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compilações jurisprudenciais

VERBOJURIDICO ® 

SENTENÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA VIÇOSA

CRIMES FISCAIS – CONDENAÇÃO NA FORMA CONTINUADA VERSUS CASO JULGADO/PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM

E CONTINUAÇÃO CRIMINOSA

___________

Andreia Valadares Ferra JUÍZA DE DIREITO

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VERBOJURIDICO CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 2

SENTENÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA VIÇOSA

CRIMES FISCAIS – CONDENAÇÃO NA FORMA CONTINUADA

VERSUS CASO JULGADO/PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM E CONTINUAÇÃO CRIMINOSA

___________

Andreia Valadares Ferra JUÍZA DE DIREITO

I – RELATÓRIO

O Ministério Público, em processo comum, com a intervenção do tribunal singular, acusa

os arguidos:

M..., Lda., sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva n.º …., com sede na

Rua …, n.º …, em Borba

E

C..., casado, reformado, serralheiro civil, filho de J… e de F…, nascido a

19.06.1959, residente na …., n.º …, em Borba,

Imputando:

À sociedade arguida M..., Lda., a prática, em co-autoria material e na forma continuada, de

um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, 105.º, n.ºs

1, 4, e 7, e 107.º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, e

artigos 26.º e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal;

Ao arguido C... a prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de

abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 7.º, n.º 1, 105.º, n.ºs 1, 4, e 7, e

107.º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, e

artigos 26.º e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal, imputando-lhes os factos constantes da acusação

que aqui se dá por integralmente reproduzida.

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*

“O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Évora” apresentou pedido de

indemnização civil, contra os demandados M..., Lda. e C... pedindo a condenação destes a pagar o

montante dos valores deduzidos, a título de quotizações, das remunerações pagas aos seus

trabalhadores e ao sócio gerente, referente aos meses de Novembro de 2008 a Abril de 2010, que os

arguidos retiveram e não entregaram à Segurança Social, no valor de € 2.928,89, quantia acrescida

de juros legais vencidos e vincendos até ao seu efectivo e integral pagamento, bem como todas as

custas que o lesado tenha despendido no âmbito do processo e procuradoria, nos termos do disposto

no artigo 3.º, n.º 2, al. c) do D.L. n.º 214/2007, de 29 de Maio.

*

Foi recebida a acusação e designada data para a realização da audiência de discussão e

julgamento.

*

Os arguidos não apresentaram contestação, nem arrolaram testemunhas.

* Após o despacho que designou data para julgamento, a instância manteve-se regular e o

processo válido.

* Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades

legais.

* “O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Évora”, em sede de audiência

de julgamento, requereu a redução do pedido de indemnização civil, contra os demandados M...,

Lda. e C..., para o valor de € 2.878,79, tendo a mesma sido deferida.

- QUESTÃO PRÉVIA:

- VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM

Em sede de audiência de discussão e julgamento, foi pela sociedade arguida M..., Lda.,

invocada a excepção de caso julgado, alegando, em suma, que a sociedade arguida já foi

anteriormente julgada e condenada pelo crime de que vem acusada neste processo, tendo sido

condenada no Processo n.º 165/09.6TAVVC, relativo aos meses de Junho de 2003 a Julho de 2005,

Dezembro de 2005 a Junho de 2006, Janeiro de 2007 a Maio de 2007 e Outubro de 2007 a Outubro

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de 2008, e nos presentes autos encontra-se acusada pelo mesmo crime na falta de entrega à

Segurança Social das deduções às remunerações a partir de Novembro de 2008 a Abril de 2010.

Conclui, peticionando a absolvição da sociedade arguida.

Cumpre apreciar e decidir.

Com interesse para a presente decisão:

- Por sentença proferida no Processo n.º 165/09.6TAVVC, que correu termos no Tribunal

Judicial de Vila Viçosa, transitada em julgado em 22.11.2010, foram os arguidos M..., Lda. e C...,

condenados pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma

continuada, p. e p. pelos art.ºs 105.º, n.º 1 e 107.º, n.º1 do RGIT e 30.º do Código Penal,

respectivamente, na pena de multa de 320 dias à razão diária de € 8,00, e na pena de multa de 160

dias, à razão diária de € 6,00, relativo aos meses de Junho de 2003 a Outubro de 2008, no valor

total de € 19.331,35 - cfr. certidão de fls. 257 a 273 e 292, cujo teor se dá aqui por integralmente

reproduzido;

- Nos presentes autos, os arguidos M..., Lda. e C... encontram-se acusados da prática, em

co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança

social, p. e p. pelos art.ºs 7.º, n.º 1, 105.º, n.ºs 1, 4 e 7 e 107.º, todos do RGIT e artigos 26.º e 30.º,

n.º 2 do Código Penal, relativo aos meses de Novembro de 2008 a Abril de 2010, no valor total de

€ 2.978,96 - cfr. acusação de fls. 178 a 182, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida.

Sobre a pretensa violação do princípio “ne bis in idem” se dirá que este princípio, com

assento no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que “Ninguém

pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” é aplicável a todos os

procedimentos de natureza sancionatória.

Trata-se de uma disposição que preenche o núcleo fundamental de um direito: o de que

ninguém pode ser duplamente incriminado e punido pelos mesmos factos sob o império do mesmo

ordenamento jurídico.

A expressão julgado mais do que uma vez não pode ser entendida no seu estrito sentido

técnico-jurídico, tendo antes de ser interpretada num sentido mais amplo, de forma a abranger, não

só a fase do julgamento, mas também outras situações análogas ou de valor equivalente,

designadamente aquelas em que num processo é proferida decisão final, sem que, todavia, tenha

havido lugar àquele conhecido ritualismo.

É o que sucede com a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por

amnistia, por prescrição do procedimento ou por desistência de queixa, situações em que,

obviamente, o respectivo beneficiário não pode ser perseguido criminalmente pelo crime ou crimes

objecto da respectiva declaração de extinção da responsabilidade criminal.

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O actual Código de Processo Penal não contém uma regulamentação autónoma sobre o

instituto do caso julgado, pois só em dois artigos se reporta a ele (art.ºs 84.º e 467.º, n.º 1),

avançando a jurisprudência com várias alternativas, desde a aplicação analógica com base nos

princípios gerais sobre o tema, à luz do regime anterior (CPP/29), até à aplicação subsidiária do

Código de Processo Civil (art.ºs 493.º a 498.º), quer de forma integral ou mitigada.

