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ÉTICA PROFISSIONAL E SIGILO
Darlindo Ferreira1
Apresentação
A possibilidade de abrir espaços para trocas com colegas parece-nos sempre ser uma atitude
louvável ao mesmo tempo que prazeirosa. Desde já gostaria de agradecer ao convite para esta oportunidade 2
de poder trazer alguns elementos que nos ajude a fazer juntos algumas relações existentes entre Ética
Profissional e Sigilo. Quando me coloquei a refletir algumas coisas sobre este tema comecei a me dar
conta de que na contemporaneidade somos expostos a inúmeras fontes de informações, isto a princípio
tornaria difícil a questão do sigilo frente a algo. Mas logo percebi que não era desta perspectiva de sigilo quepoderia me reportar com relação ao fazer psicológico. Então, fui assaltado por perguntas como: afinal, o que é
sigilo? Para que serve no âmbito dos saberes psicológicos? A quem se destina?
Permiti-me seguir com as inquietações e me veio a idéia de que o sigilo parece estar ligado a duas
outras coisas também importantes: o silêncio e o cuidado. Baumam (1998) em seu texto “Mal-estar da Pós-
modernidade” aponta-nos no sentido de indicar que nos conduzimos como turistas e vagabundos num mundo
caótico. Se isso faz sentido, que relação parece haver entre sigilo, silêncio e cuidado? O fio de Ariadne que
liga estas questões na dimensão profissional parece ser a o lugar que ocupa a técnica e a ética frente aosdesafios da práxis.
Assim, propomo-nos como objetivo geral desta comunicação transitar entre os conceitos de sigilo e
ética profissional a partir de uma visão fenomenológica existencial. Procuraremos também mais
especificamente enfocar o lugar da técnica frente aos desafios éticos no sigilo profissional. Faz-se necessário
ressaltar que nossa idéia não tem como pressuposto encontrar respostas “verdadeiras” sobre o sigilo e a ética
profissional, mas tão somente sinalizar articulações, pontos de encontros e desencontros para que com isso
possamos nos colocar de maneira mais perspectivista com relação aos cenários desafiadores do nossocotidiano profissional.
1 Professor Assistente do Departamento de Psicologia UFAM.2 Texto apresentado na ULBRA/Manaus 2003.
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Primeiramente iremos fazer o percurso com as questões que nos levam do sigilo ao silêncio; em
seguida, continuaremos refletindo sobre o silêncio e o cuidado; Por fim, tentaremos no situar na dimensão
do cuidado silencioso do sigilo.
Do sigilo ao silêncio
A palavra sigilo está relacionada à idéia de segredo, ou ainda, com algo que precisa ser guardado
frente a uma verdade. No âmbito da psicologia o sigilo toma lugar fundamental na constituição do vínculo
interpessoal entre o psicólogo e o outro que com demanda seus serviços.
Assim definido o sigilo pode ser compreendido a partir da esfera das técnicas usadas para
estabelecer vínculos de confiança que são norteadores para um desvelar de outras possibilidades não
apenas na psicologia clínica mas em todos as práticas psicológicas.
Contudo, gostaria de apresentar o sigilo não como um imperativo técnico ou moral na relação que
mantemos com o outro mas sim como uma dimensão ética fundante da própria relação. Manter sigilo é calar-
se, ou seja, silenciar frente a algo que se encontra posto. Mas porque não nos reduzirmos na questão do
sigilo como técnica? Fundamentalmente por não podermos mais perpetuar na contemporaneidade uma idéia
de técnica como uma instrumentalização da teoria.
A palavra técnica vem do grego techné, que originalmente significa arte, habilidade, artesanato(Webster, 1974). Na modernidade a técnica assume um lugar que designa a forma primaz de intervenção
sobre o real, apoiada numa racionalidade instrumental. Heidegger (1989) em seu texto “A Época das
Concepções do Mundo” afirma que a técnica é a forma privilegiada, um fenômeno essencial da mecanização
das relações e desenraizamento do homem em seu horizonte de significações.
A partir deste contexto, podemos entender que o sigilo parece indicar antes de um uso técnico, uma
ação que se prolonga no mundo como espaço para a escuta do silêncio. Este silêncio torna o homem
detentor de uma verdade ao mesmo tempo que aberto para outras possibilidades de constituir sentido esignificado ao vivido. Do sigilo ao silêncio parece ser a postura esperada para que o homem não se perca na
estrutura mecanicista de um mundo pré-determinado, possivelmente determinado pelos imperativos
categóricos neokantianos.
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Segundo Morato (1999:74), o mundo pós-moderno dentre outras características possui a capacidade
de promover o desenraizamento do homem em suas relações significativas.
