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7/21/2019 Signum.pdf http://slidepdf.com/reader/full/signumpdf-56da5755a1d4a 1/16 Este artigo foi originalmente publicado no periódico Signum 7 (2005). A paginação deste arquivo não corresponde à paginação oficial, e não deve ser usada em citações acadêmicas. O conteúdo desse artigo pode ser reproduzido apenas para fins não- acadêmicos, desde que contenha o seguinte texto: Reproduzido de Patricia Pires Boulhosa, “Sagas islandesas como fonte da história da Escandinávia medieval” – versão eletrônica cedida pela Autora, de artigo originalmente publicado em Signum 7 (2005). As paginação deste artigo eletrônico não confere com a edição original. Sagas islandesas como fonte da história da Escandinávia medieval Patricia Pires Boulhosa O zelo dos homens de Thule [i.e. da Islândia] não deve ficar esquecido pelo silêncio; como a infertilidade do solo nativo não lhes permite nutrir nenhum luxo, eles exercitam uma contínua rotina de comedimento e devotam todo o seu tempo para aperfeiçoar nosso conhecimento das façanhas alheias, compensando a pobreza pela inteligência. Consideram um verdadeiro prazer descobrir e comemorar as proezas de todas as nações, julgando tão elevado dissertar sobre as proezas dos outros, como demonstrar a própria. Então, eu examinei minuciosamente a reserva de seus tesouros históricos e compus não  pequena parte da presente obra copiando as narrativas deles, não menosprezando o testumunho daqueles em cujas estórias sobre a antiguidade eu reconheci tanta mestria. Saxo Grammaticus (c. 1150-1220), Gesta Danorum. 1  Em 1514, a obra Gesta Danorum de Saxo Grammaticus foi publicada em Paris pelo dinamarquês Christiern Pedersen, que, inspirado pelas palavras de Saxo, reuniu trechos de sagas islandesas sobre os reis noruegueses e as traduziu para o dinamarquês. 2  Em 1575, Anders Sörensen Vedel publicou uma tradução dinamarquesa de Saxo, e em 1579, da  Historia Ecclesiastica de Adam de Bremen. 3  Durante o reinado de Frederik I (1523-1533), o norueguês Laurents Hanssøn, após traduzir vários excertos de leis, foi incumbido de traduzir trechos de várias as sagas dos reis escandinavos. A tradução de Hanssøn foi apresentada ao então príncipe dinamarquês, mais tarde rei Frederik II da Dinamarca e Noruega (1559-1588), com as seguintes credenciais: Aqui começa a Crônica Norueguesa, que é chamada de  Livro dos Reis, relativa aos reis dinamarqueses, 1  SAXO GRAMMATICUS, Saxonis gesta danorum, eds. J. Olrik e H. Raeder with Franz Blatt, Copenhagen, Levin & Munksgaard, 1931-1957, vol. I, p. 5:  Nec Tylensium industria silentio oblitteranda: qui cum ob nativam soli sterilitatem luxuriæ nutrimentis carentes officia continuæ  sobrietatis exerceant omniaque vitæ momenta ad excolendam alienorum operum notitiam conferre  soleant, inopiam ingenio pensant. Cunctarum quippe nationum res gestas cognosse memoriæque mandare voluptatis loco reputant, non minoris gloriæ iudicantes alienas virtutes disserere quam proprias exhibere. Quorum thesauros historicarum rerum pignoribus refertos curiosius consulens, haud parvam  præsentis operis partem ex eorum relationis imitatione contexui, nec arbitros habere contempsi, quos tanta vetustatis peritia callere cognovi. 2  JON GUNNAR JØRGENSEN,  Det tapte håndskriftet KRINGLA, Oslo, Universitetet i Oslo, 1999,  pp. 17-20. 3  WALDEMAR WESTERGAARD, “Danish History and Danish Historians”,  Journal of Modern  History, 24, 1952, pp. 167-80 (p. 168).

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Este artigo foi originalmente publicado no periódico Signum  7 (2005). A paginaçãodeste arquivo não corresponde à paginação oficial, e não deve ser usada em citaçõesacadêmicas. O conteúdo desse artigo pode ser reproduzido apenas para fins não-acadêmicos, desde que contenha o seguinte texto: Reproduzido de Patricia PiresBoulhosa, “Sagas islandesas como fonte da história da Escandinávia medieval” – versãoeletrônica cedida pela Autora, de artigo originalmente publicado em Signum 7 (2005).

As paginação deste artigo eletrônico não confere com a edição original.

Sagas islandesas como fonte da história da Escandinávia medieval

Patricia Pires Boulhosa

O zelo dos homens de Thule [i.e. da Islândia] não deve ficar esquecido pelo

silêncio; como a infertilidade do solo nativo não lhes permite nutrir nenhumluxo, eles exercitam uma contínua rotina de comedimento e devotam todo oseu tempo para aperfeiçoar nosso conhecimento das façanhas alheias,compensando a pobreza pela inteligência. Consideram um verdadeiro prazerdescobrir e comemorar as proezas de todas as nações, julgando tão elevadodissertar sobre as proezas dos outros, como demonstrar a própria. Então, euexaminei minuciosamente a reserva de seus tesouros históricos e compus não pequena parte da presente obra copiando as narrativas deles, nãomenosprezando o testumunho daqueles em cujas estórias sobre a antiguidadeeu reconheci tanta mestria.

Saxo Grammaticus (c. 1150-1220), Gesta Danorum.1 

Em 1514, a obra Gesta Danorum  de Saxo Grammaticus foi publicada em Paris pelodinamarquês Christiern Pedersen, que, inspirado pelas palavras de Saxo, reuniu trechosde sagas islandesas sobre os reis noruegueses e as traduziu para o dinamarquês. 2 Em1575, Anders Sörensen Vedel publicou uma tradução dinamarquesa de Saxo, e em1579, da Historia Ecclesiastica de Adam de Bremen.3  Durante o reinado de Frederik I(1523-1533), o norueguês Laurents Hanssøn, após traduzir vários excertos de leis, foiincumbido de traduzir trechos de várias as sagas dos reis escandinavos. A tradução deHanssøn foi apresentada ao então príncipe dinamarquês, mais tarde rei Frederik II daDinamarca e Noruega (1559-1588), com as seguintes credenciais:

Aqui começa a Crônica Norueguesa, que é chamada de  Livro dos Reis, relativa aos reis dinamarqueses,

1  SAXO GRAMMATICUS, Saxonis gesta danorum, eds. J. Olrik e H. Raeder with Franz Blatt,Copenhagen, Levin & Munksgaard, 1931-1957, vol. I, p. 5:  Nec Tylensium industria silentiooblitteranda: qui cum ob nativam soli sterilitatem luxuriæ nutrimentis carentes officia continuæ sobrietatis exerceant omniaque vitæ momenta ad excolendam alienorum operum notitiam conferre soleant, inopiam ingenio pensant. Cunctarum quippe nationum res gestas cognosse memoriæquemandare voluptatis loco reputant, non minoris gloriæ iudicantes alienas virtutes disserere quam propriasexhibere. Quorum thesauros historicarum rerum pignoribus refertos curiosius consulens, haud parvam præsentis operis partem ex eorum relationis imitatione contexui, nec arbitros habere contempsi, quostanta vetustatis peritia callere cognovi. 

2 JON GUNNAR JØRGENSEN,  Det tapte håndskriftet KRINGLA, Oslo, Universitetet i Oslo, 1999, pp. 17-20.

3  WALDEMAR WESTERGAARD, “Danish History and Danish Historians”,  Journal of Modern History, 24, 1952, pp. 167-80 (p. 168).

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suecos e noruegueses e sobre suas origens – um pouco sobre todos eles e mais sobre os reis noruegueses.4 

Em 1594, o norueguês Mattis Størssøn traduziu uma versão mais longa daquelas sagas,entitulando-as simplesmente “A Crônica Norueguesa”.5  Em 1599 Peder Claussøntraduziu uma versão ainda mais longa, que apenas em 1633 foi publicada por OleWorm. É somente com esta edição de Worm que as sagas ganham um autor:

Crônica dos Reis Noruegueses de Snorri Sturluson. Traduzida para o dinamarquês pelo Mestre PederClaussøn, antigo vigário de Sogne, em Undal. Agora recentemente ampliada, revisada, continuada e preparada para a imprensa para o benefício do homem comum.6 

O esforço humanista de estudar o passado crescia lado a lado às agitações políticas quese espalhavam por toda a Escandinávia. A Noruega, que estava unida à Dinamarcadesde 1386, perdia o controle político de suas províncias, a tal ponto que a carta decoroação de Christian III (1534-1559), proclamou que o país passava a ser uma mera

 província da Dinamarca.7 A necessidade de preservar a identidade cultural, aliada aodesejo da nobreza em buscar raízes históricas para as propícias uniões políticas daépoca, impulsionaram o humanismo Escandinavo. A evocação de Saxo levou oshumanistas escandinavos a procurar manuscritos na Islândia, onde se encontravamespalhados por mosteiros, igrejas e em posse de alguns particulares. O súbito interesse

 pelas sagas foi bem acolhido pelos islandeses que, desde cedo, tentaram garantir que aorigem islandesa das sagas fosse reconhecida.8  Neste período, portanto, as sagassurgiram como elemento de preservação das identidades escandinavas, que seencontravam ameaçadas pelas constantes uniões e dissoluções políticas e territoriais. 9 

Apesar do interesse humanista, a tradução e a edição das sagas progrediu lentamentee de forma esporádica até o século XVIII, e, por isso, a disseminação do conhecimentoficou restrita a pequenos grupos de estudiosos capazes de ler os textos originais. Nãohavia dúvida entre esses estudiosos de que as sagas eram produtos de homens

empenhados em “escrever história”,10

  especificamente a história escandinava dosséculos IX a XI, embora algumas dúvidas já fossem suscitadas sobre a autenticidade econfiabilidade das sagas. O debate que se desenrolou ao longo dos séculos XVIII e XIXnão poderia ser satisfatoriamente resumido neste artigo, mormente porque este debatenão se deu em um campo de conhecimento específico: discutiu-se a origem das sagas(seria possível que vikings pudessem produzir documentos de validade histórica?), alíngua em que foram escritas (poderia uma língua vulgar como o nórdico antigo

4  Laurents Hanssøns  sagaoversættelse, ed. Gustav Storm, Oslo, Brøgger, 1899, p. 1:  Her beginnes /thenn Norske Kronik / ßom kalles / Konninge Boghen / om / Danske Svenske oc Norske Konningr / oc Deris Aff Sprungk / Noghet af thennom alle / och / Mest af de Norske Kon:. 

