Sobre a continuidade da nossa consciência

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1 Sobre a continuidade da nossa consciência Pim van Lommel é um cientista e cardiologista holandês nascido em 1943 que tem sido um dos maiores estudiosos e divulgadores das experiências de quase morte (EQM). Já publicou sobre este tema na conhecida revista de cariz científico “The Lancet ” e lançou um livro entretanto traduzido para inglês, francês, alemão e espanhol. O título em inglês é: Consciousness Beyond Life, The Science of the Near-Death Experience ” [A Consciência além da vida, a Ciência das Experiências de Quase-morte]. Neste livro van Lommel postula um modelo em que a consciência está para lá da atividade neurológica do cérebro, sugerindo que o cérebro é meramente um terminal para aceder a uma consciência que é não-local (ou seja, está situada fora do corpo físico), um pouco como um terminal ligado a um computador central. Dr. Pim van Lommel Como não podia deixar de ser, as conclusões do cientista holandês foram contestadas por outros investigadores do campo da neurociência e da neurobiologia. Contudo, temos de aceitar esta dialética que constitui a forma habitual da evolução da ciência. Atitudes de tipo cavernícola, de olhar para a ciência com desdém ou de forma desconfiada são extremamente contraproducentes e apenas dificultam a divulgação da Teosofia. Por alguma razão um dos Mahatmas escreveu em 1882 que a ”ciência moderna [seria] o nosso melhor aliado” e HPB fez questão de dedicar muitas páginas da sua “Doutrina Secreta” a tentar ligar a sabedoria perene às descobertas científicas da sua época. Obviamente que o chamado cientismo , tem de ser combatido, bem como todas as tentativas de censura à construção de novos paradigmas, como foi este caso .

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Sobre a continuidade da nossa consciência

Pim van Lommel é um cientista e cardiologista holandês nascido em 1943 que

tem sido um dos maiores estudiosos e divulgadores das experiências de quase

morte (EQM). Já publicou sobre este tema na conhecida revista de cariz

científico “The Lancet” e lançou um livro entretanto traduzido para inglês,

francês, alemão e espanhol. O título em inglês é: “Consciousness Beyond

Life, The Science of the Near-Death Experience” [A Consciência além da

vida, a Ciência das Experiências de Quase-morte]. Neste livro van Lommel

postula um modelo em que a consciência está para lá da atividade neurológica

do cérebro, sugerindo que o cérebro é meramente um terminal para aceder a

uma consciência que é não-local (ou seja, está situada fora do corpo físico),

um pouco como um terminal ligado a um computador central.

Dr. Pim van Lommel

Como não podia deixar de ser, as conclusões do cientista holandês foram

contestadas por outros investigadores do campo da neurociência e da

neurobiologia. Contudo, temos de aceitar esta dialética que constitui a forma

habitual da evolução da ciência. Atitudes de tipo cavernícola, de olhar para a

ciência com desdém ou de forma desconfiada são extremamente

contraproducentes e apenas dificultam a divulgação da Teosofia. Por alguma

razão um dos Mahatmas escreveu em 1882 que a ”ciência moderna [seria] o

nosso melhor aliado” e HPB fez questão de dedicar muitas páginas da sua

“Doutrina Secreta” a tentar ligar a sabedoria perene às descobertas científicas

da sua época. Obviamente que o chamado cientismo, tem de ser combatido,

bem como todas as tentativas de censura à construção de novos paradigmas,

como foi este caso.

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Richard Dawkins, um dos "sacerdotes"

do cientismo (foto:wikipedia)

O objetivo do artigo que começamos a publicar esta semana é o de dar a

conhecer algum do trabalho do Dr. van Lommel através da tradução de

excertos do seu artigo “About the continuity of our consciousness” [Sobre a

continuidade da nossa consciência].

Fica o agradecimento a van Lommel pela permissão expressa dada para esta

tradução, que repito, não é completa.

