titular do direito. Ex: adquirente de fração autónoma não está

obrigado a liquidar dívidas do anterior proprietário nem a custear obras anteriores à sua

aquisição.

• Extinguem-se quando se extingue o direito real.

o Podem ainda extinguir-se por ter sido constituído, por via negocial ou

usucapião, um direito real com elas incompatível (como as servidões

desvinculativas)13.

Natureza Jurídica

• Teoria Realista – correspondem a verdadeiros direitos reais, uma vez que não há

obstáculos a que o direito real tenha por objeto um facere, podendo haver direitos reais

in faciendo; são geradas pela propriedade e resultam duma oneração dessa

propriedade; são inerentes às coisas e não às pessoas – Henrique Mesquita14, JAV

• Teoria Personalista – correspondem a verdadeiras obrigações, uma vez que nelas existe

o dever de uma pessoa realizar uma prestação, sendo consequentemente submetidas ao

regime geral das obrigações; especialidade da pessoa do devedor é determinada através

da relação com a coisa, mas, não há direito real pois não há atribuição de direito sobre

essa coisa (que serve apenas para determinar o sujeito passivo da obrigação) e sim sobre

uma prestação – Antunes Varela, MC, ML

• Teoria Mista – têm uma natureza mista pois recolhem elementos dos direitos reais e dos

direitos de crédito; relação de natureza complexa – Penha Gonçalves

• Teoria Relativa – correspondem a direitos reais ou direitos de crédito consoante o

critério que se adotasse, o da estrutura dos direitos e o da vinculação e pertença do

titular em relação a uma coisa determinada - Giorgianni

Ónus Reais Constitui uma prestação de dare, em dinheiro ou géneros, única ou periódica, imposta ao

titular de determinados bens, que atribui ao respetivo credor preferência no pagamento sobre

esses bens.

13 Outros exemplos são as obrigações propter rem relativas à distância de abertura de janelas (art. 1360º) e ao não gotejamento de águas sobre o prédio vizinho – estas extinguem-se se se constituir uma servidão de vistas (art. 1362º) ou servidão de estilício (art. 1365º/2) 14 Para quem o conceito de direito real compreende não apenas os poderes conferidos ao seu titular e as restrições e limites a que está sujeito mas também as vinculações de conteúdo positivo (obrigações reais) que sobre ele recaiam.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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➢ Direito a certa quantia sobre bens doados (art. 959º); apanágio do cônjuge sobrevivo

(art. 2018º); redução das doações sujeitas a colação (art. 2118º)

Origem no Direito Romano – surge no Direito Público em virtude da imposição do pagamento

de certas prestações (cânones) ao povo romano, representado pelo Senado, ou ao imperador,

por parte dos cultivadores de terrenos (fundi) nas províncias senatoriais ou imperiais.

Evolução na Idade Média – ocorre a generalização dos ónus reais, dada a organização feudal da

propriedade e ausência de registo predial, o que levava à proliferação de vínculos sobre os

imóveis para garantia do direito a prestações de certos credores.

Abolidos com a Revolução Francesa – inspirou outros códigos, embora os de matriz germânica

mantivessem-nos. Em Portugal foi sendo diminuída a sua importância, desde a Revolução Liberal

à extinção do censo pelo CC de 1966.

Regime Jurídico São, como as obrigações propter rem, constituídos em virtude da titularidade de determinados

bens, aos quais permanecem ligados, mas, não fazem parte do conteúdo dos direitos reais.

• Adquirentes respondem pelo cumprimento de prestações anteriores pois sucedem na

titularidade da coisa a que essa obrigação se encontra unida.

• Atribuem preferência no pagamento sobre a coisa que gravam, estando assim

acopulados a uma garantia real, enquanto que nas obrigações propter rem não há

nenhuma garantia real.

o Mas não são meros direitos reais de garantia pois não se limitam a atribuir

preferência no pagamento a um credor, vinculando o dono da coisa a uma

verdadeira obrigação, que surge da titularidade dessa mesma coisa.

Natureza Jurídica

• Ónus reais têm a natureza de direitos reais – MC – existe inerência, dado que se

produziria uma afetação jurídica de uma coisa a outrem, independentemente das

situações jurídicas e materiais que afetem a coisa; têm as características dos direitos

reais.

• Ónus reais têm a natureza de obrigações propter rem – OA, JAC – são inerentes a uma

coisa mas não são funcionalmente dirigidos para o aproveitamento desta; não incidem

sobre coisas e sim sobre prestações.

• Ónus reais têm a natureza de obrigações propter rem, acopuladas a direito real de

garantia – Henrique Mesquita, ML – figura composta entre obrigação propter rem e

garantia imobiliária; são créditos constituídos propter rem a que se encontra associada

uma garantia real, que incide sobre a coisa gravada com o ónus.

• Ónus reais são figura complexa com elementos reais e elementos obrigacionais –

Carvalho Fernandes – elementos obrigacionais e reais que reagem uns sobre os outros

criando um regime particular.

Pretensões Reais Direitos reais têm caráter absoluto mas permitem atribuir pretensões de caráter relativo, com

natureza obrigacional.

➢ A partir do momento em que se verifique a violação de um direito real o titular desse

direito tem o direito de exigir a cessação da violação.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Direitos relativos com a especialidade de serem originados pelo direito real, estando,

consequentemente, a ele ligados.

➢ Não fazem parte do conteúdo desse direito real.

➢ Estão sujeitas às normas do cumprimento das obrigações

o Mas não se aplica art. 798º e ss. – indemnização por incumprimento pressupõe

a violação de uma obrigação previamente constituída, enquanto que as

pretensões reais surgem diretamente em resultado da violação do direito real.

o Pretensões primárias – ação de reivindicação ou ação negatória – não podem

ser cedidas a terceiro.

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CLASSIFICAÇÕES dos Direitos Reais Como se dá o aproveitamento da coisa

Direitos Reais de Gozo, de Garantia e de Aquisição Direitos Reais de Gozo Atribuem ao titular o aproveitamento da coisa através de conjunto de poderes/faculdades (uso,

fruição ou disposição de uma coisa corpórea).

• Art. 1305º - poderes paradigmáticos de gozo mas existem mais, como o de transformar

e reivindicar

o Onde eles se aplicam todos é no Direito de Propriedade, nos outros depende do

direito real em concreto.

6 figuras no CC: Propriedade (art. 1302º a 1413º); Propriedade Horizontal (art. 1214º a 1238º);

Usufruto (art. ); Uso e Habitação (art.); Superfície (art. 1524º); Servidão (art. 1543º)

1 figura em legislação avulsa: Habitação Periódica (DL 275/93)15

➢ Alguma doutrina inclui a Posse – ML discorda que constitua um direito real.

Direitos Reais de Garantia Confere ao credor uma preferência no pagamento pelo valor de certa coisa, podendo assim esse

credor ser pago à frente dos outros credores, evitando os riscos do património do devedor não

chegar para a liquidação de todos os créditos.

• Titular do direito garante a realização de determinado valor em dinheiro, com a venda

da coisa.16

• Aproveitamento indireto da coisa – apenas no assegurar o cumprimento de obrigação.

Direitos Reais de Aquisição Confere ao titular a possibilidade de, pelo exercício desse mesmo direito, vir a adquirir um direito

real sobre determinada coisa.

• Determina afetação da coisa com destino à aquisição dum direito do titular.

o Direito real é a aquisição de outro direito real.

Direito Real Maior e Menor Direito Real Maior – atribui ao titular todas as faculdades relativas à coisa – propriedade

Direito Real Menor – não atribui ao titular todas as faculdades relativas à coisa – todos os outros

Relação entre eles:

1. Teoria do Desmembramento/Clássica – AV / PL – nos direitos reais menores ocorre uma

divisão da propriedade em vários direitos distintos. Fragmentação da propriedade em 2

direitos diferentes, sendo uma parte do conteúdo da propriedade transferida para o

direito real menor e ficando esta privada desse mesmo conteúdo –

2. Teoria da Oneração – OA, MC, ML – na constituição de um direito real menor não se

verifica qualquer desmembramento do direito da propriedade, nem o direito real menor

recebe uma parte dos direitos que a lei atribui ao proprietário.

15 Insere-se nos Direitos Reais pois resulta do regime as características dum direito real. 16 Está no Livro das Obrigações mas tem características de direito real.

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• Constituição de um direito real menor implica antes o surgimento de um

direito novo em termos de conteúdo, o qual comprime a propriedade, levando

a que esta temporariamente se reduza.

i. Devido à elasticidade da propriedade, ela pode recuperar o conteúdo

primitivo com a extinção do direito real menor.

• Enquanto vigorar o direito real menor há uma sobreposição de direitos sobre a

mesma coisa, tendo o proprietário que suportar o exercício do direito real

menor, mas podendo continuar a aproveitar a coisa em tudo o que não

contenda com esse exercício.

• Nunca poderia ser um desmembramento pois há aspetos novos do regime,

como certas obrigações e causas próprias de extinção.

Direitos Reais sobre Coisa Própria e Coisa Alheia Depende se a propriedade da coisa está atribuída ao titular ou se lhe está atribuído outro direito

real.

• Qualquer outro direito real tem de coexistir com a propriedade do titular – direitos

reais sobre coisa alheia (iuria in re aliena)

• A propriedade consiste num direito real sobre coisa própria

Classificação clássica que não se coaduna com a superfície (em que o implante existente em

solo alheio não pode deixar de ser visto como coisa própria do superficiário) nem com a

propriedade horizontal (em que o direito sobre as frações autónomas incide sobre coisa

própria).

Direitos Reais de Proteção Definitiva e Proteção Provisória Paulo Cunha:

• Proteção provisória = posse formal -> só era tutelada até ao momento em que o

verdadeiro titular do direito real o fizesse valer ele próprio, pondo fim à proteção

conferida ao possuidor.

• Proteção definitiva = todos os outros direitos reais.

MC: a proteção da posse é tão definitiva como a de qualquer outro direito real, só cessando essa

proteção quando a posse cessa.

➢ ML: a tutela da posse formal é provisória, tendo o possuidor que abandonar a coisa se

vier a ser convencido na questão da titularidade do direito real. Classificação só não faz

sentido porque a posse não é um direito real.

Direitos Reais Simples e Complexos OA:

• Simples – se a afetação da coisa é realizada por uma forma determinada

• Complexo – se há conjugação de formas de afetação da coisa. Dividir-se-ia em direitos

reais coletivos (direitos reais que não perdem autonomia entre si) e compostos (direitos

reais em que perdem a autonomia entre si)

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Direitos Reais Autónomos e Subordinados Autónomos – existência não depende de nenhum outro direito. Ex: propriedade e o usufruto.

Subordinados – estão dependentes da existência de outro direito. Ex: direitos reais de garantia

dependem da existência do crédito que garantem; direitos legais de preferência e etc.

Direitos Reais de Titularidade Imediata e Titularidade Mediata Os direitos reais são normalmente de Titularidade Imediata, pois são atribuídos diretamente a

sujeitos determinados, que se tornam os seus titulares.

➢ Podem ser de Titularidade Mediata quando a sua atribuição depende da atribuição de

outro direito real. Ex: servidões prediais, que só podem ser atribuídas se for dono do

prédio, não tenho esse direito como pessoa.

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A Ordenação Jurídica Provisória das Coisas

POSSE

Art. 1251º CC

Posse corresponde à situação em que ocorre o exercício fáctico de poderes sobre as coisas, o

que é objeto de proteção pelo Direito, independentemente da averiguação da efetiva

titularidade do direito sobre essa coisa.

➢ Tutela-se a exteriorização do direito, independentemente da averiguação da sua

titularidade.

Razões dessa proteção prendem-se com a defesa da paz pública e da continuidade do exercício

das posições jurídicas.

➢ O simples facto de se encontrar a exercer poderes sobre a coisa é suficiente para que

a Ordem Jurídica lhe permita exigir a manutenção ou restituição da coisa,

independentemente da discussão sobre a efetiva titularidade do direito.

Posse Formal – exercício fáctico de poderes sobre a coisa não é acompanhado pela titularidade

do direito real.

Posse Causal – exercício fáctico de poderes sobre a coisa está a ser realizado pelo titular do

direito.

➢ Para efeitos de tutela possessória é irrelevante o facto do possuidor ser ou não titular

do direito.

o A posse, como situação de facto só pode ter como objeto uma coia, dado que

não possuem direitos.

o Mas a referência ao direito pode funcionar como delimitação dos termos em

que o possuidor possui a coisa, daí que se refira que a coisa é possuída nos

termos de um direito – verificar em que termos a posse é exercida tendo em

conta o direito.

Situação de Facto – está na origem da posse e corresponde ao simples exercício material de

poderes sobre a coisa

Situação Jurídica – além da situação de facto, atribui-se efeitos jurídicos da posse ao seu titular.

➢ A posse é sempre uma situação jurídica, uma vez que sempre que ocorra o exercício

fáctico de poderes sobre a coisa, o titular passa a beneficiar da proteção possessória.

Fundamento da Proteção Possessória Teorias sobre a pose sistematizadas por Jhering

Teorias Relativas Correspondem àquelas que buscam o fundamento da proteção possessória não na pose em si,

mas antes em circunstâncias, objetivos ou proposições jurídicas exteriores a ela, considerando

que a posse serve para defender outros institutos que, sem ela, não poderiam ser plenamente

exercidos.

• Tese da Proibição da Violência

o Turbação da posse é delito contra o possuidor (Savigny) – posse não constitui

relação jurídica pelo que a sua turbação/esbulho não consiste na violação de

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um direito, mas, como há uma proibição geral da violência o esbulho constitui

delito contra o possuidor e pode recorrer aos interditos possessórios que lhe

são conferidos com base no direito que o possuidor tem de que ninguém exerça

violência contra ele.

o Turbação da posse é delito contra a ordem pública (Rudorff) – proteção

possessória não reside na tutela do próprio possuidor contra ilícitos mas antes

nas consequências públicas da atividade violenta, considerada como violação da

ordem pública; é consequência da proibição da autotutela.

• Tese da exigência de um fundamento jurídico prevalecente (Thibaut) – ninguém pode

ultrapassar juridicamente outrem sem apresentar um fundamento/causa jurídica

prevalecente para o seu direito. Alguém que exerce juridicamente um direito deve ser

provisoriamente protegido até que alguém, exibindo um direito melhor, o obrigue a

abdicar dessa mesma situação fáctica.

• Tese da preferência pela ilibação (Röder) – a menos que seja apresentada contraprova

em sentido contrário, a posição do possuidor deve ser protegida. Existência de uma

relação exterior, que liga uma pessoa à coisa que possui, corresponde possivelmente a

um direito para cujo exercício a coisa é necessária, que assim existe por força dessa

relação, a qual não é, por isso, ilícita.

• Tese da Defesa da Propriedade

o Posse constitui propriedade provável (tese clássica: Savigny) – proteção do

possuidor resulta do facto de se presumir que quem possui uma coisa é

igualmente proprietário dela; vê a posse como uma sombra da propriedade.

o Posse corresponde a uma propriedade inicial (Gans) – isto porque a posse pode

conduzir à usucapião; justificação da proteção da posse é o facto de ela permitir

uma aquisição da propriedade.

o Posse existe como interesse necessário num complemento da tutela da

propriedade (Jhering) – como a prova da propriedade nem sempre é possível,

concede-se um meio de defesa através da posse, o qual obriga a que seja o

esbulhador a apresentar um título relativo ao seu direito; é em função da

exteriorização do direito de propriedade que se concede proteção

Teorias Absolutas Correspondem àquelas em que o fundamento da proteção possessória é encontrado no próprio

instituto da posse.

• Tese da vontade do possuidor na sua incorporação fáctica (Gans, Puchta, Bruns) – tem

que se avaliar se a detenção está de acordo com a vontade universal (lei) ou é ato de

vontade individual; existe direito de propriedade protegido por lei ou há proteção legal

pois os atos de vontade individual são protegidos até que se demonstre que ofende a

vontade universal.

• Tese da preservação do controlo fáctico da coisa, atento o valor económico

representado pelo mesmo (Stahl) – a proteção possessória constitui uma forma de

apropriação das utilidades proporcionadas pelas coisas; estado de facto criador de

utilidades que beneficia de proteção legal, devido ao valor económico que representa.

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JAV: a posse tem, no nosso ordenamento jurídico a função de atribuição provisória de um

direito a quem tem controlo material da coisa; função de prevenção da violência e garantia da

paz social; função publicidade; função conservação.

Menezes Leitão: rejeita as teorias que fundamentam a posse na propriedade, uma vez que a

posse extravasa o âmbito da propriedade, sendo hoje a sua tutela concedida inclusivamente no

âmbito dos direitos pessoais de gozo; a defesa da paz pública é importante mas não decisivo.

➢ Razão da proteção possessória resulta da circunstância do controlo fáctico sobre a coisa,

exercido no próprio interesse, constituir um valor económico, que deve ser disciplinado

e protegido como tal.

POSSE E DETENÇÃO A distinção, que tem origem no Direito Romano, é feita com base em saber se quem exerce o

controlo material sobre a coisa beneficia ou não dos efeitos da posse.

Formulação Subjetivista de Savigny

Para a Posse é =

1. essencial a Detenção – possibilidade física de exercer controlo sobre uma coisa, com exclusão

de todos os outros. Ex: navegador tem em relação ao seu barco mas não em relação à água que

rodeia.

• Detenção não é conceito jurídico – é mero exercício fáctico de poderes sobre uma coisa

(corpus) – situação de facto embora relacionada com o exercício do direito

correspondente

+

2. elemento psicológico que corresponde à intenção de atuar como proprietário (animus domini

/ possidendi)

Animus Detinendi: detentor que se limita a exercer direito de propriedade alheio não tem o

animus possidendi e tem apenas o animus correspondente a deter uma coisa em nome alheio,

não tendo por isso a posse. Ex: locatário possui a coisa em nome alheio – não tem tutela da

posse.

Formulação Objetivista de Jhering A vontade não é relevante para distinguir a posse da detenção – elemento distintivo não é o

animus.

• A vontade é sempre necessária quer para a posse quer para a decisão, sob pena de

que exista apenas uma justaposição material da coisa a uma pessoa, não tendo

significado jurídico. Ex: colocar um objeto na mão de uma pessoa que está a dormir

O que se tem de averiguar é se há um interesse de uma pessoa sobre a coisa e se o detentor

atua no seu interesse próprio ou no interesse alheio.

O essencial é a relação material com a coisa, acompanhada de querer manter essa relação, pelo

que em princípio a detenção conduz à posse, uma vez que esta se basta com a existência de um

poder físico sobre a coisa voluntariamente mantido e exercido – traduzindo-se em termos

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positivos do exercício de poderes sobre a coisa e em termos negativos na exclusão dos outros

em relação a ela.

Existe sempre corpus e animus – são elementos essenciais de qualquer relação com a coisa,

dado que esta exige sempre a materialização duma vontade pelo que o animus não poderia

existir sem o corpus, nem o corpus sem o animus.

Detenção não resulta da vontade do detentor, mas antes da necessidade de proteção de

outrem, a quem se pretende atribuir em seu lugar a posição de possuidor.

➢ Para a detenção não conduzir à posse exige-se que a ordem jurídica desqualifique a

relação do detentor com a coisa, retirando-lhe a tutela interdital, em virtude de não

considerar a causa possessionis como merecedora dessa tutela, passando esta a ser

qualificada como mera detenção.

SAVIGNY:

Posse = animus + corpus + intenção do animus possidendi (x = a + c + α)

Detenção = animus + corpus (y = a + c)

JHERING:

Posse = animus + corpus (x = a + c)

Detenção = animus + corpus – disposição legal que exclui certas relações possessórias

da proteção interdital (y = a + c – n)

Fórmulas amplamente difundidas mas não inteiramente corretas pois:

Em Savigny, o animus possidendi = animus domini (intenção de possuir como dono) pelo que

sempre que alguém tiver o controlo material da coisa com a intenção de atuar como dono dela

é considerado seu possuidor e beneficia dos interditos.

Em Jhering, o animus é apenas animus possessionis, referindo-se unicamente à mera

consciência do controlo da coisa por parte do possuidor.

Jhering acrecenta um α na explicação da doutrina de Savigny, mas essa autonomização não

corresponde minimamente ao pensamento desse autor, que não admite a existência de animus

na detenção.

Solução da Lei Inspirada na doutrina subjetivista de Savigny -> art. 1253º/a, c

➢ Há uma exigência do animus domini para caracterizar a posse.

Parte da doutrina17 considera a lei objetivista pois no art. 1251º não há referência ao animus e

o art. 1253º apenas refere as situações que não se consideram como posse (o que é

precisamente o que a teoria objetivista defende).

➢ Art. 1253º/b, c – não se retira a qualidade de possuidor ao detentor por lhe faltar

vontade específica, mas sim porque pretende atribuir a posse a outrem.

o Art. 1253º/a – referência à intenção não é compatível com uma orientação

objetivista

▪ OA: quando agente declara que não quer ser possuidor = JAV, MC

17 JAV

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ML: há que reequacionar a discussão. O debate de Savigny e Jhering era devido aos escritos

romanos negarem interditos possessórios ao locatário, comodatário e depositário mas

conferiam-nos ao credor pignoratício. A nossa ordem jurídica concede as ações possessórias a

todas estas situações, o que implica que entre nós a distinção entre posse e detenção tem de

ser estabelecida em termos distintos.

Formulação objetivista da lei: não se parte da detenção para chegar à posse.

• Posse é genericamente atribuída em todos os casos em que alguém atua por

forma correspondente ao exercício de um direito real, independentemente da

intenção do possuidor

• Detenção é vista como uma posse legalmente descaracterizada, dado que

haverá posse sempre que alguém não se encontre numa das situações em que a

lei recusa tutela possessória, nomeadamente os casos do art. 1253º.

Art. 1253º/a não pode ser encarado como uma formulação objetivista pois a sua referência à

intenção não serve para converter toda a detenção em posse, sendo antes um dos casos legais

da qualificação de uma situação aparentemente possessória como mera detenção.

Norma pretendeu abranger os atos facultativos e a doutrina (MC) tem-na entendido certos

significados:

i. Exercício pelo proprietário de um poder incluído no seu direito, que poderia igualmente

integrar um direito sobre coisa alheia;

➢ ML: conflito entre titulares de direitos reais – art. 1406º/2

ii. Exercício de poderes sobre bens do domínio público;

➢ ML: regulada no art. 1267º/1/b

iii. Não exercício pelo proprietário de faculdades que a este assistem, beneficiando-se

assim indiretamente de outrem, mas não podendo este, por não ter posse, adquirir por

usucapião servidões negativas;

➢ ML: não se adequa à definição de posse do art.1251º

iv. Ato facultativa corresponderia ao ato de mera tolerância, podendo distinguir-se deste

por envolver uma permissão expressa, enquanto que no ato de mera tolerância a

permissão seria tácita.

➢ ML: cabe no art. 1253º/b

ML: corresponde a situações em que há exercício de poderes de facto sobre a coisa, mas os

mesmos correspondem ao conteúdo de um direito ao qual a lei não reconhece a tutela

possessória. Ex: aplica-se aos hóspedes, no contrato de hospedagem e ao titular do direito

real de habitação periódica, que a lei não reconhecesse tutela possessória.

Art. 1253º/b: deve ser interpretada amplamente, abrangendo todos os casos em que o

exercício de poderes sobre a coisa resulta de uma autorização expressa ou tácita, emanada do

proprietário, sem que, no entanto, essa autorização vise conceder algum direito ao detentor.

Art. 1253º/c: refere-se aos representantes ou mandatários do possuidor e, de modo geral, a

todos os que possuem em nome de outrem (art. 1252º/2). Abrangem-se as situações dos

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titulares de direitos reais menores. Mandatários sem representação não poderão ser

considerados como detentores, uma vez que são possuidores em nome próprio (art. 1180º)

Âmbito da Posse Art. 1251º - posse é relacionada com o exercício do direito de propriedade ou de outro direito

real.

➢ Só pode haver posse de coisas adequadas a constituírem objeto dos direitos reais – se

a coisa não é objeto de direito real, então não pode haver posse. Ex: direito de autor

Art. 1302º - posse incide sobre coisas corpóreas.

• Não são objeto de posse os bens intelectuais nem as quotas em sociedades.

• Não são objeto de posse coisas fora do comércio, como os bens de domínio público (ex:

praias18) e as coisas insuscetíveis de apropriação individual. A posse é perdida se a coisa

for colocada fora do comércio (art. 1267º/b).

• São objeto de posse os estabelecimentos comerciais pois além de uma universalidade

de direito é também uma universalidade de facto.

o JAV discorda: o estabelecimento não pode ser objeto de posse mas sim as coisas

corpóreas que o compõem

Posse incide sobre coisas móveis e sobre coisas imóveis

• Distinção é relevante para efeitos dos prazos da usucapião – art. 1293º e ss. E 1298º e

ss.

• Em relação aos prédios rústicos ou urbanos (art. 204º/1/a), a posse estende-se a todos

os seus limites, horizontais e verticais.19

• Em relação às águas (art. 204º/1/b), a posse refere-se não à quantidade específica do

líquido mas antes à sua massa indistinta, permanentemente individualizada pela sua

localização. Para as fontes ou nascentes basta o aproveitamento da água (não é preciso

obras e etc. – art. 1390º).

• Em relação à energia, a posse pode ser pelo controlo da fonte emissora ou pela

utilização de uma instalação destinada à sua condução

Direitos abrangidos pela Tutela Possessória Art. 1251º - “direito de propriedade ou outro direito real”

• Mas há direitos reais que não conferem a posse da coia -> hipoteca, privilégios

creditórios

• Por outro lado, há direitos de crédito que atribuem a defesa da posse da coisa ao seu

titular -> locação (art. 1037º/2), parceria (1125º), comodato (1133º), depósito

(1188º/2).

Existe Posse nos Direitos Reais de Gozo – pode existir posse quer em termos de propriedade

plena, quer em termos de usufruto, uso e habitação, superfície e servidões prediais. Não existe

no direito real de habitação periódica porque é limitado no tempo.

18 ML: portanto se se constrói numa praia, não há posse da coisa porque se construiu num domínio público. 19 Como a propriedade – art. 1344º/1

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• O usufrutuário reúne a qualidade de detentor em relação ao direito de propriedade e de

possuidor em nome próprio em relação ao usufruto, podendo interpor ações

possessórias contra qualquer pessoa que perturbe ou esbulhe o exercício do seu direito.

o A tutela possessória do usufrutuário não impede que o nu proprietário continue

a beneficiar de ações possessórias, podendo igualmente reagir perante o

esbulho da coisa por terceiro, ou mesmo contra atos do próprio usufrutuário

que ultrapassem os seus poderes sobre a coisa.

• Em relação ao uso e habitação, o facto de não poderem ser adquiridos por usucapião

não impede que beneficiem de tutela possessória.

• Em relação à superfície, a tutela é mais complexa e abrange não apenas o direito sobre

as construções e plantações realizadas em terreno alheio como a própria faculdade de

construir ou plantar, desde que já se tenham iniciado (conforme com o art. 1263º/b).

• Em relação às servidões prediais, o facto de não poderem ser adquiridas por usucapião

(art. 1263º/a) não exclui a tutela provisória – exige-se é um título provindo do

proprietário do prédio serviente (art. 1280º)

Nos Direitos Reais de Garantia só há tutela possessória se se verificar alguma forma de

apreensão material da coisa por parte do credor respetivo (como no penhor e na retenção –

aos quais a lei atribui ações possessórias, nos art. 670º/a e 758º).

• Quando isso não acontece, não são suscetíveis de posse.

Existe Posse nos Direitos Pessoais de Gozo, na medida em que atribuem poderes sobre a coisa,

que a lei tutela através das competentes ações possessórias (art. 1037º/2, 1125º/2, 1133º/2,

1188º/2).

• Existência de posse, nestes direitos, não implica a sua qualificação como direitos reais

pois o direito de gozo da coisa é obtido a partir de uma prestação do devedor.

Também existe posse no caso promitente-comprador que obteve a tradição da coisa a que se

refere o contrato prometido – exerce antecipadamente os poderes correspondentes ao

exercício do direito de propriedade, o que justifica que beneficie da tutela possessória.

Concurso de Posses Caso em que várias pessoas tenham posse sobre a mesma coisa.

Sobreposição de Posses – ocorre sempre que a mesma coisa seja possuída nos termos de direitos

com âmbito distinto.

• Se proprietário, que tem a posse da coisa, constituir um usufruto sobre a mesma,

passarão a existir duas posses sobre a mesma coisa – posse em termos de propriedade

e em termos de usufruto.

• No entanto, se apenas o usufrutuário exercer os poderes de facto sobre a coisa, ele terá

posse em nome próprio em relação ao usufruto, exercendo também em nome alheio a

posse relativa à propriedade.

Comunhão de Posses – ocorre se a coisa for possuída por vários titulares com base num direito

ou acordo comum, ficando assim todos eles na situação de compossuidores.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Art. 1286º e pode ocorrer no caso de a posse se referir a um direito real exercido em

comunhão (art. 1403º e ss.) ou art. 669º/2.

Conflito de Posses – ocorre sempre que existam duas posses em conflito sobre a mesma coisa,

o qual terá de ser resolvido com a atribuição da posse a um dos litigantes.

• Existiu a aquisição da posse por um novo possuidor mas a posse do anterior não se

extingue imediatamente, pois ele apenas a perde ao fim de um ano (art. 1267º/1/d), o

que lhe permite recorrer à ação de manutenção ou restituição da posse (art. 1278º)

• Entre a posse do esbulhado e a posse do esbulhador há conflito de posses

Classificações da Posse Classificações de Menezes Cordeiro + Classificações do art. 1258º

Classificações Doutrinárias

Posse Causal vs. Formal

• Causal – acompanhada da titularidade do direito; possuidor é simultaneamente titular

do direito real a que a posse se reporta.

