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    A LEI 5.692 DE 1971 E A PRESENA DOS PRECEITOS LIBERAIS EESCOLANOVISTAS: OS ESTUDOS SOCIAIS E A FORMAO DA CIDADANIA.

    Mara Regina Martins Jacomeli

    Faculdade de Educao da UNICAMP/[email protected]:O texto discute como a Lei 5.692 de 1971, elaborada na ditadura militar, abordou temticassociais do currculo para o ensino fundamental. A formao para a cidadania fez parte doprojeto educacional dos militares para a mansido e os Estudos Sociais representaram osconhecimentos para tanto. A escola foi usada para divulgar valores desejveis e manter asociedade pacfica, apesar da retrica liberal que defendia as liberdades individuais. Paraalm dessa retrica, os pores da ditadura calavam quem no concordasse com asimposies do regime militar. A nfase nos Estudos Sociais traduziram quaisconhecimentos seriam ministrados nas escolas, cumprindo com um papel muito

    importante: quebrar as resistncias sociais, via um currculo carregado de valores morais eticos, pensados para a formao do cidado no perodo.Palavraschave: Histria da Educao, Currculo, Cidadania, Ditadura Militar, PolticaEducacional

    THE 5692 LAW, OF 1971 AND THE PRESENCE OF LIBERAL and New SchoolPRECEPTS: SOCIAL STUDIES AND THE FORMATION OF CITIZENSHIP.

    ABSTRACT:The text discusses about how the 5692 Act of 1971, established during the militarydictatorship, has addressed social themes of the curriculum for elementary schools. Thetraining for citizenship education project was part of the military for "gentleness" andrepresented the social studies knowledge to do so. The school was used to promotedesirable values and keep society peaceful "despite the liberal rhetoric that advocatedindividual liberties. Beyond this rhetoric, the "dungeons of dictatorship" shut up those whodid not agree with the charges of the military regime. The emphasis in Social Studieswhich knowledge could be translated taught in schools, fulfilling an important role: tobring down social resistance, by a resume loaded with moral and ethical values, thought tothe citizens training in the period.Keywords: History of Education, Curriculum, Citizenship, Military Dictatorship,

    Education PolicyApresentao

    No texto1discuto como a Lei 5.692/71 apresentou a abordagem de temticas sociaisatravs de seu currculo, caracterizando como tais temas se fizeram presentes na legislaoeducacional do perodo histrico da ditadura militar no Brasil. A inteno evidenciarcomo os Estudos Sociais e, nele, a disciplina de Educao Moral e Cvica, no passaram deexpresso de adequaes do discurso liberal. A retrica liberal utilizou-se e utiliza-se daescola como forma de divulgar valores desejveis para manter a sociedade coesa epacfica, de acordo com os preceitos postulados por sua ideologia. Isso pode ser

    percebido quando da anlise dessa legislao e currculo para o nvel de ensinofundamental no perodo.

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    O que quero explicitar em meu texto que a proposta dos Estudos Sociais e astemticas sociais ali presentes representaram uma tentativa de reorganizao do discursoliberal em educao, sendo uma adequao do que j foi discutido em outros tempos nombito das ideologias educacionais liberais, como exemplo, pelos escolanovistas. Algumas

    questes so certamente diferenciadas, j que tambm a sociedade da dcada de 1970trazia caractersticas e exigncias que no estavam presentes no seu passado, mas o choterico ainda era dado pelo liberalismo. Era o caso da viso e do discurso de transformaoe adequao da sociedade pela reforma da escola e pela divulgao de valores desejveispara o determinado momento histrico.

    Nesse sentido, compactuo com a idia de que no projeto de sociedade capitalista, ocurrculo escolar um excelente meio para divulgar ideologias favorveis implementaoda viso de mundo dominante. Em muitos momentos de crise pelos quais passa/passou ocapitalismo, a educao alada primeira instncia de cuidado do Estado, numa tentativade reordenamento desta mesma sociedade. Assim, no texto evidencio como a educaopara a formao da cidadania fez parte do projeto educacional dos militares para a

    mansido e os Estudos Sociais representaram os conhecimentos para tanto. A escola foiusada para divulgar valores desejveis e manter a sociedade pacfica, apesar da retricaliberal e escolanovista que defendia as liberdades individuais. Para alm dessa retrica, ospores da ditadura calavam quem no concordasse com as imposies do regime militar.A nfase nos Estudos Sociais traduziram quais conhecimentos seriam ministrados nasescolas, cumprindo com um papel muito importante, qual seja: quebrar as resistnciassociais, via um currculo carregado de valores morais e ticos, pensados para a formaodo cidado.

    A contexto da reforma educacionalOs discursos em torno da Lei 5.692/71, durante a ditadura militar brasileira, e que

    substituram praticamente na ntegra a legislao educacional expressa pela primeira Lei deDiretrizes e Bases da Educao, a Lei 4.024/61, diziam que a necessidade de alterao dalegislao atendia aos ditames de um novo momento social. Para tanto, esse momentopedia uma nova escola e uma nova viso educacional. Assim, a Lei 5.692/71 foisaudada como a panacia, como a redeno da educao brasileira, ironicamente, atmesmo entre os educadores no perodo militar. A reforma educacional implantada atendiaao chamado de construo de um projeto nacional que serviria como alavanca para odesenvolvimento do Brasil Potncia (Saviani, 1987, p. 127).

    A educao, no decorrer do perodo que vai de 1964 a 1985, relacionou-se represso, privatizao do ensino, excluso de grande parcela das classes populares do

    ensino pblico de boa qualidade, institucionalizao do ensino profissionalizante, desmobilizao do magistrio pela via de uma legislao educacional complexa econtraditria e ao tecnicismo pedaggico.

