Sobre o Programa de Filosofia_convertido

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Sobre o programa de filosofia: Ao debruçarmo-nos sobre o programa de filosofia, na qualidade de estagiários e alunos do mestrado em ensino de filosofia, logo nos ocorre o leito de Procustes 1 deformando-se o que realmente se passa para que haja conformidade com o modelo proposto. O programa de filosofia, que agora vigora, é resultado de uma reformulação com inovação no que diz respeito aos objetivos e competências a desenvolver, metodologias e instrumentos de trabalho filosófico, avaliação a promover, modalidades e critérios. No que concerne os conteúdos ou temas a abordar, a reformulação ocorreu sem rotura. Ao que parece o programa anterior não desagradava à maioria dos professores. Cortaram-se algumas rubricas, do anterior programa, porque efetivamente não eram lecionadas pela maioria. As orientações da revisão curricular eram no sentido de tornar os programas disciplinares exequíveis, o que o programa de filosofia não era. Propôs-se portanto um outro paradigma organizador do trabalho filosófico na aula de filosofia tal como se delineou nos objetivos gerais do programa, designadamente, no domínio das competências, dos métodos e dos instrumentos. A proposta era no âmbito da problematização, conceptualização e argumentação, nas práticas de análise, explicação e comentário de texto e 1 Procustes era um ladrão que provocava nas vítimas torturas violentas. Às vítimas mais altas deitava-as num leito pequeno cortando-lhes as partes dos membros que não cabiam no leito. Ao contrário àquelas que eram mais baixas deitava-as num leito comprido esticando-lhes os membros. 1

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Sobre o programa de filosofia: Ao debruarmo-nos sobre o programa de filosofia, na qualidade de estagirios e alunos do mestrado em ensino de filosofia, logo nos ocorre o leito de Procustes[footnoteRef:1] deformando-se o que realmente se passa para que haja conformidade com o modelo proposto. [1: Procustes era um ladro que provocava nas vtimas torturas violentas. s vtimas mais altas deitava-as num leito pequeno cortando-lhes as partes dos membros que no cabiam no leito. Ao contrrio quelas que eram mais baixas deitava-as num leito comprido esticando-lhes os membros. ]

O programa de filosofia, que agora vigora, resultado de uma reformulao com inovao no que diz respeito aos objetivos e competncias a desenvolver, metodologias e instrumentos de trabalho filosfico, avaliao a promover, modalidades e critrios. No que concerne os contedos ou temas a abordar, a reformulao ocorreu sem rotura. Ao que parece o programa anterior no desagradava maioria dos professores. Cortaram-se algumas rubricas, do anterior programa, porque efetivamente no eram lecionadas pela maioria.As orientaes da reviso curricular eram no sentido de tornar os programas disciplinares exequveis, o que o programa de filosofia no era. Props-se portanto um outro paradigma organizador do trabalho filosfico na aula de filosofia tal como se delineou nos objetivos gerais do programa, designadamente, no domnio das competncias, dos mtodos e dos instrumentos. A proposta era no mbito da problematizao, conceptualizao e argumentao, nas prticas de anlise, explicao e comentrio de texto e teorias filosficas, bem como na prtica de composio de pequenos ensaios e dissertaes. Fixaram-se princpios reguladores da avaliao e critrios de referncia para a avaliao sumativa em consonncia como trabalho filosfico,tal como fora proposto.A distino importante, que com este novo programa foi feita entre a filosofia como especialidade cientfica de investigao e a filosofia enquanto disciplina escolar no ensino secundrio, um dos passos importantes para a compreenso do interesse formativo da filosofia neste nvel de ensino. O que se pretende no formar jovens filsofos, mas, por intermdio da filosofia, desenvolver jovens de esprito informados e com competncias crticas que lhes permitam o exerccio pessoal da razo na esfera privada e pblica. Esperava-se o equilbrio compatvel de trs princpios: especificidade cientfica, assimilao cognitiva e o princpio do valor formativo da disciplina, o que nem sempre acontece, sobrevalorizando-se um dos vrtices em detrimento dos outros dois. Nem filsofos mestres, nem derivas pedagogistas e receitas de sobrevivncia que confundem tcnicas de animao de grupo com reflexo filosfica, tambm no aconselhvel colocar a filosofia ao servio da ideologia e da poltica, como alis afirma Vicente (2012). Ora o novo programa pretende a conciliao to equilibrada quanto possvel dos trs princpios sem incorrer nos desvios referidos. H que estar ciente, que a especificidade do contributo da disciplina de filosofia, no reside apenas na cultura filosfica, nos contedos que traz reflexo, mas tambm nos procedimentos metodolgicos com que os analisa e sobretudo no modo problematizante como os d a pensar.Tal como outras disciplinas a filosofia caracteriza-se pela sua matriz disciplinar que toma forma nos contedos, nos conhecimentos processuais que mobiliza, nos objetos e instrumentos com que trabalha, nas tarefas e atividades que