• Formal – não há titularidade do direito

A posse não decorre automaticamente da titularidade do direito, exige-se um efetivo controlo

material da coisa e a titularidade do direito não atribui qualquer presunção de posse.

Posse Civil vs. Intedictal

• Civil – permite atribuir todos os efeitos possessórios, incluindo a usucapião.

o Aquela que se exerce nos termos dos direitos reais de gozo.

• Interdictal – atribui as ações possessórias, eventualmente alguns outros efeitos da

posse, mas, nunca a usucapião.

o Aquela que se exerce nos termos dos direitos reais de garantia ou direitos

pessoais de gozo.

Posse Efetiva vs. Não Efetiva

• Efetiva – consiste num controlo material sobre a coisa; mantém controlo material

através do corpus possessório.

• Não efetiva – aquela em que a situação possessória resulta apenas da lei;

desacompanha do corpus.

A lei por vezes mantém a situação possessória, apesar de já se ter perdido o controlo material

sobre a coisa (art 1278º/1 e 1282º) – relaciona-se com o Conflito de Posses

Classificações Legais

Posse Titulada vs. Não Titulada

• Titulada – funda-se num modo legítimo de adquirir, independentemente do direito do

transmitente ou da validação substancial do negócio jurídico (art. 1259º/1) – tem título

legítimo de posse sobre a coisa

• Não Titulada – não deriva de um modo legítimo de adquirir

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Liga à forma mas não à substância – é posse não titulada a compra de um imóvel por contrato

oral (vício de forma)20 mas é posse titulada no caso de compra e venda de bem alheio (vício

substancial).

Título não se presume e cabe ao possuidor fazer prova dos factos relativos ao título sob pena de

a posse se ter por não titulada (art. 1259º/2).

Posse de Boa Fé vs. Má Fé

• Boa Fé – possuidor ignorava que, ao adquiri-la, estava a lesar o direito de outrem (art.

1260º/1).

• Má Fé – possuidor sabia, no momento de aquisição da posse, que estava a lesar o direito

de outrem.

Deve ser interpretado num sentido ético e não meramente psicológico – boa fé é aquele que

ignora sem culpa, não apenas o que ignora.

Posse titulada presume-se de boa fé a não titulada presume-se de má fé (art. 1260º/2) e faz

considerações sobre a posse violenta (art. 1260º/321)

Posse Violenta vs. Pacífica

• Violenta – aquela em que, para adquiri-la, o possuidor usou de coação física ou moral

(art. 1261º/2).

• Pacifica – aquela que foi adquirida sem violência (art. 1261º/1).

ML: Violência pode ser exercida contra coisas ou contra pessoas mas não se confunde com a

ilicitude na sua aquisição.

➢ PL / AV: tem de ser violência contra os indivíduos = JAV

Posse violenta não pode ser registada (art. 1295º/2) e não permite a contagem do prazo para a

usucapião (art. 1297º e 1300º/1).

Posse Pública vs. Oculta

• Pública – exerce-se de forma a ser conhecida de todos os interessados (art. 1262º)

o Publicidade é entendida como cognoscibilidade – quando é possível, em

abstrato, ser conhecida.

o É pública mesmo que os interessados não a conheçam, mas possam conhecer –

tendo em conta um comportamento diligente em relação à coisa.

• Oculta – não é possível o conhecimento de todos os interessados

Implica que o prazo para o possuidor intentar ações correspondentes apenas se inicia após o

conhecimento do esbulho (art. 1282º, parte final).

Posse Oculta não pode ser registada (art. 1295º/2) e não permite a contagem do prazo para a

usucapião (art. 1297º e 1300º/1).

20 Posse não é titulada mas pode derivar em usucapião. 21 Sendo uma presunção inilidível destinada a sancionar a atuação violenta por parte do possuidor.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Vicissitudes da Posse

Constituição da Posse – art. 1263º a) Apossamento – prática, em relação à coisa, de atos materiais, por forma repetida e

com publicidade.

• Em relação ao anterior possuidor, o apossamento traduz-se num esbulho da

coisa.

1. Prática de atos materiais tem de ser reiterada,

• ML: pois a posse pressupõe uma certa duração da relação com a coisa.

• JAV: pode ser um ato único, pois há certos atos isolados que têm tal

intensidade que permite atribuir a posse – ato assume intensidade tal

que permite ter/consumar o controlo material da coisa. Ex: tira-se

carteira e foge

o Este requisito apenas via excluir atos isolados que não têm

intensidade suficiente para consubstanciar a existência de

posse por apossamento. Ex: rebanho que passe uma vez

2. Referência à publicidade deve ser interpretada no sentido de que esta é exigida

apenas para a constituição da posse civil, permanecendo a posse como

meramente interdictal até que esta publicidade se verifique.

3. Atos materiais em relação à coisa (JAV= nível fáctico de atuação) que

correspondem a um aproveitamento direto da mesma e que traduzam uma

forma de apreensão (uti, frui, consumere) – os atos jurídicos não

consubstanciam posse pois todos podem praticar atos jurídicos em relação a

coisas sem que tal implique exercício de poderes sobre as mesmas.

• Atos materiais têm de corresponder ao exercício de determinado direito

sobre a coisa.

• Exterioriza-se, pela posse, o direito nos termos do qual se possui

b) Tradição material ou simbólica da coisa – traditio da coisa ao novo possuidor.

• Elemento negativo – cedência da coisa pelo anterior possuidor.

• Elemento positivo – apreensão pelo novo possuidor o que denuncia a aquisição

de poderes sobre o objeto de posse.

• Material – entrega e recebimento físico da coisa.

• Simbólica – dá-se com acordo das partes nesse sentido, dispensando-se o

contacto material do adquirente com a coisa22

i. Traditio longa manu: partes à distância procedem à entrega da coisa

por simples acordo sem contacto com ela. Ex: fazemos acordo sobre um

prédio e eu aponto para ele; vendo um cavalo apontando para qual

estou a vender.

ii. Traditio ficta: partes procedem à entrega da coisa através de um objeto

que a simboliza. Ex: entrega de documentos (traditio chartae) ou das

chaves (traditio clavium).

22 Mas não basta o contrato relativo à transmissão do direito suscetível de posse, é necessário acordo específico relativamente à transmissão de posse – lei diz claramente que tem de haver tradição da coisa, não se aplica o art. 408º/1 à posse.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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iii. Traditio brevi manu: partes acordam transformar a situação de

detenção em posse; quem é detentor da coisa celebra contrato com

antigo possuidor para este lhe transmitir a posse. Ex: sou arrendatário

e quero ser proprietário

c) Constituto possessório – art. 1264º - consiste na passagem de possuidor a mero

detentor (inverso da traditio brevi manu) continuando a ter a coisa consigo, embora a

posse seja transmitida para outrem.

• Partes contratam a transmissão da posse duma coisa mas acordam numa causa

jurídica para a detenção da mesma. Ex: vendedor de uma coisa acorda com o

comprador ficar locatário ou depositário da mesma

i. Celebração de contrato transmissivo de direito real que confira a posse

da coisa

ii. Transmitente do direito real é possuidor – pressupõe a existência de

posse no alienante, pelo que se ele não for possuidor, não se poderá

verificar a constituição de posse no adquirente, ainda que o alienante

seja o efetivo titular do direito transmitido.

iii. Existência de uma causa jurídica para a detenção da coisa – alienante

do direito real deve ser considerado como possuidor enquanto não

entregar a coisa. Apenas passando a detentor se as partes assim

configurarem a situação.

d) Inversão do título da posse – art. 1265º - passagem de uma situação de detenção

(posse em nome alheio – art. 1253º) para uma situação de verdadeira posse.

• Em relação ao possuidor primitivo, a inversão do título da posse traduz-se num

esbulho da coisa, se o possuidor não consentir23.

Pode ocorrer por duas via:

i. Oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía –

detentor pratica atos que contradizem a situação de estar a possuir em

nome alheio, opondo-se assim à posse daquele em cujo nome possuía

(exteriorizando um comportamento: material, jurídico, ambos).

➢ Têm que ser atos que indiquem que o detentor quer,

doravante, passar a possuir em nome próprio.

o Não tem de ser comunicada ao titular do direito (JAV),

basta a cognoscibilidade e a possibilidade de ser

conhecido (proprietário tem que poder saber em que

estado estão as suas coisas)

➢ Cabe ao possuidor primitivo reagir contra o esbulho da sua

posse.

ii. Verificação de um ato de terceiro capaz de transmitir a posse – detentor

adquire um título distinto para a sua situação possessória, diferente

daquele pelo qual possuía em nome alheio.

➢ Novo título tem de provir de terceiro – para se distinguir da

traditio brevi manu;

➢ Representa uma causa jurídica suficiente para uma

transferência da posse – resulta da necessidade de substituição

de anterior título por outro idóneo;

23JAV: Se consentir é traditio brevi manu.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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➢ Traduz exteriormente uma nova posse do detentor.

Manutenção da Posse Savigny: a posse conserva-se enquanto não desaparecer um dos elementos (corpus ou animus),

que só acontecerá se se verificar um corpus ou um animus de sinal contrário àquela posse.

Pessoa deixa coisa na floresta – posse mantém-se enquanto a pudesse ir lá buscar de volta

Jhering: posse é exteriorização da propriedade, pelo que a manutenção da posse pressupõe que

os poderes fácticos sobre a coisa continuem a ser exercidos. A posse considera-se perdida

quando o possuidor vê perturbada a sua relação com a coisa e não adota a diligência habitual

de um proprietário para recuperar essa relação. Pessoa deixa coisa na floresta – posse não se

mantém pois essa não é uma conduta de proprietário diligente.

Art. 1257º

➢ ML: possibilidade de continuação do exercício do direito no sentido de que basta

assegurar um certo controlo sobre a coisa para conservar a posse sobre ela; é a

cessação do controlo sobre a coisa que implica a perda da posse.24

o Pessoa deixa coisa na floresta – perde a posse por abandono, constituindo o ato

de a ir buscar de volta uma repetição do apossamento.

o Pessoa estaciona na via pública – não perde a posso uma vez que detém o

controlo da mesma, tendo as chaves

Art. 1257º/2 – presume-se que a posse continua em nome de quem a começou; a lei presume

a continuação da posse e não é exigível, para efeitos de usucapião, que se demonstre a prática

constante de atos relativos à posse.

➢ Faz inverter o ónus da prova

Modificação da Posse Sempre que ocorrer alteração nas características da posse. Releva para efeitos de aplicação de

outras figuras.

Ex: é de boa fé e deixa de o ser; é violenta e deixa de o ser.

Sucessão na Posse Art. 1255º - sucessão é automática e ocorre independentemente da apreensão material da

coisa.

➢ ML: pode ocorrer se os sucessores forem herdeiros do de cuius, mas, também ocorre se

forem legatários.

Acessão na Posse Art. 1256º - num caso distinto da sucessão por morte, a junção da posse do anterior titular é

facultativa, ainda que possa ser vantajosa (para atingir o prazo da usucapião e etc.)

Art. 1256º/2 – dentro dos limites da posse com menor âmbito. Ex: possuidor a título de

usufrutuário pode invocar a posse do anterior proprietário, mas apenas para efeitos da posse

do seu usufruto – proprietário tinha prédio há 20 anos, eu acesso na posse, só posso juntar à

24 ML rejeita o pensamento de MC e de PL / AV que admitem que o não uso pode extinguir a posse. Para ML, o que extingue a posse é a cessação de controlo, não o deixar de estar em contacto material com a coisa (admite fenómenos de desmaterialização, desde que mantenha controlo sobre a coisa)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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minha posse os 20 anos que o antigo possuidor fora usufrutuário (apesar de ele ter sido

proprietário).

• Se tinha posse não titulada e de má fé, a acessão na posse apenas pode ocorrer nesse

âmbito (mesmo que para o adquirente seja titulada e de boa fé)

• ML (= MC)25: art. 1256º não exige a validade (substancial ou formal) do negócio para

permitir a acessão na posse, mas apenas que a sucessão na posse de outrem resulte de

um título diverso da sucessão por morte, como a tradição ou o constituto possessório.

Não há razão para excluir a acessão em caso de posse não titulada pelo que o prazo para

a usucapião pode decorrer em esferas de diferentes possuidores, o que é coerente com

o sistema (art. 1296º). Não se pode é ir buscar uma posse contra quem se está a invocar.

Perda da Posse – art. 1267º Situações em que se verifica a cessação do elemento material (corpus) ou do elemento

intencional (animus) em que se traduz a posse.

a) Abandono – situação inversa do apossamento; possuidor abdica da sua posse sobre a

coisa, o que é lícito tendo em conta a admissibilidade genérica da renúncia daos direitos

privados.

• Implica ato material em que o corpus deixa de existir.

• Implica animus contrário à manutenção da posse, sem o qual se verificará uma

mera inação, a qual não chega para se considerar perdida a posse.

• Em relação aos móveis – basta que cesse voluntariamente o controlo da coisa

por parte do seu anterior possuidor; extingue a posse e qualquer outro direito

real que o possuidor detivesse sobre a coisa, podendo torna-la res nullius e

suscetível de ocupação (art. 1318º)

• Em relação aos imóveis – a lei não admite que se possam extinguir por renúncia,

pelo que a discussão na doutrina é controvertida quanto à perda da posse por

abandono. PL / AV: sustem que a posse dum direito sobre um imóvel não se

perde enquanto não se constituir posse de ano e dia a favor de terceiro.

b) Perda ou destruição da coisa ou a sua colocação fora do comércio – verifica-se a

cessação do corpus por impossibilidade de se continuar a exercer poderes de facto

sobre a coisa, sendo no primeiro caso uma impossibilidade física e no segundo uma

impossibilidade jurídica. Há perda da posse independentemente de uma eventual

subsistência do animus.

• JAV: apenas se recorre a este artigo quando já não há possibilidade de encontrar

a coisa

• ML: se o possuidor souber onde está a coisa ainda pode manter controlo fáctico

sobre ela, mantendo-se a posse (apelando ao art. 1257º)

c) Cedência – se novo possuidor recebe a posse do anterior, este vem a perdê-la. Titular

da posse fica privado dela por decidir atribuí-la a outrem (art. 1263º/b, c). Pode

igualmente ser por inversão do título da posse em sentido inverso ao previsto na lei,

quando o possuidor, passando a estar convencido que a coisa afinal pertence a outrem,

passar a atuar como mero possuidor em nome alheio.

25 Contrários a Manuel Rodrigues, que exige validade substancial, e PL / AV que exigem validade formal do título.

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d) Posse de outrem por mais de um ano – durante um ano, após o início da nova posse,

haverá uma sobreposição de posses sobre a coisa, pois o novo possuidor já tem a posse

e o anterior só a perde ao fim de um ano.

• A ação de reivindicação baseia-se na posse – se a pessoa é esbulhada fica sem

posse e não pode reagir, porque não tem posse. Assim, a lei permite que a posse

do esbulhado se mantenha para ser reivindicada por ele.

o Situação em que não há corpus mas ainda há posse – o legislador dá

relevância a esta situação mas restringe-a temporalmente.

• Art. 1267º/2 – contagem de prazos para a nova posse.

Efeitos da Posse A posse atribui benefícios ao possuidor, mas, impõe-lhe deveres.

Direitos do Possuidor A. Presunção da titularidade do direito – art. 1268º - não vigora o sistema da “posse

vale título”, não se atribuindo a propriedade apenas em função da posse de boa fé das

coisas móveis, mas, dispensa o possuidor de provar a titularidade de um direito para

exercer a posse.

• A menos que se prove a existência de um direito real sobre a coisa, o possuidor

verá conservada a sua posse.

• Presunção de propriedade que é vantajosa para o possuidor só não se aplica se

houver outra pessoa que tenha registado a sua aquisição com data anterior ao

início da posse, pois a presunção conferida pelo registo prevalecerá sobre a

presunção conferida pela posse.

B. Direito de uso da coisa – que corresponde ao exercício de posse sobre ela. É lícito

tanto na posse de boa fé como na posse de má fé, havendo só responsabilidade nos

termos do art. 1269º; o simples uso da coisa não constitui o possuidor no dever de

indemnizar.

C. Direito aos frutos percebidos da coisa, em caso de boa fé – art. 1270º - regime

legal que atende ao facto do poder de fruição competir ao titular do direito, mas, apesar

disto, a lei não considera nula a alienação realizada de boa fé e as soluções são outras.

• O possuidor nada tem que restituir acima do valor dos frutos alienados,

podendo conservar os ganhos resultantes da alienação que excedam esse valor

– art. 1270º/3 remete para o art. 1270º/2.

i. Enquanto possuidor posso fruir sempre? Não: art. 1271º, possuidor de má fé não pode fruir

ii. O possuidor de boa fé pode fruir sempre? Não: se for titular de um direito de superfície ou de uma

servidão, não pode fruir, pois não há fruição nesses direitos.

D. Direito ao pagamento dos encargos da coisa, em caso de não atribuição dos

frutos – art. 1272º - solução em linha de conta com a proibição do enriquecimento sem

causa.

• Possuidor de boa fé que tem direito a fazer seus os frutos percebidos, também

tem igualmente que suportar os encargos com a coisa relativamente a esse

período.

• Possuidor de má fé tem que restituir os frutos percebidos pelo que pode ser

indemnizado por despesas (art. 215º/1).

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E. Direito ao reembolso de benfeitorias – para evitar o enriquecimento sem causa por

despesas, na modalidade de enriquecimento por incremento de valor em coisa alheia.

• Direito de reembolso não é ó para os casos de boa fé, já que o possuidor de má

fé, se não tivesse esse direito, tenderia a deixar deteriorar-se o objeto possuído,

o que acabaria por reverter em prejuízo do proprietário.

• As benfeitorias (na aceção do art. 216º) são reembolsadas à luz dos art. 1273º

e ss.

• Em caso de boa fé, o direito do possuidor ao reembolso ou restituição das

benfeitorias beneficia da garantia do direito de retenção (art. 754º) e em caso

de má fé essa garantia é excluída (art. 756º/c).

F. Direito de indemnização em caso de turbação ou esbulho da coisa –

responsabilidade civil delitual (art. 483º) que indemniza pelos prejuízos da turbação ou

esbulho (art. 1284º).

G. Direito da aquisição da propriedade por usucapião

Deveres do Possuidor A. Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa – art. 1269º

• Pelo art. 807º/2 fica à disposição do possuidor a possibilidade de provar que o

proprietário teria igualmente sofrido danos se a coisa estivesse na sua posse –

causa virtuais negativas.

B. Responsabilidade pelos frutos que um proprietário diligente teria obtido, em

caso de posse de má fé – art. 1271º

C. Obrigação de pagamento dos encargos da coisa, em caso de atribuição dos

frutos – art. 1272º

Defesa da Posse Conceção da tutela possessória visa acautelar a paz jurídica e a continuação do valor que

representa a utilização da coisa.

➢ A lei confere ao possuidor Ações Possessórias como meios de defesa da posse.

o Ações possessórias não são ações reais e também podem ser utilizadas para a

defesa de direitos pessoais de gozo, como os direitos do locatário.

Legitimidade Ativa para as Ações Possessórias Só pode recorrer às ações possessórias quem detenha a posse da coisa nos termos de um

direito real (art. 1251º), incluindo os direitos reais de garantia suscetíveis de posse (art. 670º/a

e 758º) ou nos termos de um direito pessoal de gozo que beneficie dessa tutela (art. 1037º/2,

1125º/2, 1133º/2, 1188º/2).

• Excluem-se as servidões não aparentes (salvo quando a posse se funde em título

provindo do proprietário serviente ou de quem lho transmitiu – art. 1280º) pois podem

ser confundidas com atos de tolerância do proprietário, daí que a lei exija título

específico (facto jurídico fonte da servidão) para conferir a tutela possessória.

• Não podem ser usadas para tutela de situações de mera detenção – detentor não tem

legitimidade para recorrer à defesa possessória.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• A legitimidade de instaurar ações possessórias é transmitida aos herdeiros (art. 1281º)

o que está em conformidade com o caráter automático da sucessão na posse (art.

1255º).

Legitimidade Passiva para as Ações Possessórias

Ações possessórias têm sempre por fundamento uma conduta que perturba ou viola a relação

do possuidor com a coisa objeto da posse – autor dessa conduta tem legitimidade passiva para

a ação possessória.

• Ações de prevenção e manutenção da posse – lei restringe a legitimidade passiva para a

ação em relação ao perturbador (embora admita, em caso de turbação efetiva, uma

ação de indemnização contra os herdeiros – art. 1281º/1)

• Ações de esbulho – ações podem ser instauradas contra o perturbador e seus herdeiros,

mas, também contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho,

verificando-se uma extensão da legitimidade passiva (art. 1281º/2)26

Processamento das Ações Possessórias Ações possessórias mantiveram, com a Reforma do CPC de 2013, a sua natureza típica nos art.

1276º e ss. CC, não estando sujeitas a qualquer forma de processo especial, cabendo no

processo comum.

Regime específico das Ações Possessórias Ação de prevenção (art. 1276º) Fundamento é o justo receio do possuidor ser perturbado ou esbulhado da sua posse.

• Receio resultante de palavras ou atos materiais (pois se forem atos judiciai a forma de

reação é com o Embargo de Terceiros com função preventiva – art. 350º CPC).

• Só há justo receio quando a violação da sua posse for uma futura consequência lógica

dos factos já praticados por outrem ou haver sérias razões para crer que o autor vai

executar as ameaças que fez.

Procedimento cautelar comum – art. 362º e 379º CPC, se for obra é art. 397º e ss. CPC

Ação de manutenção (art. 1278º) Pressupõe a existência de alguma turbação27 da posse, ainda que o possuidor não tenha ficado

dela privado. Pede-se a permanência do possuidor na sua posse.

Ação de restituição (art. 1278º) Pressupõe a consumação do esbulho28 da posse, pelo que o possuidor solicita a restituição da

coisa à sua posse.

26 Mas só se pode intentar contra um terceiro de má fé; o terceiro de boa fé é tutelado 27 Turbação – ato material que afete o exercício da posse, em virtude de uma pretensão

contrária à posse de outrem, e a conservação dessa posse na esfera do possuidor. 28 Esbulho – pressupõe a privação da posse por parte do possuidor, em resultado de um ato

material (apossamento) ou jurídico (inversão do título da posse) de outrem com a finalidade de

constituir posse própria. Pode ser parcial, quando apenas uma parte do objeto possuído é

subtraído ao seu anterior possuidor.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Pedida uma ou outra, juiz verifica qual a situação realmente verificada – art. 609º/3 CPC

• A ação é julgada procedente bastando a demonstração da posse e da turbação ou

esbulho (art. 1278º/1).

• A ação será procedente se a parte contrária não tiver melhor posse (art. 1278º/2) – a

melhor posse é aquela que for titulada ou, na falta de título, a mais antiga ou a atual

(art. 1278º/3)29

Ações de manutenção e restituição da posse deixam de poder ser instauradas se se tornarem

supervenientemente inúteis a partir do momento em que haja decisão sobre a titularidade do

direito.

Prazo: art. 1282º30

Se forem procedentes, o possuidor é havido como nunca perturbado ou esbulhado (art. 1283º)

– não afeta a contagem do prazo para a usucapião.

Pode ser indemnizado: art. 1284º

Admitem hoje o recurso ao procedimento cautelar comum do CPC (como as ações de

prevenção).

Procedimento cautelar de restituição provisória no caso de esbulho violento (art.

1279º) Art. 1279º - originado no facto da ordem jurídica repreender fortemente o esbulho violento, o

que justifica a criação de um procedimento cautelar expedito para determinar imediatamente a

restituição da posse, sem audiência do esbulhador31.

Tutelada através do procedimento cautelar de restituição provisória da posse – art. 377º CPC –

exigindo como pressupostos a posse, o esbulho e a violência.

Ónus da prova compete ao requerente do processo – art. 368º CPC.

Embargo de terceiros (art. 1285º)

Reação contra lesões da posse causadas por atos jurídicos

➢ Art. 342º-350º CPC

Destinam-se a reagir contra qualquer ato judicialmente ordenado que ofender a posse ou

qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja

titular quem não é parte na causa.

• Única forma de defesa contra atos judiciais, não sendo possível recorrer a outros meios

possessórios.

29 O recibo pode servir para demonstrar que tem a posse mais antiga 30 A justificação para este prazo resulta do facto de a apreciação da turbação ou esbulho ser difícil se se passar muito tempo após os factos. Se o esbulhado não reagir durante um ano é porque reconhece o direito ao esbulhador. 31 Derrogação ao princípio do contraditório justificada pela violência do esbulho.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Ação direta (art. 1277º e 336º) Forma de autotutela da posse

Natureza da Posse Tese que vê a posse como um mero facto – Windscheid

Posse é mero facto e, embora produza consequências jurídicas, não é em si uma posição jurídica,

pois a proteção do possuidor não resulta de ele ter um direito, mas antes de ser vedado aos

outros o recurso à força.

➢ É incluída no sistema dos Direitos Reais pois estabelece uma relação jurídica com a coisa,

a mais direta e simples relação jurídica.

Tese que vê a posse simultaneamente como um facto e um direito – Savigny

Posse apresenta-se como um facto porque é independente de todas as regras estabelecidas para

a aquisição e perda de direitos. No entanto, a evolução da posse teria permitido que esta fosse

objeto de negócios jurídicos, sendo atribuída em situações em que não há apreensão material

da coisa, caso em que teria de ser configurada como um direito.

➢ Defende que se inclua no Direito das Obrigações e não nos Direitos Reais, pois a

configuração da posse como um direito resultaria apenas da concessão de interditos, no

caso de turbação ou esbulho.

Tese que vê a posse como um direito – doutrina maioritária

Manuel Rodrigues: posse é um direito, uma vez que não consiste apenas num poder direto e

imediato sobre uma coisa, como também atribui ao seu titular a faculdade de exigir de todos os

indivíduos uma abstenção que lhe permita exercer todos os elementos constitutivos do direito

que exterioriza.

Oliveira Ascensão + Menezes Cordeiro: posse é direito sem natureza real. É um direito mas não

é real pois não constitui um direito inerente à coisa, nem absoluto (pelo art. 1281º/2). A defesa

da posse funda-se em razões relativas, mas não é puro direito relativo.

Menezes Leitão: posse é um direito de gozo sem natureza real. ➢ Art. 1281º/2 demonstra a ausência de inerência na posse, uma vez que a ação de

restituição não pode ser instaurada contra terceiro de boa fé.

➢ Ao contrário do que sucede nos direitos reais, a tutela possessória não resulta da

atribuição prévia de um direito sobre a coia, surgindo a posteriori em virtude da

situação de facto criada, que é o que determina a atribuição das ações possessórias.

➢ Não existe na posse uma permissão normativa de aproveitamento de uma coisa

corpórea, uma vez que só existe uma tutela provisória da continuação do

aproveitamento da coisa, que já vinha sendo realizado pelo titular.

o Por esse motivo, a posse não pode ser qualificada como um direito real.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Conteúdo dos Direitos Reais

Os direitos reais – direitos absolutos e inerentes a uma coisa corpórea, que permite ao seu

titular determinada forma de aproveitamento jurídico da coisa – comportam faculdades que

permitem o aproveitamento da coisa.

• As partes não têm liberdade na atribuição dessas faculdades – princípio da tipicidade

(art. 1306º).

• Conteúdo do direito real tem que resultar da lei.

o Que normalmente têm conteúdo injuntivo que as partes não podem derrogar e

um conteúdo supletivo que as partes podem derrogar no título constitutivo do

direito real.

Exclusão da Posse do âmbito do conteúdo dos Direitos Reais MC insere a posse no âmbito do conteúdo de certos direitos reais de gozo – titular pode fazer

incidir a sua atividade sobre uma coisa, em termos de poder beneficiar das vantagens respetivas;

o exercício dessa atividade que se manifesta exteriormente é a posse.

• Art. 1251º e ss. regulam aquilo que os direitos de gozo têm mais em comum: o exercício

de poderes materiais sobre coisas corpóreas.

o ML discorda

De facto, a posse pode ser causal, quando o possuidor é igualmente o titular do respetivo direito

sobre a coisa. Mas mesmo nesse caso, à luz do art. 1251º, a posse não resulta da atribuição do

direito, mas antes do seu exercício.

• No direito real de gozo apenas se incluem os poderes relativos à coisa, sendo o seu

exercício efetivo que atribui a posse.

• Também no caso dos direitos reais de garantia a posse não faz parte do conteúdo do

direito, sendo antes um pressuposto da sua constituição e conservação

A posse não é um direito real e também não faz parte do conteúdo dos direitos reais – a posse

liga-se é intrinsecamente aos direitos reais, não só porque resulta do exercício destes, mas

também porque em certos casos pode ser pressuposto da sua constituição e manutenção.

Conteúdo dos Direitos Reais de Gozo Art. 1305º - faculdades do direito de propriedade.

Todos os direitos reais de gozo conferem pelo menos uma destas faculdades. Ex: servidões negativas e desvinculativas, embora funcionem como restrições no prédio serviente,

acabam por reforçar os poderes de uso e fruição do prédio dominante. Mesmo a nua propriedade deve

ser qualificada como direito real de gozo, mesmo que o gozo da coisa fique totalmente excluído durante

a vigência do usufruto – é uma situação temporária que recuperará a configuração (de propriedade com

gozo da coisa) quando se extinguir o usufruto.