Mesmo a entender-se que o legislador não quis, pura e simplesmente, firmar regras rígidas

no processo penal em matéria de caso julgado, não pode coarctar-se o recurso às normas do

processo civil (cfr., por expl., Ac. STJ de 18/12/97, C.J. ano V, tomo III, pág. 259).

Aplicando-se subsidiariamente (art.º 4.° do CPP) as regras do processo civil, o caso

julgado apresenta-se como excepção dilatória (cfr. art.º 494.º, alínea i)), de conhecimento oficioso

do tribunal, que pressupõe a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (art.º 498.º).

Atento os factos supra referidos, não podemos deixar de olvidar que os novos factos ora

trazidos a juízo se encontram dentro do “mesmo crime”, no entanto, a questão não fica porém

resolvida caso se entenda que estamos perante uma situação de crime continuado, que supõe a

existência de várias resoluções criminosas, mas que o n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal qualifica

desde logo como “um só crime continuado”.

A temática do crime continuado, situa-se numa das zonas mais inseguras e controversas da

dogmática jurídico-penal, a da fronteira entre unidade e pluralidade de infracções – cfr. Cavaleiro

Ferreira, Lições de Direito Penal, I Vol., 1988, p. 396 e ss.

Tais dificuldades avolumam-se mais quando se pretende articular o referido conceito de

crime continuado com o instituto do caso julgado.

Ora, “esta extensão do princípio ne bis in idem a todas as actividades da continuação tem

ainda noutro aspecto a maior importância. Com efeito, desaparecendo o perigo de processos

futuros, pode o juiz deixar praticamente cada uma dessas actividades em especial, bastando que

considere aqueles capazes de dar uma ideia da gravidade do crime - principio, meio e fim – e que

permitam fixar-lhe a pena correspondente. Desta maneira, consegue-se evitar na prática certos

processos giagantes e morosos, com os quais nada ganha a justiça. E este é justamente um outro

benefício do conceito do conceito de crime continuado que, de um ponto de vista processual,

aconselha e requer a sua elaboração e reconhecimento” - CFR. EDUARDO CORREIA, “UNIDADE E

PLURALIDADE DE INFRACÇÕES/CASO JULGADO E PODERES DE COGNIÇÃO DO JUIZ”, ALMEDINA,

COLECÇÃO TESES, 1983, P. 275.

No entanto, tal como refere Furtado dos Santos, no seu estudo “O Crime Continuado

Efeitos”, BMJ 47, pgs. 497 e ss. “sendo o delito continuado constituído por várias infracções

parcelares, a sentença que incida sobre parte destas não produz efeito de caso julgado sobre as

demais e, assim não obsta ao procedimento pelas que forem descobertas depois. O princípio ne bis

in idem produz efeitos só em relação aos factos julgados e o crime continuado tem tantos factos

com autonomia própria quanto os delitos parcelares unidos pelo nexo da continuação”.

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No mesmo sentido, Maia Gonçalves, Código Penal anotado, 4.ª ed., p. 109, “o crime

continuado é constituído por vários factos sucessivos, cada um deles constituindo um crime em si

(...), por isso o caso julgado não poderá abranger os factos integrantes da continuação criminosa

só descobertos depois da continuação”.

Como corolário deste raciocínio, o Acórdão DO STJ, DE 04.11.1992, IN BMJ, 421, P. 195

E SS. “Se estivermos perante o preenchimento plúrimo do mesmo tipo de crime, através de uma

execução homógenea, violadora dos mesmos bens jurídicos, no quadro de uma situação exterior

que permaneceu igual e lhe facilitou a execução, decorrendo daí uma considerável diminuição da

culpa do arguido que actuou na execução de um desígnio criminoso, sucessivamente renovado.

Considerando-se os factos novos provados integrados na continuação criminosa já julgada, há que

respeitar os efeitos decorrentes da verificação do caso julgado, estando a apreciação dos mesmos

limitada para esses efeitos. Assim, haverá apenas que decidir se a gravidade dos novos factos

provados, julgados como integrantes da continuação criminosa, deverão fundamentar uma

agravação das penas anteriormente impostas”.

No mesmo sentido, ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 03.05.2006,

“Sendo o crime continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incida

sobre parte destas não produz efeito de caso julgado sobre as demais e, assim, não obsta ao

procedimento pelas que forem descobertas depois”, E DE 07.03.2007, “em caso de crime

continuado, o julgamento, com sentença transitada em julgado, por algumas das condutas que

integram a continuação criminosa não é obstáculo ao julgamento por outra daquelas condutas.

Esse julgamento terá mesmo de fazer-se para determinar qual a conduta mais grave que integra a

continuação” (ambos in www.dgsi.pt).

Pois, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça que obteve consagração

com a introdução do n.º 2 do artigo 79.º do Código Penal, afastou as objecções que se baseariam no

respeito pelo caso julgado ou pelo principio ne bis in idem e mandou atender à conduta que integre

a continuação, e que se tenha descoberto depois do trânsito em julgado da primeira condenação,

desde que se trate de uma conduta mais grave do que as que já tinham sido conhecidas,

determinando-se que nesse caso “a pena que lhe for aplicável substitui a anterior”.

Ora, atento todo o supra exposto, apenas se poderá concluir que os arguidos, no caso sub

judice, terão de ser julgados, para se apurar se praticaram ou não os factos que lhe são imputados e

daí se retirar as adequadas consequências jurídicas, e caso se venha a entender estar-se perante uma

continuação criminosa, dever-se-á proceder à determinação da medida concreta da pena, mantendo

ou aumentando a pena anteriormente imposta.

Face ao exposto, indefere-se a invocada violação do princípio ne bis in idem/caso

julgado, alegado pela sociedade arguida M..., Lda..

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*

Não foram arguidas outras nulidades ou excepções, nem suscitadas outras questões que

obstem à apreciação do mérito da causa.

*

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Da prova produzida e dos documentos juntos aos autos, com interesse para a decisão da causa,

resultaram provados os seguintes factos:

1 – A arguida M…, Lda.. é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na

Conservatória do Registo Comercial de Borba sob o número …., com sede na Rua …, n.º …,

em Borba.

2 – Esta sociedade dedica-se ao fabrico e montagem de estruturas metálicas, serralharias

civis, decapagens e metalizações, recuperação de imóveis e serviços gerais de construção civil.

3 – A gerência da sociedade arguida esteve durante o período contributivo compreendido

de Novembro de 2008 a Abril de 2010, a cargo do arguido C....

