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Notas de aula de Física Moderna II Sistemas de muitas partículas Marina Nielsen Fernando Navarra Gabriel T. Landi Primeiro semestre de 2010

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Notas de aula de Física Moderna IISistemas de muitas partículas

Marina NielsenFernando NavarraGabriel T. Landi

Primeiro semestre de 2010

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1 Partículas idênticas

Para uma partícula, a função de onda Ψ(r, t) é função das coordenadasespaciais r e do tempo t (ignorando o spin por enquanto). A função de ondade um sistema de duas partículas é função das coordenadas r1 da partícula1, das coordenadas r2 da partícula 2 e do tempo:

Ψ(r1, r2, t) (1)

A evolução temporal é determinada (como sempre) pela equação de Schrö-dinger:

ih̄∂Ψ

∂t= HΨ, (2)

onde H é a Hamiltoniana do sistema:

H = − h̄2

2m1∇2

1 −h̄2

2m2∇2

2 + V (r1, r2, t) (3)

(o índice no ∇ indica a diferenciação com respeito as coordenadas da partí-cula 1 ou 2.) A interpretação estatística segue de maneira usual:

|Ψ(r1, r2, t)|d3r1d3r2 (4)

é a probabilidade de encontrar a partícula 1 no volume d3r1 e a partícula 2no volume d3r2. Assim, a normalização da função de onda é tal que:∫

|Ψ(r1, r2, t)|d3r1d3r2 = 1 (5)

Para potenciais que não dependem do tempo, encontramos um conjuntocompleto de soluções através da separação de variáveis:

Ψ(r1, r2, t) = ψ(r1, r2)e−iEt/h̄, (6)

onde a função de onda espacial (ψ) satisfaz equação de Schrödinger indepen-dente do tempo:

− h̄2

2m1∇2

1ψ −h̄2

2m2∇2

2ψ + V (r1, r2) = Eψ, (7)

e E é a energia total do sistema.

1.1 Bósons e Férmions

Suponha que a partícula 1 esteja no estado (de uma partícula) ψa(r) e apartícula 2 esteja no estado ψb(r). Neste caso, ψ(r1, r2) será simplesmenteo produto:

ψ(r1, r2) = ψa(r1)ψb(r2) (8)

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Obviamente, estamos assumindo que podemos distinguir entre as partículas– caso contrário, não faria sentido algum afirmar que o número 1 está noestado ψa e o número 2 está no estado ψb; tudo que poderíamos dizer é queuma das partículas estaria no estado ψa e a outra estaria no estado ψb, masnão saberíamos dizer qual é qual. Na mecânica clássica isso é uma objeçãobastante boba: você sempre pode distinguir as partículas, em princípio –simplesmente pinte uma delas de vermelho e a outra de azul, ou identifique-ascom números, ou contrate um detetive particular para seguí-las de um ladopara o outro. Mas em mecânica quântica a situação é fundamentalmentediferente: você não pode pintar um elétron de vermelho ou numerá-lo e ainvestigação do detetive irá, inevitavelmente, alterar o estado do sistema deforma imprevisível gerando uma dúvida se, em algum momento, as partículastrocaram de lugar. O fato é, todos os elétrons são absolutamente idênticosde uma forma tal que objetos clássicos nunca serão. Não é simplesmente ofato de que nós não sabemos qual elétron é qual; Deus não sabe qual é qualporque não faz sentido falar em “este” elétron ou “aquele” elétron; podemosfalar apenas sobre “um” elétron.

A mecânica quântica acomoda a existência de partículas que são emprincípio indistinguíveis de forma bastante interessante: nós construímosuma função de onda que é transparente ao fato de qual partícula e qual. Naverdade, há duas maneiras de fazer isso:

ψ±(r1, r2) = A [ψa(r1)ψb(r2)± ψb(r1)ψa(r2)] (9)

Assim, a teoria admite dois tipos de partículas idênticas: bósons para osquais usamos o sinal de mais e férmions para os quais usamos o sinal de me-nos. Fótons e mésons são bósons; prótons, nêutrons e elétrons não férmions.O que ocorre é que:{

Todas as partículas com spin inteiro são bósonsTodas as partículas com spin semi-inteiro são férmions (10)

Esta relação entre spin e “estatística” (como veremos, bósons e férmions tempropriedades estatísticas bastante distintas) pode ser provada em mecânicaquântica relativística; em mecânica quântica não-relativística, ela deve sertomada como um axioma.

Segue, em particular, que dois férmions idênticos (por exemplo, doiselétrons) não podem ocupar o mesmo estado pois caso isso fosse verdade,ψa = ψb e

ψ−(r1, r2) = A [ψa(r1)ψa(r2)− ψa(r1)ψa(r2)] = 0,

de tal forma que sobraríamos sem nenhuma função de onda. Este é o famosoprincípio de exclusão de Pauli. Não é (como você poderia eventualmenteter vindo a acreditar) uma suposição bizarra que se aplica apenas a elétrons.

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Ele é, na verdade, uma consequência de regras utilizadas para construirfunções de onda de duas partículas e se aplica a todos os férmions idênticos.