desenvolve. Quando, afirma o autor j citado, se consegue consonncia sobre estas dimenses e estabilidade de prticas, pode-se dizer que se estabeleceu um paradigma organizador do trabalho disciplinar que era a preocupao maior dos autores do novo programa. Parece- nos que esse objetivo foi alcanado, embora, no que se refere ao primeiro ponto do programa do 10ano, exista ainda bastante disparidade, relativamente ao nmero de aulas a ele destinado.A preocupao , essencialmente, com os procedimentos metodolgicos e atividades consideradas mais consentneas com a filosofia e relevantes do ponto de vista da formao geral e como tal transferveis para o trabalho intelectual a desenvolver nas de mais disciplinas e tambm no ensino superior. De facto, os temas e problemas propostos no programa so os mais representativos das reas da filosofia: tica, esttica, filosofia social, poltica, epistemologia e filosofia da cincia. Resta perguntar se a preocupao dos autores, no que concerne os procedimentos, tarefas e atividades em que se concretiza o labor filosfico, dando, por isso, mais relevo na definio dos objetivos gerais da disciplina aos objetivos no domnio das competncias, dos mtodos e instrumentos, no tero, mesmo assim, cado numa espcie de esquecimento. certo que a filosofia no pode deixar de contribuir para ampliar as competncias bsicas de discurso, interpretao e comunicao (competncias que so transversais e que sem as quais nada se passa em filosofia). O trabalho intelectual que a filosofia potencia permite ampliar essas competncias de forma sistemtica e intencional. Problematizar, conceptualizar e argumentar so tambm competncias transversais comuns s demais disciplinas, porm s a filosofia as promove forma substantiva. No h filosofar sem conceptualizao, argumentao e problematizao, sendo por esta triologia que deve passar a aprendizagem do filosofar.A descrio da atividade filosfica pelo recurso s atividades de conceptualizar, problematizar e argumentar apesar de redutora tem, pelo menos a vantagem de ser operatria, de dar a ver uma grande gama de exerccios e de atividades em que se deve iniciar o aluno. Dizem alguns que o programa privilegia as competncias sobre os contedos, o aprender a aprender, sobre o aprender as matrias. Mas essa uma viso redutora do conceito de competncia, pois no existem operaes mentais independentes dos contedos sobre os quias se exercem. A noo de competncia poder ser til se abrangente e no restritiva. As competncias de anlise e interpretao de textos e composio filosfica pressupem uma srie de objetivos que pressupem, naturalmente, objetivos anteriores. Conforme Desidrio (2003:12)No actual programa do 10.e 11.anos de escolaridade l-se que o trabalho da turma assenta fundamentalmente na anlise e interpretao de textos e outros documentos (pg. 17). Esta perspectiva, alm de contrariada pela prpria tradio filosfica de cerca de dois mil e quinhentos anos, est longe de corresponder melhor prtica da filosofia. De facto, corresponde antes a uma determinada concepo associada Morte da Filosofia e que a prpria filosofia h muito teve necessidade de rejeitar, tanto teoricamente, como pela sua prtica riqussima dos sculos XX e XXI. No final do 11ano os alunos devero ser capazes de:recolher informao relevante sobre um tema do programa utilizando diversas fontes;clarificar o significado e utilizar de forma adequada os conceitos fundamentais relativos aos temas/ problemas desenvolvidos;redigir textos que expressem compreenso e reflexo sobre os problemas filosficos tratados;participar em debates; analisar textos de carter argumentativo (oralmente e por escrito); compor textos de carter argumentativo sobre um tema /problema; Realizar trabalho monogrfico. Entre outras. Conforme Vicente (2012) Conjugar o desenvolvimento de temas e problemas filosficos com o desenvolvimento de competncias, cruzando objetivos cognitivos com objetivos metacognitivos, articulando contedos com formas, integrando conhecimentos didticos com conhecimentos procedimentais ou metodolgicos, foi e ser o grande desafio da filosofia no ensino secundrio. Como dizia Kant os contedos sem formas so cegos e as formas sem contedos so vazias. Corroborando o autor citado, compreendemos que o trabalho filosfico carece de conhecimento declarativo que diz respeito a problemas, teorias de referncia e histria da filosofia so contedos sem forma e, neste sentido, cegos. Carece ainda de conhecimento processual que aborda a lgica formal e informal, dialtica, retrica, gramtica, formas sem contedo, para alm de que este trabalho despoleta o grande desafio de conjugar os conhecimentos referidos. No basta aprender a exercer uma tcnica de anlise e avaliao de argumentos para se fazer filosofia. A competncia crtica pode se desenvolver em todas as disciplinas, no tem em si nada de especificamente filosfico, a filosofia no se limita anlise critica, o que especifica a filosofia so os problemas. No basta, de facto, dar a lgica e as teorias da argumentao se elas no so efetivamente postas em prtica do primeiro ao ltimo dia de aulas de forma continuada e progressiva. Vicente (2012:150). No obstante a crtica do CEF (centro para o ensino de