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Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF Filiado à CUT/FENAJUFE Ano XVIII - nº 71 Fev/Mar 2011 ação União, força, ação União, força, Servidores debatem os rumos do PCCR e chegam a um consenso: só a participação maciça de todos vai garantir a aprovação

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Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciárioe do Ministério Público da União no DF

Filiado à CUT/FENAJUFE

Ano XVIII - nº 71Fev/Mar 2011

açãoUnião,

força,ação

União,força,

Servidoresdebatem os

rumos do PCCRe chegam a umconsenso: só a

participaçãomaciça de todos

vai garantir aaprovação

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Pelo fim da violênciacontra as mulheres

Pelo fim da diferença salarialentre homem e mulher

Pela igualdade de oportunidadesno trabalho e nas escolas

e por mais mulheres no poder

Por uma cidadania de verdadepara todas as brasileiras

O sindicato da justiça para todas

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ARTE EM BRASÍLIA

Coordenação editorial:Cynthia Borges

Edição:Usha Velasco (DRT-DF 954/99)

Reportagem:Antônio Carlos Queiroz (ACQ)Deniza GurgelThais Assunção

Colaboradores:TT CatalãoJosé Geraldo de Sousa JuniorYuri Matsumoto MacedoAndré Luis Macedo

Revisão: Ana Paula Barbosa Cusinato

Projeto gráfico e arte: Usha VelascoTiragem: 15.000 exemplaresContato comercial: Julliane DouradoFones: (61) 8485-9959 - (61) 3037-9761

Coordenadores-GeraisAna Paula Barbosa CusinatoBerilo José Leão NetoCledo de Oliveira Vieira

Coordenadores deAdministração e FinançasJailton Mangueira AssisJosé Oliveira SilvaRaimundo Nonato da Silva

Coordenadores de AssuntosJurídicos e TrabalhistasAntônio José Oliveira Silva

Marília Guedes de AlbuquerqueNewton José Cunha Brum

Coordenadores de Formaçãoe Relações SindicaisEliane do Socorro Alves da SilvaJosé Joventino Pereira de SousaSheila Tinoco Oliveira Fonseca

Coordenadores deComunicação, Cultura e LazerMaria Angélica PortelaOrlando NoletoValdir Nunes Ferreira

Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do MPU no DFSDS, Ed. Venâncio V, s. 108 a 114, Brasília-DF, 70393-900 • (61) 3212-2613

www.sindjusdf.org.br

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FOTO

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PATRICK GROSNER*

Encarregado de registrar as obras de Athos Bulcão, entre 2007 e 2008, Patrick Grosner cruzou os limites do documental eproduziu novas peças de arte. “Inspirado por tanta beleza, registrei os trabalhos de Athos e também o que estava em volta, a

relação deles com a cidade”, explica o fotógrafo. “Athos Bulcão deixou cerca de 250 obras em Brasília, entre painéis,paredes, murais etc, em perfeita harmonia com a arquitetura de cada local. Tive o privilégio de visitar quase todas”, conta.

* Fotógrafo profissional, trabalha como freelancer em reportagens institucionais e sociais, bancos de imagens, fotografia publicitária e jornalismo. Foisubeditor de fotografia do jornal O Independente, em Portugal, onde colaborou também com várias revistas. Realizou várias exposições individuais e

coletivas e faz parte do acervo permanente da A Casa Da Luz Vermelha, primeira galeria de fotografia fine art do Centro-Oeste.

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4 Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

José Geraldode Sousa Junior

Reitor da Universidade deBrasília, professor da Faculdade

de Direito e coordenador doprojeto O Direito Achado na Rua

“É pertinente àautonomia universi-

tária exercitar am-pla liberdade para acriação de cursos e

contribuir para ainclusão social de

grupos vulneráveis.E ao Judiciário cabe,

sim, fortalecer a exe-cução de políticaspúblicas que bus-

quem reduzir desi-gualdades sociais”

O pró-labore de José Geraldopara este artigo é doado

mensalmente à campanha devoluntariado Eu Doo Talento

(veja em www.sindjusdf.org.br)

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OPINIÃO

m artigo nesta revista (nº 63), discorri sobre otema das turmas especiais em cursos superiores

– no caso, curso de Direito para assentados da re-forma agrária. Esses projetos, objetos de grande in-teresse pela novidade e potencial de inclusão socialpara segmentos historicamente alijados da educa-ção superior, receberam fortes objeções, apesar dasexpectativas solidárias que cercaram sua criação.

Além das críticas ideológicas dos adversáriosda reforma agrária, uma inesperada resistência dealguns órgãos do Ministério Público, tanto estadu-ais quanto federal, trouxe à baila uma restrição depeso: a alegação de violação ao princípio da iso-nomia. O MPF em Goiás, por meio de ação proto-colada em junho de 2009, chegou a obter senten-ça declarando ilegal o convênio entre o Incra e aUniversidade Federal de Goiás, e a consequenteextinção da turma especial de Direito para assen-tados e filhos de pequenos agricultores. A univer-sidade e o Incra recorreram e aguardam julgamen-to no Tribunal Regional Federal.

Agora, importante decisão acaba de ser pro-latada em acórdão unânime, da lavra do ministroHerman Benjamin, apreciando apelo da Universida-de Federal de Pelotas e do Incra contra o MinistérioPúblico Federal, para reconhecer que é pertinente àautonomia universitária exercitar a mais ampla li-berdade para a criação de cursos, inclusive por meiode convênios, e contribuir para a inclusão social degrupos vulneráveis.

O acórdão fixa o entendimento de que a questãodiz respeito ao controle social de políticas públicas,ao sentido e extensão da autonomia universitária e àlegalidade de políticas educacionais afirmativas, como objetivo de superar desigualdades sociais.

Para o relator, “a autonomia universitária é umadas conquistas (...) da sociedade contemporânea e,por isso, deve ser prestigiada pelo Judiciário”. De acor-do com ele, da “universidade se espera não só queofereça educação escolar convencional, mas tambémque contribua para o avanço científico-tecnológico doPaís e seja partícipe do esforço nacional de elimina-ção ou mitigação das desigualdades”.

Rejeitando o uso rasteiro do princípio daisonomia e sua apropriação meramente retórica,que tendem a esvaziar seu alcance, o ministro Ben-jamin lembra que “políticas afirmativas, quando en-dereçadas a combater genuínas situações fáticasincompatíveis com os fundamentos e princípios doEstado Social, ou a estes dar consistência e eficá-cia, em nada lembram privilégios, nem com eles seconfundem, pois em vez de funcionarem por exclu-são de sujeitos de direitos, estampam nos seus ob-jetivos e método a marca da valorização da inclu-são, sobretudo daqueles aos quais se negam osbenefícios mais elementares do patrimônio materi-al e intelectual da Nação”.

Trata-se de uma decisão paradigmática, querecupera para o Judiciário a função concretizadorados princípios e valores da Constituição, para quenão se tornem promessas vazias. Pontua o minis-tro: “Sob o nome e invocação do princípio da igual-dade, praticam-se ou justificam-se algumas das pi-ores discriminações, ao transformá-lo em biomboretórico e elegante para enevoar ou disfarçar com-portamentos e práticas que negam aos sujeitos vul-neráveis direitos básicos outorgados a todos pelaConstituição e pelas leis. Em verdade, dessa fontenão jorra o princípio da igualdade, mas uma certacontra-igualdade, que nada tem de nobre, pois re-ferenda, pela omissão que prega e espera de admi-nistradores e juízes, a perpetuação de vantagenspessoais, originadas de atributos individuais, here-ditários ou de casta, associados à riqueza, conheci-mento, origem, raça, religião, estado, profissão oufiliação partidária.”

A decisão fortalece o entendimento de que a au-tonomia universitária pode e deve contribuir para in-cluir e para emancipar, pois essa é a verdadeira fun-ção da universidade. Convênios como esses visam re-alizar os princípios da igualdade de condições de en-sino, do pluralismo de idéias, do respeito à liberdade,do apreço à tolerância, da gestão democrática do en-sino e da vinculação entre educação, trabalho e práti-cas sociais. E ao Judiciário cabe, sim, fortalecer a exe-cução de políticas públicas que busquem reduzir desi-gualdades sociais nas cidades e no campo.

E

para incluir e emanciparAutonomia

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Berilo LeãoCoordenador-geraldo Sindjus

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Depois de umadécada de dedica-ção plena ao Sind-jus, Roberto Poli-carpo, com a mes-ma lisura que mar-ca sua trajetória,afasta-se de seumandato de coor-denador-geral,conforme deter-mina o estatutode nossa entida-de, com o objeti-vo maior de am-pliar os horizontes

da nossa luta. Ao longo desse tempo comodiretor sindical, Policarpo trouxe inúmerasconquistas aos servidores do Judiciário edo MPU e se tornou uma liderança reco-nhecida e respeitada nacionalmente.

É difícil dissociar qualquer uma das lu-tas ocorridas no âmbito da nossa catego-ria nos últimos dez anos do nome de Poli-carpo. Ele contribuiu não somente paraconquistas pontuais, como reajustes e va-lidação dos nossos direitos, mas para a me-lhoria da prestação jurisdicional e para amodernização do sindicalismo. Obstinadopela valorização permanente dos servido-res públicos, empenhou-se na busca por

assumir uma cadeira na Câmara dos De-putados, surge a pergunta: quem ocuparáseu lugar no Sindjus? Embora fizesse par-te de uma diretoria coletiva, ele se proje-tou como o porta-voz do sindicato. Semdúvida alguma, fará muita falta no dia adia do sindicato. Porém, como a nossa jor-nada não pode parar um minuto sequer,no dia 4 de fevereiro a Diretoria se reuniupara começar a construir o nome que as-sumirá a tarefa de responder pelo Sindjusfrente às administrações e poderes. Acre-ditamos que essa pessoa surgirá natural-mente e que estará respaldada por um gru-po dedicado.

Tenho certeza de que essas mudançassurgem para nos deixar ainda mais com-bativos. Afinal, o trabalho de Policarpo àfrente do Sindjus será sempre fonte de ins-piração para os que ficam e os que virão.E sua ida à Câmara dos Deputados abreuma frente importante em nossa batalhapela aprovação do PCCR e de outros pro-jetos que reflitam em avanços para a nos-sa caminhada.

Como amigo e companheiro, desejoboa sorte ao novo desafio de Policarpo epeço a colaboração de cada servidor nospróximos passos da nossa jornada paracontinuarmos fazendo do Sindjus um sin-dicato forte, atuante e vitorioso.

mecanismos e instrumentos que possibili-tassem a profissionalização dos trabalha-dores, das instituições e das entidades.

Tido com um grande articulador, Poli-carpo soube mobilizar a categoria sempreque necessário, liderando greves históricas,e ocupar espaços estratégicos, costuran-do assim acordos que possibilitaram vitó-rias como a aprovação dos PCSs do Judi-ciário e do MPU. Travou uma forte batalhacontra o nepotismo dentro do Judiciário,pela abertura de mais concursos públicose pelo pagamento dos passivos. Tornourealidade a reestruturação do TJ, a implan-tação da licença-maternidade de seis me-ses nos tribunais e no MPU e a retomadado Clube do Servidor .

