Teaser "Escuta Essa" - POPCULT DE BOLSO

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Teaser do livro "Escuta Essa", que será lançado no dia 2 de maio no site Rock 'n' Beats (www.rocknbeats.com.br)

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texto: THIAGO DALLECK

LUDOV o passado

Nascido e criado em São Paulo, Thiago Dalleck é uma cabeça e várias ideias, um pouco de acidez e uma dose de escrúpulos – sal a gosto. 22 anos, formado em Design Digital, é editor do Escuto no Metrô. Na Fábrica de Prosopopeias, rascunha poesias, contos e crônicas, nas horas vagas e não vagas. Prefere o Paul do que o John.

Álbum: “Caligrafia”, 2009Composição: Mauro MotokiSelo: Liga Leve/12 Dólares

ilustração: SABRINNA SUZUKISabrinna é um grande clichê paulistano: marca encontros na catraca do metrô, tem rinite por causa da poluição e acha refúgio em atividades solitárias. O papel diz que ela é bacharel em Comunicação, mas seu coração sempre foi das artes. De todas as artes: fissurada pela franquia nintendista Zelda, ela se orgulha da tatuagem do Hyrule Crest que carrega nas costas. HQs, filmes, músicas, pinceis, lápis, contas pra pagar, sonhos e uma porrada de boas conversas. Ela é igual a todo mundo, mas jura ser gente boa!

escuta essa!►letra da música

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{domingo}

A chuva é um acontecimento interessante. Mais do que água caindo do céu, não é apenas um fenômeno. A chuva é um sen-timento. A alma sente os pingos finos da garoa, cobrindo os ombros de quem acabou de se despedir para sempre de outro alguém. Numa tempestade vista pela janela fechada, lágrimas do céu escorrem no vidro embaçado. O ambiente torna-se parte integrante de um mundo monocromático. Os pensamentos mais inquietantes voltam a surgir, aquecendo o olhar vago.

Uma voz suave como a primavera vem redizer as verdades que o orgulho ousou enterrar. Os trovões colaboram para a chuva ficar mais intensa. Os raios de sol tentam se libertar, mas nuvens ne-gras ainda derramam água sobre a cidade. São só quatro horas da tarde, mas a melancolia já vem fazer companhia pela terceira vez no dia.

A esperança de um arco-íris é o mesmo remorso do passado. As coisas poderiam ter sido diferentes. A nostalgia está ali, cantando baixinho para o coração livrar-se do peso e dormir em paz.

É possível que a música termine antes que as dores se assentem. Elas sempre voltam. Elas também podem doer, independentes da tristeza – clamando por apatia. No universo das dores mais solitárias, existe um lago frio e distante. Distante das pessoas, distante dos sentimentos. Submerso no lago, um novo ser está prestes a se libertar da placenta, para respirar o ar impuro que a natureza humana lhe oferece. Este ser é o subconsciente, preso e torturado pelo frio. A solidão, por sua vez, é só o vento, que deixa de soprar as folhas das árvores para contemplar sua beleza.

Por onde a lágrima passa, a alma renovada purifica a pele. A chu-va purificou o céu. O sol já está voltando.

Paulo terminava de lavar a louça naquela tarde de domingo. Não havia quase nada para lavar. Uns dois pratos, talheres e um copo. Morava sozinho em uma casa alugada, na cidade pequena onde

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estudava. Secando o copo, viu pela janela da cozinha um carro de sorvetes rodeado de crianças. As crianças gritavam os pedidos. O motorista estacionou e a moça que o acompanhava começou a entregar picolés e geladinhos.

Três vezes por semana, o carro de sorvetes passava por aquela rua. Vez ou outra, Paulo não resistia e comprava um. Deixou o pano e o copo na pia e saiu pela porta. Aproximou-se do carro.

- Você tem aquele de brigadeiro? – Perguntou Paulo.

- Ainda tem sim – disse a moça. – Vai querer um só?

- Isso. Só um. De brigadeiro – Paulo tirava as moedas do bolso enquanto a moça buscava o picolé no fundo do isopor.

Com o sorvete em mãos, Paulo sentia-se novamente criança. Cer-cado de responsabilidades prematuras, era tudo o que conseguia para amenizar e adoçar a vida. Voltou para casa e sentou-se no sofá da sala. Tirou o picolé do plástico e deixou pingar pelo chão. O gato, gordo e marrom, dividia o espaço do sofá velho com Pau-lo. Ele ainda não havia dado um nome para o gato, achou-o com fome numa rua próxima, voltando da faculdade. Seria um bom companheiro para as noites e os fins de semana. Paulo não saía muito. Nunca quis se isolar, mas não gostava de ruídos. Vivia mer-gulhado nos livros, estudando.

Ligou a TV. Um pouco de imbecilidade sempre cai bem. Passava um programa de auditório em um canal qualquer. “Olha todos esses personagens, a maquiagem derretendo de suor e cansaço”, pensava. “Olha esse palco distorcido, distorcendo as almas. Olha essas fantasias, os sorrisos...”

Paulo dormia no sofá todo sábado, com a TV ligada. Procurava algum filme ruim pra ver e comia besteiras até pegar no sono. O cobertor que trouxe da casa de seus pais ainda estava lá, servin-do de cama para o gato. Deitou, ajeitou o cobertor nos pés e deixou o apresentador do programa de auditório “comandar seu domingo”, como a propaganda sempre anunciava.

