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Revista do LegisLativo76
Adriana Cláudia Teixeira de SouzaAna Luz LedicGustavo Gomes Machado
Consultores da ALMG
Segurança nas escolas e as contribuições do
Fórum Técnico da ALMG
Revista do LegisLativo 77
1SEGURANÇA NAS ESCOLAS
Há um consenso na sociedade de que a educação formal é
um dos poucos veículos propulsores de inclusão social para uma
grande parcela da população. No entanto, o reconhecimento de
que a escola é um lugar que deve oferecer proteção e ser prote-
gido pela sociedade para que possa cumprir com excelência sua
missão não mais corresponde à realidade de grande parte dos
estabelecimentos escolares.
Na escola reproduzem-se certos fenômenos sociais que po-
tencialmente produzem a violência, mas a violência no âmbito
escolar tem características próprias e complexa formatação. Por
essa razão, emerge, principalmente a partir da década de 1990,
a necessidade de compreender de forma mais acurada o universo
escolar e de reconceituar a violência nesse ambiente, tendo-se
em vista os aspectos socioculturais e simbólicos que envolvem o
fenômeno, como forma de tentar contribuir para a recuperação da
escola como espaço legítimo de formação integral e sociabilização.
Na abordagem do tema violência nas escolas e da busca por
uma cultura de paz, entendida esta como supressão de todas as
formas de violência – direta, estrutural e simbólica1 –, merecem
destaque as pesquisas de iniciativa da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), instituição
que tem demonstrado capacidade de exercer forte influência sobre
a formulação de políticas públicas no Brasil. A pesquisa Violências
nas Escolas2 tornou-se uma referência no debate sobre o enfrenta-
mento da violência escolar e, de forma bem sucinta, suas conclusões
apontaram para a necessidade de implementar as seguintes ações:
• proteger o entorno das escolas, uma vez que as áreas
adjacentes a elas são potenciais fontes de risco - todas as
1 A violência direta pode ser identificada pelo uso da força, como as guer-ras, enquanto a violência estrutural diz respeito às desigualdades e à exclu-são social e a violência simbólica pode se manifestar pelas diversas formas de discriminação ou dominação cultural.
2 ABRAMOVAY, Miriam, RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília: UNESCO, 2002
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medidas de proteção devem ser usadas para assegurar um
ambiente seguro para os jovens, dentro e fora do perímetro
da área escolar, promovendo-se, igualmente, a interação
entre a escola, a família e a comunidade;
• incrementar os meios de acesso dos jovens a atividades
esportivas, culturais e sociais, tendo em vista que o univer-
so dos jovens entrevistados nas pesquisas manifestaram
um profundo desejo de integração social e de necessidade
de fazer parte de um grupo, demonstrando-se ao mesmo
tempo a falta de políticas públicas que garantam a realiza-
ção desse intento;
• criar mecanismos que possibilitem a negociação quanto
aos regulamentos e às normas internos à escola, bem
como sensibilizar os professores para as formas de como
a violência pode se expressar;
• adotar medidas afirmativas que visem à valorização e à
organização dos jovens;
• articular os diversos setores governamentais e da socieda-
de civil, vinculados à educação, segurança, cultura e outros,
na busca de soluções integradas.
Um dos resultados consistentes da atuação da Unesco no
campo da investigação sobre a violência nas escolas e suas possí-
veis causas foi a criação do Programa Abrindo Espaços, em vários
Estados brasileiros, a partir do início dos anos 2000. O Estado de
Minas Gerais incorporou a concepção do programa, que previa a
abertura das escolas nos finais de semana para a realização de
atividades de lazer e cultura, inicialmente no âmbito do Programa
Escola Viva, Comunidade Ativa, implantado em 2003.
Posteriormente, a ideia de ampliar os campos de atuação da
escola para envolver a comunidade e incrementar o interesse dos
alunos se expandiria na vertente de oferecer a eles reforço escolar
e práticas culturais, esportivas e de lazer no período extraturno.
Essa medida, materializada no projeto Escola de Tempo Integral,
que atende atualmente 115 mil alunos da rede estadual de ensino,
consiste em estratégia de combate à evasão escolar e de melhoria
do rendimento escolar, mas visa também à redução das ocorrências
de violência na escola e em seu entorno, na medida em que investe
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na recuperação do vínculo de interesse do aluno pelas atividades
escolares e incentiva a comunidade a se apropriar desse espaço
e valorizá-lo.
Releva também mencionar aqui um dos artigos que integra o
estudo Violência nas Escolas e Políticas Públicas, que trata da im-
portância da formação dos professores na prevenção e solução de
casos de violência nas escolas. Segundo o autor do artigo3, Diretor
do Centro de Pesquisas e de Intervenção sobre o Sucesso Escolar
da Universidade de Laval, em Quebec, Canadá, urge intervir no
aprimoramento da formação dos educadores para evitar a violência
na escola e aprender a lidar melhor com ela. Em suas palavras,
“vemo-nos confrontados com um problema que vem apresentando
aumento constante, embora não tenha havido um aumento paralelo
da capacidade dos professores de ajudar esses jovens. Nos muitos
seminários de formação que ministrei, na América e na Europa,
observei que os professores, diretores e outros profissionais que
trabalham nas escolas receberam pouquíssima formação sobre
como propiciar uma boa educação aos jovens que demonstram
comportamento agressivo e, menos ainda, sobre como evitar a
violência nas escolas” (2002, p. 253).
Esse estudo preconiza oito princípios que devem fundamentar
o desenvolvimento da política de formação de educadores para
prevenção da violência na escola. Essa política deve ser planejada
de tal forma a: (1) oferecer aos professores uma compreensão de
como a violência se desenvolve; (2) fazer com que os professores se
convençam de que a educação e, mais especificamente, as escolas
podem contribuir para evitar o desenvolvimento da violência; (3)
levar os educadores a intervir de forma ativa, mais do que reativa,
com respeito à violência e aos comportamentos agressivos em sua
escola; (4) fazer justiça à diversidade dos problemas e reconhecer
as necessidades de intervenção individualizada; (5) incentivar a im-
portância da formação continuada, uma vez que a experiência, por
si só, não basta para evitar ou lidar com a violência; (6) valorizar os
professores que integram às suas atividades de ensino algumas das
práticas exemplares e dos conhecimentos originados nas pesquisas
3 ROYER, Égide. A violência escolar e as políticas de formação de professo-res, in DEBARBIEUX, Eric, BLAYA, Catherine (org.). Violência nas Escolas e Políticas Públicas. Brasília: UNESCO, 2002.