Faculdade de Uso da Coisa (ius utendi) – permissão de se servir dela para qualquer fim em que

a coisa possa ser utilizada.

• No direito de propriedade é plena (art. 1305º) mas noutros direitos reais de gozo ela

pode ser limitada pelo destino económico atribuído à coisa (art. 1446º), pelas

necessidades do titular (art. 1484º) ou por utilidade específica, suscetível de ser gozado

por intermédio de um prédio (art. 1544º).

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Faculdade de Fruição da Coisa (ius fruendi) – permissão de retirar da coisa os rendimentos que

ela possa proporcionar periodicamente, sem prejuízo da sua substância.

• Pode ser fruição natural (frutos naturais) ou civil (rendas ou interesses que a coisa

produz em função duma relação jurídica).

• Não é essencial aos direitos reais de gozo, uma vez que nem todas as coisas são

suscetíveis de produzir frutos.

• Quem obtenha frutos a partir das coisas encontra-se a exercer o direito real

correspondente, pelo que adquire a posse da coisa, podendo adquiri-la por usucapião

se não for titular do direito, e não se poderá operar a sua extinção por não uso, na

hipótese oposta.

Faculdade de Disposição da Coisa (ius abutendi) – poderes de consumir, transformar, alienar,

deteriorar ou mesmo destruir a coisa.

• Podem ser poderes materiais ou jurídicos.

• Em princípio, só o proprietário tem poderes de disposição integrais sobre a coisa,

limitando-se a disposição nos outros direitos reais à alienação ou renuncia do direito,

quando estas sejam permitidas, e em certos casos, à sua transformação.

• Nos casos de direito de superfície, o conteúdo do direito reside precisamente na

transformação da coisa.

Conteúdo dos Direitos Reais de Garantia Tem sempre duas faculdades:

• Executar a coisa, em caso de incumprimento do seu crédito;

• Reclamar o pagamento à frente dos restantes credores do devedor, pelo produto da

venda da coisa sobre que incide o seu direito.

Direitos reais de garantia encontram-se funcionalmente afetos à satisfação de um direito de

crédito, permitindo a execução da coisa sobre que incidem e o pagamento sobre esta, com

prioridade em relação aos demais credores.

➢ Em virtude desta ligação, os direitos reais de garantia são acessórios em relação aos

direitos reais de crédito, apenas o garantindo na medida deste, e extinguindo-se caso

ocorra a sua extinção (art. 730º/a, 664º, 677º, 753º, 761º).

o Pode ainda estender-se a certos acessórios do crédito, como os juros (art.

656º/2, 666º/1, 693º, 734º).

Em certos casos, os direitos reais de garantia atribuem ao credor limitadas faculdades de uso

(art. 661º/1/b, 671º/b, 758º, 759º/3) e de fruição da coisa (art. 661º/1/c, 661º/2, 672º, 758º,

759º/3). Nesses casos, os direitos reais de garantia são associados à posse da coisa, sendo

tutelados pelas ações possessórias (art. 661º/1/b, 1037º/2, 670º/a, 758º, 759º). Ex: não há

penhor sem existir posse.

Conteúdo dos Direitos Reais de Aquisição Possibilitam a aquisição de direitos sobre a coisa, com prevalência sobre outras disposições

feitas pelo titular.

• O seu conteúdo esgota-se assim totalmente nessa faculdade de aquisição.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Limitações aos Direitos Reais Trata-se de conteúdo negativo dos direitos reais – situações jurídicas passivas dos direitos reais

Não se refere apenas a limitações ao direito de propriedade e podem afetar titulares de outros

Direitos Reais de Gozo.

Critério de limitação em função do objeto:

• Gerais – aplica-se a todos os Direitos Reais

• Especiais – aplica-se apenas a certas modalidades específicas de Direitos Reais

Limitação da Propriedade pela sua função social: o Abuso do Direito Ideia de que a propriedade tem limites é relativamente recente na evolução do Direito.

• Direito Romano – proclamava caráter ilimitado da propriedade; havendo só a proibição

dos atos emulativos.

• Art. 544º CC Francês, 1804 – influenciado pela conceção romanística, em que o

proprietário tinha poder absoluto sobre a coisa

A certa altura passou a defender-se a Função Social da Propriedade – poderes do proprietário

limitados pela utilidade social proporcionada pelo bem – sendo que essa função é suscetível

de impor limites à propriedade.

• Doutrina social da Igreja, com raízes em S. Tomás de Aquino

• Consagrada no art. 14º/2 da Constituição Alemã e art. 42º da Constituição Italiana

Código de Seabra – não consagrava a propriedade como direito absoluto e via-lhe como limites

a “natureza das coisas, a vontade do proprietário e as disposições expressas da lei”.

CRP 1933 – consagra, no art. 35º, a doutrina da função social da propriedade, limitando assim

esse direito.

Código Civil de 1966 – art. 1305º não fala da função social da propriedade; o art. 1344º/2 apenas

refere o interesse do proprietário.

CRP 1976 – não tem referências à função social da propriedade nem aos limites32 dos poderes

do proprietário.

ML: a propriedade tem uma função social, como se compreende pelas limitações legais que

são estabelecidas em relação aos poderes do proprietário. A função social da sociedade não

pode é ser argumento para estabelecer uma funcionalização absoluta dos poderes do

proprietário (apenas admitindo o proprietário a exercer os poderes cuja utilidade social a lei

reconheça) – a propriedade é direito subjetivo, sendo por isso um espaço de liberdade, que

permite ao proprietário a sua realização pessoal que é por ele decidida.

➢ Esse espaço de liberdade tem é de ser compatibilizado com as exigências da vida

social.

➢ Mas o núcleo essencial do direito de propriedade não pode ser afetado.

➢ Função social da propriedade pode e deve ser explicada pela proibição do Abuso do

Direito – art. 334º - não será permitido o exercício do direito de propriedade em termos

manifestamente disfuncionais ao sistema jurídico.

32 Doutrina tem visto implícito esse limite no art. 61º/1 e art. 88º/2

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Critério de limitação em função da fonte:

• Convencionais – cuja a admissibilidade do conteúdo tem de atender ao princípio da

tipicidade dos Direitos Reais.

• Legais – cuja fonte normativa pode variar e ser Direito Público ou Direito Privado

1. Limitações de Direito Público Não há uma sistematização destas normas e elas estão dispersas por vários diplomas legais.

Os limites dados pelo Direito Público existem com razões e finalidades variáveis:

• OA – culturais, segurança, ordenamento do território, saúde, ambiente, fiscal,

económico

• JAV – agricultura, transporte, energia, turismo

Expropriação Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Expropriação

Art. 62º/2 CRP apenas prevê a expropriação por utilidade pública

• Não parece admissível constitucionalmente a expropriação por interesse particular que

o art. 1310º CC admite.

• A lei hoje prevê alguns casos de expropriação por utilidade particular – possibilidade de

estabelecer comunhão forçada sobre as paredes e muros de meação (nos termos do art.

1370º CC)

Lei 168/99, Código das Expropriações por utilidade pública

Expropriação é a subtração de um bem imóvel ao seu proprietário, em virtude da utilidade

pública que esse bem representa, o qual é atribuído a uma entidade que prossegue esses fins,

mediante o pagamento ao anterior proprietário de uma justa indemnização.

• Deve obedecer a um princípio de proporcionalidade – limitando-se ao necessário para

a realização do seu fim (art. 3º/1 C. Exp).

• Há direito de reversão para o proprietário se os bens não forem afetos ao fim (art.

5º/1/a C. Exp) ou se cessaram as finalidades da expropriação (art. 5º/1/c).

• Só pode haver expropriação nos casos previstos na lei, extinguindo os direitos reais dos

particulares como resultado, mediante justa indemnização33.

Requisição Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Requisição

Está constitucionalmente sujeita ao regime da expropriação (art. 62º/2 CRP), sendo possível de

ser realizada tendo base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização – art. 1309º CC

Pode abranger coisas móveis (art. 84º C. Exp) como imóveis (art. 81º C. Exp) e tem sempre um

caráter temporário, apenas legitimando a afetação dos bens aos fins da entidade requisitante

por certo período de tempo.

Art. 1388º CC – prevê a requisição das águas

33 Indemnização que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas antes ressarcir o prejuízo que para o expropriado adveio – art. 23º/1 C. Exp

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Nacionalização e Coletivização Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Nacionalização

Art. 83º CRP – apropriação pública dos meios de produção com base na lei

Confisco Limitação do Direito Real é a sujeição ao Direito Potestativo de Confisco

Apropriação pelo Estado de bens privados, sem pagamento de qualquer indemnização.

• Confisco-nacionalização: quando há nacionalização sem indemnização

• Confisco-sanção: quando se aplica uma sanção a certos factos ilícitos, que se consiste

na apropriação pelo Estado da totalidade (confisco geral) ou de parte dos bens (confisco

especial).

o Não se admite o confisco geral mas a lei prevê o confisco especial, como a perda

dos instrumentos do crime a favor do Estado.

Servidões Administrativas Limitação do Direito Real é a oneração do seu direito com uma Servidão

Aproveitamento de utilidades de determinado prédio em benefício de outra entidade, pública

ou privada, por razões de interesse público.

• Resultam da lei, que em muitos casos constitui título bastante para a constituição da

servidão, na medida em que determina a submissão genérica e automática de todos os

prédios que se encontrem em determinadas condições a um regime pré-determinado.

• Noutros casos pressupõe a realização de um ato da Administração.

Art. 8º/1/C; 8º/2/C; 8º/3/C C. Exp.

Ius Aedificandi Limitação do Direito Real é a sujeição aos condicionalismos administrativos relativos à

construção e à edificação

Faculdade de construir e de realizar atos jurídicos e materiais indispensáveis à construção.

i. Tese que qualifica o ius aedificandi como concessão jurídico-pública, resultante do sistema de

atribuição de plano urbanístico – Jorge Miranda, Rui Machete – era um direito autónomo, que

não resultaria da propriedade privada mas de um ato jurídico concedido pela autoridade

pública a certos proprietários, sendo por isso regulado pelo Direito Público.

• Nega a faculdade de construção no conceito constitucional de propriedade privada,

sendo essa faculdade uma concessão jurídico-pública decorrente do plano urbanístico.

• Faculdade de construção não é entendida como direito subjetivo privado imanente à

propriedade do solo, pois sem a concessão do plano ela não existiria.

• Jurisprudência (TC e STA) tem aderido à classificação do ius aedificandi como direito

subjetivo público, recusando a sua integração no direito de propriedade

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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ii. Tese que classifica o ius aedificandi como direito fundamental, sendo enquadrado no âmbito

do Direito Constitucional, podendo, enquanto tal, ser objeto das restrições inerentes ao interesse

coletivo – Mário Esteves de Oliveira, Reis Novais

iii. Tese que defende a inclusão do ius aedificandi nos direitos de propriedade ou de superfície

incidentes sobre o imóvel – OA, Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, João Caupers –

qualificação do ius aedificandi como atributo natural da propriedade do imóvel e do direito de

superfície, tendo por base no facto de o poder de transformação aparecer incluído nas

faculdades atribuídas ao proprietário.

• Ius aedificando faz parte da liberdade de utilização da propriedade garantida

constitucionalmente (art. 62º/1 CRP).

• Não é conferido por plano urbanístico, que teria apenas a função de modelar o exercício

do direito.

• ML: é o que resulta do art. 1305º e 1527º e é confirmada pela nova Lei dos Solos (art.

4º/1; 4º/2; 4º3; 13º/2/b,c; 20º Lei 31/2014)

Discussão em torno do ius aedificandi tem importância para averiguar se a “licença de

construção” é uma verdadeira licença – ato pelo qual a administração atribui ao sujeito privado

um poder que ele legalmente não possui34 – ou antes uma autorização – ato pelo qual a

administração permite ao sujeito privado o exercício de um direito35, que este efetivamente

possui, mas cujo exercício se encontra condicionado por lei.

➢ A licença não confere o direito, apenas permite ser lícita a construção – o ius

aedificandi resulta, portanto, da titularidade de direitos reais sobre o imóvel.

2. Limitações de Direito Privado

Relações de Vizinhança

Categoria mais importante de limitações ao exercício dos direitos reais – a proximidade entre

coisas (prédios)36 pode conduzir a conflitos entre os titulares do Direito Real.

• Estes limites diminuem a extensão do gozo das coisas, mas, também permite manter o

gozo a outros titulares – art. 1344º e ss.

• Sem prejuízo do estabelecido para estes limites, pode sempre ponderar-se a aplicação

do art. 483º e das pretensões reais.

Essas limitações podem corresponder a:

• Deveres de conteúdo negativo

o Dever de abstenção de condutas (non facere)

o Dever de tolerar o exercício de certos poderes do vizinho sobre o seu prédio

(pati)

• Deveres de conteúdo positivo (facere)

o Deveres específicos de prevenção de perigos para o prédio vizinho

o Deveres de participar com o vizinho em atividades de interesse comum

34 Poder discricionário de concessão da licença 35 Poder vinculado de autorização, que só pode ser rejeitado se estiverem preenchidos fundamentos legais de recusa. 36 JAV diz que se deve repensar e ponderar aplicar estas refras noutros casos: como a coisas móveis e a coisas móveis + imóveis

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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A. Deveres de Abstenção de certas condutas

Dever de Abstenção das Emissões Art. 1346º

Disposições quanto ao prejuízo substancial do uso do imóvel e não resultar do normal

funcionamento do prédio são em termos alternativos – não cumulativos (MC).

• Podem reagir contra emissões que prejudiquem o uso do seu prédio, mesmo que

correspondam à utilização normal do prédio vizinho.

OU

• Podem reagir contra emissões consideradas estranhas à utilização normal do prédio,

mesmo que não provoquem prejuízo substancial.

Prédio vizinho não tem de ser interpretado como prédio contíguo – significa prédio próximo,

não geograficamente, mas sim num sentido de possibilidade de afetação ou proximidade

social.

➢ Alarga o âmbito de proteção desta disposição37

Prejuízo substancial – a jurisprudência vai na senda de Vaz Serra e extravasa o âmbito de

aplicação considerando os direitos de propriedade mas também os direitos de personalidade.

Ex: suinicultura próxima prejudicava substancialmente o uso do imóvel para os seus

proprietários devido aos maus-cheiros

Dever de abstenção resulta das relações de vizinhança, pelo que não é afetado pela existência

de uma autorização administrativa para o exercício da atividade, quando depende de

licenciamento.

➢ Isso apenas legitima o exercício da atividade em termos de Direito Público, não pondo

em causa eventuais direitos privados que venham a ser afetados pela atividade.

o Privados podem reagir contra a atividade mesmo que tenha havido essa

autorização.

Mesmo que cumpra as normas gerais sobre poluição, pode haver um dever de abstenção pois o

que está em causa é o prejuízo específico causado à utilização do imóvel vizinho – o que pode

ocorrer mesmo em casos de emissões poluentes que se enquadram dentro dos limites legais.

➢ STJ 22/9/09 – proibiu a emissão de ruídos noturnos por uma padaria que perturbava o

sono do vizinho, mesmo tendo os ruídos dentro dos níveis permitidos.

Proibição de perturbar o escoamento natural das águas Art. 1351º – princípio de que as águas devem seguir o seu curso natural

Apenas se aplica a águas naturais (correspondente às águas pluviais que caem diretamente no

prédio superior) e a terras e entulho que a água arraste – não se aplica águas contaminadas

com substâncias nocivas (corresponde à doutrina legal da proibição das emissões).

➢ Não se permite obras que perturbem ou vedem o curso natural da água.

Limitação interna ao direito de propriedade resultante da lei – situação normal de relação

propter rem de vizinhança.

37 Contra PL / AV que dizem que deve ser interpretada restritamente.

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Limitações impostas às construções e edificações

Em ordem a evitar a devassa do prédio vizinho – art. 1360º

• Exceção no art. 1361º que raramente é aplicável pois estas passagens só raramente

terão menos de 1,5 m de largura.

• Exceção da servidão de vistas do art. 1362º, em que o que se tutela não é a vista em si,

mas antes o facto de poder ver-se devassando o prédio vizinho, que a partir desse

momento passa a ficar sujeito à proibição de construir sem respeitar o interstício legal

de metro e meio.

Art. 1363º - a diferença entre fresta e janela é se na abertura cabe a cabeça de uma pessoa

(Henrique Mesquita e ML)

• Doutrina diz que se as frestas não respeitarem o art. 1363º o vizinho pode exigir a sua

eliminação, modificação ou levantar construção que as tape.

• Outra doutrina entende que esta colocação desrespeitosa pode levar à constituição por

usucapião de uma servidão predial, diferente da servidão de vistas, dado que constituem

encargo em benefício de prédio diferente (art. 1543º)

o ML: concorda. Proprietário pode adquirir por usucapião uma servidão atípica.

Permite-se ainda, aquele que tem a servidão, reagir contra qualquer ato do

proprietário do prédio serviente que estorve o uso dessa servidão,

designadamente a realização de construção que desrespeite art. 1362º/238

Mesmo regime para o art. 1364º - exigência de grande explica-se em ordem a evitar a devassa

do prédio vizinho, mediante a abertura da janela.

Em ordem a evitar o gotejamento sobre o prédio vizinho – art. 1365º

Proibição do estilicídio – conjuga a regra proibitiva das emissões com o princípio do

escoamento natural das águas.

➢ Modernas técnicas de edificação permitem a instalação de algerozes.

Pode constituir-se servidão de estilicídio.

Limitações impostas à plantação de árvores e arbustos Art. 1366º

Lícito plantar árvores e arbustos até à linha divisória do seu prédio, mas o proprietário do prédio

vizinho não é obrigado a tolerar a invasão do seu prédio por ramos ou raízes, em resultado do

crescimento dessas árvores, podendo solicitar o seu corte ao dono da plantação ou realizá-lo

ele mesmo, se tal não for feito no prazo de 3 dias.

• ML: direito ao corte e arranque constitui forma de autotutela do direito do

proprietário, que não está efetivamente dependente da existência de prejuízo, mas tal

não exonera o dono das árvores do dever de evitar a ocorrência de danos para os

prédios alheios devido às coisas em seu poder – se causarem danos ao prédio vizinho

pode haver obrigação de indemnizar39

38 Contra Henrique Mesquita que afirma que a constituição da servidão apenas permite ao proprietário manter essas frestas. 39 Contra PL / AV.

➢ ML concorda com TRP 8/7/08 em que não pode ser argumento para ilidir a indemnização o facto do lesado não ter exercido o seu direito de arranque e corte, pois isso significaria que ele sofreria

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Limitações impostas à tapagem do prédio Art. 1356º

O direito de tapagem não é afetado pela existência de uma servidão de passagem, desde que

não haja por parte do proprietário oposição ao exercício da referida servidão.

➢ Pode ser afetado nos casos de abuso de direito (art. 334º) ou de colisão de direitos (art.

335º) – quando a tapagem é realizada por forma a prejudicar excessivamente o uso do

prédio vizinho.

o Limitações à tapagem estão no art. 1357º, 1358º e 1359º.

B. Dever de Tolerar o exercício de poderes sobre o prédio

Relações de vizinhança podem determinar deveres de tolerar o exercício de poderes do vizinho

sobre o próprio prédio.

Exemplo mais comum é o dever de permitir a passagem momentânea:

i. Art. 1349º/1 – em caso de necessidade de reparação de algum edifício ou construção

• 2 requisitos: finalidade (construção ou reparação) + necessidade (indispensável

para o efeito)

• Faculdade que cabe a quem tem o direito de fazer obras num prédio, quer em

virtude de um direito real (proprietário, usufrutuário, superficiário), quer em

virtude de um direito de crédito (arrendatário).

ii. Art. 1349º/2 – para fins de recuperação das próprias coisas que acidentalmente se

encontrem em prédio alheio

• Admite uma faculdade alternativa – o proprietário pode substituir a passagem

por uma obrigação de entrega das coisas que se encontrem no seu prédio.

iii. Art. 1322º - para fins de perseguir e capturar enxame de abelhas, que tenha fugido

iv. Art. 1367º - para permitir a apanha de frutos caídos sobre prédio alheio

• Necessidade de apanha de frutos hera assim a obrigação de o titular do prédio

vizinho permitir a passagem para esse efeito.

Se causar danos ao prédio vizinho, quem exerce esta faculdade fica constituído em

responsabilidade objetiva.

Obrigação de permitir a passagem não corresponde a uma servidão, mas a uma restrição ao

direito de propriedade, ainda que possa ser equiparada a uma servidão momentânea, regular

ou irregular, desencadeada pela necessidade de passagem.

➢ No entanto, em certos casos, a lei prevê efetivas servidões legais para regular a situação

da passagem – art. 1550º a 1556º

C. Deveres de Prevenção do perigo para o prédio vizinho

Dever de evitar efeitos nocivos ou resultantes de obras, instalações ou depósitos de

substâncias corrosivas ou perigosas

duas agressões: via o seu direito de propriedade objeto de interferência e teria de suportar custos para evitar que essa circunstância causasse danos efetivos ao prédio.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Art. 1347º

Critério é a suscetibilidade de ter efeitos nocivos e de esses efeitos não serem permitidos por lei.

➢ Há casos em que a lei admite o exercício do direito, independentemente dos efeitos

nocivos – art. 1356º

Art. 1347º/2 – tem a presunção que os organismos administrativos, ao concederem a

autorização, analisaram adequadamente os riscos para os prédios vizinhos, pelo que se exige a

comprovação da existência de prejuízos.

➢ ML: Regra pouco compatível com o princípio da prevenção bem como o facto da

autorização administrativa não poder afetar os direitos privados de terceiro.

Art. 1347º/3 – responsabilidade objetiva, pelo risco; mesmo que haja cumprimento do dever de

prevenção do perigo, se se verificarem danos há responsabilidade do titular do prédio.

Dever de prevenir perigos para o prédio vizinho resultantes de escavações

Art. 1348º

Que existe devido ao facto da propriedade do imóvel se estender ao subsolo (art. 1344º/1) e o

proprietário poder abrir no seu prédio minas e poços e fazer escavações.

Art. 1348º/2 – reforça a imputação delitual com uma previsão de responsabilidade objetiva, em

caso de ocorrência de danos.

O responsável é sempre o autor das escavações, não tendo essa responsabilidade o cariz de

obrigação propter rem, pelo que não se transfere para o adquirente do imóvel.

Dever de evitar a ruína de edifícios ou outras construções

Art. 1350º

O perigo de ruína dos edifícios permite uma reação no âmbito das relações de vizinhança, uma

vez que a possibilidade de exigir providências destinas a evitar a ruína insere-se entre as

proteções que a lei reserva ao proprietário.

• 3 requisitos: perigo de ruína + risco de que essa ruína venha a causar dano ao prédio

vizinho + necessidade e adequação das providências para evitar o dano.

Ainda é regulado no Direito do Urbanismo – art. 89º e ss. RJUE

Dever de manter ou realizar obras defensivas das águas Art. 1352º

Várias interpretações para este artigo:

1) Proprietário não teria qualquer obrigação de fazer as obras (facere), mas antes a

obrigação de tolerar (pati) que as mesmas sejam realizadas por outrem.

2) Proprietário tem obrigação de fazer as obras, só podendo os interessados fazê-las

subsidiariamente, em caso de incumprimento dessa obrigação pelo proprietário – MC,

Carvalho Fernandes, ML

• A primeira obrigação do proprietário é fazer as obras, podendo ser

responsabilizado se não as fizer. Os vizinhos aí podem intervir. Existe

consequentemente a obrigação de o proprietário manter a situação de defesa

das águas, fazendo para o efeito novas obras ou reparações, devendo, em caso

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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de incumprimento, tolerar que essas obras sejam feitas pelos donos dos prédios

que padeçam danos ou estejam sujeitos a danos eminentes.

3) Proprietário teria um direito, e não um dever, de fazer as obras, e só não querendo usar

desse direito é que poderiam intervir terceiros – PL / AV

D. Deveres de participar em atividades de interesse comum

Dever de concorrer para a demarcação dos prédios Art. 1353º, 1354º, 1355º

É reconhecido a qualquer proprietário o direito a proceder em qualquer momento à demarcação

do seu prédio.

• No caso do proprietário pretender exercer esse direito, os seus vizinhos, por força dos

deveres resultantes das relações de vizinhança, são obrigados a concorrer para essa

demarcação.

Deveres relativos às paredes e muros de meação Art. 1370º

Disposição estabelece uma espécie de expropriação forçada por utilidade particular, destinada

a permitir obter comunhão de outro proprietário em relação a parede ou muro confinante,

considerando-se como tais aqueles que se encontrarem precisamente encostados à linha

divisória do prédio.

• Exige construção (parede ou muro) – excluem-se as vedações de madeira, arame ou

sebes vivas ou mortas.

• De notar que a expropriação pode ter lugar quer quanto à totalidade, quer quanto a

parte da parede ou muro e respeite esta parte à extensão ou à altura, não deixando,

porém, de se exigir o pagamento de metade do valor do solo sobre que incidir a parede

ou o muro.

Art. 1371º - presunção de compropriedade

Presunção não vigora entre prédios de diferentes naturezas, pelo que se estiver em causa um

muro entre um prédio rústico e um prédio urbano, já não se aplica (uma vez que o normal é que

o muro seja pertença do dono do prédio urbano).

Art. 1371º/3, 4, 5 – excluem a presunção de existência da comunhão pois:

• Se o muro fosse comum, não seria de esperar que o titular do outro prédio aceitasse

receber as águas (quanto aos espigões deitarem para um só lado).

• Existência de cachorros de pedra de um só lado significa que o proprietário ponderou a

realização de futuras construções.

• Se todo o prédio está murado e o outro não, verifica-se que o muro foi construído

apenas por um proprietário.

• Se o muro sustenta a construção de um só lado supõe-se que o outro proprietário não

teve interesse em concorrer para a sua construção.

Se existirem sinais contraditórios renasce a presunção de comunhão.40 – art. 1372º, 1373º,

1374º, 1375º

40 Contra PL / AV que dizem que a questão terá de ser resolvida de acordo com as regras gerais do ónus da prova.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Contitularidade dos Direitos Reais Os direitos reais podem pertencer simultaneamente a vários titulares.

Contitularidade dos direitos tem 2 formas:

• Comunhão romana – por quotas

• Comunhão germânica – contitularidade no todo

COMPROPRIEDADE – art. 1403º e ss. Corresponde ao sistema em que a propriedade é o paradigma e por isso se estende aos outros

direitos reais – regras sobre a compropriedade são aplicáveis, com a necessárias adaptações à

comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um

deles.

Art. 1403º/1: situação de compropriedade sempre que a propriedade seja atribuída a mais do

que um titular

Art. 1403º/2: presume-se que os titulares do direito têm direitos quantitativamente (quotas)

iguais;

➢ Isso implica que os termos do direito são iguais para os comproprietários – cada

proprietário não tem sobre a coisa faculdades superiores ou inferiores aos outros.

o Pode haver é uma diferente repartição do exercício dessas faculdade, caso o

montante das quotas de cada comproprietário seja distinto.

Constituição da Compropriedade Pode ser constituída por:

• Negócio Jurídico – sempre que o direito de propriedade sobre uma coisa é atribuído

simultaneamente a vários titulares, por contrato ou testamento.

• Facto jurídico não negocial – usucapião (invocada após situação de composse em

relação à coisa), ocupação (várias pessoas ocupam uma coisa), achamento (sendo

expressamente imposta no caso de tesouros – art. 1324º) e acessão (casos dos art.

1333º/2, 1335º/3, 1340º/2).

• Sentença Judicial – quando é solicitada em tribunal quando às paredes e muros de

meação (art. 1370º)

• Disposição da lei – quando a lei estabelece presunções de comunhão (art. 1358º/1,

1359º/2, 1368º, 1371º)

Poderes dos Comproprietários Os poderes atribuídos aos comproprietários são os 5 seguintes:

1. Uso da Coisa Comum (art. 1406º) – cada comproprietário tem isoladamente a faculdade de

uso da coisa comum, sujeita a certos limites.

• Restrição Funcional – não poder usar a coisa para fim diverso daquele a que ela se

destina – obriga a respeitar o fim a que a coisa se destina.

o É estranho, dado o direito de gozo pleno da propriedade (art. 1305º) mas

compreensível em virtude da necessidade de compatibilização do uso do

comproprietário com o uso dos outros consortes, uma vez que um uso

desvirtuado da coisa a poderia deteriorar (lesando o uso posterior dos outros).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Restrição Quantitativa – não poder privar os outros consortes do uso a que igualmente

têm direito – corresponde à dimensão quantitativa da quota de cada um.

o Cada comproprietário terá de limitar o uso da coisa, através do Uso Simultâneo

da Coisa (ex: utilizam todos o barco comum) ou Repartindo o Uso com Critério

Temporal (ex: casa de férias habitada em diferentes períodos) ou

Espacial/Geográfico (ex: cultivo de áreas diversas do terreno comum).

2. Reivindicação da Coisa Comum (art. 1405º/2) – comproprietário pode solicitar o

reconhecimento da compropriedade e a consequente restituição da coisa, sempre que esta se

encontre na posse ou detenção de terceiro.

3. Disposição e Oneração da própria quota (art. 1408º) – comproprietário tem posição no

direito comum que tem valor económico em virtude das faculdades que atribui ao seu titular,

podendo este pô-la no comércio jurídico.

• Por só ter uma posição num direito comum, uma disposição que abranja todo o direito,

ou mesmo apenas uma sua parte especificada, não pode deixar de ser vista como

disposição de bem alheio.

4. Direito de Preferência (art. 1409º e ss.) – lei atribui a cada um dos comproprietários o direito

de preferência na venda ou dação em cumprimento da quota do seu consorte, em ordem a

evitar que terceiros estranhos se imiscuam na titularidade do direito sobre a coisa.

