Teoria das relações inTernacionais i

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Indaial – 2020 TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS I Prof.ª Mariana Balau Silveira 1 a Edição

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Indaial – 2020

Teoria das relações inTernacionais i

Prof.ª Mariana Balau Silveira

1a Edição

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Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:

Prof.ª Mariana Balau Silveira

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:

R587t

Silveira, Mariana Balau Teoria das relações internacionais I. / Mariana Balau Silveira. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 168 p.; il.

ISBN 978-65-5663-158-5 ISBN Digital 978-65-5663-159-2 1. Relações internacionais. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 327

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apresenTação

O avanço da tecnologia, principalmente na área da comunicação, aproximou pessoas, empresas e países. Se antes do advento da internet a forma mais tradicional de se comunicar eram as cartas, que poderiam levar meses para chegar ao seu destinatário, hoje, em questão de segundos, podemos nos comunicar por vídeo e voz em alta definição com qualquer pessoa no mundo. Essa facilidade tornou mais evidente o impacto das relações internacionais em nossa vida cotidiana.

Eventos que ocorrem do outro lado do mundo são rapidamente noticiados e seus impactos, positivos e negativos, são rapidamente sentidos. Guerras entre Estados, guerras civis, crises econômicas e relações de cooperação são parte do vocabulário de qualquer grande jornal em circulação, grandes empresas, organizações internacionais e até indivíduos. Grande parte daquilo que vestimos, comemos e usamos dependeu em alguma medida das relações internacionais. Esse fenômeno, portanto, é parte indissociável de nosso cotidiano, mesmo que não percebamos.

Sem dúvida, as relações internacionais estão presentes, direta ou indiretamente, em nosso dia a dia. Seria possível afirmar que, em 1973, o preço de uma passagem de ônibus em qualquer grande cidade do mundo sofreu aumento por conta da guerra do Yom Kippur, na Península do Sinai? Um analista internacional diria que sim. Isso ocorre porque uma das consequências do conflito foi o choque do petróleo, que desencadeou um aumento exponencial do preço do barril do petróleo. Da mesma forma, quando viajamos e passamos por grandes aeroportos em qualquer lugar do mundo podemos notar um rígido esquema de segurança e monitoramento, consequência dos ataques terroristas às Torres Gêmeas, no dia 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Ao longo da história, eventos de caráter internacional têm moldado Estados e sociedades no mundo todo.

Tal como nos exemplos anteriores, o mundo atual é permeado por situações nas quais diversos atores interagem, produzindo efeitos estruturais e locais. A tarefa de um analista internacional, aquele que se dedica a compreender e explicar fenômenos internacionais a partir de teorias e conceitos próprios, é decifrar um quebra-cabeça que, aos olhos de leigos, parece não ter sido feito para ser montado. Assim, destarte, este livro apresenta uma distinção fundamental entre os fenômenos internacionais e o campo formal do saber dedicado a estudá-los.

A primeira unidade é dedicada à reflexão sobre os pensadores clássicos da corrente realista e à análise da evolução da teoria ao longo dos anos e das críticas aos seus pressupostos a partir de seus limites na análise do internacional.

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Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

A segunda unidade do livro é focada na apresentação da teoria liberal clássica, de seus sucessores e da reflexão liberal acerca da interdependência em um mundo globalizado. A terceira e última unidade, por fim, reflete sobre o marxismo nas Relações Internacionais; inicialmente, a partir da análise dos princípios centrais do marxismo na Sociologia, do conceito de imperialismo em Lênin e, por fim, da observação da teoria da dependência como uma vertente marxista nos trópicos.

A disciplina Teoria das Relações Internacionais I representa um sucinto, mas importante relato de como o campo das Relações Internacional se desenvolveu até o final da Guerra Fria, acompanhando as transformações profundas da política internacional e a necessidade de compreendê-las em seu conjunto.

Bons estudos!

Prof.ª Mariana Balau Silveira

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Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!

LEMBRETE

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sumário

UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ...................................... 1

TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO ........................................................................................... 31 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 32 POR QUE ESTUDAR AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS? O SURGIMENTO DO CAMPO E A EVOLUÇÃO DA DISCIPLINA ATRAVÉS DOS DEBATES TEÓRICOS ........ 53 O REALISMO EM MAQUIAVEL ................................................................................................... 114 O LEVIATÃ DE HOBBES E A SEGURANÇA NA VIDA EM SOCIEDADE .......................... 13RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 17AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 18

TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO .......................................................................................... 211 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 212 A TEORIA REALISTA EM LINHAS GERAIS ............................................................................. 213 O REALISMO CLÁSSICO DE CARR ........................................................................................... 254 MORGENTHAU E A POLÍTICA ENTRE AS NAÇÕES ............................................................ 27RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 31AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 32

TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL ........................................ 351 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 352 O NEORREALISMO EM WALTZ .................................................................................................. 353 O REALISMO OFENSIVO EM MEARSHEIMER ...................................................................... 394 OS LIMITES DA TEORIA REALISTA E SEUS CRÍTICOS ...................................................... 45LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 48RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 52AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 53

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 55

UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ............................. 57

TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO .................................................................................. 591 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 592 A TRADIÇÃO LIBERAL NO PENSAMENTO POLÍTICO: O CONTRATUALISMO DE JOHN LOCKE ............................................................................................................................ 603 A TEORIA POLÍTICA LIBERAL DE ROUSSEAU ..................................................................... 634 O PENSAMENTO DE KANT E A PAZ PERPÉTUA ................................................................... 655 O IDEALISMO WILSONIANO E A CRIAÇÃO DO CAMPO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS ............................................................................................ 68RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 73AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 74

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL ........................................................................................................... 771 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 772 OUTRAS VARIÁVEIS DO PENSAMENTO LIBERAL ............................................................. 773 A INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA NA CONTEMPORANEIDADE .............................. 81

3.1 O ESTUDO DA COOPERAÇÃO NO INSTITUCIONALISMO NEOLIBERAL .................. 843.2 O DEBATE NEO-NEO ................................................................................................................. 90

RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 94AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 95

TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO..................................................................... 991 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 992 LIBERALISMO SOCIOLÓGICO ................................................................................................. 1003 FUNCIONALISMO E NEOFUNCIONALISMO ....................................................................... 1024 A SOCIEDADE CIVIL GLOBAL NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO ........................ 107LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 111RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 116AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 117

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 119

UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ................................ 121

TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS ................................................... 1231 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 1232 PRESSUPOSTOS GERAIS DO MARXISMO ............................................................................ 1253 O IMPERIALISMO EM LENIN E A INTERPRETAÇÃO DO INTERNACIONAL ............ 129RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 134AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 135

TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ........................................................................... 1371 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 1372 O MARXISMO NO LESTE EUROPEU: A TEORIA CRÍTICA DA ESCOLA DE FRANKFURT ............................................................................................................ 1373 A ANÁLISE DA ORDEM MUNDIAL PELA TEORIA NEOGRAMSCIANA .................... 1404 ABORDAGENS DO SISTEMA-MUNDO .................................................................................. 143RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 147AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 148

TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS .......................................................................... 1491 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 1492 A TEORIA DA DEPENDÊNCIA .................................................................................................. 1503 LIMITES E POTENCIALIDADES DA TEORIA MARXISTA NA ANÁLISE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ...................................................................................... 154LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 156RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 165AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 166

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 167

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UNIDADE 1 —

O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• aprender a tradição teórica mais convencional do campo de Relações Internacionais: o Realismo;

• conhecerimportantesaspectosconcernentesaosconflitosquederivamdarelaçãoentreindivíduoseseuimpactonadinâmicaestatal;

• entender os conceitos centrais do denominado Realismo Político;

• discutirorealismoofensivodeJohnMearsheimer.

Estaunidadeestádivididaemtrêstópicos.Nodecorrerdaunidadevocê encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdoapresentado.

TÓPICO1–OREALISMOCLÁSSICO

TÓPICO2–OREALISMOPOLÍTICO

TÓPICO3–ONEORREALISMOOUREALISMOESTRUTURAL

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

CHAMADA

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TÓPICO 1 — UNIDADE 1

O REALISMO CLÁSSICO

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico será abordada a tradição teórica mais convencional docampodeRelações Internacionais:oRealismo.Essa teoria foi influenciadapordiversospensadoresaolongodahistória,emsuamaioriapessimistasemrelaçãoanaturezahumanaeapossibilidadedeharmoniaentreindivíduoseEstadosnapolíticainternacional.

Atenção à influência da interdisciplinaridade na formação do campo, pois vários autores clássicos do pensamento realista – como Hans Morgenthau e Edward H. Carr – lançaram mão de pensamentos desenvolvidos por autores da Ciência Política, do Direito e da Filosofia.

ATENCAO

AsorigensclássicasdopensamentorealistaremontamàGréciaAntiga,aosescritosdeTucídides(460-400a.C.)sobreaGuerradoPeloponeso,nosquaisanalisouosprocessosqueculminaramnoconflitoentreAtenaseEsparta.Suasreflexõesforamfundamentaisparaacompreensãodasdinâmicaspolíticasentregrandespotênciasedosprincípiosde justiça.OquadroaseguirapresentaumfragmentodeHistória da Guerra do Peloponeso,naediçãode1972,queilustraseupensamentosobreoprincípiodajustiça:

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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QUADRO 1 – O PADRÃO DE JUSTIÇA EM TUCÍDIDES

Opadrãodejustiçadependedaigualdadedepoderparacoagire,defato,osfortesfazemoquetemopoderdefazereosfracosaceitamoquetêmdeaceitar...essaéaregracerta–enfrentarseusiguais,secomportaremconsideraçãoaosseussuperioresetratarseusinferiorescommoderação.Reflitasobreoassuntoedepoisqueformosemboradeixeessepontoserrecorrenteemsuasmentes–discutamacercadodestinodeseupaís,vocêssótêmumEstadoeseufuturodepende,maloubem,dessaúnicadecisãoquevocêstomarão.