Assumimos que uma partícula estava no estado ψa e a outra no estado ψb

mas há uma forma mais geral de abordar o problema. Definamos o operadorde troca P que intercambia uma partícula com a outra:

Pf(r1, r2) = f(r2, r1) (11)

Claramente, P 2 = 1 e segue (tente provar) que os autovalores de P são ±1.Se duas partículas são idênticas, o Hamiltoniano tem de trata-las da mesmaforma: m1 = m2 e V (r1, r2) = V (r2, r1). Segue portanto que P e H sãomutualmente observáveis:

[P,H] = 0, (12)

e podemos portanto achar um conjunto completo de funções que são, simul-taneamente, autoestados de ambos. Isso significa dizer que podemos acharsoluções da equação de Schrödinger que são simétricas (autovalor +1) ouanti-simétricas (autovalor −1) com relação a troca:

ψ(r1, r2) = ±ψ(r2, r1) (+ para bósons e - para férmions) (13)

Além disso, se um sistema começa em um certo estado, ele permaneceráneste estado. A nova regra (iremos chamá-la de requerimento para si-metrização) é então que para partículas idênticas, a função de onda nãorepresenta apenas estados possíveis mas sim estados obrigatórios que satis-façam a equação (13) com o sinal de mais para bósons e o sinal de menospara férmions. Este é o argumento generalizado para o qual a equação (9) éum caso particular.

1.2 Forças de troca

Para dar-lhe um certo sentido de qual o papel deste requerimento de sime-trização, trabalhemos um problema simples unidimensional. Suponha queuma partícula está no estado ψa(x) e a outra no estado ψb(x) de tal formaque ambos os estados são ortogonais e normalizados. Se as partículas foremdistinguíveis e o número 1 dizer respeito a partícula no estado ψa, então afunção de onda composta será:

ψ(x1, x2) = ψa(x1)ψb(x2); (14)

se forem bósons idênticos,. a função de onda composta será

ψ+(x1, x2) =1√2

[ψa(x1)ψb(x2) + ψb(x1)ψa(x2)] , (15)

e se forem férmions idênticos teremos

ψ−(x1, x2) =1√2

[ψa(x1)ψb(x2)− ψb(x1)ψa(x2)] , (16)

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Calculemos então o valor esperado do quadrado da separação entre ambasas partículas:

〈(x1 − x2)2〉 = 〈x21〉+ 〈x2

2〉 − 2〈x1x2〉 (17)

Caso 1: partículas distinguíveis. Teremos, da equação (14),

〈x21〉 =

∫x2

1|ψa(x1)|2dx1

∫|ψb(x2)|2dx2 = 〈x2〉a (18)

(o valor esperado de x2 no estado ψa),

〈x22〉 =

∫|ψa(x1)|2dx1

∫x2

2|ψb(x2)|2dx2 = 〈x2〉b, (19)

e〈x1x2〉 =

∫x1|ψa(x1)|2dx1

∫x2|ψb(x2)|2dx2 = 〈x〉a〈x〉b (20)

Neste caso,〈(x1 − x2)2〉 = 〈x2〉a + 〈x2〉b − 2〈x〉a〈x〉b (21)

(Obviamente, a resposta seria exatamente a mesma caso a partícula 1 esti-vesse em ψb e a partícula 2 em ψa.)

Caso 2: partículas idênticas. Para as funções de onda das equações(15) e (16) temos

〈x21〉 = 1

2

[∫x2

1|ψa(x1)|2dx1

∫|ψb(x2)|2dx2

+∫x2

1|ψb(x1)|2dx1

∫|ψa(x2)|2dx2

±∫x2

1ψa(x1)∗ψb(x1)dx1

∫ψb(x2)∗ψa(x2)dx2

±∫x2

1ψb(x1)∗ψa(x1)dx1

∫ψa(x2)∗ψb(x2)dx2

]= 1

2

[〈x2〉a + 〈x2〉b ± 0± 0

]= 1

2

(〈x2〉a + 〈x2〉b

)Analogamente,

〈x22〉 =

1

2

(〈x2〉b + 〈x2〉a

)(Naturalmente, 〈x2

1〉 = 〈x22〉 uma vez que você não podemos distinguir entre

as partículas.) Mas:

〈x1x2〉 = 12

[∫x1|ψa(x1)|2dx1

∫x2|ψb(x2)|2dx2

+∫x1|ψb(x1)|2dx1

∫x2|ψa(x2)|2dx2

±∫x1ψa(x1)∗ψb(x1)dx1

∫x2ψb(x2)∗ψa(x2)dx2

±∫x1ψb(x1)∗ψa(x1)dx1

∫x2ψa(x2)∗ψb(x2)dx2

]= 1

2 [〈x〉a〈x〉b + 〈x〉b〈x〉a ± 〈x〉ab〈x〉ba ± 〈x〉ab〈x〉ba]

= 〈x〉a〈x〉b ± |〈x〉ab|2,

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onde〈x〉ab ≡

∫xψa(x)∗ψb(x)dx (22)

Evidentemente

〈(x1 − x2)2〉± = 〈x2〉a + 〈x2〉b − 2〈x〉a〈x〉b ∓ 2|〈x〉ab|2. (23)

Comparando as equações (21) e (23) vemos que a diferença reside notermo final:

〈(∆x)2〉± = 〈(∆x)2〉d ∓ 2|〈x〉ab|2; (24)

bósons idênticos (sinal de mais) tendem a estar um pouco mais próximosque partículas distinguíveis ao passo que férmions idênticos (sinal de menos)tendem a estar mais afastados. Note que 〈x〉2ab se anula a não ser que hajauma superposição das funções [Se ψa(x) for nulo quando ψb(x) não for, aintegral da equação (22) se anula.] Assim, se ψa representa um elétron emSão Paulo e ψb representa um elétron no Rio de Janeiro, não faz a menordiferença se você anti-simetrizar a função de onda ou não. De forma prática,é razoável então fingir que elétrons com funções de onda não sobrepostassão distinguíveis (de fato, essa é a única coisa que faz com que físicos equímicos possam progredir pois, em princípio, todos os elétrons do universoestão relacionados com todos os outros através da anti-simetrização de suasfunções de onda, e se isso fosse da fato importante, você não poderia falar emum elétron a não ser que estivesse preparado a lidar com todos os outros!)

O caso interessante é quando de fato há uma superposição das funçõesde onda. O sistema haje como se houvesse uma “força atrativa” entre bósonsidênticos, puxando-os um em direção ao outro, e uma “força repulsiva” entreférmions idênticos separando-os. Essa força é chamada de força de trocaapesar de não ser de fato uma força - nenhuma entidade física está agindo naspartículas; ela é na verdade uma consequência puramente geométrica do re-querimento da simetrização. É também um fenômeno estritamente quânticosem um análogo clássico. Mesmo assim, suas consequências são profundas.Considere, por exemplo, a molécula de hidrogênio (H2). De certa forma, oestado fundamental consiste em um elétron no estado fundamental atômicocentrado no núcleo 1 e um elétron no estado fundamental atômico centradono núcleo 2. Se elétrons fossem bósons, o requerimento da simetrização (ou,caso prefira, a “força de troca”) tenderia a concentrar os elétrons no pontomédio entre os dois núcleos (figura 1(a)) de tal forma que a acumulação ne-gativa de carga atrairia os prótons para o meio. Isso explicaria a ligaçãocovalente que é responsável por manter as moléculas ligadas. Infelizmente,elétrons não são bósons, eles são férmions, o que significa que a concentraçãode carga negativa deverá ocorrer nas bordas da molécula destruindo-a (figura1(b))!

Mas espere! Nos estamos ignorando o spin. O estado completo do elétroncorresponde não apenas a sua função de onda mas também a um espinor que

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Figura 1: Figura esquemática da ligação covalente: (a) Uma configuraçãosimétrica produz uma força atrativa; (b) uma configuração anti-simétricaproduz uma força repulsiva.

descreve a orientação do seu spin:

ψ(r)χ(s) (25)

Quando estamos falando do sistema de duas partículas, é o estado completoe não apenas a função espacial que tem que ser anti-simétrica com respeitoa troca. Agora, se nos recordarmos dos estados compostos de spin, vemosque a combinação referente ao singleto é anti-simétrica (de tal forma queteria de estar junta a uma função espacial simétrica) ao passo que o tripletoé simétrico (precisando portanto de uma função de onda anti-simétrica).Evidentemente, então, o estado do singleto deve nos levar a uma ligação e otripleto a uma anti-ligação. Com certeza, os químicos nos dirão que a ligaçãocovalente requer dois elétrons ocupando o estado do singleto com spin zero.

2 Átomos

Um átomo neutro, com número atômico Z, consiste em um núcleo pesadocom carga Ze rodeado por Z elétrons (massam e carga −e). A hamiltonianapara este sistema é:

H =Z∑

j=1

{− h̄2

2m∇2

j −(

1

4πε0

)Ze2

rj

}+

1

2

(1

4πε0

) Z∑j,k(j 6=k)

e2

|rj − rk|(26)

O termo entre as chaves representa a energia cinética mais a energia potencialpara o elétron j sob a influência do campo elétrico do núcleo. A segundasomatória (que corre sobre todos os valores de j e k, exceto quando j = k)é a energia potencial associada a repulsão mútua dos elétrons (o fator 1/2na frente foi posto para corrigir o fato de que a soma considera cada par j, kduas vezes). O problema é então resolver a equação de Schrödinger

Hψ = Eψ, (27)

para a função de onda ψ(r1, r2, . . . , rZ). No entanto, pelo fato dos elétronsserem férmions idênticos, nem todas as soluções são aceitáveis; serão aceitas

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apenas aquelas onde o estado completo (posição e spin),

ψ(r1, r2, . . . , rZ)χ(s1, s2, . . . , sZ) (28)

for anti-simétrico com respeito ao intercâmbio de cada par de elétrons. Emparticular, dois elétrons não podem ocupar o mesmo estado.

Infelizmente, a solução da equação de Schrödinger para o Hamiltonianoda equação (26) não pode ser resolvido exatamente exceto para o caso maissimples; o átomo de hidrogênio. Na prática, é necessário utilizar métodosaproximados sofisticados que fogem do escopo deste curso.