• Direito de preferência legal com eficácia real, a que a lei atribui mesmo o primeiro lugar

entre os preferentes legais.

• Art. 1410º: ação de preferência

5. Direito de exigir a Divisão da coisa comum (art. 1412º e ss.) – divisão da coia depende de a

mesma poder ser fracionada sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo

para o uso a que se destina (art. 209º).

• Têm que ser cumpridos os requisitos administrativos para a divisão dos prédios

Obrigações dos Comproprietários Segundo a lógica do “ubi commoda ibi incommoda”

Art. 1405º/1 impõe aos comproprietários participar nos encargos da coisa, na medida das suas

quotas -> art. 1411º/1

• Regra da repartição dos encargos da coisa por todos os comproprietários em termos

proporcionais às respetivas quotas. As partes podem acordar outro critério.

Renúncia Liberatória – comproprietário pode extinguir o direito que tem sobre a coisa (a sua

quota) de maneira a que não tenha encargos nem obrigações.

• A renúncia não é válida sem o consentimento dos restantes consortes quando a despesa

tenha sido previamente aprovada pelo interessado.

• Art. 1411º/2

• Art. 1411º/3

Administração da Coisa Comum Art. 1407º - abrange atos de fruição da coisa comum, a sua conservação ou beneficiação e ainda

os atos de alienação dos frutos

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Sistema de administração disjunta (art. 985º/1, 2) – poderes de administração concentram-se

integralmente em cada um dos comproprietários, podendo estes individualmente praticar todos

os atos de administração, sem necessidade de consentimento nem sujeição às diretivas dos

outros. Há direito de oposição aos atos que os outros pretendam realizar, cabendo à maioria

decidir sobre o mérito da oposição (art. 985º/2). Maioria legal é formada com metade do valor

das quotas (art. 1407º/1, in fine).

Sistema de administração conjunta e maioritária (art. 985º/3, 4)

Art. 1407º/2 – recorrer ao tribunal quando não é possível estabelecer a maioria legal

Art. 1407º/3 – se mesmo sem a maioria se realizar o ato, ele é anulável

Disposição da Coisa Comum

Art. 1408º - só podem haver atos de disposição da coisa comum com o consentimento de todos

os comproprietários: alienação, transformação ou destruição.

Art. 1408º/2 – considera como venda de bem alheio a alienação sem a autorização (parte

especificada ou toda a coisa comum, por maioria de razão41), sendo nulo todo o negócio (art.

894º) salvo se vier a adquirir as quotas dos restantes consortes (art. 895º).

➢ Aplicação do regime de venda bens alheios é apenas em relação às partes no negócio,

sendo em relação aos outros consortes considerado o negócio como ineficaz.

Extinção da Compropriedade

Sempre que cessar a situação de contitularidade do direito em relação à coisa.

Cessação pode resultar:

• da aquisição derivada ou originária, por parte de um dos consortes ou terceiro, da

propriedade sobre toda a coisa – pode resultar de negócio jurídico ou de usucapião42 da

propriedade exclusiva (por um dos consortes ou por um terceiro)

• da divisão da coisa em frações, com atribuição da propriedade (horizontal) exclusiva

sobre essas frações a cada um dos consortes – cuja forma está sujeita à forma exigida

para a alienação onerosa da coisa (art. 1413º/2).43

Natureza Jurídica da Compropriedade A. Teoria do Direito Sobre Quotas – Guilherme Moreira, Mota Pinto – cada proprietário

tem direito a uma quota ideal ou intelectual do objeto da propriedade. Explica a

possibilidade de alienação separada da quota e o facto de cada consorte ter

possibilidade de uso e administração de toda a coisa comum não seria obstáculo pois

esta quota é ideal e não sobre parte especificada, pelo que os direitos de cada

comproprietário se estendem sobre toda a coisa.

➢ Direitos reais incidem sobre coisas corpóreas, necessariamente, não sobre

direitos (incorpóreos – sendo contrários à natureza do direito real).

41 Contra Vaz Serra e Carvalho Fernandes que defendem, para estes casos, uma conversão e redução simultânea do negócio. 42 Art. 1406º/2 exige inversão do título da posse para o prazo começar a decorrer. 43 Por ação judicial a divisão e realizada através do processo especial de divisão da coisa comum: art. 925º e ss. CPC

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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B. Teoria da Pluralidade de Direitos sobre a Mesma Coisa – Pinto Coelho, OA, MC,

Carvalho Fernandes, JAV – pluralidade de direitos da mesma espécie, que recaem sobre

a mesma coisa, o que determina a limitação mútua ao respetivo exercício.

➢ Confunde as situações de contitularidade de direitos com as do concurso de

direitos. Não faz sentido considerar que o direito de propriedade, enquanto

pleno e exclusivo, possa concorrer com direitos idênticos de outros titulares.

➢ Não explica a maior parte dos poderes dever ser exercida conjuntamente.

C. Teoria do Direito Único com Pluralidade de Titulares – PL / AV, Henrique Mesquita –

referência legal a quotas refere-se a partes do direito e não a partes ideias da coisa;

todos os consortes são cotitulares do mesmo direito, no qual possuem uma quota.

Explica o regime da compropriedade.

➢ ML: na compropriedade, o direito de propriedade mantém-se com todas as suas

características, sendo apenas atribuído conjuntamente a mais do que uma

pessoa.

➢ Explica o facto de, em conjunto, os comproprietários poderem sempre exercer

todos os poderes relativos à coisa, bem como a circunstância de a posição de

cada comproprietário poder ser alienada ou onerada.

➢ Explica o facto de o uso da coisa comum pelo comproprietário não lhe atribuir

posse exclusiva, nem superior à sua quota, uma vez que ele se limita a exercer

o direito comum.

D. Teoria da Compropriedade como Pessoa Coletiva – doutrina italiana – a pessoa

coletiva, formada pelos comproprietários é que era a proprietária da coisa. Direito real

seria pertença da coletividade dos consortes, considerada como ente distinto dos

sujeitos que a compõe.

➢ Lei não personifica a compropriedade e não há autonomia patrimonial, o que

constitui o substrato indispensável a qualquer personificação.

CONTITULARIDADE DAS ÁGUAS – art. 1398º e ss. Existência de uma situação de condomínio das águas obriga a que todos os co-utentes

contribuam para as despesas necessárias ao conveniente aproveitamento delas, na proporção

do seu uso, podendo para esse fim executar-se obras necessárias e fazer-se os trabalhos

indispensáveis, quando se reconheça haver perda ou diminuição do volume caudal.

Obrigação propter rem – recai sobre os comproprietários da água, antes da divisão desta, mas

também sobre os co-utentes que dela se aproveitam, em virtude de um ato de mera tolerância

do proprietário do prédio superior.

Admite-se a renúncia liberatória nos termos do art. 1398º/2

Normalmente resulta numa situação de divisão de águas – art. 1399º

A lei admite a relevância dos costumes na divisão das águas – art. 1400º.

➢ O costume, se vigorar por mais de 20 anos também vale para aquele que se aproveita

da mera tolerância do titular do direito às águas (art. 1391º).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Constituição dos Direito Reais

Por Negócio Jurídico Forma mais comum e que se encontra prevista nos direitos reais de gozo (art. 1417º, 1440º,

1485º, 1528º, 1547º), de garantia (art. 658º/2, 667º, 712º) e de aquisição (art. 413º, 421º).

Em virtude da tipicidade dos Direitos Reais o negócio jurídico não pode criar novos direitos reais

(art. 1316º), ficando-se por aquele que já estejam legalmente previstos.

Em certos casos a lei reconhece alguma maleabilidade ao negócio jurídico para conformação do

conteúdo dos direitos reais – art. 1418º e 1445º

Por Lei A própria lei estabelece o direito – art. 733º e ss. (privilégios creditórios) e art. 704º e ss.

(hipoteca legal).

Por Sentença Judicial Pode ser no âmbito de direitos reais de gozo (art. 1417º/2, 1547º/2) e de garantia (art. 658º,

710º).

A decisão judicial pode funcionar como forma de aquisição de qualquer direito real, em caso de

execução específica relativamente à promessa da sua constituição negocial (art. 830º) ou caso

exista um prévio direito real de aquisição (art. 413º, 421º, 1410º).

USUCAPIÃO – art. 1287º e ss. Forma voluntária de aquisição de certos direitos reais, que necessita de uma posse com certas

características e mantida pelos prazos legais.

Capacidade para a Usucapião Art. 1289º - apenas se exige a capacidade de gozo dos direitos

Direitos que podem ser objeto de Usucapião Só pode abranger coisas objeto de direitos privados, sejam ela móveis ou imóveis, embora os

prazos variem.

Em relação aos bens do domínio privado do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, os

mesmos podem ser objeto de usucapião, mas nos termos da Lei 54, de 16/7/1913, mantida em

vigor pelo art. 1304º CC.

Art. 1287º restringe a usucapião aos direitos reais de gozo, excluindo as servidões prediais não

aparentes e os direitos de uso e habitação (art. 1293º).

• Quanto à aquisição por usucapião das servidões prediais não aparentes dispõe o art.

1548º/1. Ex: servidão de passagem só poderá ser adquirida por usucapião se houver

sinais visíveis permanentes do seu exercício, como a existência de uma porta ou

caminho entre dois prédios.

o Não aquisição por usucapião das servidões aparentes resulta do facto de não

ser fácil determinar a existência de uma posse pública, por elas serem

facilmente confundíveis com atos de tolerância do proprietário serviente.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Quanto aos direitos de uso e habitação, não podem ser adquiridos por usucapião porque

se tem de restringir a sua constituição, em virtude da limitação dos seus conteúdos e do

facto de em termos práticos ser difícil a sua distinção do usufruto.

Requisitos da Posse necessária para a Usucapião Usucapião pressupõe a Posse

Art. 1287º - exige a posse nos termos de um direito real de gozo

Art. 1290º - exige para a usucapião a inversão do título da posse, só se iniciando o respetivo

prazo a partir da inversão do título.

➢ Art. 1252º/2 – presunção de que a posse é de quem exerce poder de facto

➢ A situação de posse em nome alheio tem de ser demonstrada por quem se opõe à

usucapião

Art. 1297º e 1300º/1 – exige-se posse pública e pacífica; a posse oculta ou violenta não é idónea

para a usucapião

PRAZOS Variam consoante se trate de coisas móveis ou imóveis – regra é sempre a natureza dos bens e

não o valor.

IMÓVEIS

5 anos

• Art. 1295º/1/a – registo de mera posse e boa fé

o Só pode ocorrer mediante sentença transitada em julgado que o possuidor

possuía a coisa pública e pacificamente há mais de 5 anos (art. 1295º/2) – pelo

que é um prazo aparente uma vez que só se pode registar a posse após 5 anos

(totalizando 10)

10 anos

• Art. 1295º/1/b – registo de mera posse e má fé

• Art. 1294º/b – existir título de aquisição e registo deste e boa fé

15 anos

• Art. 1294º/b – existir título de aquisição e registo deste e má fé44

• Art. 1296º - não existindo título de aquisição nem registo deste, mas a posse ser de boa

20 anos

• Art. 1296º - não existindo título de aquisição nem registo deste e a posse ser de má fé

MÓVEIS

Sujeitos a Registo – automóveis, navios e aeronaves

• Art. 1298º/a – 2 anos quando há título de aquisição e registo deste, havendo boa fé

• Art. 1298º/a – 4 anos quando há título de aquisição e registo deste, havendo má fé

• Art. 1298º/b – 10 anos, não havendo registo, independentemente do título ou da boa

44 Ter título faz presumir boa fé, mas pode ser ilidida

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Não sujeitos a Registo

• Art. 1299º - 3 anos, havendo justo título e boa fé

• Art. 1299º - 6 anos, independentemente da boa fé ou do título

POSSE OCULTA E VIOLENTA

Não conduz à usucapião.

Se a coisa móvel vier a ser transmitida para um terceiro antes da extinção da violência ou da

publicidade, o terceiro pode vir a adquirir direitos sobre essa coisa

➢ Art. 1300º/2 – 4 anos se for titulada; 7 anos na falta de título

Art. 1292º - determina a aplicação à usucapião das regras relativas à suspensão e interrupção

da prescrição.

• Usucapião é moldada segunda as regras: dos art. 318º e ss. (suspensão do prazo da

usucapião – quando a sua contagem é paralisada durante a verificação de certos factos

ou situações a que lei atribui esse efeito) e art. 323º e ss. (interrupção do prazo de

usucapião – quando não apenas a sua contagem é paralisada em virtude de certos factos

ou situações que a lei atribui esse efeito, mas também se inutiliza o prazo anteriormente

decorrido).

Prazos para a usucapião não são prejudicados pela existência, em algum momento, e turbação

ou esbulho da posse – se vier a ser julgada procedente a ação de manutenção ou restituição –

art. 1283º.

Também não é prejudicado por sucessão na posse, continuando a correr na esfera dos

sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa –

art. 1255º.

No caso de acessão na posse, é facultativa a junção do prazo da posse do antecessor (art.

1256º/1), sendo que, se as posses forem de natureza diferentes, a junção só pode ocorrer nos

limites da posse que tiver menor âmbito (art. 1256º/2).

Invocação da Usucapião Usucapião só é eficaz se for invocada, sendo por isso voluntária – art. 303º ex vi art. 1292º

• Tribunal não pode suprir oficiosamente a usucapião.

• Uma vez invocada, os efeitos da usucapião retroagem ao início da posse – art. 1288º

• Como aquisição originária do direito, a usucapião suplanta todos os registos existentes

sobre o bem (usucapio contra tabulas) – registo da usucapião é meramente enunciativo

(art. 5º/2/a Cód RP)

Negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da usucapião, facilitar ou dificultar as

condições em que a prescrição opera os seus efeitos são nulos – art. 300º ex vi art. 1292º

• Mesmo a renúncia à usucapião só é admitida depois de decorrido o prazo prescricional

– art. 302º/1 ex vi art. 1292º

• Pode ser renúncia tácita, não necessitando aceitação pelo beneficiário – art. 302º/2 ex

vi art. 1292º

• Só tem legitimidade para renunciar à usucapião quem puder dispor do direito que a

usucapião tenha criado – art. 302º/3 ex vi art. 1292º

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita – art. 303º ex

vi art. 1292º

• Pode ser invocada também pelos credores e por terceiros com legítimo interesse da sua

declaração, ainda que o possuidor a ela tenha renunciado – art. 305º/1 ex vi art. 1292º

o Tem que se ter em conta o art. 305º/2 e 3

Usucapião deve ser invocada através de escritura de justificação notarial45 ou decisão

proferida pelo Conservador no processo especial de justificação (dos art. 116º e ss. Cód RP)

• Ação judicial fica reservada para as hipóteses em que há litígio sobre a situação – art.

3º/1/a Cód RP

• Aquisição originária de um direito que suplanta todos os registos que existem – escritura

de justificação notarial não está sujeita aos vícios e limites que afetassem ou onerassem

o direito anterior.

AUJ 1/2008, STJ (Azevedo Ramos): Na ação de impugnação de escritura de justificação notarial

prevista nos art. 116º/1 e ss. Cód RP e art. 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os

réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel,

inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova

dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo

decorrente do art. 7º Cód RP.

ACESSÃO Art. 1325º - situação que ocorre quando a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora

com uma coisa que não lhe pertencia.

➢ Perante a junção de duas coisas, a lei determina a aquisição da propriedade sob a coisa

que resultou dessa junção apenas por um dos proprietários, com a consequente perda

da propriedade pelo outro.

Não se restringe à propriedade e por esta via podem ser adquiridos outros direitos reais –

usufruto (art. 1471º/2) e hipoteca (art. 691º/1/b)

Distinção das Benfeitorias Tanto na acessão como nas benfeitorias existe um incremento de valor patrimonial em bens

alheios, mas há critérios para se distinguir uma da outra:

• Manuel Rodrigues – benfeitorias valorizam objeto possuído, mas os atos de acessão

alteram a substância do objeto da posse porque inovam;

• PL / AV – critério é a existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a

pessoa à coisa beneficiada – benfeitoria é melhoramento feito por quem está ligado à

coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico (proprietários, possuidores,

locatário, usufrutuário e etc.); a acessão é fenómeno que vem do exterior, de um

estranho, de uma pessoa que não contacto jurídico com a coisa (sendo que a aquisição

por acessão é sempre subordinada à falta de um título que dê, per si, a origem e a

disciplina da situação criada – terceiro, detento ocasional e etc.)

45 ML: não é negócio jurídico e sim um quase-negócio jurídico, uma vez que não cria o direito nela declarado, traduzindo-se antes numa declaração unilateral do justificante, que o mesmo terá de comprovar se for impugnada.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Vaz Serra – distinção é fundada na finalidade e no regime jurídico de ambas as figuras

– benfeitorias dá direito de levantamento ou direito de crédito contra o dono da coisa

beneficiada; acessão constitui-se coisa nova, mediante alteração da substância daquele

que a realiza, atribuindo a lei certas condições para tal

• Menezes Cordeiro – aplicam-se as benfeitorias quando a lei expressamente o disser;

considera-se acessão sempre que a coisa incorporada não valha como benfeitoria,

designadamente quando valha mais do que a outra coisa, quando modifique o destino

económico conjunto, ou quando não conserve ou melhore a coisa, nem sirva para

recreio do benfeitorizante, antes correspondendo ao normal exercício do direito

acedido

• JAV – aplica-se regime de benfeitorias quando a lei o estabeleça (locação, comodato,

usufruto) mas tal não acontece na posse (restrição ao alcance literal dos art. 1273º e

1275º)

• ML – regime das benfeitorias, independentemente de a lei para ele remeter, deve

ceder sempre que esteja em causa uma situação de acessão, podendo esta assim

ocorrer nos casos em que exista uma relação prévia com a coisa, a menos que a lei exclua

a aplicação do regime.

o Não é limitação se a lei regular o regime das benfeitorias – que correspondem

apenas a despesas para conservar ou melhorar a coisa (art. 216º) – mantem ou

desenvolve o valor económico da coisa e não cria conflito de direitos, limitando-

se a haver obrigação de restituição.

o Acessão efetua incorporação de um valor económico novo naquele bem,

através da união com outra coisa ou da sua transformação por aplicação de

trabalho, gerando um direito novo sobre a coisa, que entra em conflito com o

do proprietário primitivo. Ex: locatário prédio rústico constrói edifício no

terreno, a situação é de acessão e não benfeitoria.

Art. 1326º tem as espécies de acessão

Acessão Natural – art. 1327º Resulta exclusivamente das forças da natureza

Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito da natureza,

ocorrendo uma extensão automática do direito real em relação a tudo o que a crescer

à coisa em virtude de fenómenos naturais (art. 1317º/d)

Acessão natural por força das águas

• Aluvião – art. 1328º - justificação do regime é o facto de, devido à lentidão do processo,

ser inviável a identificação dos objetos ou porções de terreno que foram sendo

transferidos, pelo que se justifica atribuir logo a sua propriedade ao titular da coisa

principal

• Avulsão – art. 1329º

• Mudança de leito – art. 1330º

• Formação de ilhas e mouchões – art. 1331º

• Lagos e lagoas – art. 1332º

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Acessão Industrial Resulta de ação humana

Acessão Industrial Mobiliária

• Por União: verifica-se a junção de dois ou mais objetos num novo, não sendo possível a

sua separação sem detrimento da coisa;

• Por Confusão: quando se dá uma reunião de objetos, os quais perdem por isso a sua

individualidade;

o Lei trata-as conjuntamente, distinguindo apenas se é de má ou boa fé

• Por Especificação: quando alguém modifica, com o seu trabalho, alguma coia que

pertence a outrem. Tratada autonomamente mas também atendendo à boa ou má fé.

Pressuposto comum: não ser possível fazer reverter as coisas ao estado de separação ou à sua

primitiva forma, ou, sendo-o, tal implique a produção de prejuízo para uma das partes.

➢ Se for possível realizar sem prejuízo o regresso das coisas à situação anterior, deixa de

se verificar acessão industrial mobiliária.

1. União ou Confusão realizadas voluntariamente e de boa fé do autor – art. 1333º

2. União ou Confusão realizadas voluntariamente e de má fé do autor – art. 1334º

3. União ou Confusão operadas casualmente – art. 1335º

4. Especificação de boa fé – art. 1336º

5. Especificação de má fé – art. 1337º

Acessão Industrial Imobiliária Aquisição da propriedade sobre coisas em virtude da realização de obras, sementeiras ou

plantações num imóvel, podendo essa aquisição ocorrer quer em relação ao imóvel como aos

materiais, sementeiras ou planta utilizados.

Lei estabelece regime distinto consoante a alienade se verifique em relação a:

• Obras, sementeiras ou plantações em terreno próprio com materiais, sementes ou

plantas alheias – art. 1339º

• Obras, sementeiras ou plantações em terreno alheio com materiais, sementes ou

plantas próprias – boa fé (art. 1340º46); má fé (art. 1341º)

• Obras, sementeiras ou plantações em terreno alheio com materiais, sementes ou

plantas alheias – art. 1342º

• Construção de edifício em terreno próprio determina a ocupação, de boa fé, de uma

parcela de terreno alheio – art. 1343º

Formas de Atuação da Acessão Art. 1317º/d refere que a acessão ocorre no momento da verificação do respetivo facto, mas

a doutrina tem vindo a discutir, especialmente no âmbito da acessão industrial imobiliária, se a

aquisição por acessão é automática, ocorrendo no momento da verificação da junção das coisas,

ou se é potestativa, dependendo de uma manifestação de vontade do seu titular.

46 ML: boa fé na autorização teria de ser uma autorização pura e simples – no caso em que a autorização é para algo específico pode ser discutível se havia efetivamente boa fé

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• PL / AV – automático – sentido literal dos art. 1339º e 1340º, com o facto de estes não

terem regulado as consequências de o proprietário não querer adquirir a propriedade

do implante e ainda a circunstância de a sua renúncia levar à constituição de um direito

de superfície, que teria de observar a forma legal desse ato.

• OA – potestativa – “adquire pagando” dos art. 1339º e 1340º demonstram esse caráter

potestativo, favorecido pelo art. 1333º/1 e 1343º mais as disposições que subordinam

a aquisição à licitação, ou que preveem que o beneficiário não queria adquirir.

o Não faz sentido impor ao beneficiário o pagamento de uma indemnização em

contrapartida de uma aquisição que ele pode não pretender.

o Só ocorre perda da propriedade com pagamento da indemnização.

o Aquisição automática impediria partes de estipularem solução diferente para o

conflito e atribuiria o risco ao beneficiário da acessão.

o MC, Carvalho Fernandes, JAV

• ML: aquisição deve considera-se, tal como a usucapião, uma forma de aquisição

originária dos direitos reais, adquirindo assim o titular um direito novo, que não está

dependente das vicissitudes do direito anterior.

o No entanto, ao contrário do que sucede na usucapião (art. 5º/2/a Cód RP), o

registo da acessão não é meramente enunciativo, pelo que, no caso de estar

sujeita a registo, serão tutelados os direitos adquiridos por terceiro e registados

antes da acessão.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Transmissão dos Direitos Reais

A transmissibilidade dos Direitos Reais tem proteção constitucional – art. 62º CRP

• Mortis causa: transmissibilidade dos Direitos Reais por morte é a regra, havendo

exceções em que são direito apenas vitalícios (usufruto, art. 1476º/1/a; uso e habitação,

art. 1490º).

• Inter vivos: alienabilidade dos Direitos Reais está subordinada aos princípios da

consensualidade (transmissão através de contrato, sem necessidade de outro ato,

como a tradição ou o registo) e da causalidade (transmissão do direito depende da

validade do negócio transmissivo47).

Exceções:

• Art. 1488º - usuário e morador usuário não podem alienar o seu direito nem onerá-lo.

• Art. 1545º - servidões prediais não podem ser separadas dos prédios a que pertencem,

portanto não podem ser alienadas autonomamente do prédio dominante.

• Art. 1409º e 1535º - Direitos de preferência não podem ser transmitidos isoladamente

do respetivo direito

• Art. 760º - direito de retenção tem proibição parcial pois não pode ser transmitido sem

o crédito48

De acordo com o princípio da tipicidade, as partes só podem introduzir cláusulas com eficácia

real no caso de essa possibilidade estar incluída no próprio tipo legal do direito em causa –

caso do usufruto (art. 1444º/1 in fine); substituições fideicomissárias (art. 962º e 2286º); doação

com reserva do direito de dispor (art. 959º).

➢ Caso não estejam previstas, pelo princípio do art. 1306º, só poderão ter eficácia

obrigacional – violando as cláusulas há apenas responsabilidade obrigacional (art.

798º).

➢ Na hipoteca é nula – art. 695º

Contratos Reais Devido à alienabilidade dos direitos reais, inclui-se no âmbito da autonomia privada a

possibilidade de celebração de contratos com efeitos reais – negócios de disposição de

direitos, pressupondo por isso a titularidade do direito que é seu objeto.

Contratos reais quod effectum – transmissão dos direitos reais produz-se por mero efeito do

contrato; art. 408º

➢ Exceções no art. 408º/2

➢ A partir do momento da celebração do contrato o adquirente suporta o risco relativo à

perda ou deterioração da coisa (art. 796º)

➢ Pode convencionar-se que a transmissão da propriedade só ocorra com o pagamento do

preço (art. 409º/1) – cláusula de reserva de propriedade49

47 Se o negócio for inválido não chega a haver transmissão do Direito. 48 Art. 727º - em relação à hipoteca pode haver possibilidade de cessão sem o crédito assegurado. 49 Sujeita a registo nos termos do art. 409º/2

• Desvio ao sistema de título para não passar logo para a esfera do devedor. o 1ª proteção: não conta logo como património do devedor para pagar a outros credores

e aquele que reservou a propriedade (caso não pague).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Contratos reais quod constitutionem – necessitam da tradição da coisa de que são objeto para

se constituírem; penhor (art. 669º/1), doação verbal (art. 947º/2), mútuo (art. 1142º).

Habitualmente são contratos não formais para móveis (art. 219º)

Habitualmente são contratos formais/solenes para imóveis – exigindo celebração por escritura

pública ou documento particular autenticado

➢ Exceção na compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, de prédio urbano

destinado a habitação ou fração autónoma para o mesmo fim quando o mutuante é

instituição de crédito – basta documento particular de acordo com modelo legalmente

aprovado.

o Também se aplica aos contratos de mútuo com hipoteca e sub-rogação nos

direitos e garantias do credor hipotecário.

➢ Exceção no procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis – DL

263-A/2007

➢ Exceção no contrato de oneração ou transmissão de direito real de habitação periódica

– declaração das partes no certificado predial, com reconhecimento presencial da

assinatura do alienante (art. 12º DL 275/93 na redação do DL 180/99)

Modificação dos Direitos Reais

Alterações no Objeto: o objeto do direito real sobre uma alteração, o que afeta o direito que

sobre este incide, em virtude da inerência desse direito à coisa.

• Benfeitorias – art. 1273º e 1275º

• Divisão da coisa comum – art. 1412º e 1413º50

• Perda parcial da coisa – art. 1478º/1

• Transformação da coisa noutra com valor mas com finalidade económica distinta – art.

1478º/2 51

Alterações no Conteúdo: o objeto do direito real mantém-se o mesmo, mas o conteúdo do

direito é alterado, em virtude da modificação das faculdades atribuídas ao seu titular.

• Modificação do título constitutivo, que rege a situação de certos direitos reais menores

– propriedade horizontal (art. 1416º/1; 1418º; 1419º), usufruto (art. 1445º), uso e

habitação (art. 1485º), servidões (art. 1564º).

• Constituição de direitos reais menores que comprimem o direito real maior –

propriedade vê o seu conteúdo alterado

o 2ª proteção: permite resolver o contrato

50 Que não acontece quanto às servidões prediais – art. 1546º 51 No caso da sub-rogação real existirá a extinção do direito real com a constituição de outro direito sobre distinto objeto.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Defesa dos Direitos Reais

Se a violação de um direito violar simultaneamente uma situação possessória (posse causal), o

titular do direito pode reagir com base na defesa da posse – AÇÕES POSSESSÓRIAS

Se estiver em risco a lesão do direito, podem instaurar-se previamente ou no decurso da ação

respetiva PROCEDIMENTOS CAUTELARES

Se os pressupostos estiverem preenchidos admite-se o recurso à AUTOTUTELA

Paradigmaticamente os Direitos Reais podem ser defendidos através das AÇÕES REAIS:

1. Ação de Reivindicação – ação declarativa de condenação pelo art. 1311º e ss.

• Art. 1315º permite estender este regime à defesa de qualquer titular de direitos

reais que atribuam a posse da coisa.

o Só tem legitimidade ativa para recorrer à ação de reivindicação quem seja

titular de um direito real que atribua a posse da coisa, mas não tenha essa

posse.

o Tem legitimidade passiva para a ação de reivindicação quem seja possuidor

ou detentor da coisa, mas não seja titular do correspondente direito real.

• Baseia-se em dois pedidos:

o Reconhecimento do Direito Real que assiste ao autor;

o Restituição da coisa, como consequência do reconhecimento.

o Segue os termos do processo comum e pode acumular-se com outros

pedidos, como a indemnização.

• É necessário fazer prova da titularidade do Direito Real – não bastando a

demonstração da aquisição derivada do direito, pois nada garante que o autor

adquiriu a coisa ao seu legítimo proprietário;

o Tem de se demonstrar que adquiriu originariamente o direito52 - prova é

dispensada quando existem presunções de propriedade, como a derivada

da posse (art. 1268º/1) ou do registo (art. 7º Cód RP).