FONTE: Tucídides (1954 p. 406)

Conformeserápossívelperceber,estaorientaçãodeTucídidessetornariafundamentalparaodesenvolvimentodainterpretaçãorealistaclássicanocampodeRelaçõesInternacionais.Séculosmaistarde,MaquiaveleHobbesdiscorreramsobre importantes aspectos concernentes aos conflitosquederivamda relaçãoentreindivíduoseseuimpactonadinâmicaestatal.

Dessaforma,anterioràdiscussãosobreasteoriasrealistasemsi,ocapítuloprocederácomumabrevediscussãoarespeitodospensamentosdeMaquiavele Hobbes sobre a natureza humana para que fique clara a sua influência nopensamento realista de Relações Internacionais. Vale lembrar que, por umaquestãotemporaleformal,essesautoresnãopodemserconsideradosrealistasdocampodasRelaçõesInternacionais,massãoindispensáveisparaaformulaçãodospressupostosteórico-conceituaisemetodológicosdessateoria.

Emseguida,serádiscutidooRealismoPolíticodeEdwardH.CarreHansMorgenthau, fundamental para a evolução do pensamento teórico do campoemmeadosdoséculoXX.AunidadeéencerradacomaexposiçãodasideiasdeKennethWaltz,expoentedavertenteneorrealistadasRelaçõesInternacionais,edeJohnMearsheimer,responsávelporproverasbasesdorealismoofensivonocampo.Àguisadeconclusãoseráapresentadoumconjuntodecríticasàteoriarealistaapartirdesuaslimitaçõesexplicativas.

Um site útil para pesquisa de artigos e documentos sobre a política internacional e as relações internacionais do ponto de vista clássico é o endereço da Columbia International Affairs: https://cup.columbia.edu/reference/ciao.

DICAS

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TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO

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2 POR QUE ESTUDAR AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS? O SURGIMENTO DO CAMPO E A EVOLUÇÃO DA DISCIPLINA ATRAVÉS DOS DEBATES TEÓRICOS

Aseparaçãoentre campoeobjetonasRelações Internacionaisdeveserlevada em conta sempre que o interlocutor desejar referir-se a este ou àqueledomínio. Dessa forma, quando nos referimos às relações internacionais (cominiciaisminúsculas),estamosnosdebruçandosobreacontecimentosefenômenosqueexistemeinteragemnosistemainternacional.RelaçõesInternacionais(cominiciaismaiúsculas),poroutrolado,dizrespeitoaocampoacadêmico,comsuasteorias,métodoseconceitospróprios.

Anecessidadedecompreensãodointernacionalnãoénova.AcriaçãodocamporemontaaofinaldaPrimeiraGuerraMundial,em1919.Ocontextoeradedevastação,principalmenteno continente europeu, eumdosobjetivosdoslídereseacadêmicosàépocaera, alémdecompreenderoqueocorrera, evitarfuturosconflitosdamesmaproporção.Aguerramostraaostomadoresdedecisãoe aos estudiosos em geral que os esforços acadêmicos vigentes à época eraminsuficientes caso seobjetivasse a extinçãode conflitos entrenações.Umadaspersonalidadeshistóricasmaisrelevantesnessecontexto foiWoodrowWilson,entãopresidentenorte-americano,principalmentenocontextodasnegociaçõesdoAcordodePazemVersalhes.

Wilson levouparaasnegociações14pontosque, emsuavisão, seriam

fundamentaisparaareconstruçãodaordeminternacional,baseadaemprincípiosdepaz,cooperaçãointernacionaletransparência,amparadospelosinstrumentosdo direito internacional, materializados em uma associação geral de nações(sobpactosespecíficos comopropósitode fornecergarantirgarantiasmutuasdeindependênciapolíticaeintegridadeterritorial)paratodososEstados.Essaassociação foi criada em 20 de junho de 1919, em Genebra, na Suíça e ficouconhecidacomoLigadasNações.

A Liga das Nações, sua importância e papel na promoção da cooperação e paz internacionais, será objeto de discussões mais aprofundadas na Unidade 2 deste Livro Didático.

ESTUDOS FUTUROS

ParaalémdacriaçãodaLigadasNações,olegadodeWilsonconcretizouacriaçãodeumcampoespecíficodedicadoaoestudodasrelaçõesinternacionais.Omarco formal desse processo foi a criação da cátedraWoodrowWilson na

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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UniversidadedeAberystwyth,nopaísdeGales,em1919.Acriaçãodacátedra,contudo, não significouque estudos sobre o internacional não ocorriam antesde 1919.As tentativas de compreensão e explicação dos fenômenos na arenainternacionalestavamfragmentadasnaCiênciaPolítica,Sociologia,AntropologiaeDireito.OnovocampoquesurgianoséculoXXera,portanto,pontodeencontrodediversasciênciassociais,oquefazdesteprivilegiadoeinterdisciplinar.Masoqueseriaumcampointerdisciplinar?

Muitas vezes se usa de forma intercambiável os conceitos de“interdisciplinar”e“multidisciplinar”.Emboraestesguardemsimilaridades,nãosãoexatamenteiguais.Umestudomultidisciplinarconsisteemumengajamentoorientadoemtornodediversoseixostemáticospertencentesadiversoscamposformais do saber. Um estudo interdisciplinar, por outro lado, lança mão deteorias,conceitosesaberesprovenientesdediversoscampos,mascomoobjetivodecriarumsaberpróprioeemancipadodoscamposdosquaisderiva.

Embora o campo de Relações Internacionais tenha produzido conhecimentos novos, os estudiosos dessa área não devem desconsiderar os saberes dos campos correlatos como Direito, Economia, Sociologia, Antropologia, Ciência Política e Filosofia.

ATENCAO

Agrande evidência dessa interdisciplinaridade é vista na evolução dadisciplina através de seus debates teóricos próprios. As teorias das RelaçõesInternacionaistêmcomoobjetivofinalformularmétodoseconceitosquedeemaoanalistaapossibilidadedecompreensãodanaturezaedofuncionamentodosistemainternacional,alémdeauxiliarnaexplicaçãodefenômenosimportantesquemoldamapolíticainternacional.

Vale destacar que todas as teorias de Relações Internacionais sãoinfluenciadaspelo contexto histórico emque estão inseridas, não significandoque são aplicáveis apenas àquele contexto. Do ponto de vista metodológico,a funçãodas teoriasdeRI seria, entreoutras,provergeneralizaçõesdasquaispodem derivar conclusões específicas. Desse modo, as teorias servem como“lentes”apartirdasquaisseobservaarealidadeesebuscacompreendersuasespecificidades,nuanceseprocessos.

A história convencional, contada a respeito da evolução do campodas Relações Internacionais, é estruturada em torno daquilo que acadêmicosdenominamdebatesentreproposiçõesteóricas.É importanteressaltarqueessesdebatesnãoocorreramda formaconvencional,naqualdois interlocutores, comproposições distintas, ficam frente a frente, e tentam convencer uma audiência

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TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO

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daadequaçãode seupontodevista.Osdebatesno campodasRI,naverdade,sederamentreautoreseautorasquepublicaramartigosacadêmicoselivrosnosquaisapresentavamsuasproposiçõesteóricas,bemcomosuasrespectivasforçasanalíticasapósteremdemonstradoainsuficiênciadeumaoutraproposiçãoteóricadesatisfazerasdemandasdabuscapeloconhecimentonocamporecém-formado.

Nesse sentido, ahistoriografiado campoconvencionalmenteafirmaquehouvequatrograndesdebatesdesde1919.Oprimeirodizrespeitoàcontraposiçãoentre os pensamentos dodenominado “Idealismo” ou “LiberalismoUtópico” eo “RealismoClássico”e teriaocorridoentre 1919 emeadosdadécadade1950.Conforme abordado anteriormente, os horrores da Primeira Guerra MundialdesempenharampapelimportantenaavaliaçãodosacadêmicosdaépocadequeumcampodeconhecimentodistintodasCiênciasSociaisdeveriasercriadoparacompreenderascalamidadesdaqueleconflito,alémdeevitareventossemelhantes.

Historiografia é uma palavra que designa o registro escrito da história, a memória estabelecida pela humanidade e a ciência da história. Em suma, é uma história sobre a História. Nesse sentido, entender a historiografia do campo é relevante na medida em que oferece uma visão ampla sobre a evolução dos estudos acadêmicos em dada área.

NOTA

ÉimportanteressaltarqueaPrimeiraGuerratevebatalhasqueprovocarammaisde100.000baixas–comonaBatalhadeSomme,naFrança,entre julhoeagostode1916,queficariaconhecidacomoum“holocaustosangrento”.Porquea guerra começou? Por que potências comoGrã-Bretanha, França,Alemanha,Rússia, Áustria e Turquia prosseguiram a batalhamesmo diante de tamanhabrutalidadeeletalidadedosconfrontamentos?