Uma das principais marcas da passa-gem de Policarpo pelo Sindjus foi a cons-trução de um sindicalismo cidadão. Lutoumuito para que os servidores assumissemseu papel de protagonistas junto à socie-dade, levando conhecimento, solidariedadee cidadania para um universo de pessoas.Criou e participou de muitas campanhasresgatando o caráter humano das lutas pormelhores condições de trabalho. Pensandono todo, exigiu respeito ao trato e à ima-gem dos servidores, muitas vezes alvejadospor setores da mídia e do governo.

Agora, com a saída de Policarpo para

Como fica o Sindjussem o Policarpo?

“As mudançassurgem para nosdeixar aindamais combativos.O trabalho dePolicarpo no Sindjusserá sempre fontede inspiração.E sua ida à Câmarados Deputadosabre uma frenteimportante emnossa batalha”

O ex-coordenadorfala à categoria:

sindicalismo cidadão

AO LEITOR

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m final de ano conturbado, coma quebra da promessa de apro-

vação do PCCR, e um começo de go-verno com arrocho financeiro. Esse pa-norama mexeu com o moral da cate-goria. Por isso, os diretores do Sindjusiniciaram 2011 com visitas a todos oslocais de trabalho do Judiciário e doMPU, de sala em sala. Desde 2 de fe-vereiro, em Taguatinga, até 14 de mar-ço, no STF, todos tiveram oportunida-de de debater. E a conclusão foi a mes-ma: o reajuste pode sair este ano, sim.Mas só se todos participarem, para quea categoria mostre a sua força.

“A visita me animou. Depois docorte no orçamento, ficamos psicolo-gicamente enfraquecidos. Precisáva-mos de algo que motivasse a ir à luta”,disse Geuzilene da Silva, técnica doFórum do Gama. Marta Aparecida dosSantos, técnica do MPDFT no Leal Fa-gundes, concorda: “A conversa com osdiretores foi esclarecedora e necessá-ria, principalmente para o caso de fa-zermos greve”, afirmou.

A palavra greve, aliás, não sai dacabeça dos servidores. Eles estão dis-postos a garantir a valorização profis-sional. “Vamos lutar pelo reajuste e fa-zer greve se for preciso”, ressaltou Dá-rio Matheus de Oliveira, técnico do Fó-rum Leal Fagundes. “É preciso pressão.Precisamos cobrar o apoio do ministroPeluso. E temos que participar das açõesdo sindicato”, disse Alexandre Alves de

PCCR

Oliveira, analista do Leal Fagundes.Os servidores do MPDFT querem a

participação do procurador-geral nasnegociações. “O comportamento doGurgel mostra uma desvalorização dacategoria”, alerta a técnica Patrícia Moi-sés. “Ele deveria ser nosso representan-te. Infelizmente, parece que só pode-mos esperar alguma coisa do Peluso.Então, pressão nele”, disse a analistaDébora Sales.

Plácido Bartolomeu Sobrinho, téc-nico da Promotoria de Justiça de Pla-naltina, incentiva os colegas a nãodesistir, apesar das dificuldades: “Te-nho 24 anos de MPU e posso dizer queo que temos não foi dado pelo gover-no, foi conquistado por nós com mui-ta batalha. A força está com o servi-dor. Já fizemos grandes movimentos evamos aprovar nosso plano.”

Debates acalorados no Judiciário e MPU marcamo início de 2011. Diretores do Sindjus visitam

todos os locais de trabalho e servidores voltam ase mobilizar pela aprovação do reajuste

FERNANDA SILVA

Passado o susto com o corte no orça-mento, os servidores se uniram em tornodo reajuste. Chegou-se a temer um veto àautorização de verbas para o PCCR, asse-guradas dezembro. “Essa tentativa de vetofoi derrotada pelo Policarpo, agora depu-tado, e isso serviu de estímulo à nossa mo-bilização”, disse o diretor do Sindjus Jail-ton Assis em debate com servidores do Fó-rum Leal Fagundes, no dia 11/2.

Os jornais especularam sobre o can-celamento de qualquer reajuste a servido-

res, mas, segundo Policarpo, os cortes noJudiciário e MPU devem incidir apenas so-bre a área de custeio. Ele garantiu que vaificar atento para que a área de pessoalnão seja prejudicada: “Esse corte atingeprincipalmente o Executivo. Não há razãopara Judiciário e MPU barrar nomeações esuspender concursos. Aconselho aos con-cursandos a continuar estudando. E os queaguardam nomeação devem ficar atentos.Vamos pressionar para que as administra-ções prossigam com seus calendários.”

ruaCom obloco na

Um aliado no Congresso

UProtesto naEsplanada:insatisfaçãoé geral

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Marcha dos servidores federais ocupa EsplanadaOs servidores de todo o país ocupa-

ram a Esplanada no dia 16 de fevereiro,no lançamento da campanha salarialunificada, com apoio do Sindjus. “É ummomento importante onde levantamosquestões como o PLP 549/09, a con-venção 151 e o direito de greve. A parti-cipação dos servidores do Judiciário edo MPU mostra que a categoria estáatendendo ao chamado do sindicato ereforçando a luta”, afirmou o coordena-dor-geral Berilo Leão.

A marcha começou na Catedral,parou para um ato no Congresso eterminou no Ministério do Planejamen-to, onde fez pressão por uma audiên-cia com a ministra Miriam Belchior. Osservidores cobraram o cumprimentodos acordos firmados com o governo –entre eles a aprovação dos PLs 6613 e6697 –, a paridade entre ativos, apo-sentados e pensionistas, a definição dedata-base em 1º de maio e uma políti-ca salarial permanente com reposição

inflacionária, valorização do saláriobase e incorporação das gratificações.

Os manifestantes exigiram a retira-da dos projetos de lei, medidas provi-sórias e decretos que prejudicam acategoria, como o PLP 549/09, o PL248/98, o PL 92/07 e a MP 520/10.Protestaram também contra as refor-mas que retiram direitos dos trabalha-dores e pediram a regulamentação danegociação coletiva no setor público,com direito de greve irrestrito.

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8 Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

ECONOMIA

da população. NosEstados Unidos eles são

16,5%, na Europa,

25%e nos países escandinavos,

No Brasil, os servidorespúblicos representam

11%

40%

Antônio Carlos Queiroz (ACQ)

o ponto de vista dos trabalhado-res, o governo Dilma começou

mal. A queda de braço com as centraissindicais em torno do ajuste do saláriomínimo e da correção da tabela do im-posto de renda em 6,47%, por um lado,e o aumento da taxa básica de jurosjunto com os cortes de R$ 50 bilhões

do orçamento fede-ral, por outro, de-monstram que pre-valece um viés fran-camente monetaris-ta na área econômi-ca do governo.

No debate sobreo salário mínimo, asautoridades econô-micas voltaram a le-vantar o velho e sur-rado argumento,nunca provado, deque maiores ganhos

aos trabalhadores provocam inflação eestouram as contas da Previdência So-cial. O ponto de divergência parece pe-queno, mas tem significado político re-levante. As centrais sindicais exigem ummínimo de R$ 580,00, enquanto o go-

verno se dispõe a conceder R$ 545,00.O governo argumenta que o valor

mantém o acordo firmado durante ogoverno Lula, segundo o qual o rea-juste é a soma da inflação do ano an-terior mais um ganho igual ao cresci-mento da economia nos últimos doisanos. Como o Produto Interno Brutode 2009 recuou 0,2% em 2009, ascentrais consideram que o governo de-veria dar uma compensação, sinalizan-do estar disposto a manter uma polí-tica ativa de valorização dos salários.Segundo cálculos do Departamento In-tersindical de Estatística e Estudos So-cieconômicos (Dieese), o salário míni-

Para MárcioPochmann, falarem “peso dofuncionarismo”demonstra uma“visão primitivade quem nãoconhece bem opaís e outrospaíses”

D

ANTONIO CRUZ / ABR

ArrochoJá passou da hora de mudar os rumos da política

econômica e trocar a tradicional elevação dos juros pormedidas que brequem a inflação mantendo o

crescimento, sem sacrificar trabalhadores e servidores

desnecessário

VALTER CAMPANATO / ABR

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mo previsto na Constituição deveriavaler, em janeiro, R$ 2.194,76.

Além dessa polêmica, um sustoimediato foi provocado pelo anúnciode que, junto com os cortes do orça-mento, está barrada a contratação de36.616 novos servidores públicosconcursados. Desse total, 8.277 seri-am contratados pelo Judiciário e 721pelo Ministério Público da União. Maso deputado federal e ex-coordenadordo Sindjus, Roberto Policarpo, que secomprometeu a ser a voz da categoria

no Congresso, acredita que o corteatingirá principalmente o Executivo:“Não há razão para barrar nomeaçõesno Judiciário e MPU”, disse.

Jogar nas costas do funcionalis-mo público parte do preço do ajustemacroeconômico não faz parte dequalquer política que se quer progres-sista e que pretenda fortalecer o Es-tado em favor dos interesses popula-res. Em recente entrevista concedidaao jornal Brasil Econômico, eis o quedisse o presidente do Instituto de Pes-

quisa Econômica Aplicada (Ipea), Már-cio Pochmann, ao responder se “opeso do funcionalismo prejudica o in-vestimento”: “Essa é uma visão pri-mitiva de quem não conhece bem opaís e outros países. O Brasil não temmuitos funcionários públicos. Temos11% da população que são ocupadosem serviços públicos; nos Estados Uni-dos, 16,5%. Na Europa, 25%. Nospaíses escandinavos, que são compe-titivos, 40% da força de trabalho é defuncionários públicos.”

‘ ‘

É preciso combater a inflação porque elaatinge, em primeiro lugar, o bolso dostrabalhadores. Mas esse combate não pode sedar às custas dos próprios trabalhadores, pormeio de medidas que desaceleram as atividadeseconômicas, impedem a geração de empregose dificultam ganhos reais de salários

‘ ‘

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ECONOMIA

A Nota Técnica nº 94 do Departa-mento Intersindical de Estatística e Es-tudos Socioeconômicos (Dieese), pu-blicada em janeiro, questiona o atualmodelo econômico, centrado na gera-ção de superávits primários, basica-mente para pagar os juros da dívidapública. O título do documento é In-flação e juros: é necessário mudar orumo do debate.

Mas por que o rumo desse deba-te? Porque, segundo os analistas doDieese, a elevação da taxa básica dejuros (Selic) continua sendo a terapiaoficial para combater a inflação, eessa terapia contraria os interesses daclasse trabalhadora. Primeiro, por im-pedir a aceleração do crescimentoeconômico e, segundo, por benefici-ar apenas a pequena parcela da po-pulação que vive no topo da pirâmi-de social, vivendo de rendas.

