Teatro Mato Grossense

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TEATRO MATO-GROSSENSE: HISTÓRIA, CULTURA E IDEOLOGIA Agnaldo Rodrigues da Silva Universidade Estadual do Mato Grosso Resumo: O teatro no período colonial era apresentado com o objetivo de dominar Mato Grosso por meio da arte. Com o tempo, a população inseriu nas peças elementos da cultura local, instigando a criatividade e dando ênfase às peças essencialmente mato-grossenses. Nesse sentido, pode-se afirmar que a cultura teatral que se instalou em Mato Grosso sofreu inevitáveis influências portuguesas, permanecendo os resquícios nas produções dos escritores do século XX. Palavras-chave: Teatro, mato-grossense, cultura, colonial, atualidade. Abstract: The theatre, in the colonial period, was performed with the purpose of controlling Mato Grosso through the arts. As time went by, the population inserted in the plays elements of the local culture, inciting the creativity and giving emphases to the plays which were essentially mato-grossenses. On that way, it can be said the theatrical culture installed in Mato Grosso underwent inevitable Portuguese influences, keeping the vestiges in the productions of the XX century writers Keywords: theatre, mato-grossense, culture, colonial, present-day. 1. O Percurso Teatral a a Necessidade da Pesquisa O teatro mato-grossense é um tema que precisa ser pesquisado na literatura brasileira. Percebemos que os críticos mato-grossenses falam sobre o teatro no Mato Grosso, em que são colocadas em foco peças teatrais de outros escritores brasileiros ou de outras nacionalidades. De fato, o teatro chegou ao Mato Grosso no século XVIII, num momento em que Cuiabá vivia o ciclo do ouro e que fez do teatro um veículo de dominação colonial. Assim, “o cenário da economia do ouro – característica da história colonial – é de crise. É nesse panorama que vão ocorrer as manifestações artístico- teatrais e festejos populares que estimularam e acabaram por definir toda uma teia de influências culturais” (LOTT, 1986, p. 17). Mato Grosso vivia uma realidade em dois contextos distintos: de um lado, a pobreza da população (índios, negros e brancos) que vivia uma época de crise, e de outro a grande evasão do ouro com destino à Europa. A relação colonizador/colonizado estava estabelecida e o pensamento seguia exatamente pelo viés que define o perfil entre explorado e explorador, entre quem deve mandar e quem deve obedecer. Desse modo, o pensamento do colonizador propunha que para dominar economicamente a região era necessário dominá-la também culturalmente. Foi pensando nessa perspectiva que os portugueses introduziram na capitania o gosto pelo teatro, que, sem dúvida, teve uma importância crucial na política de dominação. Conseqüentemente, nenhuma outra capitania aderiu tão intensamente o teatro quanto Mato Grosso, pois documentos históricos indicam que no período compreendido entre 1719, data da fundação de Cuiabá, até 1822, pelo menos uma centena de peças teatrais foi representada. Por esse motivo, Mato Grosso deveria ter destaque na história do teatro brasileiro e isso infelizmente não aconteceu, bastaria, pois, comparar com outros

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  • TEATRO MATO-GROSSENSE: HISTRIA, CULTURA E IDEOLOGIA Agnaldo Rodrigues da Silva Universidade Estadual do Mato Grosso

    Resumo: O teatro no perodo colonial era apresentado com o objetivo de dominar Mato Grosso por meio da arte. Com o tempo, a populao inseriu nas peas elementos da cultura local, instigando a criatividade e dando nfase s peas essencialmente mato-grossenses. Nesse sentido, pode-se afirmar que a cultura teatral que se instalou em Mato Grosso sofreu inevitveis influncias portuguesas, permanecendo os resqucios nas produes dos escritores do sculo XX.

    Palavras-chave: Teatro, mato-grossense, cultura, colonial, atualidade.

    Abstract: The theatre, in the colonial period, was performed with the purpose of controlling Mato Grosso through the arts. As time went by, the population inserted in the plays elements of the local culture, inciting the creativity and giving emphases to the plays which were essentially mato-grossenses. On that way, it can be said the theatrical culture installed in Mato Grosso underwent inevitable Portuguese influences, keeping the vestiges in the productions of the XX century writers

    Keywords: theatre, mato-grossense, culture, colonial, present-day.