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recentes sobre a violência escolar; (7) ajudar os professores a
desenvolver capacidades sólidas de estabelecer parcerias com os
pais, sabendo que a participação destes tem influência considerável
sobre a eficácia das intervenções dos professores; (8) por fim, a
política de formação docente deve promover o desenvolvimento da
capacidade de os professores trabalharem em equipe, diante da
constatação de que a escola não é uma “ilha” e sim uma parte da
comunidade (ROYER, 2002, p. 255-263).
Em que pese a perspectiva da centralidade do papel do professor
nesse cenário, aqui também compartilhada, essa compreensão de
que a escola não constitui uma “ilha” é basilar a fim de se entender
a complexidade das variadas questões que o ambiente escolar hoje
abarca. Nesse sentido, naturalmente diversos outros universos têm e
terão impacto em sua dinâmica e em seu cotidiano, e as manifestações
de violência no ambiente escolar são um claro retrato dessa inegável
realidade, a qual traz para um mesmo locus vários outros aspectos a
serem considerados, a começar da condição atual dos jovens.
A realidade contemporânea aponta para um processo de
pluralidade e fragmentação resultantes das intensas e profundas
mudanças ocorridas ao longo do século XX, processo esse no qual
os jovens, de todas as classes sociais, passam a ocupar maior
centralidade nas questões sociais, tanto como uma geração carac-
terizada por dilemas e críticas quanto pelo seu inegável e impactante
potencial transformador.
Nesse sentido, cumpre ressaltar que, no Brasil, com a mudan-
ça paulatina para o regime democrático de direito na década de
1980, crianças e adolescentes adquiriram status de portadores
de direitos, com a edificação, na Constituição Federal de 1988,
do sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente,
regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
Lei Federal 8.069, de 1990.
Esse marco jurídico teve como corolário a revogação do Código
de Menores (Lei Federal 6.697, de 1979), no qual havia um trata-
mento claramente discriminatório em relação aos menores “priva-
dos de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória”, de acordo com o texto legal. Nesse regime jurídico
que foi revogado, bastava a condição de pobre para a criança ser
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caracterizada pela lei como “menor em situação irregular”. Sobre
o menor em situação irregular autor de infrações penais pairavam
rigores draconianos como, por exemplo, a possibilidade da auto-
ridade judiciária suspender o direito do menor à visita dos pais ou
responsável, “sempre que a visita venha a prejudicar a aplicação
de medida prevista nesta Lei”.
O ECA, além de revogar esse regime jurídico “pré-democrático”,
deu cores ao quadro normativo-constitucional da proteção integral
da criança e do adolescente, instituiu instâncias colegiadas de par-
ticipação e controle social nas três esferas da Federação e criou,
no nível municipal, os conselhos tutelares, formados por membros
escolhidos pela sociedade local com a incumbência de zelar pelos
direitos de crianças e adolescentes.
Cumpre ressaltar que a sistemática constitucional de proteção
a crianças e adolescentes engendrou a criação de uma verdadeira
rede social e institucional que acompanha o dia a dia escolar, a qual,
além das famílias e profissionais da educação, inclui os conselhos
tutelares, organizações policiais, Ministério Público e o próprio Po-
der Judiciário. Consequentemente, evidencia-se que não se podem
ignorar as pressões sociais externas exercidas sobre a escola.
É importante apontar que, nessa perspectiva da proteção
integral da criança e do adolescente, quando o estudante menor
de 18 anos pratica um ato infracional, a legislação prescreve a
adoção de uma medida socioeducativa, a qual consiste em ação a
ser executada pelo Estado com o objetivo de inibir a reincidência,
desenvolvida com finalidade pedagógico-educativa. A aplicação
da medida socioeducativa, decisão a cargo do Poder Judiciário,
deve obedecer: à capacidade do adolescente de cumpri-la; às
circunstâncias em que o ato infracional foi praticado; e à gravida-
de da infração, pois cada adolescente traz consigo sua história
e trajetória. As medidas a serem aplicadas pelas autoridades
competentes quando verificada a prática do ato infracional são
descritas no ECA em seu art.112:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviço à comunidade;
IV – liberdade assistida;
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V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional.
A recente aprovação da Lei Federal 12.594, de 2012,
é boa notícia no sentido de um reforço para essa política da pro-
teção integral. Afinal, ela regulamenta a execução das medidas
destinadas a adolescente que pratique ato infracional e institui
o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), o
qual, uma vez estruturado, contará com recursos orçamentários
e ações permanentes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos municípios, o que poderá aliviar a sobrecarga que hoje
recai sobre o sistema.
Essa concepção hoje vigente de crianças e adolescentes como
portadores de direitos e dos jovens como geração ao mesmo tempo
crítica e com potencial transformador trouxe em seu bojo diversas
mudanças que asseguram a essa parcela da população algumas
garantias fundamentais. E é interessante observar, diante dela,
da compreensão de que as escolas não são “ilhas” e da grande
dimensão que o problema da violência no ambiente escolar adquiriu
na atualidade, como a produção legislativa nacional voltada para
essa questão tem buscado se adequar.
No Congresso Nacional, por exemplo, tramitam diversos proje-
tos de lei que tratam do combate à violência nas escolas, em geral,
e ao bullying, especificamente. O Projeto de Lei 1.573/11 prevê a
criminalização do bullying como ato tipificado no Código Penal e, ao
mesmo tempo, propõe acrescer artigo ao ECA para que, “verificada
a prática de conduta descrita como bullying, a autoridade compe-
tente aplique ao adolescente a medida de prestação de serviços à
comunidade”. Já o Projeto de Lei 1.225/11 visa criar um serviço
de disque-denúncia de agressões contra professores que sofreram
ou presenciaram algum tipo de agressão, violência ou ameaça física
ou verbal nas escolas públicas e privadas.
Por outro lado, a garantia de direitos que visem à inclusão tem
sido objeto da produção legislativa já há algum tempo, a exemplo
dos direitos das crianças com deficiência, mediante a criação de
espaços físicos e infraestrutura adequados no ambiente escolar,
matéria de extensa legislação desde os anos 1980 e cerne de
diversos programas sempre presentes nos planos de governo.