Juros mais altos trazem impactosnegativos sobre o crescimento econô-mico, a geração de empregos e as ne-gociações coletivas dos trabalhadores.Mas há outros efeitos, igualmente per-versos: a elevação da dívida pública

atrelada à taxa Selic;o arrocho do orça-mento público, com ocorte de gastos,como acaba de seranunciado; o aumen-to de impostos paragarantir superávitsnas contas públicas;a valorização do real,que barateia as im-portações e encarece

as exportações, ampliando o risco daexportação de empregos; e, ainda re-lacionado com a valorização da moe-da nacional, a ampliação dos gastosde turistas brasileiros no exterior.

É claro que ninguém defende aideia ingênua de que a inflação é um

problema menor. Os trabalhadores,principalmente aqueles que vivem dobolso para a boca, são justamente osprimeiros a serem afetados pela ele-vação do custo de vida. O que se ques-tiona é o método que o governo con-tinua utilizando para combater a in-flação, que resulta no desaquecimen-to econômico, e que impede, por isso,aumentos reais de salários e outrasconquistas dos trabalhadores.

Como registra a nota técnica, des-de 1999, o governo, através do Con-selho Monetário Nacional (CMN), es-tabeleceu um regime de metas para ainflação. A cada ano o CMN define asmetas para os anos seguintes, fixandoum centro e um intervalo superior eoutro inferior. Nos últimos sete anos,a taxa de inflação sempre ficou próxi-mo do centro, de 4,5% ao ano, fixadopara o período 2005–2012.

Quem define a taxa básica de ju-ros (Selic) é o Conselho de Política Mo-netária (Copom), cujas decisões são

pautadas por um dogma: o ritmo decrescimento econômico nunca podeser superado pela inflação. Em termostécnicos, o Dieese diz que esse mantradefine que o ritmo do crescimento eco-nômico não pode superar o crescimen-to do “produto potencial”, que indicauma taxa de crescimento que não ele-ve a inflação acima da meta. Quandoo risco disso acontecer dá sinais, inva-riavelmente o Copom tem ampliado ataxa de juros. Foi o que aconteceu, denovo, no dia 19 de janeiro, quando oórgão elevou a taxa Selic de meio pon-to para 11,25% ao ano.

A decisão indica um novo ciclo dearrocho monetário, que deverá ser es-tendido por todo o ano. E é claro quedecepcionou o movimento sindical eos setores que apostam no crescimen-to da economia como condição parareduzir a miséria, pelos efeitos negati-vos que a medida imporá aos interes-ses dos trabalhadores.

A justificativa do Copom foi que

Novos rumospara o debate

Efeito perver-so: arrochodecepcionouos setoresque apostamno crescimentoda economiacomo condiçãopara reduzira miséria

A justificativa paraaumentar os juros foi

elevação do IPCA para

5,91%

Nos últimos sete anos ainflação dentro da meta de

4,5%.

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Sim, há alternativas

Existem saídas alternativas para ocombate à inflação, que preservem ocrescimento econômico? Em sua nota,o Dieese demonstra que sim. Para vê-las é preciso estudar direito as causasda inflação brasileira. Algumas dessascausas, segundo o Dieese, têm a ver coma maior integração do país à economiamundial globalizada, que resultaram emexpressivo aumento das trocas comer-ciais, dos investimentos produtivos di-retos, dos investimentos em carteira (tí-tulos e ações), das remessas de lucros edividendos, do financiamento externodas empresas, da conta turismo, do pa-gamento de fretes e serviços etc.

Ora, “numa economia mais aberta,a elevação dos preços internacionais dascommodities agrícolas e minerais (trigo,milho, soja, açúcar, petróleo, minério deferro, entre outros), ocorrida em 2007/2008 e em 2010, é transmitida maisrapidamente para os preços internos.Essa inflação ‘importada’, como sepode deduzir, é mais difícil de ser com-batida, exigindo uma combinação depolíticas para evitar o impacto sobre ainflação doméstica. Pode-se citar, en-tre outras, políticas tarifárias e deabastecimento para mitigar a contami-nação dos preços externos maiores naformação dos preços no país.”

Um exemplo do que diz o Dieese éa recente elevação dos preços do mi-lho, que dispararam de um ano paracá e atingiram o maior patamar em doisanos na semana de 17 a 21 de janeiro.Segundo o Valor Econômico, a saca doproduto pulou de R$ 19,50 há um anopara R$ 32,50 agora, um aumento de63,5%. Entre os motivos estão atraso

na colheita, forte demanda e alta noexterior, provocada pela ampliação dademanda por parte da indústria do eta-nol nos Estados Unidos e pela quebrade safra na Argentina.

Outra causa da elevação da infla-ção verificada nos últimos meses doano passado tem origem no aumentodos preços agrícolas in natura, desta-cando-se o forte aumento de preçosdas carnes e do feijão, mas também doaçúcar, leite, óleo de soja e álcool. Umamedida óbvia para enfrentar o proble-ma seria ampliar a produção dessesprodutos, mas o Dieese indica uma so-lução preliminar: a adoção de um indi-cador de núcleo da inflação, que “ex-clui os preços dos produtos agrícolas ede energia, que oscilam com mais in-tensidade em função de choques deoferta e movimentos especulativos”.

Esse indicador, adotado por váriospaíses, neutralizaria a volatilidade dospreços desses produtos. O aumento dopreço de um produto agrícola não cos-tuma durar muito tempo porque atraiinvestimentos para a sua produção, oque contribui para a baixa num momen-to seguinte. Foi o que aconteceu com ospreços do feijão e da carne bovina nosúltimos meses, segundo o Dieese: “De-pois de forte elevação, o preço começoua cair. Uma simulação usando os dadosdo ICV-Dieese mostra que se os preçosda carne bovina e do feijão não tives-sem aumentado nos meses de setem-bro a novembro de 2010, a inflação acu-mulada em doze meses não seria 6,3%(até novembro) e sim 5,3%, um pontopercentual a menos apenas em funçãodestes dois produtos.”

a taxa da inflação havia escapadodo centro da meta de 4,5%, levan-do o Índice de Preços ao Consumi-dor Amplo (IPCA) a fechar o ano de2010 em 5,91%. A expectativa dealguns economistas é que este anoa taxa deve alcançar 5,42%, aindadentro do intervalo superior de doispontos percentuais.

Medidas complementares apelida-das de “macroprudenciais” foramanunciadas pelo Copom, como a ele-vação do recolhimento compulsóriodos bancos e da restrição de créditospara o consumo. Na verdade, essas me-didas já haviam sido tomadas no finaldo ano passado, correspondendo, naprática, a um aumento da taxa Selicda ordem de um ponto percentual, se-gundo cálculo do jornal Valor Econô-mico. Juros mais altos e créditos me-nores significam menos investimentoe menos crescimento econômico, e, emconsequência, menos empregos e me-nos ganhos reais de salário.

‘ ‘‘ ‘ O Dieese propõe uma nova terapia para o combate da

inflação que, em vez de elevação dos juros, criemecanismos para valorizar a poupança nacional eassegurar o crescimento econômico com distribuiçãode renda e diminuição da desigualdade social.

ARTHUR MONTEIRO

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12 Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

Qualquer política quebusque frear esse movimentode elevação [de salários]caminha na contramão de umprojeto de desenvolvimentoque tem como objetivoscentrais a redução dadesigualdade de renda e aelevação da participação dossalários na renda nacional(Dieese, Nota Técnica 94) ‘ ‘

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ECONOMIA

Um ponto absolutamente relevan-te na nota do Dieese é a respostadada aos economistas conservadores,que continuam dizendo que aumen-tar salários implica aumento da in-flação porque isso aquece a deman-da (incendiando os preços) e eleva oscustos das empresas brasileiras, dimi-nuindo a sua competitividade nomercado internacional.

Esse mantra conservador não sesustenta porque, a partir de 1985, se-gundo dados levantados pela Pesquisade Emprego e Desemprego (PED) na Re-gião Metropolitana de São Paulo, ossalários médios reais tiveram uma pe-quena elevação em 1986 e depois caí-ram fortemente até 1992. Voltaram acrescer entre 1992 e 1997, caíram no-vamente entre 1996 e 2003, e pratica-mente ficaram estáveis a partir de 2004.

Este é um fato, não uma opinião:“O nível atual do salário real (des-contada a inflação, NR) encontra-semuito abaixo daquele observado em1985” (ver gráfico). Como é que sa-

lários tão baixos podem provocar altade inflação? Como é que o cordeiro,que fica a jusante do lobo na beirado rio, pode sujar a água do matreiropredador?

Ocorre que, com o crescimento dosalário médio real, principalmente em2010, e do salário mínimo, a velhaquestão voltou ao velho debate e,como sempre, de maneira enviesada.O Dieese observa, no entanto, que acontínua valorização dos salários éuma questão estratégica para o movi-mento sindical, e integra o projeto dedesenvolvimento que as centrais apre-sentaram à presidenta Dilma Roussef.“Qualquer política que busque frearesse movimento de elevação recentecaminha na contramão de um projetode desenvolvimento que tem comoobjetivos centrais a redução da desi-gualdade de renda e a elevação daparticipação dos salários na renda na-cional. O Brasil só será desenvolvidoquando melhorar a distribuição de ren-da e atingir níveis de participação dos

salários na renda nacional semelhan-tes a aqueles observados nos paísescom renda per capita mais alta.”

Não há dúvidas de que é precisocombater a inflação porque ela atin-ge, em primeiro lugar, o bolso dos tra-balhadores. Mas esse combate nãopode se dar às custas dos próprios tra-balhadores, por meio de aumentos sis-temáticos dos juros e do enxugamen-to do crédito, medidas que desacele-ram as atividades econômicas, impe-dem a geração de empregos e dificul-tam ganhos reais de salários.

O lobo e o cordeiro

Ato dosservidores

do Judiciárioe do MPU

em 2010, noMinistério doPlanejamen-

to: saláriosdefasados

CARLOS ALVES

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13Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

Rendimento Médio Real dos Assalariadosna Região Metropolitana de São Paulo de

1985 a 2009 (em R$ de novembro de 2009)

Crescimento é bom para todosA partir de 2004, já no governo Lula,

a taxa média de crescimento da econo-mia brasileira dobrou em relação às duasdécadas anteriores. Esse resultadoapoiou-se no aumento do valor real dosalário mínimo, nos programas de trans-ferência de renda para as camadas maispobres e na expansão do crédito. Nesseperíodo, houve permanente elevação doconsumo das famílias e da taxa de in-vestimento (formação bruta de capital).Os trabalhadores lutam para que a eco-nomia continue a crescer, mas a susten-tação desse movimento vai depender, emgrande medida, da contínua elevação dossalários reais, do consumo e do investi-mento doméstico.