Eis a introdução:

“Algumas pessoas que sobreviveram a uma crise onde a sua a vida esteve

ameaçada relatam uma experiência extraordinária. As Experiências de Quase

Morte (EQM) ocorrem com frequência crescente devido às maiores taxas de

sobrevivência resultantes de técnicas modernas de reanimação. O conteúdo de

uma EQM e os efeitos nos pacientes parecem semelhantes em todo o mundo,

independentemente da cultura ou da época. A natureza subjetiva e a ausência

de um quadro referencial para estas experiências levou a que fatores

individuais, culturais e religiosos determinassem o vocabulário utilizado para

descrevê-las e interpretá-las. A EQM pode ser definida como as memórias do

conjunto total de impressões recolhidas durante o estado especial de

consciência, incluindo o número especial de elementos tais como experiências

fora-do-corpo, sensações agradáveis, visão de um túnel, de uma luz ou de

familiares já falecidos, ou uma revisão de vida. Há muitas circunstâncias sob

as quais se descreve uma EQM, tais como uma paragem cardíaca (morte

clínica), choque devido à perda de sangue, lesão cerebral traumática ou

hemorragia intra-cerebral, quase-afogamento ou asfixia, mas também doenças

graves que não constituam ameaça imediata à vida. Experiências semelhantes

às EQM podem ocorrer durante uma fase terminal da doença e são designadas

por visões no leito da morte. Além do mais, experiências idênticas, chamadas

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de “medo da morte”, são relatadas principalmente depois de situações em que

a morte parecia inevitável como acidentes graves de viação ou de alpinismo.

A EQM é transformacional, causando mudanças profundas na atitude perante

a vida e de perda do medo da morte. As EQM parecem ser de ocorrência

relativamente frequente e para muitos médicos é um fenómeno inexplicável e

portanto um resultado de sobrevivência face a uma situação médica crítica que

é ignorada.

Último livro do Dr. Pim van Lommel

Devemos também considerar a possibilidade de experiência consciente

quando alguém em coma foi declarado pelos médicos como tendo tido uma

morte cerebral e está prestes a ser iniciado o transplante de órgãos?

Recentemente vários livros foram publicados na Holanda sobre o que

pacientes experienciaram na sua consciência durante um coma na sequência

de um grave acidente de viação, de uma encefalomielite disseminada aguda

(ADEM), ou depois de complicações com hipertensão cerebral após uma

operação a um tumor cerebral, tendo inclusive no caso deste paciente ter sido

declarada a morte cerebral pelo seu neurologista e pelo seu neurocirurgião. A

família recusou-se porém a dar permissão para a doação de órgãos. Após

recuperarem a consciência, todos estes pacientes reportaram que tinham

experienciado uma perfeita consciência com memórias, emoções e perceção

fora e acima do seu corpo durante o período do seu coma, também vendo as

enfermeiras, médicos e familiares dentro e à volta da Unidade de Cuidados

Intensivos (UCI). A morte cerebral significa mesmo morte ou é apenas o

início do processo de morte que pode durar desde horas a dias? E o que

acontece à consciência durante este período? Devemos considerar a

possibilidade de alguém que está clinicamente morto durante uma paragem

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cardíaca, possa experienciar consciência, e mesmo que possa haver

consciência depois de alguém ter morrido, quando o seu corpo está frio?

Como está a consciência relacionada com a função cerebral no seu todo? É

possível entender melhor esta relação? Na minha perspetiva, a única

abordagem empírica para avaliar teorias sobre a consciência é a investigação

sobre EQM, porque ao estudar os vários elementos universais que são

relatados durante as EQM, temos a oportunidade de verificar todas as teorias

existentes sobre a consciência que têm sido discutidas até agora. A

consciência apresenta experiências tanto duradouras como temporárias. Existe

um fim ou um princípio para a consciência?”

Sobre a morte

Primeiro quero abordar a questão da morte. A confrontação com a morte

levanta muitas questões básicas, mesmo para os médicos. Porque temos medo

da morte? Estarão os nossos conceitos sobre a morte corretos? A maior parte

de nós acredita que a morte é o fim da nossa existência; acreditamos que é o

fim de tudo aquilo que somos. Acreditamos que a morte do nosso corpo é o

fim da nossa identidade, dos nossos pensamentos e memórias, que é o fim da

nossa consciência. Teremos de alterar os nossos conceitos sobre a morte, não

apenas com base naquilo que foi pensado e escrito sobre a morte ao longo da

história da humanidade em todo o mundo em muitas culturas, muitas religiões

e em todas as épocas, mas também com base na informação de mais recente

investigação científica em EQM?

