Sed Non Satiata - Review
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275Reseñas/Resenhas
ao litoral, dominando enorme território, rela-
cionando-se entre si e possivelmente com outras
etnias. Pensar qual caminho seguir para avançar
no estudo destas populações é um desafio para
os que tem interesse neste campo, dada a enor-
me quantidade de questões possíveis, muitas
delas apontadas pela autora. Tendo como base
o que nos apresentou Gaspar, conhecer tudo o
que foi produzido, buscar a interdisciplinaridade
e pensar antropologicamente é fundamental.
Referências
Jones, Sian
1998 Historical categories and the praxis
of identity: the interpretation of
ethnicity in historical archaeology. En
Historical archaeology: back from
the edge, editado por Pedro Funari,
Martin Hall e Sian Jones, pp 124-149.
Routledge, Londres.
Oliveira, Mário Sérgio
2000 Os sambaquis da planície costeira de
joinville, litoral norte de santa
catarina: geologia, paleogeografia e
conservação in situ. Dissertação de
Mestrado em Geografia. UFSC,
Florianópolis.
Sed non satiata: teoría social en la
arqueología latinoamericana
contemporánea, editado por Andrés
Zarankin e Félix Acuto. Ediciones del
Tridente, Buenos Aires, 1999.
Resenhado por Luís Claudio P.
Symanski (Universidade da Florida).
A arqueologia latinoamericana tem passado, nos
últimos anos, por um intenso processo de
amadurecimento, no qual as vertentes
descritivas e funcionalistas têm, gradativamente,
dado espaço para abordagens contextuais-
interpretativas sintonizadas com a teoria social
contemporânea. Esse amadurecimento é ainda
demonstrado pela atual preocupação dos
arqueólogos desses países com o intercâmbio
de idéias e informações, através de congressos
e publicações como a revista Arqueologia
Suramericana. O livro Sed non satiata. Teo-
ría social en la arqueología latinoamericana
contemporânea, editado por Andrés Zarankin
e Félix Acuto, insere-se nesse contexto, repre-
sentando um dos primeiros esforços de combi-
nar, em um mesmo volume, contribuições de
arqueólogos latino-americanos influenciados
pelas correntes interpretativas da arqueologia
social contemporânea.
Como os editores deixam claro, o livro,
antes do que seguir um eixo temático especí-
fico, aborda um amplo leque de estudos que
abrange, entre outros temas, das paisagens
incaicas de dominação às práticas cotidia-
nas de grupos operários na Antártida, da
arquitetura doméstica como princípio
disciplinador às implicações do intercâmbio
de objetos nas estratégias de produção e
reprodução social de determinados grupos e
sociedades. Porém, apesar da diversidade de
problemáticas, regiões e períodos abordados,
o fio condutor comum à maioria dos artigos
situa-se no domínio teórico, no qual as
abordagens pós-estruturalista e da prática-
estruturação, em muitos casos usadas em
conjunto, constituem a base sobre a qual são
realizadas interpretações focalizadas em
relações de poder e no papel ativo do mundo
material, seja este representado por
paisagens, estruturas, ou artefatos, na
produção e reprodução das sociedades.
Assim, Foucault, Bourdieu e Giddens
constituem referências recorrentes e constan-
tes na maioria desses trabalhos. Essa ênfase
no que Ritzer e Gindoff (1994) denominam
como o metaparadigma relacionista, constitui
um rompimento com os metaparadigmas
modernistas que se baseiam na distinção
cartesiana entre sujeito e objeto, agência e
estrutura, indivíduo e sociedade, representa-
dos, por um lado, pelo individualismo
metodológico das abordagens subjetivistas,
tais como as simbólicas e críticas, e por outro
pelo holismo metodológico das abordagens
objetivistas, tais como as funcionalistas-
processuais, estruturalistas, e marxistas.