5 MATTIS STØRSSØN, Den norske Krønike, ed. Mikjel Sørlie, Oslo, Universitetsforlaget, 1962.6  PEDER CLAUSSØN, Snorre Sturlesøns Norske Kongers Chronica –   Udsat paa Danske,Copenhagen, 1633: Snorre Sturlesøns / Norske Kongers / CHRONICA. / Udsat paa Danske / aff / H. Peder Claussøn / fordum Sogneprest i Vndal. / Nu nyligen menige mand til gaffn / igien- /nemseet /continuerit oc til Trycken /forferdiget .

7  A Suécia uniu-se à Dinamarca e à Noruega em 1389, formando, em 1397, a União de Kalmar.ALEXANDER BUGGE et al. (eds.),  Norges Historie: fremstillet for det norske folk , Oslo, Aschehoug,1909-17, vol. IV.I, p. 9. ØYSTEIN RIAN, “Why Did Norway Survive as a Kingdom?”, Scandinavian Journal of History, 21, 1996, pp. 49-62, mostra que este item da carta de coroação transformou-se posteriormente em um problema para a monarquia dinamarquesa, que a custo tentava conquistar o apoiodos noruegueses. De fato, os sucessivos documentos da coroa mencionavam o Reino da Noruega; porém,o controle do país estava exclusivamente nas mãos dos oficiais dinamarqueses.

8 Para uma análise aprofundada do período, consultar THEODORE M. ANDERSSON, The Problem of

 Icelandic Saga Origins: A Historical Survey, New Haven, Yale University Press, 1964, pp. 1-219 Ver HARALD GUSTAFSSON, “The Eighth Argument: Identity, Ethnicity and Political Culture inSixteenth-Century Scandinavia”, Scandinavian Journal of History, 27, 2002, pp. 91-114.

 

10 “ skrifue historier ”, cf. prefácio de Ole Worm em CLAUSSØN, Snorre Sturlesøns, op. cit .

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 preservar história?), até considerações que denunciavam rivalidades nacionais (as sagasnão seriam, de fato, norueguesas?).11  Valiosas contribuições acadêmicas ocorreramdurante este período, especialmente durante o século XIX, que contou com erudição

 penetrante de Konrad Maurer e Gustav Storm; mas apesar de maiores ou menoresmudanças de abordagem, a historicidade das sagas sempre foi presumida.

É somente no século XX que as sagas passam a ser consideradas como produtos de

ficção. A questão da historicidade foi posta de lado, e, em um primeiro momento, assagas passaram a ser rejeitadas pelos historiadores. Contudo, a partir da metade doséculo XX, a antropologia impulsionou o estudo das sagas como artefatos sociais,

 principalmente estudos etnográficos relacionados à composição poética, queinfluenciaram a análise da composição oral das sagas. Os avanços da arqueologiahabilitaram historiadores a desvincular a pesquisa da história escandinava ao estudoexclusivo das sagas. Atualmente, embora o estudo literário das sagas seja dominante, oestudo das sagas como fonte de história social, ou história das mentalidades do períodoem que foram escritas, tem se desenvolvido.

Porém, a transição da pesquisa marcadamente historicista para a pequisa dasmentalidades não aconteceu, nem acontece, de maneira estruturada: muitos conceitos

metodológicos, herdados das pesquisas “românticas” dos séculos XVII e XVIII, bemcomo das pesquisas literárias do século XX, não foram questionados. A abordagemliterária promoveu a noção da autoria e da unicidade dos textos e aprofundou a divisãoficção e história. Certas classificações em gêneros literários diferentes promoveram aidéia de que as sagas podem ser divididas em grupos de acordo com a “carga” históricaque contêm. Mas a confortável dicotomia ficção versus história não agrada mais a todose os conceitos que embasaram a pesquisa das sagas ao longo dos séculos começam a

 passar por uma profunda revisão.Antes de abordar a questão sobre o uso das sagas como fontes históricas, os

 problemas desta revisão serão discutidos nas seguintes seções, a partir de alguns tópicosmencionados nesta (extremamente) abreviada introdução sobre o desenvolvimento dosestudos das sagas.

II

 No final do século IX, muitos noruegueses decidiram deixar o seu país para colonizar aIslândia. Por mais de três séculos, os islandeses não reconheceram o rei da Noruegacomo o seu soberano; foi apenas a partir da segunda metade do século XIII quefinalmente sujeitaram-se à coroa norueguesa. Várias tradições sobre os motivos da saídados islandeses desenvolveram-se, mas a tradição islandesa foi recontada e reescrita

muitas vezes, e é a mais comum entre as sagas islandesas. Nesta tradição, o reinorueguês Haraldr inn hárfagri (860-930) decide que será o único rei da Noruega, e parte deste projeto consite em tirar o poder de outros reis das províncias, forçando-os aentregar o poder a ele, expulsando-os ou matando-os quando se recusavam.

Um grande número de sagas reconta, em variadas formas, os eventos relacionadosàquela imigração, evolvendo em vários outros temas, como a relação dos islandesescom seus antepassados e os reis noruegueses. São esses temas que mais despertam osinteresses de pesquisadores em busca de material etnográfico, histórico e literário, euma das questões cruciais enfrentadas é estabelecer quando essas estórias surgiram.Atualmente, existe um consenso de que as sagas, em sua origem, eram transmitidasoralmente.12 De fato, a palavra  saga, substantivo feminino (plural  sögur ), é cognata do

11 Sobre o período, consultar ANDERSSON, The Problem, op. cit ., pp. 22-40.12 Material sobre a oralidade das sagas é extremamente vasto. A seguinte lista é apenas uma pequena

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verbo segja, “dizer”. Provavelmente vem da raiz Indo-Européia * sekw, inclusive com ocognato lituânio  sekù, “relatar, contar”, e, mais remotamente, do Latim inquam < *en-

 skuam, e alguns cognatos gregos. Em última análise, deve estar relacionada ao verboGermânico “ver”, possivelmente com o senso básico de “seguir” (com a mente ou voz).Como e quando a transição da forma oral à forma escrita aconteceu é matéria de intensodebate, porém, é provável que a adoção do Cristianismo – que na Islândia só aconteceu

 por volta do ano mil – e a introdução sistemática de registros escritos, tenha contribuído para o aparecimento das sagas escritas.Embora fragmentos de manuscritos de conteúdo diverso tenham sobrevivido, é

apenas no século XIII que os primeiros fragmentos de sagas são encontrados.13 Acredita-se, porém, que as primeiras sagas escritas surgiram, em islandês antigo e latim,na segunda metade do século XII, e versavam sobre a história de reis noruegueses e desantos. No final do século XII, teriam sido escritas as sagas sobre os islandeses doséculo X, e sobre os colonizadores das ilhas Órcades, Faroas, e da Groelândia. 14 A fimde facilitar a compreensão da distribuição destes manuscritos, convém introduzir umadas classificações literárias das sagas, que as divide de acordo com o conteúdo temático.A seguinte classificação é extremamente contingente, pois não existem critérios que

 possam definir o conteúdo de todas as sagas exata ou satisfatoriamente: heilagra manna saga, sagas que relatam a vida de santos; konungasögur , sagas dos reis noruegueses; Íslendingasögur , sagas versando sobre a vida dos islandeses durante a colonização do país até mais ou menos o início do século XIII;  samtíðarsögur , sagas sobre a vida deislandeses dos séculos XII e XIII, incluindo-se as biskupasögur , sagas sobre os bisposislandeses desta mesma época; riddarasögur , sagas cavalheirescas;  fornaldarsögur ,sagas sobre heróis do período pré-islandês, ou “germânico”.15  A maioria dessas sagasestão preservadas em manuscritos islandeses, e algumas delas, como as Íslendingasögur  e as  samtíðarsögur , são exclusivamente islandesas. Sagas sobre os reis norueguesesforam preservadas em alguns manuscritos noruegueses, mas não se comparam em

seleção: Judy Quinn, “From Orality to Literacy in Medieval Iceland”, em MARGARET CLUNIES ROSS(ed.), Old Icelandic Literature and Society, Cambridge, Cambridge University Press, 2000, pp. 30-60;John Lindow, “ Þættir and Oral Performance”, em W. F. H. NICOLAISEN  (ed.), Oral Tradition in the Middle Ages, Binghamton: Medieval & Renaissance Texts & Studies, 1995, pp. 179-86; THEODORE M.ANDERSSON, “The Doctrine of Oral Tradition in the Chanson de Geste and Saga”, ScandinavianStudies, 34, 1962, pp. 219-36, “Textual Evidence for an Oral Family Saga”, Arkiv för nordisk filologi, 81,1966, pp. 1-23 e “The Emergence of Vernacular Literature in Iceland”,  Mosaic, 8/4, 1975, pp. 161-69;DIETRICH HOFMAN, “ Reykdœla saga und mündliche Überlieferung”, Skandinavistik , 2, 1972, pp. 1-26e “Die mündliche Sagaerzählkunst aus pragmatischer Sicht”, Skandinavistik , 12, 1982, pp. 12-21;KLAUS VON SEE, “Skaldenstrophe und Sagaprosa: Ein Beitrag zum Problem der mündlichenÜberlieferung in der altnordischen Literatur”,  Mediaeval  Scandinavia, 10, 1977, pp. 58-82, “Mündliche

Prosa und Skaldendichtung: Mit einen Exkurs über Skaldensagas und Trobadorbiographien”,  MediaevalScandinavia, 11, 1978-79, pp. 82-91 e “Das Problem der mündlichen Erzählprosa im Altnordischen”,Skandinavistik , 11, 1981, pp. 89-95; SIEGFRIED BEYSCHLAG, “Möglichkeiten mündlicher:Überlieferung in der Königssaga”,  Arkiv för nordisk filologi, 68, 1953, pp. 109-39; MICHAELCURSCHMANN, “The Prologue of  Þiðreks saga: Thirtheenth-century Reflections on Oral TraditionLiterature”, Scandinavian Studies, 56, 1984, pp. 140-51; HENRY KRATZ, “The Fóstbrœðrasaga and theOral Tradition”, Scandinavian Studies, 27, 1955, pp. 121-72.

