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SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA por Uyára Schiefer 1. INTRODUÇÃO O tema Direitos Humanos tem sido, na atualidade, objeto de inúmeros debates. Muito embora, vários séculos, os homens tenham consciência de que a pessoa humana tem direitos fundamentais, cujo respeito é indispensável para a sobrevivência do indivíduo em condições dignas e compatíveis com sua natureza. Esses direitos fundamentais nascem com o indivíduo e, por isso, não podem ser considerados como uma concessão do Estado. É por essa razão que, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948), não se diz que tais direitos são outorgados ou mesmo reconhecidos, preferindo-se dizer que eles são proclamados, numa clara afirmação de que eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais, não podendo, assim, ser retirados ou restringidos por essas instituições. Essa Proclamação dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana torna claro que as instituições governamentais devem proteger tais direitos contra qualquer ofensa. Cada pessoa, portanto, deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas. Quais seriam estes Direitos Fundamentais, esses Direitos Humanos? A evolução histórica e a experiência jurídica é que ditam o conteúdo desses direitos nos aspectos civis, políticos, económicos, sociais, culturais, etc. Os direitos humanos assumem uma posição bidimensional ao constituírem, por um lado, um ideal a atingir: o ideal da conciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade; e, por outro lado, por assegurarem um campo legítimo para o embate democrático em oposição ao totalitarismo, negação de qualquer direito. No entender do ilustre Professor J.J.Gomes Canotilho, as expressões "direitos do homem" e "direitos fundamentais" são frequentemente utilizadas como sinónimas. Segundo a sua origem e significado, poder-se-iam distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista) e direitos fundamentais, que são os direitos do homem jurídíco-institucionalizadamente garantidos. Os direitos do homem adviriam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta. Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência para os poderes públicos, proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes na esfera jurídico-individual; Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). Portanto, o estudo dos direitos do homem leva a fixar as circunstâncias concretas e históricas de seu difícil reconhecimento e sua polémica inserção no cotidiano dos indivíduos e dos povos. O ponto central da questão dos direitos humanos, sobretudo no âmbito do terceiro mundo, concentra-se na efetividade dos mecanismos internos e internacionais de implantação desses direitos e no papel dos Estados e das Organizações não Governamentais (ONG's). No relatório da ONU-1993 sobre o Desenvolvimento Humano recomenda-se que as pessoas sejam o sujeito de toda a produção tecnológica, económica e política. Aristóteles ensinava que "a política rege todas as artes e ciências porque ela detém a visão global daquilo que convém produzir para o bem de todos os cidadãos". Coincide, de certa maneira, a posição do grande filósofo, com as medidas sugeridas pela ONU, abaixo mencionadas: Reorientação dos mercados que sirvam às pessoas e não pessoas aos mercados; ® Desenvolvimento e investimento em novos modelos de desenvolvimento centrados na pessoa humana e sustentáveis ecologicamente; Enfoque na cooperação internacional nas necessidades humanas e não nas prioridades dos Estados; ® Desenvolvimento de novos padrões de administração global e nacional, com maior descentralização e possibilitando maior autoridade aos governos locais. Os Direitos Humanos têm um lugar considerável na consciência política e jurídica contemporânea. Implicam, com efeito, um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia. 2. A VIDA COMO VALOR SUPREMO DO SER HUMANO Não está em saber quais, quantos são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos; mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

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SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA

por Uyára Schiefer

1. INTRODUÇÃO

O tema Direitos Humanos tem sido, na atualidade, objeto de inúmeros debates. Muito embora, há vários séculos, oshomens tenham consciência de que a pessoa humana tem direitos fundamentais, cujo respeito é indispensável para asobrevivência do indivíduo em condições dignas e compatíveis com sua natureza.

Esses direitos fundamentais nascem com o indivíduo e, por isso, não podem ser considerados como uma concessãodo Estado. É por essa razão que, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU-1948), não se dizque tais direitos são outorgados ou mesmo reconhecidos, preferindo-se dizer que eles são proclamados, numa claraafirmação de que eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais, não podendo, assim, ser retirados ourestringidos por essas instituições. Essa Proclamação dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana torna claro que asinstituições governamentais devem proteger tais direitos contra qualquer ofensa.

Cada pessoa, portanto, deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem suadignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas.