Aprimeiracorrenteteóricaconhecidanocampo,influenciadaporvaloresliberaisdeKant,Lockeeoutros,concluíraqueaguerranãofoitravadaporqueosgeneraisoutomadoresdedecisãoerraramemseusjulgamentosarespeitodesuasforçasousobprognósticodaguerra,tampoucodeveriaseatribuirascausasdoconflitoarazõesegoístasdesseslíderes.

Os teóricos dessa corrente afirmavam que o conflito poderia sercompreendidoatravésdaausênciadeinstituiçõesdemocráticasemalgunspaísesquepudessempressionargeneraisoulíderesautoritáriosanãotomardecisõesque pudessem levar as suas populações e sociedades à guerra. Apoiados naideiadepazdemocráticaemKant,osteóricosliberaisafirmavamqueospaísesdemocráticos foram dragados para o conflito que seria inevitável. Dentre os

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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expoentesmaisproeminentesdessacorrenteteórica,destacam-seoex-presidentedosEstadosUnidos,WoodrowWilson,eocientistapolíticoNormanAngell.Agrande influênciadopensamento liberalpodeservistanacriaçãodaLigadasNações,quetinhaemseuartigo16seuelementocentral,poisdavaàinstituiçãoo poder de aplicar sanções econômicas ou militares contra um Estado queameaçasseaordemeapazinternacionais.

Oprojetoliberal,sintetizadonaLigadasNações,contudo,nãoconseguiucumprir seu objetivo fundamental: evitar guerras. Como é sabido, a SegundaGuerraMundialnãosóinterrompeuoprojetodeWilson,comofoiaindamaisletalecruelqueaPrimeiraGuerraMundial.Nessesentido,apartirdaslimitaçõese incapacidades do projeto liberal em responder às perguntas norteadoras dacriaçãodocampoàquelaépocaemanteraordeminternacionalpacífica,surgeumgrupode acadêmicosque colocava emxeque a ideiadeque as causasdaguerraresidiriamnaausênciadedemocraciaemalgunsEstados.

FortementeinfluenciadosporfilósofospolíticosclássicoscomoMaquiavel,Hobbes e Tucídides, esses acadêmicos resgatavam a centralidade do poderenquantoelementoexplicativodasinteraçõesentreEstadosnoplanointernacional,alémdisso,denunciavamocaráteridealistadopensamentoWilsoniano.EdwardH.Carr,acadêmicobritânico,escreveuaquelaquetalvezsejaacríticamaisduraàvisão liberal.Denominando-osde“idealistasutópicos”,CarrafirmouemsuaobraVinte Anos de Crise,escritaem1939,queessespensadoresteriamfalhadoemcompreenderalgunsfatosdahistóriae,comisso,nãoforamcapazesdeapresentarexplicaçõessatisfatóriasarespeitodanaturezadasrelaçõesinternacionais.

Lembre-se de que há uma diferença entre Relações Internacionais e relações internacionais. O primeiro, com iniciais em maiúsculo, diz respeito ao campo formal do saber, enquanto o segundo, com iniciais em minúsculo, diz respeito às interações que ocorrem no ambiente internacional.

ATENCAO

Para Carr (1939) era um equívoco acreditar que as interações entre osEstadospoderiamtercomobaseumaharmoniadeinteresses.Oautorafirmavaque o ponto de partidamais adequado para se compreender a relação entreEstadosera,naverdade,ooposto:oanalistadeveriapartirdoprincípiodequeexistemintensoseirreconciliáveisconflitosdeinteressetantoentrepaíses,quantoentreindivíduosdentrodeumpaís.Assim,ficariaevidentequealgunsEstadosteriam mais condições/capacidades que outros e que, dessa forma, buscarãopreservaremanteressasituação.JáaosEstadosqueseencontramemposiçõesdesprivilegiadasdecondiçõesecapacidadesnãorestariaalternativasenãolutarparamudaressasituação.

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TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO

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As relações internacionais seriam, portanto, uma constante luta porpoder,demodoqueacooperaçãoapenaspoderiaocorrerembrevesperíodose jamaisemtemasconsideradosrelevantesefundamentaispelosEstados,taiscomo a dimensão militar, geopolítica e partes essenciais de suas respectivaseconomias.Aincapacidadedosliberaisemapreenderessequeseriaoprincípiobásico emais fundamental das relações internacionais é o quemotivouCarra classificá-los enquanto utópicos e, em contrapartida, a autodenominar suaposiçãocomo“realista”.

Outro expoente do pensamento realista político foiHansMorgenthau,que,fugindodoregimenazista,semudouparaosEstadosUnidosnadécadade1930elevouacorrenterealistaparaessepaís.SeulivroPolítica entre as nações: a luta pelo poder e pela paz,publicadoem1948,foidurantemuitasdécadasolivromaisinfluentedasRelaçõesInternacionais.ParaMorgenthau(1985),anaturezahumanaseriaabasedasrelaçõesinternacionais.Suacompreensãoseria,portanto,fundamental.Comoossereshumanos,navisãodoautor,buscamsemprerealizarseusinteresseseaumentarseupoder,aviolênciaéumrecursoconstantementeutilizado.EssaabordagemébaseadanopensamentoclássicodeThomasHobbes.

É importantedestacarqueopensamento realistadesafiou tambémumpressupostofundamentaldosconstrutosliberais:dequeapressãopopularpoderiaevitarconflitos.ValelembrarquetantoHitlerquantoMussolini,possuíamamploapoiopopularmesmoemseuspioresprojetosdedominação: a eliminaçãodejudeusedeminoriasemgeral.Nessesentido,maisumavez,atemáticarelevanteecentraldasRelaçõesInternacionaisseriaoconflito,nãoacooperação.

A historiografia do campo acredita que o primeiro grande debate foi“vencido”porCarr,Morgenthaueoutrosexpoentesdopensamentorealista.ASegundaGrandeGuerraMundial foi uma evidência empíricamuito forte emfavordosargumentosrealistas,enquantocolocouemxequealgunsargumentosliberais.Issonãosignificou,contudo,odesaparecimentodaperspectivaliberal.Muitoembora,algunsliberaistenhamadmitidoqueasproposiçõesrealistaserammaisadequadasàcompreensãodaquelecontexto,afirmavamqueasdécadasde1930e1940teriamrepresentadoumperíodoextremamenteanormalnahistória.

O pós-Segunda Guerra, apesar de trazer a disputa por influênciaentre estadunidenses e soviéticos, também observou a criação de instituiçõesinternacionais com diversos propósitos, incluindo a cooperação entre as duasgrandespotênciasdaépocaemalgunscasos.

Operíodo tambémfoipalcodaemergênciadosegundograndedebatenocampodasRelaçõesInternacionais.Essedebate,contudo,nãofoideordemestritamenteteórica,sendoamplamenteconhecidocomoumdebatemetodológico.Asuacompreensãoépossívelquandolançamosmãonovamentedahistoriografiae entendemos quem eram os principais expoentes de cada vertente teórica. Éevidente que os primeiros teóricos do campo não tinham formação específicanaáreadeRelações Internacionais,vistoqueadisciplinahavia sidocriadahá

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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poucoe,atéaquelemomento,eraumamálgamadeteoriasadvindasdasmaisdiversasáreasdashumanidades,comoHistória,Jornalismo,Filosofia,Direitoetc.Asteoriasdoprimeirodebate,porconsequência,tinhamumcaráterdescritivoebaseadoempressupostoshistóricosedissoderivavamassuasescolhasemtermosmetodológicos, voltadas ao entendimento dos fenômenos internacionais. Emvirtudedessascaracterísticas,asprimeirascontribuiçõesteóricassãoconhecidascomo“tradicionalistas”,ou“clássicas”.

OcampoevoluiuaolongodoséculoXXemdireçãoaorecrudescimentodeumprogramadepesquisaespecíficoemRelaçõesInternacionais,principalmentenosEstadosUnidos.Nessecontextocresceonúmerodecientistasqueseopunhamao tradicionalismo no campo e acreditavam ser necessária a formulação deteoriasobjetivasepassíveisdevalidação,àsemelhançadatendênciabehavioristanasCiênciasSociaisenaCiênciaPolítica.Segundoessaabordagem,apesquisacientífica em RI deveria focar na explicação de fatos observáveis e isolar aomáximoosvaloreseamoralidade,contrapondootradicionalismo.

Nãoépossívelafirmarquehouveum“vencedor”dosegundodebatenasRelaçõesInternacionais,umavezquetantotradicionalistasquantobehavioristasevoluíramteóricaemetodologicamente,esuasferramentasdeanálisepermanecemválidas para o entendimento de vários fenômenos da política internacional, adependerdasvariáveiscentrais(sejamelaspoder,interesse,moralidade,valoresetc.).Aindaassim,obehaviorismoteveproeminênciaumavezqueadisciplina,principalmente apósaSegundaGuerraMundial, foidominadapela academianorte-americana.

Oterceirodebatefoimarcadoporumacontraposiçãodeduasabordagensdominantesnocampo:oneorrealismoeoInstitucionalismoNeoliberal,eficouconhecido como “debate neo-neo” ou, ainda, “debate interparadigmático”. Ocontextodeemergênciadeambasasabordagens(anos1970e1980)foimarcadopela evoluçãodas relações internacionais emdireção ao aumentodofluxodecomércio,investimentoseinteraçãoentreEstados,indivíduoseorganizaçõesemgeral.Nessesentido,umdosobjetivosdosteóricosliberaiseraevitaroidealismoexcessivodasabordagensanterioreseoferecerumacontribuiçãopragmáticaeracionalparaaexplicaçãodosfenômenosdapolíticainternacional.