O Dr. Pim van Lommel é um grande divulgador das EQM.

Este é um anúncio da sua presença num famoso programa de

rádio dos EUA.

O que acontece quando morro? O que é a morte? Durante a nossa vida, 500

mil células morrem a cada segundo, em cada dia cerca de 50 mil milhões de

células são substituídas, resultando num novo corpo cada ano. Portanto a

morte celular é completamente diferente da morte corporal quando morremos.

Durante a nossa vida, o nosso corpo muda continuamente, a cada dia, a cada

minuto, a cada segundo. Em cada ano cerca de 98% das moléculas e átomos

no nosso corpo foram substituídos. Cada ser vivo encontra-se num equilíbrio

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instável entre dois processos opostos de desintegração e integração contínuos.

Mas ninguém dá por esta mudança constante. E de onde vem a continuidade

do nosso corpo em mudança constante? As células são apenas os blocos

constitutivos do nosso corpo, tal como os tijolos de uma casa, mas quem é o

arquiteto que coordena a construção desta casa? Quando alguém morreu,

apenas ficam restos mortais: somente matéria. Mas onde está o diretor do

corpo? E a nossa consciência quando morremos? Somos o nosso corpo, ou

“temos” um corpo?”

Na terceira secção do seu artigo, o cientista holandês aborda a pesquisa

científica no domínio das Experiências de Quase-Morte (EQM).

Dr. Pim van Lommel

“Em 1969, durante o meu estágio médico rotativo, um paciente foi reanimado

com sucesso na ala de cardiologia através de desfibrilhação elétrica. O

paciente recuperou consciência e ficou muito, muito desapontado. Falou-me

de um túnel, de cores belas, de uma luz e música maravilhosas. Nunca esqueci

este episódio, mas nunca fiz nada com ele. Anos mais tarde em 1976 [NT: Na

verdade, o livro foi lançado em 1975] Raymond Moody Jr. descreveu pela

primeira vez as chamadas EQM e apenas em 1986 li sobre estas experiências

num livro de George Ritchie chamado “Return from tomorrow” [Regresso de

amanhã], que relata o que ele experienciou durante um período de morte

clínica, com a duração de seis minutos, no ano de 1943, durante os seus

estudos em medicina. Depois de ler este livro, comecei a entrevistar os meus

pacientes que sobreviveram a uma paragem cardíaca. Para minha grande

surpresa, no espaço de dois anos cerca de cinquenta pacientes falaram-me do

seu EQM.

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A minha curiosidade científica começou a crescer, porque de acordo com os

nossos atuais conceitos médicos, não é possível experienciar consciência

durante uma paragem cardíaca, quando a circulação e a respiração cessam.

Dr. Raymond Moody Jr.

Várias teorias já foram propostas sobre a origem de uma EQM. Alguns

pensam que a experiência é provocada por alterações fisiológicas no cérebro

como por exemplo células cerebrais que morrem em resultado de anóxia

cerebral, ou então possivelmente causadas pela libertação de endorfinas, ou

bloqueios do recetor NMDA. Outras teorias abordam a reação psicológica à

morte próxima ou uma combinação deste fator com a anóxia. Mas até agora

[2004] não existe qualquer estudo prospetivo, meticuloso e cientificamente

elaborado para explicar a causa e conteúdo de uma EQM.“

Num estudo de 1988, com 344 sobreviventes de paragens cardíacas, 62 (18%

do total) revelaram ter alguma ideia sobre a altura da morte clínica. Destes 62,

41 experienciaram uma EQM mais do que superficial e deste grupo de 41, 23,

ou seja 7% da amostra do estudo, revelou ter passado por uma EQM bastante

intensa. Nos EUA um estudo semelhante, mas com uma amostra de um terço

face ao estudo holandês, dava 10% de pacientes a experienciar uma EQM,

enquanto um estudo britânico com uma amostra de 63 pacientes, deu para a

mesma variável a percentagem de 6,3%.