“Na vivência de um presente aterrador e desconectado do passado
sobra ao homem um vazio. Sem perspectivas futuras, vivendo a
imediatez, como forma de fuga da finitude dolorosamente
presentidas, rompe suas ligações”
Portanto, o sigilo, o segredo, o calar-se pode ser entendido também como possibilidade de silêncio,
uma espécie de estabelecimento de vínculo ético que permite o pertencimento ao mundo e a rede de relações
significativas.
Do Silêncio ao cuidado
Podemos entender, então, que o sigilo no âmbito do fazer psicológico resguarda a privacidade dos
sujeitos, assim como cria espaços para instauração de um vínculo que assegure um continente no qual se
desenrolará a infindável possibilidade de relações interpessoais. Mas o sigilo também, num sentido
ontológico, possibilita que tanto o psicólogo quanto o sujeito que dispõe de seus serviços se situe numa
relação de escuta mais própria. Mas o que a escuta promovida pelo sigilo pode escutar? Lembra-nos
Heidegger (1999:224) que “silenciar num sentido próprio só é possível num discurso autêntico ”, ou seja, o
sigilo permite a todos envolvidos nesta atitude a possibilidade de se aproximar do ser-si-mesmo-no-mundo.
Boff (1999) indica que o cuidado situa-se também no âmbito da atitude. Mais do que o mero zelo,
atenção, cuidar é uma atitude de estar afim-de-ser-si-mesmo, dito de outra forma, cuidado é condição
essencial do homem no mundo que procura sentido e significado próprio a tudo que faz.
Antes de qualquer coisa, num mundo permeado por realidades virtuais ou virtualidades reais, o
silêncio promove uma forma de cuidado que encontra brechas para promover outros significados que não
sejam aqueles tipo shopping center onde tudo está pré-formatado e a serviço da sociedade de controle e
consumo.
O cuidado silencioso do sigilo
O cuidado silencioso do sigilo torna-se uma forma de promover espaços para promoção do bem-
estar na medida que possibilita outras formas de se plasmarem subjetividades mais enraizadas num mundo
de significados.
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Figueiredo(1996:40), referindo-se ao psicólogo clínico fez a afirmação a seguir que muito bem pode
ser ampliada para o psicólogo como profissional do cuidado: “talvez o psicólogo (clínico) seja a escuta de que
o nosso tempo necessita para ouvir a si mesmo naquilo em que lhe faltam palavras”. O que este autor nos
aponta quando faz esta afirmação? Aponta-nos primeiramente para falência do projeto moderno que apostou
muito alto na correspondência da representação como espelho da realidade, assim como também na crençada linguagem como instrumento totalizador da experiência.
Novamente ouvindo as ressonâncias do Boff (op.cit) o homem não tem cuidado ele é cuidado. O
cuidado que se prende na contínua tentativa de se integrar domínios que são muitas vezes sinalizados pelos
mal-estares contemporâneos. O sigilo, a partir deste contexto, assume uma posição fundamental para
promover talvez a escuta do silêncio cuidadoso possibilitador da transformação. Continuamente temos que
lidar com as desmesuras intempestivas do inesperado.
Para finalizar gostaria de reafirmar que não há uma fórmula preconcebida que possa dar conta de
todos os paradoxos do cotidiano profissional, nossos códigos de éticas são norteadores que tentam refletir eacompanhar as mudanças de nosso tempo. Contudo, para além do dever ser feito há o possível no âmbito da
ética do cuidado. Pensar que estamos sempre a serviço da vida e promoção de bem-estar é estarmos
comprometidos co-responsáveis pela busca de outras formas de ser-no-mundo que flexibilize o acolhimento
do processo de mudança como algo inexoravelmente permanente.
Referências bibliográficas
BAUMAN, Z – O mal-estar da pós-modernidade. Jorge Zahar. Rio de Janeiro:1998.BOFF, L. – Saber cuidar. Ethos do humano – compaixão pela terra. Vozes, Petrópolis:1999
FERRY, Luc e RENAUT, Alain, Heidegger e os Modernos, Trad. de Alexandre C. Sousa, Ed. Teorema,
Lisboa, 1989
HEIDEGGER, M. – Ser e Tempo.8º edição, Petrópolis.Vozes: 1999.
MORATO, H.T.P. (org) – Aconselhamento psicológico Centrado na pessoa. Novos desafios. São Paulo.
Casa do Psicólogo:1999.
WEBSTER`S New Collegiate Dictionary (1974). Springsfield, Mass.: C&C Merriam Company.
VATTIMO, G. – O fim da modernidade. Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. Lisboa.Presença:1987.
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