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Mais especificamente no âmbito dos Estados, vale citar o Rio de
Janeiro que, traumatizado pelo incidente de Realengo4, aprovou lei
que estatui o programa de prevenção e conscientização do assédio
moral e violência nas escolas. O programa prevê ações multidisci-
plinares, com atividades didáticas para conscientização, orientação
e prevenção das agressões e estabelece metas a cumprir; entre
elas, a prevenção e o combate à prática do bullying nas escolas e
o auxílio a vítimas e agressores.
Em Minas Gerais, diversos municípios também têm adotado
normas definidoras de políticas públicas focadas na questão da
violência nas escolas, como é o caso de Uberaba (Lei 8.191, de
2003, que dispõe sobre medidas preventivas para o combate à
violência nas escolas e à ação de aliciadores de jovens para o uso de
drogas, no âmbito das escolas da rede pública municipal de ensino)
e Divinópolis (Lei 6.402, de 2006, que cria programa interdisciplinar
e de participação comunitária para prevenção e combate à violência
nas escolas da rede pública de ensino).
Em 2011, a Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou e
o prefeito sancionou a Lei 10.204, que torna obrigatória a insta-
lação de portas com detectores de metais em escolas com mais
de 500 alunos. Segundo essa lei, “o ingresso de toda e qualquer
pessoa em estabelecimento de ensino da rede pública municipal,
sem exceção, está condicionado à passagem por um detector de
metais e à inspeção visual de seus pertences, quando identificada
alguma irregularidade”.
No que toca à legislação estadual mineira, vigora a Lei 13.453,
de 2000, que prevê a implantação do Programa Ronda Escolar em
Minas Gerais com o objetivo de promover a segurança de estudan-
tes, professores e servidores dos estabelecimentos de ensino em
todos os níveis e em todos os horários de funcionamento.
Já a Lei 19.481, de 2011, que institui o Plano Decenal de
Educação no Estado e contém as diretrizes, ações e metas da
educação para o período de 2011 a 2020, traz em seu corpo a
previsão de concretizar o direito subjetivo já presente na legislação
que o antecede como, por exemplo, a implementação de “plano de
segurança para as escolas públicas de ensino médio, em articula-
4 Ver mais a esse respeito nas páginas seguintes deste artigo..
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ção com os órgãos e as instituições que atuam nessa área e com
a colaboração da comunidade escolar”. Em certos casos, prazos
são definidos por essa lei para a realização e execução de diversas
ações, a exemplo da implantação de “padrões básicos de atendi-
mento relativos à infraestrutura, ao mobiliário, aos equipamentos,
aos recursos didáticos, ao número de alunos por turma, à gestão
escolar e aos recursos humanos”. O prazo definido é de até cinco
anos em 50% das escolas estaduais do ensino médio, prioritaria-
mente naquelas situadas em áreas de maior vulnerabilidade social,
e de até dez anos em todas elas.
No que toca a iniciativas relacionadas à questão, vale mencio-
nar, em Minas Gerais, o protagonismo da Polícia Militar (PMMG),
conforme relatado por Gonçalves e Spósito (2002, p. 124-125), na
implementação de iniciativas de prevenção à violência nas escolas.
Em particular, teve grande impacto uma ação pioneira do 22º Bata-
lhão da PMMG, que, em 1996, propôs estratégias de proteção às
escolas, relativas à sua circunscrição de ação, envolvendo diretores,
professores, pais, alunos e outros representantes da comunidade
para participar da implantação de um programa que ficou conhecido
como “Anjos da Escola”. Tal iniciativa teve forte efeito na atuação da
PMMG como um todo e, a partir dessa experiência, a instituição
passou a adotar políticas mais abrangentes de segurança nas esco-
las, possuindo hoje inclusive uma seção denominada “Protagonismo
Juvenil e Prevenção às Drogas”, a cargo não apenas da patrulha
escolar mas também do Programa Educacional de Resistência
às Drogas (Proerd) – com o objetivo de dotar jovens estudantes
de informações e habilidades necessárias para viver de maneira
saudável, sem drogas e violência – e do Jovens Construindo a Ci-
dadania (JCC) – com o objetivo de criar um ambiente escolar mais
saudável, livre das drogas e da violência, por intermédio de ações e
mudanças comportamentais que são desencadeadas por um grupo
de alunos que atuam dentro da escola, sempre com a supervisão
dos professores e orientação de um policial militar.
Outra iniciativa a ser mencionada é o programa Fica Vivo,
surgido em 2003 de uma parceria entre a Universidade Federal
de Minas Gerais, por meio do Centro de Estudos de Criminalida-
de e Segurança Pública (Crisp), e o governo de Minas Gerais. O
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programa objetiva “intervir na realidade social antes que o crime
aconteça, diminuindo os índices de homicídios e melhorando a
qualidade de vida da população” por meio de acompanhamento
especializado e da oferta de diversas oficinas (culturais, espor-
tivas, profissionalizantes e de lazer) para jovens entre12 e 24
anos “em situação de risco social e residentes em áreas que
concentram indicadores elevados de homicídio”5. Hoje o Fica
Vivo é desenvolvido pelo governo do Estado juntamente com as
Polícias Militar e Civil, a UFMG, o Ministério Público, o Poder
Judiciário e as prefeituras municipais, tendo atendido, de acordo
com dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds),
cerca de 50 mil jovens entre sua criação, em 2003, e junho
de 2010, e reduzido “em até 50% os índices de homicídios nas
regiões atendidas, a partir de ações que combinam repressão
qualificada e inclusão social”6.
Os exemplos mencionados acima servem ao propósito, por um
lado, de apontar o quão o tema violência nas escolas é complexo e,
por outro, de sinalizar que soluções têm sido buscadas, respeitando
inclusive essa complexidade. No entanto, a situação atual indica
que muito ainda deve ser feito, e os resultados do Fórum Técnico
Segurança nas escolas: por uma cultura de paz, realizado pela
Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) em 2011, são um
claro indício disso, conforme se pode observar a seguir.
2 A REALIZAÇÃO DO FÓRUM TÉCNICO SEGURANÇA NAS ESCOLAS
CONTEXTUALIZAÇÃO DO EVENTO
No intuito de reiterar, reforçar e ampliar seu processo de
abertura para a participação dos cidadãos, ao longo dos últimos
anos a ALMG vem realizando, de forma pioneira, diversos eventos
5 https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=283&Itemid=117. Acesso em 12/3/2012.