13 Entre os fragmentos de manuscritos do século XII sobreviventes, encontram-se um livro de homilias,um calendário latino, um livro de orações, textos legais e um tratado sobre cálculos.

14 Consultar RALPH O’CONNOR, Icelandic Histories & Romances, Charleston, Tempous Publishing,2002, p. 10 e ROBERT KELLOGG,  Introduction  em ROBERT KELLOGG  (ed.), The Sagas of Icelanders, London, The Penguin Press, 2000, pp. xv-liv.

15 Não é demasia enfatizar que essa lista não é exaustiva. Além disso, a produção literária da Islândia

não está restrita às sagas – a poesia dos  skáld   (“skaldica”), a poesia da Edda Menor e Edda Maior(“eddica”), tratados gramaticais da língua islandesa, além de traduções e adaptações de textos europeus dediversos gêneros, fazem parte do imenso acervo cultural produzido pelos islandeses durante os séculosXII e XV.

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extensão, às coleções de konungasögur   produzidas pelos islandeses. Sobre essa predominância islandesa, Ralph O’Connor comenta:

It is a truism that emigrants tend to guard their cultural traditions more jealously than those back at home.At any rate, most of the surviving literary sources for Norse mythology and legendary history werewritten by Icelanders, and other Scandinavian writers leaned heavily on their work.16 

As sagas que mais atraem os pesquisadore em busca de material histórico, literário eetnográfico são as  Íslendingasögur , as  samtíðarsögur , e as konungasögur . A dataçãodessas sagas apresenta problemas até o momento insuperáveis. A idéia ainda dominanteé de que houve um período “clássico” de composição de sagas: o século XIII.17 Masessa visão reducionista vem sendo desafiada e os critérios para uma tão-necessáriarevisão foram traçados por Örnólfr Thorsson em um influente artigo que vem inspirandonovas pesquisas.18  O fato é que a maioria dessas sagas sobrevivem em váriosmanuscritos do século XIV e em formas diferentes. Infelizmente, essa multiplicidade detextos nem sempre foi apreciada e ainda é considerada como um grande dificuldade aser enfrentada pelos medievalistas. Mas, como se verá, a multiplicidade e a

variabilidade das sagas é um valioso instrumento de análise.

III

Uma das mais marcantes influências do estudo literário das sagas foi a introdução doconceito de autoria. A idéia de autoria introduziu, no contexto da produção literáriamedieval, a idéia do texto original – aquele escrito, ou talvez ditado a um escriba, pelo

 próprio autor. Contudo, enquanto circularam em manuscritos, as sagas foramtransmitidas anonimamente. Esta cultura manuscrita produzia uma diversidade de

textos, que, por circularem anonimamente e em diversas formas, eram variáveis. A pluralidade e a instabilidade do texto medieval é explicada por Bernard Cerquiglini:

 L’œuvre littéraire, au Moyen Age, est une variable. L’appropriation joyeuse par la langue maternelle dela signifiance propre à l’écrit a pour effet de répandre à profusion le privilège de l’écriture. Qu’une main fut première, parfois, sans doute, importe moins que cette incessante récriture d’une œuvre qui appartientà celui qui, de nouveau, la dispose et lui donne forme. Cette activité perpétuelle et multiple fait de lalittérature médiévale un atelier d’écriture. Le sens y est partout, l’origine nulle part.19 

Robert S. Sturges compara a fluidez do texto na cultura manuscrita à cultura oral, naqual “an ever-changing narrative is continuously altered by successive contributors”.20 

 Neste contexto, a idéia de um único autor e de um único texto original restringem a

diversidade cultural, da qual a pluralidade de manuscritos e variabilidade dos textos sãotestemunhas.21  Portanto, é necessário compreender como essas características foram

16 O’CONNOR,  Icelandic Histories, op. cit., p. 10. O’Connor exemplifica a influência do materialislandês sobre os autores escandinavos com a passagem de Saxo Grammaticos já citada acima.

17 Explicar-se-á abaixo como se originou a idéia desse período clássico.18  ÖRNÓLFR THORSSON, “ Leitin að landinu fagra: Hugleiðing um rannsóknir á íslenskum

fornbókmenntum”, Skáldskaparmál , 1, 1990, pp. 28-53. Alguns representantes desta revisão são listadosna nota 32 abaixo.

19 BERNARD CERQUIGLINI,  Éloge de la variante: histoire critique de la philologie, Paris, Seuil,1989, p. 57.

20  ROBERT S. STURGES, “Medieval Authorship and the Polyphonic Text: From ManuscriptCommentary to the Modern Novel”, em THOMAS J. FARRELL (ed.),  Bakhtin and Medieval Voices,Gainesville: University Press of Florida, 1995, pp. 122-37 (p. 123).

21  STEPHEN G. NICHOLS, “Why Material Philology: Some Thoughts”,  Zeitschrift für deutsche

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substituídas pela idéia do texto único e invariável.Como mencionado acima, foi apenas a edição de 1633 de Ole Worm das sagas dos

reis noruegueses que apresentou o islandês Snorri Sturluson como o seu autor; essassagas passaram a ser chamadas coletivamente de  Heimskringla.22  Esta atribuição foifeita com base em provas pouco sólidas, aceitas pelas pressões e convenções literáriasdo século XVII, que desdenhavam o anonimato, e consideravam um texto sem autor

como um texto sem autoridade. Desde o final do século XVI, e em parte como respostaaos atos repressivos da Inquisição contra os editores, à idéia de autoria subjugou aimprensa.23  Como observa Marcy L. North, a preocupação com autoridade e a autoriados textos aumentou durante a fase inicial da imprensa:

authorial names have been attached to previously anonymous texts for a variety of purposes throughoutliterary history. In the early centuries of print, popular authorial names were often attached toanonymous texts to increase their marketability.24 

A necessidade de produzir um autor acabou por promover a autoria de SnorriSturluson.25 É certo que atribuições autorais também apareceram no contexto medievalescandinavo e, na grande maioria dos casos, também estavam relacionadas à

necessidade de atribuir autoridade e erudição a um determinado texto. A possibilidadefática de uma atribuição autoral era menos importante. Por exemplo, várias obrasislandesas mencionam Ari inn fróði (Ari, o erudito), que teria escritos livros e sagassobre a história da Islândia. Não surpreende, portanto, que seu nome apareçarelacionado a algumas sagas, entre elas Gunnlaugs saga ormstungu do manuscrito Holm

 perg 18 4°, do século XIV. Que os eventos narrados nesta saga fossem posteriores àmorte de Ari não consistiu obstáculo ao escriba que, no desejo de atribuir autoridade eerudição ao seu trabalho, preferiu ignorar a contradição e atribuí-la a Ari. Atribuiçõesautorais não eram distribuídas pelos manuscritos homogeneamente; uma mesma saga

 podia aparecer anônima em um manuscrito e atribuída a uma pessoa em outro. Mas,mesmo nos casos em que um um nome tenha sido atribuído a uma saga contida em umdeterminado manuscrito, cabe questionar se é válido transformar este nome em “autor”,e não somente “autor” do texto daquele manuscrito, mas autor de textos preservados emoutros manuscritos. Em última instância, pode-se fixar o texto por causa desta

 Philologie, 116, 1997, pp. 10-30, também discorre sobre a variabilidade do texto medieval. Essavariabilidade também é linguística; veja-se, por exemplo, SUZANNE FLEISCHMAN, “Philology,Linguistics, and the Discourse of the Medieval Text”, Speculum, 65, 1990, pp. 19-37, que explora alinguagem do francês antigo dentro do texto variável da cultura manuscrita.

22  A teoria de que Snorri Sturluson escreveu  Heimskringla  é explicada, bem como promovida, emJAKOB BENEDIKTSSON, “Hvar var Snorri nefndur höfundur  Heimskringlu?”, Skírnir , 129, 1955, pp.

118-27 e GUSTAV STORM, “Har haandskrifter af  Heimskringla  angivet Snorre Sturlassøn somkongesagaernes forfatter?”,  Arkiv för nordisk filologi, 1, 1883, pp. 47-61. Os critérios da atribuiçãoautoral de Snorri são questionados nos seguintes artigos: JON GUNNAR JØRGENSEN, “SnorreSturlesøns fortale paa sin chrønicke: Om kildene til opplysningen om Heimskringlas forfatter”, Gripla, 9,1995, pp. 45-62; JONNA LOUIS-JENSEN, “ Heimskringla: Et værk af Snorri Sturluson?”,  Nordica Bergensia, 14, 1997, pp. 230-45; ALAN J. BERGER, “ Heimskringla and the Compilations”,  Arkiv förnordisk filologi, 114, 1999, pp. 5-15; MARGARET CORMACK,   “Egils saga, Heimskringla, and theDaughter of Eiríkr blóðøx”, Alvíssmál , 10, 2001, pp. 61-68.