Sem a pretensão de aprofundar as sa-ídas alternativas para o combate à infla-ção, que será fruto de um amplo debatenacional, a nota do Dieese aponta a ne-cessidade de mudar a atual terapia mo-netarista, que conserva os juros reais nospatamares mais elevados do mundo eque, se for mantida, ampliará os riscosdo desaquecimento econômico e da va-lorização do real, além da desindustriali-zação e da exportação de empregos.

Como mudar? Para começo de con-versa, desmontando os mecanismos de fi-

nanciamento de curto prazo da dívida pú-blica. Qualquer aumento da taxa de jurospara frear a demanda não deveria atraircapital especulativo, que chega ao Brasilapenas pelas taxas estratosféricas. Por quenão fazer como outros países, onde as apli-cações de curto prazo nunca são tão ren-táveis quanto as de longo prazo?

Outra medida alternativa seria a di-minuição do custo do dinheiro, o que di-ficulta a elevação da taxa de investimen-to. Contra o eventual argumento de queos juros altos podem induzir a elevaçãoda taxa de poupança se as pessoas eempresas trocarem o consumo presen-te pela aplicação de seus recursos ex-cedentes no sistema financeiro, os ana-listas do Dieese lembram que os atuaisníveis salariais e a elevada concentraçãoda renda impedem que a maioria dasfamílias brasileiras tenham renda sufici-ente para poupar. Todos os seus ganhossão gastos em consumo.

Em contrapartida, os juros altos têmefeito negativo sobre a poupança do se-tor público, aumentando a dívida pública.Com evidente interesse na solvência des-sa dívida, o chamado “mercado” – e osseus agentes – passa a exigir cortes dosgastos públicos, o que reduz a capacida-

de de ampliação da poupança pública,com o comprometimento dos investimen-tos públicos. É um círculo vicioso que pre-cisa ser rompido, o que só poderá ser fei-to com a reforma do sistema financeiro,“para viabilizar uma queda substancialdos juros básicos e das demais taxas”.Como? Assegurando maior rentabilidadeaos aplicadores e poupadores que acei-tem prazos maiores para as aplicações, ouseja, definindo regras que viabilizem apoupança de longo prazo.

Em síntese, o Dieese propõe umanova terapia para o combate da infla-ção, que em vez das medidas ortodoxasde elevação dos juros, com todos os efei-tos colaterais, crie mecanismos para va-lorizar a poupança nacional e assegu-rar o crescimento econômico com dis-tribuição de renda e diminuição da de-sigualdade social.

Os primeiros passos do governo Dil-ma decepcionaram os trabalhadores por-que prescreveram uma boa dose da te-rapia tradicional. Oxalá o movimento sin-dical convença o novo governo de queesse tratamento não só não resolve comoagrava os problemas do país, e que porisso é preciso o quanto antes mudar orumo da política econômica.

O nível atual do salárioreal encontra-se muitoabaixo daqueleobservado em 1985.Como é que saláriostão baixos podemprovocar alta deinflação? Como é queo cordeiro, a jusantedo lobo na beira dorio, pode sujar a águado matreiro predador?

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14 Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

ENQUETE

Foram duas surpresas desagradáveis: no final do ano, a quebra do compromissoentre o governo e o STF para aprovar o PCCR. No começo de 2011, o anúncio do

arrocho financeiro. E na mente dos servidores do Judiciário e do MinistérioPúblico instalaram-se as dúvidas e preocupações. E agora? Como fica o nosso

plano de carreira? O que fazer? Em campo desde o início de fevereiro com visitasdos diretores a todos os locais de trabalho, o Sindjus promoveu debates e ouviu

os servidores sobre os próximos passos que a categoria deve dar.

passosOs próximos

Com o anúncio do cortedo orçamento, ficamos

bem decepcionados. Nossaexpectativa está cada vezmais baixa. Mas acho queagora, após o período deférias, é o momento da

categoria se unir e brigarpela aprovação do

reajuste. Temos que fazerpressão política.

Ailton Gomes Batista,técnico judiciário do

TJDFT, Fórum do Paranoá

O corte no orçamento prejudi-ca os servidores . Acho que

agora todos devem participardas mobilizações e da greve, seela for necessária. Já participei

de duas, sempre chamo oscolegas. Muitos estão descren-tes, mas eu não desisto nuncae acho que só lutando e mos-trando nosso força podemosgarantir os nossos direitos.

Adriano Soares de Carvalho,técnico judiciário do

TJDFT, Fórum do Paranoá

Há dez anos sou servidorae, pela experiência, achoque temos que nos unir e

fazer pressão. Caso os servi-dores fiquem em seus seto-res passivamente, não va-mos conseguir nada. Faltapressão de todos os lados,tanto da categoria quantodo Peluso. Devemos fazer

ações em conjunto.

Emilene Miguel BorgesSilva, técnica judiciária doTJDFT, Fórum do Paranoá

Prefiro ser otimista e esperarque o plano seja aprovado, em-

bora o momento não sejafavorável. Acho que a notícia docorte é maior que o verdadeiro

corte. Os servidores devem acom-panhar as decisões e se unir

para aumentar a força. Se tiver-mos uma greve, temos que au-mentar esse grito para que a

união da categoria transpareçapara a população e o governo.

Vinicius Oliveira,analista do CNJ

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15Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

Fiquei preocupado, mas logodepois que anunciaram o corte

eu soube que o Policarpo eoutras lideranças fizeram umexcelente trabalho para man-ter a emenda no orçamento. Acategoria tem que estar pron-ta para realizar qualquer atopelo nosso plano. O servidornão pode ser figurante, tem

que ser personagem principalnesse momento de pressão.

Altevi da Costa,técnico judiciário TRT

O governo vai cortar, masvai definir onde vai cortar.

Estou no Judiciário há trezeanos e não conheço um

plano não tenha sido aprova-do. Mas nenhum deles foifácil, todos precisaram de

muita luta. A classe poderiaestar mais unida. Mas, setivermos que fazer greve,vamos fazer, vamos criar

força. É assim que funciona.

Eduardo Melo, técnicojudiciário do TRT

O corte me deixou extrema-mente preocupado. Na hora

que o Judiciário pedir oreajuste, como vai ser? Eu jáestava perdendo a esperan-ça, mas agora, com a visitado sindicato, fiquei vigilante.Tradicionalmente, no Judiciá-rio o que tem resolvido é a

greve. Ela dá o impulso parao presidente do STF fazer

alguma coisa no Congresso.

Eudes Ailson,analista do TSE

Entendo que o corte é umaquestão de início de governo,

mas vai mudar. Espero quenão reflita negativamente nonosso plano. Eu acho que os

servidores poderiam falarcom os deputados e fazer

pressão política junto com osindicato, passeatas e atos

públicos, para mostrar ainsatisfação da categoria.

David Costa Miranda,analista processual daPromotoria do Paranoá

Eu vou participar de todosos atos porque descobri

que a união realmente faza diferença. A gente tem

que ir. Se o ditador do Egitocaiu com a força popular,por que a gente não vaiconseguir um aumento?

Acho que o corte orçamen-tário foi uma decepção.

Isso tira os servidores bonsdo quadro.

Issana Rocha,analista do TSE

Estamos decepcionados por-que os outros poderes estãocom os salários bem melho-

res do que o nosso. Issonos deixa desestimulados.Mas mesmo com as dificul-dades nós sempre temos

esperanças. A classe deve seunir mais e tentar atingir os

nossos objetivos por meio degreve e mobilizações fortes.

Vera Lúcia Rodrigues,técnica administrativa daPromotoria do Paranoá

Esse corte não interfereem nada. Tudo é uma

questão de força política.Acho que a gente deixou de

ter esse aumento no anopassado por conta da falta

de mobilização dosservidores. Os servidores

precisam parar de querer queos outros façam as coisaspor eles. Temos que lutar

pelo que queremos.

Ana Carolina de Oliveira,técnica judiciária do TSE

O servidor é essencial agora.Ele tem que participar das

mobilizações. Se a categorianão for junto, não tem força.Tem gente mandando e-mail,tentando quebrar a confiançaque o servidor tem no sindica-to. Acho isso totalmente ino-portuno. O Sindjus está traba-lhando desde 2009 na apro-vação do nosso plano e nãoparou, eu sou testemunha.

Mércia Alves da Silva,técnica do TRT

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16 Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

ESPECIAL

ovem, mãe de uma criança peque-na, sozinha num país estrangeiro,

vista com desconfiança por ousar seseparar do marido. Foi assim que Ara-cy Moebius de Carvalho aportou naAlemanha, em 1934, aos 26 anos, le-vando pela mão o filho Eduardo, de

cinco. Mais tardeela passaria a sechamar AracyGuimarães Rosa.E, com a famado escritor, du-rante décadasseria lembradaapenas como aesposa amada aquem ele dedi-cou a obra-pri-ma Grande Ser-tão: Veredas.

Foi uma in-justiça que a his-tória demorou a

corrigir. Aracy foi uma heroína, mas noBrasil os seus feitos só se tornaram pú-blicos quando ela estava perto dos cemanos de idade, completados em 2008.Inúmeras vidas foram salvas graças àsua iniciativa, passando por cima detodo tipo de risco – perder o empregoera o menor deles.

Aracy trabalhava no consulado bra-sileiro em Hamburgo. Com a ajuda deum amigo, conseguia falsos atestadosde residência para que judeus de ou-tras cidades pudessem pedir vistos ali.Conseguia também passaportes sem

a marca que apontava os judeus – umJ vermelho. E fazia isso sem o conhe-cimento dos superiores, por meio deum expediente simples: misturava ospedidos à papelada que levava para ocônsul assinar.

Com isso enviou dezenas, talvezmais de uma centena de judeus parao Brasil, contrariando frontalmente asordens do governo de Getúlio Vargas.Em cima do muro, Vargas cortejavaigualmente os dois lados, Aliados eEixo, mas secretamente mandava bar-rar a entrada de judeus no país.

Como assinalou a jornalista ElianeBrum, em reportagem para a revistaÉpoca, “parece fácil fazer a coisa certa.Mas só é fácil para quem vê os fatosiluminados pelo julgamento da histó-ria. Aracy era uma mulher sozinha comum filho pequeno num país à beira daguerra. Suas ordens eram fechar a por-ta para os judeus. Anos atrás, quandolhe perguntaram por que fez o que fez,ela disse: ‘Porque era o justo’.”

Colocando em perigo a própria vida,por várias vezes ela escondeu judeusem casa. Sua personalidade forte aju-dava. Certa feita deu uma bronca numpolicial que quis revistar seu carro – epassou pela barreira com um judeu noporta-malas. Sua coragem para fazero que julgava correto lhe rendeu, em1982, o título de “Justa entre as Na-ções”, conferido pelo Museu do Holo-causto, em Jerusalém, a pessoas quese arriscaram para salvar judeus na Se-gunda Guerra – como Oskar Schindler,

outro dos homenageados.Foi no consulado em Hamburgo

que Aracy e João Guimarães Rosa seconheceram, em 1938. O recém-che-gado cônsul adjunto tinha 30 anos.Logo se apaixonaram, mas só puderamse casar em 1942, no México e por pro-curação, porque os dois eram desqui-tados e não havia divórcio no Brasil. Elesestavam voltando ao país e aqui vive-ram juntos por 29 anos.