4 – Com efeito, o arguido era o responsável por toda a actividade desenvolvida na

sociedade arguida, nomeadamente no tocante ao preenchimento das declarações sociais e ao

apuramento e pagamento de todos os impostos e contribuições sociais devidas e à sua entrega ao

Estado e à Segurança Social.

5 – Durante o referido período relativo aos meses de Novembro de 2008 a Abril de 2010 e

no exercício das respectivas funções de gerência, era o arguido C…. quem dirigia as actividades

da sociedade arguida e quem procedia ao pagamento das remunerações aos seus empregados e

ao gerente da mesma, cabendo-lhe igualmente a tarefa de efectuar as deduções a tais

remunerações, correspondentes às cotizações devidas à Segurança Social e entregar o respectivo

montante à Segurança Social.

6 – No período compreendido de Novembro de 2008 a Abril de 2010, a sociedade arguida,

na prossecução e exercício da sobredita actividade descrita em 2., possuía diversos

trabalhadores a seu cargo, a quem pagava, mensalmente, os respectivos salários.

7 – Para além dos seus diversos trabalhadores, a aludida sociedade tinha ainda um sócio

gerente, o qual também recebia remunerações de carácter mensal.

8 – Nos meses de Novembro de 2008 a Abril de 2010, a sociedade arguida efectuou

pagamentos salariais aos seus empregados e sócio gerente, sendo que dessas remunerações

brutas lhes retirou as seguintes quantias, a título de contribuições para a Segurança Social:

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Ano Mês Montante - €

2008 Novembro 234,03

2008 Dezembro 391,33

2009 Janeiro 234,03

2009 Fevereiro 144,46

2009 Março 76,74

2009 Abril 132,71

2009 Maio 132,71

2009 Junho 135,40

2009 Julho 135,42

2009 Agosto 213,40

2009 Setembro 135,42

2009 Outubro 135,42

2009 Novembro 130,01

2009 Dezembro 206,18

2010 Janeiro 135,42

2010 Fevereiro 135,42

2010 Março 135,42

2010 Abril 135,42

Total 2.978,96

9 – O arguido e a sociedade arguida não entregaram as quantias elencadas em 8. à

Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem nos noventa dias

subsequentes.

10 – Na data de 04/09/2010, o arguido e a sociedade arguida, na pessoa do seu legal

representante, foram notificados para pagar a quantia total em dívida, elencada em 8., acrescida

dos respectivos juros de mora, não o tendo, contudo, feito nos trinta dias subsequentes ao

recebimento de tal notificação, mostrando-se tal montante por pagar até à presente data.

11 – O arguido agiu, no desenvolvimento de um plano previamente gizado, com o

propósito alcançado de fazer suas e de integrar nos cofres da sociedade arguida todas as

importâncias supra referidas e descritas, e de as utilizar na sua gestão corrente, em proveito

próprio e em proveito da sociedade arguida, bem sabendo que tais quantias pertenciam à

Segurança Social, e que lhe deveriam ter sido entregues, pelo arguido e pela sociedade arguida,

nos aludidos prazos e que, desta forma, actuavam sem a autorização, contra a vontade e em

prejuízo da Segurança Social.

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12 – O arguido, após não ter entregue pela primeira vez os montantes destinados à

Segurança Social que havia deduzido nas aludidas remunerações dos seus trabalhadores e

gerente, praticou o mesmo tipo de conduta ao longo dos vários meses seguintes, convencendo-

se, mercê da facilidade com que sucessivamente lograram concretizar os seus intentos, de que a

sua actuação estava a ser bem sucedida, o que o levou à reiteração da prática supra descrita, de

forma homogénea, ao longo do período de tempo supra referido.

13 – Bem sabiam os arguidos que todos os seus comportamentos eram proibidos e punidos

por lei, tendo sempre agido de forma voluntária, livre e consciente.

Mais se apurou que:

14. A sociedade arguida nas das datas referidas em 8., atravessava dificuldades

económicas.

15. O arguido confessou livre e espontaneamente os factos supra

descritos, contribuindo de forma relevante com o tribunal para a descoberta da verdade.

16. Por pedido formulado pela sociedade arguida em 06.10.2010 ao Instituto de Gestão

Financeira da Segurança Social , I.P. – Secção de Processo Executivo de Évora, e por despacho

datado na mesma data, foi deferido plano de pagamento prestacional em 120 prestações referentes

a dívida que engloba a falta de pagamento das cotizações retidas referentes aos meses de Junho de

2006 a Julho de 2010, tendo sido até ao momento cinco prestações, referentes aos meses de

11/2010 a 03/2011, no valor total de € 6.113,22.

17. O arguido foi constituído arguido nos presentes autos em 12.11. 2010 (cfr. fls. 95).

18. Do pagamento prestacional referido em 16. foi paga a quantia de € 100,17, referente

aos meses e quantias devidas mencionadas em 8.

19. O arguido exerce a função de serralheiro civil, auferindo € 500,00 mensais.

20. Vive com a esposa, doméstica, em casa própria, pagando € 19,00 de empréstimo à

habitação.

21. Contraiu empréstimo bancário para aquisição de lote terreno na Zona Industrial de Vila

Viçosa para construir uma oficina, pagando cerca de € 300,00 mensais.

22. O arguido paga prestação de cerca de € 1.230,00 mensais para pagamento de dívida à

Segurança Social.

23. Possui o 12.º ano de habilitações literárias.

24. A sociedade arguida M..., Lda. teve no ano de 2010 como lucro tributável entre €

5.000,00 a € 7.000,00 anuais, e tem como despesas mensais cerca de € 1.400,00 com pagamento de

vencimentos, € 600,00 de cotizações para a Segurança Social e € 20,00 de IRS.

25. O arguido C... possui o certificado de registo criminal n.º 660852-C, tendo sido

condenado:

- No Processo Comum Singular n.º 165/09.6TAVVC, do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, pela

prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, em 2003, por sentença

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transitada em julgado em 22.11.2010, em pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, o

que perfaz o total de € 960,00, relativo aos meses de Junho de 2003 a Outubro de 2008, no

valor total de € 19.331,35.

26. A sociedade arguida M…, Lda. não possui antecedentes criminais.

***

B) -Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa não ficaram por provar quaisquer factos.