    Quanto ao modelo econmico que se instaurou com o golpe, no podemos dizerque ele representou uma mudana efetiva em relao aos anos anteriores, j que houveuma continuidade das polticas econmicas adotadas at ento. Nos anos de 1950 a 1960,entretanto, foi se percebendo uma grande contradio: se por um lado a superestruturaideolgica respirava o clima do nacional-desenvolvimentismo, por outro lado, a poltica dogoverno no seguiu essa ideologia, optando, sim, pela abertura do Brasil aos investimentosdo capital externo. A ideologia nacional-desenvolvimentista era defendida e divulgada porpesquisadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Isso verificou-se nas

    dcadas de 1950 e 1960, quando o crescimento do parque industrial brasileiro se deu apartir do capital monopolista estatal e multinacional, ao mesmo tempo em que se

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    professava uma ideologia que defendia o desenvolvimento brasileiro pelo fortalecimentodo capital nacional. As contradies econmicas e sociais advindas dessa poltica criaramum clima propcio para o Golpe de 1964.

    O Golpe acabou por combater a ideologia nacional-desenvolvimentista,

    substituindo-a pela ideologia da ESG (Escola Superior de Guerra) que pregava odesenvolvimento com segurana e facilitava a entrada do capital estrangeiro no pas.Com os militares no poder, verificou-se no Brasil uma poltica de represso da

    sociedade civil e um controle estatal direto em escolas, sindicatos, partidos polticos eoutros. Foi no perodo que um dos mecanismos mais ferozes de controle das liberdades doscidados brasileiros, os Atos Institucionais, dentre eles, o AI 5 de 1968, foramimplementados. No sem motivo, tambm a ditadura militar conviveu com a resistncia daesquerda, muitas vezes armada que, de todas as maneiras, buscou reverter a situaopoltica e social na qual estava submersa a sociedade brasileira.

    Assim, a partir de tal contexto vimos nascer uma nova reforma educacional quealterava toda a estruturao do ensino brasileiro, bem como a que nos interessa no presente

    texto: a Lei 5.692/71.E foi, no interior dos embates polticos, sociais e econmicos, que a educao foi

    reformada para forjar o novo cidado, obediente e pacfico e que a ditadura militaralmejava para a sociedade. Nessa reforma educacional, os Estudos Sociais, queenglobavam as disciplinas de Histria e Geografia e a disciplina de Educao Moral eCvica, teriam a funo de inculcar os valores sociais desejveis para o governo militar.

    A Lei 5.692/71 e os Estudos SociaisA Lei 5.692/71 fixou as diretrizes de implementao e implantao do ensino de

    1oe 2ograus. Quanto ao objetivo geral, a legislao dizia:Art. 1o O ensino de 1o e 2o graus tem por objetivo geralproporcionar ao educando a formao necessria aodesenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realizao, qualificao para o trabalho e preparo para o exerccioconsciente da cidadania2. 1o Para efeito do que dispem os Arts. 176 e 178 daConstituio, entende-se por ensino primrio a educaocorrespondente ao ensino de primeiro grau e por ensino mdio, o desegundo grau. 2o O ensino de 1oe 2o graus ser ministrado obrigatoriamente

    na lngua nacional (Secretaria de Estado dos Negcios da Educao...., 1976, p. 7).

    Na orientao dada ao currculo, ao conhecimento ministrado nas escolas, alegislao apontou para a necessidade de um ncleo comum obrigatrio para todo o Brasile de uma parte diversificada que atendesse s especificidades locais, individuais etc..

    Art. 4o Os currculos do ensino de 1oe 2ograus tero um ncleocomum, obrigatrio em mbito nacional, e uma parte diversificadapara atender, conforme as necessidades e possibilidades concretas,s peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e sdiferenas individuais dos alunos.

    1o

    Observar-se-o as seguintes prescries na definio doscontedos curriculares:

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    I O Conselho Federal de Educao fixar para cada grau asmatrias relativas ao ncleo comum, definindo-lhes os objetivos eamplitude.II Os Conselhos de Educao relacionaro, para os respectivos

    sistemas de ensino, as matrias dentre as quais poder cadaestabelecimento escolher as que devam constituir a partediversificada.III Com aprovao do competente Conselho de Educao, oestabelecimento poder incluir estudos no decorrentes de matriasrelacionadas de acordo com o inciso anterior. 2o No ensino de 1oe 2ograus dar-se- especial relevo ao estudoda lngua nacional, como instrumento de comunicao e comoexpresso da cultura brasileira. 3o Para o ensino de 2o grau o Conselho Federal de Educaofixar, alm do ncleo comum, o mnimo a ser exigido em cada

    habilitao profissional ou conjunto de habilitaes afins. 4o Mediante aprovao do Conselho Federal de Educao, osestabelecimentos de ensino podero oferecer outras habilitaesprofissionais para as quais no haja mnimos de currculopreviamente estabelecidos por aquele rgo, assegurada a validadenacional dos respectivos estudos (Secretaria de Estado dosNegcios da Educao ...., 1976, p. 8).

    Para a organizao do conhecimento, o documento prescreveu o trabalhopedaggico a partir da noo de disciplinas, reas de estudo e atividades.

