Sem fiscalização, desmatamento ilegal é milionário na Guiné-Bissau Reportagem da DW
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Sem fiscalização, desmatamento ilegal é milionário na Guiné-BissauDW flagra cenas do crime ambiental, que cresce no país africano. Derrubadas ilegais teriam gerado 7,2 milhões de euros em 2013. China é o principal destino da madeira.
A contagem regressiva para o primeiro turno da eleição presidencial
voltou a atenção internacional para a Guiné-Bissau, país da costa
ocidental da África. Mas foi sem alarde e longe dos holofotes que, nos
primeiros dias de abril deste ano, toneladas de troncos de árvore saíram
ilegalmente do país.
O desmatamento foi flagrado pela DW África durante a última semana
de campanha presidencial. Dezenas de caminhões carregados de
contêineres faziam fila numa das principais vias da capital Bissau, a
avenida Amílcar Cabral. E também se acumulavam pelas ruas
adjacentes, nas proximidades do Palácio do Governo e do porto da
cidade. Conforme ambientalistas e autoridades florestais guineenses, os
carregamentos levavam troncos de madeira que teriam a China entre os
principais importadores.
No porto de Bissau, navios carregam contêineres carregados de troncos
O diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís Olundo Mendes,
garante que a madeira sai legalmente do porto. "Nós trabalhamos com a
Guarda Nacional. Eles fiscalizam e nós certificamos a madeira. Temos
13 madeireiras com licença para desmatar de forma controlada",
explica Mendes.
O fenômeno que cresce desde o golpe militar de abril de 2012, no
entanto, é considerado criminoso pelas comunidades que moram nas
aldeias atingidas. Mas a população prefere se calar. Na Guiné-Bissau,
espalha-se o medo de represálias por parte de quem está por trás do
crime ecológico.
Controvérsia
Em 2010 saíram 15 contêineres de madeira do porto de Bissau, apurou
a DW África. Já em 2013, o número de carregamentos chegou a 409 –
um aumento de quase 30 vezes em três anos.
O principal alvo desse negócio milionário é o pau-de-sangue — uma
árvore de grande porte, que pode chegar a 30 metros de altura.
Conforme informações levantadas por ativistas junto à alfândega
chinesa, cada contêiner com troncos dessa árvore vale o equivalente a
17,7 mil euros.
A madeira mais extraída é o pau-de-sangue
Um morador de Kebu, no sul do país, a 230 quilômetros de Bissau,
afirma que muitos grupos de extratores surgem nas aldeias com
supostas licenças de corte. "As pessoas aparecem com papéis e
motosserras", diz o homem, que preferiu não ser identificado. Como os
responsáveis pelo desmatamento apresentam documentos, os
moradores não reagem. "Eles levam os contêineres [com madeira] para
Bissau e não podemos dizer nada."
Os extratores vão diretamente aos chefes das comunidades. Nessas
ocasiões, os delegados florestais das regiões — que, por exigência legal,
deveriam acompanhar a derrubada das árvores — não aparecem.
Falta de chuva
A devastação também ocorre no norte do país. A 70 quilômetros de
Bissau, na região de Oio, agricultores protestam. "Nós consideramos
lamentável a forma como está sendo realizado o corte das árvores nas
florestas", disse um deles. De acordo com o produtor rural, até 40
contêineres chegam a ser carregados diariamente da região.
Conforme os moradores, os grupos de extratores oferecem dinheiro à
população logo quando chegam nas aldeias. "Se houver resistência, as
pessoas são agredidas. Eles dão o equivalente a 75 euros para a
comunidade e cortam apenas árvores grandes, principalmente o pau-de-
sangue", explica um dos moradores.
Segundo agricultores, uma das consequências é o desequilíbrio ecológico
"Seria bom se encontrássemos pessoas que nos ajudassem porque nosso
futuro está em causa. Algumas árvores que estão sendo levadas servem
para a medicina tradicional. Se todas forem levadas para a China, qual
será o futuro dos nossos filhos?", pergunta outro agricultor.
Em algumas regiões do país são identificados extratores provenientes
de Conacry (capital da vizinha Guiné) e da Gâmbia. Em Cossé, no leste
da Guiné-Bissau, no entanto, moradores sugerem que a mão de obra
seja guineense. "Eles dizem que já falaram com a Guarda Nacional e
chegam com documentos, mas nós resistimos. Se autoridades de alto
nível vierem aqui, aí vamos respeitar", explica o chefe de uma aldeia de
Cossé.
Segundo agricultores, uma das piores consequências do corte das
árvores é o desequilíbrio ecológico, que reduz as chuvas na região. "Nós
somos agricultores e agricultor sem chuva não pode produzir. Mas nós
vamos resistir", afirma um deles.
Protestos silenciados
Duas semanas após o primeiro flagrante nas ruas de Bissau, a equipe da
DW África esteve no leste do país. Apesar da resistência da
comunidade, a derrubada das árvores já havia começado na região. Um
morador da zona urbana de Bafatá levou a reportagem até uma área
onde havia restos dos troncos que foram carregados em contêineres
dias antes.