Muito embora esse debate tenha sido conhecido como interparadigmático – “entre paradigmas” – conforme veremos na Unidade 3, apenas a posição Radical era de fato um paradigma distinto do ponto de vista metateórico dos demais. Tanto neorrealistas quanto neoliberais partem de noções semelhantes, como a ideia do Estado como principal ator das Relações Internacionais e a possibilidade de explicação da política internacional a partir de noções de causa-efeito.

IMPORTANTE

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Osneorrealistas,porsuavez,retomavamadiscussãosobreacentralidadedo poder estatal, previamente elencada pelos clássicos, mas se distanciavam(influenciados pelo behaviorismo) de explicações baseadas em valores ou nanaturezadoindivíduo.

Aocontrário,paraessaescoladepensamento,aestruturaanárquicadosistemainternacional,aliadaàquiloqueeraconsideradooobjetivoprimáriodetodoEstado(asuasobrevivência),criavamascondiçõesquetornavamaguerraum recurso sempre passível de utilização por parte dos Estados na busca damaximizaçãodeseusinteresses.

Talvez a grande contribuiçãodessedebate tenha sido os engajamentosparaodesenvolvimentodeumateoriaestrutural.Conformevistoanteriormente,o primeiro debate depositava na natureza humana grande importância, alémdapossibilidadedeseralteradaounão,paraproverexplicaçõesarespeitodasrelaçõesinternacionais.

Osteóricosdodebateneo-neo,aocontrário,buscavamevidenciarases-truturasematrizesdeganhoseperdasdosEstadosnacompreensãodapolíticainternacional.

EssaviradaestruturalexerceueexercegrandeinfluênciaatéosdiasdehojenocampodasRelaçõesInternacionais,aindaqueasdiferentesabordagensteóricasdiscordemsobreanaturezaeaqualidadedas interaçõesqueocorremnessaestrutura.

Há,ainda,umconjuntodeabordagensteóricasrelevantesapósoterceirodebatedocampo.Ofocodolivro,porém,seránaquelasconsideradas“abordagenscanônicas”dosséculosXIXeXX:IdealismoeRealismoClássico,Neorrealismo,InstitucionalismoNeoliberaleMarxismonasRelaçõesInternacionais.

3 O REALISMO EM MAQUIAVEL

NicolauMaquiavel(1469-1527)publicou,em1513,umaobraqueentrariaparaahistóriadafilosofiapolítica.EmO príncipe,oautorsugerequeopoder(oleão)eadecepção(araposa)seriamdoiseixosdeatuaçãodainserçãointernacio-naldequalquerpaís(MAQUIAVEL,2017).Ovalorpolíticosupremoquequal-querestadistadeveriapreservareraodaliberdadedeseupaísemtomardecisõesinternaseexternas.ApenascomagarantiadaliberdadeéqueumEstadopoderiagarantirsuasobrevivência.Isso,contudo,orientariaosatoresabuscarempoder,poissomenteoEstadomaispoderosoteriaumagarantiadequesuasobrevivên-ciaestariacerta.Garantirasuasobrevivênciarequerastúciae,porvezes,bruta-lidade.AfaltadessasqualidadespoderialevaroEstadoàmorte,casoumgover-nantenãoconseguisseavaliarcorretamenteasameaçasquecercamseupaís.

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FIGURA 1 – O LEÃO E A RAPOSA (PODER E DECEPÇÃO)

FONTE: <https://bit.ly/341qJ7O>. Acesso em: 25 maio 2020.

Umadaspremissascentraisnaobradoautoréqueomundoseriaperigoso,mastambémgerariaoportunidadesparaosestadistas.Aomesmotempoemqueestesdevemestarcientesdasameaçasqueoscircundamedevemagir,portanto,demodoaminimizá-las,tambémdevemperceberasoportunidadesparamaximizarsuas riquezas e poder. A expressão mais importante para um estadista seria,portanto,“aéticadaresponsabilidade”.Otermoaludeaumapostura,porpartedogovernante,naqualestedevedespir-sedeumamoralidadecristãoureligiosaeolharparaomundoesuasrelaçõesatravésdoequilíbrioentreganhoseperdas.

SegundoMaquiavel (2017), seria necessário que o governante tambémbuscasseoequilíbrioentreaquiloquedenomina virtú e fortuna,ouhabilidadeesorte,respectivamente,paragovernar.Seuexamedosprocessosdeconquistae manutenção do poder político ficaram conhecidos como referências nopensamentopolítico e influenciaramavalorizaçãoda separaçãoentrepoder emoralidade,centraisnaabordagemrealistadasRelaçõesInternacionais.

A relação entre os conceitos de virtú e fortuna se estabeleceu comoumdosproblemasfilosóficosmaisinteressantesnaobradeMaquiavel.Aanalogiapresentenafiguradadeusa“Fortuna”,derivadadamitologiaromanaclássica,refere-seatodasascircunstânciasqueossereshumanosnãopodemcontrolar,masquetêminfluênciadiretanosucessooufracassodeumgovernante.Virtú,poroutrolado,dizrespeitoaotalento,ouhabilidadedirecionadaàconsecuçãodecertosobjetivoseseriaaqualidademaisvitalparaumgovernante.Seaplicadacorretamente, essahabilidadepoderiaderrotar a “fortuna”,ou seja,quaisquercircunstânciasadversasàconquistadeseusobjetivos(MAQUIAVEL,2017).NoséculoseguinteàpublicaçãodeO príncipe, outra interpretaçãorealistaclássicaemerge como parte da explicação do comportamento dos governantes, dessavezapartirdeumaanálisedanaturezahumanaedoprocessodeconstruçãodasociedade: Leviatã (1651),deThomasHobbes.

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4 O LEVIATÃ DE HOBBES E A SEGURANÇA NA VIDA EM SOCIEDADE

Thomas Hobbes (1588-1679) foi um dos pensadores do denominadoContratualismo, em adição a Jean JacquesRousseau (1712-1778) e JohnLocke(1632-1704).Deformageral,essetermodizrespeitoatodoumcorpoteóricoquepensaasociedadeesuaorigemcomosendocriadaatravésdeumcontrato.Comopontoemcomum,épossívelapontararecorrênciadeanálisessobreanaturezahumanaesobreaconstruçãodeumcontratosocialemtornodoqualassociedadesseestruturariam.Essespensadores,contudo,divergememsuasconcepçõessobreanaturezadessecontrato,qualseriaopapeldoEstado,docontratosocialesobreaontologia,ouseja,abasedoestadodenatureza.

Publicadaoriginalmenteem1651,Leviatã,asuaobramaisproeminente,apresenta uma reflexão sobre a condição anterior à vida em sociedade e aodenominado contrato social. Essa condição era caracterizada essencialmentepela ausência do Estado e denominada “estado de natureza”. Essa situaçãoera, segundoHobbes (2009), extremamente adversapara o indivíduo,pois noestado de natureza hobbesiano todos são ameaçados por todos e a vida estáconstantemente em risco, visto que nenhum indivíduo tem a certeza de quesua segurança e sobrevivência estãogarantidas.Nesse contexto, os indivíduosviveriamemconstantemedounsdosoutros.

QUADRO 2 – O ESTADO DE NATUREZA EM HOBBES

Emtalcondição,nãohálugarparaaindústria;porquenãohácertezasobreo fruto disso e, consequentemente, nenhuma cultura do mundo, nenhumamarinha, nenhum uso de mercadorias importadas pelo mar; nenhumaedificaçãoconfortável...nenhumaarte;nenhumacarta,nenhumasociedadee,piordetudo,ocontínuoestadodemedoeomedodemorteviolenta;eavidadohomem,solitária,pobre,detestável,brutaecrua.

FONTE: Hobbes (2009, p. 82)

O estado de natureza não seria caracterizado por um alto grau desociabilidade,maspelaprimaziadaguerrade“todoscontratodos”.Paraoautor,nesse estadoos indivíduos são tomadospela sensaçãode incerteza constante,derivadadaincertezasobreaaçãodosoutros–nessecontextocadaumviveriadeacordocomsuaspróprias“paixões”einteresses(HOBBES,2009).

Escapardesseestadodenaturezae rumarparaumacondiçãohumanacivilizada, segundo Hobbes (2009), somente seria possível através da criaçãodeumEstadosoberano,apartirdeumcontratosocial.Aosercriado,homensemulheresformariamumpactodesegurançaconjuntoqueteriacomoobjetivoassegurarquesuasvidasnãoseriamceifadas.

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Uma vez constituído, o Estado teria condições de permitir odesenvolvimentocivilizacionaldaquelasociedade,vistoqueumavezgarantidaasuasobrevivência,osindivíduospoderiambuscarmaximizarseubem-estar.

Nesse contexto, os homens submeteriam suas vontades a um único,constituindoumasociedadecivil.Todososcidadãos,então,passariamaobedecerao Estado que, em troca, lhes garantiria a paz pormeio do uso da força.Aocontráriodopensamentoliberal,aliberdadeseriagarantidaapartirdocontratosocial,nãoexistindoantesdele.