276 Arqueología Suramericana / Arqueologia Sul-americana 1(2):245-286, 2005
Por outro lado, é possível classificar os
trabalhos em quatro eixos temáticos: ensaios
teóricos, estudos sobre as possibilidades ana-
líticas e interpretativas de sítios específicos,
estudos sobre espaço-paisagem, e estudos de
caso em que escavações e análises dos dados
empíricos permitiram interpretações de
caráter mais conclusivo. Os artigos de
Patricia Fournier (La arqueologia social la-
tinoamericana: caracterización de una po-
sición teórica marxista), e de Mariza Lazzari
(Distancia, espacio y negociaciones tensas:
el intercambio de objetos en arqueología),
constituem os dois artigos exclusivamente
teóricos de Sed non satiata. Patricia Fournier
apresenta um excelente ensaio sobre a
estrutura teórica da arqueologia social lati-
no-americana e seus conceitos-chave, tais
como formação social, modo de produção e
modo de vida. Embora a autora cite uma
imensa bibliografia dos arqueólogos sociais
latino-americanos, não são apresentados
exemplos da aplicação dessa teoria a con-
textos arqueológicos específicos, os quais
seriam importantes para os leitores terem uma
noção de como a teoria Marxista pode ser
operacionalizada em estudos de caso concre-
tos. O artigo de Mariza Lazzari tem por pro-
pósito reformular as perguntas sobre
intercâmbio em arqueologia. Fortemente
influenciada pelas teorias da prática-
estruturação, a autora assume a premissa
básica de que tanto o espaço quanto os obje-
tos que circulam são recursos que constituem
tanto a condição prévia quanto o meio para
a ação social. Dessa forma, a circulação da
cultura material não somente reflete e é
produto das relações sociais, mas também
ajuda a criá-las e a reproduzí-las.
Na linha dos estudos sobre os potenciais
analíticos e interpretativos de sítios específi-
cos estão os artigos de Pedro Funari
(Etnicidade, identidad y cultura material:
un estudio del cimarrón Palmares, Brasil,
siglo XVII), e Carmen Curbelo (Análisis del
uso del espacio en San Francisco de Borja
del Yi - Departamento de Florida, Uruguai).
Em seu artigo, Funari faz uma crítica aos
modelos dominantes na arqueologia sul-ame-
ricana que tem tratado a identidade étnica
como uma dimensão estática, que pode ser
diretamente correlacionada com a cultura
material. Em seu lugar, ele adota o modelo
proposto por Sian Jones (1997), que consi-
dera etnicidade como um fenômeno
multidimensional, constituído de diferentes
maneiras em diferentes domínios. A
identidade étnica é assim vista como uma
dimensão dinâmica, situacional, contextual,
e relacional de grupos e indivíduos. Dessa
forma, ao discutir o caso do Quilombo dos
Palmares, Funari observa que indicadores
estáticos de etnicidade, como os nomes afri-
canos e topônimos indígenas, apontados pe-
los cronistas da época como caracterizando
o complexo Palmarino e algumas facetas de
sua organização social, não podem servir
para explicar a identidade de Palmares, dado
que essa era uma sociedade resultante de
contatos entre povos e tradições diversas. O
artigo de Carmen Curbelo, sobre o núcleo de
povoação indígena de San Francisco de Borja
del Yi, ocupado por Guaranis provenientes
das missões Jesuíticas entre 1833 e 1862, tem
como objetivo explorar as formas como esses
índios se relacionaram com a cultura nacio-
nal ou criola, e identificar possíveis elemen-
tos de sua identidade sócio-cultural. A auto-
ra propõe uma análise do uso do espaço desse
sítio a partir de correntes da arqueologia
cognitiva, da geografia cultural, e da Escola
dos Annales, assumindo que o espaço foi
ordenado e estruturado de acordo com os
esquemas de conhecimento dos indivíduos
que o ocuparam. Curbelo discorre sobre os
métodos de prospecção empregados no sítio
e as escavações exploratórias realizadas, os
quais permitiram ter um vislumbre da
variabilidade de estruturas e artefatos intra-
sítio, apontando para uma possível hierarquia
no uso desse espaço. Nesse caso, assim como
em Palmares, uma maior conexão entre os
277Reseñas/Resenhas
arcabouços teóricos adotados e os dados
empíricos deverá ocorrer com o
aprofundamento das pesquisas arqueológi-
cas em ambos os sítios.