23 LUCIEN FEBVRE e HENRI-JEAN MARTIN,  L’apparition du livre, Paris, Albin Michel, reed.1999, pp. 224-25.

24 MARCY LYNNE NORTH, “Authoring Anonymity in Renaissance England”, tese de doutorado daUniversity of Michigan, 1994, p.15. Exemplos de atribuições autorais durante a primeira fase da imprensasão discutidos em ERNST PHILIP GOLDSCHMIDT,  Medieval Texts and Their First Appearance in

 Print , London, Bibliographical Society, 1943.25  A atribuição de Snorri Sturluson feita no século XVII é discutida na minha tese de doutorado,“Icelanders and the Early Kings of Norway: The Evidence of Literary and Legal Texts”, CambridgeUniversity, Reino Unido, 2003, principalmente no Capítulo 1, no qual partes deste artigo é baseado.

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atribuição? Desde que Ole Worm decidiu atribuir o nome de Snorri Sturlusson às sagasque publicou, a resposta para essas duas perguntas tem sido “sim”.

Uma vez instalada a idéia do autor e do texto original, as pesquisas passaram a seconcentrar no contexto histórico da elaboração do texto, ou, mais especificamente, ocontexto biográfico do autor. O “método de investigação biográfica”, na expressão deVésteinn Ólason, foi praticado exaustivamente pelos românticos dos séculos XVIII e

XIX, e as correntes literárias revisionistas do século XX – principalmente a chamada“escola islandesa” liderada por Sigurður Nordal – não o rejeitou.26 Além de inúmeros einfluentes artigos e ensaios monográficos, a escola islandesa foi responsável pela edição“crítica” das  Íslendingasögur   – edições que até hoje são usadas para a pesquisaacadêmica. O caráter crítico dessas edições traduzia-se pela aplicação rigorosa dos

 princípios de crítica textual de Karl Lachman. Centradas na idéia do texto original, que podia ser extraído através de paciente trabalho filológico, essas edições seguiam (assimcomo a crítica textual Leo Spitzer, Erich Auerbach e Ernst Robert Curtius), asconvenções filológicas européias da época.27  Nas palavras de Stephen Nichols, estemétodo de crítica textual era um legado do século XIX, e representava

a technological scholarship made possible by a print culture. It joined forces with the mechanical press ina movement away from the multiplicity and variance of a manuscript culture, thereby rejecting, at the same time, the representation of the past which went along with medieval manuscript culture: adaptationor translatio, the continual rewriting of past works in a variety of versions, a practice which made eventhe copying of medieval works an adventure in supplementation rather than faithful imitation.28 

Fundamentada nesta sólida tradição de crítica textual, e com o objetivo de maximizar ovalor literário das sagas, a escola islandesa passou a considerá-las como produtos deautores individuais. E, como Cerquiglini observa, é sobre a idéia moderna de autor,surgida entre os séculos XVI e XIX, que a nossa idéia de texto é construída. 29  Oconceito medieval de autoria fundamentava-se na idéia de autoridade: “an auctor   wasregarded as someone whose works had considerable authority and who bore full

responsibility for what he had written”.30 Neste sentido específico, a idéia medieval de

26 VÉSTEINN ÓLASON, “Bókmenntarýni Sigurðar Nordals”, Tímarit Máls og menningar , 45, 1984, pp. 5-18. Uma equilibrada análise da pesquisa de Sigurður Nordal e da chamada “escola islandesa” podeser encontrada em GUNNAR KARLSSON, “Icelandic Nationalism and the Inspiration of History”, emROSALIND MITCHISON (ed.), The Roots of Nationalism: Studies in Northern Europe, Edinburgh,Donald, 1980, pp. 77-89 e JESSE L. BYOCK, “History and the Sagas: The Effect of Nationalism”, emGÍSLI PÁLSSON (ed.), From Sagas to Society: Comparative Approaches to Early Iceland , Enfield Lock,Hisarlik Press, 1992, pp. 43-59.

27 Para uma análise crítica da história e dos metódos de crítica textual moderna, consultar JEROME J.MCGANN, A Critique of Modern Textual Criticism, Charlottesville, University Press of Virginia, reed.

1992, especialmente pp. 15-49.28 STEPHEN G. NICHOLS, “Introduction: Philology in a Manuscript Culture”, Speculum, 65, 1990, pp. 1-10 (pp. 2-3). As pesquisas de Bernard Cerquiglini e Stephen G. Nichols, entre outras, é comumentedenominada de “nova filologia”, o nome do movimento cunhado após a edição de 1990 do periódiconorte-americano Speculum, dedicado à crítica textual, e introduzido com um prefácio do próprio Nichols.Para uma análise equilibrada da “nova filologia”, consultar a série especial (Sonderheft) do volume 116,1997, do periódico Zeitschrift für deutsche Philologie. Uma reação incendiária à “nova filologia” apareceem vários artigos em MARTIN-DIETRICH GLEßGEN e FRANZ LEBSANT (eds.),  Alte und neue Philologie, Editio, 8, Tübingen, Niemeyer, 1997. Outra resposta igualmente negativa encontra-se emKEITH BUSBY (ed.), Towards a Synthesis?: Essays on the New Philology, Amsterdam, Rodopi, 1993.Dentro do contexto da pesquisa de nórdico antigo, KIRSTEN WOLF, “Old Norse – New Philology”,Scandinavian Studies, 65, 1993, pp. 338-48, elabora uma defesa dos métodos tradicionais de críticatextual. STEFÁN KARLSSON, “The Localization and Dating of Medieval Icelandic Manuscripts”, Saga-

 Book , 25, 1999, pp. 138-58, argumenta que uma análise paleográfica e histórica pode contribuir para areavaliação da produção manuscrita medieval.

29 CERQUIGLINI, Éloge, op. cit ., pp. 24-29.30  A. J. MINNIS,  Medieval Theory of Authorship: Scholastic Literary Attitudes in the Later Middle

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autoria contradiz a idéia moderna, baseada em um conceito (legal) de propriedadeintelecutal. A idéia medieval de autoria deve ser compreendida, na proposta de ErnstPhilip Goldschimdt, dentro do conceito de aquisição de conhecimento:

We are guilty of an anachronism if we imagine that the medieval student regarded the contents of thebooks he read as the expression of another man’s personality and opinion. He looked upon them as partof that great and total body of knowledge, the scientia de omni scibili , which had once been the propertyof the ancient sages. Whatever he read in a venerable old book he would take to be not somebody’sassertion but a small piece of knowledge acquired by someone long ago from someone else still moreancient .31 

A transposição da idéia moderna de autor e de texto original à produção das sagasmedievais islandesas dissociou-as da multiplicidade e variabilidade da produçãomanuscrita, e, crucialmente, permitiu que editores interferissem nos textos manuscritosem busca do texto original.32 Desta forma, vários textos podiam ser fundidos em umatravés da remoção, alteração ou adição de expressões, frases ou capítulos inteiros. Oobjetivo era expurgar o que o “mal gosto” de escribas negligentes introduzira. 33  Oconceito de decadência literária (presente, aliás, em toda a crítica textual do século

XIX), permeava esse método de crítica textual, e possibilitava que editoresclassificassem textos e manuscritos em bons e maus exemplares. Sob a perspectiva dedecadência, considerou-se que a produção de sagas chegou ao ápice no século XIII.Esta delimitação temporal e estilística proporcionou o contexto histórico para todas assagas, e não somente àquelas cuja autoria podia ser presumida ou deduzida: instituia-seo período “clássico” da produção das sagas.34  Em um argumento flagrantementecircular, pretendia-se que a aplicação de rígidos métodos de crítica textual pudesserefletir não somente o texto original do autor, mas suas aspirações estéticas, políticas ehistóricas, ao mesmo temo que essas aspirações constituíam a base das decisões sobre oque o texto original deveria conter. Além disso, a grande maioria de sagas preservadas

 Ages, Aldershot, Wildwood House, 1988, p. 192.31 GOLDSCHMIDT, Medieval Texts, op. cit., p. 113.32  O citado artigo de Örnólfur Thorsson discute o papel preponderante dessa política editorial no

 processo de datação das sagas e insiste na reavaliação radical do métodos de datação: THORSSON,“ Leitin”, op. cit., pp. 29-31. Desde então, algumas pesquisas que questionam a idéia do texto original têmsurgido, entre outras: HANS FIX, “Text Editing in Old Norse: A Linguist’s Point of View”,  NOWELE ,31-32, 1997, pp. 105-17; RUSSELL G. POOLE, “Variants and Variability in the Text of Egill’s H ô fuðlausn”, em ROBERTA FRANK (ed.), The Politics of Editing Medieval Texts: Papers Given at theTwenty-seventh Annual Conference on Editorial Problems - University of Toronto - 1-2 November 1991 , New York, AMS Press, 1993, pp. 65-105; JÜRG GLAUSER, “Textüberlieferung und Textbegriff imspätmittelalterlichen Norden: Das Beispiel der Riddarasögur”, Arkiv för nordisk filologi, 113, 1998, pp. 7-

27; ANNA METTE HANSEN, “The Icelandic  Lucidarius: Traditional and New Philology”, emGERALDINE BARNES e MARGARET CLUNIES ROSS (eds.), Old Norse Myths, Literature andSociety: Proceedings of the 11th  International Saga Conference 2-7 July 2000, Sydney, Centre forMedieval Studies, 2000, pp. 118-25; PREBEN MEULENGRACHT SØRENSEN, “Teksten mellenfilologi og litteraturvidenskab”, em KRISTINN JÓHANNESSON, KARL G. JOHANSSON e LARSLÖNNROTH (eds.),  Den fornnordiska texten i filologisk och litteraturvetenskaplig belysning ,Gothenburg, Göteborgs universitet, 2000, pp. 83-95. CHRISTOPHER ABRAM, “Scribal Authority inSkaldic Verse: Þórbjôrn hornklofi’s Glymdrápa”, Arkiv för nordisk filologi, 116, 2001, pp. 5-19.