    Art. 5o As disciplinas, reas de estudo e atividades que resultemdas matrias fixadas na forma do artigo anterior, com asdisposies necessrias ao seu relacionamento, ordenao eseqncia, constituiro para cada grupo o currculo pleno doestabelecimento. 1o Observadas as normas de cada sistema de ensino, o currculopleno ter uma parte de educao geral e outra de formaoespecial, sendo organizado de modo que:a) no ensino de primeiro grau, a parte de educao geral seja

    exclusiva nas sries iniciais e predominante nas finais;b) no ensino de segundo grau, predomine a parte de formao

    especial. 2o A parte de formao especial do currculo:a) ter o objetivo de sondagem de aptides e iniciao para o

    trabalho, no ensino de 1ograu, e de habilitao profissional, noensino de 2ograu;

    b) ser fixada, quando se destine a iniciao e habilitaoprofissional em consonncia com as necessidades do mercadode trabalho local ou regional, vista de levantamentosperiodicamente renovados.

    3o Excepcionalmente, a parte especial do currculo poderassumir no ensino de 2o grau, o carter de aprofundamento em

    determinada ordem de estudos gerais, para atender a aptido

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    especfica do estudante, por indicao de professores e orientadores(Secretaria de Estado dos Negcios da Educao ...., 1976, p. 8).

    A Lei determinou tambm que, no currculo pleno de todas as instituies

    escolares e de todos os graus, estivessem presentes a disciplina de Educao Moral eCvica e a de Programas de Sade, fazendo parte dos estudos para a formao do cidado.O Parecer n 94/71, do Conselho Federal de Educao, intitulado Educao Moral eCvica, apresenta a viso do que seria a educao moral e a cvica. Traz como relator, DomLuciano Jos Cabral Duarte, arcebispo de Aracaju, o qual foi enftico quanto visoconservadora, de mos dadas com os preceitos morais postulados pela Igreja Catlica.Da mesma maneira, a formao de um cidado para viver numa democracia, no caso abrasileira, era um dos objetivos da disciplina.

    Que visa, assim, a Educao Moral?Visa a decantao do Instinto Moral de um ser livre, suaformao consciente e crtica, ao seu aperfeioamento, no convvio

    com os outros, atravs do crescimento humano progressivo dacriana, do adolescente e do jovem, at a idade adulta.(...) A Educao Cvica visa, desta forma, basicamente, formaoda criana, do adolescente e do jovem para a Democracia.Entendendo-se a Democracia, luz da Constituio do Brasil,como aquela forma de convivncia social cuja essncia evanglica (no dizer de Brgson), pois tem como fundamento aigualdade dos homens livres e como esprito o amor fraterno(Vasconcellos, 1972, p. 250 e 252).

    Horta (1994) afirma que a Educao Moral e Cvica esteve presente nos currculosescolares, de forma explcita e s vezes implcita, em todas as formulaes curriculares daeducao de quase todos os nveis de ensino, ao longo de toda a histria da repblicabrasileira. Ela sempre teve a caracterstica de ensino de valores, bem como a de formaros indivduos, de acordo com a sociedade desejada.

    De acordo com Cunha e Ges (1985, p. 76), a Educao Moral e Cvicaimplantada com a Lei 5.692/71 representou uma slida fuso do pensamento reacionrio,do catolicismo conservador e da doutrina de segurana nacional. A importncia da figurade Dom Luciano e sua influncia nos encaminhamentos dados para a educao brasileira,foi destacada pelos autores.

    Membro do Conselho Federal de Educao, o arcebispo Luciano j

    era o mais destacado intelectual da corrente integrista da IgrejaCatlica, que tem resistido s mudanas do Conclio Vaticano II eseus desdobramentos teolgicos e pastorais. Como parte do acordoentre o setor reacionrio da hierarquia da Igreja Catlica e aditadura, o arcebispo Luciano assumiu a presidncia do Movimentode Educao de Base, demitindo toda a equipe tcnica, na mesmapoca do parecer moral e cvico. Em seguida, atrelou o MEB aoDepartamento de Ensino Supletivo do Ministrio da Educao,transformando o mais importante sistema de educao de base

    jamais organizado no Brasil em mera linha auxiliar do Mobral,justamente quando este despontava como a grande soluo para

    alcanar apoio das massas ditadura (Cunha e Ges, 1985, p. 76).

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    Assim, a Educao Moral e Cvica foi imposta como o necessrio instrumento aser implantado nas escolas para forjar as mentes e para incutir o esprito de patriotismocultivado naquele momento poltico, onde deveria integrar a rea de Estudos Sociais.

    Segundo o Decreto-lei 869, de 1969, em seu Art. 2o, a Educao Moral e Cvica

    teria como finalidade: a) a defesa do princpio democrtico, atravs da preservao doesprito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor liberdade com responsabilidade, sob a inspirao de Deus;

    b) a preservao, o fortalecimento e a projeo dos valoresespirituais e ticos da nacionalidade;

    c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento desolidariedade humana;

    d) o culto Ptria, aos seus smbolos, tradies, instituies, e aosgrandes vultos de sua histria;

    e) o aprimoramento do carter, com apoio na moral, na dedicao

    famlia e comunidade;f) a compreenso dos direitos e deveres dos brasileiros e o

    conhecimento da organizao scio-poltico-econmica doPas;

    g) o preparo do cidado para o exerccio das atividades cvicas,com fundamento na moral, no patriotismo e na aoconstrutiva, visando ao bem comum;

    h) o culto da obedincia Lei, da fidelidade ao trabalho e daintegrao na comunidade.

    Pargrafo nico. As bases filosficas, de que trata este artigo,devero motivar:a)

    a ao nas respectivas disciplinas, de todos os titulares domagistrio nacional, pblico ou privado, tendo em vista aformao da conscincia cvica do aluno;

    b) a prtica educativa da moral e do civismo nos estabelecimentosde ensino, atravs de todas as atividades escolares, inclusivequanto ao desenvolvimento de hbitos democrticos,movimentos de juventude, estudos de problemas brasileiros,atos cvicos, promoes extra-classe e orientao dos pais(Secretaria de Estado dos Negcios da Educao ...., 1976, p.135).