No estudo holandês cerca de 50% dos pacientes com uma EQM relataram

consciência de estarem mortos, ou de emoções positivas, 30% reportaram

estar a atravessar um túnel, de observarem uma paisagem celeste ou de terem

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encontrado parentes falecidos. Cerca de 25% dos pacientes com uma EQM

teve uma experiência extra-corporal, comunicou com a “luz” ou observou

cores. 13% experienciou uma revisão de vida e 8% a sensação de estar numa

fronteira.

Pim van Lommel refere que não é a duração da paragem cardíaca, nem do

período de inconsciência que influencia o ter ou não ter uma EQM. Não há

também qualquer relação entre um episódio desta natureza e os medicamentes

administrados, medo da morte antes do ataque, conhecimento prévio sobre as

EQM, religião ou educação. A EQM era mais frequente em pacientes abaixo

dos sessenta anos, por pacientes com mais de uma reanimação

cardiopulmonar durante o período de internamento e por pacientes que já

tinham experienciado uma EQM antes. A memória de curto-prazo também é

essencial para se recordar de uma EQM. “De forma inesperada”, refere van

Lommel, “descobrimos que mais pacientes com uma EQM profunda [em

comparação à média], morriam nos 30 dias após a reanimação

cardiopulmonar.”

Entrevista com o Dr. Pim van Lommel

Foi feito um estudo de tipo longitudinal acompanhando os pacientes com

EQM, dois e oito anos após o episódio para avaliar os efeitos em termos

psicológicos. “Os pacientes que passaram por uma EQM não mostravam

nenhum medo da morte, acreditavam fortemente numa vida após a morte, e a

sua visão sobre o que era importante na vida tinha mudado: amor e compaixão

por eles próprios, pelos outros e pela natureza. Agora entendiam a lei cósmica

que aquilo que fazemos aos outros irá nos ser devolvido: ódio e violência,

bem como amor e compaixão. Incrivelmente, muitas vezes havia prova de

sentimentos intuitivos ampliados. Além do mais, os efeitos transformacionais

duradouros de uma experiência que dura apenas alguns minutos foi uma

descoberta surpreendente e inesperada.”

Face à ausência de provas de outras teorias na explicação para as EQM, o

conceito até agora assumido mas nunca cientificamente provado, de que a

consciência e as memórias estão localizadas no cérebro deve ser discutido.

Tradicionalmente, tem sido afirmado que os pensamentos ou consciência são

produzidos por grandes grupos de neurónios ou redes neuronais. Como pode

uma perfeita consciência ser experienciada fora do corpo quando o cérebro já

não funciona durante um período de morte clínica, com o encefalograma

mostrando morte encefálica? Além do mais, invisuais também já descreveram

perceções verídicas durante experiências fora-do-corpo aquando das suas

EQM. O estudo científico das EQM puxa-nos ao limite das nossas ideias

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sobre neurofisiologia e medicina, acerca do alcance da consciência humana e

da relação da consciência e das memórias com o cérebro.

Prossigamos pois com a descrição de alguns elementos típicos das

Experiências de Quase-Morte (EQM).

Mais uma entrevista com o Dr. Pim van Lommel

A Experiência fora-do-corpo

Nesta experiência, as pessoas têm perceções verídicas a partir de uma posição

fora e acima do seu corpo sem vida. Há a sensação de que se despiram do seu

corpo como quem tira um velho casaco e para sua surpresa parece que

retiveram a sua própria identidade com a possibilidade de perceção, emoções

e perfeita consciência. Esta experiência fora-do-corpo é cientificamente

importante porque médicos, enfermeiras e familiares podem verificar as

perceções relatadas. Este é o relatório de uma enfermeira de uma unidade de

cuidados coronários:

“Durante o turno da noite uma ambulância chega com um homem de 44 anos,

cianótico [pele azul-arroxeada] e em estado comatoso à unidade de cuidados

coronários. Ele tinha sido encontrado em coma cerca de 30 minutos antes num

prado. Quando fomos intubar o paciente reparámos que ele tinha uma

dentadura na boca. Eu removi a sua dentadura superior e coloquei-a no

carrinho de enfermagem. Depois de cerca de uma hora e meia, o paciente

apresentava suficiente ritmo cardíaco e pressão sanguínea, mas ainda estava

ventilado e intubado e em estado comatoso. Ele é transferido para a unidade

de cuidados intensivos para continuar a necessária respiração artificial.