33 Em última análise, a escolha dos editores baseava-se em conceitos de gosto literário. A crítica dasedições dos textos de Shakespeare realizada por Randall McLeod fornece um paralelo produtivo aos problemas da edição e análise das sagas. McLeod demonstra como as categorias morais de bom e ruimestruturam a prova textual antes que o leitor tenha chance de vê-la. RANDALL MCLEOD, “TheMarriage of Good and Bad Quartos”, Shakespeare Quarterly, 33, 1982, pp. 421-31 e “Gon. No More, the

Text is Foolish”, em GARY TAYLOR e MICHAEL WARREN (eds.), The Division of the Kingdoms:Shakespeare's Two Versions of ‘King Lear’ , Oxford, Clarendon Press, 1983, pp. 153-93.

34  Para uma discussão e crítica do conceito de “sagas clássicas”, consultar Ralph O’Connor, “NotDrowning but Waving: The Sagas of Icelanders after the Golden Age”, Quaestio, 1, 2000, pp. 66-81.

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em manuscritos do século XIV passaram a ser consideradas como material derivativo, e,em consequência, grandes liberdades podiam ser tomadas em relação a própria estruturatextual.

A idéia de que os manuscritos existentes sejam apenas transcrições mais ou menosruins de um texto original perfeito e idealizado limita o nosso entendimento das sagas,

 principalmente porque impede que se compreenda os objetivos individuais e o valor de

cada texto.35

  O contexto histórico e cultural do momento da produção das sagas éextremamente importante, porém, no caso das pesquisas centradas nas idéias de autoria,do texto original e do período clássico de composição das sagas, este contexto é apenasuma criação idealizada. Quando as idéias de autoria e do texto original são colocadas delado, permite-se que uma multiplicidade de textos e de interpretações seja revelada –versões variadas, e nenhuma delas é mais importante do que as outras. As diferentesversões não são cópias mais oumenos diferenciadas de um texto original; antes, indicama existência de um contínuo processo de pensamento. As diferenças entre versõesdevem ser analisasadas sob as diferentes perspectivas ideológicas que refletem.

IV

Esta seção analisará o início do reinado de Haraldr inn hárfagri e o início da colonizaçãoda Islândia tal como narrado em duas sagas, Egils saga Skallagrímssonar ( Egils  saga) e

 Haralds saga ins hárfagra  ( Haralds saga), ambas preservadas nos manuscritos doséculo XIV, AM 45 fol (c. 1300-1325) e AM 132 fol (c. 1330-1350), respectivamente.36 A Haralds saga faz parte de uma coletânea da vida dos reis noruegueses apresentadascronologicamente no manuscrito, e, portanto, a saga do rei Haraldr inn hárfagri éapresentada entre as sagas do seu antecessor, seu pai Hálfdan inn svarti ( Hálfdanar saga

 svarta), e a de seu sucessor, seu filho Hákon Aðalsteinnsfóstri ( Hákonar saga Aðalsteinsfóstra). A  Egils saga  faz parte de uma coletânea de sagas sobre a vida deislandeses durantes os primeiros séculos da colonização da Islândia.

Segundo os critérios de classsificação literária, a Egils saga é uma Íslendingasaga e Haralds saga uma konungasaga. Segundo o sistema de datação e atribuição autoral dascorrentes literárias tradicionais, ambas as sagas teriam sido escritas pelo islandês SnorriSturlusson em meados do século XIII.37  Consideradas sob a perspectiva autoral deSnorri Sturluson, a relação entre os islandeses e os reis da Noruega é explicada atravésde paralelos entre as passagens narradas nessas duas sagas e a vida de Snorri, tal comonarrada na Sturlunga saga, uma coletânea de sagas de islandesas do século XIII. Porexemplo, a visão menos positiva da monarquia por vezes expressa na  Egils saga, é

explicada à luz da espinhosa relação, descrita na Sturlunga saga, entre Snorri Sturlusone o rei Hákon Hákonarson (1217-1263).38 Além disso, trechos contidos em ambas as

35 Essa visão tradicionalista da produção manuscrita das sagas pode ser vista em EINAR ÓLAFURSVEINSSON,  Dating the Icelandic Sagas: An Essay in Method , London, Viking Society for NorthernResearch, 1958.

36  Egils saga Skallagrímssonar , ed. Finnur Jónsson, Copenhagen, Møller & Thomsen, 1886-1888 e Haralds saga ins hárgagra em Codex Frisianus: en samling af norske konge-sagaer , ed. Carl R. Unger,Oslo, Malling, 1871, daqui em diante representadas, respectivamente, pelas abreviações  Egs e  HarHár . Na medida do possível, foram retiradas dos trechos citados palavras ou frases que não constam dosmanuscritos originais.

37 A idéia de que Snorri Sturluson teria escrito a  Egils saga baseia-se em semelhanças textuais entre as

duas sagas. A idéia foi propagada a partir da sugestão de Sigurður Nordal na sua edição de 1933,  Egils saga Skallagrímssonar , Reykjavík, Hið íslenzka fornritafélag, reed. 1988.

38  Por exemplo, a análise de BALDUR HAFSTAÐ,  Die Egils saga und ihr Verhältnis zu anderenWerken des nordischen Mittelalters,  Reykjavík, Rannsóknarstofnun Kennaraháskóla Íslands, 1995,

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sagas são comparados entre si com o objetivo de estabelecer qual saga teria sidocomposta em primeiro lugar.39  Se, por exemplo, presume-se que  Haralds saga foiescrita primeiro, uma passagem que não tenha correlação na  Egils saga  é consideradacomo uma omissão textual; reciprocamente, uma passagem da  Egils saga que não tenhacorrelação em  Haralds saga é considerada como uma adição. Se, pelo contrário,

 presume-se que  Egils saga  foi composta em primeiro lugar, então conclusões opostas

serão feitas. Essas análises também pressupõem que uma saga baseia-se na outra. Noentanto, esta visão esquece que na cultura manuscrita, uma mesma tradição pode sermoldada de acordo com diversos objetivos intelectuais, ideológicos e estéticos, e que asdiferenças entre as narrativas podem ter significados muito mais complexos do que amera diferença textual. A seguinte análise tem como objetivo analisar as diferençasentre as narrativas sobre a motivação da colonização da Islândia nas duas sagas, sob oaspecto de expressão ideológica.

A Egils saga narra a vida do islandês Egill Skalla-Grímsson, integrante da primeirageração de islandeses. A narrativa da vida de Egill começa com seus ancestrais na

 Noruega. Nos trinta capítulos que precedem o nascimento de Egill, a narrativaconcentra-se no conflito entre Haraldr inn hárfagri e os antepassados de Egill: a estória

dessa relação explica como Egill nascerá islandês, e, ultimamente, como a Islândianasceu. O avô paternal de Egill é introduzido como um homem rico e poderoso; umlendr maðr , isto é, proprietário de óðal , terras hereditárias ancestrais que não eramcontroladas pelos reis locais.40  A narrativa prossegue com a introdução do contextosocial que explicará o conflito entre a família de Egill e o rei Haraldr; este conflito éintroduzido logo em seguida:

Haraldr, filho de Hálfdan svarti, havia recebido a herança de seu pai. Fez um juramento de que nãocortaria o cabelo, nem o pentearia, até que se tornasse o único rei da Noruega; era chamado Haraldrlúfa.41 

O rei Haraldr ataca os reis locais e vence-os um a um, matando aqueles que o resistem,e conferindo títulos àqueles que decidem submeter-se ao seu poder. S²lvi klofi, filho deum desses reis derrotados e mortos, pede que se faça uma aliança contra o rei Haraldr:

Mas S²lvi klofi, filho de Húnþjófr, havia escapado e foi a Sunnmærr ao encontro do rei Arnviðr e pediuajuda para si, dizendo: “Embora esse problema tenha nos atingido agora, não vai demorar muito até que omesmo problema alcance vocês, porque acredito que o rei Haraldur virá rapidamente para cá, depois queescravizar e oprimir, à vontade, todas as pessoas em Norðmærr e Raumsdalr. Então, vocês terão em suasmãos a mesma opção que nós tivemos: defender suas propriedades e liberdade, arriscando a vida de todosos homens cuja ajuda vocês podem esperar. Quero oferecer minha ajuda e a de meus homens contra essaopressão e tirania. Mas talvez vocês queiram seguir outro curso, assim como fizeram os homens de Naumudalr: sujeitarem-se, de vontade própria, ao cativeiro e tornarem-se escravos de Haraldr. Meu pai

considerou uma vitória morrer em posse de seu reino, com sua honra, ao invés de se tornar um subalterno

especialmente pp. 15-16, 29-33.39 Um resumo da discussão sobre qual saga Snorri Sturluson teria escrito em primeiro lugar pode ser

encontrado em MELISSA A. BERMAN, “ Egils saga and Heimskringla”, Scandinavian Studies, 54, 1982, pp. 21-50, e mais recentemente, KOLBRÚN HARALDSDÓTTIR, “Hvenær var Egils saga rituð?”, emGUNNAR KARLSON e HELGI ÞORLÁKSSON, Yfir Íslandsála: Afmælisrit til heiðurs MagnúsiStefánssyni sextugum 25. desember 1991, Reykjavík, Sögufræðslusjóður, 1991, pp. 131-45.

40 Este conceito de óðal  (pl. óðul ), é discutido em PETER FOOTE e DAVID M. WILSON, The Viking Achievement: The Society and Culture of Medieval Scandinavia, London, Sidgwick & Jackson, reed.1984, p. 82. Consultar, também, AARON GUREVICH, “Free Norwegian Peasantry Revisited”, Historisktidsskrift , 69, 1990, pp. 275-84, que discute o sistema de propriedade na Escandinávia medieval.