O escritor morreu de infarto noapartamento do casal, no Rio de Ja-neiro, em 19 de novembro de 1967,três dias depois de ingressar na Acade-mia Brasileira de Letras. Aracy tocou avida em frente. No final de 1968 es-condeu em casa o compositor GeraldoVandré, perseguido pelo regime militar.Foi seu neto mais velho que levou oartista de carro para São Paulo, deonde ele partiu para o exílio.

Aracy ainda vive, à véspera dos 103anos, com o filho mais velho e a nora.Sua memória se foi, minada peloalzheimer. Mas, enquanto ela se esque-cia aos poucos, sua história começoua ser lembrada. Três gerações de bra-sileiros descendentes de judeus agra-decem – devem a ela a própria exis-tência. E os que leem sua história ga-nham um exemplo de solidariedade,coragem e compromisso com a vida.

J

A bela e a fera: à frentedo seu tempo, a jovem

ousada causava espanto

Aracy,uma heroína

Centenas de pessoas devem a vidaà funcionária do consulado brasileiroem Hamburgo, que se arriscavapara conseguir vistos para judeus

Leia mais sobre Aracy e as famílias das pes-soas que ela ajudou na reportagem de Elia-ne Brum para a revista Época (nº517, 16/4/2008), no site http://revistaepoca.globo.com

16 Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

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17Revista do Sindjus • Fev-Mar/2011

Alemanha,década de 30:recém-chegada

Dresden, 1940,com Rosa:apaixonados

Rio de Janeiro:Aracy, Rosa e

seus sete gatos

Maduros: o casalna embaixada

alemã, em 1961

Homenagem em 1985:inauguração do BosqueAracy, em Israel

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BRASÍLIA DO BEM

Usha Velasco

e você quer que uma coisa sejafeita, entregue a uma pessoa ocu-

pada.” O ditado popular é chinês, masdefine bem o perfil da mineira Mariada Conceição Moreira Salles. Além decoordenar as dezenas de atividadeseducativas, culturais e sociais da Bibli-oteca Demonstrativa de Brasília (BDB),ela é diretora cultural da Associaçãode Ex-Alunos da UnB, joga na seleçãomaster de vôlei de Brasília e ainda en-contra tempo para fazer artesanato. “Étanta atividade que nem sei como douconta”, brinca.

À frente da BDB há quase trintaanos, Conceição conta com uma equi-pe mínima – “Nem me lembro quan-do foi o último concurso aqui”, diz.Como muitos administradores públi-cos, enfrenta a falta de verbas comuma contínua batalha em busca de pa-

trocínio para obras,equipamentos e pro-jetos. E não se pou-pa. “Pena que o Po-der Executivo nãopaga hora extra, se-não eu estaria rica”,diverte-se ela, semtraços de queixa: “Seeu sou responsável,tenho que me doar.”

Com simplicida-de, sem afetação,Conceição explica

que o esforço é recompensado pelo pra-zer de servir ao próximo. “Tenho um res-peito muito grande pela atividade co-munitária. Lidar com gente é difícil, geraestresse, mas por outro lado gratificamuito. A cada vez que converso com aspessoas eu me empolgo mais”, relata.

O retorno positivo é mais que com-preensível em uma lugar onde o lequede atividades inclui até leitura para be-bês – um projeto chamado Aletramen-to Materno, que acontece uma vez pormês, aos sábados pela manhã, quan-do as mães leem histórias em voz altapara seus pequeninos. “As pessoascostumam confundir biblioteca públi-ca com biblioteca escolar. Aqui não élugar só de estudantes. Mas nós con-seguimos mudar o perfil do usuário”,diz Conceição.

É uma mudança de longa data,como atesta um projeto que funcionahá 25 anos: o Grupo de Atualizaçãoda Mulher, com 55 participantes, amaioria donas de casa ou aposenta-das. O grupo está sempre lotado e háfila de espera para se inscrever. Umavez por semana, profissionais convida-dos fazem palestras sobre os temasmais diversos. Bioética, urbanismo,MPB, violência, saúde, literatura e po-esia foram alguns dos assuntos abor-dados em 2010.

As ações de incentivo à leitura pro-movidas pela BDB também não se li-mitam aos estudantes. Uma delas, oconcurso Leia Mais, premia quem mais

lê durante o ano, em três categorias:criança, jovem e adulto. Há tambémum prêmio para o melhor comentáriode livro, nas mesmas categorias. Con-cursos infanto-juvenis de poesia e pro-gramas voltados para os alunos dasescolas públicas incrementam as ati-vidades oferecidas aos estudantes.Mas sempre com um olho aberto paraa interação com a comunidade. É ocaso do Tira-Dúvidas, um plantão deprofessores aposentados que ajudar osestudantes. “Além de ser ótimo paraos alunos, isso também resgata pro-fissionais que estão inativos em casa”,avalia Conceição. “Começamos só comaposentados, mas agora há outros pro-fessores voluntários. Houve muita so-lidariedade”, relata.

Na hora do almoço, todas as quin-tas-feiras, artistas populares ou erudi-tos mostram seu trabalho na QuintaSonora, em cartaz há mais de sete anose realizado na biblioteca com o apoioda Escola de Música de Brasília. “Nósreunimos música e informação, porquea biblioteca não é uma casa de espe-táculos”, ressalva Conceição. O mes-mo acontece nos shows gratuitos doprojeto Bibliomúsica, também realiza-dos na BDB, uma vez por mês, de mar-ço a novembro.

A biblioteca só promove eventospagos quando são beneficentes –como o show do violonista Hamiltonde Holanda, em dezembro, que pelonono ano consecutivo teve toda a ren-

abertasDe portas

Coordenadora da BDB leva aopé da letra sua convicção de que acomunidade “deve se apoderar dosespaços públicos como um direito”

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CONHEÇA

A BDB fica na W3 sul,entre as quadras 506 e507. Para se associar

basta levar documentocom foto e compro-vante de residência epagar uma taxa deinscrição optativa.

Informações pelo fone3443-9142 ou no site

www.bdb.org.br

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da destinada à Abrace (AssociaçãoBrasileira de Assistência às Famíliasde Crianças Portadoras de Câncer eHemopatias).

Uma passada de olhos na agen-da do Bibliomúsica e da Quinta Mu-sical dá ideia da diversidade ofereci-da ao público: O romantismo namúsica de Robert Schumann; MestreZé do Pife e as Juvelinas; Wagner inconcert; Revivendo ZiCartola; Can-ções e árias sacras; Crônicas da Bos-sa Nova; Pixinguinha; Concerto deflauta transversal; A alma femininanas canções... Sempre com a pratada casa: “Precisamos valorizar os ar-tistas de Brasília”, afirma Conceição.

O Pró-Ler, programa da Bibliote-ca Nacional, o projeto Eu e MinhaEscola na BDB, os saraus de conta-ção de histórias BDB Em Contos, asTerças Literárias, o Banco do Escritorde Brasília, as exposições educativasna pequena galeria de arte e os cur-sos e oficinas completam o leque deatividades da biblioteca. Depois deabrir espaço para poemas e mosai-cos em uma das paredes externas doprédio, Conceição quer cobrir todaselas com arte: “Vamos levar a poe-sia para a rua”, anima-se.

Ela não para. Rindo, conta quetenta se aposentar e não consegue:“Todo ano eu entrego o cargo, masnunca aceitam. Tudo bem, enquantotiver prazer em trabalhar eu fico.”Mineira de Belo Horizonte, veio paraBrasília em 1966 com a mãe, que tra-balhava na UnB. Apaixonada por li-vros e por arte, hesitou entre cursararquitetura ou biblioteconomia. Op-tou pelos livros e viu seu trabalhofazer diferença na vida das pessoas:“Tenho um menino que todos osanos me manda um poema. Ele co-meçou a escrever aos seis anos deidade, no nosso concurso infanto-ju-venil de poesia. Hoje é promotor dejustiça. É maravilhoso ver as pessoascrescer e saber que você participoumesmo da vida delas.”

Maria daConceição:“A bibliotecanão é lugarsó de es-tudantes”

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SAÚDE

Neste espaço, os psiquiatras YuriMatsumoto Macedo e André LuisMacedo publicam mensalmente artigossobre saúde mental. Para saber mais,acesse www.animaconsultorio.site.med.br

André Luis Macedo, especialistaem Psiquiatria, formou-se em Medi-cina pela UnB e fez residência emPsiquiatria no Hospital de Base doDF. É psiquiatra do TJDFT, membroda Associação Brasileira de Psiquia-tria (ABP) e da Associação Psiquiá-trica de Brasília (APB).

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Yuri Matsumoto Macedoformou-se em Medicina pelaUniversidade Federal do Pará, pós-graduou-se em Medicina doTrabalho pela UniversidadeEstadual do Pará e fez residênciaem Psiquiatria no Hospital de Basedo DF. Publicou o livro Louco équem me diz (2005), com casosverídicos de pacientes psiquiátricos.Também é membro da ABP e APBr.

esquizofrenia é a síndrome psiquiátricaque mais representa a insanidade, a “lou-

cura”. E a ”loucura” sempre despertou no serhumano pelo menos dois sentimentos distin-tos: curiosidade e medo. Curiosos ficamos porperceber que os “loucos” não compartilhamdo senso comum, pensando e agindo de for-ma totalmente diferente dos “normais”. Porisso rimos e apelidamos de tantan, pinel oudoido de pedra todo aquele que discorda, di-fere, sai do padrão. E sentimos medo, princi-palmente medo de nos tornarmos assim, deperder o controle de nossas vidas. Daí resultaafastamento, desinformação e a grande dis-criminação que permeia a insanidade.

A esquizofrenia é uma doença cerebral queocorre no mundo todo. Suas causas não sãoainda completamente conhecidas. Tem um ca-ráter genético e associa-se a desequilíbrios quí-micos e estruturais do cérebro. Aproximada-mente 1% da população desenvolve a doençaao longo da vida. Geralmente inicia-se entre aadolescência e a vida adulta e acomete ho-mens e mulheres na mesma proporção.

No fim do século XIX o psiquiatra EmilKraepelin chamou a doença de “demênciaprecoce”, porque se assemelhava à demên-cia dos idosos, mas acometia pessoas jovens.O termo esquizofrenia (esquizo = cisão, fre-nia = mente) só foi utilizado em 1911, pelopsiquiatra Eugen Bleuler, para definir esse malcaracterizado pela separação entre pensa-mento, afeto, vontade e sentimento subjeti-vo da personalidade.

A esquizofrenia é uma doença crônica, temvários subtipos e classificações e caracteriza-se pela dificuldade do portador diferenciar arealidade de suas crenças e percepções alte-radas. As mudanças de comportamento cos-tumam ser os primeiros sinais perceptíveis, po-rém o surto psicótico é a condição mais agudada esquizofrenia.

