Silvicultura de eucalipto no Rio Grande do Sul

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 Silvicultura de eucalipto no Rio Grande do Sul: a polêmica continua Aline Tonial Simões Resumo Nos últimos anos, muitas discussões têm sido realizadas acerca do plantio de eucaliptos no Brasil. Estados como o Rio Grande do Sul já estão praticando a silvicultura. Em 2004, o governo do estado começou uma política pública para atrair empresas do setor florestal, objetivando desenvolver a região da ‘Metade Sul’. Desde então começou a polêmica, uma vez que as plantações estariam sendo direcionadas para a área do bioma Pampa, que tem grande importância na biodiversidade regional. O objetivo deste artigo de revisão bibliográfica é buscar na literatura informações acerca do tema silvicultura no estado do Rio Grande do Sul, desde sua implementação até os dias de hoje, para compreender melhor o que a expansão da silvicultura realmente representa para a vida como um todo no estado do Rio Grande do Sul. O método utilizado foi a leitura, análise e interpretação de materiais contendo informações sobre a silvicultura. Foram consultados livros, revistas, artigos científicos, reportagens de jornal, dissertações de mestrado e sites. Considera-se que uma monocultura não é uma floresta, pois não apresenta a diversidade característica e necessária de um ecossistema florestal e, portanto, a sociedade gaúcha deve refletir mais sobre projetos como este, pensando se realmente vale o investimento em tecnologias que não garantem a perpetuação, preservação e conservação dos ecossistemas regionais. 1 Introdução Muitas discussões têm sido realizadas nos últimos anos acerca do plantio de eucaliptos no Brasil. Alguns estados já estão praticando a silvicultura, dentre eles o Rio Grande do Sul. Existem prós e contras quando este tema polêmico é abordado, uma vez que alguns setores da sociedade (dentre eles organizações ambientais e pesquisadores) são contrários, enquanto outros setores, principalmente as empresas envolvidas, são a favor. Quem não aprova sustenta principalmente o argumento de que a silvicultura cria ‘desertos verdes’, que expulsam a biodiversidade natural da região. Em contrapartida, os defensores apontam ganhos sociais, como emprego e renda, e econômicos para a região em que as plantações estiverem estabelecidas. Portanto, o objetivo deste artigo de revisão bibliográfica é buscar na literatura informações sobre o tema silvicultura no estado do Rio Grande do Sul, desde sua implementação até os dias de hoje, para assim compreender melhor o que a expansão da silvicultura realmente representa para a vida como um todo neste estado.

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Silvicultura de Eucalipto

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  • Silvicultura de eucalipto no Rio Grande do Sul: a polmica continua

    Aline Tonial Simes

    Resumo

    Nos ltimos anos, muitas discusses tm sido realizadas acerca do plantio de eucaliptos no Brasil. Estados como o Rio Grande do Sul j esto praticando a silvicultura. Em 2004, o governo do estado comeou uma poltica pblica para atrair empresas do setor florestal, objetivando desenvolver a regio da Metade Sul. Desde ento comeou a polmica, uma vez que as plantaes estariam sendo direcionadas para a rea do bioma Pampa, que tem grande importncia na biodiversidade regional. O objetivo deste artigo de reviso bibliogrfica buscar na literatura informaes acerca do tema silvicultura no estado do Rio Grande do Sul, desde sua implementao at os dias de hoje, para compreender melhor o que a expanso da silvicultura realmente representa para a vida como um todo no estado do Rio Grande do Sul. O mtodo utilizado foi a leitura, anlise e interpretao de materiais contendo informaes sobre a silvicultura. Foram consultados livros, revistas, artigos cientficos, reportagens de jornal, dissertaes de mestrado e sites. Considera-se que uma monocultura no uma floresta, pois no apresenta a diversidade caracterstica e necessria de um ecossistema florestal e, portanto, a sociedade gacha deve refletir mais sobre projetos como este, pensando se realmente vale o investimento em tecnologias que no garantem a perpetuao, preservao e conservao dos ecossistemas regionais.