    Chama a nossa ateno a postura nacionalista, patritica, um verdadeiro culto aomilitarismo, acobertado sob o princpio democrtico, como se houvesse democracia emplena ditadura militar. Por trs do jargo de defesa de uma sociedade democrtica seesconderam prticas de perseguio poltica, assassinatos e outras aberraes jenormemente analisadas e que estiveram escondidas nos pores escuros desse perodo.

    Enfatizo que apenas alguns artigos da Lei 4.024/61 permaneceram em vigor e sesomaram aos propostos pela 5.692/71. Justamente aqueles que tratavam dos fins daeducao e que traziam um discurso com cara de democrtico e com nfase no respeito liberdade individual, mesmo sendo tempos de perseguio poltica aos indivduos que noconcordavam com a ditadura militar. A liberdade foi/ uma das bandeiras do liberalismo e

    que a LDBEN/96 tambm professa, assim como professou a antiga LDB de 1961, bemcomo a Lei 5.692/71. Vejamos:

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    Ttulo IDos Fins da EducaoArt. 1o A educao nacional, inspirada nos princpios deliberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim:

    a)

    a compreenso dos direitos e deveres da pessoa humana, docidado, do Estado, da famlia e dos demais grupos quecompem a comunidade;

    b) o respeito dignidade e s liberdades fundamentais do homem;c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade

    internacional;d) o desenvolvimento da personalidade humana e a sua

    participao na obra do bem comum;e) o preparo do indivduo e da sociedade para o domnio dos

    recursos cientficos e tecnolgicos que lhes permitam utilizar aspossibilidades e vencer no meio;

    f)

    a preservao do patrimnio cultural;g) a condenao a qualquer tratamento desigual por motivo de

    convico filosfica, poltica ou religiosa, bem como aquaisquer preconceitos de classe ou de raa (Secretaria deEstado dos Negcios da Educao ...., 1976, p. 17).

    Este item evidencia bem que na lei, no papel, tudo possvel. Sabemos o que aditadura militar fez para aqueles que no concordaram com o regime e que nocomungaram com seus princpios. Portanto, o discurso de respeito s diferenas bemmais antigo do que pensamos, mesmo que ele no tenha representado, realmente, respeitoalgum.

    Quanto questo ideolgica, Fazenda (1988) afirma que as reformas educacionaisocorridas no perodo tiveram a herana da ideologia liberal, nacional-desenvolvimentista,forjada pelo ISEB. Aps o golpe militar o ISEB extinto e o Instituto de Pesquisa eEstudos Sociais (IPES) assume a sua funo. O IPES j era uma instituio reacionriaantes de ser a instituio de divulgao da ideologia militar, tambm liberal, que combatiaas idias das Reformas de Base, propostas pelas foras polticas de esquerda e, em certamedida, apoiadas por Joo Goulart (Jango). A distino entre as duas vertentes liberais, doISEB e do IPES, pode ser resumida da seguinte maneira: a primeira enfatizava odesenvolvimento do capitalismo brasileiro a partir do fortalecimento de parques industriaisnacionais, mas era temida por ter aceitao at na esquerda poltica; a segunda defendia o

    desenvolvimento do Brasil, nos moldes capitalistas, a partir da unio do capital nacional eexterno, dela surgiu o jargo desenvolvimento com segurana, expurgando apossibilidade de ventos comunistas baixarem por aqui.

    Aps a tomada do poder pelos militares, o Brasil escancarou as portas para ocapital externo se instalar, prtica essa que tambm esteve presente anteriormente emoutros governos. Na verdade, com a instaurao da Repblica, o Brasil viveu muitosperodos de efervescncia ideolgica e teve governos como o de Vargas e o de JuscelinoKubitschek, por exemplo, que divulgavam uma ideologia liberal, nacionalista edesenvolvimentista, mas que no deixaram de atrelar o desenvolvimento econmico dopas aos ditames e vontades do capital internacional, principalmente o americano, emfuno da ajuda financeira que este lhes proporcionava.

    interessante registrarmos como Fazenda (1988) evidencia o fato da ideologialiberal, travestida da perspectiva desenvolvimentista, estar presente nas falas dos relatores

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    da reforma educacional, consubstanciada pela Lei 5.692/71. A sua presena na legislaorepresentou um mecanismo, dentre outros, de sossegar vozes dissonantes no meioacadmico e na sociedade de forma geral, cumprindo com um papel de pacto do silncio.Tambm a ideologia liberal se travestiu de um tecnicismo que estava na base da poltica

    estatal do governo militar.Aparentando ser uma viso de mundo universal, justa e neutra emrelao a todos os membros da sociedade, o governo militar ps-64(legtimo representante da classe dominante) passa a fazer uso deuma linguagem cientfico-tecnocrtica em educao, toda repletade smbolos e metforas (como se fora o representante mais fiel daclasse dominada). Tcnicos de alto nvel, gostam de escrever de

    forma tecnicamente atualizada quando legislam, e expressam uma

    lgica to refinada que o senso comum j no consegue perceber

    os limites entre o que pode fazer e o que desejaria fazer (Lizete A.G. Arelaro A descentralizao na Lei 5.692/71: coerncia ou