6 Idem, ibidem.
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focados na intensificação do diálogo entre o Poder Legislativo e a
sociedade. Vale ressaltar que tais iniciativas vêm ao encontro das
mais atuais e bem aceitas abordagens internacionais e nacionais
acerca do tema legitimidade democrática e que o seu êxito tem
feito da ALMG referência no cenário brasileiro.
Nesse contexto, alguns assuntos têm merecido especial aten-
ção, dada sua relevância e urgência sociais e, no ano de 2011, a
questão da segurança no ambiente escolar foi um deles. Um evento
trágico pode ser apontado, de certa forma, como o desencadeador
de um amplo debate acerca desse tema, inclusive em âmbito nacio-
nal: a invasão, no início de abril de 2011, de uma escola municipal
em bairro da zona oeste do Rio de Janeiro por um ex-aluno de 23
anos, que atirou contra estudantes em salas de aula, causando
várias mortes e ferimentos. Após esse evento, batizado pela mídia
como a tragédia ou o massacre de Realengo, a então já disseminada
discussão acerca da prática de bullying tomou ainda mais corpo,
pois o invasor da escola havia gravado vídeos onde afirmava ter
sido vitima de bullying quando lá era aluno, motivo pelo qual teria
planejado toda a sua ação. O assassinato de um professor dentro
da Faculdade Isabela Hendrix, em Belo Horizonte, em dezembro de
2010, tendo como suspeito um aluno da instituição, de 23 anos de
idade, também foi trazido à tona nesse processo de intensificação
da discussão sobre violência no ambiente escolar em Minas Gerais.
Outros fatos, além desses trágicos eventos, devem ser men-
cionados como subsídios relevantes para a realização do Fórum
Técnico Segurança nas escolas: por uma cultura de paz, pela
ALMG, em 2011. Entre eles, destaque deve ser dado à divulgação
do Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), em agosto de 2009.
De acordo com essa pesquisa, realizada pelo Laboratório de Aná-
lise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em
parceria com a Unicef, a Secretaria Especial de Direitos Humanos
da Presidência da República e a organização não governamental
Observatório de Favelas, Governador Valadares ocupava o segun-
do lugar entre os 20 municípios brasileiros com maiores valores
no IHA, tendo como referência o ano de 2006, registrando um
índice de 8,5 adolescentes mortos para cada grupo de mil. Betim,
Ibirité, Contagem e Ribeirão das Neves também figuravam entre
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esses 20 municípios, num total de cinco localidades em Minas
Gerais com maiores indicadores de mortalidade de adolescentes7.
Deve também ser citada a criação de um grupo de trabalho
pelo Poder Executivo mineiro no início de abril de 2011, reunindo
as Secretarias de Estado de Educação (SEE), Defesa Social (Seds),
Desenvolvimento Social (Sedese) e Saúde (SES), com a finalidade de,
em um prazo de 60 dias, sugerir medidas intersetoriais voltadas
para a identificação, a prevenção e o enfrentamento dos fatores
desencadeadores da violência no ambiente escolar da rede estadual
de Minas Gerais.
De acordo com o relatório síntese final desse grupo, o motivos
para a criação de tal pauta foram: “o reconhecimento, por parte
do governo estadual, das várias condições geradoras de violência
no ambiente escolar; constantes apelos da comunidade escolar
da rede pública estadual relativamente às necessidades de prover
maior segurança às escolas estaduais; demandas frequentes da
sociedade civil, de órgãos públicos e entidades privadas; notícias e
denúncias recorrentes sobre a ocorrência de atos de violência nos
ambientes escolares – em seu espaço e no seu entorno; a rea-
bertura de uma discussão acirrada sobre a prática de bullying nas
escolas brasileiras, tanto públicas quanto privadas; a constatação
de que a disseminação desenfreada do uso de drogas ilícitas em
todas as faixas etárias da população escolar representa uma ame-
aça frequente e concreta para as condições de paz nas escolas do
País; a concretização de um forte desejo de integração das políticas
e ações públicas de nosso Estado para o enfrentamento da violência
envolvendo crianças e adolescentes, tema esse que ameaça e aflige,
de forma crescente, distintos segmentos da população brasileira”8.
Ainda segundo esse relatório, em sua etapa conclusiva, há neces-
sidade de articulação entre os Poderes do Estado – Legislativo,
Executivo e Judiciário – e os vários segmentos da sociedade civil
para que todas as ações e projetos focados no tema em questão
tenham as devidas abrangência e escala que ele exige.
7 http://www.unicef.org/brazil/pt/IHA.pdf, págs. 4, 10 e 11. Acesso em 1º/3/2012.
8 http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/acompanhe/eventos/hotsites/2011/forum_escolas/docs/gti_enfrent_cond_viol_esco-las.pdf. Acesso em 1/3/2012.
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Os comentários acima sinalizam, de forma breve, que o Fórum
Técnico Segurança nas escolas: por uma cultura de paz, da ALMG,
foi realizado em momento oportuno e valeu-se da estratégia apro-
priada, ao trazer para o debate de uma pauta tão relevante: repre-
sentantes de quase 80 entidades, tanto do setor público quanto
privado, em sua comissão organizadora; e, apenas considerando
sua etapa final, 252 instituições e 517 participantes9.
O EVENTO E SEUS RESULTADOS
De acordo com seu o regulamento, o Fórum Técnico Segurança
nas escolas: por uma cultura de paz teve os seguintes objetivos:
• levantar os problemas enfrentados pelos alunos e profis-
sionais da educação decorrentes da violência dentro e fora
do ambiente escolar;
• discutir propostas de integração de órgãos e políticas
públicas relacionadas à questão da violência no ambiente
escolar;
• buscar, junto às entidades representativas da sociedade civil
e dos setores público e privado, subsídios para a formulação
de políticas públicas visando à prevenção e ao combate à
violência no ambiente escolar.