    1 Introduo Muitas discusses tm sido realizadas nos ltimos anos acerca do plantio de eucaliptos no

    Brasil. Alguns estados j esto praticando a silvicultura, dentre eles o Rio Grande do Sul. Existem prs e contras quando este tema polmico abordado, uma vez que alguns setores da sociedade (dentre eles organizaes ambientais e pesquisadores) so contrrios, enquanto outros setores, principalmente as empresas envolvidas, so a favor. Quem no aprova sustenta principalmente o argumento de que a silvicultura cria desertos verdes, que expulsam a biodiversidade natural da regio. Em contrapartida, os defensores apontam ganhos sociais, como emprego e renda, e econmicos para a regio em que as plantaes estiverem estabelecidas.

    Portanto, o objetivo deste artigo de reviso bibliogrfica buscar na literatura informaes sobre o tema silvicultura no estado do Rio Grande do Sul, desde sua implementao at os dias de hoje, para assim compreender melhor o que a expanso da silvicultura realmente representa para a vida como um todo neste estado.

  • 2 Material e Mtodos O mtodo utilizado foi a leitura, anlise e interpretao de materiais contendo

    informaes sobre a silvicultura no Brasil e no Rio Grande do Sul. Foram consultados livros, revistas, artigos cientficos, reportagens de jornal, dissertaes de mestrado e sites de empresas.

    3 Conhecendo a silvicultura de eucalipto A palavra silvicultura provm do latim, em que silva significa floresta e cultura, cultivo

    de rvores (CORRA, 2009). Pode ser definida como uma cincia destinada ao estudo dos mtodos naturais e artificiais de regenerar e melhorar os povoamentos florestais, visando s necessidades do mercado e manuteno, ao aproveitamento e ao uso racional das florestas (nativas ou comerciais) (BINKOWSKI, 2009, p.19).

    O eucalipto uma rvore nativa da Austrlia, da Indonsia e do Timor. Apresenta mais de 600 espcies que tm capacidade de se adaptar com facilidade em diferentes condies de solo e de clima (CIB, 2008 apud BINKOWSKI, 2009, p.27). Outra caracterstica que ele pode:

    alcanar at 50 metros (m) de altura, sendo sua madeira utilizada principalmente para produo de lminas, compensados, aglomerados, carvo vegetal, madeira serrada, celulose e mveis, alm de outros produtos extrados como leos essenciais e para a produo de mel. Os primeiros plantios dessa espcie foram realizados no incio do sculo XVIII na Europa, sia e frica. A partir do sculo XIX comeou a ser cultivado tambm nos pases da Amrica do Sul (PRYOR, 1976 apud BINKOWSKI, 2009, p.27).

    De acordo com o site da Aracruz Celulose1, o eucalipto oferece muitas vantagens se comparado com outras espcies que so utilizadas na produo de celulose. A fibra de eucalipto tem caractersticas nicas, que garantem a produo de papis com uma alta opacidade, maciez e boa absoro, qualidades necessrias na produo de papis sanitrios, de imprimir e de escrever. Ainda segundo a empresa, o eucalipto da Aracruz pode ser colhido em sete anos para a produo de celulose, perodo em que atinge at trinta e cinco metros de altura. As principais espcies plantadas ao redor do mundo para fins comerciais tm como alguns exemplos o Eucalyptus grandis, E. urophylla, E. saligna, E. camaldulensis, E. globulus, E. dunni e E. nitens.

    1Empresa brasileira lder mundial na produo de celulose branqueada de eucalipto. Responde por 24% da oferta global do produto, destinado fabricao de papis de imprimir e escrever, papis sanitrios e papis especiais de alto valor agregado. Suas operaes florestais alcanam os estados do Esprito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Fonte: Site da Aracruz Celulose.