*

C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do tribunal, alicerçou-se na confissão livre, integral e sem reservas do arguido

C..., em conjugação com os documentos juntos aos autos, designadamente, participação de notícia

de crime, a fls. 6, mapa de cotizações em falta, a fls. 118 a 119, certidão do registo comercial, a fls.

149 a 151, recibos de remunerações, a fls. 128 a 147, extracto global da declaração de

remunerações, a fls. 41 a 89, notificação para pagamento voluntário, a fls. 36 a 39, informação, a

fls. 156 a 157, certidão de sentença proferida no Processo n.º 165/09.6TAVVC, que correu termos

no Tribunal Judicial de Vila Viçosa, de fls. 257 a 273 e 292, notificação de deferimento de plano

prestacional, a fls. 106 a 107 e 245 a 246, situação do plano prestacional, a fls. 247 a 251,

informação da Segurança Social referente ao acordo de pagamento prestacional, a fls. 277 a 291,

com as regras da experiência comum, de acordo com o critério estabelecido no artigo 127.º do

C.P.P.

No que respeita às declarações do arguido, cumpre referir que o mesmo, quando

interrogado pelo tribunal, admitiu que não entregou à Segurança Social as contribuições

devidas, embora soubesse que estava obrigado a fazê-lo.

Acrescentou, ainda, que não o fez por a sociedade arguida atravessar bastantes dificuldades

económicas, e tentou, desta forma, salvar a sociedade ora arguida.

Confirmou ainda que requereu na Segurança Social o pagamento da quantia em dívida em

prestações, em 06.10.2010, o qual lhe foi deferido, e desde Novembro de 2010 que se encontra a

pagar as prestações à Segurança Social.

Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos, o Tribunal valorou as declarações do

arguido C... em sede de audiência de julgamento, que se mostraram

credíveis, não tendo sido postas em causa por qualquer outro meio de prova.

Em relação aos antecedentes criminais, o tribunal tomou em consideração os C.R.C´s dos

arguidos, de fls. 236 e 237 e 295 e 296, e certidão de sentença, transitada em julgado, proferida no

Processo n.º 165/09.6TAVVC, do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, de fls. 257 a 273 e 292.

*

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III. O DIREITO

I) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Estabelecido o quadro factual apurado, importa proceder ao respectivo enquadramento

jurídico-penal.

A sociedade arguida M..., Lda., vem acusada da prática, em co-autoria material e na forma

continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos

7.º, n.º 1, 105.º, n.ºs 1, 4, e 7, e 107.º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, e

artigos 26.º e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal.

O arguido C... vem acusado da prática, em co-autoria material e na forma continuada, de

um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelos artigos 7º, n.º 1, 105.º, n.ºs

1, 4, e 7, e 107.º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, e

artigos 26.º e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal.

Prescreve o aludido art.º 107.º do R.G.I.T. que “As entidades empregadoras que,

tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais

o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou

parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos

n.ºs 1 e 5 do art.º 105.º”.

O bem jurídico protegido com a incriminação das condutas descritas consiste na garantia

de recebimento por quem de direito (o Estado, no caso vertente, a Segurança Social), das

contribuições sociais a si devidas.

Com efeito, neste tipo legal o interesse jurídico em causa transcende o mero interesse

patrimonial relativo à quantia ilegitimamente apropriada, correspondendo também ao interesse

do Estado no regular funcionamento do sistema de segurança social.

Estando em causa não apenas o património da Segurança Social, mas também a

prossecução de interesses sociais e humanos, superiores aos critérios estritos de gestão de empresas

ou aos deveres funcionais de pagamento de salários ou dívidas a fornecedores.

Pelo que, feita a dedução ou retenção, não poderá a empresa utilizar essas quantias para

fazer face a dificuldades financeiras, pois, que na verdade, a partir desse momento, fica fiel

depositária de quantias pertencentes à Segurança Social, incumbindo-lhe a obrigação de as entregar

no prazo máximo de 90 dias.

A não entrega total ou parcial da prestação tributária ou equiparada traduz-se num acto de

fazer sua coisa alheia.

O agente obtém validamente a coisa passando a possui-la ou detê-la licitamente a

título precário ou temporário e, posteriormente, passa a alterar o título de posse

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VERBOJURIDICO CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 12

ou detenção, passando a dispor da coisa como se fosse sua, deixando de a possuir em nome alheio e

fazendo entrar a mesma no seu património ou dispondo dela com o propósito de não a

restituir, ou seja, não lhe dando destino a que estava ligada ou sabendo que mais não o poderia

fazer.

Conforme se alcança pela leitura do preceito, este constitui um crime fiscal especial em

relação ao crime comum de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, do Código

Penal, comportando algumas especialidades em relação a este.

Desde logo, quanto aos elementos objectivos do tipo, a lei penal fiscal pune, no n.º1 do

artigo 107.º do RGIT a apropriação da contribuição social, pelo sujeito passivo, que assim é, para

todos os efeitos equiparado a um fiel depositário, assim se referindo à figura tributária da

substituição própria.

Para o preenchimento do tipo objectivo do crime de abuso de confiança contra a Segurança

Social é portanto, necessário que o agente esteja legalmente obrigado a entregar à Segurança

Social a contribuição social que deduziu e não entregue tal prestação, total ou parcialmente.

Neste crime, a apropriação verifica-se com a não entrega das contribuições que lhe são

devidas e respectiva afectação a finalidades diferentes, por parte da entidade empregadora (cf.

Alfredo Sousa, Infracções Fiscais Não Aduaneiras, 3ª ed., pág.129), e noutro entendimento menos

restritivo, tem-se sustentado até que para a consumação do crime basta a simples não entrega das

contribuições destinadas à segurança social, sem necessidade de ulterior apropriação (cfr. Sá

Gomes, Infracção Fiscal e Processo Penal Fiscal, pg. 265).

Na verdade, tendo em consideração a natureza específica do bem jurídico protegido e a

estrutura do crime de abuso de confiança à segurança social, o conceito de “apropriação” não tem

o mesmo alcance que o do crime de abuso de confiança comum.

No que respeita à taxa de cotização, ela incide sobre a retribuição do trabalhador,

repercutindo-se no seu montante líquido, mas é à entidade patronal que compete satisfazer o crédito

da segurança social, por cujo pagamento se torna responsável.

Note-se que, para o efeito, a apropriação não tem de ser necessariamente material, podendo ser –

como quase sempre é – apenas contabilística (cfr. Ac. TRP de 03/10/2001, Relator Desembargador

Teixeira Mendes, in www dgsi.pt).