    contradio? Tese da FEUSP apudFazenda, 1988, p. 82).No perodo de 68 72, em clima de euforia econmica, a tcnicado planejamento vai sendo utilizada em larga escala, procurandodar poltica estatal tecnocrtica um cunho cientfico, atravs deuma linguagem precisa e convincente.Embora muitos dos liberais houvessem sido afastados da esferapoltica, ao lado de uma ideologia do planejamento (queprocurava introduzir, de maneira explcita e programada,mecanismos de interveno que pudessem fornecer ao sistemamaior previso e rentabilidade), o discurso dos documentos daReforma Educacional encontra-se circunscrito por uma ideologialiberalque o dignifica e o torna praticamente inquestionvel.Nascida no IPES (anteriormente citado), essa ideologia expressapelos famosos Grupos de Trabalhos foi construda no s peloaparelho governamental, mas, com o reforo fora do Estado,atravs das posies expressas nas resolues das reuniesinteramericanas de educao (Fazenda, 1988, p. 82).

    Outra importante fonte de informao que a autora nos d corrobora com aafirmao da presena da ideologia liberal e seus ideais de democracia, liberdade esolidariedade humana, na Lei. Ela, a ideologia liberal, foi usada at nos documentos que

    antecederam a homologao da Lei 5.691/71. Isso est evidente e pode ser verificadoatravs da fala de uma relatora, Nise Pires, do I Grupo de Trabalho, responsvel pelaelaborao das diretrizes para a Educao Fundamental que foi implementada no perodo.Mesmo em tempos de ditadura, o liberalismo buscou, enquanto ideologia, no se descurarde seus componentes bsicos. Para isso, a educao escolar, de nvel fundamental,manteve-se como aquela necessria para a formao dos trabalhadores. Bem ao gosto deAdam Smith mdica para pouco tempo. Tambm a educao fundamental era vista comomotor do desenvolvimento econmico, viso defendida pelos adeptos da Teoria do CapitalHumano. Em pases onde as foras produtivas se encontram em processo de poucodesenvolvimento, a educao fundamental basta para formar os trabalhadores. Vejamos:

    O Brasil insere-se no mundo democrtico, e, tendo em vista o

    princpio de unidade nacional e os ideais de liberdade e

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    solidariedade humana, dispe-se a oferecer sua populao, emigualdade de oportunidades, uma educao fundamental.Por outro lado, salienta que a realizao do curso mdio confereum status mais alto na escala social, ao qual todos aspiram

    ascender. A busca mais de prestgio que de eficcia pela aoeducativa, o que representa fatal desvirtuamento de fins.A educao fundamental pretende formar crianas e adolescentesfelizes e ajustados e oferecer-lhes condies e situaes deexperincia que lhes permitam sentir-se participantes na vidacomunitria.A educao fundamental justificvel, ainda, em termoseconmicos, porque o preenchimento da mo-de-obra porelementos com adequada formao bsica amplia a rentabilidadedo trabalho e acelera o desenvolvimento (Reforma do EnsinoPrimrio e Mdio, CRPE, 1970 apud Fazenda, 1988, p. 83 84).

    Com relao ao 1o grau, especificamente, no Captulo II, art. 17, a Lei 5.692/71afirma que tal ensino estaria voltado para a formao da criana e do pr-adolescente,variando em contedo e mtodos segundo as fases de desenvolvimento dos alunos(Secretaria de Estado dos Negcios da Educao ...., 1976, p. 9) . O 1o grau teria adurao de oito anos.

    Um melhor entendimento de como foi pensado e como deveria ser implementadoo currculo e a rea de Estudos Sociais encontra-se presente no Parecer 853/71, aprovadoem 12/11/1971. Um dos relatores, Valnir Chagas (1984), mostra o entendimento de comofoi pensada e teorizada a 5.692/71. Vale enfatizar que ele integrou o Grupo de Trabalhoque elaborou o anteprojeto da mesma Lei. No livro que trata sobre a tal legislao, ele seauto-intitula herdeiro das idias de Ansio Teixeira (Cf. Chagas, 1984, p. 77).

    No Parecer fica bem definido o que chamam de ncleo-comum para o currculo.Dele fazem parte as matrias de Comunicao e Expresso, de Estudos Sociais e deCincias. Tambm esto includas as disciplinas de Educao Moral e Cvica, de EducaoFsica, de Educao Artstica, de Programas de Sade e de Ensino Religioso, facultativo.Associadas a elas, o ncleo configura o contedo abaixo do qual se ter por incompletaqualquer formao de 1oe 2ograus... (Secretaria de Estado dos Negcios da Educao ....,1976, p. 28). Os contedos de cada matria seriam: a) Lngua Portuguesa, emComunicao e Expresso; b) Geografia, Histria e Organizao Social e Poltica doBrasil, em Estudos Sociais; e c) Matemtica e Cincias Fsicas e Biolgicas, em Cincias.

    Para a integrao dos diferentes conhecimentos no ncleo comum, o documento enfatizavaque:Mas um ncleo comum no h de ser encarado isoladamente (art.2o), se em termos de currculo, como j proclamavam oseducadores do sculo XVIII, tudo est em tudo. A LnguaPortuguesa no pode estar separada, enquanto forma deComunicao e Expresso, de Educao Artstica ou de umDesenho, que se lhe acrescentem, sob pena de inevitvelempobrecimento. A Geografia, a Histria e a Organizao Social ePoltica do Brasil adquirem tanto mais sentido e vigor quanto maisse interpenetram com vistas integrao do aluno ao meio prximo

    e remoto; e para isso muito ho de contribuir atividades como as deEducao Fsica, Educao Artstica e Educao Cvica, em que a

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    discrepncia individualista numa sesso de Canto Orfenico, numacompetio desportiva ou num debate pblico, por exemplo,acarreta sano natural e automtica emergente das prpriassituaes criadas (Secretaria de Estado dos Negcios da Educao

    ...., 1976, p. 33).