  • 3.1 Polmica no Rio Grande do Sul De acordo com Mora e Garcia (2000), o eucalipto foi introduzido no Brasil em 1904,

    sendo utilizado inicialmente como matria-prima de produo de lenhas e dormentes no estado de So Paulo e depois estendendo-se para o Centro e Sul do pas. Ainda segundo estes autores:

    O setor florestal brasileiro mantm hoje cerca de 4,8 milhes de hectares de plantaes florestais de rpido crescimento em regime de produo. So cerca de 3 milhes de hectares reflorestados com eucaliptos e 1,8 milho de hectares com pinus [...]. Outras espcies, como a araucria, accia negra e teca tambm so plantadas comercialmente, porm em menores propores (MORA; GARCIA, 2000, p.16).

    A figura 1 exemplifica a distribuio das plantaes de eucalipto ao redor do mundo em 1998. De acordo com Mora e Garcia (2000), nessa poca o Brasil possua rea plantada bem reduzida em relao sua rea total.

    Figura 1: Distribuio em percentagem das plantaes de eucalipto no mundo, no ano de 1998. Fonte: Flynn e Associates, 1999 apud Moura e Garcia, 2000, p.15.

    No Rio Grande do Sul, de acordo com Binkowski (2009), no incio de 2004 o governo do estado comeou uma poltica pblica para atrair empresas do setor florestal, objetivando expandir a produo florestal e desenvolver a regio da Metade Sul2 do estado. No incio de 2005:

    2 Territrio da poro sul do estado do RS, dentro dos limites de linha imaginria desde o municpio de Garruchos

    (Oeste) at proximidades do municpio de Palmares do Sul (Leste). Fonte: GRIMAD, 2008 apud BINKOWSKI, 2009, p.20.

  • [...] tais empresas iniciaram os primeiros investimentos atravs de compras e arrendamento de terras, efetuaram tambm os primeiros plantios de eucalipto em novas reas; ainda existia a previso de construo de duas fbricas de celulose, alm da duplicao da fbrica j existente no RS. Na tica do Estado essa poltica florestal iria reerguer a economia estadual (BINKOWSKI, 2009, p.20).

    Desde ento, uma polmica em torno deste assunto comeou no Rio Grande do Sul, uma vez que as plantaes estariam sendo direcionadas para a rea do bioma campos sulinos, que tem grande importncia na biodiversidade do Rio Grande do Sul. Conforme o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), os campos do Rio Grande do Sul so denominados de maneira genrica de pampa. Segundo o engenheiro agrnomo Carlos Nabinger, em entrevista reportagem especial Eucalipto vai invadir o Pampa, do Jornal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a cobertura vegetal do pampa tem mais de trs mil espcies, 450 delas so gramneas e podem servir de forragem e 150 so leguminosas. Elas sustentam 90 espcies de mamferos nativos e mais de 100 espcies de aves. (Jornal da Universidade, 2007, p.9). A polmica girava em torno de que alguns setores da sociedade afirmavam que a silvicultura certamente provocaria danos aos campos sulinos, enquanto que as empresas defendiam os ganhos sociais de tais empreendimentos. Assim, segundo Binkowski (2009):

    formou-se um cenrio complexo em torno da questo da expanso da silvicultura do RS, onde os principais atores sociais mobilizados eram o prprio Estado, as empresas florestadoras e os grupos ambientalistas. Posteriormente, os movimentos sociais agregaram-se luta, polemizando o debate e anunciando que a questo da expanso dos cultivos na Metade Sul do RS no poderia ser vista apenas em termos de desenvolvimento econmico e que a sociedade deveria estar ciente dos riscos sociais que esses cultivos poderiam ocasionar populao do pampa gacho (BINKOWSI, 2009, p.21).

    Figura 2: Representao da metade sul e norte do Rio Grande do Sul. Fonte: BINKOWSKI, 2009. Adaptado de Ministrio da Integrao Nacional, 2007.