Os estudos sobre espaço e paisagem estão
representados pelos trabalhos de Felix Acuto
(Paisaje y dominación: la constituición del
espacio social en el imperio Inka), Andrés
Zarankin (Casa tomada: sistema, poder y
vivienda doméstica) e Laura Quiroga (La
construcción de un espacio colonial: paisa-
je y relaciones sociales en el antiguo valle
de Cotahau - Provincia de Catamarca, Ar-
gentina). O estudo de Felix Acuto constitui
uma das mais substanciais aplicações das
teorias relacionistas presentes no livro. Acuto
é fortemente influenciado pelos teóricos da
geografia cultural Henri Lefébvre e Edward
Soja, cujas idéias sobre o papel ativo do
espaço como estruturador e condicionador
da ação humana, antes do que um mero bac-
kground sob o qual ela se desenvolve, estão
em completa consonância com a teoria da
prática-estruturação. O principal enfoque do
autor é sobre as formas como os incas
conformaram paisagens imperiais que eram
nitidamente diferenciadas das paisagens
construídas pelas sociedades locais por eles
dominadas. Nos assentamentos estabelecidos
nos territórios conquistados os incas se
preocuparam em reproduzir o modelo
estruturado em Cuzco, visando repartir e
hierarquizar o espaço de acordo com a ordem
social incaica e com a cosmovisão com ela
relacionada, estabelecendo, assim, uma forte
dominação cultural. Mais ainda, os incas
instalaram seus principais assentamentos em
lugares antes despovoados, que apresentavam
características naturais similares as do am-
biente de Cuzco, visando marcar material e
simbolicamente a diferença entre a ocupação
incaica e as ocupações anteriores à conquis-
ta. A discussão sobre a opção dos incas por
tais lugares, os quais, muitas vezes, não
apresentavam recursos naturais que
justificassem a sua exploração econômica,
constitui um dos pontos altos do artigo, pois
solapa a lógica formalista, comum em
estudos de padrões de assentamento, ao
demonstrar que razões de cunho ideológico,
antes que econômico, determinaram a
instalação desses assentamentos. Acuto,
porém, poderia ter dado atenção às estratégias
que os incas utilizaram com relação aos lu-
gares sagrados das populações conquistadas.
Puderam eles se apropriar desses lugares,
visando assim legitimar seu sistema de
crenças frente às populações locais, como foi
o caso dos espanhóis, que construíram sua
igreja principal sobre o templo do sol de
Cuzco? Ou se preocuparam eles em destruir
tais lugares, erodindo completamente os sis-
temas de crenças locais?
Zarankin analisa as casas da classe média
de Buenos Aires e suas transformações entre
meados do século XVIII e a atualidade. Tran-
sitando entre as teorias da prática e o pós-
estruturalismo o autor considera as casas
como estruturas de poder, possuindo carac-
terísticas ativas e dinâmicas que influenciam
e são influenciadas pelos seus habitantes. Seu
objetivo é entender como certos aspectos da
vida cotidiana foram sendo modelados de
acordo com as mudanças nas casas, gerando
novas formas de ordenar as pessoas e suas
atividades, entendendo esse processo como
uma estratégia do sistema capitalista para
assegurar sua reprodução. A partir do estudo
comparativo entre a típica casa colonial, a
casa chorizo do final do século XIX, e a casa
moderna, Zarankin nota que à medida que o
sistema capitalista se consolida como siste-
ma mundial se acentuam os aspectos
restritivos das casas, a monofuncionalidade
de seus aposentos, e o isolamento de seus
ambientes, denotando a forte interação do
sistema com a unidade doméstica. Zarankin
vê tais mudanças como refletindo a
complexificação da diferenciação social en-
tre os indivíduos, os grupos e as classes na
sociedade. Um aspecto, porém, que poderia
ter sido desenvolvido está relacionado às
278 Arqueología Suramericana / Arqueologia Sul-americana 1(2):245-286, 2005
possíveis formas alternativas através das
quais os consumidores poderiam ter utiliza-
do esses espaços através de práticas de caráter
tático não relacionadas com os propósitos do
sistema. Assim, seria particularmente
interessante escavar os modelos iniciais das
casas chorizo e moderna, comparando-os
com a casa colonial, visando verificar, através
da distribuição dos artefatos em diferentes
recintos, se o uso do espaço realmente
correspondeu aos propósitos do sistema ou
se, pelo contrário, seus habitantes
reapropriaram tais espaços de acordo com
seus padrões mentais anteriores.