Um efeito não esperado da emergência do Estado para a garantia dasobrevivência de seus cidadãos é, contudo, o fato de que agora estes Estadosrecém-criados passariam a temer uns aos outros. Nesse sentido, o estado denaturezaqueantesreinavaentreosindivíduos,passaaimperaresercondiçãoprimáriaentreEstados.

Adiferençaéque,aocontráriodosindivíduos,osEstadosnãoestãodis-postosaabrirmãodesuasoberaniaparacriarumestadototalizanteemnívelinternacional(oqueseriacaracterísticodeum“Leviatã”).Issoocorreporqueoes-tadodenaturezainternacionalnãoétãoameaçadorquantoaqueleemnívelindi-vidual.Diferentementedaspessoas,oEstadonuncadormeepodemobilizarsuasociedadeparacriarumconstantesistemadevigilânciacontraameaçasexternas.

Dessemodo,noníveldomésticohaveriaumahierarquiaentresoberanoeindivíduos,garantindosegurançaeestabilidade.Emnívelinternacional,porém,como não há autoridade superior, os Estados interagem em uma anarquia,análogaaoestadodenatureza.Nessecenário,osEstadosnãoteriamoutraopçãosenãolutarpelasuasobrevivência.

FIGURA 2 – LEVIATÃ (1651) DE HOBBES

FONTE: <http://www.arqnet.pt/portal/teoria/leviata.html>. Acesso em: 25 maio 2020.

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TÓPICO 1 — O REALISMO CLÁSSICO

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AfigurailustraaediçãooriginaldaobraLeviatã(1651).Ailustração,feitapelopróprioautor,demonstraaemergênciadeumsoberanoconstruídoelevadoaopoderpelasociedade,construindoumpactodesegurançaentreosindivíduos.

NocampodasRelaçõesInternacionais,avisãodeHobbeséamplamenteconsiderada uma base para a compreensão realista da política internacional.EmboraopróprioautornãotenhadissertadosobreasrelaçõesentreosEstadosemumsistemainternacional,suaobraémencionadaemquasetodasascontribuiçõeshistoriográficasdocampocomosendovitalparaodesenvolvimentoteóricodoRealismoPolíticonoséculoXX.

ÉpossívelidentificarduascontribuiçõescentraisdaobradeHobbesparaorealismopolítico.Emprimeirolugar,ateoriadeHobbesforneceummodeloparaaanálisedacriaçãodaquelequeéconsideradooprincipalatordasRIsparaoRealismo:oEstado.SegundoavisãodeHobbes(2009),aoobservaràsrelaçõesentresereshumanosno“estadodenatureza”,ofereceumabaseparaaanalogiacomosistemainternacional,caracterizando-ocomoconflituosoemarcadoporincertezaemedo.

O filme O Senhor das Moscas (1990) retrata, de modo alegórico, uma situação análoga ao estado de natureza hobbesiano e é uma obra interessante para o entendimento do conceito realista de anarquia.

DICAS

Oquadroaseguirilustraasquestõescentraisdopensamentohobbesiano,principalmentenoquedizrespeitoaoestadodenatureza,contratosocialesuasconsequências:

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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QUADRO 3 – PRINCIPAIS ELEMENTOS DO PENSAMENTO REALISTA EM HOBBES

ESTADO DE NATUREZA

AntesdacriaçãodoEstadoimperaa leinaturaldomaisforte.Oestadodenaturezaéaqueleemquetodossejulgamcomdireitoatudo.Porisso,ninguém reconhece ou respeita direito algum.A vida humana é nessa situação um constanteconflito e está constantemente ameaçada pelaguerra de todos contra todos. O homem seria mau por natureza.

CONTRATO SOCIAL

Ninguém, racionalmente, pode aceitar vivernumasituaçãoemquenãohágarantiaalgumadecontinuaraviver.Paragarantircertasegurança,ordemeestabilidade,osindivíduosrenunciamatodososseusdireitos.Cedemaumasópessoa:osoberano,aúnicaautoridadequepodeasseguraraordemepazsociais.

CONSEQUÊNCIA Estado autoritário; poder absoluto do monarcaoudosoberano.

FONTE: A autora

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Neste tópico, você aprendeu que:

RESUMO DO TÓPICO 1

• A Teoria Realista é a tradição mais convencional do campo das RelaçõesInternacionaisefoiinfluenciadapordiversospensadoresaolongodahistória.

• Grande parte das abordagens realistas possui uma visão pessimista emrelaçãoànaturezahumanaeàpossibilidadedeharmoniadeinteressesentreindivíduoseEstadosnapolíticainternacional.

• AsorigensdopensamentorealistaremontamàGréciaAntiga,aosescritosdeTucídides,passampelosséculosXVIeXVII,comascontribuiçõesdeMaquiaveleHobbes,echegamàcontemporaneidadenas ideiasdeautorescomoCarr,Morgenthau,WaltzeMearsheimer.

• A visão deHobbes eMaquiavel sobre a relação entre os Estados parte daprimaziadalutapelopoderepelasobrevivênciaemummundomarcadopeloegoísmoepelaausênciadeumaautoridadesuperior.

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1 Por que os realistas clássicos enfatizam a segurança enquanto elementocentraldapolíticainternacional?

2 Disserte sobre as principais contribuições do pensamento realista emMaquiaveleHobbesparaocampodasRelaçõesInternacionais.

3 Quais as diferenças entre os âmbitos doméstico e internacional paraHobbes?Oquecaracterizaessasdiferenças?

4 (ENADE,2012)AolongodoséculoXX,aáreadeRelaçõesInternacionaisadquiriu contornos e características teóricas e conceituais próprias emrelaçãoàsdemaisCiênciasSociais.Nabuscadeautonomiaelegitimidade,os estudiosos da área, como Hans Morgenthau e Kenneth Waltz,representantesdopensamentorealista,procuraramraízesdeinterpretaçãosobre o fenômeno internacional em autores clássicos do pensamentosocial. Essa inciativapermitiu adaptar conceitos e contextosprópriosdepensadorescomoTucídides(460-400a.C.),NicolauMaquiavel(1469-1527)e Thomas Hobbes (1588-1679) e suas épocas às premissas e princípiosdo Realismo do século XX. Da tradição herdada desses autores foramestabelecidasalgumasbasesteóricasquesãoconsideradascomunsatodososrealistas.

NOGUEIRA, J. P.; MESSARI, N. Teoria das relacoes internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 21-23 (adaptado).

Considerando aherança teóricamencionadano texto, avalie as afirmaçõesa seguir, que tratam dos fundamentos do pensamento realista acerca dasrelaçõesinternacionais.

I- As Relações Internacionais são marcadas pela busca de poder pelosEstados,fatoquegeracaospermanentenosistemainternacional.

II- OEstado,atorcentraldasRelaçõesInternacionais,atorunitárioeracional,temcomoobjetivocentraladefesadointeressenacional.

III-Aanarquia,comoprincípioordenadordasRelaçõesInternacionais,indicaaausênciadaautoridadesuperiordosEstados,osquaissãocapazesdeproduziraquiescênciadasforçaspolíticas.

IV-O objetivo primordial das Relações Internacionais é amanutenção daordemeestabilidadenarelaçãoentreEstados,pormeiodadisseminaçãodeumaidentidadecompartilhadaentreasnações.

AUTOATIVIDADE

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Écorretooqueseafirmaem:

FONTE: <https://bit.ly/3776AyY>. Acesso em: 30 jul. 2020.

a)() II,apenas.b)() IeIV,apenas.c) () IIeIII,apenas.d)() I,IIIeIV,apenas.e) () I,II,IIIeIV.

5 Sãocaracterísticasdorealismo:

I- Relaçõesinternacionaisvistascomoumaconstantelutapelopoderentreos Estados;

II- ObjetivoúltimodetodososEstados:garantirsuasobrevivênciaemumambienteanárquicoehostil;

III- A cooperaçãoneste contexto: alianças são feitas equebradas combasena realpolitik. Para evitar tal processo, destaque é dado ao direitointernacionalassimcomoàsorganizaçõesinternacionais;

IV- Os conflitos internacionais são vistos como endêmicos e inevitáveisdevidoàsdisposiçõesagressivasdanaturezahumanaeàsdeficiênciasdacondiçãohumana.

Analisandoasassertivasapresentadas.SomenteestãoCORRETAS:a)() III,apenas.b)() IeII,apenas.c)() IIIeIV,apenas.d)() I,IIeIV,apenas.e)() Todasestãocorretas.

6 Avalieasafirmaçõesaseguir,arespeitodanaturezahumana:

I- Hobbes tinhaumavisãopessimista a respeitodanaturezahumana.Asoluçãoparaevitarqueoshomensvivessememumestadodevigilânciaeincertezacontínuasenvolviaacriaçãodeumainstituiçãosuperioraesseshomens.

II- ParaMaquiavel,o líderdeveriasempreusara forçaparaalcançarseusobjetivos.

III- HobbeseMaquiavel tinhamvisõessemelhantesarespeitodanaturezahumana edasdificuldades emalterá-la. Por isso adotavamumavisãopessimistaemrelaçãoàvidaemsociedadeeapolíticaemgeral.

Analisandoasassertivasapresentadas.SomenteestãoCORRETAS:

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a) () IeII,apenas.b) () IeIII,apenas.c) () IIeIII,apenas.d)() III,apenas.e) () Todasestãocorretas.