  • Conforme Corra (2009), poucas regies so to propcias para a explorao extrativista florestal como o bioma pampa, uma vez que aqui existe, alm de terra, insolao necessria, tecnologia, mo-de-obra e manejo desenvolvidos. Mesmo assim, as divergncias quanto ao uso dessas terras para silvicultura so muitas. Pensando em aumentar a produo do setor florestal, e ao mesmo tempo preservar o meio ambiente, o governo do Rio Grande do Sul, juntamente com empresas, rgos tcnicos ambientais e iniciativa privada instituram o Zoneamento Ambiental para a Atividade da Silvicultura do Rio Grande do Sul. O zoneamento ambiental representa uma diviso do territrio nacional em parcelas, na qual autoriza-se uma determinada atividade, ou probe-se, absoluta ou relativamente, o exerccio de outras (CORRA, 2009). Ele importante, pois visa a subsidiar processos de planejamento e de ordenamento do uso e da ocupao do territrio, bem como da utilizao de recursos ambientais (CORRA, 2009, p. 15). Corra afirma que, na viso dos ambientalistas, os campos sulinos no podem sofrer invaso de espcies exticas; para esses setores, a silvicultura causar impactos irreversveis se conduzida da maneira que as instituies privadas e o governo propem.

    Lorea et al. (2008), em reportagem publicada no jornal Zero Hora e intitulada A metade sul depois da floresta, afirmam que de acordo com pesquisa da Associao Gacha de Empresas Florestais Ageflor, 4,5% dos cerce de 11 milhes de hectares de estabelecimentos agrcolas do pampa gacho devem estar ocupados, at 2011, por lavouras de pinus, accia e eucalipto. De acordo com a reportagem os ganhos para a metade sul so muitos e a prefeitura do municpio de Pinheiro Machado fez uma tabela em que constam os ganhos da cidade desde que a Votorantin Celulose e Papel3 se estabeleceu ali, em que constam: um hotel, um restaurante, trs lojas, duas farmcias, dentre outros, que juntos empregam mais de 141 pessoas, o que equivale a 1% dos pinheirenses.

    Em contrapartida, Thuswohl (2006) afirma que estudos realizados pela Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional (FASE) e pela Universidade Federal do Esprito Santo (UFES), "demonstraram que a monocultura do eucalipto altamente mecanizada em todas as suas fases e demanda pouca mo-de-obra nos locais onde est instalada (THUSWOHL, 2006, p.2). Segundo Pereira (2006), o deserto verde formado pelas plantaes do eucalipto destri o solo e consome uma enorme quantidade de gua. E, alm disso, que j bastante, o monocultivo do eucalipto capaz de gerar apenas um emprego em cada 185 hectares de terra ocupada (PEREIRA, 2006, p.42). J Mora e Garcia (2000) argumentam que a manuteno da mo-de-obra nas plantaes de gesto intensiva no ocorre de forma linear, ou seja, a oferta de 3 A Votorantim Celulose e Papel S.A. VCP uma das maiores produtoras de celulose e papel do Brasil, que

    produz celulose de mercado e papis especiais e de imprimir e escrever. Fonte: Site da VCP.

  • trabalho diminui drasticamente quando a empresa j est instalada, mas que por outro lado so criadas outras oportunidades de emprego ligadas direta e indiretamente ao empreendimento florestal.

    Conforme David (2006), alguns dos impactos ambientais que so causados pelo monocultivo de eucalipto so: a reduo da biodiversidade da flora e da fauna do Pampa Gacho onde estima-se existir mais de 3 mil espcies, entre as quais gramneas e leguminosas forrageiras , a degradao da fertilidade dos solos exigindo grandes investimentos de recuperao posterior colheita , e compactao pelo uso de mquinas pesadas. A figura abaixo ilustra esta posio, e est presente em reportagem Eucalipto vai invadir o Pampa, do Jornal da Universidade de 2007.

    Figura 3: Charge do cartunista Santiago. Fonte: Site do Centro de Estudos Ambientais.