O trabalho de Laura Quiroga tem por
propósito estabelecer as estratégias do
processo de ocupação em uma área margi-
nal do território colonial, o vale de Cotahau
(Argentina), visando estabelecer os processos
de mudança e as continuidades que permitem
compreender a paisagem como processo his-
tórico e como elemento estruturante da vida
cotidiana. A autora nota que a arquitetura e
os assentamentos coloniais exerceram um
forte papel simbólico e coercitivo na
conformação dessa paisagem, exercendo con-
trole sobre o ambiente doméstico e as práticas
cotidianas dos habitantes da região.
Os estudos de caso baseados em
evidências empíricas recuperadas através de
escavações arqueológicas estão representa-
dos pelos trabalhos de Alex Nielsen e William
Walker (Conquista ritual y dominación po-
lítica en el Tawantinsuyo: el caso de Los
Amarillos - Jujuy, Argentina), Maria Ximena
Senatore e Andrés Zarankin (Arqueología
histórica y expansión capitalista: prácticas
cotidianas y grupos operarios en la Penín-
sula Byers, Isla Livingston, Islas Shetland
del Sur) e Tania Andrade Lima (El huevo de
la serpiente: una arqueología del capitalis-
mo embrionario en el Rio de Janeiro del
Siglo XIX). Axel Nielsen e William Walker
discutem como a dimensão ritual-religiosa
pode ter desempenhado um papel muito mais
ativo na expansão incaica do que o simples
caráter epifenomenal tradicionalmente con-
siderado. Através do estudo de caso do sítio
Los Amarillos, os autores discutem as for-
mas como a destruição de artefatos e objetos
rituais durante a conquista incaica pode ter
atuado como uma estratégia para coartar a
reprodução social e assim garantir a
dominação incaica sobre as sociedades con-
quistadas. O estudo focaliza-se na
distribuição das estruturas e do contexto de
deposição dos artefatos de um templo pré-
incaico, cujo episódio de destruição intencio-
nal durante a conquista deixou uma
assinatura arqueológica bastante clara. Após
a destruição, o espaço do templo foi trans-
formado em uma unidade doméstica
provavelmente da elite incaica. Os incas,
assim, antes do que se apropriarem de um
lugar previamente sagrado para a população
dominada como uma estratégia para impor
seus sistemas de crenças, se preocuparam em
apagar quaisquer vestígios dos sistemas de
crenças nativos.
Maria Ximena Senatore e Andrés
Zarankin discutem a incorporação do conti-
nente antártico à ordem capitalista no começo
do século XIX, através da exploração dos
recursos extraídos de mamíferos marinhos
por empresas. A análise dos autores segue
duas escalas, a do nível macro da expansão
da ordem capitalista, sustentada pela teoria
dos sistemas mundiais de Wallerstein, e a do
nível micro ou local, no qual a ênfase nas
práticas cotidianas de caráter tático dos
operários como respostas às estratégias de
dominação do sistema é sustentada pelas
idéias de De Certeau. Escavações em dois
acampamentos de operários na ilha
Livingstone permitiram a identificação de
facetas das práticas cotidianas desse grupo,
ligadas ao trabalho, alimentação e lazer. Os
autores observam que os operários
desenvolveram uma série de práticas de
caráter tático para subsistir, tais como a
construção de suas próprias estruturas de
habitação, a busca por recursos alimentares
279Reseñas/Resenhas
locais, e a produção de parte de suas vesti-
mentas e ferramentas também a partir dos
recursos locais. As evidências resgatada
desses sítios apontaram ainda para uma
ausência de hierarquia intra-grupo, predomi-
nando as práticas de caráter coletivo relacio-
nadas a jogos e consumo de bebidas alcólicas,
café e tabaco. Sob o ponto de vista das
atividades produtivas, os autores notam que
os operários desenvolveram um esquema de
produção mais semelhante ao modelo medie-
val do que ao modelo fabril que estava se
espalhando pelo mundo.