• Se o possuidor ou detentor for titular de algum direito que legitime essa posse ou

detenção, o Tribunal limita-se a condenar o réu a reconhecer o direito do autor,

embora não ordenando a restituição da coisa.

• Art. 1313º - é imprescritível; sendo improcedente quando ocorre a aquisição por

usucapião a favor de outrem.

• Está sujeita a registo (art. 3º/1/a)

2. Ação Confessória – não envolve pedido de entrega da coisa e é uma simples ação de

apreciação positiva (art. 10º/3/a CPC).

• No Direito Romano era tradicionalmente reservada à defesa de direitos reais

menores como a servidão e usufruto – autor solicitava que o proprietário fosse

condenado ao reconhecimento do seu direito real menor sobre a coisa de forma a

não levantar oposição ao exercício desse direito.

52 Prova que pode ser extremamente difícil em concreto (probatio diabolica)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Perdeu utilidade pois a reivindicação pode ser utilizada para tutelar qualquer direito

real (art. 1315º).

3. Ação Negatória – é uma simples ação de apreciação negativa (art. 10º/3/a CPC).

• Proprietário instaura a ação conta quem invoca ter um direito real incidente sobre

um bem seu, de forma a obter a declaração de inexistência desse direito.

4. Ação de Demarcação – ação usada para estabelecer os limites entre os prédios no âmbito

das relações de vizinhança pelos art. 1353º e ss.

• Segue a forma de processo comum e o Tribunal respeita o art. 1354º.

• Ação imprescritível, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião (art. 1355º)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Extinção dos Direitos Reais

A extinção dos Direitos Reais pode ocorrer em virtude de diversas situações e as figuras variam

consoante o Direito Real que está em causa.

1. Expropriação

2. Perda da Coisa Por força da inerência do direito real à coisa que é seu objeto, a perda da coisa extingue o

direito sobre a mesma.

• Tem de ser uma perda total, pois se for parcial apenas há modificação do objeto do

Direito Real (art. 1478º/1).

• Perda pode ser por desaparecimento ou destruição – se for deterioração o direito

mantém-se, ainda que a coisa diminua de valor ou perca aptidão para o fim a que se

destina

Causa genérica de extinção – referência a propósito do Usufruto (art. 1476º/1/d) e da Superfície

(art. 1536º/1/e)

3. Impossibilidade de exercício do direito O direito destina-se a ser exercido pelo seu titular, pelo que a impossibilidade de exercício deve

conduzir à extinção do mesmo.

• Tem de ser impossibilidade definitiva, pois se for temporária ocorre apenas uma

suspensão desse direito.

• Não se confunde com a desnecessidade, que constitui uma causa de extinção privativa

das servidões por usucapião (art. 1569º/2) e legais (art. 1569º/3).

Consagra quanto à superfície (art. 1536º/1/e, in fine) mas deve considerar-se de aplicação

generalizada a todos os direitos reais – embora quanto às servidões temos o art. 1571º e

1569º/1/b).

4. Abandono Pressupõe a cessação da relação material com a coisa (corpus) em virtude de um ato

intencional do seu titular dirigido à extinção da sua propriedade (animus derelinquendi).

• É voluntário e não constitui negócio jurídico e sim um comportamento material a que se

atribui a natureza de ato jurídico simples (art. 295º).

• Não se encontra previsto como causa de extinção dos direitos reais – só da posse (art.

1267º/1/a) – há referência no art. 1318º e o 1397º.

o Só pode haver abandono para esse tipo de coisas, vigorando para os outros

casos o instituto da renúncia.

5. Renúncia Renúncia Abdicativa – extinção do direito realiza-se sem qualquer contrapartida para o titular.

• Usufruto (art. 1476º/1/e); Uso e habitação (art. 1485º); Servidões prediais (art.

1569º/1/d); Hipoteca (art. 730º/d); Consignação de rendimentos (art. 664º); Penhor

(art. 677º); Privilégio (art. 752º); Direito retenção (art. 761º); Todo os direitos reais de

garantia

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Não há referência à propriedade, propriedade horizontal e direito de superfície.

o Doutrina dominante (OA, MC, JAV) – é admissível a renúncia ao direito de

propriedade, com fundamento na livre disposição desse direito.

o Henrique Mesquita, Carvalho Fernandes, ML – o nosso sistema jurídico

consagra a função social da propriedade e não se compactua com a renúncia

pelo que não se reconhece a renúncia como uma faculdade do direito de

propriedade.

Renúncia Liberatória – extinção do direito tem como contrapartida a exoneração do titular em

relação a certas obrigações propter rem, sendo consequentemente dependente dessa mesma

exoneração.

• Compropriedade (art. 1411º); Usufruto (art. 1472º/3); Uso e habitação (art. 1485º);

Servidão (art. 1567º/2 e 4).

• Tem caráter unilateral – excepto na compropriedade em que exige o consentimento

dos demais e nas servidões, em que o proprietário do prédio dominante pode recusar.

6. Prescrição Não se aplica face aos direitos reais de gozo – art. 298º/3 sujeita-os a causa de extinção própria

(o não uso, que se rege pelo regime da Caducidade).

• Exceção da superfície (art. 1536º/1/a, b -> art. 1536º/3)

Extingue alguns direitos reais de garantia – hipoteca (art. 730º/b), privilégios creditórios (art.

752º), direito de retenção (art. 761º). Há uns excluídos (art. 664º e 677º).

Também se aplica aos direitos reais de aquisição pelo art. 298º/1

7. Caducidade Extinção do direito em virtude da superveniência de um facto jurídico stricto sensu, como o

decurso do tempo ou a morte.

• Opera nos direitos reais temporários, ocorrendo a sua extinção em consequência desses

factos – Usufruto (art. 1476º/1/a); Uso e habitação (art. 1485º).

o Há outros direitos que tanto podem ser perpétuos como temporários pelo que

se aplica quando forem temporários – Superfície (art. 1536º/1/c); Servidões

prediais (art. 1569º/1/e)

o Propriedade é em princípio perpétua, pelo que não se aplica – só nos casos em

que a lei prevê que é temporária (art. 1307º/2).

8. Não Uso Constitui causa de extinção de certos direitos reais baseada na inércia do titular do direito real

de gozo em relação ao exercício das faculdades integrantes desse direito.

• Distingue-se da prescrição dos créditos, pois a inércia do titular não consiste no não

exercício dos seus poderes em relação a terceiros.

o Por este motivo, o não uso também nada tem a ver com uma eventual

usucapião por terceiro, uma vez que esta pressupõe a violação do direito em

consequência do seu exercício por terceiro, enquanto que o não uso se basta

com a mera omissão das faculdades integrantes do direito.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Art. 298º/3 – Propriedade; Usufruto; Uso e Habitação; Superfície; Servidão não

prescrevem mas podem extinguir-se pelo não uso, nos casos previstos pela lei

(aplicando, na falta de disposição, as regras da caducidade).

o A lei prevê nos art. 1476º/1/c; 1485º; 1569º/1/b; 1397º

O não uso não é causa de extinção da propriedade sobre outros bens, nem da propriedade

horizontal ou do direito de superfície.

9. Confusão Equivalente a Direito das Obrigações – art. 868º

Quando na mesma pessoa se reúnem as qualidades de titular de um direito real maior e de

um direito real menor, o que determina a extinção do direito real menor por já não se justificar

a compressão do direito real maior nessa situação.

É causa de extinção do Usufruto (art. 1476º/1/b), Uso e habitação (art. 1485º), Superfície (art.

1526º/1/d), Servidões Prediais (art. 1569º/1/a).

10. Perda da Posse

Não constitui normalmente causa de extinção do direito real incidente sobre ela, enquanto não

decorrer o prazo para a usucapião por parte do novo possuidor.

• No entanto, a lei fixa o momento da aquisição por usucapião no início da posse (art.

1317º/c) ocorrendo retroação dos efeitos da aquisição ao momento da perda da posse

pelo titular.

Quando a posse desempenha uma função de publicidade de certos direitos reais de garantia, a

restituição da coisa implica igualmente a perda do direito (art. 677º e 761º).

11. Usucapio libertatis Caso em que o titular do direito real maior, por via da oposição pelo tempo necessário à

usucapião, ao exercício de um direito real menor, consegue obter a liberação do seu direito

real maior daquele direito menor que o onerava.

• Art. 1557º - prevista como forma de extinção de servidões prediais

o Doutrina considera como forma geral de extinção de direitos reais menores –

não há razão para que o proprietário, quando exerce o seu direito em

contrariedade com esse direito real menor, adquira a liberação desse ónus,

quando essa liberação ocorreria igualmente, caso fosse a propriedade plena

adquirida por um terceiro por via da usucapião.

Tem os pressupostos seguintes:

• Oposição ao exercício do direito real menor por parte do titular do direito real maior

– exige-se que ocorra um desapossamento do direito real menor por parte do titular do

direito real maior, passando este a impedir a posse daquele direito. Tem que ser

impedimento efetivo.

• Decurso do prazo legal para a usucapião

• Invocação pelo beneficiário – tanto judicial ou extrajudicialmente

Estando preenchidos, extingue-se o direito real menor – considerando ocorrido no momento do

início da oposição (art. 1288º e 1317º/c).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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12. Constituição de um direito real incompatível Extinção de direitos reais quando se constitui um direito real com ele incompatível.

• Caso da usucapião (art. 1287º e ss.);

• Caso da aquisição tabular (resultante do efeito atributivo do registo pelo art. 5º/1 e

17º/2 Cód RP ou do art. 291º CC ao prevalecer sobre o titular do direito com base na

realidade substantiva, faz extinguir o direito que anteriormente existia sobre a coisa).

13. Extinção do direito real maior com base no qual o direito se constituiu Extinção de um direito real maior com base no qual aquele direito se constituiu.

• Decorre da regra de que ninguém pode atribuir a outrem mais direitos do que aqueles

que tem – o titular de um direito não pode onerar o seu direito com encargos que

extravasem da sua duração e se o fizer, esses direitos extinguem-se com a extinção do

direito sobre o qual se constituíram.

• Hipoteca e usufruto (art. 699º/2); Superfície (art. 1539º/1)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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REGISTO – Publicidade dos Direitos Reais Devido à eficácia dos Direitos Reais perante terceiros, torna-se necessário dar publicidade aos

mesmos.

A Posse é forma de publicidade do controlo material das coisas, que é exercido em termos de

um direito real.

Sistema de Publicidade Português

• Registo Espontâneo

• Registo Obrigatório – regulado pelo Registo Predial53

Registo Predial A cargo das Conservatórias do Registo Predial, que são serviços do Instituo dos Registos e

Notariado, IP.

➢ Atos do registo predial podem ser requeridos em qualquer conservatória do território

nacional, independentemente do lugar da situação dos prédios.

Função no art. 1º - através do registo é possível saber qual a situação jurídica do prédio (e

também da relação que se estabelece entre o prédio e certas pessoas).

• Registo Predial54 organiza-se com base num sistema real (descrições relativas às

situações dos prédios) embora se tenha igualmente um ficheiro relativo às pessoas que

são titulares deste (art. 24º Cód RP).

Ideia é a de que a situação substantiva deve corresponder à situação registal.

Princípios do Registo Predial Princípio da Instância Registo só se faz a requerimento dos interessados, salvo os casos previstos na lei – art. 41º

• Serviços oficiais não têm o dever de promover oficiosamente o registo, devendo o

mesmo ser requerido por quem tenha legitimidade para isso (art. 36º)

Princípio da Obrigatoriedade Apesar do registo continuar a ser voluntário e depender do pedido dos interessados, esse

pedido passou a ser obrigatório – art. 8º-A a 8º-D Cód RP

• Art. 8º-A: obrigatoriedade do registo de certos factos e exceções

• Art. 8º-B: obrigação de registar incide sobre as entidade que celebrem a escritura

pública, autentiquem os documentos particulares ou reconheçam as assinaturas

• Art. 8º-C: prazo de dois meses a contar da data em que os factos tenham sido titulados

• Art. 8º-D: se o registo não for cumprido no prazo, o Negócio Jurídico não é inválido e a

consequência é um acréscimo nos emolumentos.

53 Não só em relação a prédios mas também a móveis sujeitos a registo (há registo automóvel que em certas disposições remete para o Cód RP) 54 Com o DL 224/2007 instituiu-se o Sistema Nacional de Exploração e Gestão da Informação Cadastral (SINERGIC) que veio complementar o Registo Predial e procura assegurar uma identificação única dos prédios, que permita unificar os conteúdos cadastrais e submete-los a gestão uniforme e informática.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Princípio da Legalidade O registo é objeto de controlo pelo conservador – art. 68º

• Controlo da legalidade não é meramente formal e tem de fazer uma fiscalização da

validade substancial do ato contido no título – limita-se à averiguação dos casos de

nulidade dos atos (art. 69º/1/d), já que não tem legitimidade para suscitar a questão da

anulabilidade55

• Pode recusá-lo ou realizá-lo provisoriamente e com dúvidas – art. 69º a 71º

• Decisão poe ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico ou mediante

impugnação judicial – art. 140º, 141º, 145º

• Se registar ato falso ou juridicamente inexistente incorre em responsabilidade – art.

153º

Princípio do Trato Sucessivo Registo deve instituir uma cadeia ininterrupta de transmissões ou onerações do bem, tendo

assim as inscrições que ser contínuas entre si e não podendo fazer qualquer inscrição a favor

de um adquirente do bem, sem que exista uma inscrição prévia a favor do transmitente – tem

de haver sequência ininterrupta de situações registais (art. 34º Cód RP).

JAV: Registo Predial deve patentear toda a sequência dos factos jurídicos respeitantes a cada

prédio descrito.

• Permite apurar os atuais e os anteriores titulares de inscrições relativamente ao prédio.

• Se o registo for interrompido, o adquirente tem de proceder ao registo das inscrições

intermédias para obter o seu reatamento – se não for possível, tem de justificar pelo

art. 116º e ss. Cód RP

• Pode ser feito através de um processo de Justificação Notarial, indo-se ao notário com

várias testemunhas que atestam que a pessoa está na posse do título.56

Princípio da Legitimação Quando resultar a transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis, não

podem ser titulados se não houver registo a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou

contra qual se constitui o encargo – art. 9º

➢ Aquele que não registou não vai conseguir transmitir o direito que substantivamente é

titular (art. 9º) – continua a ser proprietário mas não pode vender, uma vez que não

consta no registo como proprietário (isto devido ao princípio da legitimação).

Legitimação reforça proteção conferida pelo trato sucessivo, na medida em que veda que o

próprio negócio seja titulado, sem que se encontre comprovado o registo prévio a favor do

transmitente.

• MC: desrespeito por este princípio leva a nulidade

• ML: não há problema de legitimação substantiva e sim de legitimação formal – há

apenas sanções para o agente que não registar

55 Esse valor negativo não é de conhecimento oficioso e depende de arguição por parte dos interessados – art. 287º CC 56 É o título que justifica a usucapião

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Princípio da Prioridade O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem relativamente aos

mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal

das apresentações correspondentes – art. 6º

Modalidades de Atos de Registo Com base no Conteúdo Descrição – art. 79º e ss. Cód RP

• Genérica: efetuada para cada prédio ou empreendimento turístico (art. 82º/2)

• Subordinada: efetuada nos casos de constituição da propriedade horizontal ou direito

de habitação periódica, relativamente a cada fração autónoma ou unidade de

alojamento (art. 81º + art. 83º)

• Feita na dependência de uma inscrição ou averbamento (art. 80º/1 e exceção do art.

80º/2)

• Averbamentos às Descrições – permitem alterar, completar ou retificar elementos

das descrições (art. 88º/1 e ss.)

• Ainda se preveem Anotações Especiais à Descrição (art. 90º-A)

Inscrição – art. 91º e ss. Cód RP

• Só podem ser lavradas com referência a descrições genéricas ou subordinadas (art.

92º/2), mas um facto pode respeitar várias descrições sendo a inscrição lavrada na fica

de cada uma delas (art. 92º/3).

• Inscrições ou correspondentes cotas de referência são lançadas no seguimento da

descrição – art. 79º/3

• Averbamentos às Inscrições – servem para completar, atualizar ou restringir as

inscrições (art. 100º e ss.)

Com base na Eficácia

Definitivos – produzem plenamente a sua eficácia, sem qualquer limitação de vigência

Provisórios – produzem eficácia por um prazo de vigência limitado.

• Registo provisório por Natureza: prazo de vigência limitado em virtude da própria

natureza do facto a inscrever – enumerados no art. 92º

• Registo provisório por Dúvidas: prazo de vigência limitado em virtude de existir algum

vício no facto ou deficiência no processo de registo, que impede o seu registo definitivo

– art. 70º

• Devem ser convertidos em definitivos através de averbamento à inscrição (art. 101º/2/d

e 103º/2) – indicando o novo facto que afasta a provisoriedade ou a remoção das

dúvidas.

o Se não forem convertidos ou renovados dentro do prazo de vigência os registos

provisórios caducam em 6 meses – art. 11º/2 e 3

o Aplicável ao Registo Provisório por Dúvidas, o por Natureza tem prazos

diferentes (art. 92º/3 a 6) e algumas não estão sujeitas a prazos de caducidade

(art. 92º/11)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

76

Processo do Registo Legitimidade e representação no pedido do registo O registo só pode ser solicitado por quem tenha legitimidade registal – art. 36º Cód RP

• Contitularidade – art. 37º

• Averbamentos às descrições – art. 38º

• Registo pode ainda ser pedido em representação do interessado por mandatário – art.

39º

Pedido de Registo Art. 41º e ss. Cód RP

Efeitos do Registo Fé Pública Devido à segurança do comércio jurídico imobiliário (art. 1º), o registo deve estar em

conformidade com a situação jurídica substantiva do imóvel, permitindo o registo dar a

conhecer essa situação jurídica.

➢ Há casos de desconformidade entre a situação substantiva e a situação registal, que

afetam a fé pública do registo: não realização; inexistência; invalidade; inexatidão;

invalidade do registo.

Presunção da titularidade do direito Titular tem a presunção de titularidade do direito em 2 termos (art. 7º):

• Que o direito existe, tal como consta do registo;

• Que o direito pertence, nesses precisos termos, ao titular inscrito.

Presunções ilidíveis nos termos gerais.

Resulta que o registo é normalmente meramente enunciativo (não dá nem tira direitos) e

estabelece apenas uma presunção de titularidade – que pode entrar em conflito com a

presunção resultante da posse.

➢ Art. 1268º/1 CC – a presunção resultante do registo só prevalece se for anterior ao início

da posse, já que, no caso contrário, será a presunção a favor do possuidor que terá

prevalência.

Registo Consolidativo Registo consolida a posição do adquirente do imóvel, pois a lei determina que os factos

sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo –

art. 5º/1 Cód RP.

• Com o registo, o adquirente vê plenamente consolidada a sua posição, uma vez que

passa a poder opor eficazmente o seu direito perante terceiros, o que antes lhe estava

de alguma forma vedado.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

77

Conceito de Terceiro, para efeitos do registo:

• Conceção ampla – AV, Henrique Mesquita, Carvalho Fernandes – todos aqueles que

tenham adquirido e conservado direitos sobre os imóveis, que seriam lesados se o ato

não registado produzisse efeitos em relação a eles.

• Conceção restrita – Manuel de Andrade, Orlando Carvalho – todos aqueles que

tivessem adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

Art. 5º/457 adota esta conceção restrita e dá a definição. Ex: se A vendeu a

B e depois A vendeu a C, e C registou primeiro, C beneficia da proteção do art.

5º pois é um terceiro

Eficácia consolidativa não põe em causa os princípios da consensualidade e da causalidade do

art. 408º CC.

• O art. 4º/1 permite opor eficazmente a sua aquisição à outra parte.

• O art. 5º/4 especifica quem é terceiro, pelo que poderá opor livremente o seu direito a

quem tenha direitos não incompatíveis com o seu (como o locatário de imóvel) ou

quando os direitos não provêm de um autor comum (como no esbulho – A vende a B,

que não regista; B é esbulhado por C e pode invocar a sua propriedade perante C – a

penhora efetuada pelos credores do alienante e a venda judicial realizada após a

penhora).

o A inoponibilidade a terceiros, no sentido registal do termo, dependerá de estes

terem efetuado uma aquisição a título oneroso, procedido ao seu registo e

sempre de boa fé – a consequência é que um titular de um direito não registado

poderá sempre opor a sua aquisição a quem não tenha igualmente registado a

sua aquisição, ou tenha adquirido a título gratuito ou se encontre de má fé.58

▪ Mas o art. 5º/1 não fala em boa fé nem em onerosidade – doutrina é

que exige a boa fé e a onerosidade porque os outros caos de aquisição

tabular têm essa exigência.

▪ Daí que este artigo seja discutido como tendo 2 efeitos: consolidativo +

atributivo

Registo Aquisitivo / Atributivo = Aquisição Tabular Fundamenta-se na Fé Pública59 do Registo e na proteção de terceiro que confiou na aparência

de uma situação registal desconforme à realidade substantiva – ocorrendo a aquisição de um

direito em desconformidade com a realidade substantiva.

• Há registo com eficácia aquisitiva de direitos (direito atribuído pelo registo) – torna-se

titular de um direito pelo facto e ter situação registada a seu favor.

Art. 5º/1 – resulta de que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros

depois da data dos respetivos registos.

57 Após vários Acórdãos de Unificação de Jurisprudência com soluções diversas entre si o legislador decidiu definir o conceito – sendo criticado por MC e Carvalho Fernandes 58 AV dispensava o requisito da gratuitidade e da boa fé por considerar que não se deve impor ao terceiro maior diligência do que a consulta do registo, onde o direito aparece inscrito em nome do alienante. 59 Esta situação é uma exceção. Princípio da consensualidade continua a ser a regra no nosso sistema, em que a realidade substantiva prevalece, sendo a Fé Pública uma exceção.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

78

• Devido ao art. 5º/4, aplica-se à dupla alienação ou oneração de um bem, levando a que

a disposição posterior que tenha sido previamente registada prevaleça sobre a anterior,

que não foi registada.

• A segunda disposição é nula e não poderia permitir a aquisição da propriedade –

portanto, é o registo que permite que a propriedade seja adquirida pelo adquirente

na segunda disposição, através da aquisição tabular.

Doutrina maioritária exige, para a aquisição tabular, que a segunda disposição seja realizada a

título oneroso e de boa fé – sem isto, o direito do primeiro adquirente não pode ser posto em

causa

Requisitos JAV:

1º. Registo desconforme à realidade substantiva

2º. Ato de disposição praticado com base na situação desconforme

3º. Boa fé de terceiro

4º. Caráter oneroso do negócio jurídico

5º. Terceiro regista a sua aquisição antes do registo do facto aquisitivo do titular do Direito

Real

Art. 17º/2 – no caso de existir boa fé do terceiro e a sua aquisição tiver ocorrido a título

oneroso, o seu direito como sub-adquirente não é posto em causa pela declaração de nulidade

da prévia inscrição, em virtude da necessidade de proteger aqueles que confiaram na validade

do registo.

JAV: subaquisição com nulidade registal – 5 requisitos no artigo

Doutrina entende que quando se pede a nulidade do registo, mesmo estando num caso do art.

291º CC, utiliza-se o art. 17º/2 devido a esse pedido de invalidar o registo.

Art. 122º - devido à necessidade de proteção daquele que confiou na exatidão de um registo,

tendo efetuado com base no mesmo uma aquisição de boa fé e a título oneroso.

• Portanto, aquele que registou a sua aquisição antes da retificação ou da pendência do

processo, não vê o seu direito afetado pela posterior retificação da prévia inscrição.

JAV: subaquisição com registo inexacto

A

•regista

B

•registo inválido

C

•registo aparentemente inválido- válido

B •não regista

C•regista

•adquire

A

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

79

Art. 291º CC – já não se refere à invalidade registal, mas antes à invalidade substantiva,

havendo um conflito entre o transmitente no primeiro negócio inválido e um sub-adquirente

num segundo contrato, que vem a ser afetado em consequência da invalidade do primeiro

contrato.

JAV: subaquisição com invalidade substantiva

Se não se exigisse o registo antes da ação de nulidade, o terceiro não podia ser tutelado

porque poderia saber que o direito de quem lhe está a vender esta a ser posto em causa.

Terceiro é menos tutelado devido à possibilidade de registo em 3 anos (art. 291º/2)

• OA – aplica analogicamente, por maioria de razão, o art. 291º/2 a casos de invalidade

registal, exigindo para estes também o prazo de 3 anos.

• MC, Carvalho Fernandes – aplicação do prazo de 3 anos reside no facto de o art. 291º

não exigir a prévia existência de um registo desconforme, pelo que merece menos

proteção a confiança de um terceiro em relação à regularidade da sua aquisição. Art.

291º não se aplicaria aos casos em que já existisse um registo desconforme a favor do

adquirente (valendo aí o art. 17º/2 Cód RP).

o ML: efetivamente não se justifica aplicar o art. 291º sempre que se verifique a

prévia existência de um registo desconforme, caso em que a situação jurídica do

terceiro merece proteção antes do prazo de 3 anos.

o Todos os casos de existência de um negócio prévio desconforme deverão ser

antes regulados pelo art. 17º/2 Cód RP.

• Saraiva Matias – art. 17º/2 apenas se pode aplicar quando se utiliza art. 16º Cód RP.

Sempre que não haja registo ou este seja inválido aplica-se o art. 291º CC.

Posição do titular do direito real preterido pela aquisição tabular de terceiro

• OA: aquisição tabular funciona como facto resolutivo em relação à primeira aquisição,

extinguindo consequentemente o respetivo direito.

• MC: não se verifica a extinção do direito, mas antes uma mera inoponibilidade, uma vez

que quem registou previamente beneficia de uma presunção iuris et de iure de

titularidade do direito, enquanto subsistirem as condições de que ela depende. Em

consequência, o proprietário poderia recuperar outra vez a coisa em caso de devolução,

renúncia de terceiro ou transmissão para adquirente de má fé.

• Carvalho Fernandes: hipóteses de revivescência do direito referidas por MC são de

difícil verificação mas não inadmissíveis e devem ser ponderadas. Nesse caso, existira

ato jurídico praticado pelo adquirente com base no registo que funcionaria como facto

impeditivo pleno da verificação da presunção iuris et de iure, e que permitiria a

recuperação do direito, mas apenas após verificação desse ato.

A

• regista

B

• regista

C

• não regista

D

• regista

• adquire mesmo com a invalidade de A e B

Contrato inválido substantivamente

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

80

• ML: não é aceitável a tese da sobrevivência do direito real preterido = JAV

o Aquisição tabular atribui o direito real em termos definitivos ao adquirente

com base no registo, sendo em consequência extinto o direito real anterior,

por ser com ele incompatível.

▪ Mesmo que o adquirente com base no registo optasse por devolver a

coisa ao adquirente substantivo, haveria aí um novo facto aquisitivo do

direito, que não elidiria a extinção anterior.

Registo Enunciativo Registo não atribui eficácia consolidativa ao direito, podendo ser oposto a terceiros

independentemente do registo.

➢ Função do registo é de apenas dar publicidade à situação.

Casos do art. 5º/2

• Usucapião – uma vez verificada suplanta todos os registos (usucapio contra tabulas)

• Servidões aparentes – publicidade assegurada por sinais visíveis e permanentes que as

demonstram e permitem o seu conhecimento por terceiros, independentemente do

registo

• Bens indeterminados – não faria sentido dar eficácia consolidativa antes do bem estar

determinado

Registo Constitutivo

Regra do sistema é a de que o registo não tem eficácia constitutiva ou extintiva de direitos,

não podendo pois atribuí-los nem retirá-los.

➢ Único caso de registo constitutivo: Hipoteca – art. 4º/2 (na sequência do art. 687º CC)

o ML: constituição da hipoteca é facto complexo, sendo que o registo funciona

como um dos elementos necessários para que essa constituição ocorra.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

81

PROPRIEDADE

Direito real máximo – direito real com o maior conteúdo possível e mais importante dos

direitos reais.

➢ É o paradigma, não apenas dos direitos reais como dos direitos subjetivos em geral.

Art. 1305º - Conteúdo do Direito de Propriedade Faculdades de:

• Uso – todas as modalidades de aplicação direta da coisa, determinando o

aproveitamento da coisa para os fins que entender, sem prejudicar essa mesma coisa;

• Fruição – perceção de todos os frutos e produtos de uma coisa, sem prejuízo da sua

substância, permitindo ao proprietário obter determinado rendimento da coisa,

melhorando a sua condição económica;

• Disposição – compreende a transformação da coisa (alteração de forma ou substância),

a alienação (transmissão da coisa para terceiros) ou oneração (constituição de direitos

reais limitados sobre a coisa) e a extinção do direito sobre ela (através do abandono ou

destruição).

Este conteúdo não é ilimitado e está sujeito aos limites e restrições da lei, que são genéricos

para os Direitos Reais.

Características do Direito de Propriedade 1. Cariz Indeterminado – propriedade abrange uma série de faculdades, permitindo ao

proprietário não apenas excluir os outros de qualquer ingerência em relação à coisa,

mas também dispor dela, como quiser, sem outras restrições que não as que resultem

da lei ou do respeito de outros direitos subjetivos.

➢ Poderes são indeterminados por oposição aos direitos reais menores, que têm

conteúdo preciso60.

2. Exclusividade – não necessita de concorrer com qualquer outro direito incidente sobre

a coisa, sendo um direito de gozo exclusivo sobre a mesma e independente de qualquer

outro direito real. Ex: não é como o usufruto e a superfície que concorrem com a

propriedade, reduzida a nua propriedade

3. Elasticidade – proprietário pode privar-se ou ser privado de alguma das faculdades

integrantes do seu direito, podendo a propriedade ser comprimida e dilatada à medida

que vão sendo constituídos ou extintos ónus e limitações que sobre ela incidam.