A não entrega dos montantes devidos, nos termos do art. 105.º, n.º 4 do RGIT., só adquire

relevância penal se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da

prestação e se devidamente notificados para proceder ao pagamento, o não fizerem no prazo de 30

dias, constituindo condições objectivas de punibilidade.

No caso vertente, resultou provado que os arguidos decidiram não proceder à entrega, à

Segurança Social, dos valores retidos aos trabalhadores e ao sócio-gerente a título de contribuições

por estes legalmente devidas àquele instituto, sem o seu consentimento e contra a sua vontade.

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ANDREIA VALADARES FERRA CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 13

Com a sua conduta, os arguidos retiveram as contribuições sociais dos seus trabalhadores e

sócio-gerente, num valor total de € 2.978,96, causando à Segurança Social um prejuízo patrimonial

de igual montante.

Fizeram-no, estimulados pela facilidade com que o faziam e com o êxito de tal prática,

incentivada pela inércia da administração fiscal na sua cobrança.

Face à matéria de facto dada como provada, constata-se que a conduta dos arguidos

preenche o tipo objectivo do crime de que se encontra acusado.

Com efeito, os arguidos retiveram as contribuições que não entregaram nos cofres

do Estado (Segurança Social), como a isso estavam obrigados (visto ser

mero depositário do imposto liquidado), sendo inequívoco que decorreram mais de noventa dias

após o termo do prazo para a sua entrega (o momento da consumação, para o crime de abuso de

confiança fiscal, situa-se na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos

deveres tributários, ou seja, decorridos noventa dias sobre o termo do prazo legal de entrega da

prestação – art. 105º, n.º 4, al. a) do R.G.I.T.), tendo ainda decorrido o prazo de 30 dias

previsto no art.º 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT, para o que foram notificados, encontrando-se,

assim, igualmente verificada a condição objectiva de punibilidade.

No que tange ao elemento subjectivo, já desde o artigo 24.º,do JIFNA.

(redacção do DL. N.º 394/93, de 14/11), que se prescinde do elemento intencional ou

dolo específico, não se exigindo já a intenção de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial

indevida (cf. Paulo José Rodrigues Antunes, Infracções Fiscais e seu Processo, Regime Geral de

2001/2002 Anotado, Almedina, Fevereiro de 2002, página 128 e ss.).

Configura-se, assim, a estrutura subjectiva do crime como totalmente congruente com a sua

vertente objectiva, bastando pois que o dolo do agente abarque os elementos

típicos, pelo que, atenta a matéria de facto provada, fica igualmente afirmada a existência

do dolo, que é, neste caso, um dolo directo – cfr. art. 14º, n.º1, do Código Penal – na medida em

que os arguidos sabiam que a conduta adoptada lhes estava vedada pela Lei, determinando--

se, ainda assim, a não entregarem à Segurança Social as quantias que retiveram.

Ora “o crime de abuso de confiança fiscal é um crime omissivo puro, que se consuma no

momento em que o agente não entrega a prestação tributária que devia, ou seja, consuma-se no

momento em que o mesmo não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito” – cfr. Acórdão

do Supremo Tribunal de Justiça de 20-12-2007, disponível em www.dgsi.pt.

Assim sendo, não restam dúvidas de que se mostra também preenchido o tipo subjectivo do

crime de que os arguidos se encontram acusados.

Destarte, no “sub judice”, coloca-se a questão de saber se as dificuldades financeiras e

económicas da sociedade arguida, justificam a sua conduta, no âmbito do estado de necessidade

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VERBOJURIDICO CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 14

(cfr. art.ºs 34.º e 35.º, ambos do Código Penal) ou de conflito de deveres (cfr. art.º 36.º do Código

Penal).

Não se pode equacionar o problema em sede de conflito de deveres, pela simples razão de

que a obrigação legal de entregar as contribuições à Segurança Social é superior ao dever funcional

de manter a empresa a funcionar e de pagar os salários aos trabalhadores, como se tem vindo a

afirmar jurisprudencialmente.

Os valores que se visam salvaguardar com as prestações à segurança social, entroncam

directamente nas atribuições do Estado, no sentido de salvaguardar os cidadãos assistência e

protecção na velhice, na invalidez, viuvez, e orfandade, bem como outras situações de perda de

meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

Está em causa a prossecução de interesses sociais e humanos, directamente relacionados

com o Estado de Direito Democrático, superiores aos critérios de gestão de empresas ou aos

deveres funcionais do pagamento dos salários ou a fornecedores (cfr., neste sentido, Ac. Do STJ, de

05/11/86, BMJ 361, pg.374, de 15/01/97, CJ, ano V, tomo II, pg.190).

De resto, levada às últimas consequências, a pretendida equiparação entre a obrigação de

pagar salários e a obrigação de entregar as contribuições devidas ao Fisco ou à Segurança Social,

implicaria uma grave distorção das regras da concorrência, e, assim, estaria encontrada a “fórmula”

que permitiria a algumas empresas, além de evitarem a perseguição criminal pelo crime de abuso

de confiança fiscal, usufruírem de vantagens inadmissíveis de concorrência relativamente a outras

que cumprem as suas obrigações.

Por outro lado, feita a dedução ou retenção, o arguido ficou depositário dos valores

correspondentes, que passaram a pertencer à Segurança Social, perante quem tinha a obrigação

legal de os entregar no prazo de 90 dias.

Daí que a alternativa dos arguidos não foi entre com dinheiro que lhes pertencia subsistir a

actividade da sociedade ora arguida, ou pagar a dívida à Segurança Social. A sua opção foi

diferente – embora com vista à salvaguarda da manutenção da sociedade arguida, fez face a

dinheiro que lhes não pertencia, de que apenas eram fiéis depositários e tinham de entregar à

Segurança Social.

Pelo que, a conduta dos arguidos não se apresenta coberta por quaisquer das causas de

justificação dos artigos 34.º, 35.º e 36.º do Código Penal, ou seja, não estão preenchidos os

elementos dos “tipos justificadores”, de molde a afastar a ilicitude ou a culpa.

Nesta medida, integra o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social a conduta

dos arguidos que, tendo feito face ao dinheiro para manutenção da sociedade arguida, não entregou

à Segurança Social as quantias retidas, antes se apropriar das mesmas que gastou em despesas da

sua actividade devido a dificuldades financeiras.