Tania Andrade Lima apresenta um denso
estudo sobre a expansão do capitalismo e a
adoção das práticas e valores disseminadas
por esse sistema no Rio de Janeiro oitocentista.
Esse artigo constitui uma síntese do resultado
de 12 anos de pesquisa da autora sobre uma
das peculiaridades da formação social
brasileira, que foi a instalação de um modo de
vida burguês no Brasil oitocentista antes da
implantação de uma burguesia propriamente
dita. Em sua análise, Lima transita entre dife-
rentes esferas da vida material dessa sociedade,
discutindo, com base no estudo de cemitérios
e dos itens recuperados de lixeiras de unida-
des domésticas, as representações da morte e
suas transformações ao longo do século XIX,
as rotinas íntimas com o corpo e suas
mudanças como conseqüência de um discur-
so médico que visava disciplinar a sociedade
através de imposição de uma nova série de
hábitos de higiene e dos valores capitalistas-
burgueses com eles associados, e as formas
como as mulheres usaram as louças em suas
estratégias de negociação social nos domínios
das refeições domésticas de cunho social e
privado e no consumo social do chá. A autora
expõe as formas como as práticas relaciona-
das com essas diferentes facetas da vida ma-
terial estão integradas, sendo manifestações
distintas de um mesmo esquema subjacente.
Lima sustenta suas interpretações a partir de
uma integração das vertentes simbólica e pós-
estruturalista, com uma forte ênfase nas
relações de poder e nos discursos de dominação
presentes no mundo material.
Considerando a contribuição de Sed non
satiata como um todo, nota-se que, apesar
da ênfase nas mais recentes teorias sociais, a
agência de indivíduos e grupos ainda é pouco
enfatizada nos trabalhos. Assim, enquanto é
reconhecido o papel disciplinador das
paisagens, estruturas e artefatos na
construção e reprodução da ordem social,
pouca ênfase é dada às possíveis táticas
através das quais indivíduos e grupos podem
ter reapropriado, alterado, desafiado, e sub-
vertido as estratégias de dominação impostas
sobre eles através do mundo material. Nesse
sentido, os artigos de Ximena e Zarankin, no
qual são resgatadas as táticas dos operários
na Antártida, e de Andrade Lima, particular-
mente em suas discussões sobre as formas
como as mulheres ativamente manipularam
as louças em suas estratégias de negociação
social, constituem os melhores exemplos da
forma como a cultura material pode infor-
mar sobre a agência de grupos sujeitos a va-
riados discursos de dominação. Por outro
lado, nos estudos sobre espaço e paisagem,
nota-se a ausência da aplicação da
fenomenologia, a teoria que serviu de base
para as mais recentes teorias relacionistas da
prática-estruturação. A abordagem
fenomenológica, devido a sua ênfase na
integração do ser humano com o mundo
material, tem fornecido, nos últimos anos,
notáveis contribuições aos estudos sobre
paisagem e ambiente construído, conforme
demonstram, dentre outros, os trabalhos de
Thomas (1993) e Tilley (1993), de modo que
sua aplicação a contextos latino-americanos
promete excelentes possibilidades de análise.