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TÓPICO 2 — UNIDADE 1

O REALISMO POLÍTICO

1 INTRODUÇÃO

AscontribuiçõesapresentadasnoTópico1ilustram,emlinhasgerais,asabordagensclássicasqueestabelecemabasefilosóficadopensamentorealistanocampodasRelações Internacionais.Neste tópico serãodiscutidosos conceitoscentraisdodenominadoRealismoPolítico,queemergenocontextoentreguerrase se estabelece, já nos anos 1950, comopensamentodominantedo campodasRelaçõesInternacionais.

Oprimeirosubtópicoanalisaateoriarealistaemlinhasgerais,apontandosemelhanças e diferenças entre seus diferentes pensadores e discutindo aspremissas centrais que a caracterizam. O segundo subtópico é dedicado àdiscussãodorealismopolíticodeEdwardH.Carrapartirdaanálisedesuaobraprincipal: VinteAnos de Crise (1919-1939).A crítica à noção idealista de quehaveriauma“harmoniadeinteresses”intrínsecaàcondutadosEstados,pontocentraldaobradeCarr,seráenfatizada,ampliandoavisãosobreascontribuiçõesdorealismoparaocampo.

O terceiro e último subtópico é destinado à análise dopensamentodeHansMorgenthau.ÀsemelhançadeCarr,oautordedicasuacarreiraàanálisedosistemainternacionalapartirdeconceitoscomo“poder”,“interesse”e“anarquiainternacional”. O objetivo é estabelecer uma noção ampla das contribuiçõesdessesautoresedefinirasbasesteórico-conceituaisparaaanálisedasrelaçõesentregrandespotênciasedetemasrelacionadosàsegurançadosEstados.

2 A TEORIA REALISTA EM LINHAS GERAIS

Muito embora a primeira abordagem teórica do campo de RelaçõesInternacionaistenhasidooLiberalismoClássico,foioRealismoquepopularizouocampoe,mesmosendocriticadoatéhoje,figuraenquantoumacorrenteteóricadominante.Aindaquehajadiferençasconsideráveisentreasváriasabordagensrealistas,hápelomenosquatropremissascomunsaelas.AprimeiraéqueoEstadoseriaoprincipalprotagonistanapolíticaemgeral.Issonãosignificadizerquenãoexistamoutrosatores–taiscomoempresas,organismosinternacionais,regimes

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

etc.–,quepossamexercerinfluêncianapolíticainternacional.Significa,aoinvés,queoEstadoseriaaunidadebásicaemaiselementardapolíticainternacionaleaúnicaqueexerceriapoderefetivamente.

AsegundapremissaéqueesseEstadoseriaumatorunitário.Emborasejaconhecidoqueospaísespossuemdiversasburocraciasepoderes internosquepodematédisputar pelo comando, noplano internacional a influênciadessesatoresseriadrasticamentereduzida.AterceirapremissaafirmaqueessesEstadosseriamatoresracionais.Asteoriasrealistasacreditamqueasaçõesestataisseriamos resultados de cálculos de custo-benefício, nos quais se procuramaximizaros ganhos eminimizar os gastos.Na racionalidade realista, porém, não seriapossívelatingirumquadrodesomapositivanoqualtodososatoresganhariam.Aocontrário,ocenárioseriadesomazero,noqualoganhodeumatorévistopelooutrocomoumaperda.

AquartapremissaéqueapreocupaçãocentraldosEstados,emtermosdepolíticainternacional,écomasegurança.UmEstadoaumentaasuasegurançaquando amplia suas capacidades estratégico-militares ou quando desenvolvesua economia.A razãopela qual a preocupação central dos Estados é com asegurança, sedápelo fatodeque é somente atravésde suagarantia queumEstado pode sobreviver. Apenas após a garantia de sua sobrevivência esseEstadopoderiasepreocuparcomoutrasquestões,comodireitoshumanos,meioambiente,questõesculturaisetc.

QUADRO 4 – PREMISSAS COMUNS ÀS ABORDAGENS REALISTAS EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

PREMISSA1:oEstadoéoprincipal Ator das relações

internacionais

O Estado seria o protagonista da política internacional. Isso não significa quenão existam outros atores – o Estadoé a unidade básica e mais elementarda política internacional e a única queexerceriaefetivamenteopoder.

PREMISSA2:oEstadoéatorunitário

Ainda que a tomada de decisão empolíticainternacionalpossaserresultadode um jogo de forças doméstico,caracterizado pela disputa entre ospodereseburocracias internas,noplanointernacionalainfluênciadessesatoreséreduzida.

PREMISSA3:osEstadossãoatores racionais

AsaçõesdosEstadosseriamresultadodecálculos de custo-benefício, através dosquais seprocuramaximizarosganhoseminimizar os gastos. O cenário seria desoma-zero.

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TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO

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PREMISSA4:apreocupaçãocentraldosEstadosécoma

segurança

Somenteatravésdagarantiadasegurança(obtida com a ampliação de suascapacidades estratégico-militares) umEstadopodesobreviver.Apenasapósessagarantia ele poderia preocupar-se comquestões como meio ambiente, direitoshumanosetc.

FONTE: A autora

Dessas premissas partiria uma orientação geral sobre a conduta maisadequadaaoEstado.Dessascondutas,porsuavez,derivariaumconceito-chaveparatodasasabordagensrealistas:oequilíbriodepoder.Aideiadeequilíbriodepoderpartedaconcepçãohobbesianadeque,comoentidadessoberanasesemnenhumaautoridadesuperior,osEstadospassariamaatuarbuscandopreservarsuaindependênciaeaumentaroseupoder.

Conforme afirmou Hobbes (2009), uma vez estabelecido o contratosocial, os indivíduos teriam sua liberdade garantida pelo Estado e poderiamformular pactos que teriam no Estado a garantia de seu cumprimento. Noâmbitointernacional,emcontrapartida,devidoàausênciadeum“Leviatã”,ouautoridadesuperior,nãohaveriagarantiadocumprimentodospactos.Aessaausênciafoidadoonomede“anarquia”.

É importante destacar que o conceito de anarquia não é equivalente ao de caos. O primeiro diz respeito tão somente a ausência de uma autoridade superior aos Estados, capaz de coagi-los a agir da forma como não gostariam anteriormente. O segundo conceito, por sua vez, pressupõe um estado geral de desordem e, seria, portanto, impossível para o analista produzir cenários prospectivos baseados nele.

ATENCAO

Como consequência da anarquia, os Estados teriam de lutar por suasobrevivência a partir dos mecanismos de poder disponíveis. Conformeabordadoanteriormente,naausênciadeumaautoridadesuperior,cadaEstadocontariaapenasconsigomesmoparasedefenderdeumaameaçaasuasoberania.Dessemodo,umdosprincípioscentraisdasabordagensrealistaséoprincípioda“autoajuda”.IssonãosignificaqueoEstadonãopossarecorreraaliançaseinstituições,masoqueprevaleceria,emúltimamedida,seriaointeressenacional.

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O PRINCÍPIO DE AUTOAJUDA NO PENSAMENTO REALISTA

O conceito de “autoajuda” deriva da visão realista de que a ausência de uma autoridade superior levaria à incerteza, à desconfiança e a um comportamento egoísta – nesse quadro, os Estados só poderiam recorrer a eles mesmos, sempre prevalecendo o interesse nacional sobre interesses coletivos.

NOTA

ÉimportantesalientarqueabuscadosEstadospeloequilíbriodepodernão é orientada para a obtenção da paz e da estabilidade,mas para preveniro surgimento de um poder superior aos demais. Nessa lógica, a estabilidadedo sistema internacional é mantida através da competição entre os Estados.Compreender a disposição desse equilíbrio envolve produzir análises sobre adistribuiçãodopoder,ousobrea“balançadepoder”.Nessadistribuição,cadaEstado representaum“polo”depoder e a avaliaçãodas capacidadesde cadaator permite ao analista internacional compreender qual é a polaridade dosistema.Historicamente,épossívelafirmarapartirdeumaanáliserealista,quehouvemomentosdemaioroumenosestabilidade,dependendodapolaridadedo sistema. O quadro a seguir exemplifica a posição do ex-presidente norte-americano,RichardNixon,sobreabalançadepoder,nosanos1970:

QUADRO 5 – DISCURSO DE NIXON (1970) SOBRE A BALANÇA DE PODER

Devemosnoslembrarqueaúnicaépocanahistóriamundialemqueobservamosumperíodopacíficomaislongofoiadabalançadepoder.Quandoumanaçãose torna infinitamente mais poderosa em comparação ao seu oponente empotencial, o perigo da guerra emerge. Por isso, acredito em ummundo noqualosEstadosUnidossãopoderosos.Achoqueomundoserámelhoremaisseguro se tivermososEstadosUnidos forte e saudável, enquantoaEuropa,aUniãoSoviética,aChinaeoJapãocontrabalançamunsaosoutros,nãopormeiodacompetição,masdeumequilíbrioigual.

FONTE: Nixon, (1970 apud KISSINGER, 1994, p. 705)

Um dos elementos centrais nesse equilíbrio seriam as alianças.Aindaqueointeressenacionalprevaleça,épossívelqueosEstadosrecorramaaliançasmilitares para a obtenção de seus interesses. Para o Realismo, porém, casoquaisquerdessasaliançassejamcontráriasoudistintasdeseuinteressepróprio,elas podem e devem ser rompidas. Prevaleceria, então, em últimamedida, aautoajuda.