    1. O Percurso Teatral a a Necessidade da Pesquisa

    O teatro mato-grossense um tema que precisa ser pesquisado na literatura brasileira. Percebemos que os crticos mato-grossenses falam sobre o teatro no Mato Grosso, em que so colocadas em foco peas teatrais de outros escritores brasileiros ou de outras nacionalidades. De fato, o teatro chegou ao Mato Grosso no sculo XVIII, num momento em que Cuiab vivia o ciclo do ouro e que fez do teatro um veculo de dominao colonial. Assim, o cenrio da economia do ouro caracterstica da histria colonial de crise. nesse panorama que vo ocorrer as manifestaes artstico-teatrais e festejos populares que estimularam e acabaram por definir toda uma teia de influncias culturais (LOTT, 1986, p. 17). Mato Grosso vivia uma realidade em dois contextos distintos: de um lado, a pobreza da populao (ndios, negros e brancos) que vivia uma poca de crise, e de outro a grande evaso do ouro com destino Europa. A relao colonizador/colonizado estava estabelecida e o pensamento seguia exatamente pelo vis que define o perfil entre explorado e explorador, entre quem deve mandar e quem deve obedecer. Desse modo, o pensamento do colonizador propunha que para dominar economicamente a regio era necessrio domin-la tambm culturalmente. Foi pensando nessa perspectiva que os portugueses introduziram na capitania o gosto pelo teatro, que, sem dvida, teve uma importncia crucial na poltica de dominao. Conseqentemente, nenhuma outra capitania aderiu to intensamente o teatro quanto Mato Grosso, pois documentos histricos indicam que no perodo compreendido entre 1719, data da fundao de Cuiab, at 1822, pelo menos uma centena de peas teatrais foi representada. Por esse motivo, Mato Grosso deveria ter destaque na histria do teatro brasileiro e isso infelizmente no aconteceu, bastaria, pois, comparar com outros

  • totais de representaes registradas em todas as outras capitanias brasileiras, que no geral no passaram de setenta. A cultura mato-grossense sofreu a grande influncia da cultura europia por meio das manifestaes teatrais, aspectos que tambm foram determinantes na formao do teatro essencialmente produzido (no sentido de escrito por escritores mato-grossenses ou que viveram no Mato Grosso) no Mato Grosso. No perodo colonial podemos indicar algumas datas significativas do teatro em Mato Grosso: 1729, 1761, 1763, 1769, 1772, 1777, 1782, 1786, 1790, 1794, 1795, 1796, 1807, 1817 e 1820. Se adotarmos um critrio poltico para analisar esses perodos e o contedo das peas teatrais representadas, podemos assim distribuir: a) 1719 (data da fundao da Vila Bom Jesus de Cuiab) a 1752 poca das primeiras descobertas do ouro; b) 1752 (ano do surgimento da capitania de Mato Grosso) a 1822: instalao da mquina burocrtica, o pico e o declnio da minerao, convivncia com a instabilidade e o aventureiro. Se considerarmos os aspectos econmicos, adotaremos outro critrio: a) 1719 a 1760 descoberta, pico e declnio da minerao; b) 1760 a 1790 surgimento da rota econmica do Guapor; c) 1791 a 1822 busca de outras atividades econmicas.

    LOTT (1986, P. 26) destaca que a origem do teatro brasileiro est toda no teatro portugus. O teatro portugus, por sua vez, caudal do teatro espanhol, do italiano e do francs. Tanto o ndio como o africano foram engajados pelo branco nas manifestaes teatrais, seja pelo teatro catequsico ou pelo teatro profano. Portanto, o teatro em Mato Grosso tem a origem no teatro portugus, que por seu lado recebia influncia dos teatros espanhol, italiano e francs, conseqentemente. Entre obras de Gil Vicente, Antnio Jos da Silva o Judeu e Molire, Mato Grosso teve representaes de outras peas de origem portuguesa, cujos autores aqui chegavam como desconhecidos: Entremez ou Comdia Saloio Cidado e outro entremez, Comdia do Conde de Alarcos e dois entremezes, Entremez O Tutor Enamorado ou a Fbrica das Mulheres, Emira (dedicada fidalguia de Portugal), dentre vrias outras. MOURA (1976, P. 35) ressalta a avaliao que o cronista Joaquim Ferreira Moutinho faz em 1867 sobre a recepo e o desenvolvimento do teatro na Cuiab daquele perodo, ao afirmar que dava esperanas o theatro, porque os cuyabanos, no obstante estarem muito longe das boas escholas, manifestavo comtudo grande gosto pela arte dramtica.1 Pelo depoimento acima, percebe-se que o teatro possua todo arsenal de possibilidades para proliferao no Estado, mas no foi isso que aconteceu. Continua-se a representar peas de outros estados ou nacionalidades e as peas essencialmente mato-grossenses no tiveram uma receptividade positiva nem da crtica, muito menos dos profissionais da arte de produzir teatro para os palcos. Lembremos de Fortes, ao afirmar que o teatro poder ser julgado bom ou mal ao mesmo tempo, dependendo da situao histrico-social considerada: ser bom para um determinado povo e mau para outro (1997, p. 150). Fortes, portanto, acaba por extrair do espetculo teatral uma viso de mundo poltico e politizante e os aspectos decisivos da formao do cidado, bem nos moldes pelos quais os autores gregos de teatro tratavam as temticas: quer dizer, politizar o povo pela arte teatral porque ela se apresenta ao pblico como se fosse