Filosofia) quanto lgica para quem se deve introduzir este assunto na unidade inicial do 10ano. Critica-se ainda a opo lgica Aristotlica/ lgica proposicional. Volvidos dez anos sobre a homologao do programa de 2001,diramos que esto hoje reunidas condies para retomar o debate e repensar a legitimidade de tal alternativa. Vicente (2012: 152). Salienta-se contudo, que existem noes contempladas sob o ttulo de lgica aristotlica que no podem deixar de ser lecionadas. Neste encadeamento, lembramos a propsito das consideraes sobre o programa, que o que deve ser tido em conta, nomeadamente para Joaquim Vicente, que o que o ensino bsico e secundrio tem de ensinar uma cultura, ou seja, saberes bsicos, de referncia estabelecidos e tanto quanto possvel consensuais. (2012:153). J Fagundes (2012) refere que o programa se ergue sobre uma base mundana e acional. Salienta ainda a acoplagem da ao humana a um reino hipostasiado de valores, dando ao programa um cariz ontolgico, tico e poltico. Na verdade a ideia que subjaz a esta arquitetura a de que o homem um ser social, que se encontra lanado no mundo num marco ativo e comunicativo. (2012:157)Conforme este autor, o programa parte desta base e, simultaneamente tem-na no horizonte. Uma das preocupaes enraizar a filosofia no solo mundano de que afinal desponta. preciso pensar e problematizar o prprio mundo e a ao humana. com um eixo de preocupao e perspetivas no muito distantes da de Hannah Arendt, Jurgen Habermas intenta tambm considerar o tema da emancipao humana como uma passagem do paradigma da produo ao paradigma da ao comunicativa. (2012:159).No nosso entendimento concordamos que esta seja a perspetiva orientadora do programa, pois a cidadania proposta como pano de fundo do agir humano, que o programa aclama assenta, conforme o autor com quem corroboramos (2012:161), propriamente no debate pblico e na razo comunicativa, sendo que os objetivos gerais e especficos se adequam a essa base. Porm o pensar filosfico mediado pela linguagem, mas no se esgota na linguagem. Ele crtico racional e fundamentador porque sobre ele paira sempre a realidade para a qual procura inteligibilidade. (2012:161). Se entendermos, como ns o fazemos, que o ensino da filosofia igual ao exerccio de filosofar, no podemos ento ficar preso a uma s destas dimenses, para que o ensino da filosofia no venha a padecer de um empobrecimento em termos de racionalidade, de crtica e de fundamentao. Tal como os autores por ns estudados tambm nos parece, que a unidade inicial, do programa, se reveste de toda a importncia, uma vez que exige que os professores protagonizem o pensar filosfico como condio para o ensino da filosofia. Ximenez (2012) refere, no entanto, que para muitos professores o manual substitui o programa, que at ignoram e que acabam por ser contraditrios com ele. Para esta autora a existncia de um exame nacional, atravs das orientaes emanadas da tutela, impe ordem neste estado de coisas, essas orientaes, nalguns casos, acabam por substituir o programa e qui substitu-lo.Deixamos, apesar de tudo o que aqui foi dito, a seguinte nota: preciso filosofar para ensinar a filosofia, no precisando, no entanto, de ser filsofos mestres. Como afirma Desidrio (2003:15) A filosofia, pela sua prpria natureza, tem uma vocao interdisciplinar. Pois ocupa-se de problemas conceptuais suscitados pelas cincias humanas e da natureza, pelas religies e pelas artes, assim como pela vida comum. Contudo, no se pode confundir a filosofia com outras reas de estudo. Esta confuso recorrente no programa oficial, que apresenta problemas como O voluntariado e as novas dinmicas da sociedade civil, O racismo e a xenofobia, A obra de arte na era das indstrias culturais. Estes so problemas da sociologia, da histria e da antropologia, eventualmente da psicologia, mas no da filosofia. A filosofia uma disciplina de carcter conceptual, no uma disciplina emprica que possa estudar fenmenos empricos. Ainda para este autor, com o qual no concordamos, a filosofia da aco no uma disciplina central da filosofia, no faz parte dos cursos de introduo filosofia de outros pases e deveria ser substituda pela filosofia da mente.Assim para o autor supracitado Para conseguir leccionar filosofia com este programa, o professor tem de lutar contra ele, tentando descobrir nas diversas unidades alguns contedos filosficos genunos; por outro lado, muito fcil leccionar o programa sem nunca abordar os problemas, teorias e argumentos tradicionais da filosofia, nunca saindo da conversa de caf com base em vagas experincias subjectivas. (2003:18) Diz ainda que no ensino de qualidade da filosofia estudam-se os ensaios relevantes para o estudo de cada problema, teoria ou argumento filosficos; e esses ensaios tanto so antigos como contemporneos. Alis, esta prtica de ensino tem a vantagem de mostrar por que razo a filosofia no s est viva, como uma tradio que responde s ideias dos filsofos clssicos no se limitando a repeti-las, mas integrando-as na discusso contempornea, viva e inovadora. Embora no nosso entendimento o professor tenha a possibilidade de o fazer, partindo do programa.

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