Quais seriam estes Direitos Fundamentais, esses Direitos Humanos? A evolução histórica e a experiência jurídica é queditam o conteúdo desses direitos nos aspectos civis, políticos, económicos, sociais, culturais, etc.

Os direitos humanos assumem uma posição bidimensional ao constituírem, por um lado, um ideal a atingir: o ideal daconciliação entre os direitos do indivíduo e os da sociedade; e, por outro lado, por assegurarem um campo legítimo parao embate democrático em oposição ao totalitarismo, negação de qualquer direito.

No entender do ilustre Professor J.J.Gomes Canotilho, as expressões "direitos do homem" e "direitos fundamentais"são frequentemente utilizadas como sinónimas. Segundo a sua origem e significado, poder-se-iam distingui-las daseguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensãojusnaturalista-universalista) e direitos fundamentais, que são os direitos do homem jurídíco-institucionalizadamentegarantidos. Os direitos do homem adviriam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal euniversal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta.

Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:• Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência para os poderes públicos, proibindo,

fundamentalmente, as ingerências destes na esfera jurídico-individual;• Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade

positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos(liberdade negativa).

Portanto, o estudo dos direitos do homem leva a fixar as circunstâncias concretas e históricas de seu difícilreconhecimento e sua polémica inserção no cotidiano dos indivíduos e dos povos.

O ponto central da questão dos direitos humanos, sobretudo no âmbito do terceiro mundo, concentra-se naefetividade dos mecanismos internos e internacionais de implantação desses direitos e no papel dos Estados e dasOrganizações não Governamentais (ONG's).

No relatório da ONU-1993 sobre o Desenvolvimento Humano recomenda-se que as pessoas sejam o sujeito de toda aprodução tecnológica, económica e política. Já Aristóteles ensinava que "a política rege todas as artes e ciências porqueela detém a visão global daquilo que convém produzir para o bem de todos os cidadãos". Coincide, de certa maneira, aposição do grande filósofo, com as medidas sugeridas pela ONU, abaixo mencionadas:

• Reorientação dos mercados que sirvam às pessoas e não pessoas aos mercados;® Desenvolvimento e investimento em novos modelos de desenvolvimento centrados na pessoa humana e

sustentáveis ecologicamente;• Enfoque na cooperação internacional nas necessidades humanas e não nas prioridades dos Estados;® Desenvolvimento de novos padrões de administração global e nacional, com maior descentralização e

possibilitando maior autoridade aos governos locais.Os Direitos Humanos têm um lugar considerável na consciência política e jurídica contemporânea. Implicam, com

efeito, um estado de direito e o respeito das liberdades fundamentais sobre as quais repousa toda democracia.

2. A VIDA COMO VALOR SUPREMO DO SER HUMANONão está em saber quais, quantos são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais

ou históricos, absolutos ou relativos; mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar dassolenes declarações, eles sejam continuamente violados.

O direito humano à vida compreende um "princípio substantivo" em virtude do qual todo ser humano tem comodireito inalienável a que sua vida seja respeitada; e um "princípio processual", segundo o qual nenhum ser humano haveráde ser privado arbitrariamente de sua vida.

O direito à vida é básico ou fundamental porque "o gozo do direito à vida é uma condição necessária do gozo de todosos demais direitos humanos".

Tomado em sua dimensão ampla e própria, o direito fundamental à vida compreende o direito de todo ser humanode não ser privado de sua vida e o direito de todo ser humano de dispor dos meios apropriados de subsistência e de umpadrão de vida decente (preservação da vida, direito de viver). Como bem assinalado por F.Przetacznik, "o primeiropertence à área dos direitos civis e políticos; o segundo, à dos direitos económicos, sociais e culturais".

Em suma, o direito fundamental à vida pertence, a um tempo, ao domínio dos direitos civis e políticos e, em outro, aodos direitos económicos, sociais e culturais. Ilustram assim, a indivisibilidade de todos os direitos humanos.

A atual doutrina internacional dos direitos humanos efetivamente se inclina no sentido de aproximar o direito à vidaem sua ampla dimensão do direito de viver.

3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANAComo princípio da "dignidade humana" entende-se a exigência enunciada por Kant como segunda fórmula do

imperativo categórico: "Age de forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio".