Deste modo, impõe-se censurar jurídico penalmente os arguidos pela autoria material, de

um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 6.º, n.º 1,

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ANDREIA VALADARES FERRA CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 15

7.º, n.º 1, 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, e 107.º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, e

artigos 26.º e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal.

Por fim, não se descortinam causas eximentes ou de desculpação que obstem à afirmação

do facto típico, ilícito, e culposo e, deste jeito, obstem à punibilidade dos arguidos.

Face à factualidade provada, não restam dúvidas que preencheram os arguidos, com

a sua conduta, os elementos objectivos e subjectivos de um crime de abuso de confiança

contra a Segurança Social.

Pelo que, tendo agido ilícita e culposamente deverão ser condenados pelo crime

previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, 105.º, n.ºs 1, 4 e 7, e 107.º, todos do Regime Geral das

Infracções Tributárias.

***

Os arguidos vêm acusados da prática deste ilícito na forma continuada, atento o disposto

no art.º 30.º, n.º 2 do Código Penal, o qual dispõe que, “constitui um só crime continuado a

realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente

protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da

solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

Com efeito, sucede, por vezes, que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal

de crime – ou mesmo diversos tipos legais, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem

jurídico –, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que portanto atiraria a situação para

o campo da pluralidade de infracções), devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em

que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente.

Ora o fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior das coisas

para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas

do agente.

O pressuposto da continuação criminosa será assim a existência de uma relação que, de

fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez

menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

São, assim, estes, os pressupostos do crime continuado:

- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam

fundamentalmente o mesmo bem jurídico);

- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);

- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem

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VERBOJURIDICO CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 16

conservar-se dentro de “uma linha psicológica continuada”;

- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado) ;

- persistência de uma “situação exterior” que facilita a execução e que diminui

consideravelmente a culpa do agente”.

Eduardo Correia (Direito Criminal, II, 210 ) “indica algumas das situações exteriores que,

diminuindo consideravelmente a culpa do agente, poderão estar na base de uma continuação

criminosa:

- ter-se criado, através da primeira actividade criminosa, um certo acordo entre os sujeitos;

- voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada

ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;

- perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a

primeira conduta criminosa.

- a circunstância de o agente, depois de executar a resolução de praticar a infracção,

verificar haver possibilidades de alargar o âmbito da sua actividade .

Neste mesmo sentido, referindo-se ao crime continuado, Acórdão do STJ, de 13.9.2007

(Proc. SJ200709130027955, in www.dgsi.pt).

O crime continuado é formado sobre a base de uma pluralidade sequencial de resoluções e

subsequente execução de condutas criminosas, que devem ser unificadas para efeitos de

punição, atendendo à acentuada diminuição da culpa que preside à reiteração criminosa.

O elemento agregador ou unificador é, precisamente, essa considerável diminuição da

culpa, em resultado da compulsão de um elemento externo, que favorece a continuação.

Uma considerável diminuição da culpa só é concebível, por outro lado, no quadro da

repetição do mesmo tipo legal de crime, ou de tipos que protegem bens jurídicos substancialmente

idênticos, e de uma forma de execução criminosa essencialmente homogénea.

Assim, a figura do crime continuado determina a perda de autonomia das várias condutas

do agente, estabelecendo uma ideia de diminuição do grau de culpa do agente, porquanto a

execução das diversas actividades aparece a facilitada.

Nas palavras de Figueiredo Dias, este preceito surge para fazer frente a “dificuldades

práticas de comprovação judicial de cada uma das realizações que integram a continuação, bem

como os novos julgamentos implicados pelo desconhecimento ou não acusação de realizações

típicas integrantes da continuação. Por outro lado, as consequências desproporcionadas e mesmo

eventualmente injustas, face ao conteúdo e sentido do ilícito total a que em matéria de punição

conduziria a aceitação nestes casos de um concurso efectivo” (in “Direito Penal – Parte Geral, A

Doutrina Geral do Crime”, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 1028).

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ANDREIA VALADARES FERRA CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 17

Porém, não basta qualquer solicitação exterior mas é necessário que ela facilite de maneira

apreciável a reiteração criminosa. No crime continuado assaca-se uma menor exigibilidade ao

agente, pois a continuação está ligada a circunstâncias externas que facilitaram a conduta.

O pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente a existência de uma relação

que, de fora, e de uma maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando

cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, de acordo com o direito –

(in “Direito Criminal”, Eduardo Correia, II, pág. 209).

Exige-se também quanto aos elementos subjectivos da continuação criminosa a

homogeneidade do dolo, bastando o “dolo de continuação”.

No caso “sub judice”, e atenta a factualidade provada, estamos perante a prática

do mesmo tipo de crime (abuso de confiança à segurança social), factos que foram executados de

forma essencialmente homogénea (através da não entrega à Administração Fiscal das prestações

retidas e num período temporal limitado), no quadro da solicitação da mesma situação exterior

(o acesso facilitado às referidas quantias, por estarem em poder do agente, a necessidade das

mesmas para fazer face a outras despesas, atentas as dificuldades económicas da actividade

desenvolvida pelo arguido e bem assim a própria inércia da Administração Fiscal na

sua cobrança).

Pelo que, face aos factos provados, considero estarem preenchidos os pressupostos em que

assenta a existência de um crime continuado, devendo os arguidos serem condenado nestes termos.

*

II) DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA A APLICAR

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa

agora determinar a natureza e medida concreta das penas a aplicar aos arguidos.

Destarte, não podemos deixar de olvidar que por sentença transitada em julgado em

22.11.2010, os arguidos M..., Lda. e C... já foram condenados no Processo n.º 165/09.6TAVVC,

que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Viçosa, pela prática de um crime de abuso de

confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 105.º, n.º 1 e 107.º,

n.º1 do RGIT e 30.º do Código Penal, respectivamente, na pena de multa de 320 dias à razão diária

de € 8,00, e na pena de multa de 160 dias, à razão diária de € 6,00, relativo aos meses de Junho de

2003 a Outubro de 2008, no valor total de € 19.331,35.

Cumpre apreciar e decidir.

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VERBOJURIDICO CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 18

Com a reforma da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, introduziu-se o n.º 2 ao artigo 79.º do

Código Penal, que prevê “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma

conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior”.

A jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça tinha abandonado a posição

de Eduardo Correia, nos termos da qual, nenhuma das condutas anteriores à condenação transitada

em julgado, descobertas após esta, e integradas na continuação, poderiam ser tidas em conta (ainda

em consonância com esta posição, vide Acórdão do S T J, de 15/3/2006, in www.dgsi.pt).