2.1 Hélio

Fora o hidrogênio, o átomo mais simples na natureza é o hélio (Z = 2). AHamiltoniana,

H =

{− h̄2

2m∇2

1 −1

4πε0

2e2

r1

}+

{− h̄2

2m∇2

2 −1

4πε0

2e2

r2

}+

1

4πε0

e2

|r1 − r2|,

(29)consiste de dois Hamiltonianos hidrogenóides (com carga nuclear 2e), umpara o elétron 1 e outro para o elétron 2, junto com um termo final quedescreve a repulsão entre os dois elétrons. É este último termo que causatantos problemas. Se simplesmente ignorarmos ele, a equação de Schrödingerse separa e as soluções podem ser escritas como o produto de duas funçõeshidrogenóides,

ψ(r1, r2) = ψnlm(r1)ψn′l′m′(r2), (30)

cada uma com metade do raio de Bohr e quatro vezes a energia de Bohr. Aenergia total seria

E = 4(En + En′) (31)

onde En = −13, 6/n2 eV. Em particular, o estado fundamental será

ψ0(r1, r2) = ψ100(r1)ψ100(r2) =8

πa3e−2(r1+r2)/2 (32)

e a energia seriaE0 = 8(−13, 6 eV) = −109 eV (33)

Como ψ0 é uma função simétrica, o estado de spin tem que ser anti-simétricoo que significa que o estado fundamental do hélio é um singleto. De fato issoé observado mas, no entanto, a energia determinada experimentalmente é−78, 975 eV; ou seja, a nossa teoria não é muito boa. Mas isso não é umasurpresa; nós ignoramos a repulsão entre os elétrons que é, sem a menordúvida, uma contribuição não desprezível.

Os estados excitados do hélio consistem em um elétron no estado hidro-genóide fundamental e outro elétron no estado excitado:

ψnlmψ100 (34)

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[Caso você tente por os dois elétrons em estados excitados, um deles imedia-tamente decai para o estado fundamental, liberando energia suficiente paraarremessar o outro elétron para o contínuo (E > 0), o que resulta no íonde hélio (He+) e um elétron livre. Este é um sistema interessante, mas nãoo que estamos interessados no momento.] Podemos construir para este es-tado funções simétricas e anti-simétricas; a primeira terá uma configuraçãode spin anti-simétrica (singleto) e é chamada de parahélio ao passo quea última tem uma configuração simétrica de spin (tripleto) e é chamada deorthohélio. O estado fundamental é, necessariamente, parahélio; os estadosexcitados podem vir de ambas as formas. Pelo fato de que o estado espa-cial simétrico trás consigo elétrons mais próximos uns dos outros, é naturalesperar uma energia de interação mais elevada para o parahélio, o que e defato verificado experimentalmente (vide figura 2).

2.2 A tabela periódica

A configuração eletrônica no estado fundamental de todos os outros átomospode ser montada de uma forma bastante parecida. Em primeira aproxi-mação (ignorando a repulsão mútua), cada elétron ocupará estados hidro-genóides de uma partícula (n, l,m), chamados de orbitais, sob a influênciado potencial Coulombiano do núcleo cuja carga é Ze. Se os elétrons fossembósons (ou partículas distinguíveis), eles convergiriam todos para o estadofundamental (1, 0, 0), e não haveria nada para ser estudado na química. Masos elétrons são, de fato, férmions idênticos sujeitos ao princípio da exclusãode Pauli de tal forma que apenas dois podem ocupar um dado orbital (umcom spin para cima e outro com spin para baixo – ou, mais precisamente,na configuração do singleto). Existem n2 funções de onda hidrogenóides(todas com a mesma energia En) para um dado valor de n; portanto a ca-mada com n = 1 comporta dois elétrons, a camada com n = 2 comportaoito, n = 3 comporta 18 e, generalizando, a n-ésima camada pode acomodar2n2 elétrons. Qualitativamente, as linhas horizontais da tabela periódicacorrespondem ao preenchimento destas camadas (se fosse apenas isso, elasteriam comprimento 2, 8, 18, 32, 50, etc., ao contrário de 2, 8, 8, 18, 18, etc.;veremos em instantes como a repulsão entre os elétrons altera a contagem).

No hélio a camada n = 1 está preenchida de tal forma que o próximoátomo, o lítio (Z = 3), tem que ter um elétron na camada n = 2. Mas, paran = 2 é possível que tenhamos l = 0 ou l = 1; qual destes estados o elétronirá escolher? Na ausência de interações elétron-elétron, ambos os estadospossuem a mesma energia (lembre-se, a energia de Bohr depende apenasde n e não de l). Mas, o efeito da repulsão elétron-elétron é de favorecero estado com menor valor de l, pela seguinte razão: o momento angulartende a expelir o elétron para fora (mais precisamente, o valor esperado der aumenta com o aumento de l, para um dado n), e quão mais longe umelétron for, mais efetivamente os elétrons da camada interna blindarão o

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Figura 2: Diagrama de níveis de energia para o hélio. Note que as energiasdo parahélio são uniformemente maiores que as energias do orthohélio. Osvalores numéricos na escala vertical são relativas ao estado fundamental dohélio ionizado (He+): 4×(−13, 6 eV) = −54, 4 eV; para obter a energia totaldo estado, subtraia 54, 4 eV.

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núcleo (os elétrons mais internos “enxergam” o potencial total do núcleo (Ze)ao passo que os elétrons mais externos enxergam um potencial efetivo queé menor que Ze). Em uma mesma camada, portanto, o estado de menorenergia será o estado com l = 0 e a energia aumenta com o aumento del. Assim, o terceiro elétron no lítio ocupará o orbital (2, 0, 0). O próximoátomo (berílio com Z = 4) também se encaixa neste estado, mas com spinsopostos, mas o boro (Z = 5) tem que usar o estado l = 1.