A Perpetuidade não é uma característica defensável no direito português, que admite a

propriedade temporária nos casos previstos na lei (art. 1307º/2). Ex: fiduciário (art. 2290º) e

propriedade sob condição (art. 1307º/1).

Formas de Aquisição da Propriedade Ocupação – art. 1318º, 1ª parte Reconduz-se apenas às coisas móveis que não pertencetes a ninguém:

• Res nullius – coisas que nunca tiveram dono

• Res derelictae – coisas que foram abandonadas

60 OA discorda

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

82

Natureza voluntária da ocupação, sendo qualificada como um ato jurídico.

➢ ML: não se exige a intenção aquisitiva específica, sendo a ocupação um ato jurídico

simples, nos termos do art. 295º. Ex: mesmo que não se queira ser proprietário, ao

ocupar já tem a propriedade

Ocupação de animais

• Art. 1319º

• Art. 1320º

• Art. 1322º

Achamento – art. 1318º, 2ª parte Distingue-se da Ocupação pois não diz respeito a res nullius, mas antes a coisas que o dono

perdeu ou escondeu.

➢ Uma vez que ainda não se verificou um ato voluntário dirigido à extinção da

propriedade, esta ainda não se perdeu, pelo que a sua aquisição pelo achador está

sujeita a regime especial.

Art. 1323º - animais e coisas móveis perdidas

Art. 1324º - tesouros

Aquisição de Imóveis pelo Estado – art. 1345º A. MC, Henrique Mesquita: há reversão automática para o Estado, passando os imóveis,

a partir do momento em que se desconhece o seu dono, a fazer parte do seu domínio

privado.

➢ ML: o Estado está dispensado de preencher os requisitos da usucapião, inserindo

no seu domínio privado todos os imóveis cujo dono seja desconhecido. Tal não

impede a aquisição posterior por particulares, quando invoquem usucapião.

B. OA, Carvalho Fernandes: há simples presunção de propriedade do Estado, que

qualquer pessoa poderia ilidir, uma vez que a aquisição pelo Estado se verifica nos

termos gerais com a usucapião.

Propriedade sobre as Águas – art. 1385º e ss. O proprietário do prédio onde surgem as águas tem a faculdade de as aproveitar (art. 1389º).

• Considera-se título justo de aquisição da água qualquer meio legítimo de adquirir a

propriedade de coisas imóveis ou constituir servidões (art. 1390º/1), na lógica de PL /

AV em que a configuração do direito à água que nasce do prédio alheio depende do

título da sua constituição.

o Rejeição da doutrina de Guilherme Moreira segundo a qual o direito à água que

nasce num prédio alheio é sempre direito de propriedade e não de servidão.

Constituição de direito de propriedade sobre as águas de fontes e nascentes depende da

verificação dos factos aquisitivos previstos no art. 1316º.

O art. 1390º/2 esclarece quanto à usucapião.

O art. 1390º/3 esclarece quanto à partilha/divisão de prédios.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

83

Os donos dos prédios para onde derivam as águas vertentes de qualquer fonte ou nascente

podem aproveitá-las (art. 1391º).

Restrições quanto ao aproveitamento (art. 1392º)

Regime especial das águas subterrâneas (art. 1394º)

Natureza do Direito de Propriedade A. Teoria da Pertença/Sujeição – toma-se em consideração a relação que se estabelece

entre a pessoa e a coisa.

• Conceção qualitativa.

• Defendida por Neuner, Windscheid.

B. Teoria do Domínio/Senhorio – toma-se em consideração as faculdades que sobre a

coisa são atribuídas ao senhorio.

• Conceção quantitativa.

• Defendida por Guilherme Moreira, Henrique Mesquita, OA.

i. ML: propriedade pode ser definida como o direito real, que permite

ao seu titular, dentro dos limites da lei, o aproveitamento pleno e

exclusivo de todas e quaisquer utilidades proporcionadas por uma

coisa corpórea.

JAV: não opta por nenhuma das formulações.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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PROPRIEDADE HORIZONTAL

Novo Direito real que faz coexistir sobre o mesmo edifício dois tipos de faculdades distintas dos

condóminos.

• Faculdades correspondentes à propriedade exclusiva sobre uma fração autónoma do

prédio;

• Faculdades correspondentes à compropriedade sobre as partes comuns do edifício.

Surge com a construção em altura, que gerou a necessidade de atribuir a propriedade separada

do seu andar (apartamento) a cada proprietário, que é o que está na base do surgimento do

instituto da propriedade horizontal.

Requisitos Legais e Partes Comuns do Prédio É necessário que o edifício que se quer constituir em propriedade horizontal tenha condições

para tal – tem que poder ser divido em frações, que constituam unidades independentes.

Art. 1438º-A: permite aplicar o regime da propriedade horizontal a conjunto de edifícios

• Não há referências à possibilidade de, num mesmo edifício se constituírem vários

condomínios, em virtude de algumas partes comuns servirem apenas certas partes do

edifício.

• Nem há referência quanto a estabelecimento de condomínio complexo, quando existam

ligações entre os imóveis que justifiquem o estabelecimento de um único condomínio.

Art. 1415º: exige que as frações autónomas sejam idóneas a constituir objeto do gozo exclusivo

por parte dos condóminos

Art. 1421º: Partes Comuns

• Art. 1421º/1 – partes que são fundamentais para o uso comum do prédio, não sendo

possível estipular a sua atribuição em propriedade exclusiva a qualquer condómino.

a) Solo = área em que assenta o edifício; Alicerces = construções realizadas no

subsolo61 com o fim de elevar e regular o edifício, como obras de sustentação

ou caves; Paredes mestras = servem de esqueleto ao edifício e dão-lhe

suporte62.

b) Telhado = conjunto de traves cobertas por telhas serve de cobertura a toda a

construção.

c) Basta que alguma zona de comunicação sirva mais de um condómino para se

considerar parte comum.

• Art. 1421º/2 – presunção que pode ser ilidida se o título constitutivo dispor

diferentemente, ou atendendo-se às características específicas do imóvel.

• Art. 1221º/3 – parte mantém-se comum mas exclusivamente afeta à utilização por um

condómino.

61 ML: Subsolo é comum pelo que impede os proprietários dos pisos térreos de os escavar profundamente. 62 Doutrina e jurisprudência têm entendido que as paredes exteriores ao prédio (paredes perimetrais) são obrigatoriamente partes comuns mesmo que não desempenhem a função de paredes mestras.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

85

Constituição da Propriedade Horizontal

Art. 1417º

• Negócio Jurídico – inter vivos ou mortis causa. Por escritura pública ou documento

particular autenticado (art. 22º DL 116/2008) ou documento particular ao abrigo de

procedimento especial de transmissão, oneração e registo (DL 263-A/2007, Portaria 794-

B/2007 ex vi Portaria 1167/2010).

o Forma mais comum é NJ unilateral do proprietário, podendo tal ocorrer até

antes da própria constituição do edifício (caso em que registo é lavrado

provisoriamente – art. 92º/1/b Cod RP).

o Sujeito a condição suspensiva de verificação da alienação de uma das frações a

terceiro, uma vez que só haverá constituição da propriedade horizontal a partir

do momento em que haja frações pertencentes a proprietários diversos63.

• Usucapião – aquisição por usucapião duma fração autónoma implicará a sujeição de

todo o edifício ao regime da propriedade horizontal. Tem que se preencher os requisitos

do art. 1415º, caso contrário a usucapião implica apenas a constituição de uma situação

de compropriedade.

• Decisão judicial – art. 1417º/2 – como nos casos de ação de divisão da coisa comum ou

em processo de inventário, por sentença nos casos de execução específica de contrato-

promessa e etc.

• Construção sobre edifício alheio – art. 1526º - propriedade horizontal constituída em

resultado de um facto complexo de formação sucessiva: negócio constitutivo de direito

de superfície relativo à construção sobre edifício alheio e a realização da construção

sobre o edifício ao abrigo desse direito.

Título Constitutivo Ato modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real

– art. 1418º

Art. 59º Cód Notariado – só se pode constituir propriedade horizontal por documento passado

pela câmara municipal comprovando que as frações autónomas satisfazem os requisitos legais.

Art. 62º Cód Notariado – tem de se exibir documento comprovativo da inscrição no Cód RP64

Incumpridos os requisitos legais, o título constitutivo é nulo e sujeita-se o prédio ao regime da

compropriedade, atribuindo a cada consorte a quota que lhe tiver sido fixada pelo art. 1418º

ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fração (art. 1416º/1).

➢ Conversão legal automática

Também há nulidade pelo art. 1418º/3

➢ Legitimidade para arguir a nulidade – art. 1416º/2

63 Até lá o dono do prédio fica como proprietário pleno pois não faz sentido aplicar as restrições da propriedade horizontal enquanto não existirem outros condóminos. 64 Art. 82º/2 e ss.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Condomínio Além do título constitutivo, a propriedade horizontal é regulada pelo Regulamento do

Condomínio – disciplina o uso, a fruição e a conservação das partes comuns e das frações

autónomas.

➢ Havendo mais de 4 condóminos, é obrigatório esse regulamento, competindo à

Assembleia de condomínio ou Administrador (art. 1229º-A)

Poderes Art. 1420º - cada condómino tem um direito incindível sobre dois direitos (proprietário

exclusivo da sua fração + comproprietário das partes comuns do prédio), não podendo ocorrer

a sua alienação separada ou renúncia às partes comuns.

➢ Propriedade horizontal não é mero somatório destes dois direitos, mas sim uma figura

autónoma que, em certos aspetos, até se afasta muito dos direitos com base no qual se

molda.

1. PODERES RELATIVO À FRAÇÃO Atribui-se ao condómino, de modo pleno e exclusivo, os poderes de uso, fruição e disposição

da fração (art. 1305º).

• Na realidade, isso é limitado:

o Uso tem de respeitar o fim a que a fração se destina (art. 1422º/2/b).

o Fruição também não pode ser para qualquer fim.

o Transformação não pode prejudicar a segurança, linha arquitetónica ou arranjo

estético do edifício (art. 1422º/2/a).

• Portanto, poderes dos condóminos sobre as suas frações são muito inferiores aos

poderes que o proprietário possuiria sobre as mesmas partes do edifício, se este não

estivesse constituído em propriedade horizontal.

2. PODERES RELATIVOS ÀS PARTES COMUNS

Remissão para o regime da Compropriedade (art. 1420º/1) tem um alcance mais restrito:

• Não se admite a renúncia liberatória (art. 1411º/2 e 3 vs. art. 1420º/2);

• Não há direito de preferência nem de solicitar a divisão da coisa comum (art. 1409º e

1411º vs. art. 1423º);

• Há sistema de órgãos para a gestão do condomínio (art. 1407 e 985º vs. 1430º).

Aplica-se o regime dos art. 1406º/1 e 2

➢ Embora a inversão do título da posse nunca poderia constituir usucapião das partes

comuns, uma vez que tal se mostraria contrário ao regime da propriedade horizontal.65

Limitações aos Poderes – art. 1420º Condóminos estão sujeitos às restrições que incidem sobre os proprietários (art. 1346º e ss.) e

estão até acentuadas, dada a proximidade física das frações – art. 1420º/1.

Há limitações específicas – art. 1420ª/2:

c) Fim é o que se encontra estabelecido no título constitutivo, que delimita a função

atribuída a cada fração autónoma, não podendo utilizá-la para fim distinto.

65 Ex: uso continuado de lugares de estacionamento por um dos condóminos não constitui posse exclusiva dos mesmos.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Se especificar, o conteúdo do registo prevalece, devido à natureza real e eficácia

erga omnes do estatuto que nele se contém – é oponível a terceiros se tiver sido

registado (art. 83º/1/c Cód RP).

• Autorização do art. 1422º/4 não pode desrespeitar o art. 1418º/3 e o que foi

fixado no projeto pela entidade pública competente.

d) autonomia nas limitações que podem estabelecer em relação aos seus próprios

poderes como a proibição do arrendamento para determinados fins, a posse de certos

animais domésticos, a emissão de ruídos a partir de certa hora, o estender da roupa nas

varandas ou janelas da fachada principal.

Obrigações

ENCARGOS DE CONSERVAÇÃO, USO E FRUIÇÃO DAS PARTES COMUNS – art. 1424º

Estas despesas e a respetiva cobrança de receitas cabe ao administrador (art. 1436º/1/d), mas,

quando se tratar de reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns, na falta de

iniciativa do administrador, pode ser feito por qualquer condómino (art. 1427º).

Provisão para pagamento das despesas do condomínio – prática social levou a instituir-se esta

regra de prestação mensal.

➢ Funciona como adiantamento e o administrador pode ainda reclamar o pagamento do

restante quando as prestações não cheguem para cobrir as despesas com reparações e

etc.

Fundo Comum – obrigatório pelo art. 4º/1 DL 268/94 como reserva para custear as despesas de

conservação.

➢ Assembleia de condóminos deve administrar este fundo comum de reserva, depositado

em instituição bancária.

PAGAMENTO DE SERVIÇOS DE INTERESSE COMUM – art. 1424º

SEGURO DO CONDOMÍNIO – art. 1429º Apesar de o único obrigatório ser o contra incêndios, a prática institui a celebração de seguro

multi-risco.

➢ Objeto de atualização anual pelo art. 5º DL 268/94

ENCARGOS COM INOVAÇÕES – art. 1425º e 1426º Obras que impliquem alterações na forma ou substância do imóvel. Ex: arrecadações apoiadas

em paredes exteriores, colocação de escadas de ferro amovíveis nessas paredes e etc.

➢ Despesas com inovações ficam a cargo dos condóminos nos termos do art. 1426º/1 e

1424º, nelas participando também os condóminos que não aprovaram a inovação (art.

1426º/2).

Administração das partes comuns

Compete à Assembleia de Condóminos e a um Administrador (art. 1430º/1) – órgão

deliberativo + órgão executivo.

➢ Através destes órgãos são executadas todas as competências do condomínio relativas

às partes comum, que deixam de competir aos condóminos individualmente.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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➢ Quanto a cada fração autónoma, cabe a cada proprietário decidir como são

administradas – é ineficaz qualquer deliberação face às frações autónomas.

➢ Conjunto de condóminos é responsabilizado, com culpa presumida nos termos do art.

493º/1.

ASSEMBLEIA DOS CONDÓMINOS Órgão deliberativo composto por todos os condóminos, tendo cada condómino tantos votos

quanto for o valor da percentagem ou permilagem do art. 1418º (art. 1430º/2).

Toma posição sobre todas as questões relativas às partes comuns, encarrega o administrador

de as executar (art. 1436º/h) e fiscaliza a sua atividade, quer através da aprovação das suas

contas (art. 1431º), quer revogando os seus atos por via de recurso (art. 1438º).

Reuniões – art. 1431º

Convocação e funcionamento – art. 1432º

Deliberações contrárias à lei – art. 1433º

ADMINISTRADOR Órgão executivo da administração das partes comuns do condomínio, cabendo-lhe

desempenhas as funções previstas no art. 1436º, as outras que a lei impende sobre ele e as

funções de que venha a ser encarregado pela assembleia.

➢ É remunerável (art. 1435º/4) quer desempenhado por condómino como por terceiro.

Eleição – art. 1435º; art. 1435º-A

Funções

• Administração corrente das partes comuns do edifício – art. 1436º/c, f, g, m66

• Gestão financeira do condomínio – art. 1436º/b, d, e

• Funções de execução – art. 1436º/1, h

• Poderes de representação do conjunto dos condóminos – art. 1436º/i, 1437º

Não se pode substituir aos condóminos e exercer direitos que a estes competem, relativamente

às suas frações autónomas.

➢ Questões de relações de vizinhança entre frações autónomas não cabe ao

Administrador resolver.

Modificação e Extensão Regime da propriedade horizontal pode ser modificado através de alterações ao seu título

constitutivo, ainda que, de acordo com o princípio da autonomia privada, se exija o acordo de

todos os condóminos.

➢ Art. 1419º + Art. 1422º-A

Extingue-se por:

• Acordo entre condóminos – aplica-se a todo o edifício a compropriedade;

66 Além de providenciar pela realização das obras necessárias à conservação das partes comuns (art. 89º RJUE) pelo que o mesmo se constituirá em responsabilidade civil se em consequência do incumprimento desse dever ocorrerem danos parar qualquer condómino ou terceiro.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Concentração de todas as frações autónomas na propriedade de uma pessoa – pois é

pressuposto essencial do instituto a existência de proprietários diversos;

• Destruição do edifício – art. 1428º.

Natureza da Propriedade Horizontal • Teoria do Condomínio como pessoa coletiva – países anglo-saxónicos, Pinto Duarte –

pessoa rudimentar devido aos poderes representativos do administrador, à sua

capacidade judiciária ativa e passiva e à personalidade judiciária que a lei reconhece ao

condomínio.

➢ ML: não há património próprio.

• Teoria da Compropriedade – Cunha Gonçalves – apesar de cada fração ter o seu

proprietário, tal não prejudica a existência de uma compropriedade sobre o condomínio

no seu conjunto, tanto mais que partes importantes do imóvel permanecem em estado

de indivisão perpétua e forçada.

➢ ML: o regime das partes comuns afasta-se da compropriedade e têm função

instrumental em relação ao gozo exclusivo das frações autónomas. E elas

podem ser de gozo exclusivo de certos condóminos.

• Teoria da Propriedade Especial – PL / AV, OA – é propriedade com limitações especiais

em que se conjuga propriedade e compropriedade (propriedade é essencial e

compropriedade é instrumental).

➢ ML: relações de vizinhança são mais intensas que na propriedade comum e há

órgãos destinados à administração

• Teoria Dualista – Mota Pinto – concurso entre dois direitos

➢ ML: os direitos são incindíveis, não sendo somatório e sim direito novo

• Teoria do Direito real complexo – OA, MC – direito real que combina a propriedade e a

compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir unidade nova.

➢ ML: não é mera conjugação de realidades e sim um regime legalmente

estabelecido, em que se aplicam as regras da propriedade e compropriedade

quando para lá é remetido.

• Teoria do Direito real de gozo típico – Henrique Mesquita, Carvalho Fernandes, ML –

novo modelo de direito real de gozo que, embora mantenha similitudes com a

propriedade singular e a compropriedade, traduz uma síntese que se espelha

num regime jurídico específico, com particularidades que não encontram

justificação em nenhuma daquelas figuras, sendo, portanto, um direito real de

gozo típico.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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USUFRUTO

Art. 1439º - Direito Real menor, que embora atribua a plenitude das faculdades de gozo

relativas à coisa, só o faz temporariamente, e não permite ao usufrutuário a alteração da sua

forma e substância.

Remonta ao antigo Direito Grego e evoluiu pelo Direito Romano, não tendo sofrido grandes alterações na

Idade Média sendo posteriormente codificado na época das codificações.

Características e Objeto 1. Direito que atribui gozo pleno da coisa – compreende qualquer utilidade que se retire

da coisa, seja usando-a ou apropriando-se dos seus frutos, seja permitindo a terceiro

esse gozo.

• Beneficia da generalidade dos poderes de gozo que a coisa seja suscetível de

proporcionar, não sendo o seu gozo circunscrito a determinadas faculdades.

2. Direito não exclusivo – incide sobre direito alheio, concorrendo com a propriedade,

sendo limitado por esse outro direito.

3. Direito temporário – tem limites máximos de duração

• Art. 1443º

• A morte do titular ou decurso do prazo extinguem o usufruto (art. 1576º/1/a)

i. Permite-se o usufruto simultâneo e sucessivo e o direito de acrescer

(art. 1441º e 1442º).

4. Limitado pela proibição de alteração da forma ou substância da coisa – articula-se com

o art. 1446º (respeito pelo destino económico da coisa).

• OA: exigência mais genérica é a do art. 1439º, que faz parte do próprio tipo do

usufruto, enquanto a do art. 1446º é disposição supletiva e pode ser afastada.

i. ML: é a proibição de alteração de forma e substância que faz parte do

tipo legal do usufruto, sendo o respeito pelo seu destino económico uma

disposição supletiva, cuja observância não se afigura essencial.

• MC: art. 1439º é definição legal e não tem natureza imperativa, pelo que o

usufruto não está vinculado a respeitar a forma e substância mas sim o destino

económico da coisa.

O Usufruto pode ser de uma coisa ou de um direito.

Direito do usufrutuário apenas tem natureza real se incidir sobre coisas corpóreas, uma vez

que só neste caso pode ser exercido diretamente sobre a coisa e é oponível a qualquer

terceiro, incluindo o proprietário de raiz.

➢ Se não incidir sobre coisas corpóreas não tem natureza real e pode corresponder a um

direito sobre bens imateriais ou mesmo a um direito de crédito.

Os direitos do usufrutuário podem ficar limitados por um direito com base no qual se constitui

um usufruto a favor de terceiro.

➢ Assim, um usufruto constituído sobre um direito de superfície não atribui ao

usufrutuário qualquer direito sobre o solo, apenas lhe permite exercer

temporariamente sobre a coisa as faculdades que competiam ao superficiário.

➢ Pode ser constituído sobre uma quota em compropriedade – tem que haver

consentimento dos outros comproprietários (art. 1408º).

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Constituição do Usufruto – art. 1440º

Aquisição derivada constitutiva

• Contrato – pode resultar de um contrato de alienação, de entrada em sociedade ou de

contrato de renda perpétua ou vitalícia.

o Atribuição do Usufruto (constituição per translationem): sempre que alguém

constitui a favor de outrem um usufruto e reserva para si a nua propriedade.

o Reserva do Usufruto (constituição per deductionem): sempre que alguém

atribua a nua propriedade a outrem e reserve para si o usufruto.

▪ Pode ainda ocorrer a atribuição simultânea do usufruto e da nua

propriedade a adquirentes distintos – alienante deixa de ter qualquer

direito sobre a coisa.

o Sujeito a escritura pública ou documento particular autenticado – art. 22º/a DL

116/2008

• Testamento – pode estabelecer-se uma Atribuição ou Reserva de Usufruto

o Usufrutuário é sempre legatário (art. 2030º/4).

Aquisição Originária

• Usucapião – nos termos gerais dos art. 1287º e ss., bastando para tal que a respetiva

posse não seja exercida nos termos da propriedade, mas apenas nos termos de

usufruto.

Poderes do Usufrutuário – art. 1446º Faculdade de usar a coisa: poder de vasta amplitude de usar a coisa e equipara-se ao do

proprietário, tendo apenas a limitação do respeito pela substância e pela forma e

supletivamente pelo destino económico.67

• Estes limites compreendem-se em função do cariz temporário do usufruto, sendo que o

respeito pelo destino económico tem a ver com a tutela da expetativa do proprietário

de que a coisa não venha a ser alterada quanto à função económica que este lhe

atribuiu.

• Outros limites que têm de ser respeitados é os instituídos no título constitutivo (art.

1445º).

• São abrangidos pelo poder de uso da coisa as coisas acrescidas e todos os direitos

inerentes à coisa usufruída (art. 1449º).

Faculdade de fruir a coisa: poder de perceber os frutos da coisa, nos termos amplos deste

conceito (art. 212º).

Usufrutuário adquire a propriedade dos frutos a partir do momento em que eles são separados

da coisa, podendo a partir desse momento exercer sobre os frutos todos os poderes que

competem ao proprietário.

• Fruição natural – enquanto permanecem ligados à coisa-mãe, os frutos naturais

pertencem ao proprietário, tendo o usufrutuário apenas o seu usufruto.

67 Se o usufrutuário infringir estes direitos é responsável perante o proprietário nos termos da responsabilidade civil delitual (art. 483º).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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o Mas, esta faculdade permite perceber esses frutos e a aquisição automática da

sua propriedade, a partir do momento em que ocorra a separação da coisa (por

ação do usufrutuário ou causas naturais).

o Explica o art. 1448º

• Fruição civil – não depende de atos materiais de separação da coisa, mas antes da

atribuição de um direito de crédito à contrapartida pela concessão do seu uso, tenha o

respetivo contrato sido celebrado pelo usufrutuário ou previamente pelo proprietário.

Faculdade de disposição: há alguns poderes de disposição por parte do usufrutuário

• Art. 1444º/1 – trespasse a terceiro – usufrutuário pode alienar o seu direito a outrem,

seja a título oneroso ou gratuito, temporariamente ou estendida a toda a futura duração

do usufruto (mas não pode extravasar os limites temporais desse direito).

• Art. 1444º/1 – oneração do seu direito – pode constituir sobre ele direitos reais

menores de gozo (sub-usufruto; art. 1460º; etc.), de direitos reais de garantia ou de

direitos pessoais de gozo.

o Encargos limitados pela duração do próprio usufruto, extinguindo-se em

resultado da sua extinção.

• Art. 1476º/1/e – pode extinguir o seu direito por renúncia

Obrigações do Usufrutuário Obrigações de natureza propter rem

1. Obrigação de inventariar os bens objeto do usufruto – art. 1468º/a – enumerar e

descrever as coisas móveis e imóveis objeto do usufruto, sendo instrumental em relação

à definição do âmbito do seu direito de usufruto, bem como do objeto a restituir após a

sua extinção.

a. Deve ser assistido pelo proprietário de raiz ou com citação deste, para evitar

divergências entre os dois.

b. Consequências é a de que o usufrutuário não pode legalmente exercer as

faculdades correspondentes ao usufruto e se o fizer, responde perante o

proprietário de raiz.

2. Obrigação de prestação de caução – art. 1468º/b – cautio usufructuaria.

a. Não é exigida nos casos de usufruto per deductionem, podendo, nos outros

casos, ser dispensada no título constitutivo (art. 1469º).

b. Consequências (art. 1470º) – usufrutuário fica sem a faculdade de usar os

imóveis e limita-se a fruição; fica sem a faculdade de usar os móveis. Legitima-

se ainda o proprietário a solicitar outras medidas adequadas à tutela dos bens,

em conformidade com a sua natureza e características.

3. Obrigação de consentir a realização pelo proprietário de obras e melhoramentos na

coisa – art. 1471º

4. Obrigação de suportar as despesas de administração e as reparações ordinárias – art.

1472º

5. Dever de avisar o proprietário em relação a reparações extraordinárias – art. 1473º

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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6. Obrigação de pagar os impostos e outros encargos anuais que incidam sobre o

rendimento dos bens usufruídos – art. 1474º - dado que é o usufrutuário que aufere,

durante o período de duração do usufruto, os rendimentos daquele bem.

7. Dever de avisar o proprietário de qualquer facto de terceiro de que tenha notícia,

sempre que ele possa lesar os direitos do proprietário – art. 1475º - dever específico

de custódia da propriedade de raiz em relação ao usufrutuário. Não tem de procurar

ativamente esse conhecimento, só é obrigado a comunicar quando estes factos chegam

ao seu conhecimento.

8. Dever de restituir a coisa, findo o usufruto – art. 1483º - que pode ser suspenso, se

houver direito de retenção a favor do usufrutuário, designadamente em virtude de

benfeitorias realizadas na coisa.

Direitos do Proprietário de Raiz Permanece titular da propriedade sobre o bem, ainda que esta esteja comprimida em

consequência do usufruto.

• Pode praticar todos os atos que não impeçam nem limitem o uso da coisa por parte do

usufrutuário.

• Pode reagir contra o mau uso da coisa por parte do usufrutuário.

o Não acarreta logo a extinção do usufruto mas se se tornar prejudicial pode exigir

que a coisa seja entregue – art. 1482º

• Pode dispor do seu direito, transmitindo-o ou onerando-o, mas não podem estes afetar

o usufruto.

o Caso das servidões prediais – art. 1460º/2

Extinção do Usufruto – art. 1476º a) Morte do usufrutuário: uma vez que o usufruto não é um direito transmissível mortis

causa (art. 2025º/1).

• Pode é desencadear-se ou constituir-se usufruto na esfera de terceiro, caso

tenha sido estipulado o usufruto sucessivo (art. 1444º) ou ocorra acrescer (art.

1442º).

• Também com a morte presumida (art. 115º/1).

• No caso de trespasse, o usufruto extingue-se com a morte do alienante pois o

direito não ultrapassa a vida deste68.

Termo do Prazo: usufruto extingue-se na data estabelecida.

• Se usufrutuário morrer antes desta data, extingue-se usufruto.

• Se se estabelecer usufruto até idade de um terceiro, usufruto durará pelos anos

prefixos, mesmo que a pessoa venha a falecer sem atingir essa idade (art.

1477º).

b) Reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa: extingue-se o usufruto por

confusão

68 Se adquirente do trespasse falecer antes do alienante:

• Carvalho Fernandes – extingue-se o usufruto. Atenta ao art. 1444º/2

• OA, ML – direito de usufruto transmite-se aos sucessores do adquirente até à morte do alienante

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c) Não uso por 20 anos: compatível com o art. 298º/3.

• Exige uma efetiva abstenção do exercício de todas as faculdades que competem

ao usufrutuário e não se verifica se o usufrutuário se limitar a exercer uma

dessas faculdades.

d) Perda total da coisa usufruída: perecimento do objeto de um direito real implica

naturalmente a extinção desse direito.

• Tem é de ser um evento fortuito que leve ao perecimento do direito, se não há

responsabilidade pelo art. 1480º.

• Se for perda parcial ou rei mutatio – art. 1478º.

• Destruição de edifícios – art. 1479º.

e) Renúncia do usufrutuário: não implica a aceitação do proprietário (art. 1476º/2), que

recupera a propriedade plena.