Passada mais de uma semana encontro-me novamente com o paciente, que

passou para a ala de cardiologia. Quando me vê diz-me: “Oh, aquela

enfermeira sabe onde está a minha dentadura”. Fico muito surpreendida.

Então ele explica: ”Você estava lá, quando eu fui transportado para o hospital

e você retirou a dentadura da minha boca e pô-la em cima do carrinho, onde

estavam muitos frascos e havia esta gaveta deslizante por baixo e foi aí que

você pôs os meus dentes.” Eu fiquei especialmente atónita porque lembrei-me

de isto ter acontecido enquanto o homem estava num coma profundo e no

processo de reanimação cardiopulmonar. Parece que o homem tinha-se visto a

si próprio na cama e apercebido de cima, do modo como as enfermeiras e os

médicos tinham estado ocupados na reanimação. Ele também foi capaz de

descrever correta e detalhadamente o pequeno quarto onde havia sido

reanimado bem como daqueles que estavam presentes, como eu. Ele está

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profundamente impressionado com a sua experiência e diz que não tem mais

medo da morte.”

Foto:dailymail.co.uk

A revisão de vida holográfica

Durante esta revisão de vida o sujeito sente não só a presença e a experiência

renovada de cada ato, mas também de cada pensamento da sua vida passada e

percebe que tudo isso é um campo de energia que o influencia assim como aos

outros. Tudo aquilo que foi feito e pensado parece ter sido significativo e

armazenado. Fica-se a saber se foi dado amor ou pelo contrário, negado.

Porque estamos ligados às memórias, emoções e consciência dos outros,

experienciamos as consequências dos nossos próprios pensamentos, palavras e

ações nessas pessoas no exato momento do passado em que elas ocorreram.

Portanto, durante a revisão de vida existe uma ligação com os campos de

consciência de outras pessoas, bem como os nossos próprios campos de

consciência (interligação). Os pacientes examinam toda a sua vida num abrir e

fechar de olhos; tempo e espaço parecem não existir durante uma experiência

destas.

Instantaneamente eles estão onde se encontram focados (não-localidade) e

podem falar durante horas sobre o conteúdo da revisão de vida embora a

reanimação tenha demorado apenas minutos. Um relato:

“Toda a minha vida até ao presente parece-me ter sido posta à frente numa

espécie de revisão panorâmica tridimensional e cada acontecimento pareceu

ser acompanhado por uma consciência de bem ou de mal ou por um

conhecimento de causa e efeito. Não só compreendia tudo do meu próprio

ponto de vista, mas também entendia os pensamentos de todos os envolvidos

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no acontecimento, como se os seus pensamentos estivessem dentro de mim.

Isto significa não só aquilo que tinha feito ou pensado, mas mesmo de que

modo isso tinha influenciado outros, como se visse as coisas com olhos de

quem tudo vê. Parece que os nossos pensamentos não desaparecem

simplesmente. Durante todo o tempo da revisão, a importância do amor era

enfatizada. Olhando retrospetivamente não consigo dizer quanto tempo durou

esta revisão e perceção de vida; poderá ter sido longa pois todos os assuntos

foram abordados, mas ao mesmo tempo pareceu apenas uma fração de

segundo, porque percecionei tudo no mesmo momento. O tempo e a distância

pareciam não existir. Eu estava em todo o lado ao mesmo tempo e às vezes a

minha atenção era atraída para alguma coisa e então eu ia para lá”.

Também uma antevisão pode ser experienciada, em que imagens de

acontecimentos pessoais futuros (mais tarde recordados sob a forma de “déjà

vu”) bem como de imagens gerais do futuro aparecem, embora deva ser

relevado que estas imagens devem ser consideradas apenas como

possibilidades. Uma vez mais parece que tempo e espaço não existem durante

esta revisão: Um relato:

“Eu tive um agradável contacto visual, olharam-me cheios de amor e então

examinei grande parte da minha vida vindoura; a preocupação com os meus

filhos, a doença terminal da minha esposa, as circunstâncias em que estaria

envolvido no meu trabalho e não só. Eu examinei de forma completa, e senti

que teria de decidir naquele momento: “Poderei ficar aqui ou ir embora”, mas

teria que decidir naquele momento.”