Continuando dessa forma, chegamos no neônio (Z = 10) para o qual acamada n = 2 já está cheia; avançamos então para a próxima linha da tabelaperiódica e começamos a popular os estados com n = 3. Primeiro, temosdois átomos (sódio e manganês) com l = 0, e em seguida seis com l = 1 (doalumínio ao argônio). Após o argônio esperaríamos 10 átomos com n = 3 el = 2; no entanto, neste ponto a blindagem do núcleo já é tão poderosa queconsegue sobrepor a próxima camada. Dessa forma, o potássio (Z = 19) e ocálcio (Z = 20) escolhem o orbital com n = 4, l = 0 ao invés do n = 3, l = 2.Em seguida, retornamos para o n = 3, l = 2 (do escândio ao zinco), seguidospelo n = 4, l = 1 (gálio ao criptônio). Neste ponto fazemos novamente umpulo prematuro para a próxima linha com n = 5 e esperamos até depois parapreenchermos os estados l = 2 e l = 3 da camada com n = 4.

Seria delinquência da minha parte não mencionar a nomenclatura arcaicados estados atômicos uma vez que os químicos a usam e os físicos também.Por razões que remetem dos espectroscopistas do século XIX, l = 0 é cha-mado de s (do inglês “sharp”), l = 1 de p (de “principal”), l = 2 de d (“difusa”)e l = 3 de f (“fundamental”); após l = 3 eles, aparantemente, perderam aimaginação pois dai em diante a lista continua em ordem alfabética (g, h,i, etc.). 1 O estado particular de um elétron é representado pelo par nl,com n (o número) indicando a camada e l (a letra) especificando o momentoangular orbital; o número quântico magnético (m) não é listado, mas umexpoente é utilizado para indicar o número de elétrons que ocupam o estadoem questão. Assim, a configuração

(1s)2(2s)2(2p)2 (35)

nos diz que este átomo possui dois elétrons no orbital (1,0,0), dois no orbi-tal (2, 0, 0) e dois em alguma combinação dos orbitais , (2, 1, 0), (2, 1, 1) e(2, 1,−1). Este é o estado fundamental do carbono.

Neste exemplo, existem dois elétrons com momento angular orbital 1,de tal forma que o momento angular orbital L (L maiúsculo para indicar omomento angular total) pode ser 2, 1 ou 0. Enquanto isso, os dois elétrons(1s) estão fixos no estado singleto com spin total zero da mesma forma que oselétrons no estado (2s). No entanto, os dois elétrons no estado (2p) podem seencontrar no estado de singleto ou tripleto. Dessa forma, o spin total S pode

1As camadas são representadas também por letras: a camada K é a que tem n = 1, acamada L tem n = 2, a camada M tem n = 3, etc.

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ser 1 ou 0. Evidentemente, o momento total (orbital mais de spin) J poderáser 3, 2, 1 ou 0. Existem rituais (regras de Hund) para se descobrir quaisserão estes valores para cada átomo. O resultado é descrito pelo seguintehieroglifo:

2S+1LJ (36)

(onde S e J são os números e L a letra – maiúscula dessa vez pois estamosfalando de valores totais). O estado fundamental do carbono é 3P0: o spintotal é 1 (daí o 3), o momento angular orbital é 1 (daí o P ), e o momentoangular total é zero (daí o 0). Na figura 3 listamos as configurações e omomento angular total dos átomos nas quatro primeiras linhas da tabelaperiódica.

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Figura 3: Configurações eletrônicas do estado fundamental dos átomos nasprimeiras quatro linhas da tabela periódica.

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3 Sólidos

Em sólidos, alguns dos elétrons de valência mais fracamente ligados se des-prendem de seus átomos se tornando livres para viajarem pelo material, nãosujeitos mais apenas ao potencial de um átomo mas ao potencial combinadode toda a rede cristalina. Nesta seção iremos examinar dois modelos ex-tremamente primitivos: primeiro, a teoria de elétrons livres de Sommerfeld,que ignora todas as forças (exceto nas bordas do sólido), tratando os elétronscomo partículas livres em uma caixa (o análogo tri-dimensional de um poçode potencial infinito); em seguida, a teoria de Bloch, que introduz um po-tencial periódico representando a atração elétrica dos núcleos, positivamentecarregados e periodicamente espaçados, sobre os elétrons (ainda ignorandoa repulsão elétron-elétron). Estes modelos são apenas pequenos passos emdireção a um estudo completo da teoria quântica dos sólidos mas, mesmoassim, revelam o papel fundamental do princípio de exclusão de Pauli queé responsável por explicar a “solidez” dos sólidos e providenciar informaçõessobre as propriedades elétricas de condutores, semicondutores e isolantes.