    Vale enfatizar que no documento j estava posta a questo da escola e de seucontedo curricular como espao e ferramenta para incutir e formar valores sociais emorais no homem. A citao seguinte explicita a forma como o legislador pensava afuno do conhecimento escolar a ser ministrado e de que maneira ele se relacionava entreas reas do currculo.

    A Lngua Portuguesa, portanto, ser encarada como o instrumentopor excelncia de comunicao no duplo sentido de transmisso ecompreenso de idias, fatos e sentimentos e sob a dupla forma orale grfica, o que vale dizer: leitura, escrita e comunicao oral.

    Nesta ltima encontra-se um dos elementos mais evidentes deconexo entre a Lngua e os Estudos Sociais, encarados como ummecanismo de integrao do educando ao meio. Tambm no se hde esquecer, neste particular, a importncia cada vez maior queassume nos dias atuais a linguagem falada, ao impacto dos meiosde comunicao audiovisual, a ponto de que, se j no vivemosuma cultura predominantemente oral, pelo menos as duas tendem aequilibrar-se.(...) Ao lado de sua funo instrumental, o ensino da LnguaPortuguesa h de revestir, como antes se assinalou, umindispensvel sentido de expresso da Cultura Brasileira. Assituaes criadas e os textos escolhidos para leitura, em articulaocom as outras matrias, devem conduzir a uma compreenso eapreciao de nossa Histria, da nossa Literatura, da Civilizaoque vimos construindo e dos nossos valores mais tpicos. Isto,evidentemente, no h de conduzir a exclusivismos estreitos. (...)Seja como for, preciso no esquecer que atrs de uma lngua hum pas, nesse pas existem homens, e que se pretende conduzir aeles M. Laloum.J nos encontramos, assim, em pleno domnio dos Estudos Sociais,cujo objetivo a integrao espcio-temporal e social do educando

    em mbitos gradativamente mais amplos . Os seus componentesbsicos so a Geografia e a Histria, focalizando-se na primeira aTerra e os fenmenos naturais referidos experincia humana e, nasegunda, o desenrolar dessa experincia atravs dos tempos. Ofulcro do ensino, a comear pelo estudo do meio, estar no aqui-e-agora do mundo em que vivemos e particularmente, do Brasil edo seu desenvolvimento; (...). O legado de outras pocas e aexperincia presente de outros povos, se de um lado devem levar compreenso entre os indivduos e as naes, tm que de outraparte contribuir para situar construtivamente o homem em suacircunstncia.

    Para sublinhar esta ltima funo, introduziu-se nos EstudosSociais um terceiro ingrediente representado pela Organizao

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    Social e Poltica do Brasil. Vinculando-se diretamente a um dostrs objetivos do ensino de 1oe 2ograus o preparo ao exerccioconsciente da cidadania para o OSPB e para o Civismo devemconvergir, em maior ou menor escala, no apenas a Geografia e a

    Histria da Cultura Brasileira, nas suas manifestaes maisdinmicas, e do processo em marcha do desenvolvimento nacional .(...) (Secretaria de Estado dos Negcios da Educao ...., 1976, p.34 35) (grifos nossos).

    As interpretaes feitas por Nagle (1973) deixam claro que as matrias econhecimentos presentes nesse currculo tinham o objetivo de padronizao da formaodos alunos, tendo como fim ltimo a manuteno da unidade nacional do pas e, assim,contribuir para a estabilidade social, refletindo um grande controle ideolgico. Da asmatrias obrigatrias serem fixadas pelo Conselho Federal de Educao.

    Algumas matrias tm por funo a formao da criana e do pr-

    adolescente brasileiros objetivo da escola de 1o grau.Homogeneizando-os, desempenham uma funo mais ampla, a depromover a unidade nacional. Por meio de matrias dessa natureza,deve-se estabelecer um denominador comum de ideais e valores, deusos e costumes, de maneiras de sentir, pensar e expressar-se,importantes para a comunho e a estabilidade sociais. Por essasrazes, essa matrias sero obrigatrias e fixadas pelo rgocentral, o Conselho Federal de Educao, formando o ncleocomum (Lei 5.692/71, Art. 4o , 1o , inciso I) do currculo daescola de 1ograu em todo o Brasil (Nagle, 1973, p. 52).

    Diferentemente da parte comum do currculo, a diversificada seria elaborada pelosConselhos de Educao de cada sistema de ensino, que tinham por funo relacionar asmatrias de ensino, bem como pelos estabelecimentos escolares, que deveriam planejarseus currculos, atendendo ao preceito do ncleo-comum. Deveriam, para tanto, escolher,dentre aquelas disciplinas relacionadas pelos Conselhos de Educao, as que melhor seadequassem aos seus planos. Pois, Tal relao ser tanto mais operativa quanto mais rica,flexvel e aberta se apresente (Nagle, 1973, p. 28).