41  HarHár , capítulo 3, p. 6: Haraldr, son Hálfdanar suarta hafði tekit arf epter foður sinn. Hann hafði þess heit streingt, at láta eigi skera hár sitt né kemba, fyrr en hann veri einualldz konungr yfer Noregi. Hann var kallaðr Haralldr lúfa. “Lúfa” significa “descabelado”; “hárfagri”, que é o apelido que o reiHaraldr recebe mais tarde, significa “belos cabelos”.

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de outro rei em sua velhice. Eu imagino que vocês pensem dessa forma, assim como todo aquele que sejasuperior e queira ter espírito de luta”.42 

O discurso de S²lvi na  Egils saga  revela que a resistência ao rei Haraldr vai além danecessidade de proteger a vida – é o sistema ancestral de propriedade e de poder queestá sendo ameaçado. Para S²lvi subjugar-se equivale a perder o poder conferido por

sua ancestralidade, subjugação comparável à escravidão. Embora a Egils saga expliqueo papel dos reis locais no conflito – e o próprio pai de S²lvi era um desses reis – anarrativa enfatiza que o conflito do projeto de unificação do rei Haraldr envolve oslendir menn, proprietários de terras ancestrais, e bændr , homens livres, que suportavamos lendir menn e os reis locais.43 

 Na  Egils saga, a descrição das mudanças impostas pelo rei Haraldr é seguida dainformação sobre várias emigrações, com a frase final, “E nesta época descobriu-se aIslândia”, conectando a colonização do país à tirania do rei Haraldr:

Quando tomou posse dos distritos que havia conquistado recentemente, o rei Haraldr prestou muitaatenção aos lendir menn e bœndr  poderosos, além de todos aqueles que suspeitava de insubordinação.Então, dava a cada um, duas opções: tornar-se um de seus súditos ou deixar o país. Mas uma terceiraopção era deixar-se expor a grande perigos ou perder a vida, e alguns tiveram seus pés ou mãosmultilados. O rei Haraldr apoderou-se de todos os óðul 44 e de todas as terras de cada distrito, habitáveisou não, e até dos mares e lagos, e obrigou todos os bœndr   a se tornaram seus subordinados. Então,aqueles que trabalhavam em florestas ou nos saleiros, e todos os caçadores, tanto da terra como do mar,todos tinham que se sujeitar a ele. E por causa dessa tirania, muitos fugiram do país e mudaram-se paraterras antes inabitáveis, tanto ao leste, em Jamtland e Helsingjaland, como nas terras a oeste, e àsHébridas, à região de Dublin, Irlanda, Normandia na França, Caithness na Escócia, ilhas Shetland e ilhasFaroe. E nessa época descobriu-se a Islândia.45 

A tomada de poder do rei Haraldr na  Haralds saga  tem um tom diverso da de  Egils saga. Na Haralds saga, a narrativa busca caracterizar o rei Haraldr como o patriarca damonarquia norueguesa, e, na maioria das vezes, a narrativa simpatiza com o rei e sua

nova forma de administração e governo.46  O projeto de unificação do rei Haraldr é

42  Eg , chapter 3, p. 8:  En Saului klofi, son Húnþjófs, hafði vndan komiz ok fór hann á Sunn-Mæri til Arnuiðar konungs ok bað hann sér fulltings ok sagði suá: “Þótt þetta vandræði hafi nú borit oss at hendi, þá mun eigi langt til, at sama vandræði mun til yðuar koma, þuíat Haralldr ætla ek at skjótt man hérkoma, þá er hann hefer alla menn þrælkat ok áþjáð, sem hann vill, á Norð-Mæri ok í Ravmsdal. Munu þérhinn sama kost fyrir hondum eiga, sem vær áttum, at verja fé yðuart ok frelsi, ok kosta þar til allra þeiramanna, er yðr er liðs at ván, ok vil ek bjóðaz til með mínu liði móti þessum ofsa ok v́ jafnaði. En at oðrumkosti munu þér vilja taka upp þat ráð, sem Naumdælar gerðu, at ganga með sjálfuilja í ánauð ok geraz þrælar Harallz. Þat þótti foður mínum sigr, at deyja í konungdómi með sæmd, helldr en geraz vndermaðrannars konungs á gamals alldri. Hygg ek at þér muni ok suá þykja ok oðrum þeim, er nockurer ero borði

ok kappsmenn vilja vera”. 43  Búendr  (s. m. pl. de bóndi), “homem livre”, “fazendeiro”. O búendr , embora pudesse adquirir terras, não tinha o direito de herdar terras alodiais, como o landr maðr  (pl. lendir menn).

44 Óðal  (s. n.; pl. óðul ) são as terras ancestrais: v. nota 40 acima.45  Egs, chapter 4, pp. 11-12: Haraldr konungr var mjog gjorhugall, þá er hann hafði eignaz þau fylki,

er nýkomin voro í valld hans, vm lenda menn ok ríka búendr ok alla þá, er honum var grunr á, atnockurrar vppreistar var af ván, þá lét hann huern gera annathuárt, at geraz hans þjónostumenn, eða fara af landi á brott, en at þriðja kosti sæta afarkostum eða láta lífit, en sumer voro hamlaðer at hondumeða fótum. Haralldr konungr eignaðiz í huerju fylki óðul oll, ok allt land bygt ok v́bygt, ok jamuel sjóinnok votnin, ok skylldu aller búendr vera hans leiglendingar. Suá þeir er á morkina ortu ok saltkarlarner okaller veiðimenn, bæði á sjó ok landi, þá voro aller þeir honum lýðskyllder. En af þessi áþján flýðu margermenn af landi á brott, ok bygðuz þá margar auðner víða, bæði austr í Jamtaland ok Helsingaland okVestrlond: Suðreyjar, Dyflinnar skíði, Írland, Norðmandí á Vallandi, Katanes á Skotlandi ok Hjalltland,

 Færeyjar, ok í þann tíma fanz Ísland. 46  Diferente aspectos da caracterização do reinado de Haraldr inn hárfagri foram discutidos eminúmeros artigos, dos quais destacamos ÁRMANN JAKOBSSON,  Í leit að konungi: konungsmyndíslenskra konungasagna,  Reykjavík, Háskólaútgáfan, 1997, especialmente pp. 160-66; SVERRE

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apresentado nas primeiras linhas da saga: com apenas 10 anos de idade, Haraldr sucedeao trono depois da morte de seu pai, Hálfdan inn svarti; em consequência,

muitos líderes usurparam o reino que Hálfdan havia deixado. O rei Gandalfr foi o primeiro e [depois] osirmãos H²gni e Fróði, filhos do Rei Eysteinn de Heiðmork, e H²gni Kárasson devastou Hringaríki portoda a parte.47 

Ao contrário do que se vê em  Egils saga, a narrativa de  Haralds saga  introduz umconflito entre os reis locais, e enfatiza que o projeto de unificação da Noruega e suasubida ao poder acontece através desse conflito. Ao explicar, como na passagem da

 Egils saga  acima citada, as mudanças políticas e administrativas impostas pelo reiHaraldr, a narrativa da Haralds saga explica que essas mudanças afetam principalmenteesses reis locais:

Quando conquistou o reino para si, o rei Haraldr impôs uma lei por todo [o país]: ele tomou posse detodos os óðul   e fez com que todos os bœndr , tanto os poderosos como os fracos, pagassem impostos[sobre o uso] do solo. Ele estabeleceu um jarl 48 em cada distrito, que deveria instituir as leis, os direitosde propriedade das terras, recolher multas e o pagamento dos impostos [sobre o uso] do solo. [Cada]  jarl  

recebia um terço dos impostos e tributos para a sua manutenção e despesas. Cada  jarl   tinha sob o seu poder três ou mais hersar , e cada um destes receberia vinte marcos de concessão real. Cada  jarl  deveriafornecer quarenta homens para o exército do rei. E o rei Haraldr aumentou tanto a taxação e o imposto[sobre o uso] do solo, que os seus  jarlar  passaram a ter mais poder do que os reis haviam tido antes. Equando essas coisas foram ouvidas em Þrandheimr, muitos homens poderosos procuraram o rei Haraldr para se submeterem a ele e tornarem-se seus súditos.49 

A conclusão, na  Haralds saga, de que os homens que se subjugaram ao rei Haraldr passaram a ter mais poder do que os antigos reis locais, contradiz a visão expressa em Egils saga  de que os homens subjugados tornaram-se subordinados ou escravos deHaraldr. Na Egils saga, embora o rei Haraldr confira títulos de nobreza, como no casodo rei Hrollaugur que, “desistiu de seu reinado, tornou-se um  jarl e em seguidasubjugou-se ao poder do rei Haraldur”,50 o poder é uma prerrogativa real.

O discurso de S²lvi klofi também é moldado de acordo com o interesse de cada saga.Como visto acima, o discurso de S²lvi na  Egils saga enfatiza os valores ancestrais de

BAGGE, Sverre Bagge, Societry and Politics in Snorri Sturluson’s “Heimskringla”, Berkeley, Universityof California Press, 1991, pp. 54-57; CLAUS KRAG, “Norge som odel i Harald Hårfagres ætt: et motemed en gjenganger”, Historisk tidsskrift , 68, 1989, pp. 288-302; KNUT DØRUM, “Det norske riket somodel i Harald Hårfagres ætt”, Historisk tidsskrift , 80, 2001, pp. 323-42; SVERRIR JAKOBSSON, “Myterom Harald hårfager”, em Sagas and the Norwegian Experience: Preprints of the 10th International SagaConference,  Trondheim, 1997, pp. 567-610; HANS KUHN, “Narrative Structures and Historicity in Heimskringla”,  Parergon, 15, 1976, pp. 30-42; ALAN J. BERGER, “The Sagas of Harald Fairhair”,

Scripta Islandica, 31, 1980, pp. 14-29; MARLENE CIKLAMINI, “Exempla in an Old NorseHistoriographic Mold”, Neophilologus, 81, 1997, pp. 71-87.