• Não é declaração recetícia e produz efeitos logo que é manifestada de forma

adequada (escritura pública -> art. 22º/g DL 116/2008)

Tipos Especiais do Usufruto 1. Usufruto de coisas consumíveis – art. 1451º - denominado por quase-usufruto incide

sobre coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou alienação (art. 208º), pelo que

os poderes do usufrutuário têm de compreender esses atos de disposição da coisa, sem

os quais a mera atribuição do uso não teria qualquer efeito útil.

• Art. 1451º/2 – não há transferência da propriedade, mas esta ocorre com a

entrega das coisas consumíveis ao usufrutuário, após este ter cumprido as suas

obrigações de relacionamento dos bens e de prestação de caução para

restituição do seu valor (art. 1468º).

i. A partir daqui, o direito do nu proprietário passa a incidir apenas sobre

a restituição do valor, sendo o usufrutuário considerado proprietário

das coisas consumíveis (pressuposto essencial para que as possa

consumir ou alienar, como é sua função).

• Apenas se sujeita às causas de extinção do art. 1476º/1/a, e – nos outros casos

não se extingue pois subsiste a obrigação de restituição do valor.

• A opção de restituir, findo o usufruto, reside na conjuntura em que findar o

usufruto.

2. Usufruto de coisas deterioráveis – art.1452º - distingue-se das coisas consumíveis pelo

facto de o seu uso regular não implicar a sua destruição ou alienação, pelo que não é

necessário atribuir ao usufrutuário a propriedade das coisas.

• É compatível com a proibição de alterar forma ou substância, pois proprietário

sabe que ao constituir usufruto sobre uma coisa dessa natureza, ela será

habitualmente restituída com as deteriorações inerentes ao uso.

3. Usufruto de árvores e arbustos – art. 1453º, 1454º

4. Usufruto de matas e árvores de corte – art. 1455º - distingue-se do anterior pois

permite ao usufrutuário o corte das árvores e das matas

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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5. Usufruto de plantas de viveiro – art. 1456º - plantas destinadas a serem arrancadas e

plantadas noutro lugar.

6. Usufruto de minas – art. 1457º

• Usufruto de concessão mineira: recolha do minério é enquadrada nos poderes

de fruição do usufrutuário

• Usufruto de terreno onde existem explorações mineiras, de terceiro

7. Usufruto de pedreiras – art. 1458º - distingue-se se já estão ou não em exploração

8. Usufruto sobre universalidade de animais – art. 1462º - lei pressupõe a substituição

em contínuo dos animais que perecem pelos que nascem, em idêntico número.

• Se os animais se perderem por culpa do usufrutuário então este torna-se

responsável perante o proprietário.

9. Usufruto de créditos – usufruto irregular (art. 1463º, 1464º, 1465º, 1466º) pois

nenhuma das modalidades previstas na lei representa qualquer direito real, mas apenas

uma forma de oneração do crédito, com a atribuição temporária de certas prestações

periódicas, ou da obrigação de pagamento dos juros ou outros ganhos produzidos pelo

crédito a outro credor.

Natureza • Teoria do Desmembramento – PL / AV – fragmentação do direito de propriedade em

dois direitos distintos (usar e fruir – usufruto; dispor e transmitir – nua propriedade).

➢ ML: parte da conceção errada que os direitos reais menores são figuras

parcelares da propriedade – ela não é desmembrada, antes se comprime.

• Teoria da Propriedade Temporária – Allara – poderes do usufruto são idênticos aos da

propriedade, sendo apenas temporários e não tendencialmente perpétuos (como a

propriedade).

➢ ML: posição do usufrutuário é inferior à do proprietário e não são direitos

distinguíveis apenas pela limitação temporal

• Teoria do Direito Real de Gozo Típico – MC, JAV, ML – usufruto é autónomo face à

propriedade e, embora sendo direito de gozo pleno, não atribui a plenitude das

faculdades relativas à coisa, atendendo os poderes de disposição do usufrutuário serem

limitados.

Uso e Habitação

São direitos reais próximos do usufruto mas não atribuem o gozo pleno da coisa, e sim um gozo

limitado pelas necessidades do titular ou da família (art. 1484º).

➢ Diferem entre si quanto ao seu objeto.

Remonta ao Direito Romano e desenvolveu-se a propósito de coisas não frutíferas. Evoluiu até que se

admita alguns frutos e posteriormente foi consagrada a habitatio.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Conteúdo e Regime Direitos moldados sobre o regime do usufruto, mas em que os poderes de uso e fruição são mais

limitados.

Uso – faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respetivos frutos, na medida da

necessidades, quer do titular quer da família (art. 1484º/1).

Habitação – quando o uso tem por objeto a casa de morada de família (art. 1484º/2).

Família é dada pelo entendimento do art. 1487º

A diferença no conteúdo do direito é que, diferente do usufruto, limita-se apenas às

necessidades do titular, fixadas de acordo com as condições sociais (art. 1486º).

➢ Tem, portanto, o regime do usufruto quanto às causas de constituição e extinção com

algumas especificidades:

o Não se podem constituir por usucapião (art. 1293º/b);

o Intransmissíveis e não podem ser onerados (art. 1488º);

o Obrigações inerentes (art. 1489º).

Tipos Especiais de Uso e Habitação Direitos de Uso e Habitação atribuídos ao cônjuge sobrevivo de habitação da casa de morada

de família e de uso do respetivo recheio – art. 2103º-A, B, C

Direitos de Habitação atribuídos ao membro sobrevivo da união de facto e em caso de morte

de pessoa que viva em economia comum – diploma da União de Facto e diploma da Economia

Comum

Natureza • Tese da Integração no Usufruto – Mota Pinto, OA, MC – orientação CC

• Tese da Autonomia – Carvalho Fernandes, JAV, ML – são autónomos pois não atribuem

o gozo pleno de um direito sobre a coisa, tendo estabelecidas limitações (das

necessidades do titular do direito e da família).

o Poderes de disposição são absolutamente proibidos e no usufruto são

admitidos.

o ML: meio termo entre usufruto e servidão, tendo do primeiro a sua atribuição a

uma pessoa determinada e do segundo a sua limitação a certas faculdades da

coisa.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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SUPERFÍCIE

Definição legal do art. 1524º não cobre toda a realidade do direito de superfície: pode abranger

obras no subsolo (art. 1525º/2), direito de construir sobre edifício alheio (art. 1526º), alienação

separada das árvores em relação à propriedade do solo (art. 1528º).

➢ Subdivide-se em duas fases distintas: poder de realizar a obra e o poder de a manter.

Não se admitia, no Direito Romano, até que razões de ordem prática e social levaram a admitir-se esta

figura.

Conceção do direito de superfície manteve-se durante a Idade Média mas foi fortemente combatida pelo

Código de Napoleão, cujo Código de Seabra seguiu

Objeto e Duração Direito de Superfície comporta as faculdades de construção e plantação, incidindo

essencialmente sobre o solo alheio, o que permite a sua transformação de forma a torna-lo

idóneo a receber a construção ou plantação.

• Pode abranger parte do solo que tenha utilidade para a obra (art. 1525º/1) e o mesmo

quando ocorre obra no subsolo (art. 1525º/2).

• Caso do direito de sobreelevação, em que direito se superfície incide sobre a parte do

edifício necessária à sua elevação (art. 1526º).

Após a realização da obra e estando ela já implantada em solo alheio, o direito de superfície

passa a incidir autonomamente sobre o implante, o que não é adquirido pelo proprietário por

acessão, sendo antes as faculdades de gozo exclusivo do implante atribuídas ao superficiário.

➢ Apenas os implantes que pudessem desencadear acessão industrial imobiliária (art.

1339º e ss.) é que poderão ser objeto do direito do superficiário.

Superfície edificada – superfície que incide sobre as obras.

➢ Não implica necessariamente a construção de um prédio urbano, podendo ser

construção de outra natureza, desde que autónoma o suficiente para poder ser objeto

das servidões ativas previstas no art. 1529º.

Superfície vegetal – superfície que incide sobre as plantações.

➢ Não podem ser sementeiras, apenas a introdução de árvores69, arbustos, ou plantas em

solo alheio que tenham alguma perenidade.

Direito de Superfície pode ser temporário ou perpétuo – de acordo com o estabelecido no título

constitutivo.

Tipo Especial de Superfície: Direito de Sobreelevação Art. 1526º refere-o e afasta-se do regime geral da superfície, quer quanto ao objeto (edifício

alheio), quer quanto ao seu conteúdo (limitado ao poder de construir sobre ele).

• Direito não incide sobre um terreno, mas antes sobre um edifício, não sendo atribuídos

ao superficiário quaisquer poderes de transformação do solo e limita-se à faculdade de

construir (não abrangendo a faculdade de manter construção sobre edifício).

69 Pode abranger apenas uma única árvore.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Levantado o edifício, a construção passa a ser considerada como fração ou frações

autónomas do mesmo, adquirindo assim o construtor um direito de propriedade

horizontal, sendo considerado condómino dessa ou dessas frações.

• Superfície extingue-se com nova construção – surge direito de propriedade horizontal e

atribui-se ao construtor um direito sobre as partes comuns do prédio (art. 1421º) para

evitar que se defraudem as regras deste instituto.

o Construtor acaba por adquirir uma comunhão no solo, por este ser considerado

parte comum.

Constituição do Direito de Superfície – art. 1528º • Contrato – sempre que o proprietário atribua a outrem o direito de construir ou realizar

plantações no seu terreno.

o Deve revestir a forma de escritura pública – art. 22º/a DL 116/200870, estando

sujeito a registo (art. 2º/1/a Cód RP).

• Testamento

• Usucapião

o Carvalho Fernandes: direito de realizar a construção ou plantação não se

adquire por usucapião, uma vez que não é fácil configurar uma situação de

posse que revista a forma correspondente à faculdade de fazer uma construção

ou plantação em solo alheio. Usucapião é apenas possível em caso de exercício

de uma posse sobre a obra ou plantação já existente, bastando para isso que o

possuidor não estenda a sua posse em relação ao solo.

o ML: teoricamente é possível o exercício de poderes sobre o solo,

correspondentes às faculdades de construção ou plantação, ainda antes de as

mesmas serem realizadas. Assim que comecem a ser exercidas, inicia-se o prazo

para a usucapião do direito de superfície.

• Alienação da obra ou da plantação separadamente da propriedade do solo –

proprietário tem a possibilidade de alienar autonomamente o solo e os implantes nele

existentes.

o Pode alienar a terceiro a obra ou plantação, ficando com a propriedade do solo

e pode aliená-los separadamente a pessoas distintas: dá-se automaticamente a

constituição de um direito de superfície a favor do adquirente do implante,

independentemente de qualquer declaração negocial nesse sentido.

Poderes e Direitos do Superficiário 1. Poder de construir ou plantar em terreno alheio – poder de transformação do solo ou

do subsolo alheios.

• Limitação temporal: se não for realizado no prazo estipulado (ou em 10 anos)

ocorre a extinção do direito de superfície (art. 1536º/1/a).

• Não necessita iniciar-se essa construção e pode ser a alienação da obra ou

árvores já existentes separadamente da propriedade do solo (art. 1528º):

superfície limita-se à manutenção de obras ou árvores já existentes.

70 Tendo em conta a natureza imobiliária das coisas em causa (art. 204º).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Poder de construção ou plantação subsiste e pode vir a ser novamente exercido

(art. 1536º/1/b) e só será excluído se tal estiver no título constitutivo (art.

1536º/2).

2. Poder de manter a construção ou plantação em terreno alheio – é titular dessas obras

e não está sujeito às regras da acessão, não podendo o proprietário vir reivindicar o

implante, apesar de estar incorporado no seu terreno.

• Superficiário pode reivindicar o implante, caso venha a ser esbulhado pelo

fundeiro.

3. Constituição das servidões necessárias ao exercício do direito de superfície – art.

1529º

4. Uso e fruição dos bens implantados – pertence naturalmente ao superficiário, pelo que

pode exercer sobre o implante os mesmos poderes de gozo que competem ao

proprietário.

• Limites das relações de vizinhança e o pleno uso e fruição do subsolo pelo

proprietário (art. 1533º), ou inversamente do solo, quando a superfície incida

sobre o subsolo.

5. Disposição do direito de superfície – art. 1534º - além de poder alienar o seu direito,

pode onerá-lo através da constituição de direitos reais de gozo ou garantia sobre o

mesmo (art. 1539º).

6. Indemnização em caso de aquisição do implante por outrem – hipótese prevista para

o caso de o proprietário adquirir a obra ou as árvores no fim do prazo, sendo a

indemnização correspondente ao enriquecimento sem causa (art. 1538º/2).

• Também é atribuída em caso de expropriação (art. 1542º).

Poderes e Direitos do Proprietário do Solo 1. Uso e fruição da superfície, antes de o superficiário proceder ao implante – art. 1532º

- fundeiro tem primeiramente esses poderes e enquanto não se iniciar a obra ou não se

fizer a plantação de árvores ele conserva estes poderes, correspondentes à sua

propriedade.

• Art. 1532º também veda que o fundeiro possa impedir ou tornar mais onerosa

a construção ou plantação, estabelecendo um limite ao seu uso e fruição

imposto pela necessidade de tutela do direito do superficiário.

i. Isto demonstra que a constituição de superfície onera de imediato a

propriedade do solo, mesmo antes de ter sido realizada qualquer

construção ou plantação.

2. Uso e fruição do subsolo, ou do solo no caso de a superfície incidir sobre o subsolo –

art. 1533º - direito do superficiário apenas incide sobre a superfície, pelo que o

proprietário tem direito à outra parte.

• Estes poderes não podem é ser exercidos de forma a causar prejuízos ao

superficiário.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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3. Disposição do direito – art. 1534º

4. Direito ao Cânon Superficiário – art. 1530º - pagamento de uma quantia quando se

constitui uma superfície, sendo uma obrigação propter rem, que se transmite para quem

adquira o direito de superfície.

• Cânon é pago no local e no tempo que as partes tiverem convencionado –

havendo mora aplica-se art. 1531º/2.

• Falta de pagamento de prestações – art. 1537º

5. Direito de aquisição do implante, caso a superfície tenha sido constituída

temporariamente – art. 1538º

6. Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície –

art. 1535º

Extinção da Superfície – art. 1536º a) Não realização da obra ou plantação no prazo fixado ou, na falta de fixação, no prazo

de 10 anos – caso particular de extinção de um direito em resultado do não exercício de

uma das faculdades que o constituem71.

• Não é regido pelas regras da caducidade e sim pelas regras da prescrição – art.

1537º/172

b) Não reconstrução da obra ou não renovação da plantação dentro dos mesmos prazos,

após a sua destruição – a destruição não constitui facto extintivo da superfície (a menos

que assim seja convencionado – art. 1536º/2) e o que extingue o direito de superfície é

a não reconstrução da obra ou não renovação dentro dos prazos.

• De novo perante um caso de extinção por não uso (art. 298º/3) sendo regulada

pelas regras da prescrição (art. 1537º/1).

c) Decurso do prazo, sendo constituída por prazo certo – regras da caducidade (art.

298º/2)

d) Reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade –

aplicação do regime da confusão.

e) Desaparecimento ou inutilização do solo – embora o direito de superfície não incida

sobre o solo, a subsistência e aptidão do terreno para a construção ou plantação são

essenciais para o exercício do direito de superfície.

f) Expropriação por utilidade pública

2. Destruição da obra ou das árvores ou verificação de qualquer outra condição resolutiva,

caso a mesma tenha sido estipulada no título constitutivo

Regime da Extinção varia:

71 Caso de não uso do direito de superfície – art. 298º/3 72 O que implica a necessidade de invocação (art. 303º), possibilidade de suspensão do respetivo prazo (art. 318º e ss.) ou da sua interrupção (art. 323º).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Direito de superfície perpétuo – direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre

o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido

extinção (art. 1541º).

o Solução explicável pelas legítimas expetativas dos titulares desses direitos, que

contavam com a perpetuidade da superfície.

• Direito de superfície temporário

o No fim do prazo: proprietário adquire o direito de propriedade sobre a obra (art.

1538º/1) com indemnizações para o superficiário (art. 1538º/2 e 3).

▪ Extinguem-se os direitos reais de gozo e garantia – art. 1539º.

▪ Direitos constituídos pelo proprietário sobre o solo estendem-se à obra

e árvores adquiridas – art. 1540º.

o Antes do fim do prazo: direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o

solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse

havido extinção (art. 1541º).

▪ Solução explicável pelas legítimas expetativas dos titulares desses

direitos, que contavam com a duração do prazo normal da superfície.

Natureza • Teoria do Desmembramento – PL / AV, OA – não é direito sobre coisa alheia e sim sobre

coisa própria (o implante), que permanece em terreno ou prédio alheio, sem sujeição

às regras da acessão, constituindo-se uma propriedade superficiária.

o ML: não pode ser qualificada como propriedade

• Teoria do Direito Real de Gozo Autónomo – MC, ML – direito real menor que comprime

a propriedade do solo, pois não é direito exclusivo e pleno, coexistindo com o direito do

proprietário do solo e não atribui todas as faculdades. É direito real complexo que inclui

faculdades de outros tipos legais.

• Teoria Dualista – Mota Pindo, Carvalho Fernandes – distingue entre as faculdades de

construção e plantação e o direito incidente sobre as construções e plantações, sendo

direitos distintos e de natureza diferente: direito real autónomo que abrange as

faculdades de construção e plantação e direito de propriedade sobre a construção e

plantação73.

o ML: quebra a unidade do direito de superfície pois o direito é sempre o mesmo,

quer abrangendo as faculdades quer abrangendo as construções em si. Uma vez

realizado o implante, a faculdade de transformação do solo não desaparece.

73 Conceção de Mota Pinto ≠ CARVALHO FERNANDES

Faculdades de construção e plantação são direitos reais de aquisição e o direito sobre a obra ou plantações é direito real de gozo autónomo, que não seria propriedade por não ser exclusivo (não é concebido sem a propriedade do fundeiro).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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SERVIDÕES PREDIAIS

Noção legal do art. 1543º

• Lei ao definir como encargo atenta essencialmente no seu lado passivo – em relação ao

prédio serviente.

• Deve tomar-se em conta o lado ativo – em relação ao prédio dominante

o É um direito incidente sobre coisa alheia74: definido como a atribuição ao titular

de um prédio (dominante) de utilidades provenientes de outro prédio

(serviente).

Características das Servidões Prediais 1. Ligação necessária a um prédio – atribuição da servidão é sempre em função da

titularidade de um prédio dominante, não sendo admitidas as Servidões Pessoais, em

que a atribuição das utilidades do prédio é feita independentemente de o seu

beneficiário ser ou não titular de outro prédio.

• Titular do direito de servidão não é o prédio dominante, mas obviamente a

pessoa que seja seu titular – não necessariamente o proprietário, podendo ser

usufrutuário (art. 1575º) ou superficiário (art. 1529º).

• Ligação imprescindível, dado que apenas as utilidades que possam ser

suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante é que podem

ser objeto da servidão (art. 1544º).

2. Atipicidade do conteúdo (art. 1544º) – constituem direito atípico e o seu objeto

pode ser variado.

• No Direito Romano a servidão consistia apenas numa sujeição (pati) do prédio

serviente e a exceção era a servidão de apoio a edifício, em que o proprietário

do prédio serviente tinha o dever de permitir o apoio a construção alheia sobre

a sua, mas também o dever de reparar a coluna ou muro sempre que esse apoio

estivesse em causa.

i. Direito atual não tem esta regra a título supletivo mas é admitido que o

proprietário do prédio serviente se obrigue a custear obras embora se

possa eximir (art. 1567º/4) – mas é apenas obrigação propter rem, a

título acessório, que não se confunde com o conteúdo da servidão.

• Da classificação romana ficaram as servidões: de passagem (permite transitar

por prédio alheio), de aqueduto (permite encanar a água sobre prédio alheio),

de aproveitamento de águas (permite recolher água de fonte alheia), de

estilicídio (permite fazer gotejar as águas pluviais sobre prédio alheio), de apoio

do edifício (permite apoiar o próprio edifício sobre edifício alheio), de

introdução de traves (permite introduzi-las na parede do edifício vizinho), de

varandas (permite construí-las sobre prédio vizinho), de não perturbação de luz

(impede que as obras do vizinho diminuam a luz da casa), de não afetação de

vista (impede que que se retire a vista a partir de um prédio), de vistas (permite

74 Resulta da definição legal que os dois prédios devem pertencer a proprietários distintos, não podendo constituir-se uma servidão entre dois prédios pertencentes ao mesmo proprietário – o proprietário tem naturalmente o direito de afetar utilidades de um dos seus prédios em benefício do outro, mas essa afetação resultará do exercício da propriedade e não da servidão.

➢ Se a propriedade não for exclusiva, já se constitui servidão

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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abrir janelas em parede própria sem respeitar a distância), de não edificação

(impede vizinho que construa no seu prédio), de limitação em altura (impede

que vizinho levante o seu prédio acima de certa altura), de apascentamento

(permite levar gado a passear no prédio vizinho), de retirar bens do prédio

vizinho (minerais, areais, argila, lenha ou mato e etc.).

3. Inseparabilidade (art. 1545º) – em relação ao prédio sobre que incide, sendo

corolário da regra de que as utilidades do prédio serviente devem ser gozadas através

do prédio dominante.

• Guilherme Moreira: utilidades que abrangem a fruição não podem ser objeto

de servidão pois o seu exercício pressupõe, por definição, a separação dos

frutos.

• PL / AV: discordam. Inseparabilidade exige apenas que, em concreto, o direito a

essas utilidades esteja ligado a um prédio dominante, sendo característica

meramente legal da servidão.

• Servidão é intransmissível e não pode, per si, ser objeto de alienação ou

oneração – não pode ser destacada de um prédio75.

• Servidão acompanha o prédio se ele for alienada ou onerado.

4. Indivisibilidade (art. 1546º) – não são suscetíveis de serem repartidas por partes,

incidindo sobre a totalidade do prédio serviente e não sobre apenas uma parte deste,

sendo sempre exercidas por intermédio de todo o prédio dominante e não apenas sobre

uma sua parte.

• Mesmo que seja limitado, por local, dias ou horas, há sempre uma utilidade

total da servidão.

• Divisão dos prédios não implica a multiplicação das servidões e ou cada fração

onde recaía a servidão mantem-se ou há contitularidade da mesma.

Modalidades de Servidões

Servidões positivas, negativas e desvinculativas

• Positivas – atribui ao titular do prédio dominante o poder de realizar certos atos sobre

o prédio serviente. Ex: passagem, apascentamento

• Negativas – titular do prédio serviente fica obrigado a abster-se da prática de certos

atos, de forma a incrementar as utilidades do prédio dominante. Ex: não edificação,

limitação da edificação em altura

• Desvinculativas – ocorre a libertação do prédio de uma restrição legal imposta em

benefício do prédio serviente. Ex: escoamento, estilicídio

Servidões Aparentes vs. Não Aparentes

• Aparentes – revelam-se por sinais visíveis e permanentes relativos à existência de uma

servidão, devendo manifestar a servidão erga omnes, podendo não apena o dono do

prédio serviente mas também qualquer pessoa observar tais sinais.

75 Haverá sempre constituição de nova servidão (art. 1545º/2).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Não aparentes – não se revelam por sinais (art. 1548º/2). Não podem ser adquiridas por

usucapião (art. 1548º/1 + 1293º/1/a) e também não permitem a constituição por

destinação do pai de família (art. 1549º).

o Não tem nada a ver com o caráter público ou oculto da posse – pode haver posse

pública em servidões não aparentes (servidão de aproveitamento de águas) e

posse oculta em servidões aparentes (servidão de passagem).

Servidões Contínuas e Descontínuas

• Contínuas – aquelas que se exercem permanentemente, independentemente de

qualquer ação do homem. Ex: servidão de aqueduto, de estilicídio ou de vistas

• Descontínuas – aquelas cujo exercício é intermitente, dependendo de ação humana. Ex:

servidão de passagem, de aproveitamento de águas ou de apascentamento

o Não se confunde com a servidão ser aparente ou não.

Servidões Voluntárias vs. Legais Distinção com base no facto de poderem ser ou não coercivamente constituídas

Servidões Voluntárias – exige o consentimento do proprietário do prédio serviente para se

poder constituir.

Servidões Legais Pode ser constituída sem o consentimento do proprietário do prédio sujeito à servidão.

• Art. 1547º/2 – podem ser objeto de constituição voluntária por NJ ou através de

sentença judicial ou decisão administrativa.

• Art. 1569º/2, 3 e 4 – causas de extinção particulares.

SERVIDÕES LEGAIS DE PASSAGEM

1. Servidão de passagem em benefício de prédio encravado – art. 1550º - prédios que

não tenham comunicação com a via pública têm de estabelecer essa comunicação

através de uma servidão de passagem por outro prédio, pelo modo e lugar menos

inconvenientes (art. 1553º).

• Podem adquirir o prédio encravado por justo valor (art. 1551º).

• Pode ter de indemnizar se o encrave for voluntário (art. 1552º).

• Constituição de servidão pode levar a pagamento de indemnização (art. 1554º).

i. Manuel Rodrigues: abrange-se não só a desvalorização sofrida pelo

prédio vizinho, mas também o valor de uso da passagem, em termos de

benefício adquirido pelo prédio dominante.

ii. PL / AV: no conceito de prejuízo insere-se a desvalorização do prédio

vizinho e os lucros cessantes perdidos pelo seu titular, mas não os

benefícios recebidos pelo prédio dominante76.

• Direito de preferência só é atribuído no caso de a servidão legal de passagem já

estar constituída, não bastando a mera possibilidade (art. 1555º).

2. Servidão de passagem para o aproveitamento de águas – art. 1556º

76 ML: é o que faz mais sentido dada a subsidiariedade da ação de enriquecimento (art. 474º).

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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3. Atravessadouros e caminhos públicos – não constituem servidões mas há alguma

semelhança e conexão!

• Atravessadouros: caminhos pelos quais o público faz passagem através de

prédios particulares, com o fim essencial de encurtar o percurso entre

determinados locais, sendo os seus leitos partes integrantes desse prédio.

Regime nos art. 1383º e 1384º

• Caminhos públicos: destinam-se a estabelecer ligações de maior importância

entre povoações e os seus leitos fazem parte integrante do domínio público,

apesar de atravessarem prédios particulares eles são desde tempos imemoriais

usados diretamente pelo público com fins de utilidade pública e visando

satisfazer interesses coletivos.

SERVIDÕES LEGAIS DE ÁGUAS

1. Servidão de aproveitamento de águas – art. 1557º e 1558º - atribuída a titular de um

prédio que não tenha água suficiente para as suas necessidades e não a possa obter sem

excessivo incómodo ou dispêndio, sendo-lhe reconhecido o direito de constituir

servidão para aproveitar as águas existentes no prédio vizinho.

➢ Pode ser para fins domésticos ou agrícolas.

2. Servidão de presa – art. 1559º e 1560º - não se limita a recolher águas em prédio alheio,

atribuindo antes a faculdade de represar a água e a fazer derivar desse prédio.

➢ Pode ser águas particulares ou águas públicas.

3. Servidão de aqueduto – art. 1561º e 1562º - faculdade de conduzir sobre prédio alheio

as águas a que o titular da servidão tenha direito.

➢ Pode ser águas particulares ou águas públicas.

4. Servidão de escoamento – art. 1563º - faculdade de fazer escoar sobre prédio vizinho

as águas que existem em excesso em determinado prédio.

➢ Não se confunde com o art. 1351º.

Constituição, Conteúdo e Mudança Art. 1547º estabelece como podem ser constituídas as servidões prediais:

1. Contrato – proprietários acordam em atribuir, por intermédio de um dos prédios

determinadas utilidades ao outro prédio.

➢ Deve ser celebrado por escritura pública (art. 22º/a DL 116/2008) e sujeito a

registo (art. 2º/1/a Cód RP).

2. Testamento – legado de prédio a favor de outrem, constituindo simultaneamente uma

servidão a favor de terceiros.

➢ Deve respeitar a forma dos testamentos (art. 2204º).

3. Usucapião (art. 1548º) – apenas no caso das servidões aparentes (art. 1548º/1 +

1293º/a).

➢ Devido ao facto das servidões não aparentes não se revelarem por sinais visíveis

e permanentes, estas podem ser exercidas na ignorância do proprietário do

prédio serviente ou são confundidas com atos de mera tolerância.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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4. Destinação do pai de família (art. 1549º) – ocorre sempre que em dois prédios do

mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinais visíveis e permanentes,

postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com o outro.

➢ 4 requisitos:

i. Dois prédios ou duas frações de um prédio tenham pertencido ao

mesmo dono – o uso anterior dos prédios foi por antigo proprietário

comum;

ii. Existam sinais visíveis e permanentes reveladores de uma situação

estável de serventia de um dos prédios em relação a outro – sinais

inequívocos em relação à vontade ou consciência do antigo proprietário

de criar uma situação estável e duradoura de afetação das utilidades de

um prédio em benefício de outro;

o Relativamente à servidão de águas, não depende da existência

de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário (art.

1390º/2) – caso particular de constituição por destinação do pai

de família que dispensa este requisito.

iii. Dois prédios ou frações tenham vindo a ser separadas do mesmo

domínio;

iv. Não haja no documento relativo a essa separação nenhuma declaração

contrária à existência desse encargo – esta figura tem caráter supletivo

pelo que as partes podem dispor em sentido contrário no respetivo

documento.

5. Sentença judicial ou decisão administrativa – na falta de constituição voluntária pode

ter de se recorrer a esta figuras, e sempre que se verifiquem os pressupostos de uma

servidão legal, a mesma deve considerar-se sujeita a esse regime, mesmo que tenham

sido constituídas voluntariamente.