3.1 O gás de elétrons livres

Suponha que o objeto em questão é um sólido retangular com dimensões lx,ly e lz e imagine que os elétrons dentro dele não sofrem nenhuma força excetopelas barreiras impenetráveis nas bordas do sólido:

V (x, y, z) =

0, se (0 < x < lx, 0 < y < ly, 0 < z < lz);

∞, caso contrário(37)

A equação de Schrödinger,

− h̄2

2m∇2ψ = Eψ

pode ser separada em coordenadas cartesianas: ψ(x, y, z) = X(x)Y (y)Z(z),onde

− h̄2

2m

d2X

dx2= ExX, − h̄2

2m

d2Y

dy2= EyY, − h̄2

2m

d2Z

dz2= EzZ,

com E = Ex + Ey + Ez. Escrevendo

kx ≡√

2mEx

h̄, ky ≡

√2mEy

h̄, kz ≡

√2mEz

h̄,

obtemos a solução geral

X(x) = Ax sin(kxx) +Bx cos(kxx)

Y (y) = Ay sin(kyy) +By cos(kyy)

Z(z) = Az sin(kzz) +Bz cos(kzz)

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As condições de contorno exigem que X(0) = Y (0) = Z(0) = 0, de tal formaque Bx = By = Bz = 0, e X(lx) = Y (ly) = Z(lz) = 0 o que implica em

kxlx = nxπ, kyly = nyπ, kzlz = nzπ, (38)

onde cada n corresponde a um inteiro positivo:

nx = 1, 2, 3, . . . , ny = 1, 2, 3, . . . , nz = 1, 2, 3, . . . (39)

As funções de onda já normalizadas são

ψnx,ny ,nz =

√8

lxlylzsin

(nxπ

lxx

)sin

(nyπ

lyy

)sin

(nzπ

lzz

), (40)

e as energias permitidas são

Enx,ny ,nz =h̄2π2

2m

(n2x

l2x+n2y

l2y+n2z

l2z

)=h̄2k2

2m, (41)

onde k é a magnitude do vetor de onda k = (kx, ky, kz).Se você imaginar um espaço tri-dimensional com eixos kx, ky e kz e planos

desenhados em kx = (π/lx), (2π/lx), (3π/lx), . . ., em ky = (π/ly), (2π/ly), (3π/ly), . . .e em kz = (π/lz), (2π/lz), (3π/lz), . . ., cada ponto de intersecção represen-tará então estados estacionários distintos de uma partícula (figura 4). Cadabloco, e consequentemente cada estado permitido, ocupa um volume

π3

lxlylz=π3

V(42)

no “espaço-k”, onde V ≡ lxlylz é o volume espacial do sólido. Suponhaagora que tenhamos N átomos, cada um contribuindo q elétrons livres. (Naprática, N será enorme – da ordem do número de Avogadro – para um sólidomacroscópico.) Se os elétrons fossem bósons (ou partículas distinguíveis),eles tenderiam todos a ficar no estado fundamental ψ1,1,1.2 No entanto,elétrons são férmions idênticos sujeitos ao princípio da exclusão de Pauli oque implica que apenas dois elétrons podem ocupar um certo estado. Elespreencherão então um oitavo da esfera do espaço-k com raio kF determinadopelo fato de que cada par de elétrons necessita um volume π3/V (equaçãoacima):3

1

8

(4

3πk3

F

)=Nq

2

(π3

V

)2Estou assumindo que não haja nenhuma excitação térmica ou qualquer outro tipo

de perturbação que seja capaz de excitar os elétrons do sólido para estados diferentes doestado fundamental.

3Eles preencherão apenas um oitavo da esfera pois este corresponde a região comkx, ky, kz > 0. Além disso, como N é muito grande, não precisamos se preocupar com ofato de que os estados preenchidos não correspondem exatamente a uma esfera lisa.

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Figura 4: Gás de elétrons livres. Cada interseção representa um estado deenergia permitido. O sombreado indica um bloco; há um estado para cadabloco.

Isso implica quekF = (3ρπ2)1/3, (43)

ondeρ ≡ Nq

V(44)

é a densidade de elétrons livres (o número de elétrons livres por unidadede volume – cuidado, q não é uma carga elétrica mas sim a quantidade deelétrons livres fornecidos por cada átomo).

A fronteira separando estados ocupados e desocupados, no espaço-k, échamada de superfície de Fermi (daí o índice F ). A maior energia ocu-pada é chamada de energia de Fermi EF ; evidentemente, para um gás deelétrons livres,

EF =h̄2

2m(3ρπ2)2/3 (45)

A energia total do gás de elétrons pode ser calculada da seguinte forma: umacasca de espessura dk (figura 5) contem um volume

1

8(4πk2)dk, (46)

o que implica que o número de estados eletrônicos nesta casca é

2[(1/2)πk2dk]

(π3/V )=V

π2k2dk

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Page 17: sistemas_muitas_particulas

Figura 5: Um oitavo de uma casca esférica no espaço-k.