    1 Escrito conforme na fonte. Moura cita a fonte dessa informao: Joaquim Ferreira Moutinho, Notcias

    sobre a Provncia de Matto Grosso, seguida Dum Roteiro de Viagem da sua Capital S.Paulo, S Paulo, 1869, p. 18.

  • a prpria realidade por meio dos atores, uma politizao que certamente ideolgica. Dominar Cuiab, por exemplo, era um negcio de grande renda, pois, o ciclo do ouro que propiciou a fundao, teve como origem o expansionismo das Bandeiras Paulistas do sculo XVIII, objetivando primordialmente prear ndios, negcio rendoso na poca, como assinala Paulo Setbal: prear ndios representa o melhor negcio dos paulistas, ouro e pedras so coisas vagas; mas o ndio coisa certa (Junior, 2006, p. 17). Diante desse contexto, h uma necessidade crucial em realizar um levantamento das peas teatrais mato-grossenses a partir do sculo XX, para fazer uma avaliao dessas peas, bem como das crticas j produzidas sobre elas, que at agora esto feitas, basicamente, em jornais e peridicos. H alguns outros projetos que tm feito uma reflexo, anlise e difuso da literatura mato-grossense, no entanto tais projetos investiram exclusivamente no romance, na crnica, no conto e na poesia, e o teatro mais uma vez est excludo. , tambm, necessrio resgatar os valores do gnero dramtico, especificamente o teatro, bem como promover uma discusso sobre um assunto instigante que ao mesmo tempo em que diverte, ensina para a vida. Mesmo observando a positiva recepo do teatro em pontos estratgicos do Mato Grosso, como Cuiab e Vila Bela da Santssima Trindade (1 capital do Mato Grosso), por exemplo, a tradio teatral no teve muito xito no estado. A tradio das representaes permaneceu em Cuiab, em propores tmidas, mas nas outras cidades quase nula. Pvoas (1994, p. 37) faz referncia s cidades de Tangar da Serra, Rondonpolis e Santo Antonio de Leverger para destacar as atividades teatrais de alguns grupos amadores, cujas atuaes os levaram a realizar apresentaes pelo interior do estado e a participarem de festivais em outros estados do Brasil. Alguns escritores mato-grossenses ou que viveram no Mato-Grosso aventuraram-se em escrever teatro, mas as peas no alcanaram o xito esperado, tanto que os estudiosos nunca se voltaram a um estudo especificamente sobre eles. Vale destacar que os autores de peas teatrais mato-grossenses so referendados por suas atuaes polticas no Estado ou por suas atuaes na poesia ou na prosa, como o caso do escritor Padre Raimundo Conceio Pombo Moreira (foi membro da Academia Mato-grossense de Letras), entre outros. Nesse sentido, o romance, a crnica e a poesia tiveram desde sempre um reconhecimento considervel, e muitos escritores desses gneros tm despontado nos ltimos anos. O teatro tem enfraquecido, pois Mato Grosso continua a representar peas de outros escritores no-mato-grossenses e as que tm sido produzidas no so publicadas. necessrio, em regime de emergncia, desenvolver uma poltica de incentivo s publicaes das peas teatrais, bem como de financiamento dos grupos amadores existentes. Somente assim a cultura do teatro far parte do cotidiano cultural mato-grossense, da capital s cidades interioranas. Muitas peas teatrais escritas por mato-grossenses foram encenadas, mas encontram-se, hoje, em acervos bibliogrficos praticamente inativas. Alguns acervos foram doados s escolas particulares que por sua vez impedem o acesso do grande pblico, alis, at mesmo os pesquisadores sobre o assunto tm dificuldades de acesso. Por isso, alm de avaliar as peas teatrais e as crticas j produzidas sobre elas, crucial dar incentivo reedio de algumas dessas obras, por meio de parcerias com rgos de fomento cultura, no Estado de Mato Grosso. Isso possibilitaria a circulao das obras e as colocariam disponveis nas livrarias e bibliotecas pblicas. So pretenses que, paulatinamente, tornam-se desafios. O primeiro passo descobrir os acervos e onde eles esto abrigados para em seguida travar uma luta poltico-cultural pelo acesso a essas peas teatrais. Mas no s isso: muitos grupos teatrais tm realizado apresentaes de novas peas, no entanto, essas exemplaridades