Esse imperativo estabelece, na verdade, que todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si mesmo, possui umvalor não relativo, mas intrínseco, isto é, a dignidade. Substancialmente, a dignidade de um ser racional consiste no fatode que ele "não obedece a nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo". A moralidade, como condiçãodessa autonomia legislativa, é, portanto, a condição da dignidade do homem; e moralidade e humanidade são as únicascoisas que não têm preço.

Todo ser humano, sem distinção, é pessoa, ou seja, um ser espiritual, que é, ao mesmo tempo, fonte e imputação detodos os valores.

A dignidade é atributo intrínseco da essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superiora qualquer preço, que não admite substituição equivalente.

A dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois é -um desses conceitos a priori, um dadopreexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana.

A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídicaquando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático deDireito. Convém ressaltar que não se trata de um princípio constitucional fundamental. Esclarece o eminente ProfessorAfonso da Silva que, a partir da promulgação da Constituição de 1988, a doutrina passou a tentar enquadrar tudo nesseconceito, sem atentar que ele é um conceito que se refere apenas à estruturação do ordenamento jurídico.

4. O VALOR DA PESSOA HUMANA E O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOSO valor da pessoa encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. É por essa razão que a

análise da ruptura - o hiato entre o passado e o futuro, produzido pelo esfacelamento dos padrões da tradição ocidental- passa por uma análise da crise dos direitos humanos, que permitiu o "estado de natureza", e não é um fenómenoexterno, mas interno à nossa civilização, geradora de selvageria, que tornou homens sem lugar no mundo.

Afirma Miguel Reale que, se o homem, em dado momento de sua história, adquire consciência de seu próprio valorcomo pessoa, é sinal que nele havia a priori a condição de possibilidade da aquisição desse valor, o qual, uma vezadquirido, se apresenta como uma invariante axiológica. É a luz desse entendimento, que corresponde a um "historicismoaxiológico1", que apresenta a pessoa como valor-fonte do Direito.

Chama a atenção ainda o fato de que o conceito histórico-axiológico de pessoa não resulta de uma fusão entre o ser eo dever ser, mas sim de sua correlação ou complementaridade - de tal modo que o que é põe o que deve ser e vice-versa,mantendo-se, porém, distintos, numa dialética essencial de polaridade. É a razão pela qual não deve prevalecer nem oaspecto subjetivo ou individual, nem o aspecto objetivo ou social do homem, na ideia de pessoa, pois ambos se exigemrecíproca e completamente.

O conceito de Direitos do Homem encontra-se estritamente vinculado ao conceito de Direito Subjetivo que,compreendido como os direitos inerentes ao indivíduo, originados na tradição europeia, são uma descobertarelativamente recente no pensamento jurídico ocidental.

1 Axiologia e o estudo dos valores humanos.

Com a declaração da independência dos Estados Unidos, consagra-se a vinculação entre direitos subjetivos universaisinerentes ao indivíduo e liberdade, considerada como um direito tão primordial como o direito à vida e o direito à buscade felicidade.

As diferentes Declarações posteriores retomaram, com variações, este tema, até que, com a DECLARAÇÃO DOSDIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, de 28 de agosto de 1789, a própria liberdade, em nome dos alienáveis e sagradosdireitos naturais do homem, passa a ser considerada como uma faculdade, a liberdade de poder fazer tudo que nãoincomoda o outro.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 configurou-se como a primeira resposta jurídica da comunidadeinternacional ao fato de que o direito de todo ser humano à hospitalidade universal (apontado por Kant no terceiro artigodefinitivo do seu Projeto de Paz Perpétua) só começaria a viabilizar-se se "o direito a ter direitos" (para falar como HannahArendt) tivesse uma tutela internacional homologadora do ponto de vista da humanidade.

No mundo contemporâneo continuam a persistir situações sociais, políticas e económicas que contribuem para tornaros homens supérfluos e, portanto, sem lugar no mundo.

O totalitarismo representa uma proposta de organização da sociedade que almeja a dominação total dos indivíduos.Trata-se, em verdade, de um regime que não se confunde nem com a tirania, nem com o despotismo, nem com as diversasmodalidades de autoritarismo, pois se esforça por eliminar, de maneira historicamente inédita, a própria espontaneidade- a mais genética e elementar manifestação da liberdade humana.