Cada um desses estados carrega uma energia h̄2k2/2m (equação (41)) o quesignifica que a energia total da casaca será

dE =h̄2k2

2m

V

π2k2dk, (47)

e portanto, a energia total será

Etot =h̄2V

2π2m

∫ kF

0k4dk =

h̄2k5FV

10π2m=h̄2(3π2Nq)5/3

10π2mV −2/3 (48)

Esta energia quântica tem um papel análogo a energia térmica interna(U) de um gás. Em particular, ela exerce uma pressão nas paredes do sólidopois, se ele se expande por um fator dV , a energia total diminui:

dEtot = −2

3

h̄2(3π2Nq)5/3

10π2mV −5/3dV = −2

3Etot

dV

V,

e esta energia é convertida em trabalho realizado na parte externa do sólido(dW = PdV ) pela pressão quântica P . Evidentemente

P =2

3

Etot

V=

2

3

h̄2k5F

10π2m=

(3π2)2/3h̄2

5mρ5/3 (49)

Esta é, portanto, uma resposta parcial de porque um sólido não simplesmentecolapsa: há uma pressão interna estabilizadora, que não tem nenhuma rela-ção com a repulsão elétron-elétron (que ignoramos no problema) ou a agita-ção térmica (que também ignoramos), cujas origens são puramente quânticasprovenientes diretamente do requerimento de que as funções eletrônicas se-jam anti-simétricas por se tratarem de férmions idênticos. Esta é chamadaeventualmente de pressão de degenerescência, apesar de “pressão de ex-clusão” ser provavelmente um termo mais apropriado.

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Figura 6: O pente de Dirac (equação (61)).

3.2 Estrutura de bandas

Aprimoremos agora o nosso modelo de elétrons livres incluindo o potencialdos núcleos sobre os elétrons na forma de uma rede periodicamente espaçada,positivamente carregada e essencialmente estacionária de poços de potencial.O comportamento qualitativo dos sólidos é ditado fortemente apenas pelofato desse potencial ser periódico – sua forma será importante apenas paraos detalhes finos. Para mostrar como isso é feito, façamos o exemplo maissimples: o pente de Dirac uni-dimensional, que consiste de potenciaisdelta igualmente espaçados (figura 6). No entanto, antes de chegarmos aeste resultado, precisamos aprender um pouco sobre a teoria de potenciaisperiódicos.

Considere uma partícula sujeita a um potencial periódico em uma di-mensão:

V (x+ a) = V (x) (50)

O Teorema de Bloch nos diz que as soluções da equação de Schrödinger,

− h̄2

2m

d2ψ

dx2+ V (x)ψ = Eψ, (51)

para este tipo de potencial tem que satisfazer a condição

ψ(x+ a) = eiKaψ(x) (52)

para uma certa constante K.

Prova: Seja D o operador de “deslocamento”:

Df(x) = f(x+ a) (53)

Devido a equação 50, D comuta com a Hamiltoniana:

[D,H] = 0, (54)

e portanto, podemos escolher auto-funções de H que sejam si-multaneamente auto-funções de D: Dψ = λψ, ou

ψ(x+ a) = λψ(x) (55)

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Sem dúvida, λ não sera nulo [se fosse, então – como a equação 55 éválida para qualquer x – teríamos obrigatoriamente que ψ(x) = 0,o que não é uma auto-função válida.], portanto, como todos osnúmeros complexos diferentes de zero, ela pode ser expressa comouma exponencial:

λ = eiKa, (56)

para uma dada constante K. QED.

Até o momento, a equação 56 parece ser apenas uma forma estranha deescrever λ. No entanto, veremos em um instante que K deverá ser real o queimplica que, apesar de ψ(x) não ser periódica, |ψ(x)2| é:

|ψ(x+ a)|2 = |ψ(x)|2 (57)

como deveríamos esperar.4

Obviamente, nenhum sólido é infinito e as bordas irão destruir a pe-riodicidade de V (x) fazendo com que o teorema de Bloch deixe de poderser utilizado. No entanto, para qualquer cristal macroscópico contendo algocomo um número de Avogadro de átomos, seria um absurdo imaginar que asbordas do sólido poderiam influenciar no comportamento dos elétrons dentrodele. Isso sugere o seguinte truque para manter o teorema de Bloch válido:fechamos o eixo-x em um círculo conectando suas extremidades após um nú-mero grande (N ' 1023) de períodos; formalmente, impomos a condição decontorno:

ψ(x+Na) = ψ(x) (58)

Segue, da equação 52, que

eiNKaψ(x) = ψ(x), (59)

e portanto eiNKa = 1, ou NKa = 2πn, ou

K =2πn

Na, (n = 0,±1,±2, . . .). (60)

Em particular, para este arranjo, K tem que ser necessariamente real. Agrande virtude do teorema de Bloch é que precisamos resolver apenas aequação de Schrödinger dentre de uma única célula (por exemplo, no in-tervalo 0 ≤ x ≤ a); aplicando a equação 52 recursivamente nos fornece asolução em todos os outros pontos.

Suponha agora que o potencial consiste em uma longa sequência de fun-ções delta (o pente de Dirac):

V (x) = −αN−1∑j=0

δ(x− ja) (61)

4Seria natural querer inverter o argumento, usando a equação 57 para provar o teoremade Bloch. Não funciona! A equação 57 sozinha permite que possa existir um fator de fasena equação 52 que seja função de x.