O surto psicótico é um estado de altera-ção mental caracterizado pela manifestaçãomais intensa de sintomas como alucinações e

delírios. Alucinações são basicamente percep-ções alteradas e podem afetar os cinco senti-dos. Por exemplo: ouvir algo que não foi fala-do ou ver algo que não apareceu. Delírios sãopensamentos ou crenças falsas, como a de quealguém o está perseguindo sem que haja umperseguidor. Algumas pessoas têm somente umsurto, outras têm vários. Sintomas menos evi-dentes, como isolamento e retraimento social,e fala ou comportamento estranhos ou desor-ganizados, podem estar presentes em qualquerfase da doença.

Para diagnosticar a esquizofrenia é impor-tante descartar outras doenças físicas e men-tais e abuso de certas drogas, que tambémpodem levar ao surto psicótico. Por esse moti-vo, a avaliação médica é imprescindível parachegar ao correto diagnóstico.

O tratamento pode aliviar muitos sintomas,mas muitos portadores de esquizofrenia con-tinuam a apresentar alguns deles ao longo davida. Os medicamentos e as intervençõesterapêuticas e de apoio tanto ao pacientecomo à sua família, quando seguidos com re-gularidade, podem ajudar a diminuir e contro-lar os sintomas que trazem tanto sofrimento.Com os modernos medicamentos, torna-secada vez menos necessária a internação. Po-rém ela ainda é imprescindível diante de algu-mas crises agudas ou quando houver elevadorisco à integridade do paciente. Atualmente asinternações são as mais breves possíveis paraa retirada de crise.

As medicações antipsicóticas reduzem ossintomas e geralmente permitem ao pacientefuncionar melhor e mais apropriadamente. Em-bora sejam os melhores tratamentos até ago-ra disponíveis, elas não “curam” a doença. Esses medicamentos reduzem o risco de epi-sódios psicóticos futuros em portadores quese recuperaram de um episódio agudo. Mes-mo com a continuidade do tratamento, algu-mas pessoas sofrem recaídas, mas os índicesde recaída são muito maiores quando o trata-mento é interrompido.

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vozesOuvindo

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Internação

Ele entrava em surtoE o pai o levava de

carro paraa clínica

ali no Humaitá numatarde atravessadade brisas e falou(depois de meses

trancado nofundo escuro de

sua alma)pai,

o vento no rostoé sonho, sabia?

Ferreira Gullar

Eu tenho atendimento todos os meses.Minha única doença é psicológica. Sinto quetodo mundo fica zoando no meu ouvido, meperturbando 24 horas por dia, 24 horas ou-vindo vozes. Minha psiquiatra diz que eu souesquizofrênico e que essas coisas são da es-quizofrenia. Pode até ser normal com os do-entes de esquizofrenia, mas não comigo.

Infelizmente não acredito em nada do queela me diz, ela diz que eu sou igual aos outros,mas eu vou explicar uma coisa: as pessoas,quando estão conversando perto ou longe demim, fogem do assunto e começam a falar coi-sas que irritam a minha cabeça, porque essas

por sua vez são dirigidas para a minha pessoa,prova disso sou eu sentir o espírito da almadessas pessoas se dirigindo para o meu cora-ção, para o meu espírito, com tanta força queeu chego a ficar com raiva dessas pessoas.

E também quando essas pessoas estãoconversando elas começam a imitar todos osmeus pensamentos nas suas conversas, se avo-lumando na minha mente sem que eu tenhachance de raciocinar. Isso me tira a alegria deviver. Me respondam: quem não vai se irritarcom isso, eu olhando para outras pessoas nor-mais às vezes eu penso, e se fosse com elas?(Isaac, 30 anos)

DEPOIMENTO • “Coisas que irritam a minha cabeça”

Em de 2009 o poeta Ferrei-ra Gullar contou à revistaÉpoca como é ter dois fi-lhos esquizofrênicos. Leiaem revistaepoca.globo.com

Abre – Associação Brasileira de familiares, amigos e portadoresde Esquizofrenia – www.soesq.org.brFênix – Associação Pró Saúde Mental – www.fenix.org.brABP – Associação Brasileira de Psiquiatria – www.abpbrasil.org.brConvivendo com a esquizofrenia – Dr. Mário Rodrigues Louzã Neto

ONDE BUSCAR INFORMAÇÃOREVELAÇÕES

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COMO AJUDAR

O Projeto Cão-Guia e aAssociação Brasiliensede Deficientes Visuaispassam por dificuldadesfinanceiras e qualquercontribuição é bem-vin-da. Para ajudar, liguepara Michele Boptker(Cão-Guia), 9309-0100,e Justino Bastos(ABDV), 8529-0277.

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ACESSIBILIDADE

Thais Assunção

eu cão acaba de salvar a sua vida.” A frase, que chegouao deficiente visual pelo fone de ouvido, emocionou a

todos – até aos treinadores, com fama de serem durões. Foinuma estação de metrô, durante um treinamento para defi-cientes visuais se ajustarem a seus cães-guia. Para que oscegos se habituem com as dificuldades e obstáculos do dia adia, a equipe de treinadores acompanha o deficiente à dis-tância, comunicando-se pelo fone – uma espécie de ponto.

Quem dá o primeiro passo é o cão, nunca o cego. Mas,como era leigo no assunto e estava ansioso, insistindo emvão para que o cachorro fosse adiante, o deficiente andou. Areação do cão foi imediata: posicionou-se na frente do cego,impedindo-o de se mover. Assim defendeu a vida do dono,prestes a ultrapassar a linha amarela que demarca a zona desegurança próxima aos trilhos do metrô.

“Foi uma grande surpresa para nós, porque os cachorrosnão são treinados para fazer isso. Eles são ensinados apenasa andar lado a lado com o deficiente. Mas aquele cão viuque o dono ia ultrapassar a linha amarela e poderia cair nostrilhos”, conta Michele Boptker, coordenadora do Projeto Cão-Guia, coordenado pela ONG Integra, que presta assistênciaa deficientes visuais e à população carente.

“Nossos assistidos pediam ações que pudessem realmen-te melhorar alguma coisa na vida deles, então nós pesquisa-mos e chegamos à ideia do cão-guia. Conseguimos fazeruma parceria com os treinadores da Fundação Mira, no Ca-nadá, para começar o trabalho e treinar os cães”, recordaMichele. Pioneiro no país, o Projeto Cão-Guia começou em2002, com a inauguração de um centro de treinamento quefunciona no Corpo de Bombeiros do DF.

especialAmigo

Cães-guias vão muito além de ajudarna locomoção: eles mudam a vida dos

deficientes visuais ao facilitar a inclusãosocial e elevar a auto-estima

“SJustino Bastosatravessa a ruacom o labradorKlaus: mobilidade,segurança einserção social

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Quase todos consideram os cãesgrandes amigos e companheiros fieis.Mas, para os deficientes visuais, elessão muito mais que isso. Funcionárioscarinhosos, presentes 24 horas por dia,os cães-guia trabalham felizes, nãoreclamam e ainda se mostram capa-zes de mudar a realidade de seus do-nos, facilitando a tão sonhada liber-dade de locomoção. “Muitos deficien-tes visuais vivem de bolsas oferecidaspelo governo, chegam aqui deprimi-dos, sem estímulo. Mas, quando rece-bem o cão, vejo que eles se sentemmais incluídos na sociedade, sua auto-estima aumenta”, avalia Michele.“Muitos chegaram aqui sem amigos,sem namorada, e hoje estão se casan-do, cursando faculdade, passando emconcursos públicos”, conta ela.

A melhoria da qualidade de vidados deficientes visuais nasce não sódo aumento da mobilidade e da segu-rança que o cão-guia proporciona, mastambém do acesso ao estudo e à qua-lificação profissional para o mercadode trabalho, além de uma socializaçãomuito maior, com a consequente ele-vação da auto-estima.

“Se eu chegar a qualquer lugarcom bengala, as pessoas não se apro-ximam. Mas com o cachorro é diferen-te, todo mundo se interessa, acha bo-nito, engraçado, legal, e termina pu-xando conversa. Isso amplia a nossainserção social”, afirma o servidor pú-blico Silvo Góis de Alcântara. Ele nãoesconde a admiração pela sua labra-dor Nana, companheira há um ano:“Ela é minha liberdade, a garantia domeu direito de ir e vir.”

Silvo teve outro cão-guia, Zircon, queo acompanhou desde 2002: “Hoje elefica em casa, brincando e curtindo os dias

de aposentadoria”, relata. Portador deretinose pigmentar, uma doença quecausa a degeneração progressiva dos fo-torreceptores retinianos (células sensíveisà luz), Silvo conta que sua visão se redu-ziu drasticamente a partir dos 20 anosde idade: “Nunca enxerguei à noite; jánasci com retinose pigmentar, por issosempre tive cegueira noturna. Mas, aolongo dos anos, a visão diurna tambémfoi se reduzindo”, explica.

Silvo, porém, nunca se deixou aba-

ter. Servidor da Agência Reguladora deÁguas, Energia e Saneamento Básicodo Distrito Federal (Adasa), atualmen-te ele comemora a aprovação no con-curso do Tribunal de Justiça do Distri-to Federal e Territórios (TJDFT), masainda está em dúvida sobre tomar pos-se no novo cargo ou continuar ondeestá. Ele afirma que o sucesso profis-sional e os obstáculos deixados paratrás no dia a dia são reflexos do tra-balho do seu cão-guia.

Benefíciossociais eprofissionais

O servidor SilvoGóis com sua cade-la Nana: “Ela éminha liberdade”

ACESSIBILIDADE

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Silvo lamenta as dificuldades queo Projeto Cão-Guia enfrenta hoje:“Esse trabalho merece mais atençãopor parte da sociedade e do governo”,afirma. A falta de patrocínio faz comque o projeto caminhe a passos len-tos, como conta a coordenadora Mi-chele Boptker: “A falta de uma enti-dade financiadora é um ponto que di-ficulta muito o nosso trabalho”, diz.

O projeto tem parceria com o Cor-po de Bombeiros do DF, o Hospital Ve-terinário da UnB, que disponibiliza ocentro cirúrgico para os cães, duas clí-nicas veterinárias e uma pet shop, quefornece a ração. “Mas não temos apoiopara as contas mensais de água, luz,telefone e combustível, e por isso te-mos passado por muitas dificuldadeshá quatro anos”, lamenta Michele.

Com apoio financeiro e uma equi-pe fixa, seria possível entregar até 25cães-guias por ano, mas hoje o proje-

to consegue preparar apenas de qua-tro a seis cães anualmente. Micheleconta que atualmente só ela e outrofuncionário estão trabalhando, comovoluntários, e ela teme ter que aban-donar o sonho: “Já fazem três anos emeio que sou voluntária e estou aquitodos os dias, de manhã e à tarde.Meu marido me ajuda e acredita nomeu trabalho. Não tenho nenhum de-ficiente visual na família, faço isso poramor”, conta.