Para tal, em 2011 foram realizados seis encontros regionais
no Estado e uma etapa final em Belo Horizonte, na seguinte pro-
gramação:
• em 21 de junho, encontro em Juiz de Fora (Zona da Mata);
• em 11 de agosto, encontro em Janaúba (Norte);
• em 18 de agosto, encontro em Varginha (Sul);
• em 22 de agosto, encontro em Contagem (RMBH);
• em 25 de agosto, encontro em Araxá (Triângulo Mineiro/
Alto Paranaíba);
• em 1º de setembro, encontro em Teófilo Otoni (Jequitinho-
nha/Mucuri);
9 Considerando-se as etapas regionais, tem-se os seguintes números: Zona da Mata – 180 instituições e 417 participantes; Norte de Minas – 183 instituições e 480 participantes; Sul de Minas – 174 instituições e 298 participantes; RMBH – 116 instituições e 207 participantes; Triângulo/Alto Paranaíba – 208 instituições e 473 participantes; Jequitinhonha/Mucuri – 98 instituições e 168 participantes.
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• em 4, 5 e 6 de outubro, etapa final em Belo Horizonte.
Em cada encontro regional, além da abertura, palestras e de
uma plenária final, aconteceram três grupos de trabalho, sobre
os temas:
• grupo 1: violência no ambiente escolar;
• grupo 2: integração de ações e programas;
• grupo 3: prevenção e combate à violência escolar.
O regulamento previa que cada grupo apresentaria propostas
pertinentes à sua temática e, entre elas, dez seriam priorizadas, por
maioria simples de votos dos participantes do grupo, sendo depois
apresentadas na plenária final de cada encontro regional. Nesse
momento seriam eleitos até 12 representantes daquela região, sen-
do quatro de cada grupo de trabalho, também por maioria simples
de votos, escolhidos preferencialmente entre os segmentos ligados
às áreas de educação e de segurança pública, para representar a
região na etapa final do evento, em Belo Horizonte.
Já a etapa final do fórum técnico, na Capital, teve o seguinte
desenho:
• mesa de abertura e palestra magna sobre o tema geral,
em 5 de outubro;
• sessões plenárias, com exposições sobre cada um dos três
temas que compunham os grupos de trabalho e espaço
para debates, em 5 e 6 de outubro;
• grupos de trabalho, com a mesma temática dos encontros
regionais, em 6 de outubro;
• sessão plenária final, em 7 de outubro.
Vale ressaltar que, nos grupos de trabalho da etapa final,
em Belo Horizonte, as propostas priorizadas em cada um dos en-
contros regionais compunham o documento-base a ser debatido,
tendo sido consolidadas pela consultoria técnica da ALMG antes do
debate. Durante a realização desses grupos, havia a possibilidade
de apresentação, discussão e votação de destaques bem como de
novas propostas. Como conclusão de seus trabalhos, cada grupo
da etapa final priorizou até 20 propostas, por maioria simples de
votos dos participantes, e um relatório foi redigido pelos relatores
e pelos coordenadores de cada grupo, com a assessoria da ALMG,
sob supervisão da comissão organizadora.
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A plenária final, realizada no dia 6 de outubro e destinada
à priorização de propostas, à votação do documento final e à
eleição da comissão de representação do evento, teve a seguinte
dinâmica:
• apresentação dos relatórios aprovados nos grupos de
trabalho por seus respectivos coordenadores;
• leitura, pela Mesa, do documento final composto pelas pro-
postas priorizadas em cada grupo de trabalho da etapa final;
• apresentação oral de pedido de destaque;
• votação e aprovação, por maioria simples dos participantes,
do documento final, salvo os destaques;
• discussão, votação e aprovação, por maioria simples, dos
destaques;
• leitura, votação e aprovação de novas propostas;
• priorização das propostas – total de 30, sendo dez por
tema;
• eleição da comissão de representação;
• entrega do documento final ao presidente da ALMG;
• encerramento do evento pelo presidente da ALMG.
Relevante se faz, em face dos objetivos do Fórum Técnico
Segurança nas escolas: por uma cultura de paz e do que motivou
a sua realização, proceder-se a uma análise de seus resultados.
Considerando-se os debates que o evento propiciou e os prin-
cipais documentos que ele produziu (o documento final gerado
na plenária de encerramento em Belo Horizonte, o qual contém
as 30 propostas priorizadas nessa ocasião10; as propostas que
foram a debate nessa plenária, oriundas da dinâmica realizada
em cada um dos grupos na etapa final do evento e por eles prio-
rizadas11; e as propostas priorizadas em cada um dos encontros
regionais, por grupo12), é possível notar as seguintes categorias
de demandas:
10 http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/acompanhe/eventos/hotsites/2011/forum_escolas/docs/documento_final_propostas.pdf. Acesso em 5/3/2012.
11 http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/acompanhe/eventos/hotsites/2011/forum_escolas/docs/propostas_belo_horizonte.pdf. Acesso em 5/3/2012.
12 http://www.almg.gov.br/acompanhe/eventos/hotsites/2011/forum_escolas/propostas. Acesso em 5/3/2012.
Revista do LegisLativo 91
• aquelas objetivando maior integração entre a escola e os
muitos atores que podem colaborar em sua atuação (pro-
fessores, equipes multidisciplinares de apoio educacional
– psicólogos, assistentes sociais, dentre outros –, alunos,
conselhos tutelares, várias instâncias do poder público –
como secretarias de Estado, Polícias Civil e Militar, Ministé-
rio Público, dentre outros – e a sociedade civil organizada),
a fim de se buscarem soluções para os atuais problemas
relativos ao tema;
• as que visam trazer para dentro do espaço da escola as
famílias e as comunidades do entorno, a fim de se realiza-
rem atividades complementares (cursos, debates, prática
de esportes, ações de conscientização sobre diversidade,
e assim por diante);
• as focadas em uma espécie de aparato físico capaz de
transmitir a sensação de segurança objetiva (como, por
exemplo, a instalação de sistema de monitoramento por
câmeras, contratação de vigias e porteiros, policiamento
ostensivo nas imediações das escolas, presença da Guarda
Municipal, mais investimentos na formação dos agentes da
segurança pública, e assim por diante);
• as voltadas tanto para a efetivação da atual legislação
afeta ao assunto quanto para a elaboração de novas leis
que promovam a segurança nas escolas (a exemplo, res-
pectivamente, dos direitos das pessoas com deficiência e
o combate à prática de bullying);
• as que objetivam maior conscientização de alunos sobre
diversidade bem como aquelas que propiciem melhores
condições de aprendizado e formação mais ampla (profis-
sionalização, acesso a informação, etc.);
• aquelas que promovam a valorização, a formação conti-
nuada de professores, além de sua capacitação para o
enfrentamento de demandas atuais e específicas, como a
violência no ambiente escolar, direitos de crianças e ado-
lescentes, diversidade;
• as baseadas na prevenção, em especial o encaminhamento
adequado de casos de uso de drogas, o incentivo à práti-
Revista do LegisLativo92
ca de atividades inclusivas para jovens (esportes, artes,
cultura) e fomento a ações já existentes como o Proerd;
• as que priorizam uma melhor estruturação das escolas
da rede pública, com instalações físicas adequadas, a pre-
sença de equipes multidisciplinares e turmas com menor
número de alunos.