O encontro com parentes falecidos

Se conhecidos ou parentes já falecidos são encontrados numa outra dimensão,

são habitualmente reconhecidos pela sua aparência, sendo a comunicação

possível através de transferência de pensamento. Portanto, durante um EQM é

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também possível entrar em contacto com o campo de consciência de pessoas

falecidas (interligação). Durante uma EQM, encontram-se algumas pessoas

sobre cuja morte era impossível saber e às vezes pessoas desconhecidas para

elas, são encontradas durante uma EQM. Um relato:

Foi este livro que espoletou todo o

frenesim à volta das EQM. Esta

é a capa da versão portuguesa.

O livro foi originalmente publicado

nos EUA, em 1975.

“Durante a minha paragem cardíaca eu tive uma ampla experiência (…) e

mais tarde vi, além da minha falecida avó, um homem que olhou para mim de

forma amável, mas que eu desconhecia. Mais de 10 anos depois, no leito de

morte da minha mãe, ela confessou-me que eu tinha nascido de uma relação

extramarital, sendo o meu pai um judeu que tinha sido deportado e morto

durante a II Guerra Mundial, e a minha mãe mostrou-me a fotografia dele. O

homem desconhecido que eu tinha visto mais de dez anos antes durante a

minha EQM, afinal era o meu pai biológico.”

O regresso ao corpo

Alguns pacientes podem descrever a forma como eles regressaram ao seu

corpo, a maior parte das vezes através do topo da cabeça, depois de terem

percebido através de uma comunicação sem palavras com um ser de luz ou

com um parente falecido que “não era ainda a sua vez” ou que “tinham uma

tarefa para cumprir”. O regresso consciente ao corpo é experienciado como

algo muito opressivo. Eles recuperam a consciência no seu corpo e percebem

que estão “presos” nele, o que significa novamente a dor e a restrição da sua

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doença. Também entendem que lhes foi retirada novamente uma parte da sua

consciência com profundo conhecimento e compreensão, bem como o

sentimento de amor e aceitação incondicionais. Um relato:

“E quando recuperei a consciência no meu corpo, foi tão mau, tão

mau…aquela experiência foi tão bela, nunca teria querido regressar, queria lá

ficar…e mesmo assim voltei. A partir desse momento foi uma experiência

muito difícil viver a minha vida outra vez no meu corpo, com todas as

limitações que sentia nesse período.”

O desaparecimento do medo da morte

Quase todas as pessoas que experienciaram uma EQM perdem o medo de

morrer. Isto é devido a compreenderem que existe a continuidade da

consciência, mesmo quando foram declarados mortos por observadores ou

mesmo por médicos. Ficamos separados do corpo sem vida, retendo a

capacidade de perceção. Um relato:

Foto: dailymail.co.uk

“Está para lá do meu domínio discutir algo que só pode ser provado pela

morte. Para mim, contudo, a experiência foi decisiva em convencer-me de que

a consciência vive para além da sepultura. A morte não é morte, mas outra

forma de vida.”

Outro relato:

“Esta experiência é uma bênção para mim, pois agora tenho a certeza que o

corpo e a mente estão separados, e que existe vida após a morte.”

Antes da conclusão, o Dr. van Lommel faz uma série de considerações sobre

questões médicas, descrevendo as paragens cardíacas e os efeitos da mesma

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no corpo humano e também sobre neurofisiologia, tendo com pano de fundo a

questão da consciência funcionar ou não dentro do cérebro. Posteriormente ele

introduz conceitos da física quântica para ajudar a explicar alguns os

episódios relacionados com as EQM.

De qualquer modo esta parte do artigo é bastante mais técnica e não

fundamental para o objetivo deste post. Avancemos pois para a parte final do

artigo.

Reportagem da TV Globo

A certa altura, escreve o Dr. Pim van Lommel:

“Poderá o nosso cérebro ser comparado a um aparelho de TV, que recebe

ondas eletromagnéticas e as transforma em imagem e som, ou como uma

câmara de filmar que transforma imagem e som em ondas eletromagnéticas?

Esta radiação eletromagnética detém a essência de toda a informação, mas

apenas é percetível aos nossos sentidos através de instrumentos adequados

como uma câmara e aparelho de TV.”