  • no esto sendo publicadas. necessrio ver o teatro como necessidade cultural, mas a falta de incentivo denuncia categoricamente o contrrio. Exceto que na poca urea do teatro em Mato Grosso, no sculo XVIII, apresenta-se hoje como um cone da histria de nosso Estado, alm do que se tratava de peas com teor poltico e para ter um efeito poltico. Porm, o uso da histria em espetculos teatrais no Brasil, como bem comenta SantAnna (1997, p. 198), nasceu vinculado a um movimento e insatisfao, no s com a histria que estava acontecendo, mas com o prprio teatro e com o pblico que o freqentava, da sua colorao poltica e sua trajetria esttica desigual em virtude do perfil de cada artista e das mudanas na realidade brasileira. A observao de SantAnna refere-se, certamente, ao moderno teatro brasileiro, qui mais precisamente a dcada de 60. Mato Grosso no foge desse emblema, tendo em vista que a produo do teatro nos sculos XX e XXI perseguem a temtica da crtica ou da denncia social, pautada nos problemas scio-polticos. Problemas esses que acarretariam, pelo que vimos historicamente, crises de cunho econmico, cultural e existencial. A crtica apresenta nomes de peas produzidas por escritores mato-grossenses. Porm, essas exemplaridades no se encontram arquivadas na Academia Mato-grossense de Letras, um fato incompreensvel, mas real. Nessa perspectiva, pode-se contar, portanto, com os acervos disponveis na Biblioteca Pblica do Estado, no Arquivo Pblico organizado pela Secretaria de Estado de Administrao, nas escolas Salesianas de Cuiab (onde h muito do material de que vamos precisar, cujo nosso acesso foi interditado), bibliotecas da Universidade do Estado de Mato Grosso e da Universidade Federal do Mato Grosso e vasta pesquisa na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Muitos intelectuais mato-grossenses, em diversos pontos do estado, tm, nos seus acervos pessoais, materiais indispensveis a esta pesquisa, por isso suas contribuies sero cruciais.

    2. Teatro e Ideologia

    As peas teatrais representadas em Cuiab, entre o sculo XVIII e XIX, eram adaptadas de modo a incorporar algumas expresses e aspectos culturais tpicos do lugar, uma infiltrao da cuiabania nos textos. O que predominava era a ideologia do colonizador, fugindo dos parmetros daquilo que conhecemos como teatro popular. Nesse perodo, no havia condies de se pensar num espetculo teatral que compreendesse essa proposio. J a partir do sculo XX, com a escrita de peas teatrais feitas por escritores mato-grossenses as coisas mudaram, j que mesmo diminuindo a popularidade do teatro, o teatro escrito era popular. Um teatro que passou a falar da terra, da cultura, do povo, das crendices, da poltica, da economia, enfim de tudo aquilo que canta o estado das belas matas: o Mato Grosso. Rosenfeld (1982, p. 42) afirma que o teatro, enquanto atual e popular, no pode deixar de se interessar com as preocupaes e angstias do povo. Deve ter, antes de tudo, o objetivo de defender os interesses do povo e de, por conseguinte, apresentar, analisar e interpretar a realidade criticamente, visando conscientizao do seu pblico. Tomando por parmetro os apontamentos de Rosenfeld vejamos que necessrio conhecer o contexto histrico dos sculos XVIII e XIX para compreender os efeitos que as representaes teatrais trazidas para a capitania tiveram no pblico mato-grossense, para a partir da avaliar a situao social desde o sculo XX at hoje, a fim de gerar um senso crtico da evoluo do teatro em Mato Grosso. Outro aspecto instigar a valorizao de exemplaridades da literatura brasileira que ficaram restritas ao emblema de uma literatura regional mato-grossense sem