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TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO

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O CONCEITO DE BALANÇA DE PODER NO REALISMO

Em um quadro de anarquia internacional, o conflito seria inevitável. Carr (1939) e Morgenthau (1985) apontam, então, que o curso de ação possível, visando evitar a primazia do conflito, seria o balanceamento de poder. Nesse sentido, os Estados buscariam a estabilidade através da competição e da avaliação das capacidades dos outros atores (em termos materiais: poder militar-estratégico e político). Ao longo da história houve momentos de maior ou menor estabilidade (Ex.: a bipolaridade entre EUA e URSS na Guerra Fria; a hegemonia britânica do século XIX; unipolaridade norte-americana pós-Guerra Fria etc.).

IMPORTANTE

Nossubtópicosseguintesserãodiscutidasasabordagensrealistascentraisdo campo: o realismo político em Edward H. Carr e Hans Morgenthau e oneorrealismoemKennethWaltzeJohnMearsheimer.Aofim,serãodiscutidas,brevemente, as limitações do pensamento realista e as críticas feitas às suaspremissasaolongodosanos.

3 O REALISMO CLÁSSICO DE CARR

UmdosprincipaisexpoentesdopensamentorealistafoiEdwardH.Carr.EmsuaobraVinte Anos de Crise (1919-1939),publicadaem1939,oautorintroduzàcomunidadeacadêmicaemascensãooquedenomina“debateentreidealistase realistas”.Seuobjetivoprimárionãoeraoferecerumaanálise sistemáticadapolíticainternacional,tampoucoproporumateoriageralsobreesseobjeto,maspensar o internacional a partir do cenário entre guerras (período evidente notítulodesuaobra:de1919a1939),propondoodesenvolvimentodeumaciênciaqueestudasseapolíticainternacionalisentadeutopiaseidealismos.

Segundooautor,eranecessáriocompreenderas falhasdoTratadodeVersalhes,queencerrouaPrimeiraGrandeGuerra,eoslimitesdoliberalismowilsoniano.Otratadopartiriadepressupostosequivocadossobreasmotivaçõesindividuaisecairianoexagerodeafirmarqueexistiriaumconjuntodeinteressescomunsqueuniriatodososindivíduosepaísesemtornodaconstruçãodeummundomaispacíficoedemocrático,encerrandoasguerras.Carr(1939)repudiaessa leitura, classificando-as como prescrições descoladas da realidade, edefendequeapolíticainternacionalseriaorientadapelopoder,dadaanaturezahumana(analisadaporHobbeseMaquiavel)earealidadeobjetivasdasrelaçõesentreosEstados.

A partir dessa análise, Carr (1939) afirma que tanto realistas quantoidealistas tinham como objetivo evitar a guerra, mas o esforço idealista deentendimentodarealidadeseriautópicoeidealista,ouumatentativadeobservar

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

como omundo “deveria ser”.A proposta realista, por outro lado, seriamaisobjetivaeenxergariaomundo“comoeleé”.Evitarcriseseconflitossimilaresàquelesdoiníciodoséculodependeriadepropostasdeumaordeminternacionalbaseadanarealidadepolítica,noequilíbriodepoder,naausênciadeautoridadesuperiorenojogodeforçasentreosEstados.

AcontraposiçãodefendidaporCarr(1939)entreospensamentosrealista

e idealista teria criado, segundo Schmidt (1998), um “corpo de pensamentofictício”denominadoIdealismo,eodebatedescritopeloautornaobrade1939nuncateriadefatoacontecido.Detodomodo,épossívelatribuirobjetivamenteaWilsoneNormanAngell(1909),expoentesdoqueCarrdenominaIdealismo,aênfaseàexistênciadeumaharmoniadeinteressesentreosEstados,criticadapelo pensamento realista ao longo dos anos. Segundo Carr (1939, p. 18): “orealistanão temdificuldadeemperceberqueessasproposiçõesutópicasnãosãofatos,masaspirações”.

Carr (1939) desafia o Idealismo, questionando a visão de que poderiaexistir uma moralidade comum a todos os Estados e, conforme citado, uma“harmoniadeinteresses”.Segundooautor,“amoralidadesópodeserrelativa,nãouniversal”(CARR,1939,p.19).Areivindicaçãowilsionianadequeháessaharmonia,seriaparteda“açãodegruposprivilegiadosparajustificaremantersuaposiçãodominantenapolíticainternacional”(CARR,1939,p.75).

Os interessesdeumEstadosempredeterminariamoqueeleconsideracomo “princípios morais” – a moral, portanto, derivaria dos interesses, não o contrário.Umexemploseriamasaçõesdepolíticosqueafirmamfazeroqueé“justo”,ou“moralmentecorreto”paraencobrir interessesparticularesouparacriarimagensnegativasdeoutrospaísescomointuitodejustificaratosdeagressão.Nessescasos,amoralidade(ouadefiniçãodoqueécertoouerrado)dependedasdecisõespolíticasedointeressedosEstados.Dessemodo,aspolíticasnãoseriam,comoafirmamos idealistas,baseadasemnormasuniversais,masrelacionadasdiretamenteàinterpretaçãodosEstadosarespeitodamoralidade.

ÀsemelhançadeHobbes,Carr(1939)consideraqueháumconjuntodenormas internacionais impostas aos países por nações dominantes, que teriamcomoobjetivocentralseperpetuarnopoder.Osvaloresqueidealistas,comoWilsoneAngell,considerambonsparatodos–comopaz,justiçasocial,prosperidadeeordem,sãoconsideradosporCarr(1939)merasnoçõesdestatus quo, impostas e mantidasporaquelesquepossuemmaiorpodernapolíticainternacional.

No contexto em que o autor escreve sua obra (1919-1939) havia oentendimentodequeacriaçãoemanutençãodeuma instituição internacionalbaseadaemvalorescomuns(aLigadasNações)seriamsuficientesparaevitarconflitos e guerras. Carr (1939) critica essa visão, apontando a dificuldade deatribuiraEstadosasmesmascaracterísticasdosindivíduos.Estadosnãoseriamcapazesdedemonstrarsentimentoscomo“generosidade”ou“compaixão”,comoafirmamosIdealistas.Emvezdisso,elesteriamcomoobjetivoprimárioprotegerseuscidadãosesobrevivernosistemainternacional.

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TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO

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Nesse sentido, haveria uma diferença enorme entre a moralidade dosindivíduos e a moralidade dos Estados. A moralidade, segundo Carr (1939),dependeriadocontextodasaçõesdosatores.Osindivíduosencontrariamessecontexto na sociedade (Ex.: o ato de ferir, oumatar, alguém encontra limiteslegais e morais nas diferentes sociedades, seja por meio de leis formais einstitucionalizadas,sejapormeiodetradiçõesenraizadasnessassociedades–osindivíduos em sociedadepossuem responsabilidades com relação aos outros).OsEstados,porsuavez,interagememsistemainternacionalcaracterizadopelaincerteza,semadefiniçãodequalquer tipoderesponsabilidadedeumEstadocomrelaçãoaoutro.NessecenáriocadaEstadodefendeepromoveosinteressesdeseusprópriosmembros,mesmoqueissoimpeçaoutrosdetambémofazerem.

Ficaevidente,então,queparaCarr(1939)avisãowilsonianadequeseriapossível estabelecer uma estrutura legal na qual os Estados compartilhariamvisõescomunsecooperariamapartirdeestruturas jurídicas,écompletamentedesconectada da realidade. Wilson, nessa leitura, relacionaria interesses eprincípios morais norte-americanos aos princípios supostamente comuns àhumanidadeemseuconjunto.Issonãoseriadiferente,porexemplo,daafirmaçãonazifascista de Hitler e Mussolini de que as suas respectivas nações seriamrepositóriasdeuma“éticasuperior”(CARR,1939).

O realismo político avançou após a Segunda GuerraMundial, a partirdavisãodequesuaspremissasforambem-sucedidasnaleituradeumsistemainternacional marcado pela recorrência de conflitos e guerras. De fato, a LigadasNaçõesnão foibem-sucedidaemseusobjetivose refletiuumamoralidadenão compartilhada entre todas as grandes potências. A contribuição de HansMorgenthau, no contexto pós-guerra, foi central para a sistematização dopensamentorealistaeparaa“popularização”docampodasRelaçõesInternacionais.

4 MORGENTHAU E A POLÍTICA ENTRE AS NAÇÕES

Opós-SegundaGuerraMundialfoimarcadopeloaugedadesilusãocomopensamento liberal, incapazdeprovercaminhospacíficosparaa resoluçãode conflitosnapolítica internacional.Nesse contexto épublicadaaquelaqueseriaumadasobrasseminaisdorealismonasRelaçõesInternacionais:Política entre as Nações(1948),deHansMorgenthau.Assimcomoseusantecessores,oautordefendequeapolítica internacionalseria,pordefinição,umalutapelopoder. À semelhança de Carr, identifica no idealismo excessivo liberal umproblema, tanto analítica quanto empiricamente, e propõe a formulação deumateoriaque“tentaentenderapolíticainternacionalcomoelarealmenteé”(MORGENTHAU,1985,p.47).