É interessante observar que essas demandas, resumidas de
forma breve nos tópicos acima, refletem, em sua essência, não só
as opiniões e preocupações manifestas nas reuniões preparatórias
do evento mas principalmente aspectos e conclusões que vêm sendo
frequentemente apontadas na literatura especializada que aborda a
questão da segurança e da violência no ambiente escolar, inclusive a
pesquisa Violências nas Escolas13 e o estudo Violência nas Escolas e
Políticas Públicas14, aqui já mencionados. Afinal, elas evidenciam que:
• a mera adoção de um aparato capaz de transmitir a sen-
sação de segurança objetiva é insuficiente para resolver
a questão;
• a violência não é das escolas, mas está nas escolas, e toda
a estrutura e a organização sociais têm íntima e direta
relação com o problema;
• a abordagem da questão e a busca de soluções devem ser
intersetoriais e multidisciplinares, dada a complexidade dos
problemas de violência;
• a família tem papel central nesse debate;
• o investimento no aspecto humano, aí incluído preparo dos
profissionais que lidam com os alunos no ambiente escolar,
é tão relevante quanto o feito em segurança;
• existe a necessidade de a escola estar aberta à comunidade
e de trazê-la para seu espaço físico e suas atividades, de
modo a assumir e a exercer um papel central na socia-
lização e na incorporação de novas demandas e valores;
• é fundamental que o ambiente escolar reproduza a sen-
sação de justiça, de pertencimento e de bem estar tanto
individual quanto social.
13 ABRAMOVAY, RUA. ob. cit.
14 DEBARBIEUX, Eric, BLAYA, Catherine (org.). Violência nas Escolas e Políticas Públicas. Brasília: UNESCO, 2002.
Revista do LegisLativo 93
Percebe-se uma clara sintonia entre os resultados de pesquisas
e reflexões compartilhadas por comunidades de pensadores de
várias partes do mundo e a percepção de profissionais que atuam
no dia a dia da escola ou que com ela guardam uma estreita rela-
ção, que é o caso da maioria dos participantes do Fórum Técnico
Segurança nas escolas: por uma cultura de paz. Nesse sentido, é
possível inferir que o fórum técnico alcançou resultados bastante
consistentes, apesar de apresentar as limitações inerentes a um
evento dessa natureza, em particular a impossibilidade de todos os
segmentos interessados no assunto, mesmo que representados
nos debates, participarem das discussões e das deliberações em
condições de igualdade. É o que apontam Mendonça e Cunha, ao
afirmarem que “se as condições necessárias para a realização da
igualdade podem ser promovidas pelo desenho (do evento), não
podem ser inteiramente resolvidas por ele. Há diversos fatores
externos, desde assimetrias educacionais e comunicativas até a
cultura política, que podem constranger a igualdade” (2012, p.
143).
Ainda em se tratando da análise dos resultados do Fórum Técni-
co Segurança nas escolas: por uma cultura de paz, é fundamental
mencionar a atuação de sua comissão de representação, eleita na
plenária final do evento e composta por 28 entidades (da sociedade
civil organizada e dos poderes públicos estadual e municipal) além
de três representantes das inscrições individuais na última fase do
evento. Ela tem como função acompanhar o desdobramento das 30
propostas priorizadas nessa etapa conclusiva, as quais compõem
o documento final então gerado.
Em reunião realizada na ALMG em 7/11/2011, essa comis-
são elegeu sua coordenação e definiu a sua agenda de trabalhos.
Nessa ocasião, conclui-se pela relevância de sua participação nas
audiências públicas para a discussão do novo Plano Plurianual de
Ação Governamental (PPAG) para o período 2012-2015, que então
ocorria, entre 7 e 9 de novembro.
Com a meta de ver concretizados os resultados do fórum técnico,
a comissão de representação apresentou, nessas audiências públicas
do PPAG para o período de 2012-2015, sugestão de criação de um
novo programa governamental com fundamento no conteúdo das
Revista do LegisLativo94
propostas 9, 10 e 20 do documento final do fórum técnico15, a ser
desenvolvido pelo Poder Executivo no âmbito do sistema de ensino.
Essa contribuição da comissão de representação transformou-
se na Proposta de Ação Legislativa 1.609/11, tendo sido adequa-
da à linguagem própria dos instrumentos legais de planejamento
do Estado e à técnica legislativa, quando de sua apreciação pela
Comissão de Participação Popular, que opinou por sua aprovação
na forma de emenda ao PPAG16. Essa emenda recebeu o nº 214,
tendo sido aprovada também pela Comissão de Fiscalização Finan-
ceira e Orçamentária da ALMG. O Projeto de Lei 2.520/11, que
dispõe sobre o PPAG 2012-2015, foi aprovado em Plenário e, após
sancionado, se transformou na Lei 20.024, de 2012, que institui
o PPAG para o quadriênio 2012-2015.
O programa foi aprovado e incorporado ao PPAG17 com a
denominação de “Rede de capacitação e promoção da cultura
de paz nas escolas”, vinculado à Rede de Educação e Desenvolvi-
mento Humano, uma das redes de desenvolvimento integrado do
Plano. Seu objetivo foi assim definido: “desenvolver, em parceria
com representantes de órgãos públicos e de organizações civis,
ações voltadas à prevenção da violência no ambiente escolar e
à promoção da cultura de paz nas escolas”. Integram o progra-
ma duas ações: “Capacitação em segurança nas escolas”, cuja
finalidade é implementar ações de capacitação sobre segurança
nas escolas, notadamente sobre a mediação de conflitos, bem
15 As propostas 9, 10 e 20 pleiteiam, concisamente, a implementação de ações de capacitação dos profissionais de educação sobre o tema segu-rança nas escolas e sobre os direitos de crianças e adolescentes, além da sensibilização da comunidade escolar para a convivência com a diversidade na escola, representada por segmentos como os alunos com deficiência, indígenas e quilombolas. Alinham-se conceitualmente aos princípios citados por Royer, em seu estudo “A violência escolar e as políticas de formação de professores” já citado neste artigo.