A meta do projeto é beneficiar atodos os deficientes visuais que pos-sam se adaptar a um cão-guia. Masnão é qualquer cão que pode cum-prir esse papel. Mesmo entre indiví-duos da mesma raça – os labradores,escolhidos por serem animais extre-mamente inteligentes e mansos – háum processo minucioso para a sele-ção dos cães ideais.

“O processo é bem complexo. Co-

meça, na verdade, antes mesmo donascimento dos cães, nas matrizesonde nós temos a qualidade genéti-ca”, explica Michele. “Após a cruza,com dois meses denascidos os filhotessão avaliados, paratermos uma noçãodo perfil deles. Deacordo com o per-fil nós os encami-nhamos à famíliahospedeira, que éresponsável pelasocialização doscães”, continua acoordenadora.

Durante um anoo jovem labradorvive com uma família provisória, ondecumpre uma rotina de saídas diáriaspara andar de ônibus e metrô, passe-ar no shopping, ir a restaurantes,

acompanhar os donos aoteatro, cinema e shows. “Éimportante que o animal sehabitue a todos esses am-bientes”, diz Michele.

Durante todo esse pro-cesso de socialização oProjeto Cão-guia acompa-nha o desenvolvimento dosfilhotes, fornece alimenta-ção, medicação e assistên-cia veterinária. “Depois deum ano os cães são devol-vidos ao projeto e passampor uma série de exames,para avaliação da parteclínica e psicológica”,afirma Michele. Em segui-da começam as “aulas”,com treinadores forma-dos no Corpo de Bombei-ros do DF. Todos eles visi-tam o Centro Mira, noCanadá, onde aprendema técnica de adestramen-to de cães-guias.

Voluntários nadam contra a maré

CARÊNCIA

Com apoio financeiroe equipe fixa, o projeto

poderia treinar até

25cães por ano, mas hoje

só entrega de 4 a 6.

O treinamento do cão-guiademora pouco mais de

2 anos.

MicheleBoptker comPorsche, umdos cães emtreinamento:falta umaentidadefinanciadora

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Justino Pereira Bastos, presiden-te da Associação Brasiliense de De-ficientes Visuais, é o que pode se cha-mar de uma pessoa hiperativa. Alémde cuidar de seus três cães (dois “do-mésticos” e Klaus, seu fiel cão-guia)ele ainda está hospedando Zeus, la-brador do Projeto Cão-Guia em pro-cesso de socialização.

“Não estou fazendo isso pormim; penso em ajudar o próximo,quero que outros deficientes visuaistambém tenham o benefício de umcão-guia. Por isso estou com quatrocachorros em casa”, afirma.

Klaus é agitado e por isso fica nacoleira durante as horas em que Jus-tino trabalha na Associação. “Se ficarsolto ele vai sair para brincar e talvezainda tente fugir”, explica. Com ZeusJustino enfrenta as dificuldades de umcachorro que ainda não se habituouà rotina diária de um ser humano.“Quando fui pegar um ônibus comele pela primeira vez, ele não entroude jeito nenhum. Tive que pegá-lo nocolo para subir. Na escada rolante foi

a mesma coisa: lá fui eu com o ca-chorro nos braços”, recorda, rindo.

Justino sofreu um processo mui-to rápido de perda de visão, em ape-nas uma semana. Hoje ele só perce-be algumas luzes e imagens embar-çadas na área central do seu cam-po visual, o que permite ainda al-guma mobilidade. Isso aconteceuem 2003; em 2004 ele conheceu oprojeto Cão-Guia e, em dezembro de2006, recebeu Klaus.

Justino acredita que a sociedadeprecisa se conscientizar melhor so-bre a realidade dos deficientes visu-ais, que hoje enfrentam muitas difi-culdades. “Eles matam um leão pordia”, ressalta, mas mesmo assim fa-zem faculdade, passam em concur-sos públicos. “Nosso trabalho na As-sociação é voltado para a garantiados direitos das pessoas com defici-ência visual. Realizamos congressos,seminários de conscientização, ofe-recemos alimentação e tambémmantemos uma pequena fábrica devassouras”, explica.

“Um leão por dia”

Tal cão, tal dono

Além do processo de socializa-ção e de treinamento, a personali-dade dos cães também pesa nabalança, na hora de ser destinado aum deficiente visual. Isso porque ocachorro e o dono precisam terperfis compatíveis, para serem bonscompanheiros de trabalho.

“Se o cachorro for agitado e odono for mais lento, a caminhadaem conjunto pode ser complicada.O mesmo acontece se se tratar deum animal tranquilo e um donoagitado. Então nós procuramosreunir perfis semelhantes, e tam-bém convidamos os deficientesvisuais para participar do treina-

mento”, explica Michele.O período de adaptação do defi-

ciente visual ao uso do cão-guiadura de 15 a 25 dias, dependendodo desenvolvimento da turma, dotipo de curso e da capacidade deaprendizado do deficiente, que per-manece hospedado no ProjetoCão-guia em período integral. Oscachorros trabalham em média deoito a dez anos. Mas Michele contaque esse período pode ser menorou até maior, dependendo do cão:“Temos uma cadela que já está hánove anos trabalhando, embora osirmãos da mesma ninhada já este-jam todos aposentados.”

Ernandes chegaao TRF guiado porAtlas: “Tenho umsentimento deirmão por ele”

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Marcos Vinicius Ribeiro, diretordo Núcleo de Apoio à Coordena-ção do Juizado Especial do DF,conta que aprendeu muito com aconvivência com um deficientevisual. Ele é o atual chefe de Er-nandes Alves Feitosa, que trabalhaacompanhado pelo cão-guia Atlas.

“Eu mudei como pessoa, inter-namente, e a minha visão sobre osdeficientes visuais também mudou.O Ernandes é muito competente,inteligente, estudioso e responsá-vel. Acho que ele se encontrouaqui no nosso setor”, comentaMarcos Vinicius.

Concursado, Ernandes passouprimeiro pela biblioteca e depoispela área de informática, antes dechegar ao Juizado Especial doTribunal Regional Federal (TRF),onde atende o público e faz peti-ções iniciais. Com um softwareadaptado às suas necessidades,Ernandes dá conta do trabalhorapidamente. E o cão-guia Atlasnão sai do seu lado. “Eu tenhoum sentimento de irmão por ele,de família mesmo”, garante.

Ernandes perdeu a visão porcausa de uma toxoplasmoseadquirida pela mãe durante agravidez. Em novembro de 2004foi selecionado no Projeto Cão-guia e recebeu Atlas. Ele contoucom o apoio do tribunal, que oliberou durante os 25 diasnecessários ao treinamentooferecido pelo Projeto.

O Atlas já tem sete anos. Quan-do o animal fica velho e se “apo-senta”, o dono tem a opção dedevolvê-lo ao Projeto. Mas Ernan-des nem pensa em fazer isso: “Eujamais o deixaria. Ele vai se apo-sentar e ficar na minha casa.”

Companheirode trabalho

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Do alto dos seus 95 anos,

o poeta Manoel de Barrosensina que o ser humanoé incompleto, e que isso não

é defeito; é qualidade.Assim como ele, muitas outraspessoas precisam ser Outras.

E são. Esta coluna publicarámensalmente histórias de genteque concilia o serviço público

com as mais diversasatividades. São atletas, chefesde cozinha, professores,

pintores, mágicos, mecânicos,músicos... A lista não tem fim.

OUTROS EUS

A maior riqueza do homemé a sua incompletude.Nesse ponto sou abastado.Palavras que me aceitam comosou – eu não aceito.Não aguento ser apenas umsujeito que abreportas, que puxa válvulas,que olha o relógio, quecompra pão às 6 horas da tarde,que vai lá fora,que aponta lápis,que vê a uva etc. etc.PerdoaiMas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homemusando borboletas.

Manoel de Barros

Thais Assunção

o TRF ele trabalha de terno e gravata,mas quando sai do tribunal o figurino

é outro: de casaco de couro, bandana e ca-pacete, Glaucio Braga Assis sobe em suamoto e ganha mundo. “De carro você vê apaisagem pela janela, mas de moto vocêfaz parte da paisagem”, diz o técnico judi-ciário. Ele conta que sempre gostou de via-jar; as primeiras aventuras foram de mo-chila pela Europa, com o irmão.

Mas a moto não rende somente aven-turas; também é fonte de inspiração para apoesia, há mais de dez anos. Glaucio co-memora agora o lançamento do seu segun-do livro, De homens, de motos e os poe-mas do fim do mundo, onde conta a histó-ria de G. Gaitero, seu pseudônimo, em umaviagem de moto pela América do Sul. Ins-piração não faltou, pois a viagem incluiuuma conquista importante: chegar aUshuaia, a cidade mais ao sul do planeta,conhecida como o “fim do mundo”.

“No final de 2008 fiz a minha mais lon-ga viagem de moto, para o Uruguai, a Ar-gentina e o Chile. Mas o mais importantefoi chegar a Ushuaia, a última cidade docontinente, a que fica mais próxima da An-tártida, no extremo sul da Argentina. A ci-dade virou uma rota de peregrinação demotoqueiros aventureiros. Encontrei ale-mães, americanos, japoneses, gente domundo inteiro. A capa do livro mostra a pla-ca Rutas Argentinas n° 3, a estrada onde sevai mais longe na América do Sul”, relata.

Glaucio conta que todos os motoquei-

Servidoron the road

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ros que participam de motoclubes têmapelido. Ele é “Gaitero” por conta desua gaita. “Fico feliz por ter um apeli-do até carinhoso, pois conheço algunsque chegam a ser piadas”, diz. Elemostra com orgulho a jaqueta de cou-ro com as conquistas realizadas em dezanos de moto, com a marca do clubeÁguia Solitária e o bordado da estra-da Rutas nº 3.

“Meu livro é uma narrativa compoemas dentro. São dois amigos. Umestá fazendo uma viagem e leva o li-

vro que o outro escreveu para ele, compoemas e histórias de motos . Ele vailendo esses poemas até o fim do mun-do, Ushuaia, o fim da linha”, explica.

A primeira viagem de moto queGlaucio fez foi para Guarapari, sozi-nho. Depois ele entrou no Águia Soli-tária, “mas nem sempre viajo com omotoclube, as vezes, ainda vou sozi-nho”, conta. Para Ushuaia ele foi comoutros quatro motociclistas.

O aventureiro servidor tem muitosplanos para o futuro próximo: “Vou

lançar um projeto de literatura estra-deira – visitar as principais capitais efeiras literárias do país levando livrosde colegas motoqueiros. É aquela coi-sa dos roads books difundida na cul-tura americana, mas ainda não se fir-mou no Brasil”, comenta.

Outro projeto é concluir a Rota 66,nos Estados Unidos, em 2012. E em2013 ele pretende conhecer “a partenorte da América do Sul, saindo deBrasília por Mato Grosso, entrando naAmazônia e indo até a Venezuela”.

