SEMICONDUTORES Trem de levitação: quebra de paradigmas...

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S E M I C O N D U T O R E S 20 por Thiago Romero Trem de levitação: quebra de paradigmas tecnológicos Um meio de transporte não poluen- te, de pouco consumo energético e de bai- xo custo de implantação e manutenção. Esta é a proposta do trem de levitação magnética projetado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nomeado Maglev-Cobra, o veículo não depende do atrito entre rodas e trilhos e poderá per- correr, em breve, um trecho de pouco mais de cem metros na Ilha do Fundão, no cam- pus da universidade fluminense. "O Maglev-Cobra se destaca por ser ecológica, técnica e politicamente cor- reto. E é uma iniciativa que trará novas oportunidades de crescimento indus- trial e científico para o país", diz Richard Stephan, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ. Ele acrescenta que o projeto tem, ainda, um cunho social forte, uma vez que deve- rá facilitar a mobilidade das pessoas nas grandes cidades. A tecnologia, que começou a ser tes- tada em 1998 nos laboratórios da Coppe, é baseada na formação de um campo magnético de repulsão entre os trilhos e os módulos de levitação, formados por pastilhas supercondutoras que substi- tuem as rodas e são compostas de ítrio, bário e cobre. Para criar esse campo mag- nético que faz o trem levitar, os super- condutores são resfriados com nitrogê- nio líquido. O trem de levitação foi desenhado para suprir as necessidades do trans- porte urbano e, para ser mais eficiente, era desejável um baixo consumo de ener- gia elétrica. Os testes com um modelo reduzido do trem estimam 25 quilo-jou- les por passageiro-quilômetro (kJ/pkm), enquanto o consumo de um ônibus comum é de 400 kJ/pkm e o de um avião gira em torno de 1200 kJ/pkm. Calcula-se, ainda, que uma viagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo gera- ria apenas 2,6 quilos de dióxido de car- bono (CO2) para cada passageiro, enquan- to uma viagem de avião no mesmo tra- jeto produz, em média, 98 quilos por indivíduo do gás causador do efeito estu- fa. Outra vantagem é que o tempo gasto nos dois meios de transporte seria pra- ticamente o mesmo: 1 hora e 30 minutos. Orçada em R$ 4,1 milhões, a constru- ção desse módulo do veículo em escala real integra a fase de testes do projeto, cujo pedido de financiamento foi apre- sentado ao Banco Nacional de Desen- volvimento Econômico e Social (BNDES) pelo coordenador dos trabalhos, Richard Stephan, e aguarda aprovação. MERCADO PROMISSOR Segundo o pesquisador do Laborató- rio de Estudos e Simulações de Sistemas Metroferroviários do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe, Eduardo Gonçalves David, a possível construção do Maglev-Cobra poderá criar um mercado inovador para o país, seguin- do o exemplo de empresas bem sucedi- das como a Embraer, que, em sua opi- nião, sabe pesquisar as tendências do mercado, aproveita a criatividade nacio- nal no design, produz aviões de alta qua- lidade e compra de outros países o que a capacidade industrial local não tem escala para desenvolver. "O terceiro milênio será formado pelos transportes sem rodas, baseados em levitação magnética. O Brasil não tem empresas nacionais fabricando equi- pamentos ferroviários, todas as existen- tes são multinacionais. Poderíamos dar um salto tecnológico nessa área porque somos capazes de suprir as demandas desse mercado", diz o pesquisador, que atua no setor ferroviário há 33 anos e já escreveu dois livros sobre o assunto. Para o Maglev-Cobra ser construído em larga escala, o material indicado para sua fabricação seria o compósito, à base de fibra de carbono. "É o mesmo mate- PESQUISADORES DA UFRJ ACREDITAM QUE A POSSÍVEL IMPLEMENTAÇÃO EM GRANDES CIDADES DO MAGLEV-COBRA, TREM DE LEVITAÇÃO MAGNÉTICA PROJETADO NA UNIVERSIDADE, PODERÁ CRIAR NOVOS MERCADOS E INCENTIVAR A INDÚSTRIA NACIONAL

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S E M I C O N D U T O R E S

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por Thiago Romero

Trem de levitação: quebra de paradigmas tecnológicos

Um meio de transporte não poluen-te, de pouco consumo energético e de bai-xo custo de implantação e manutenção.Esta é a proposta do trem de levitaçãomagnética projetado na UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ). NomeadoMaglev-Cobra, o veículo não depende doatrito entre rodas e trilhos e poderá per-correr, em breve, um trecho de pouco maisde cem metros na Ilha do Fundão, no cam-pus da universidade fluminense.

"O Maglev-Cobra se destaca por serecológica, técnica e politicamente cor-reto. E é uma iniciativa que trará novasoportunidades de crescimento indus-trial e científico para o país", diz RichardStephan, professor do Instituto AlbertoLuiz Coimbra de Pós-Graduação ePesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ.Ele acrescenta que o projeto tem, ainda,um cunho social forte, uma vez que deve-rá facilitar a mobilidade das pessoas nasgrandes cidades.

A tecnologia, que começou a ser tes-tada em 1998 nos laboratórios da Coppe,é baseada na formação de um campomagnético de repulsão entre os trilhose os módulos de levitação, formados porpastilhas supercondutoras que substi-tuem as rodas e são compostas de ítrio,bário e cobre. Para criar esse campo mag-nético que faz o trem levitar, os super-condutores são resfriados com nitrogê-nio líquido.

O trem de levitação foi desenhadopara suprir as necessidades do trans-

porte urbano e, para ser mais eficiente,era desejável um baixo consumo de ener-gia elétrica. Os testes com um modeloreduzido do trem estimam 25 quilo-jou-les por passageiro-quilômetro (kJ/pkm),enquanto o consumo de um ônibuscomum é de 400 kJ/pkm e o de um aviãogira em torno de 1200 kJ/pkm.