➢ Sentença judicial: sempre que proprietário do prédio sujeito à servidão legal não

decida voluntariamente constituí-la.

➢ Decisão administrativa: como o caso das águas, ligadas a concessões de águas

públicas.

Após a sua constituição, as servidões são exercidas, atendendo ao seu conteúdo, nos termos

dos art. 1564º e ss.

Disposições supletivas, tendo em conta que o Título Constitutivo é o elemento

modelador determinante em relação ao exercício da servidão.

Art. 1565º - extensão da servidão

Art. 1566º - poderes do proprietário do prédio dominante

Art. 1567º - encargos com as obras

Art. 1568º - Mudança de Servidão

• Possibilidade de mudança da servidão para sítio diferente do primitivamente assinado

ou para outro prédio, o qual pode inclusivamente pertencer a terceiro, se existir acordo

deste – possibilidade do proprietário do prédio serviente (art. 1568º/1)

• Também pode ser pedido pelo proprietário do prédio dominante (art. 1568º/2)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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• Verificados certos pressupostos, pode alterar-se o modo e tempo de exercício (art.

1568º/3)

• Esta faculdade de mudança justifica-se da “lei do mínimo meio”, segundo a qual a

servidão deve implicar as maiores vantagens para o prédio dominante com menor

prejuízo possível para o prédio serviente.

o Assim, se isto não estiver neste equilíbrio, justifica-se a alteração da servidão.

Extinção das Servidões – art. 1569º a) Confusão de propriedades – pode ocorrer quando o titular de um prédio adquire o

outro ou quando um terceiro adquire ambos.

• Pode resultar de contrato ou de usucapião.

• Tem de ser a aquisição de propriedade, se for usufruto a servidão mantém-se.

• Se se adquirir a compropriedade ou parte especificada de outro prédio, a

servidão mantém-se dado o princípio da indivisibilidade da servidão.

b) Não uso durante 20 anos – extingue todas as servidões77.

• Impossibilidade de exercício da servidão não extingue enquanto não passar o

prazo – art. 1571º.

• Prazo inicia-se à luz do art. 1570º, seguindo-se as regras da caducidade (art.

298º/3).

• Não se extingue quando há mera utilização de uma de várias faculdades da

servidão – art. 1572º.

• O exercício em época diversa pode levar à extinção pelo não uso – art. 1573º.

c) Usucapio libertatis – art. 1574º

d) Renúncia – que não requer aceitação do proprietário do prédio serviente (art. 1569º/5).

• Pode haver renúncia liberatória à servidão para o proprietário de um dos

prédios dominantes se eximir do encargo de custear obras (art. 1567º/2).

Desnecessidade – caso das servidões constituídas por usucapião e as servidões legais

➢ Art. 1569º/2 e 3 – não extinguem as feitas por contrato, testamento e destinação do

pai de família.

➢ Razão para a extinção é a manutenção desta servidão desvalorizar os prédios servientes,

sem beneficiar os prédios dominantes.

➢ Tem de resultar de uma alteração das circunstâncias verificada em relação ao prédio

dominante após a constituição da servidão78.

➢ Não há extinção automática e atribui-se ao proprietário apenas o direito de a requerer

judicialmente.

77 Positivas – proprietário do prédio dominante deixa de gozar o direito adquirido; Negativas – titular não se ter oposto à violação do dever de non facere; Desvinculativas – volta-se a observar as restrições habituais nos prédios. 78 Implica que a servidão perca toda e qualquer utilidade que até aí vinha tendo para o prédio dominante, uma vez que se se verificar a manutenção de utilidades, ainda que por forma mais reduzida, não se justifica a extinção.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Remição – no caso das servidões legais de aproveitamento de águas

➢ Art. 1569º/4

Natureza

• Teoria do Desmembramento da Propriedade – Teixeira de Abreu, José Tavares –

desmembra-se a propriedade pelo que a servidão é um direito real que incide, não sobre

coisa alheia, mas antes sobre coisa própria, sendo a servidão frações da propriedade.

o ML: teoria ultrapassada pois não há desmembramento da propriedade, apenas

a sua compressão.

• Teoria da Propriedade Especial – Neuner – é faculdade integrante da propriedade sendo

uma parte que foi retirada da extensão do direito de propriedade e que seria atribuída,

como propriedade, em exclusividade a outrem.

o ML: falha pois não é, ao contrário da propriedade um direito exclusivo

• Teoria da Limitação do Exercício do Direito – Windscheid, Guilherme Moreira, PL / AV

– limitação ao exercício do direito do proprietário do prédio serviente, que não afeta o

seu conteúdo, mas que permite ao titular do prédio dominante aproveitar-se de certas

utilidades proporcionadas por coisa alheia.

o ML: está de alguma forma presente no art. 1543º quando qualifica a servidão

como encargo, mas, só qualifica o lado passivo e a servidão tem um lado ativo.

• Teoria Dualista – próximo de JAV – desmembramento nas servidões positivas e

limitação nas servidões negativas.

o ML: a servidão tem um conceito unitário.

• Teoria do Direito Real Menor – OA, Carvalho Fernandes, ML – direito real de gozo

incidente sobre coisa alheia, ainda que o gozo que a servidão proporciona incida

sobre coisa diferente daquela que constitui o seu objeto.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

109

DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA

Instituído de forma a potenciar um aproveitamento mais intensivo dos empreendimentos com

fins turísticos – como os proprietário só utilizavam para certos períodos do ano, pretendeu-se

estabelecer direitos sobre os prédios que apenas permitissem a sua utilização periódica

durante certo período de tempo.

DL 275/93, de 5 de agosto Tendo em conta a republicação pelo DL 37/2011

Art. 1º - objeto é coisa imóvel específica: unidades de alojamento integradas em hóteis-

apartamentos, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos.

➢ Poderia aproximar-se da propriedade horizontal pois as exigências das unidades de

alojamento são semelhantes às das frações autónomas (art. 4º) e há a faculdade de

utilização das partes comuns (art. 21º/1/b).

o Difere deste outro direito real pois ainda há subsistência de um direito do

proprietário sobre o empreendimento (art. 4º/1/b) – não esgota a totalidade de

direitos sobre o edifício, não sendo por isso a administração do

empreendimento atribuída ao conjunto desses titulares, mas antes ao

proprietário (art. 25º/1).

Art. 3º/1 – duração é tendencialmente perpétua, mas o título constitutivo pode limitá-la a um

prazo, que tem de ser no mínimo de 1 ano.

Art. 3º/2 – permite apenas uma utilização temporária e periódica dos apartamentos. Extensão

temporal limitada, ainda que se renove anualmente.

Art. 5º - direito constitui-se após afetação do empreendimento à exploração em regime de

direito real de habitação periódica, tendo em conta o disposto no artigo.

Art. 6º - constituído por escritura pública ou documento particular autenticado.

Art. 8º - está sujeito a registo (art. 2º/1/b Cód RP), fazendo-se descrições subordinada para

todas as unidades de alojamento (art. 83º/2 Cód RP) bem como para as frações temporais (art.

83º/3 Cód RP).

Art. 10º e 11º - tem de ser emitido um certificado predial com determinados requisitos

Poderes do titular do Direito Real de Habitação Periódica

• Art. 21º

• Fruição da coisa durante o período a que respeita o direito

• Disposição e oneração do direito (art. 12º)

• Voto nas deliberações em assembleia geral de titulares de direitos de habitação real

periódica (art. 35º)

Limitações – art. 21º/2

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Obrigações do titular do Direito Real de Habitação Periódica

• Pagar prestação periódica (art. 22º) – sendo obrigação propter rem

o Falta de pagamento leva às consequências do art. 23º

Obrigações do proprietário do empreendimento Há uma oneração do direito de propriedade do proprietário do empreendimento que não pode

constituir mais direitos reais sobre as unidades de alojamento (art. 2º) e estando sujeito a uma

série de deveres:

• Art. 25º-33º

• Art. 36º, 37º, 40º

Transmissão do Direito Real de Habitação Periódica

Art. 12º - permite a transmissão e oneração do direito real de habitação periódica por ato entre

vivos ou por sucessão por morte

➢ Deve dar-se informação contratual prévia, nos termos do art. 9º

➢ Há possibilidade para resolução do contrato – art. 16º

➢ Podem fazer-se contratos-promessa – art. 17º e 18º

Extinção do Direito Real de Habitação Periódica

• Sujeito às causas de extinção gerais dos direitos reais que lhe sejam especificamente

aplicáveis.

• Renúncia ao direito – art. 42º

Natureza Doutrina tem qualificado, pacificamente, como um direito real de gozo menor, não sendo uma

forma de propriedade, na medida que não se trata de um direito exclusivo, já que coincide

necessariamente com a propriedade do titular do empreendimento.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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DIREITOS REAIS DE GARANTIA

Garantias Pessoais: além do património do devedor, com vista à satisfação do credor, há um

terceiro que garante. Ex: fiança

Garantias Reais: há uma afetação de uma coisa ao pagamento de uma dívida – afetação dos

bens do devedor ou de terceiro ao pagamento preferencial de uma dívida.

➢ São mais eficientes que o Direito geral de garantia e reduz o risco, mas, são menos

flexíveis e tem um processo mais complexo na sua modificação e extinção.

Diferem dos Direitos Reais de Gozo pois não visam proporcionar aos titulares retirar uma

utilidade imediata (retirar vantagens da coisa). As vantagens são indiretas.

Não são autónomos e destinam-se a assegurar o cumprimento de uma obrigação, sendo

acessórios relativamente a uma obrigação.

➢ Esta falta de alguma autonomia explica que os direitos reais de garantia estejam no CC

na parte das obrigações, pois eles visam assegurar o cumprimento de uma obrigação.

Estes direitos são figuras que têm as características e os princípios dos Direitos Reais.

➢ Nomeadamente o princípio da tipicidade e se não se respeitar há garantia mas

meramente obrigacional.

Consignação de Rendimentos (art. 656º-665º) Não se confunde com a obrigação de consignação de receitas

Afetação dos rendimentos de determinados bens imóveis ou móveis sujeitos a registo à

garantia do cumprimento de obrigações, sejam estas principais, de juros ou ambas, e podendo

ser presentes, futuras ou condicionais – art. 656º

➢ Permite ao credor pagar-se através dos rendimentos de uma coisa ou pelo uso dela, e

já não pelo valor da mesma.

➢ Incide só sobre os rendimentos, mas só os do estabelecidos no art. 656º

Legitimidade para a constituição da consignação de rendimentos – art. 657º e 658º/2

Quer pelo devedor quer por terceiros, garantias reais não têm de ser sempre prestadas pelo

devedor (ex: pode ser um pai a consignar rendimentos de um prédio que tem para o credor do

seu filho)

Modalidades – art. 658º/1

• Voluntária: constituída pelo devedor ou por terceiro que resulte de negócio entre vivos

ou de testamento.

o Forma no art. 660º

• Judicial: resulta de decisão de tribunal (art. 803º e ss. CPC)

Prazo – art. 659º

Não pode exceder os 15 anos pois a oneração que representa a consignação de rendimentos de

um imóvel prejudica a alienação do bem.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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No caso de bem móvel não sujeito a registo, é possível constituir um penhor e afetar os

respetivos frutos ao pagamento do capital em dívida (art. 672º) – permite, por essa via, que seja

obtida uma função idêntica à da consignação de rendimentos.

Regime Atribui ao credor, na execução, a preferência sobre os demais credores pelos rendimentos do

bem sobre que incide e permite exigir esses rendimentos mesmo que o bem seja alienado a

terceiro.

Figura maleável quanto ao poder em que ficam os bens – nos termos do art. 661º

a) Bens continuam em poder do concedente: credor tem direito de exigir dele a prestação

anual de contas (art. 662º/1). Concedente mantém os bens em seu poder e tem o dever

de entrega dos rendimentos ao credor.

b) Bens passam para o poder do credor: credor fica equiparado ao locatário79,

administrando-os para obter os rendimentos que são objeto da garantia. Concedente é

que pode exigir contas do credor (art. 662º/2)

c) Bens passam para poder de terceiro: colocados na posse de terceiro através de título

específico, cabendo-lhe a faculdade de gozo desses bens mediante contrapartida de

uma prestação que é entregue ao credor a título de garantia

No caso de garantir cumprimento da obrigação e pagamento dos juros, os frutos da coisa são

imputados primeiro nos juros e só depois no capital (art. 661º/2) – extinção da obrigação

garantida vai assim ocorrendo através da entrega desses rendimentos ao credor, a qual não

implica novação e como que se reconduz a dação em cumprimento.

Titular da consignação não tem a faculdade de executar a coisa – apenas pode pagar-se através

dos seus rendimentos, que obtém gradualmente sem necessidade de aguardar que o devedor

incumpra a obrigação garantida.

• É oponível a terceiros.

• Não sobrevive à venda executiva – art. 824º/2

O art. 665º aplica à consignação de rendimentos o regime da hipoteca: art. 692º-696º, 701º,

702º

Extinção (art. 664º e 730º)

• Decurso do prazo – se as partes estipularem, decurso do prazo faz extinguir a

consignação, mesmo que a dívida não esteja paga.

• Extinção da obrigação – é garantia acessória pelo que a extinção da obrigação, extingue

a garantia.

• Perecimento da coisa consignada – desaparecimento do objeto de um direito real

extingue esse direito80.

• Renúncia do credor – garantia é estabelecida em seu benefício, não justificando mantê-

la contra a sua vontade.

79 Ele não fica locatário (pois sendo assim teria de pagar renda) mas fica equiparado a tal Está sujeito ao art. 663º 80 Manifestação da inerência

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Natureza

• Pinto Duarte – não tem natureza real completa, na medida em que ao credor é retirada

a possibilidade de executa o bem, e a garantia não sobrevive à venda executivo.

• Andrade Mesquita – não tem caráter de garantia e é meio de realização atual do

crédito, reconduzível à datio pro solvendo.

• ML – garantia real das obrigações por força da qual o credor se paga pelos rendimentos

de certos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.

o Embora, além de garantia real, possa funcionar como meio que permite

satisfazer o crédito (mas isso depende da vontade do devedor que pode, em

qualquer altura, optar por cumprir a obrigação garantida extinguindo a

consignação).

Penhor (art. 666º-685º) Também existe no CCom (art. 397º e ss.) e é figura que remonta ao Direito Romano.

Art. 666º/1 – penhor constitui uma garantia real, dado que atribui uma preferência sobre

bens determinados, cuja especificidade consiste em ter por objeto os bens não suscetíveis de

hipoteca (bens móveis desde que não suscetíveis de hipoteca).

• Tradicionalmente não se admitia um penhor sobre universalidades de facto, mas, a

prática tem admitido que certas universalidades podem ser objeto de penhor –

estabelecimentos comerciais e o penhor irregular do art. 666º/2.

• Garantia acessória e não há limites legais à obrigação garantida, podendo abranger

capital e/ou juros (não se aplica o mesmo que no art. 693º/2).

• Resulta sempre de um contrato que pode ser celebrado pelo devedor e por terceiro –

legitimidade para constituir o penhor (art. 667º) sendo forma legal não exigida (excepto

para o penhor de direitos – art. 681º).

No caso do penhor de créditos81 (art. 679º e ss.), dado que estes não podem ser objeto de

direitos reais, o penhor perde a natureza real e é garantia de outro tipo.

Modalidades

• Penhor com desapossamento: exige a entrega da coisa ou de documento que atribua a

exclusiva disponibilidade dela ao credor ou a terceiro (art. 669º/1).

o Pode ser a atribuição de composse (art. 669º/2).

o O essencial é que o credor seja privado da disponibilidade material da coisa, o

que desempenha uma função de publicidade, visando-se com ela assegurar que

os terceiros possam ter conhecimento da existência do penhor, e que terão de

suportar o exercício do direito do credor pignoratício, caso a coisa seja objeto de

alienação.

• Penhor sem desapossamento: há outros casos em que noutros diplomas legais se

dispensa o desapossamento. Ex: caso do penhor mercantil e da garantia de créditos por

estabelecimentos bancários autorizados.

81 Sempre que estes créditos têm por objeto coisas móveis e sejam suscetíveis de transmissão.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Constituição – art. 669º

• É essencial ao penhor com desapossamento a atribuição da posse sobre a coisa ao

credor pignoratício, devendo tal resultar da tradição da coisa – quer material, quer

simbólica, quer traditio brevi manu.

• A posse do credor pignoratício é uma posse em nome próprio, nos termos do seu

direito de penhor.

Direitos do credor pignoratício

• Direito de obter a satisfação do seu crédito e eventuais juros, com preferência sobre

os demais credores do devedor, pelo valor da coisa objeto do penhor (art. 666º/1).

• Faculdade de dar execução à coisa empenhada, pagando-se o credor pelo produto da

venda judicial da coisa empenhada (podendo ser feito extraprocessualmente – art.

675º)82

• Faculdade de obter preferência especial, em que credores comuns só podem obter

pagamento após a integral satisfação crédito do credor pignoratício.

• Art. 670º

• Faculdade restrita de uso da coisa empenhada – art. 671º/b a contrario

• Poder de fruição – art. 672º

Deveres do credor pignoratício

Art. 671º

a) Se a coisa empenhada perece ou se deteriora, credor pignoratício é responsável

obrigacionalmente (art. 798º) tendo uma culpa que se presume (art. 799º)

b) Não pode exceder os limites do uso, que implicam uma desvalorização da coisa

Direitos do autor do penhor/devedor

Ele continua proprietário da coisa empenhada e continua com todas as faculdades que não

sejam incompatíveis com o direito atribuído ao credor pignoratício.

➢ Pode alienar ou onerar a coisa empenhada, em que credor pignoratício pode opor

eficazmente o seu direito ao novo proprietário.

➢ Há até limites da lei – art. 695º ex vi art. 678º

➢ Há outros direitos, aplicáveis por força do art. 678º - art. 697º, 698º

Extinção – art. 677º

Natureza

• Penhor como figura processual

• Penhor como direito de crédito

• Penhor como direito misto

• Penhor como direito real de garantia – ML – faculdades de execução e venda da coisa

e de preferência no pagamento sobre o produto desta à frente dos credores comuns

correspondem claramente a um direito real que, por ter por função garantir a satisfação

de um crédito, representa um direito real de garantia.

82 Se houver fundado receio, pode haver venda antecipada (art. 674º)

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Hipoteca (art. 686º-732º) Figura que remonta ao Direito Romano

Art. 686º destaca o traço distintivo desta garantia: o seu objeto, na medida em que se restringe

às coisas imóveis ou equiparadas (automóveis, navios e aeronaves), mais precisamente certos

bens registáveis, bem como o facto de ter que ser registada sendo isso que confere a

propriedade.

➢ Caracteriza-se por, ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção

à causa do crédito, vigorando o princípio da prioridade na constituição.

Constituição

Art. 703º estabelece distinção entre hipotecas:

1. Hipoteca Legal Definida no art. 704º como resultante imediatamente da lei, mas só se constitui mediante o

registo (art. 687º e art. 4º/2 Cod RP).

• Registo é efetuado com base em certidão de título de que resulte a garantia e em

declaração que identifique os bens, se necessário.

• Podem ser registadas em relação a quaisquer bens do devedor – art. 708º

Credores que beneficiam da hipoteca legal – art. 705º

Registo a favor de menores e incapazes – art. 706º

Substituição da hipoteca por outra caução – art. 707º

Possibilidade de reforçar a hipoteca – art. 709º

2. Hipoteca Judicial Definida no art. 710º como resultante de sentença que condena o devedor à realização de uma

prestação em dinheiro.

➢ Funciona como uma penhora antecipada, podendo recair sobre quaisquer bens do

devedor suscetíveis de penhora, admissível independentemente do trânsito em julgado

da decisão condenatória, bastando que ela tenha sido proferida.

3. Hipoteca Voluntária Definida no art. 712º como resultante de contrato ou declaração unilateral.

➢ Pode ser pelo devedor e por terceiro (art. 717º) sendo a legitimidade aferida pelo art.

715º.

➢ Forma de escritura pública – art. 714º

Registo da Hipoteca

Art. 687º exige que seja registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às

partes – Registo Constitutivo (art. 4º/2 Cód RP).

➢ Podem ser registadas provisoriamente antes de titulado o negócio – art. 47º, 92º/1/i

Cód RP

Objeto da Hipoteca

O crédito garantido pela hipoteca pode estender-se aos acessórios deste crédito que constem

do registo – art. 693º/1 – como os juros moratórios e remuneratórios, clausulas penais,

despesas de constituição de registo e etc.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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Como direito real de garantia, a hipoteca só pode incidir sobre os bens determinados,

pertencentes ao devedor ou a terceiro – no caso das hipotecas voluntárias art. 716

➢ Quanto às hipotecas legais, o art. 708º, sem prejuízo do direito de redução, estabelece

que podem ser registadas em relação a todos os bens do devedor (tal como nas judiciais

– art. 710º).

Elenco dos bens suscetíveis de hipoteca – art. 688º

➢ Pode ser estendida pelo art. 691º

Hipoteca é indivisível – art. 696º

• Hipoteca é una, mesmo que abranja uma pluralidade de coisas e subsiste

indiferenciadamente sobre cada uma das coisas que abrange;

• Não há qualquer limitação do direito hipotecário, em virtude da amortização parcial da

obrigação a que serve de garantia.

• Há alguma atenuação deste princípio no art. 689º/2.

Vicissitudes da Hipoteca

Modificação da Garantia

• Alteração do objeto – art. 692º

• Tem subjacente uma ideia de sub-rogação real mas pode ter por objeto algo diferente,

moldado sobre o regime do penhor de créditos (art 681º/2).

• Reforço da hipoteca – art. 701º

• Redução da hipoteca – art. 718º, 719º, 720º

• As hipotecas voluntárias não são normalmente redutíveis, o que é coerente com o

princípio da indivisibilidade da hipoteca (art. 696º).

Transmissão dos bens hipotecados

• Efeitos da alienação sobre o crédito hipotecário – bens não estão subtraídos do

comércio jurídico pelo que podem livremente ser transmitidos para terceiro.

• Lei proíbe a inalienabilidade (art. 695º)

• Possibilidade de expurgação da hipoteca – art. 721º, 722º, 723º

• Renascimento dos direitos em caso de venda judicial ou expurgação da hipoteca – art.

724º

• Equiparação do terceiro adquirente ao possuidor de boa fé – art. 726º

Transmissão da hipoteca

• Cessão da hipoteca – art. 727º, 728º

• Cessão do grau hipotecário – art. 729º

• Ambas estão sujeitas a registo – art. 2º/1/h Cód RP (por averbamento à inscrição

hipotecária – art. 101º/1/c Cód RP).

Execução

Não pode ser dispensada – lei proíbe o pacto comissório no art. 694º

➢ A defesa do proprietário da coisa hipotecada na execução varia consoante ele seja o

próprio devedor ou um terceiro, em relação à obrigação garantida – art. 697º, 698º

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Extinção

• Art. 730º

o Alínea a) Pode ocorrer renascimento se se conhecer o vício na data em que teve

conhecimento da extinção da obrigação (art. 766º, 839º, 856º, 860º/2, 866º/3,

873º/2) – se no registo tiver sido cancelado só renasce na nova inscrição (art.

732º).

o Alínea d) Pode ser renúncia ao crédito ou à própria hipoteca – ML diz que a

melhor interpretação é como referindo-se apenas à hipoteca

• A expurgação da hipoteca também pode ser uma causa de extinção

• Art. 717º/1

• Caducidade

• Extinção do direito sobre que a hipoteca incide

Natureza

Hipoteca limita-se às faculdades de executar a coisa e de obter pagamento sobre o seu valor,

com preferência em relação aos demais credores do devedor.

➢ Hipoteca pode ser caracterizado como direito real de garantia e efetivamente possui

caráter absoluto, inerência, sequela e prevalência.

Privilégios Creditórios (art. 736-753º) Art. 733º - representam uma atribuição legal de preferência no pagamento, tendo em atenção

a valoração que o legislador faz da fonte do crédito, considerando que esse crédito deve ser

pago à frente dos outros.

➢ Só podem ser atribuídos por lei e partes não os podem criar através de NJ, dispensando

qualquer publicidade (mesmo a resultante do registo).

Privilégios Gerais vs. Privilégios Especiais (art. 735º/2, 3)

Privilégios Mobiliários vs. Privilégios Imobiliários (art. 735º/1)

Mobiliários especiais: art. 738º e ss.

Imobiliários especiais: art. 743º, 744º

Mobiliários gerais: art. 736 e ss.

Imobiliários gerais: art. 738º e ss.

O privilégio garante naturalmente o crédito que dele beneficia, podendo, nos termos do art.

734º, garantir igualmente os juros relativos aos últimos dois anos se forem devidos.

Extinguem-se pelas mesmas causas da hipoteca – art. 730º ex vi art. 752º

Há outras disposições da hipoteca que se aplicam – art. 753º

Têm o regime definido nestes artigos do CC.

Natureza

Privilégios especiais são direitos reais, uma vez que incidem sobre coisas determinadas, e

gozam de sequela, sendo oponíveis a terceiros, conferem preferência no pagamento ao credor

que deles beneficia – assemelha-se ao penhor e hipoteca.

Privilégios gerais não podem ser considerados como direitos reais de garantia pois não incidem

sobre coisas determinadas nem gozam de sequela, só podendo ser exercidos em relação aos

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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bens que se encontrem à data da penhora no património do devedor. São garantias especiais

sobre universalidades.

Direito de Retenção (art. 754º-761º) Existe nos termos do art. 754º CC mas fora do Código Civil há inúmeros outros exemplos de

direito de retenção.

Pressupostos – art. 754º, 755º, 756º

• Devedor esteja obrigado a entregar uma coisa suscetível de penhora

• Seja simultaneamente titular de um crédito sobre a pessoa a quem esteja obrigado a

entregar a coisa, crédito esse exigível, ainda que com base na perda do benefício do

prazo, mas não necessariamente líquido

• Exista conexão causal entre a coisa e o crédito sobre a pessoa que a deva receber,

podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela

causados (art. 754º) ou de relação legal ou contratual que tenha implicado a detenção

da coisa, a cuja garantia que a lei atribua esse efeito (art. 755º)

• Nem a aquisição da detenção da coisa tenha resultado de meios ilícitos, com o

conhecimento do adquirente, nem a constituição do crédito tenha resultado de

despesas efetuadas de má fé

• A outra parte não preste caução suficiente

Direitos do retentor – art. 758º, 759º

Transmissão do direito de retenção – art. 760º

Extinção do direito de retenção – art. 761º

Natureza

Moldado sobre o regime do penhor ou da hipoteca constitui um verdadeiro direito real de

garantia, na medida em que, tal como aqueles direitos, possui as características do caráter

absoluto, inerência, sequela e prevalência.

É garantia muito forte e pode prevalecer sobre hipoteca constituída anteriormente (art. 759º/2)

mas assume cariz provisório, na medida em que pode ser excluído pela prestação de caução

suficiente (art. 756º/d).

Tem também uma função compulsória, visando compelir o devedor a realizar a prestação em

dívida, de forma a recuperar o objeto retido.

Penhora Consiste numa apreensão dos bens do executado (seja ele o devedor ou terceiro) afetos à

garantia da obrigação exequenda, em ordem a que eles possam ser sujeitos aos fins da ação

executiva, a saber, a satisfação do direito do credor exequente e, eventualmente, do dos

outros credores com garantia real sobre esses bens.

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Sebenta Direitos Reais – 2017/2018 DNB

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➢ É ato judicial mas resulta, em termos substantivos, numa garantia das obrigações, na

medida em que, além de impedir o executado de continuar a dispor dos bens

penhorados, atribui ao exequente preferência na satisfação do seu crédito sobre esse

bens, preferência essa que apenas cessa no caso de insolvência do executado.

o Integra-se entre as garantias reais das obrigações, pois atribui ao exequente um

direito sobre uma coisa corpórea, oponível erga omnes, que lhe atribui

preferência no pagamento sobre a venda desse mesmo bem.

Regras dos art. 601º, 817º, 818º CC e 735º CPC (muito mais regras do CPC que disciplinam o

regime processual da penhora e os seus efeitos).

DIREITOS REAIS DE AQUISIÇÃO

Promessa Real Consiste num contrato-promessa (art. 410º) a que não é atribuído eficácia meramente

obrigacional, a qual se traduz na possibilidade de execução específica (art. 830º) e na

responsabilidade obrigacional por incumprimento (art. 798º e ss.), mas, atribui-se eficácia real

(art. 413º), o que permite opor eficazmente a promessa perante terceiros, sendo adquirido,

por esta via, um direito real de aquisição.

A promessa real, embora pressuponha um direito de caráter relativo (o direito à celebração do

contrato prometido), acaba por extravasar desse direito, na medida em que atribui uma

faculdade absoluta de aquisição da coisa, que a ela inere, beneficiando da sequela e

prevalência que caracterizam os direitos reais.

Preferência Real Faculdade de adquirir um bem, suportando as mesmas condições de outro adquirente, que

celebrou um contrato relativamente àquele bem.

Pode resultar na atribuição de eficácia real ao pacto de preferência, nos termos do art. 421º,

assim como da concessão legal de direitos de preferência.

Há também preferências legais: direito de preferência do arrendatário urbano, direito de

preferência dos proprietários de terrenos confinantes.

O direito de preferência tem eficácia erga omnes e não está sujeito a registo83, podendo o

titular do direito de preferência opor eficazmente o seu direito não apenas ao adquirente como

a eventuais sub-adquirentes do bem.

83 Mas a ação está sujeita a registo: art. 3º/1/a Cód RP