  • nenhuma perspectiva de circulao nacional ou internacional. O Mato Grosso no um estado que tenha tradies no teatro como Rio de Janeiro, So Paulo e outros estados desenvolvidos nesse setor, mas oferece peas ricas em cultura e que precisam ser focalizadas num estudo especfico. As peas precisam, tambm, ser encenadas para que tenham o sentido para o qual foram escritas. Isso quer dizer que o texto cnico s se transforma em pea de teatro caso sejam representadas no tableau: o palco. necessrio que, numa perspectiva da problematizao e da investigao, com uma postura dialgica de entendimento e compreenso do nosso lugar enquanto crticos de literatura e teatro, proceder avaliao dos textos cnicos produzidos por escritores mato-grossenses a partir do sculo XX e dar a conhecer mais um dos aspectos da cultura mato-grossense, cultura esta que rica nas mais diversas manifestaes culturais. Para que se chegue a esse patamar da pesquisa, precisamos, de antemo, destacar o percurso do teatro ao longo do tempo, pois somente assim compreenderemos o tempo da produo teatral. Hauser (2000, p. 1) afirma que a lenda da Idade do Ouro muito antiga. No conhecemos exatamente qual a razo sociolgica da venerao pelo passado; talvez tenha razes na solidariedade tribal e familiar, ou no empenho das classes privilegiadas em basear seus privilgios na hereditariedade. Seja, porm, qual for a razo, o sentimento de que o que antigo deve ser melhor ainda to forte, que os historiadores da arte e os arquelogos no recuam diante da falsificao histrica quando tentam provar que o estilo artstico que mais os atrai tambm o mais antigo. Alguns declaram estar a arte baseada em princpios estritamente formais, na estilizao e idealizao da vida; outros, que se baseia na reproduo e preservao da existncia natural das coisas, constituindo a mais antiga evidncia de atividade artstica segundo vejam na arte um meio de dominar e subjugar a realidade, ou a vivenciem como um instrumento de submisso natureza. A importncia em pesquisar o teatro mato-grossense a partir do sculo XX reside no fato de que os trabalhos at hoje realizados baseiam-se em peas representadas na poca do ciclo do ouro, em Cuiab ou em Vila Bela da Santssima Trindade, primeira capital do Estado de Mato Grosso. Os trabalhos publicados e que alcanaram respeitabilidade crtica voltam se para o teatro em Mato Grosso no sculo XVIII; esses trabalhos fazem pouca referncia s obras produzidas por autores mato-grossenses, ou seja, textos cnicos escritos a partir da projeo e da valorizao da cultura local, alm dos projetos histricos e sociais neles contidos. Precisamos recuperar essas peas teatrais representadas no passado do ciclo do ouro, mas esse ser um trabalho que deve convergir para o entendimento das peas teatrais produzidas a partir do sculo XX, garantindo, assim, os subsdios necessrios realizao de uma avaliao crtica das exemplaridades encontradas, ou seja, do teatro a partir do sculo passado. Concordamos com Hauser no ponto de vista citado na abertura desta justificativa, j que lidar com o passado realmente algo fascinante e encontramos aspectos que nos ajudam a compreender o presente. Coelho (2003, prefcio) vem ao encontro desse pensamento ao dizer que para entender o hoje necessrio lanar os olhos ao passado, e que o ontem s faz sentido porque interfere no hoje. Cuiab, hoje capital do estado de Mato Grosso, o maior espao onde se incentiva as manifestaes teatrais. Alguns grupos, como os universitrios, tm investido em produes teatrais que valorizem a cultura do estado, por isso muitas apresentaes possuem danas regionais, como o caso do Siriri e do Cururu, bem como outros costumes. H de se considerar que a Vila Real do Senhor do Bom Jesus de Cuiab viveu mais de duzentos anos praticamente isolada do resto dos chamados