Finalmente, observa-se que a arqueologia
latino-americana está representada, nesse
livro, quase que exclusivamente pelos países
do cone sul (Argentina, Brasil e Uruguai),
com a exceção da contribuição da arqueóloga
mexicana Patricia Fournier. Este fato deve-
se, provavelmente, à maior integração que
280 Arqueología Suramericana / Arqueologia Sul-americana 1(2):245-286, 2005
os países do cone sul mantêm entre si do que
com os demais países da América Latina,
gerando um intercâmbio muito freqüente en-
tre as suas comunidades acadêmicas. Assim,
fica como sugestão para um próximo volume
a inserção de contribuições dos demais paí-
ses das Américas do Sul e Central.
Referências
Jones, Sian
1997 The archaeology of ethnicity.
Routledge, Londres.
Rizer, George e Peter Gindoff
1994 Agency-structure, micro-macro,
individualism-holism-relationism: a
metatheoretical explanation of
theoretical convergence between the
united states and europe. En Agency
and structure: reorienting social
theory, editado por Piotr Sztompka,
pp 3-23. Gordon and Breach,
Yverdon.
Thomas, Julian
1993 The politics of vision and the
archaeology of landscape. En
Landscape: politics and perspectives,
editado por Barbara Bender, pp1-18.
Berg, Oxford.
Tilley, Christopher
1993 Art, architecture, landscape [Neolhitic
Sweden]. En Landscape: politics and
perspectives, editado por Barbara
Bender, pp 1-18. Berg, Oxford.
Arqueologia da sociedade moderna
na América do Sul: cultura material,
discursos e práticas, editado por
Andrés Zarankin e Maria Ximena
Senatore. Ediciones del Tridente,
Buenos Aires, 2002. Resenhado por
Beatriz Valladão Thiesen (Laboratório
de Ensino e Pesquisa em Arqueologia e
Antropologia da Fundação
Universidade Federal do Rio Grande).
O livro organizado por Zarankin e Senatore
não é uma publicação recente porém vale a pena
ser comentado por conter algumas discussões
fundamentais para a arqueologia da sociedade
moderna na América do Sul. O trabalho é o
resultado de um simpósio realizado durante o
encontro da Sociedade de Arqueologia
Brasileira, em 2001, onde foram analisados e
debatidos conceitos e questões relativas à
arqueologia histórica, a partir de abordagens
atreladas à teoria social. A partir disso os orga-
nizadores buscam dar um passo à frente, pro-
curando debater, nesta publicação, argumen-
tos no sentido de definir, em sua especificidade,
uma arqueologia histórica sul-americana.
O livro é, antes de mais nada, uma
proclamação sobre qual deve ser o lugar da
arqueologia e do arqueólogo, dentro das ciências
sociais e da própria sociedade. Mesmo se o tex-
to está voltado primariamente para a arqueologia
histórica, seus pressupostos podem ser estendidos
para toda a arqueologia. Não importa. O texto é
um manifesto por uma «arqueologia militante»,
no melhor sentido da expressão, ou seja, uma
arqueologia que defende ativamente uma causa.
Uma causa que é explicita e que, portanto, não
precisa ser buscada nas entrelinhas. Por isto digo
que é um manifesto.
No capítulo de abertura escrito pelos orga-
nizadores, o ponto de partida é a constatação
óbvia, porém fugaz, que o surgimento das novas
relações sociais que estão na base da sociedade
moderna implicou no surgimento, dispersão e
manutenção de novas práticas sociais. Tal fato
implicou, além da existência de novas relações
entre indivíduos, em mudanças nas relações
entre os indivíduos e a cultura material. Ora, se
concordamos que práticas sociais (e cultura
material) podem assumir significados diferen-
tes em contextos diferentes, alterando sentidos
no tempo e no espaço, será possível explicar a
sociedade moderna em termos de conceitos tão
homogeneizantes como individualismo,
segmentação, estandardização e consumismo?
Senatore e Zarankin afirmam que não: as
práticas sociais só podem ser compreendidas
na particularidade dos contextos onde se
manifestam (p.8).