Calcula-se, ainda, que uma viagementre o Rio de Janeiro e São Paulo gera-ria apenas 2,6 quilos de dióxido de car-bono (CO2) para cada passageiro, enquan-to uma viagem de avião no mesmo tra-jeto produz, em média, 98 quilos porindivíduo do gás causador do efeito estu-fa. Outra vantagem é que o tempo gastonos dois meios de transporte seria pra-ticamente o mesmo: 1 hora e 30 minutos.

Orçada em R$ 4,1 milhões, a constru-ção desse módulo do veículo em escalareal integra a fase de testes do projeto,cujo pedido de financiamento foi apre-

sentado ao Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social (BNDES)pelo coordenador dos trabalhos, RichardStephan, e aguarda aprovação.

MERCADO PROMISSORSegundo o pesquisador do Laborató-

rio de Estudos e Simulações de SistemasMetroferroviários do Programa deEngenharia de Transportes da Coppe,Eduardo Gonçalves David, a possívelconstrução do Maglev-Cobra poderá criarum mercado inovador para o país, seguin-do o exemplo de empresas bem sucedi-das como a Embraer, que, em sua opi-nião, sabe pesquisar as tendências domercado, aproveita a criatividade nacio-nal no design, produz aviões de alta qua-lidade e compra de outros países o quea capacidade industrial local não temescala para desenvolver.

"O terceiro milênio será formadopelos transportes sem rodas, baseadosem levitação magnética. O Brasil nãotem empresas nacionais fabricando equi-pamentos ferroviários, todas as existen-tes são multinacionais. Poderíamos darum salto tecnológico nessa área porquesomos capazes de suprir as demandasdesse mercado", diz o pesquisador, queatua no setor ferroviário há 33 anos e jáescreveu dois livros sobre o assunto.

Para o Maglev-Cobra ser construídoem larga escala, o material indicado parasua fabricação seria o compósito, à basede fibra de carbono. "É o mesmo mate-

PESQUISADORES DA UFRJ ACREDITAM QUE A POSSÍVEL

IMPLEMENTAÇÃO EM GRANDESCIDADES DO MAGLEV-COBRA,

TREM DE LEVITAÇÃO MAGNÉTICA PROJETADO NA

UNIVERSIDADE, PODERÁ CRIARNOVOS MERCADOS E INCENTIVAR

A INDÚSTRIA NACIONAL

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base em estudos realizados em parceriacom a Escola Politécnica (Poli) daUniversidade de São Paulo (USP), que osistema de levitação poderá ser implan-tado por aproximadamente R$ 33 milhõespor quilômetro, um terço do valor de cons-trução de uma linha de metrô subterrâ-neo com a mesma capacidade de passa-geiros/hora. As pesquisas indicam que,para o transporte urbano, o Maglev-Cobratambém seria capaz de reduzir o custooperacional em até 50%.

Mas o que está faltando para queesse projeto saia do papel e seja imple-mentado na Ilha do Fundão? Para Davidnão se trata de falta de base tecnológi-ca, que existe tanto na UFRJ como naUSP e é comprovada em acordos inter-nacionais mantidos pelas duas entida-des, principalmente com centros de pes-quisas da Alemanha, país que possuium trem de levitação magnética seme-lhante em operação.

"Acredito que o problema tambémnão seja a falta de recursos financeiros.O que falta é interesse político e social.Esse é o ponto que precisa ser melhortrabalhado", afirma o engenheiro da

Coppe. Para ele a receita do sucesso paraesse projeto é unir a competência tec-nológica existente com recursos empre-sariais e apoio político. "Essa é uma opor-tunidade rara de quebrarmos paradig-mas na área dos transportes no país",acrescenta David.

De acordo com o professor RichardStephan, o principal desafio é vencer oceticismo do meio técnico e acadêmicodiante da possibilidade da indústria bra-sileira liderar uma solução inovadorano setor de transportes. "A história recen-te tem comprovado que o Brasil foi bemsucedido quando conseguiu quebrarparadigmas", afirmou.

Stephan exemplificou com a lideran-ça brasileira na exploração de petróleoem águas profundas, com a Embraer,que disputa o terceiro lugar entre asempresas globais fornecedoras de aero-naves e com a implantação do que eleconsidera o "maior programa de biocom-bustível do mundo", o Proálcool. "OMaglev-Cobra, enfrentando e vencendodesafios tecnológicos, reúne as condi-ções necessárias para fazer parte dessalista de sucessos", conclui.

rial, extremamente leve e resistente, queos mais modernos aviões utilizam. Aentrada desse veículo no mercado esti-mularia as empresas nacionais a produ-zirem tais materiais", acredita.

TECNOLOGIA DE PONTADavid explica que existem três tec-

nologias de levitação no mercado: a ele-tromagética, utilizada desde 2003 naligação do Aeroporto Internacional deXangai, na China, com o centro da cida-de, a eletrodinâmica, pesquisada pelosjaponeses e que detém o recorde de velo-cidade de trens com a marca de 581 qui-lômetros por hora, e a magnética, pes-quisada na Coppe.

"Essa tecnologia é a mais recentedas três e só foi possível com o surgi-mento das pastilhas cerâmicas super-condutoras de alta temperatura críticae dos super-ímãs comerciais, em mea-dos da década de 1990. Sua grande van-tagem é a redução de custo, uma vez quenão exige controle eletrônico da levita-ção, que ocorre naturalmente", observao pesquisador da Coppe.

Os pesquisadores acreditam, com

Protótipo do Maglev-cobra, instalado em laboratório do Coppe: trem de levitação foi desenhado para suprir as necessidades do transporte urbano

Divulgação

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