Conclusão

“De acordo com a nossa conceção, baseada nos aspetos reportados sobre a

consciência durante uma paragem cardíaca, podemos concluir que a nossa

consciência pode ser baseada em campos de informação, consistindo de ondas

que têm origem no espaço fásico. Durante a paragem cardíaca, o

funcionamento do cérebro e de outras células no corpo para, devido à anóxia.

Os campos eletromagnéticos dos nossos neurónios e de outras células

desaparecem e a possibilidade de ressonância, a interface entre a consciência e

o corpo físico, é interrompida.

Esta explicação altera fundamentalmente a nossa opinião sobre a morte,

devido à quase inevitável conclusão de que na altura da morte física a

consciência continuará a ser experienciada noutra dimensão, num mundo

invisível e imaterial, o espaço fásico, no qual todo o passado, presente e futuro

estão englobados. A pesquisa sobre EQM não nos pode dar provas científicas

irrefutáveis sobre esta conclusão, porque as pessoas que passaram por EQM

não chegaram a morrer, mas estiveram todas muito próximas da morte,

privadas de um cérebro em funcionamento.

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Dr. Pim van Lommel, capa de revista

A conclusão de que a consciência pode ser experienciada independentemente

da função cerebral pode muito bem induzir a uma grande mudança no

paradigma científico na medicina ocidental, e poderá ter implicações práticas

em efetivos problemas médicos e éticos tal como o cuidado prestado a

pacientes a morrer ou em coma, eutanásia, aborto e remoção de órgãos para

transplante a alguém no processo de morte com um coração a bater num corpo

quente, embora com diagnóstico de morte cerebral.

Ainda existem mais questões que respostas, mas, com base nos aspetos

teóricos acima mencionados da continuidade da nossa consciência obviamente

experienciada, devemos finalmente considerar a possibilidade que a morte, tal

como o nascimento, poderá ser uma mera passagem de um estado de

consciência para outro.”

E assim termina o artigo do Dr. Pim van Lommel.

Este texto já tem perto de dez anos e desde então as pesquisas têm continuado,

quer por parte do Dr. van Lommel, quer por parte de outros investigadores.

Recentemente, o médico e cientista canadiano Bruce Greyson conseguiu

fundos para uma investigação que poderá trazer informação crucial sobre esta

questão. Aqui a reportagem do canal de TV norte-americano WTVR (fica o

agradecimento a Odin Townley por esta dica).

Page 15: Sobre a continuidade da nossa consciência

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Além dos muitos livros que existem sobre esta matéria, o primeiro dos quais

publicado pelo também médico Raymond Moody Jr. em 1975, “Vida depois

da vida”, volta e meia a imprensa generalista pega no assunto normalmente

carregando na tónica do ceticismo ou do sensacionalismo. Contudo, em agosto

de 2012, a revista portuguesa “Sábado” publicou um artigo intitulado “O

mistério dos relatos sobre o céu”, por sinal bastante equilibrado. O artigo

contém alguns relatos semelhantes aos referidos no texto do Dr. van Lommel,

mas que tiveram lugar em Portugal. O papel do médico holandês é

"desempenhado" pelo Dr. Manuel Domingos. O artigo da Sábado faz ainda

referência à abordagem religiosa e também aos céticos.

O que diz a Teosofia

Recentemente, o Lua em Escorpião publicou um texto sobre o processo pós-

morte de acordo com a Teosofia original, que pode ser lido aqui (1ª parte) e há

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algum tempo mais, um artigo também em duas partes traduzido do blog de

Odin Townley, a primeira das quais está aqui.

Em português, as melhores fontes são “A Chave para a Teosofia” e as “Cartas

dos Mahatmas para A.P. Sinnett”.

Em inglês, recomendo “When we die” e “After death consciousness and

processes” de Geoffrey Farthing que compilam tudo o que existe escrito por

HPB e os Mahatmas (particularmente no segundo livro) sobre o que acontece

após a morte do corpo físico. Abaixo fica um video baseado no livro "When

we die", produzido pela Blavatsky Trust, organização criada por Farthing e

Christmas Humphreys.

Video inspirado num dos livros de Farthing

Publicado em 4 partes, em http://lua-em-escorpiao.blogspot.pt entre 25 de janeiro e 15 de

fevereiro de 2014