    A legislao analisada afirmava que os contedos obrigatrios deveriam levar aodesenvolvimento de capacidades e de habilidades que contribussem para que o indivduoapreendesse atitudes e capacidades harmnicas e socialmente desejveis. Tais

    capacidades poderiam ser resumidas em: observao, reflexo, criao, discriminao devalores, julgamento, comunicao, convvio, cooperao, deciso e ao. Curiosa foi amaneira como o legislador explicitou a questo, claro que de acordo com o momentopoltico vivenciado, onde moldar mentes e vontades seria extremamente conveniente enecessrio ditadura militar. E o Parecer 853/71 escancara que a educao deve servircomo instrumento para uma vigorosa imunizao mental. Vejamos o Parecer 853/71:

    Numa comparao decerto imperfeita, mas bastante ilustrativa,diremos que no processo educativo tais conhecimentos,experincias e habilidades so para essas atitudes e capacidades oque, no processo nutritivo, os alimentos so para as protenas, oshidratos de carbono, as vitaminas, etc., em que devem transformar-

    se. O que a isso no conduz eliminado no ltimo caso; como naEducao esquecido, sob pena de perturbaes eruditas.

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    Poder-se-ia pensar que no caminho, vamos recuando no tempo eenveredando pela clssica distino das funes de contedo e dedisciplina que se atribuam s matrias de estudo; ou queavanamos demais, preconizando um currculo de atitudes e

    capacidades. Nem uma coisa nem outra, mas um pouco de cada.Ningum ignora que, na Pedagogia dos dias atuais, uma tendncianeodiciplinalista cresce e ganha fora ante a convico, que segeneraliza, de que s uma vigorosa imunizao mental, une ttebien faite, poder armar o homem moderno contra as sutisagresses dos meios de comunicao que ameaam escraviz-lo. Seda no se h de chegar ao extremo de estruturar um currculointeiramente base de traos mentais, sonho ainda muito remoto,cabe pelo menos definir e orientar positivamente esse epifenmenoque, bem ou mal, fatalmente emerge do processo educativo(Secretaria de Estado dos Negcios da Educao ...., 1976, p. 35).

    Quanto viso e fundamentao terica de como se processa o ensino e aaprendizagem, o Parecer 853/71 justificava que o escalonamento e a variao das matrias,distribudas ao longo dos currculos do ensino de 1o e 2o graus e distinguidas entreatividades, reas de estudo e disciplinas, relacionava-se com as dedues e contribuiesda Psicologia Evolutiva e da Psicologia Gentica de Piaget.

    A velha marcha do concreto para o abstrato apresenta-se hoje na Psicologia Gentica de Piaget, por exemplo sob a formatrplice de um perodo sensrio-motor, seguido de uma fase deoperaes concretas que leva, na adolescncia, s operaesformais ... mveis e reversveis. Se em nenhum momentocogitamos de uma correspondncia simtrica entre esses trsperodos e aquela trplice classificao curricular, tambm nodeixamos de considerar o que deles j se fez evidncia no dia-a-diada vida escolar: a montagem a partir do concreto e do mais para omenos amplo, do genrico para o especfico ou, na classificaosempre atual de Claparde, de generalizao inconsciente para ageneralizao consciente (Secretaria de Estado dos Negcios daEducao ...., 1976, p. 38).

    Segundo Nagle (1973), para alm da presena piagetiana na elaborao curricular,

    h uma ntida influncia das teorizaes escolanovistas na proposta de estruturao docurrculo, por reas de estudo, atividades e disciplina, verificadas na Lei 5.692/71 e,paralelamente, no Parecer 853/71 que amparou a homologao de tal legislaoeducacional. Esse aspecto importante para o presente texto, j que trabalhamos com aidia de que no estavam vivenciando o novo na educao, no currculo, mas sim,readequaes de entendimentos educacionais j apontados pelos nossos primeirosdefensores da Escola Nova, como Ansio Teixeira e outros. A ideologia liberal eescolanovista tambm se fizeram presentes neste currculo, mesmo sendo ele idealizadopara uma escola sob a organizao de governos militares.

    As atividades constituem a principal inovao no currculo. Nostermos do Parecer n. 853/71, constituem a categoria curricular de

    campo mais amplo. As aprendizagens, agora desenvolver-se-oantes sobre experincias colhidas em situaes concretas

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    vivncias de situaes e exerccios que se caracterizam pelaocasionalidade. Por essas razes, s atividades se associam oassistemtico, o concreto, o amplo, bem como o prximo e oglobal. Essa foi a maneira pela qual o legislador procurou ajustar o

    currculo da escola de 1o

    grau, especialmente nas suas sriesiniciais, s concluses da psicologia da criana. No difcil,tambm, concluir que por esse caminho se est procurando adotaralgumas idias da Escola Nova na elaborao do currculo(Nagle, 1973, p. 51).

    Por fim, corroborando com essa discusso, Ghiraldelli Jr (1991) evidencia emsuas anlises as adaptaes sofridas pela ideologia da Escola Nova, ao longo de suahistria. No caso do perodo da ditadura militar, a adaptao escolanovista fez surgir a suaverso tecnicista.

    Mas a Pedagogia Nova no se reciclou apenas no decorrer de sua

    divulgao e penetrao fora de seu bero. Internamente, ou seja,em seu prprio leito natural, a Pedagogia Nova foi setransformando e se adaptando aos desenvolvimentos da sociedadecapitalista. Pelas mos dos prprios educadores liberais, aPedagogia Nova foi deixando os velhos mestres e incorporandonovos nomes, demonstrando grande capacidade de recomposio ede rearticulao no sentido de no perder os espaos conquistadosna sua luta por hegemonia na arena das teorias educacionais.Assim, durante os anos 60 e, posteriormente na dcada de 70, ostextos de Dewey, Kilpatrick e outros foram paulatinamenteperdendo espao para verses mais cientificistas e psicologizantesdo escolanovismo, baseadas em Piaget, Brunner e outros. Tambmos textos de Ansio Teixeira, Loureno Filho e outros foramsubstitudos pelas leituras dos divulgadores do piagetianismo, cujomaior expoente foi Lauro de Oliveira Lima. Todo esse movimentoda Pedagogia Nova canalizou energias para o parto de uma outratendncia: a Pedagogia Tecnicista, que se tornou teoria educacionalaps o Golpe de 64.Tanto a LDBEN de 1961 (Lei 4.024/61) como a LDBEN de 1971(Lei 5.692/71) contiveram princpios escolanovistas. A primeiraligou-se aos princpios originais da Pedagogia Nova. A segunda

    cedeu espao ao escolanovismo j nos moldes da PedagogiaTecnicista (Ghiraldelli Jr., p. 127 128).