    Paulo Mendes, economista e scio fundador da cooperativa de comrcio justo e consumo consciente questiona em artigo Silvicultura, empregos de papel:

    Ser que no tem alternativa para desenvolvimento da Metade Sul? O turismo, a fruticultura, a vitivinicultura, os hortigranjeiros, os frigorficos, a reforma agrria, a melhoria do rebanho e das lavouras de arroz aplicando tecnologias mais sustentveis, estas no seriam alternativas mais viveis e duradouras? (MENDES, 2007).

  • Como diferentes atores sociais esto envolvidos na polmica da silvicultura da Metade Sul, as disputas entre os dois lados vo se renovando e mantendo uma circularidade na discusso, fazendo com que no se vislumbre uma resoluo to prxima para este conflito (BINKOWSKI, 2009).

    3.2 Florestas naturais, plantaes comerciais e plantas exticas invasoras A floresta um sistema complexo, que se auto regenera e que possui solo, gua,

    microclima, energia e uma ampla variedade de plantas e animais em relao mtua (RUSCHI, 1995 apud BINKOWSKI, 2009, p.171). Nela, ocorrem estgios de sucesso, com plantas colonizadoras, pioneiras, secundrias, at o estabelecimento do clmax. Num ecossistema de floresta h biodiversidade, que pode ser definida como a soma de todos os diferentes tipos de organismos que habitam uma regio (DOBSON apud LEWINSOHN, 2001, p.2), ou ainda a totalidade de gens, espcies e ecossistemas de uma regio e do mundo (EGB apud LEWINSOHN, 2001, p.2). Quando se v uma floresta, percebe-se a grande variedade de organismos que habitam aquele ambiente. Um bom exemplo a Floresta Amaznica, que ocupa uma rea de cerca de 5,5 milhes de quilmetros quadrados, dos quais a maior parte encontra-se em territrio brasileiro, e uma densa floresta tropical mida que constituda por uma imensa variedade de espcies, sendo a biodiversidade a sua maior riqueza (MOTA, 2006, p.47).

    Uma plantao comercial uma rea cultivada, em que as espcies e estruturas foram simplificadas para produzir um determinado produto e, diferente do que ocorre nas florestas, em uma plantao as rvores tendem a pertencer a uma reduzida variedade de espcies e idades e requerem uma constante e ampla interveno humana (RUSCHI, 1995, apud BINKOWSKI, 2009, p.171). Os eucaliptos, por exemplo, do ponto de vista biolgico:

    so inferiores a outros reflorestamentos devido a sua homogeneidade e menor biodiversidade. Assim, o uso conceitual do termo floresta para os cultivos de eucalipto seria equivocado, embora continue sendo utilizado principalmente pelos meios de comunicao (RUSCHI, 1995, apud BINKOWSKI, 2009, p.171).

    Alm disso, os eucaliptos so espcies exticas, uma vez que no so naturais do Rio Grande do Sul e nem do Brasil. Esse tipo de vegetao, comprovadamente, causa danos ao ecossistema em que inserido, uma vez que tamanho o potencial de espcies exticas de modificar sistemas naturais que as plantas exticas invasoras so atualmente consideradas a segunda maior ameaa mundial biodiversidade (ZILLER, 2008, p.1). Essas plantas ocupam o espao das endmicas, com consequente perda da biodiversidade e modificao das caractersticas naturais e dos ciclos. Assim, ocorre um processo denominado de contaminao biolgica, que refere-se aos danos causados pelas espcies que no so naturais de um