Ele sentia o apresentador olhando em seus olhos, pressionando sua vida. A plateia aplaudia e gritava sempre que uma palavra

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com entonação mais forte era dita. Todos que presenciavam o show de bizarrices – a atração principal do programa – se diver-tiam e gritavam. Gritavam mais que as crianças em volta do carro de sorvetes. Aquilo era o sorvete deles. A cada grito em uníssono emitido pelo público, a TV de Paulo chiava. O som não estava muito bom. Ou talvez a própria TV já não quisesse ouvi-los.

O picolé pingava no sofá. Paulo se concentrava para conseguir rir do que via. O chão estava sujo, como a casa toda. Algumas formi-gas começaram a aparecer. O picolé continuava a pingar. O gato olhava de soslaio; de olhos semiabertos, vigiava as formigas. Pau-lo estava prestes a dormir novamente no sofá.

A cabeça pesou e a voz do apresentador desapareceu. Tudo o que restou foi a escuridão de seus olhos fechados percorrendo o infinito. Estava de volta ao fundo do lago gélido. Seus pais da-vam-lhe a mão através da água, tentando puxá-lo para a super-fície. Davam-lhe a mão, pois Paulo pedia com o olhar. Viu num relance a luz do sol brilhando no reflexo do lago. Havia uma gar-rafa de vidro boiando. Nadava para cima, em direção à garrafa, mas a superfície do lago parecia inalcançável. Pessoas sorrindo o abraçavam e nadavam junto com ele, mas não o deixavam subir.

Sentiu-se cego e sem ar. O desespero que o cegava impedia Pau-lo de enxergar o caminho para a superfície. Estava desesperado por um sopro de vida, por um olhar sincero. Perdendo completa-mente o fôlego e já desfalecendo no fundo do lago, viu o apre-sentador da TV sorrindo para ele, oferecendo-lhe tudo o que pre-cisava para realizar seus sonhos, bastava tomar uma atitude. O apresentador começou a gargalhar e exclamou novamente com entusiasmo: “realize todos os seus sonhos!” Uma multidão saiu de um palacete submerso e começou a aplaudir e a gritar. Muitos também gargalhavam.

Paulo despertou assustado. Impulsivamente, sentou-se no sofá e chegou a derrubar o gato. As mãos seguravam a cabeça, os cotovelos apoiavam-se nas pernas. A TV estava desligada, havia pifado de vez. A chuva voltara.

Pegou o gato no colo e o acariciou, enquanto seus olhos arrega- lados e o coração disparado discerniam o pesadelo da realidade. Não sabia qual dos dois mundos o incomodava mais.

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Levantou e colocou o gato no sofá. Limpou com um pano as go-tas de sorvete do chão. Encheu de ração a tigela do gato sem nome. Desligou a TV da tomada.

Paulo foi até o quarto. Havia roupas espalhadas numa cadeira e na cama desarrumada. Pegou uma blusa de moletom no guar-da-roupa – ia sair para caminhar e olhar a noite. Vestiu a blusa e colocou as mãos nos bolsos. Tirou um papel do bolso, desdobrou e viu que era um bilhete. Parecia bem velho. Nele lia-se “Os fins de semana nascem para trazer paz. Pena que entre eles existam as semanas. Obrigado por existir”. Paulo lia e relia as palavras es-critas com sua letra torta. Deveria ter entregue o bilhete, deveria ter tomado uma atitude. Era um futuro que não viria mais.

As lembranças dos sonhos compartilhados inundam os olhos, quando os sonhos já são impossíveis. Os dias juntos, o “até logo, já tô com saudades”, todos os presentes e o presente que virou passado... Tudo isso embolado na memória poética, versificam acontecimentos e são colocados numa garrafa de vidro. Uma garrafa que flutua sobre o lago das dores subconscientes.

Paulo ficou imaginando como seria o seu próprio mundo se esse bilhete tivesse sido entregue. Naquele momento, um novo sen-timento surgiu. A angústia do arrependimento. Antes tarde do que nunca.

O amanhã terá um pouco mais de hoje, mas com nome diferente. Paulo se perguntava quem foi que colocou nome nos dias da se-mana. Isso só enganava os tolos.

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ALEXANDRE SPIACCIAMARO MOTA

ANA CLARA MATTAANA PAULA SANTOS

ANDRÉ FELIPE DE MEDEIROSANDRÉ MAGALHÃES

CARLOS ALEXANDRE MONTEIROCAROL TAVARESDANIEL CORRÊA

DANIELLY FRIEDRICHDÉBORA ZANINIEDUARDO ARAÚJOELAINE BARBOSA

ENZO ROSETTIFILIPE C.

GUILHERME PIETROBONIVAN PERINA

IZADORA PIMENTAJORGE WAGNER

JÚLIA THUM SCHMIDTKARINA PILOTTOLUCAS SANTANALUCIANA ESTEVAMMARCELO PERDIDO

MARCOS XIMARIANA ROSAMARÍLIA ROCHANINA ROCHAMATHEUS WEYHSORAIA ALVES

THIAGO DALLECK