Propugnava Eduardo Correia que “(…) se algumas actividades que fazem parte de uma

continuação criminosa foram já objecto de sentença definitiva, ter-se-á que considerar consumido

o direito de acusação relativamente a quaisquer outras que pertençam a esse mesmo crime

continuado, ainda que elas de facto tivessem permanecido estranhas ao conhecimento do juiz. (…)

Se o juiz se convence, na verdade, de que tais actividades constituem tão só elementos de um crime

continuado, que foi já objecto de um processo, será forçado a concluir que elas deveriam ter sido

aí apreciadas. Ainda, pois, que o não tivessem sido, tudo se passa como se assim fosse, estando,

por isso, consumido e extinto o direito de as acusar e podendo-se opor sempre ao exercício da

respectiva acção penal a excepção ne bis in idem” (in “A Teoria do Concurso em Direito

Criminal”, 1963, pgs. 350 e 351).

Ao contrário da posição adoptada pelo insigne Mestre, a jurisprudência maioritária

defendia ser possível a ultrapassagem do suposto limite derivado do caso julgado, o qual, no caso

de crime continuado, se assumiria sob a condição rebus sic stantibus – neste sentido vide Acórdão

do S T J, de 08.03.2006, in www.dgsi.pt

Pese embora, não podemos deixar de olvidar o expressamente previsto no artigo 29.º, n,º 5

da Constituição da República Portuguesa, que “Ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela

prática do mesmo crime”, no entanto, quando se trata de crime continuado, atenta a sua natureza

jurídica, poder-se-á considerar desfeita a identidade do objecto do processo, não só em face do

acrescentamento de condutas que, isoladas, seriam, cada uma delas, um crime, bem como, se uma

das novas condutas, considerada em si, representasse um crime punido mais severamente.

Pelo que, anteriormente à alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, ao

artigo 79.º do Código Penal, passou a existir uma divergência jurisprudencial, entre a posição

maioritária, que entendia que deviam ser consideradas as condutas novas, só se entre elas houvesse

alguma que assumisse maior gravidade (neste sentido, Acórdãos do S T J, de 10.04.2002, de

03.03.2004, de 15.03.2006, e de 31.01.2008), e a outra que entendia que as condutas novas sempre

deveriam ser tidas em conta, por o seu número acrescido dever ter reflexo na punição (neste sentido

Acórdãos do S T J, de 04.05.1983, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.11.2004, e do

Tribunal da Relação do Porto, de 03.05.2006).

Tal querela já se encontra dirimida atenta a posição jurisprudencial maioritária ter obtido

consagração legislativa, porquanto o acrescentamento do n.º 2 do artigo 79.º do Código Penal

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afastou as objecções que antes ainda se podiam levantar à consideração de toda e qualquer conduta

nova, objecções que se baseariam no respeito pelo caso julgado ou pelo princípio ne bis in idem.

Com a nova introdução legislativa, ao determinar que “a pena que lhe for aplicável

substitui a anterior”, a lei veio consagrar acolhimento de desrespeito pelo já julgado, mas apenas e

tão só no caso de haver conduta mais grave punida que se tenha de novo descoberto de novo, bem

como acautelar o não despojamento da justiça material, que ficaria desfalcada se não se tivesse em

conta todos os actos praticados, pelo agente da mesma continuação.

Destarte, não podemos deixar de olvidar que a alteração introduzida ao artigo 79.º do

Código Penal, com o acrescentamento do n.º 2, alude especificamente para o repensar de uma nova

pena que substitua a anterior, que apenas é possível “Se (…) for conhecida uma conduta mais grave

que integre a continuação”, desinteressando-se de agravar a responsabilidade do agente, apenas em

virtude de uma reiteração.

Ora, por condutas mais graves, temos que serão as que integrem um tipo legal semelhante

ao da condenação transitada, e que proteja essencialmente o mesmo bem jurídico, mas com uma

moldura penal mais grave.

Neste sentido, Acórdão do STJ, de 18.02.2010, Relator Souto de Moura, in www.dgsi.pt,

em que se propugna que “Na verdade, as condutas punidas pelo mesmo tipo legal, integrantes da

continuação, que simplesmente revelem, no caso, um grau de ilicitude maior, ver-se-ão, nesta

linha, consumidas pela condenação já julgada. É que a expressão “conduta mais grave”, do n.º 2

do art.º 79.º do C.P., é também empregue no n.º 1 do preceito, e aí não oferece dúvida que a

gravidade da conduta se afere pela pena aplicável, e portanto, pela moldura abstracta do crime

(cfr. Ac. do S T J de 31/1/2008, Pº 1411/07, 5ª Secção, ou de 2/4/2008, Pº 4197/07, 3ª Secção, e, na

doutrina, P. P. Albuquerque in “Comentário ao Código Penal”, pag. 249, ou V. Sá Pereira e A.

Lafayette in “Código Penal Anotado e Comentado”, pag. 240)”.

Ora, afigura-se-nos que as condutas relativas à falta de entrega das cotizações devidas à

Segurança Social que foram tomadas em consideração no Processo n.º 165/09.6TAVVC, que

correu termos neste Tribunal, e as ora em causa nos presentes autos, encontram-se integradas numa

mesma continuação criminosa, uma vez que estamos perante condutas que preenchem várias vezes

o mesmo tipo legal de crime, executadas por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma

mesma solicitação exterior que diminui consideravelmente a culpa, pelo que estamos perante a

prática pelos arguidos de um único crime, na forma continuada.

Acresce que os novos factos ora em causa nos presentes autos, e integram a continuação,

não consubstanciam a conduta mais grave, atendendo a que as parcelas retidas no Processo n.º

165/09.6TAVVC, que correu termos neste Tribunal, já julgado, são superiores às ora em causa nos

autos, como sobretudo não representam o cometimento de crime com moldura mais gravosa.

Atento todo o supra exposto, nos presentes autos, tribunal do segundo julgamento,

necessariamente terá de se declarar a acusação procedente, e que os factos novos dados como

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provados nos presentes autos integram a continuação criminosa pela prática do crime pelo qual os

arguidos foram condenados no Processo n.º 165/09.6TAVVC, que correu termos neste Tribunal, e

em consequência, nos termos do artigo 79.º, n.º 2 do CP, a contrario, deverá manter-se a pena da

sentença proferida nesses autos (neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do

Código Penal”, Universidade Católica Ed., Dez. 2008, p. 249), de condenação dos arguidos pela

prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, em 2003, por sentença

transitada em julgado em 22.11.2010, em pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, o que

perfaz o total de € 960,00, relativo aos meses de Junho de 2003 a Outubro de 2008, no valor total

de € 19.331,35.