    Consideraes finaisAlgumas ressalvas se fazem necessrias para as consideraes finais. Ao dizer que

    a ideologia liberal e escolanovista esteve tambm presente nas formulaes da Lei5.692/71 estamos afirmando que, no processo de transformao da sociedade capitalista, amesma ideologia vai se moldando, a partir de apropriaes tericas dos prprioseducadores liberais que buscam respostas aos desafios e embates de seu tempo histrico.Assim, no afirmamos que a ideologia liberal um modelo rgido e sem flexibilidade, pois,se fosse dessa maneira, ela no estaria alada viso representativa da mesma sociedade

    durante bons sculos e at hoje.

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    Afirmo que est claro que muitas questes vivenciadas e defendidas no passadoesto presentes nos debates atuais em torno da viso de qual conhecimento ensinar nasescolas. No estou, com isso, tendo uma viso anacrnica da histria da educaobrasileira. Entendo que as permanncias verificadas nas legislaes anteriores e atuais se

    devem ao fato de que no poderia ser de outra forma, j que ainda vivemos sob aorganizao da sociedade capitalista que divulga a sua ideologia, agora, no sculo XXI, naverso neoliberal. Nesse sentido, alguns princpios fundantes do liberalismo estopresentes, como estaro sempre presentes enquanto esta sociedade sobreviver. E sob ocapitalismo, a escola ainda foi/ um bom espao para divulgar e inculcar valoresdesejveis, contribuindo para pacificar os homens.

    A anlise das aproximaes dos Estudos Sociais com as propostas escolanovistaselucidou como o liberalismo sempre utilizou/utiliza a retrica salvacionista da sociedadepor meio da escola. Em todos os momentos de crise do capitalismo, o discurso detransformao da escola como forma de mudar a sociedade foi acionado, revivendo o mitoda escola redentora e salvadora da humanidade. a adoo e a nfase das polticas

    educacionais para o currculo, principalmente nas questes de quais conhecimentos devemser veiculados em perodos de crises sociais agudas.

    Enfatizo que na retrica liberal e escolanovista, as conquistas e o desenvolvimentoda sociedade no se do pelas transformaes das formas de produzir, mas sim, pelapromoo via escola. Nessa abordagem, a funo da escola de redistribuir os indivduos,conforme o talento de cada um, no pelo privilgio de sangue ou outros, mas pelacompetncia. A supervalorizao do indivduo escamoteia o fracasso, ou seja, as causasdesse fracasso no so atribudas s questes de classes sociais, mas, sim, capacidade devencer de cada um. O individualismo, um dos pilares da ideologia liberal, como j dito, exaltado em qualquer perodo da sociedade capitalista: em tempos ditos democrticos eat em tempos de ditadura militar. Dominar teoricamente as rearticulaes do liberalismo esuas investidas na formao humana, via escola, fundamental ao educador que luta poruma educao para alm do capital.

    Referncias BibliogrficasCHAGAS, V. O ensino de 1oe 2ograus: antes, agora e depois? So Paulo: Saraiva, 1984.CUNHA, L. A.; GOS, M. de. O golpe na educao.5 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.FAZENDA, I. C. A. Educao no Brasil anos 60: o pacto do silncio. 2 ed. So Paulo:Edies Loyola, 1988.GHIRALDELLI JR., P..Histria da educao.So Paulo: Cortez, 1991.HORTA, J. S. B.. O hino, o sermo e a ordem do dia:regime autoritrio e a educao no

    Brasil (1930 1945). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.JACOMELI, M. R. M.Dos Estudos Sociais aos Temas Transversais: anlise histrica daspolticas educacionais brasileiras (1971 2000). Tese de doutorado. Faculdade deEducao da Unicamp, 2004.________. PCNs e Temas Transversais: anlise histrica das polticas educacionaisbrasileiras. Campinas: Editora Alnea, 2007.NAGLE, J..A Reforma e o ensino.So Paulo: EDART, 1973.SAVIANI, D.. Poltica e educao no Brasil:o papel do Congresso Nacional na legislaodo ensino.So Paulo: Cortez: Autores Associados, 1987.SECRETARIA de Estado dos Negcios da Educao. Diretrizes e bases da educao

    nacional:documentos bsicos para a implantao da reforma do ensino de 1oe 2ograus.So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 1976.

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    VASCONCELLOS, P. Jos de. Legislao fundamental do ensino de 1oe 2ograus.SoPaulo: LISA Livros Irradiantes S.A., 1972.

    1As anlises aqui presentes integram minha pesquisa de doutorado intitulada: Dos Estudos Sociais aosTemas Transversais: anlise histrica das polticas educacionais brasileiras (1971 - 2000), defendida noPrograma de Ps-graduao da Faculdade de Educao da Unicamp em 2004.

    2No muito diferente do que diz, por exemplo, a LDBEN de 1996, quanto aos fins da educao. Portanto,princpios que so considerados universais e imutveis sob o capitalismo.

    Artigo recebido em: 16/11/10Aprovado em: 30/11/10