16 O parecer da Comissão de Participação Popular à PLE 1.609/11 está disponível no link: http://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/trami-tacao_projetos/documento.html?a=2011&n=1609&t=PLE&doc=0. Aces-so em 19/3/2012
17 Detalhes especificados na p.422 do vol. I do PPAG 2012-2015, dispo-nível no link: http://www.seplag.mg.gov.br/governo/planejamento/ppag/arquivos/20122015/Volume_I_Programas_Acoes_por_Rede_Desenvolvi-mento_Integr.pdf. Acesso em 19/3/2012
Revista do LegisLativo 95
como sobre as bases legais e o sistema de garantia dos direitos
da criança e do adolescente; e “Convivência na diversidade”, que
tem por finalidade promover, por meio de projetos específicos, a
discussão entre os integrantes da comunidade escolar sobre a
diversidade no ambiente da escola, de forma a conscientizá-los
para a importância de reconhecer e respeitar as peculiaridades
de cada segmento, em suas características físicas, étnicas, so-
cioculturais, etárias e de gênero.
Espera-se que a iniciativa de construção de programa específico
para a capacitação de profissionais de educação para o enfrenta-
mento dos problemas relacionados à violência nas escolas deflagre
e também organize ações pontuais e dispersas de forma mais
perene e abrangente. Outras medidas já em curso (Proerd, Escola
de Tempo Integral, Escola Viva, Comunidade Ativa, Patrulha Esco-
lar, Mediação de Conflitos, entre outros) poderão se integrar a ele
em uma rede colaborativa, somando-se os esforços para realizar
concretamente o sonho de uma cultura de paz.
Vale ressaltar que essa articulação da comissão de represen-
tação do fórum com a discussão do PPAG para o período 2012-
2015, resultando efetivamente na inclusão de um programa a ser
executado pelo governo do Estado no próximo quadriênio, é um ótimo
exemplo da possibilidade de interação entre eventos institucionais
que propiciem a participação deliberativa e o processo legislativo,
vindo ao encontro da diretriz da ALMG de intensificar o diálogo com
a sociedade civil e de fortalecer a legitimidade democrática. Nesse
sentido, ainda há que se acompanhar os próximos passos dessa
comissão de representação bem como o encaminhamento dado
às demais propostas que compõem o documento final do Fórum
Técnico Segurança nas escolas: por uma cultura de paz.
A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
A vocalização da sociedade em uma discussão pública que
pretende aprofundar o conhecimento sobre um determinado tema
de interesse social e apresentar ideias para aprimorar as políticas
públicas daquele setor oferece elementos de reflexão importantes
para a avaliação dos resultados desse colóquio. Nesse sentido, é
oportuno elucidar as relações entre as propostas aprovadas no
Revista do LegisLativo96
Fórum Técnico Segurança nas escolas: por uma cultura de paz, o
ordenamento jurídico vigente relativo ao tema discutido e as políticas
públicas adotadas pelo governo.
A análise mais geral que pode ser feita é a de que muitas das
propostas apresentadas no evento não trazem necessariamente
elementos novos, nem em relação à legislação, nem aos programas
governamentais já desenvolvidos ou em desenvolvimento e nem
mesmo a outros eventos que têm objetos assemelhados ou em
cuja composição se fazem presentes os mesmos grupos sociais.
No entanto, não há que se chegar a uma conclusão apressada
de que fóruns de discussão dessa natureza, por tenderem, com
frequência, a reproduzir certos padrões de concepção e privilegiar
determinadas condutas características de processos de discus-
são popular, não produzem resultados inovadores. A presença de
propostas semelhantes ou convergentes em eventos de mesma
natureza ou que reiteram o conteúdo da legislação vigente e dos
programas de governo vem muitas vezes alertar a sociedade para
o fato de que as normas podem estar deficitárias em seu conteúdo
e aplicabilidade ou os programas precisam ser aperfeiçoados para
de fato atenderem a população naquilo a que se propuseram e que
motivou a sua criação. As tendências e linhas de pensamento que
se observam na evolução das discussões públicas traduzem o status
contemporâneo de pensar as políticas públicas – as quais muitas
vezes estão em descompasso com a realidade que se observa –,
colocando-se à frente de seu tempo.
A materialização das demandas no ordenamento jurídico é o
primeiro passo a ser dado. A priori tem-se a impressão de que uma
obra terminou ali, que o fruto do movimento empreendido esculpe
na lei a sua forma e a sua essência. Entretanto, se a lei não é
internalizada como continuidade desse movimento para produzir
ações concretas e posteriormente reorientá-las, a estagnação do
papel é o único resultado percebido.
Um exemplo do descompasso que pode ser sentido entre a
legislação vigente e as políticas de educação pode ser verificado na
leitura da proposta 23 do Fórum Técnico Segurança nas escolas:
por uma cultura de paz. Como já mencionado anteriormente, a
garantia dos direitos das crianças com deficiência é matéria de
Revista do LegisLativo 97
extensa legislação desde os anos 1980 e programas que têm por
objeto a inclusão de pessoas com deficiência estão sempre presen-
tes nos planos de governo. Assim, verifica-se que a proposta não
inova, sobretudo por apresentar o tema nos mesmos moldes do
que preconizam as normas. Entretanto, a percepção dos partici-
pantes do fórum é que falham as políticas, incapazes até agora de
promover de fato a inclusão da pessoa com deficiência na escola
com um mínimo de qualidade. O encaminhamento dessa proposta
pressupõe, a nosso ver, o acompanhamento e a cobrança, por parte
da sociedade, principalmente do que dispõe a já citada Lei 19.481,
de 2011, que institui o Plano Decenal de Educação no Estado, a
qual contém em suas ações e metas a previsão de concretizar o
direito subjetivo já presente na legislação que o antecede.
O mesmo raciocínio é extensivo às demandas de redução do
número de alunos por turma (proposta 25), de acompanhamento
social nas escolas (proposta 13), de implantação de programa
multidisciplinar de segurança nas escolas (proposta 9), de criação
de cursos profissionalizantes de acordo com a demanda local (pro-
posta 15), de ampliação do programa Escola de Tempo Integral
(proposta 26), de manutenção da estrutura escolar (proposta 29).