***

- Do pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP – Centro

Distrital de Évora

“O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Évora” apresentou pedido de

indemnização civil, contra os demandados M..., Lda. e C... pedindo a condenação deste a pagar o

montante dos valores deduzidos, a título de quotizações, das remunerações pagas aos seus

trabalhadores e ao sócio gerente, referente aos meses de Novembro de 2008 a Abril de 2010, que o

arguido reteve e não entregou à Segurança Social, no valor de € 2.928,89, quantia acrescida de

juros legais vencidos e vincendos até ao seu efectivo e integral pagamento, bem como todas as

custas que o lesado tenha despendido no âmbito do processo e procuradoria, nos termos do disposto

no artigo 3.º, n.º 2, al. c) do D.L. n.º 214/2007, de 29 de Maio.

“O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Évora”, em sede de audiência de

julgamento, requereu a redução do pedido de indemnização civil, contra os demandados M..., Lda.

e C..., para o valor de € 2.878,79.

De acordo com o preceituado no art.º 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e

danos de qualquer natureza, que emergem da prática de crime, é regulada quantitativamente e nos

seus pressupostos, pela lei civil, havendo assim que ter em conta

o disposto nos art.ºs. 483.º e ss. e 562.º e ss. do Código Civil.

Dispõe o art.º 483.º, n.º1, do Código Civil que “aquele que com dolo ou mera culpa, violar

ilicitamente o direito de outrem (…) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos

resultantes da violação”.

No quadro da responsabilidade civil a regra é a de que a obrigação de indemnização

pressupõe a existência de um facto voluntário ilícito, ou seja, controlável pela vontade do

agente, censurável do ponto de vista ético jurídico, danoso e ainda a verificação de um

nexo de causalidade adequada entre o dano e o facto.

“In casu”, verificam-se todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

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ANDREIA VALADARES FERRA CRIMES FISCAIS – CASO JULGADO – NE BIS IN IDEM : 21

Com efeito, trata-se de um facto ilícito, na medida em que os arguidos/demandados

estavam obrigados por lei a entregar as contribuições à segurança social e não o fez, violando o

direito de crédito daquela instituição e, consequentemente, causando-lhe um dano.

Verifica-se, ainda, um nexo de causalidade entre o facto e o dano, porquanto este último foi

causado pela não entrega, por parte dos arguidos/demandados, das contribuições nos cofres da

Segurança Social.

Cabe, assim, aos demandados M..., Lda. e C... o dever de indemnizar o Instituto de

Segurança Social, IP – Centro Distrital de Évora pelo montante das contribuições descontadas às

remunerações dos trabalhadores, no valor de € 2.878,79, a que acrescerá o pagamento de juros de

mora, à taxa de 1%, nos termos do art. 3.º do DL n.º 73/99, de 16 de Março, desde a data dos

respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento, porquanto o referido diploma não faz a

distinção entre as dívidas provenientes de um crime das outras, pelo que existindo lei especial

deverá esta prevalecer sobre a lei geral.

***

- DAS CUSTAS

I) Das Custas Criminais:

Em função do exposto, por terem sido condenados, deverão os arguidos serem

condenados nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, reduzida a metade, nos

termos do disposto no art.º 344.º, n.º 2, al. C) do Código de Processo Penal e art.º 8.º, n.º 5 do

Regulamento das Custas Processuais, e em 1/4 da taxa de justiça o valor da procuradoria –

artigos 513.º, n.º 1 e 514.º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, 85.º, n.º 1, alínea b) e

95.º, n.º 1, ambos do Código das Custas Judiciais.

II) Das Custas Cíveis:

Custas cíveis pelos demandados, nos termos do disposto no artigo 446.º, n.º 1 do

Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 523.º do Código de Processo Penal.

Nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea m) do Regulamento das Custas

Processuais, estão isentos de custas “o demandante e arguido demandado, no pedido de

indemnização civil apresentado em processo penal, quando o respectivo valor seja inferior a

20 UC”, o que sucede “in casu”.

*

IV- DECISÃO

Pelo exposto, julgo a presente acusação procedente e, em consequência:

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A- QUANTO À PARTE CRIMINAL:

- Mantenho a pena aplicada aos arguidos M..., Lda. e C... no Processo n.º

165/09.6TAVVC, do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, pela prática de um crime

de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p.

pelos art.ºs 105.º, n.º 1 e 107.º, n.º1 do RGIT e 30.º e 79.º do Código Penal,

respectivamente, na pena de multa de 320 dias à razão diária de € 8,00, e na pena

de multa de 160 dias, à razão diária de € 6,00, pena que engloba os factos

integradores de tal crime, considerados provados, tanto naqueles autos, como nos

presentes autos, relativo aos meses de Junho de 2003 a Abril de 2010, no valor

total de € 22.210,14.

B- QUANTO À PARTE CÍVEL:

- Julgo procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo

demandante Instituto da Segurança Social, IP – Centro Distrital de Évora, e em consequência

condenar os demandados M..., Lda. e C... no pagamento ao demandante da quantia de €

2.878,79, acrescida de juros moratórios à taxa legal de 1%, nos termos do D.L. n.º 73/99 de 16 de

Março, vencidos e vincendos, contabilizados desde a data limite de entrega das referidas

quantias até efectivo e integral pagamento.

* Das Custas Criminais:

Condeno os arguidos nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC,

reduzida a metade, nos termos do disposto no art.º 344.º, n.º 2, al. C) do Código de Processo

Penal e art.º 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais, e em 1/4 da taxa de justiça o

valor da procuradoria (artigos 513.º, n.º 1 e 514.º n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e

8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais).

Das Custas Cíveis:

Custas cíveis pelos demandados, nos termos do disposto no artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do

Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 523.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo da

isenção de que beneficiam, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea m) do

Regulamento das Custas Processuais.

* Após trânsito em julgado, remeta boletim ao registo criminal nos termos do artigo 374.º, n.º

3 alínea d) do Código de Processo Penal.

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* Deposite-se, nos termos dos artigos 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2, ambos do Código de Processo

Penal.

* Notifique.

ANDREIA VALADARES FERRA

Juíza de Direito ——————————————

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