  • grandes centros urbanos do Brasil e talvez esse isolamento tenha lhe propiciado a preservao das vrias reas da atividade humana, tais como: a maneira de viver, o social, a cultura, o linguajar, a religiosidade, aspectos geogrficos e urbansticos, comenta Junior (2006 p. 11). Alm disso, os movimentos culturais eclodidos no seio da sociedade mato-grossense gradativa. Em termos histricos de herana cultural, a capital do Estado avana sempre em busca de melhorias, desde quando era o Arraial, passando para Vila e chegando categoria de Cidade. Houve e ainda h movimentos de grande importncia para o engrandecimento cultural, mesmo que ainda impulsionados por questes geopolticas. Hoje, por exemplo, a enorme e variada produo literria no Mato Grosso no consegue divulgao satisfatria devido ao fator econmico e sempre fora assim. Produzir um livro, ou um espetculo teatral de boa qualidade, custa muito caro e por isso ningum vive da produo literria ou artstica Todas as questes levantadas neste artigo so pertinentes para afirmar a importncia, a viabilidade e o ineditismo do estudo sobre o teatro a partir do sculo XX, pois Mato Grosso precisa despontar, cada vez mais, no cenrio nacional da literatura, e hoje, como se sabe, os textos cnicos entram para o cnone pelo vis da literatura. Sendo assim, precisamos voltar os olhos aos projetos que venham a contribuir na valorizao da cultura. Neste caso particular, iremos aderir a perspectiva por meio do teatro, j que a pesquisa envolve peas teatrais de um perodo ainda no sistematizado pela crtica, e como em frisa Rosenfeld (2002, p. 7) pouqussimos livros apresentam uma reflexo original, que traga luzes inditas para o pensamento sobre as artes cnicas. Da avaliao das peas teatrais a partir do sculo XX e da crtica j existente sobre elas, pode-se pensar em mecanismos para re-edio das obras mais relevantes, com auxlio da Secretaria do Estado de Cultura, de outros rgos de fomento Cultura e das Universidades, a exemplo de outros projetos que fomentam a re-edio da prosa, da poesia e da crnica. A partir da, fomentar a produo teatral propriamente dita, com representaes de peas de escritores mato-grossenses, em festivais ou outros eventos de natureza cultural. A re-edio das obras teatrais mais significativas e a produo de festivais sero conseqncias positivas de um trabalho mais aprofundado e sistematizado, intenes que se somaro aos outros esforos de intelectuais e artistas em busca de um boom da cultura de Mato Grosso. Temos que destacar, necessariamente, o empenho que a sociedade mato-grossense tem feito para preservar sua cultura e estabelecer novas diretrizes para o quadro homogneo de cultura da atualidade. A contribuio de cada um de ns, que tem a predisposio para pesquisar, influi decisivamente no fortalecimento de diretrizes para preservar e difundir a cultura do Estado. Da perspectiva intelectual chegamos a uma necessidade social que revela um Mato Grosso repleto de caminhos ainda desconhecidos no mbito da cultura, pois se trata de um verdadeiro manancial que precisa ser gradativamente experimentado.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    COELHO, Nelly Novaes (prefcio). In: RODRIGUES, Agnaldo. O Futurismo e o Teatro. Cceres: Unemat Editora, 2003. FORTES, Luiz Roberto Salinas. Paradoxo do Espetculo: Poltica e Potica em Rousseau. So Paulo: Discurso Editorial, 1997. HAUSER, Arnold. Histria Social da Arte e da Literatura. Trad. de lvaro Cabral. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

  • JUNIOR, Moiss Mendes Martins. Revendo e reciclando a Cultura Cuiabana. Cuiab: Janina, 2006. LOTT, Alcides Moura. Teatro em Mato Grosso Veculo da dominao colonial. So Paulo/UFMT, 1986. MOURA, Carlos Francisco. O Teatro em Mato Grosso do Sculo XVIII. UFMT/Belm/ SUDAM, 1976. PVOAS, Lenine C. Histria da Cultura Matogrossense. Cuiab: Academia Mato-grossense de Letras, 1994. ROSENFELD, Anatol. O Mito e o Heri no Moderno Teatro Brasileiro. So Paulo: Perspectiva, 1982. ___________. O Teatro pico. 4.ed. So Paulo: Perspectiva, 2002. SANTANNA, Catarina. Metalinguagem e Teatro. TCuiab: EDO/UFMT, 1997.