Todos esses temas constituem ações e/ou metas do Plano Decenal
de Educação do Estado.
No caso específico da proposta 13, é importante salientar que
a Lei 16.683, de 2007, que trata do acompanhamento social nas
escolas públicas do Estado, além de possuir caráter autorizativo,
deixando à discricionariedade do Poder Executivo a sua execução,
restringe a sua aplicação a uma clientela específica, qual seja: alunos
com necessidades especiais ou jovens pertencentes a comunidades
que apresentem baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
ou vulnerabilidade social intensa. Não há no texto da norma deter-
minação de formação de equipes multidisciplinares para execução
das ações. A defesa da aplicação da lei pela proposta 13, na forma
como foi aprovada, não tem o respaldo da própria lei. Trata-se de
uma demanda que vai além do que prevê a legislação, sugerindo
que a sociedade reivindica que aperfeiçoamentos sejam efetuados
na legislação em vigor e nos programas em desenvolvimento que
promovam ações de acompanhamento social nas escolas.
Revista do LegisLativo98
Note-se ainda que a proposta 26 do fórum técnico foi a univer-
salização do programa Escola de Tempo Integral, o que demonstra
uma crença já bastante difundida no meio educacional dos benefícios
que podem advir de um incremento nessa política pública, com
reflexos nítidos na atual conjuntura da segurança escolar.
O fundamental é compreender que não necessariamente o
critério da inovação, no sentido de geração de novos elementos,
deva ser o indicador do sucesso ou não de eventos que propiciem
a participação dos cidadãos e a vocalização da sociedade em
temas de interesse coletivo, mas sim que a discussão popular é
um instrumento potencial de revisão e revalidação das políticas de
governo expressas nas diretrizes presentes nas normas jurídicas
e materializadas nos programas. Muitas vezes esse processo se
dá de forma lenta e fragmentada e os resultados só podem ser
aferidos a longo prazo.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência que aflige crianças, adolescentes e profissionais
no ambiente escolar brasileiro é de tal forma importante que
mobiliza todos os setores da sociedade, fazendo extrapolar
o plano estrito da reflexão sobre os procedimentos que a es-
cola pode adotar para enfrentar o problema, para abrir-se às
possibilidades de engajamento das forças de segurança nessa
tarefa. Os dilemas são tremendos em relação às iniciativas de
tornar as organizações policiais corresponsáveis pela segurança
no ambiente intraescolar. Mas muitos mestres e educadores,
acuados pela violência cotidiana que testemunham ou sofrem
em seu ofício, e tomados pelo sentimento de impotência frente
à problemática, parecem mais receptivos à ideia de se delegar
aos policiais parte do trabalho de garantir a ordem, a disciplina
e a tranquilidade na escola.
Todavia, a importação de conceitos e doutrinas da área de
segurança para o ambiente escolar torna-se complexa na medida
em que o marco constitucional que fundamenta o atendimento a
Revista do LegisLativo 99
crianças e adolescentes que pratiquem atos infracionais – o regi-
me jurídico da proteção integral – é bem diferente do paradigma
penal-retributivista, no qual se baseia tradicionalmente a atuação
policial. São situações bens distintas, até porque no atendimento
ao adolescente que pratique ato infracional o Estado deve atentar
para a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos. Isso, não
obstante os elogiáveis esforços da polícia em incrementar modelos
de ação voltados especificamente para o público infanto-juvenil, como
é o caso, por exemplo, do já citado Proerd.
O pesquisador canadense Anthony N. Doob ressalta que há
vários estudos que demonstram como “as características das
escolas podem ter um impacto moderadamente importante
no crime dentro do âmbito escolar”. Segundo ele, “as práticas
administrativas e de gerenciamento, a comunicação clara e o
estabelecimento de objetivos, procedimentos justos para estu-
dantes e professores, tanto quanto a aplicação consistente,
ainda que não punitiva, das regras, contribuem para a redução
da delinquência juvenil” (2008, p. 98).
Não existe um único modelo que possa esclarecer como deve ser
implementada uma agenda de mudanças em torno da problemática
da segurança nas escolas, embora alguns especialistas apontem a
necessidade de serem viabilizadas políticas públicas centradas “na
responsabilidade da instituição (escolar) e da comunidade local”,
como ressaltam Souza e Souza (2010, p. 127).
De qualquer forma, parece que há alguns consensos que
unem desde especialistas acadêmicos a representes na sociedade
civil que militam na defesa da educação e da segurança pública,
inclusive muitas das propostas priorizadas na plenária final do Fó-
rum Técnico Segurança nas escolas: por uma cultura de paz. Um
desses consensos é que há uma diferenciação clara entre o que
é um problema de indisciplina discente e o que é um problema de
segurança pública. No primeiro caso, cabe à escola e às famílias,
privativamente, enfrentar o problema.
De toda maneira, em qualquer análise do fenômeno social da
violência nas escolas paira o problema da generalização de conclu-
sões, o que recomenda cautela na adoção de recomendações de
caráter determinista. Todavia, há alguns aspectos desse debate
Revista do LegisLativo100
que sinalizam, em algum nível, a formação de uma espécie de sen-
so comum, o que inclusive ficou bem retratado no Fórum Técnico
Segurança nas escolas: por uma cultura de paz.
Primeiramente, a formulação presente em estudos sobre a
violência escolar de que questões de indisciplina escolar não são
problema de segurança pública aponta para um direcionamento
estratégico quanto à formulação de políticas públicas: é preciso
empoderar a escola de instrumentos e recursos para que ela pró-
pria consiga absorver os impactos e as pressões de um quadro
recrudescente da violência na sociedade como um todo.
Em segundo lugar, mesmo ressaltando a necessidade de
reforço da capacidade escolar para enfrentar os dilemas da vio-
lência, devemos reconhecer a importância de serem envolvidas
nessa tarefa as organizações do setor de segurança pública,
dada sua importante função (e experiência) na prevenção à
criminalidade.
Nesse sentido, foi muito positiva a presença tanto de educadores
quanto de policiais no Fórum Técnico Segurança nas escolas: por
uma cultura de paz, que ficou espelhada no conteúdo nas propostas
aprovadas no evento. A transformação da realidade, por certo,
dependerá fortemente dessa união.
Revista do LegisLativo 101
REFERÊNCIAS
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