47  HarHár , chapter 1, p. 38: gengo margir hofðinngiar a rikit. þat er Halfdan hafði leift. var hinn fyrstimaðr Gandalfr konvngr ok þeir bræðr Haugni ok Froþi seynir Eysteins konvngs af Heiðmork. ok Haugni Karoson gekki viða yfir Hringariki.

48  Jarl (plural, jarlar ) era um nobre hierarquicamente inferior ao rei, embora existam casos de jarlar ,que não eram subordinados a nenhum rei.

49  HarHár , chapter 6, p. 40:  Haralldr konvngr setti þann rétt. allt þar er hann vann riki vndir sig. athann eignaðiz oþvl oll. let alla bændr giallda ser landskylldir. bæði rika ok orika. Hann setti jarl i hverio fylki. þann er dæma skylldi l au g ok landz rétt ok heimta sakeyri ok landzskylldir. jarl skylldi hafa þriþiong skatta ok skyllda til borðz ser ok kostnaðar. Jarl hverr hafði vndir ser .iiij. hersa eða fleiri. ok skylldihverr þeirra hafa .xx. marka veizlo. Jarl hverr skylldi fa konvngi i her .xl. manna. enn hersir hverr .xx.menn. Enn sva mikit hafði Haralldr konvngr aukit alaugvr ok landzskylldir. at iarlar hans hofðo meira

riki. enn konvngar hofðo fyrrom. Enn er þetta spurðiz vm Þrandheim. sotto til Haralldz konvngs margirrikismenn með þvi at ganga til handa ok geraz hans menn. 

50  Egs, capítulo 3, p. 7: velltiz ór konungdómi, ok tók vpp jarls rétt, ok fór síðan á valld Haralldzkonungs, ok gaf vpp ríki sitt.

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liberdade e da propriedade. Além disso, o conflito com o rei Haraldr envolve todos oshomens do distrito: o rei Haraldr escravizará “todas as pessoas em Norðmærr eRaumsdalr” e foram os “os homens de Naumudlur” que S²lvi condena por terem sesujeitado ao rei por vontade própria. Já o discurso de S²lvi na Haralds saga apresentadiferenças importantes: não há menção da escravização dos homens dos distritos, masapenas daqueles que, por serem reis, são tão nobres quanto o rei Haraldr; ao invés de

“homens de Naumdalr”, a frase “reis de Naumdalr” é usada:

S²lvi klofi foi ao sul, para Fj²rð, para se encontrar com o rei Auðbj²rn, que reinava ali, e pediu sua ajuda – que ele deveria vir com seu exército para ajudar o rei Árnviðr. “Se todos nos erguermos contra o reiHaraldr, não é improvável que nossa investida termine bem, porque temos força suficiente e o destinodecidirá quem vencerá. Mas há uma outra escolha, que não é uma escolha para os homens que não sãomenos nobres do que o rei Haraldr: tornar-se escravos dele. Meu pai pensou que essa era a melhorescolha: morrer durante batalha como um rei do que se tornar, de vontade própria, subserviente ao reiHaraldr, não suportando as armas, como fizeram os reis de Naumdalir.51 

Essa passagem reinforça a idéia de que o conflito envolve apenas reis; a narrativadistancia os “homens que não são menos nobres que o rei Haraldr” da idéia de “todos os

homens” encontrada na  Egils saga. Além disso, na  Haralds saga, a luta e a evasão denorueugeses nobres e poderosos, e a colonização da Islândia não é mencionada.Somente mais tarde na narrativa, há menção da colonização de novos países, entre eles aIslândia, em resposta aos conflitos gerados pelas reformas de Haraldr. Porém, anarrativa minimiza a impopularidade do rei Haraldr entre os homens poderosos,argumentando que muitos deles deixaram o país, mas muitos outros uniram-se a ele:

Depois da batalha, o Rei Haraldr não encontrou mais resistência na Noruega. Todo os seus maioresinimigos foram mortos, mas alguns deixaram o país – e foi uma grande multidão deles – e por isso muitasterras bravias foram habitadas. Nesta época, a região de Jamtland e Halsingland foram habitadas, emboraas duas já tivessem sido colonizadas por nórdicos antes. Durante este perído de luta, enquanto o reiHaraldr avançava pela Noruega, países estrangeiros foram descobertos e colonizados, as Ilhas Faroas e a

Islândia. Também houve muitas viagens para as ilhas Shetland, e muitos homens poderosos da Noruegafugiram por causa do rei Haraldr e foram em excursões vikings no oeste. No inverno, eles iam às Órcadese às Hébridas, mas no verão eles devastavam a Noruega, e causaram muito prejuízo ali. Mas forammuitos homens poderosos que se submeteram ao rei Haraldr, tornaram-se seus súditos e colonizaramesses países com ele.52 

A última frase deste parágrafo sugere que o rei Haraldr tinha controle sobre aemigração. Esta sugestão é oferecida de maneira ambígua, uma vez que a frase pode serinterpretada: “Mas foram muitos homens poderosos que se submeteram ao rei Haraldr,tornaram-se seus súditos e habitaram essas terras [i.e. os distritos da Noruega] comele”.53 Porém, o uso do substantivo “land” (pl. lönd , “país; terras”), na terceira frase do

51  HarHár , capítulo 12, p. 43: Solvi klofi for svðr i Fiorðo a fvnd Avþbiarnar konvngs. er þar reð fyrirok bað hann liðz. at hann skylldi fara við her sinn til styrks við þa Arnvið konvng. Er þa eigi olikligt a(t)vár ferþ takiz vel ef vér risom allir i mót Haralldi konvngi. þvi at ver hofvm þa ærinn styrk ok ma auðnaraða sigri. Hinn er annarr kostr. ok er þat þo engi kostr þeim monnom er eigi ero vtignari enn Haralldrkonvngr. at geraz þrælar hans. betri þotti feðr minom sa kostr at falla i bardaga i konvngdomi sinom enn ganga sialfkrafa i þionvstv við Haralld konvng. eða þola eigi vapn sem Naumdæla konvngar gerþo.

52 HarHár , capítulo 22, p. 49: Eftir orusto þessa fekk Haralldr konvngr onga mótstauðo i Noregi. voru þa fallnir allir hinir mesto fiandmenn hans. enn svmir flyðv or landi. ok var þat allmikit fiolmenni. þvi at þa byggðvz stór eyðilond. Þa bygðiz Iamtaland ok Helsinngialand. var þo aðr hvartveggia nokkvt bygt af Norðmonnon. J þeim ofriþi er Haralldr konvngr gekk til landz i Noregi. fvnndvz ok bygðvz vtlond. Færeyiar ok Island. Þa var ok mikil ferþ til Hialltlandz. ok margir rikismenn af Noregi flyðo fyrir

 Haralldi konvngi. ok foro i vestrvikinng. voro i Orkneyiom ok Svðreyiom a vetrvm. enn a svmrom herioðo þeir i Noreg. ok gerðo þar mikinn landzskaða. Margir voro þeir ok rikismenn er gengo til handa Haralldikonvngi. ok gerþvz hans menn ok bygðo lond með honom. 

53 A hipótese de que o rei Haraldr controlava a emigração aparece em dois outros textos islandeses,

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 parágrafo, com o significado de “países estrangeiros”, parece reforçar a sugestão de quesão essas as terras estrangeiras que os aliados de Haraldr, com sua permissão,colonizaram. Na Haralds saga, portanto, a descrição da tomada de poder de Haraldr nãosalienta a conexão entre o reinado de Haraldr e a colonização da Islândia, e até parecesugerir que o rei tinha um certo controle sobre a emigração.

As diferenças entre as narrativas da  Egils saga  e da  Haralds saga  são geralmente

analisadas no contexto da discussão sobre a visão do seu suposto autor, SnorriSturluson. Tenta-se explicar porque algumas passagens diferem nas duas sagas atravésdos sucessos e fracassos pessoais de Snorri na corte norueguesa, e a simpatia ouantipatia à monarquia que teriam provocado. Essencialmente, acredita-se que as duassagas têm o mesmo objetivo, e que diferem apenas em detalhes – detalhes que sãoconsiderados apenas em suas funções textuais. Porém, a análise da tomada de poder dorei Haraldr, e do lugar da colonização da Islândia durante este processo, mostra que asdiferenças textuais nas duas sagas refletem aspectos ideológicos diferentes, cujacomplexidade não deve ser reduzida de acordo com simpatias individuais, deduzidas dacaracterização de Snorri Sturluson na Sturlunga saga. Ainda que se argumente queSnorri represente um grupo social da Islândia do século XIII, o processo de

 personalização das análises das sagas – através das considerações sobre autoria, como amotivação do autor e datação do texto de acordo com a sua biografia – acaba por afastaraspectos importantes do processo de escrita e transmissão das sagas durante os séculosXIII e XIV. Isso porque, a partir do momento em que se acredita que Snorri Sturlusonescreveu as duas sagas, e que os textos preservados em manuscritos do século XIV sãoapenas reproduções mais ou menos fiéis de textos do século XIII, deixa-se de investigarse as mudanças textuais refletem mudanças ideológicas ocorridas no correr de umséculo.

V

Embora existam alguns fragmentos de manuscritos do século XIII da  Egils saga, asúnicas versões completas pertencem ao século XIV. É possível que a Egils saga dessesfragmentos seja muito similar às cópias do século XIV, hipótese fortalecida pelo fato deque uma outra versão da Egils saga do século XIV, do manuscrito WolfAug 9 10 4º, émuito similar à versão do manuscrito AM 132 fol., usado nas passagens acima. Umrecente estudo morfológico do manuscrito AM 132 fol. concluiu que todas as suas sagassão cópias de manuscritos mais antigos.54  Sagas sobre os reis noruegueses foram

 preservadas em manuscritos do século XIII, e não há razão para desacreditar que sagassobre islandeses também não tivessem existido na mesma época. Desta forma, pode-se

considerar que as duas sagas analisadas pertencem aos séculos XIII e XIV, não apenas porque os sistemas de datação de manuscritos oferecem apenas datas aproximadas, mastambém porque não se considera apenas a produção do manuscrito, mas a suatransmissão.