Ele confirma que população está sendo ameaçada para não falar sobre o
assunto. "Antes houve alguns protestos, mas agora as pessoas estão
sendo ameaçadas. Ninguém mais fala nada nem se opõe", diz.
Ao longo da rodovia que liga Bafatá a Bissau podem ser percebidos os
vestígios da pressa para a extração e exportação dos troncos ainda
antes da eleição – até contêineres estão caídos à beira da rodovia. Em
outro ponto da estrada, um caminhão está parado no meio do asfalto. O
motor fundiu e a cabine incendiou quando retornava do porto para
buscar mais madeira no interior do país.
Caminhão que carregava madeira teve motor fundido e cabine incendiada
No centro de Bissau, caminhões fazem fila para deixar contêinieres no
navio. Os troncos das árvores não ficam à mostra, mas o cheiro do
produto pode ser sentido ao longo da avenida Amílcar Cabral.
Prazo para a venda
Um ex-funcionário de um serviço de investigação do Estado conta que o
ritmo intenso da extração de troncos antes da eleição tem uma
explicação. "O atual governo da Guiné-Bissau não é legal. A
intensificação do corte se deve ao enriquecimento rápido que eles
querem alcançar enquanto estão no governo. Este corte abusivo de
madeira começou com os militares. Todos os troncos são enviados para
a China", diz o ex-agente.
De acordo com o diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís
Olundo Mendes, muitas comunidades escondem as pessoas que
derrubam as árvores. "Os próprios cidadãos guineenses são culpados
pelo desmatamento ilegal. Apreendemos no ano passado cem
contêineres ilegais", diz.
Licenças alugadas
Para cortar madeira em Guiné-Bissau, é preciso alugar uma licença. Um
cidadão com conexões com o governo revelou à reportagem, no entanto,
que não conseguiu pagar pelo empréstimo de uma licença. Segundo ele,
seria necessário pagar uma quantia para o dono da licença e também
pagar os cortadores no mato para participar do negócio. "Mas eu
comecei a hesitar para entrar no negócio porque surgiu um alerta que,
seja o corte legal, seja ilegal, mais cedo ou mais tarde a justiça vai
pegar os envolvidos. Além disso, já é tarde. Pode ser que o próximo
governo pare com isso."
A mesma fonte da reportagem diz que a venda de dois contêineres de
madeira garante o sustento de uma família por alguns meses. "Muitos
que entraram no negócio irregular estão ricos", diz. Para ele, o corte
ilegal está tão elevado devido ao momento que o país vive. "Não há
controle, não há Estado. Cada um faz o possível para sobreviver. Só
quem tem madeireira pode conseguir essa licença. Mas agora todo
mundo está no mato", salienta.
De acordo com ele, quem não tem licença, às vezes, pode ter cobertura
até de "um alto dirigente" para fazer a extração dos troncos. "Se
consegue ter um parceiro que tenha uma licença de corte, é só você
procurar uma zona onde tenha pau-de-sangue, a madeira mais
procurada. Ele te dá a cobertura e depois você pode cortar. Três
contêineres já são um bom negócio, os chineses vêm e compram",
explica.
De acordo com pessoas que tentaram, mas não conseguiram entrar no
esquema, os cortadores ganham até três euros por tronco. "Dois
contêineres cheios de troncos valem o equivalente a 11,4 mil euros. Se
for levado até o porto, vale quase o dobro. Se conseguir exportar, é
muito mais dinheiro", revela a fonte.
Os apelos
Na pressa para carregar a madeira, contêineres acabam caídos nas rodovias do
país
O embaixador da China na Guiné-Bissau, Yan Banghua, disse que o país
não faz negócios ilegais com o país africano. "Temos que respeitar todas
as leis e regras vigentes neste país. Sempre mantemos boa cooperação
com o governo, com as autoridades e com este povo para trabalharmos
juntos."
A mídia guineense se calou por medo de represália. Alguns cidadãos, no
entanto, coletaram informações e lançaram no fim de março um
panfleto anônimo sobre o desmatamento ilegal de troncos. Conforme o
documento, o negócio gerou em 2013 mais de 7,2 milhões de euros —
um montante que poderia pagar parte dos quatro meses de salários
atrasados dos servidores públicos.
O representante do secretário-geral da ONU, José Ramos-Horta, visitou
um local onde as madeiras estão sendo cortadas. Ele disse acreditar que
a comunidade internacional vá se levantar contra a questão. "Em
particular, organizações não-governamentais especializadas na área de
proteção do meio ambiente, com as quais eu já estou em contato. Vamos
fazer uma campanha internacional para denunciar esta barbaridade que
está acontecendo contra a natureza em Guiné-Bissau."
Data 19.05.2014
Autoria Marcio Pessôa
Edição Alexandre Schossler