O "tudo é possível", na dinâmica do totalitarismo, parte do pressuposto de que os seres humanos são supérfluos. Talpressuposto contesta a afirmação Kantiana de que o homem, e apenas ele, não pode ser empregado como um meio paraa realização de um fim, pois é fim de si mesmo, uma vez que, apesar do caráter profano de cada indivíduo, ele é sagrado,já que na sua pessoa pulsa a humanidade.

A tese de que os indivíduos não têm "direitos", mas apenas "deveres" em relação à coletividade, sem um controle euma participação de cunho democrático dos governados, levou, no totalitarismo, à negação do valor da pessoa humanaenquanto "valor-fonte" da ordem jurídica. Ora, este "valor-fonte" da tradição, que afirma a dignidade do homem graçasà "invenção dos direitos humanos" na interação histórica entre governantes e governados, teve e continua tendo comofunção, servir de ponto de apoio para as reivindicações dos desprivilegiados. No totalitarismo isto não ocorreu, pois osindivíduos foram vistos como supérfluos pelos governantes.

O direito subjetivo é uma figura jurídica afim com a dos direitos do homem e da personalidade, todos representativos,no seu desenvolvimento teórico, do individualismo.

No jusmaterialismo, que inspirou o constitucionalismo, os direitos do homem eram vistos como direitos inatos e tidoscomo verdade evidente a compelir a mente. Por isso, dispensavam, tanto a violência, quanto a persuasão e o argumento.

Com a proclamação dos direitos do homem, a fonte da lei passa a ser o homem e não mais o comando de Deus ou oscostumes. De fato, para o homem emancipado e isolado em sociedades crescentemente secularizadas, as Declarações deDireitos representavam um anseio muito compreensível de proteção, pois os indivíduos não se sentiam mais seguros desua igualdade diante de Deus, no plano espiritual e no plano temporal, no âmbito dos "estamentos" ou ordens das quaisse originavam.

Segundo Bobbio, a Declaração Universal "contém em germe": a síntese de um movimento dialético, que começa pelauniversalidade abstraía dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos e terminana universalidade, não mais abstrata, mas também concreta, dos direitos positivos universais.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos 'é algo mais do que um sistema doutrinário, porém algo menos do queum sistema de normas jurídicas. Uma remissão às normas jurídicas existe, mas está contida num juízo hipotético. ADeclaração proclama os princípios de que se faz, não como normas jurídicas, mas como "ideal comum a ser alcançado portodos os povos e por todas as nações".

Quando os direitos do homem eram considerados unicamente como direitos naturais, a única defesa possível contraa sua violação pelo Estado era um direito igualmente natural, o chamado direito de resistência. Mais tarde, nasconstituições que reconheceram a proteção jurídica de alguns desses direitos, o direito natural de resistênciatransformou-se no direito positivo de promover uma ação judicial contra os próprios órgãos do Estado.

Sabe-se hoje que os direitos humanos são o produto, não da natureza, mas da civilização humana. Enquanto direitoshistóricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação. Hobbes, por exemplo, conheciaapenas o direito à vida.

O desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmava-se os direitos deliberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para osgrupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados osdireitos políticos, os quais, concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, maspositivamente, como autonomia - tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada efrequente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); num terceiro momento, foram

proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências - de novos valores - como os dobem-estar e da igualdade, não apenas formal, e que poder-se-á chamar de liberdade através ou por meio do Estado.

A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentaisna segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foramgravadas de uma vez para sempre.

5. AS GERAÇÕES NOS DIREITOS FUNDAMENTAISDo ponto de vista teórico, pautado por novos argumentos, Bobbio afirma que os direitos do homem, por mais

fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas emdefesa de novas liberdades, contra velhos poderes e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez. Nascem quandodevem ou podem nascer.

Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem - que acompanha inevitavelmente o progressotécnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens - ou cria novas ameaçasà liberdade do indivíduo.

Os direitos fundamentais passaram, na ordem institucional, a manifestar-se em três gerações. E, mais ainda, os direitosde quatro gerações:

• Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumentonormativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que, em grande parte, correspondem, por umprisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.

Os direitos da primeira geração - os direitos de liberdade - têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado,traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico;enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

Os direitos da primeira geração - direitos civis e políticos -já se consolidaram em sua projeção de universalidadeformal, não havendo Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda a extensão.

* Os direitos da segunda geração dominam o século XX. São os direitos sociais, culturais e económicos, bemcomo os direitos coletivos ou de coletividades[12], introduzidos no constitucionalismo das distintas formas deEstado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século.

Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram, inicialmente, objeto de uma formulaçãoespeculativa, em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas Declaraçõessolenes das Constituições marxistas e também, de maneira clássica, no constitucionalismo da socialdemocracia,dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra.

Os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira. Até então,em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade eram de aplicabilidadeimediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador. Com a introdução dosdireitos fundamentais da segunda geração, cresceu o juízo de que esses direitos representam, de certo modo, uma ordemde valores.

De acordo com a nova teorização dos direitos fundamentais, as prescrições desses direitos são também direitosobjetivos e isso levou, segundo Cari Schmitt, à superação daquela distinção material entre as duas partes básicas daConstituição, em que os direitos fundamentais eram direitos públicos subjetivos, ao passo que as disposiçõesorganizatórias constituíam unicamente direito objetivo.

A concepção de objetividade e de valores, relativamente aos direitos fundamentais, fez com que o princípio daigualdade, tanto quanto o da liberdade, tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual, quedemanda tratamento igual e uniforme, para assumir, conforme demonstra a doutrina e a jurisprudência doconstitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado.

• Os direitos fundamentais da terceira geração, dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade,tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteçãodos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento expressivo de sua afirmação como valorsupremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridadeassinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos de esteira daconcretização dos direitos fundamentais.

Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação eao património comum da humanidade.

Admite o jurista E. Mbaya que a descoberta e a formulação de novos direitos é e será sempre um processo sem fim,de tal modo que, quando "um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdadeque devem ser exploradas". Com base nessa constatação, clama o jurista a adequação e a propriedade de linguagemrelativa ao reconhecimento de três gerações de direitos fundados no princípio da solidariedade.

• A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração que, aliás,correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.

São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles dependea concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundoinclinar-se no plano de todas as relações de convivência.

Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes,como absorvem-na, sem, todavia, removê-la - a subjetividade - dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeirageração.

Concluindo, poder-se-á dizer que os direitos da segunda geração, da terceira e da quarta não se interpretam,concretizam-se. É com base nessa concretização que reside o futuro da globalização política, a seu princípio delegitimidade, a força incorporadora de seus valores de libertação. Enfim, os direitos da quarta geração compreendiam ofuturo da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legítima e possível a globalizaçãopolítica.

6. CONCLUSÃOAlgumas questões merecem ser ressaltadas diante dessa complexa e permanente problemática - os Direitos

Fundamentais da Pessoa Humana:® O valor da pessoa, enquanto conquista histórico-axiológica, encontra a sua expressão jurídica nos direitos

fundamentais do homem;

o Os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira geração.Com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração, cresceu o juízo de que esses direitosrepresentam, de certo modo, uma ordem de valores;

® A dignidade da pessoa humana e o exercício da cidadania são considerados princípios fundamentais da Carta MagnaBrasileira de 1988;

e A partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), uma série de instrumentos internacionais veio àluz para abordar os temas mais variados dos direitos inalienáveis da pessoa humana;

® Os direitos contidos na Declaração Universal são uma conquista da humanidade que conclama a uma lutapermanente para dar-lhes vigência e permanente responsabilidade. Não é suficiente que estejam declarados eescritos. Devem torná-los realidade a fim de se evitar que permaneçam no plano do discurso teórico.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.2. ed. São Paulo: Mestre Ju, 1982.BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.Rio de Janeiro: Campus, 1992.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1996.CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional.6. ed.rev. Coimbra: Almedina, 1995.LAFER, Celso. Desafios: Ética e Política. São Paulo: Siciliano, 1995.REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990.TRINDADE, A.A. Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993.

Qs alunos, em grupos, após a leitura do texto, devem responder às seguintes questões:

1 - Esclareça por que os Direitos Humanos têm um lugar considerável na consciência política e jurídicacontemporânea?

2 - Por que o direito fundamental à vida pertence tanto ao domínio dos direitos civis e políticos quanto ao dosdireitos económicos, sociais e culturais?

3 - Quais são as características principais dos Estados Totalitários, em relação aos Direitos Humanos?

4 - O que acontecia no passado, relativamente à possibilidade de defesa dos indivíduos, quando os direitos dohomem eram considerados unicamente como direitos naturais?

5 - Esclareça a evolução dos direitos fundamentais.

6 — O que são Gerações de Direitos? Detalhe.