  • ecossistema e que, quando se dispersam nele, provocam mudanas e no permitem a sua recuperao natural (ZILLER, 2008). Uma curiosidade que, conforme Ziller (2008), ambientes que so abertos, como os cerrados e os campos, tendem a ser mais facilmente invadidos por espcies arbreas do que as florestas, e este o caso da metade sul do estado, em que esto localizados os campos sulinos. Algumas caractersticas que podem ser relacionadas com o potencial que as plantas invasoras apresentam em relao s naturais, e que favorecem o seu estabelecimento em um ecossistema, so: o fenmeno da alelopatia (produo de toxinas biolgicas que inibem o crescimento das demais espcies nas imediaes); perodos longos de frutificao e florao; rpido crescimento; adaptao a reas degradadas; produo de sementes de tamanho pequeno e em grandes quantidades (ZILLER, 2008). Alm disso, as plantas exticas invasoras:

    tendem a produzir alteraes em propriedades ecolgicas essenciais como ciclagem de nutrientes e produtividade vegetal, cadeias trficas, estrutura, dominncia, distribuio e funes de espcies num dado ecossistema, distribuio de biomassa (com isso aumentando o risco de incndios), taxas de decomposio, processos evolutivos e relaes entre polinizadores e plantas (ZILLER, 2008, p.5).

    Em oposio a essas afirmaes, Mora e Garcia (2000) argumentam que, mesmo que no se possa negar que a explorao florestal resulte numa diminuio da biodiversidade, e que as plantaes florestais dificilmente podero abrigar uma diversidade biolgica como as florestas naturais:

    tendo-se em conta que as atividades florestais podem contemplar a colheita de produtos de forma sustentvel, aliadas manuteno de reas de proteo ambiental e de reservas naturais inseridas em diversos tipos de ecossistema, os impactos sobre a biodiversidade podero ser minimizados (MORA; GARCIA, 2000, p.63)

    4 Consideraes finais A polmica existente acerca da silvicultura de eucalipto no Rio Grande do Sul est dividida entre atores sociais que defendem a viso econmica das plantaes e outros que enfatizam que os danos ambientais e sociais so de grande relevncia e devem ser questionados. O que ocorre um conflito de interesses entre aqueles que necessitam de espao, clima e mo-de-obra para produzir papel e vender para o mercado externo, e outros que consideram essas necessidades nfimas, se comparadas com a importncia que a manuteno da biodiversidade representa para a vida em nosso estado.

    A sociedade no pode simplesmente contentar-se com o agora, esquecendo-se que o futuro depende do que fazemos no presente. Os impactos nos ecossistemas envolvidos tm de ser levados em conta quando se prope qualquer interferncia em um meio. A silvicultura de eucalipto no Rio Grande do Sul foi apresentada para grande parte da populao local como sendo

  • uma alternativa de desenvolvimento social, mas despertando muita polmica quanto s suas consequncias para o bioma pampa.

    Uma monocultura no uma floresta, pois no apresenta a diversidade caracterstica e necessria de um ecossistema florestal. Do mesmo modo como estamos destruindo a Amaznia, nosso maior bero de biodiversidade, estamos discutindo muito pouco a transformao de nosso rico bioma de campos sulinos em plantaes de rvores exticas, que afugentam nossa fauna endmica, tomam o territrio de nossa flora nativa e representam reas de verde que servem para desenvolvimento econmico, no apresentando todos os estgios de sucesso ecolgica que so extremamente necessrios para que uma floresta possa existir e cumprir seu papel nos diferentes nveis da cadeia alimentar.

    O Rio Grande do Sul, bem como o Brasil e o resto do mundo, deve refletir sobre projetos como este, pensando se realmente vale investir tanto em tecnologias que no garantem a perpetuao, preservao e conservao dos ecossistemas endmicos. Rever nossos conceitos de necessidades de consumo essencial para que possamos continuar fazendo parte da vida na Terra. Nosso planeta pode existir sem a nossa presena; ns que no podemos sobreviver sem o que ele nos fornece. A engenharia ambiental, bem como todas as cincias que se destinam a real preservao dos ecossistemas globais, pode e deve auxiliar na busca de solues. Afinal, no somos os donos da vida e sim parte dela.

    Referncias BINKOWSKI, Patrcia. Conflitos ambientais e significados sociais em torno da expanso da silvicultura de eucalipto na Metade Sul do Rio Grande do Sul. Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento Rural) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Cincias Econmicas, Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Rural. Porto Alegre: UFRGS, 2009.

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