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Antônio Carlos Queiroz (ACQ)

á dez anos o poeta Luiz Martinscompõe o que chama de haiqua-

dras, uma experiência que mistura for-mas poéticas do Ocidente e do Orien-te. Uma combinação de algo como ba-nana com sushi, a partir do cruzamen-to do haicai com a quadra, “a nossatrovinha espirituosa, loquaz, extrover-

tida, coloquial e convi-vencial”, como explicaLuiz, jornalista e profes-sor da UnB.

Ele me convidoupara comentar suas hai-quadras porque sabiaque eu componho hai-cais. Mas eu não tinhaideia do que ele enten-de exatamente comohaicai. Será que leva em

consideração a originalíssima forma cri-ada por Guilherme de Almeida nos anos30 e 40, que contém um título, que rimao primeiro com o terceiro verso, e quetambém rima a primeira com a últimapalavra do segundo verso? Será que elechama de haicais os poeminhas zen dePaulo Leminski, as experiências concre-tistas de Paulo Xisto e as tercetos comsacações do Millôr Fernandes? Ou seráque reserva essa classificação para aforma poética hoje cultivada na colô-

gaz e irrepetível e seu longo ou pro-fundo ecoar nas diversas cordas da sen-sibilidade e da memória.”

O que teria em comum o haicai coma trovinha brasileira? “Loquaz e extro-vertido” o haicai até pode ser, mas rara-mente. “Coloquial e convivencial” elecostuma ser frequentemente. Sua sim-plicidade exclui o preciocismo das for-mas e dos jogos de palavras. O espíritoconvivencial sempre esteve presente nasua composição, desde os tempos do pi-oneiro Matsuo Bashô. Ainda hoje hai-cais são compostos em oficinas ou lis-tas da internet que congregam muitaspessoas, umas sugerindo emendas paraaperfeiçoar o trabalho das outras.

nia japonesa e adjacências, com a obri-gatória presença do kigô, o marcadordas estações do ano?

Aprendiz quase ignorante, entendoalgo de haicai porque acompanho o tra-balho de uma autoridade reconhecidana matéria, o professor Paulo Franchet-ti, da Oeste, traduzido para o japonêspelo mestre haicaísta H. Masuda Goga,Franchetti afirma que o haicai não é,como muitos acham, uma síntese. Se-ria, “antes, uma recusa a dizer com mui-tas palavras”. “O haicai diz muito, maso faz por meio do vazio que fica entreos dois elementos justapostos ou en-tre o que é dito concretamente o quepoderia ser dito, o que fica apenas comopano de fundo ou silêncio voluntário”,explica o professor.

Segundo Franchetti, a modéstia e odespojamento são valores centrais dohaicai, que “não se satisfaz na exibi-ção de virtuosidade técnica ou capaci-dade de associação brilhante”: “Pelocontrário, é um texto que se limita vo-luntariamente a apenas situar umadada percepção sensória, objetiva, numcampo maior de referências (objetivasou subjetivas) onde ela ganhe sentidoe componha um quadro único; um tex-to que traz para o leitor a presentifica-ção de um instante como algo inaca-bado, aberto, um esboço ou um dia-grama do choque entre a sensação fu-

bananaSushi com

Poeta brasiliense mistura a loquacidadeextrovertida da trova brasileira com o

minimalismo intimista do haicai japonês

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POESIA

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Já amanhece,Na beira do cais.Seguem as aves,Orações matinais.

‘ ‘‘ ‘(Luiz Martins)

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No livro Realejo, com 49 haiquadrasde Luiz Martins, o primeiro elementoque me chamou a atenção foi a pre-sença de títulos. Eles costumam restrin-gir (ou dirigir) o sentido dos poemas.Haicais tradicionais não têm títulos epor isso ficam mais abertos ao enten-dimento do leitor. Também não costu-mam ter rimas, elementos que contri-buem para circunscrever sentidos.

Depois de ler as primeiras haiqua-dras, descortinei uma solução para odesafio de comentá-los: fazer os comen-tários na forma de haicais! Afinal, “não

é outro poema a melhor crítica de umpoema”, como disse o músico e poetaJohn Cage? Mas como fazer isso? Dasduas uma: ou enxugando as haiquadras(pressupondo que elas contenham hai-cais no seu interior) ou delas tirando pelomenos a inspiração para compor haicais.

Pondo mãos à obra, deparei-mecom a haiquadra intitulada Intervalo:

Operários,Após o almoço,Primeiro, baralho;Depois dominó.

Percebi que era possível fazer aquium simples enxugamento. Apenas tro-quei a palavra “operários” por “pe-ões” para reduzir a quadrinha às trêslinhas do haicai, sem, porém, respei-tar o tradicional número de cinco síla-bas na primeira linha, sete na segun-da e cinco na terceira dos haicais (for-malidade que, aliás, não tem granderelevância):

Peões após o almoço –Primeiro, baralho;Depois dominó.

Leituras, releituras e comentários

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A meu juízo, o terceto ficou comjeito e sabor de haicai, ainda queisento de um kigô, o marcador daestação do ano, podendo a cena sertestemunhada em qualquer época.Exercício semelhante fiz com a hai-quadra Nascente:

Chuva caindoTelhado abaixo.O mar começaNo meu riacho.

Chama a atenção o jogo confe-rido à quadrinha pelas rimas “abai-xo” e “riacho”, em que o autor, pe-remptório, afirma que o mar come-ça na porta de sua casa. O sabor pre-sente no haicai derivado é de outranatureza, proporcionado pelo cho-que da imensidão do oceano:

Olhando da praiaNem parece que esse marNasce no meu riacho

Um exercício diferente foi feitocom a haiquadra Aurora, título que,na minha opinião, é redundante,nesse caso não contribuindo paraexpandir nem para restringir o sen-tido do poema:

Já amanhece,Na beira do cais.Seguem as aves,Orações matinais.

O quadro é a contemplação domar ao amanhecer com um vôo depássaros e orações. Talvez o movi-mento das aves seja a própria ora-ção. De maneira subjetiva, o autorindica os sentidos da quadrinha. Emprincípio, essa atitude (que denotaum juízo categórico) é estranha aoespírito do haicai, mais objetivo eavesso às metáforas, e no qual pre-valece o chamado juízo tético, emque a realidade acontece à vista dohaicaísta e é por ele descrita de ma-neira objetiva. Tomando alguns ele-mentos da quadrinha como tema,

compus o haicai seguinte, que dia-loga com a quadrinha, mas tem sen-tido muito mais aberto:

De manhã, seis garçasPousam no campanário –Uma fica no cais

Tratamento parecido foi dado àhaiquadra Providência, título que ob-viamente circunscreve a sua leituraa uma alegre cena doméstica:

Um velho troncoÉ toda mobília.Sonoros besourosE suas famílias.

O haicai daí tirado, de sentidomais aberto, coteja duas situaçõesdiferentes:

No velho troncoBesouros em profusão –Um sabiá observa

Na haiquadra Infinitude, o autorbrinca tanto com as rimas como coma reiteração “bem perto” e “do meulado”, e ressalta, à guisa de kigô, ouso da palavra estio:

Tempo de estio,Noite estrelada.O céu bem perto,Aqui, do meu lado.

Com o mesmo tema, saiu o se-guinte haicai, mais econômico e ob-jetivo:

Tempo de seca –O céu cheio de estrelasQuase toca o chão

Simulacros é uma haiquadra cujagraça é sublinhada por dois conjun-tos de rimas no arranjo abba:

Imóvel no jardim,Parecia a garça,Com muita graça,De gesso ou marfim.

O haicai derivado de Simulacrostambém é bem-humorado, mas poroutro motivo:

Uma garça pousaPerto de outra no jardim –Essa é de gesso

Em Marina, o autor compõe umquadro impressionista com os ele-mentos tradicionais da beira-mar e,de novo, faz graça com o jogo derimas, desta vez no arranjo abab:

Primeiros raios,Mar, céu, montes.Barquinho solitário,Linha do horizonte.

O haicai extraído ficou muito pa-recido com o original, mas o tom dehumor sai não de um jogo de pala-vras, mas do choque dos elementospresentes e um ausente:

Primeiros raios,O mar, o céu, os montes –Só falta um barquinho

Os Pioneiros de Brasília é o temade outra haiquadra impressionista,com certo sabor de haicai e até kigô:

Álbum, família.No tempo do barro,A cidade marrom,Sonhos em sépia.

No formato de haicai, mais en-xuto, o quadro ficou assim:

Fotos em sépia –Brasília tinha essa corNo tempo do barro

Borrões descreve uma comuni-dade cigana:

Crepúsculo, matizes.Acampamento cigano.Crianças felizes,Cavalos e estrumes.

De novo, bastou um enxugamen-to e o acréscimo de certa ironia:

POESIA

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Crianças brincandono acampamento cigano –Um cavalo caga

Baú trata de reminiscências, evo-cadas quase que de maneira hierár-quica, assinaladas pelas rimas abab,com pouco sabor de haicai:

Vasta memória,Ingênuos remorsos.Hoje, história,Arquivos mortos.

Insuflando no quadro o espíritodo haicai, o resultado tem graça:

Algumas lembrançasSe vão, mas depois voltam –Ah! Traças preguiçosas!

A haiquadra seguinte, decupa-da de um encadeamento com ou-tras cinco (Minicrônicas pra Concei-ção), tem sabor de haicai, sem dúvi-da. Nela, porém, sobressaem muitomais os jogos de palavras, presen-tes nas rimas internas “tanto/can-tando”, nas externas “ouvir/bem-te-vi” e “cor/coro”, e nas construçõescastiças “os ouvir” e “os sei”, quelhe dão o gosto clássico da trova:

De tanto os ouvir(Sabiá e Bem-te-vi)Já os sei de cor,Cantando no coro.

Muito mais comedido ficou ohaicai daí extraído:

De tanto ouvirJá decorei as melodiasDo sabiá da quadra

O que se pode concluir dessesexercícios? Que as haiquadras deLuiz Martins são construções muitovivas. Ligadas à tradição que herda-mos principalmente dos trovadoresportugueses, elas se enriquecemcom a mistura dos poemetos de ori-gem japonesa, que tão bem se acli-mataram no Brasil, nas suas diver-sas vertentes.IG

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Chuva caindoTelhado abaixo.O mar começaNo meu riacho.

‘ ‘‘ ‘(Luiz Martins)

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Eu espero que os servidoresconsigam mudar a realidade.

Wesley Azevedo Santos

Temos que mobilizartoda a categoria e

mostrar a nossa força.Antônio Vieira da Silva

Não ganhamos nada degraça, temos que lutar.

Joaneide Ferreirada Silva Ramos

O caminho é a tentativade diálogo e, se não for

possível, é greve mesmo.Thawyo Rosenthal

É preciso união para que amobilização seja efetiva. Temos

que pensar em conjunto.Daniela Pires Cardoso

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PCCRUma luta de

todos nós

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