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Os poços de potencial representam, de forma bastante simplista, a interaçãoelétrica do núcleo com a rede cristalina. (Na figura 6 você tem que imaginarque o eixo x na verdade se fecha de tal forma que o N-ésimo poço está emx = −a.) Ninguém está fingindo que este modelo seja realista, mas lembre-se, é apenas o efeito da periodicidade que estamos interessados; estudosclássicos5 costumavam utilizar um padrão retangular que muitos autorescontinuam preferindo. Na região 0 < x < a o potencial é nulo e portanto,

− h̄2

2m

dψ2

dx2= Eψ,

oudψ2

dx2= −k2ψ,

onde

k ≡√

2mE

h̄(62)

como de costume. (Resolverei apenas as soluções com energia positiva. Assoluções com energia negativa podem ser obtidas exatamente da mesma ma-neira mas usando k ≡

√−2mE/h̄, ou simplesmente substituindo k → iκ no

resultado final.)A solução geral é

ψ(x) = A sin(kx) +B cos(kx), (0 < x < a). (63)

De acordo com o teorema de Bloch, a função de onda na célula imediatamentea esquerda da origem é:

ψ(x) = e−iKa[A sin k(x+ a) +B cos k(x+ a)], (−a < x < 0) (64)

Em x = 0, ψ tem que ser contínuo e portanto,

B = e−iKa[A sin(ka) +B cos(ka)]; (65)

sua derivada sofre uma descontinuidade proporcional a intensidade da funçãodelta:

kA− e−iKak[A cos(ka)−B sin(ka)] = −2mα

h̄2 B (66)

Resolvendo a equação 65 para A sin(ka) obtém-se

A sin(ka) = [eiKa − cos(ka)]B (67)

Substituindo na equação 66 e cancelando kB, chegamos a

[eiKa − cos(ka)][1− e−iKa cos(ka)] + e−iKa sin2(ka) = −2mα

h̄2ksin(ka), (68)

5R. de L. Kronig e W. G. Penney, Proc. R. Soc. Lond., ser. A, 130, 499 (1930).

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o que se reduz acos(Ka) = cos(ka)− mα

h̄2ksin(ka) (69)

Este é o resultado fundamental a partir do qual todo o resto será derivado.Para o potencial de Kronig-Penney (vide nota de rodapé), a equação é maiscomplexa mas possui as mesmas propriedades qualitativas.

A equação 69 determina os possíveis valores de k e portanto, as possíveisenergias. Para simplificar a notação seja

z ≡ ka, e β ≡ mαa

h̄2 , (70)

de tal forma que o lado direito da equação 69 passa a ser escrito como

f(z) = cos(z)− β sin(z)

z(71)

A constante β corresponde a uma medida adimensional da “intensidade” dafunção delta. Na figura 7 está confeccionado um gráfico de f(z) para o casoβ = 1. O importante de se observar nessa figura é que f(z) ultrapassa, emcertas regiões, os valores (-1) e (1); nessas regiões, não é possível resolvera equação 69 uma vez que | cos(Ka)| ≤ 1. Estes “gaps” representam re-giões com energias proibidas, separadas por bandas de energias permitidas.Dentro de uma certa banda, qualquer valor de energia é permitido pois, deacordo com a equação 71, Ka = 2πn/N , onde N é um número enorme en pode ser qualquer inteiro. Você pode imaginar, na figura 7, N linhas ho-rizontais nos pontos cos(2πn/N) indo de 1 (n = 0) até −1 (n = N/2), ede volta até quase 1 (n = N − 1) – neste ponto o fator de Bloch eiKa serecicla de tal forma que nenhuma nova solução é gerada ao aumentar n. Ainterseção de cada uma dessas linhas com f(z) fornece os valores permitidosde energia. Evidentemente, existem N/2 estados com energia positiva naprimeira banda (acompanhados de N/2 estados com energia negativa) e Nestados em cada uma das outras bandas. Por serem tão finamente espaçados,podemos considerá-los como um contínuo (figura 8).

Até o momento, colocamos apenas um elétron em nosso poço de po-tencial. Na prática haverão Nq elétrons onde q é, novamente, o número deelétrons “livres” por átomo. Devido ao princípio da exclusão de Pauli, apenasdois elétrons podem ocupar um mesmo estado espacial de tal forma que, seq = 1, eles preencherão a metade da primeira banda que contém energia ne-gativa, se q = 2 eles preencherão completamente a primeira banda, se q = 3,preencherão a primeira banda inteira e metade da segunda, e assim por di-ante. (Em três dimensões, e utilizando potenciais mais realistas, a estruturade banda será muito mais complexa, mas a existência de bandas, separadaspor “gaps” proibidos, permanece – a estrutura de bandas é uma assinatura depotenciais periódicos.) Agora, se uma banda estiver completamente cheia, énecessária uma quantidade grande de energia para excitar um elétron uma

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Figura 7: Gráfico de f(z) (equação 71) para o caso β = 1, mostrando asbandas de energia permitidas separadas por “gaps”.

Figura 8: Os estados permitidos de energia para o potencial periódico.

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vez que ele tem que pular de uma banda para a outra (através de uma zonaproibida). Estes materiais são chamados de isolantes. Por outro lado, sea banda estiver apenas parcialmente cheia, é necessária uma energia muitobaixa para excitar um elétron e estes materiais são tipicamente condutores.Se você dopar um isolante com alguns átomos com mais ou menos q, estarácolocando alguns elétrons “extras” na banda de cima, ou criando buracosna banda previamente preenchida, possibilitando em ambos os casos que pe-quenas correntes fluam; estes materiais são chamados de semicondutores.No modelo de elétrons livres todos os sólidos deveriam ser ótimos conduto-res, uma vez que não há “gaps” no espectro das energias. Faz-se necessárioutilizar a teoria de bandas para levar em conta o leque extraordinário decondutividades elétricas exibido pelos sólidos da natureza.

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