 No passado, os eventos sobre o rei Haraldr e a colonização da Islândia narrados na Egils saga e na Haralds saga eram considerados como fiéis relatos de fatos acontecidos.As diferenças textuais eram, portanto, um grande embaraço que desafiava acredibilidade das sagas. Com o avanço da idéia da autoria, o embaraço passava a ser

 Íslendingabók  e Vatnsdœla saga, preservados, porém, em manuscritos muito mais novos (séculos XVII eXVIII). É possível, portanto, que a tradição sobre a colonização com o patrocínio real tenha surgido

 posteriormente. Por outro lado, cópias do século XVII do  Íslendingabók   são consideradas comotranscrições quase perfeitas de um exemplar do século XII.

54 ANDREA DE LEEUW VAN WEENEN,  A Grammar of Möðruvallabók , CNWS Publications, 85,Leiden, Research School CNWS, 2000, p. 3.

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considerado uma mera licença poética, um capricho ou uma ignorância do autor. Emambos os casos, não se dava muita atenção às datas dos manuscritos, e textos contidosem manuscritos dos séculos mais diversos podiam ser comparados sem que as datasrepercutissem de alguma forma nas análises. Além disso, a idéia do autor e do textooriginal fez com que textos de certos manuscritos fossem rejeitados, eis que erammuitos diferentes do idealizado texto original. Por exemplo, o texto da  Haralds saga 

utilizado neste artigo não é normalmente usado em estudos literários e históricos, que seutilizam de manuscritos do século XVII, que, supostamente, seriam cópias do textooriginal.55 

As novas pesquisas precisam, primeiramente, resgatar os textos medievais esquecidos por causa do pejo de “derivativos”, de “mera imitações”, de “cópias ruins”. Também precisam livrar-se da idéia de autor e do texto fixo, e considerar a multiplicidade dostextos como manifestações ideológicas. No caso analisado neste artigo, vê-se que astradições sobre o rei Haraldr e seu papel na colonização da Islândia coexistiram naIslândia dos séculos XIII e XIV. Uma tradição, representada pela Egils saga, propagavaque os noruegueses que deixaram a Islândia no século IX opunham-se à nova forma degoverno que o rei Haraldr implementava; à luz das tradições políticas e sociais da

época, essa nova forma de governo era considerada uma tirania. A  Haralds saga vê o projeto do rei Haraldr com simpatia, e vê nas mudanças introduzidas uma progressão política necessária. O papel da monarquia e a relação entre o rei e seus súditos éanalisada nas duas sagas a partir desses dois aspectos ideológicos, introduzidos logo noinício das duas sagas.

As diferenças ideológicas entre as duas sagas refletem a história islandesa dosséculos XIII e XIV. Leis e documentos diplomáticos atestam que o país sempre manteveestreitas relações com a Noruega e a coroa norueguesa; esses documentos mostram queo rei da Noruega tinha até um certo controle sobre certos aspectos da vida dosislandeses, como a participação obrigatória em campanhas militares para a defesa da

 Noruega.56 Os islandeses sofriam pressões tanto da igreja, como do rei, para adotar aforma monárquica vigente em toda a Europa cristã. O debate sobre possibilidade desubmissão à coroa norueguesa está refletido nas sagas dos manuscritos dos séculos XIIIe XIV, como na  Egils saga  e na  Haralds saga  analisadas acima. A  Egils saga nãodesaprova a instituição da monarquia, mas, principalmente, apresenta um diálogo sobreas vantagens e desvantagens da monarquia. Na  Haralds saga esse diálogo é mais sútil.Juntas, as duas sagas representam as dúvidas e ansiedades dos islandeses do século XIIIe XIV, que viveram o processo de submissão à coroa norueguesa, iniciado por volta dametade do século XIII, e consolidado no início do século XIV.

Enquanto a representação da colonização da Islândia na  Haralds saga representa umencorajamento à idéia da monarquia, na  Egils saga  essa representação enfatiza a

independência e autonomia dos islandeses em relação aos noruegueses. Essa declaraçãode independência reflete o receio de que, no processo de submissão à Noruega, osislandeses perdessem sua identidade – uma identidade formada ao longo de apenas trêsséculos, e que, dado o pequeno tamanho do país, poderia ser facilmente suprimida. Atradição islandesa sobre o papel do rei Haraldr na colonização da Islândia tem como umde seus objetivos traçar a linha divisória entre as identidades islandesas e norueguesas.Em um grande número de sagas, os islandeses são caracterizados exatamente pela

55 Esses manuscritos são AM 35 fol, AM 36 fol e AM 63 fol transcritos pelo islandês Ásgeri Jónssonno final do século XVII, e a coletânea de sagas dos reis é chamada de  Heimskringla.

56 Essas disposições legais encontram-se em uma do rei Óláfr inn helgi (reinado 1014-30), preservada

em um manuscrito do século XIII. Essa lei está traduzida (inglês) em ANDREW DENNIS, PETERFOOTE e RICHARD PERKINS (eds. e trads.),  Laws of Early Iceland: Grágás, the Codex Regius ofGrágás with Material from Other Manuscripts, Winnipeg, University of Manitoba Press, 1980-2000, volII, pp. 210-13.

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autonomia e pelo apego às tradições ancestrais, elementos fundamentais da tradiçãoislandesa sobre as motivações da colonização do país.57 

Se, por um lado, essa tradição islandesa responde aos anseios dos islandeses dosséculos XIII e XIV, e portanto representa a mentalidade dos islandeses que criaram etransmitiram essas estórias, por outro lado também representa tradições sobre o passadodo país que não devem ser descartadas a priori  como mera representações. Essas

tradições não nasceram da necessidade dos islandeses refletirem sobre a monarquianorueguesa, mas foram preservadas, transmitidas e interpretadas também por causadessa necessidade. Muitos pesquisadores insistem que na época em que as sagas foramescritas, o passado do país já havia sido esquecido. Por exemplo, Régis Boyer escreveque aqueles que escreveram as sagas “had to recreate a world which they hadforgotten”,58  e Margaret Clunies Ross argumenta que “the historical past, which wasrecognised as lost, came to be recreated as narrative and as literature”.59 No entanto, nãohá indicação nas fontes de que o passado islandês estivesse esquecido ou perdido – éuma hipótese que não pode ser presumida. Há leis, documentos eclesiásticos,diplomáticos e cartoriais que, juntamente com as sagas, são testemunhas deste passado,e que podem ser comparados sob a perspectiva, hoje em decadência, das noções de

 prova e verdade. Carlos Ginzburg argumenta que a idéia de verdade e prova sãofundamentais à análise das fontes, e critica a maneira com que pesquisascontemporâneas rejeitam essas idéias – “ Per molti storici, la nozione di prova è fuorimoda”.60 Ginzburg obviamente não conclama à volta ao historicismo ingênuo, à idéia deque as fontes são espelhos da realidade história, da qual não se pode ter acesso direto;mas, Ginzburg argumenta,

inferire da ciò l’inconoscibilità della realtà significa cadere in una forma di scetticismo pigramenteradicale che è al tempo stesso insostenibile da un punto di vista esistenciale e contraddittorio dal puntodi vista logico: como si sa, la scelta fondamentale dello scettico non è sottoposta al dubbio metodico cheegli dichiara di professare.61 

Em conclusão, as sagas islandesas são fontes históricas do período em que foramescritas, mas também são testemunhos de períodos anteriores. Como Peter Foote ensina,“while a text revealing a thirteenth-century view of the past may, and probably can, tellus something about the writer’s own time, it must also tell us something about that pastitself ”.62  O objetivo do historiador não é extrair uma verdade absoluta (de qualquermaneira impossível) dessas fontes, mas também não deve ser muito céptico; analisadasao lado de documentos eclesiásticos, diplomáticos e cartoriais, as sagas habilitam ohistoriador a construir uma visão daqueles momentos históricos.

57 Sobre este aspecto, consultar, por exemplo, ANTHONY J. GILBERT, “Social and National Identityin Some Icelandic þættir ”, Neophilologus, 75, 1991, pp. 408-24 e JOSEPH HARRIS, “Saga as Historical Novel”, em JOHN LINDOW, LARS LÖNNROTH e GERD WOLFANG WEBER (eds.), Structure and Meaning in Old Norse Literature: New Approaches to Textual Analysis and Literary Criticism, Odense,Odense University Press, 1986, pp. 187-219.

58  RÉGIS BOYER, “Fate as a  Deus Otiosus  in the  Íslendingasögur : A Romantic View?”, emRUDOLF SIMEK, JÓNAS KRISTJÁNSSON e HANS BEKKER-NIELSEN (eds.),   Sagnaskemmtun:Studies in Honour of Hermann Pálsson on his 65th Birthday, Vienna, Böhlau, 1986, pp. 61-77 (p. 64).

59 MARGARET CLUNIES ROSS, Prolonged Echoes: Old Norse Myths in Medieval Northern Society,Odense, Odense University Press, 1994-98, vol. II, p. 49.

60 CARLO GINZBURG,  Il giudice e lo storico: considerazioni in margine al processo Sofri, Turin,Einaudi, 1991, p. 12.

61 GINZBURG, Il giudice, op. cit ., p. 13.62 PETER FOOTE, “Historical Studies: Conversion Moment and Conversion Period”, em ANTHONYFAULKES e RICHARD PERKINS (eds.), Viking Revaluations: Viking Society Centenary Symposium14-15 May 1992, London, Viking Society for Northern Research, 1993, pp. 137-44 (p. 141).