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O livro seminal Política entre as Nações de Hans Morgenthau, publicado em 1948, foi o principal livro acadêmico do campo na América do Norte no início dos anos 1950 até o fim dos anos 1970. No mundo pós-Guerra Fria, houve um interesse renovado em sua obra após a constatação das limitações teóricas do neorrealismo de Waltz.

INTERESSANTE

Poder, segundoMorgenthau (1985), seria percebido comomeio e fimdaatuaçãodosEstados.Opoderestatalseriaumasériedefatoresqueenvolveo território, a população, os recursos naturais e a localização geográfica. AcapacidadedeumEstadodetransformaressesfatoreseconvertê-losempoderseria central na definição do que seria uma grande potência ou hegemoniana política internacional.Dessemodo, as ações políticas devem ser julgadasapartirdeparâmetrospolíticos, referentesà conquista,posse,manutençãoeexpansãodopoder.

Uma das premissas centrais em sua obra é que as relações de cunhopolítico, assim como todas as relações sociais, seriam governadas por leis objetivas enraizadas na natureza humana, essencialmente conflitiva. Nessesentido,oautorreiteraatradiçãodeMaquiaveleTucídideseafirmaquehaveriaumamoralespecíficaparaaesferaprivadaeoutradistintaparaaesferapública(MORGENTHAU, 1985). No âmbito público certas atitudes, como o uso daviolência,seriamjustificadasvisandoapreservaçãodasoberaniaedopoder.Amoralidadeparaosrealistasclássicosdeveser julgadapelasconsequênciasdaaçãopolítica,nãonaaçãoemsimesma.

Morgenthau(1985) tambémdefinequeosagentescentraisdasrelaçõesinternacionaisseriamosEstadosautônomoseindependentes.Elesatuariamemumaarenadenominadasistemainternacional,visandogarantirsuasobrevivênciaemaximizarseupoder,umavezque,conformeditoanteriormente,asrelaçõesinternacionaisseriammarcadaspelalutapelopoder.Issonãosignificaquenãohaveriaoutros atoresnapolítica internacional,masqueoEstado seriaomaisimportantenamedidaemquedetémomonopóliolegítimodousodaforçafísica,emtermosweberianos.Dessemodo,ointeressedosEstadosseriasempredefinidoemtermosdepoder–oquedeterminasuasprioridadeseseucomportamento.Questõesmilitareseestratégicasteriamprioridadeemrelaçãoaquestõescomodireitoshumanos,meioambiente,justiçadistributivaetc.

Visando resumir os elementos teóricos centrais do realismo clássico,o autor estabelece seis princípios que, segundo Morgenthau (1985), seriamfundamentaisparaaanálisepragmáticadapolíticainternacional:

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TÓPICO 2 — O REALISMO POLÍTICO

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• A política seria governada por leis objetivas que refletem a natureza humana: segundooautor,para compreenderapolítica internacional serianecessárioobservaranaturezahumanaimutáveleprofunda,caracterizadapeloegoísmoepeloautointeresse.

• O interesse é definido em termos de poder: todos os Estados agiriam com o objetivodeobteremanteropoder.Arazãoseriaoinstrumentoprincipaldoprocessopolítico.Paraoautor,aracionalidadecaracterizariaaesferapolítica.

• Poder é conceito universalmente definido, mas sua expressão varia no tempo e no espaço: o poder, como elemento central da política entre as nações, variaria deacordocomocontextoeolugarnosquaisessepoderéexercido.

• Princípios morais devem ser subordinados aos interesses políticos: conformedito anteriormente, Morgenthau (1985) concorda com Maquiavel que amoralidadenapolíticanãoécompatívelcomamoralidadeprivada.Segundooautor,olimitedosprincípiosmoraisseriaaprudência:oestadistadevesemprepriorizarasegurançaeointeressedoEstado(definidoemtermosdepoder)aoobservarprincípiosmorais.

• Princípios morais não são universais, mas particulares: segundo o autor,princípiosmoraisnãopoderiamseraplicáveisatodososEstadosequalquertentativade“exportá-los”ou“expandi-los”seriaequivocada.Nestesentido,Morgenthau(1985)seopõeanoçãoliberaldemoralidadecomumerespondeàs aspiraçõesnorte-americanasde considerar seusprincípios superiores aosdemaisEstados.

• A esfera política é autônoma em relação às demais: nesteprincípiooautorreitera a centralidadedoEstado, comoagenteprincipaldapolítica, e o seudeverdepriorizaressaesferaemrelaçãoàeconômica,ajurídicaouareligiosa.

Ao observar os seis princípios do realismo clássico de Morgenthau, é necessário entendê-los como complementares. Em seu estudo, procure não os decorar, ao invés, os entenda como guias para o estudo das ideias gerais do realismo clássico nas Relações Internacionais.

ATENCAO

Embora os seis princípios de Morgenthau contenham uma série derepetições (Ex.: o 4º e 5º princípios são intrinsecamente conectados e derivamumdo outro), ainda assim é possível derivar o seguinte quadro geral: poder,ouinteresse,éoconceitocentralquetransformariaapolíticaemumadisciplinaautônoma.Osatoresestataisracionaisbuscam,nosistemainternacional,satisfazerseusinteressesnacionais.Portanto,serianecessáriaaconstruçãodeumateoriaracional de política internacional, distante de preocupações com moralidade,crençasreligiosas,motivosoupreferênciasideológicasdelíderespolíticos.

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Ainda que defina a política como esfera autônoma, Morgenthau(1985) não segue totalmente a premissamaquiavélica de que a ética deve sercompletamenteseparadadapolítica.Mesmoquenãosejaguiadaporprincípiosmoraisuniversais – à semelhançadoqueafirmaCarr (1939) –, a açãopolíticatemparaMorgenthau(1985)umsignificadomoral.Emúltimaanálise,aaçãodosEstados,comoobjetivodesobrevivernosistemainternacional,tambémenvolveprudência.Oqueoautorafirmaéqueessamoralidadenãopodesercomparadacomamoralidadeindividual,submetidaalimiteseregrasmuitomaisrestritosqueosEstadosemumcontextodeanarquia.

Ainda que o pensamento de Morgenthau (1985) tenha dominado aacademia de RI até os anos 1970, seus princípios não foram suficientes paracompreender os processos em constante mudança na política internacional,comoa interdependência, o transnacionalismo, asnovas fasesdaglobalizaçãoe a interdependência. Nesse contexto, alguns autores propõem uma revisãodo realismo clássico. O principal deles foi KennethWaltz, principal nome dodenominado“Neorrealismo”.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Ainda que o pensamento realista seja heterogêneo, há, ao menos, quatropremissascomunsàssuascontribuições:1)oEstadoéoprotagonistadapolíticainternacional;2)oEstadoéumatorunitário;3)Estadossãoatoresracionais;e4)apreocupaçãocentraldosEstadosécomasegurança.

• O realismo político de Carr provê críticas ao idealismo excessivo da teoriae da prática propostas por Woodrow Wilson, afirmando que não haveriaumamoralidade comum a todos os Estados, sendo impossível atingir uma“harmoniadeinteresses”entreeles.

• O realismo político de Morgenthau popularizou o campo das RelaçõesInternacionais,estabelecendoseisprincípiossucintoseumaexplicaçãomais“simplificada”dapolíticainternacional.

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1 QuaisasprincipaiscríticasdeCarraoconceitode“harmoniadeinteresses”idealista?Porquenãoseriapossívelhaveruma“moralidadeuniversal”,comoafirmavamWilsoneAngell?

2 QuaissãoosseispontosprincipaisdoRealismoPolíticodeMorgenthau?Relacione-osentresiedissertesobresuacontribuiçãoparaopensamentorealistapolíticodocampo.

3 Defina“equilíbriodepoder”edissertesobreaimportânciadesteconceitoparaaexplicaçãodapolíticainternacionalemCarreMorgenthau.

4 DeacordocomCarrseriamtrêsosprincípiosessenciaisdorealismo:

I- Ahistóriaéumasequênciadecausaeefeito,cujocursosepodeanalisare entender através do esforço intelectual, porém não dirigida pela“imaginação”

II- Ateorianãocriaaprática,massimapráticaéquemcriaateoriaIII-Apolíticanãoéumafunçãodaética,massimoinverso.Ouseja,nãohá

moralefetivaondenãoháautoridadeefetiva:amoraléprodutodopoder

Analisandoasassertivasapresentadas.SomenteestãoCORRETAS:a) () I,apenas.b) () IeII,apenas.c) () IeIII,apenas.d)() III,apenas.e) () Todasestãocorretas.

5 Leiaasafirmaçõesaseguir:

I- OinteressedosEstadosseriadefinidoemtermosdepoder.IssosignificaqueasaçõesdosEstadosocorremapartirdocálculoracionalembuscadoaumentooumanutençãodeseupoder.

II- A moralidade para Morgenthau seria universalmente definida. Nessesentido, a visão realista do autor acredita nopotencial das instituiçõesinternacionaisnapromoçãodacooperaçãoentreosEstados.

III-Para Morgenthau, princípios políticos deveriam ser subordinados aosinteressesmorais:Oautor,nessesentido,discordadeMaquiavelaoafirmarqueamoralidadenapolíticanãoécompatívelcomamoralidadeprivada.

IV-ParaMorgenthau,aesferapolíticaseriaautônomaemrelaçãoàsesferaseconômica,religiosaeideológica.

AUTOATIVIDADE

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Analisandoasassertivasapresentadas.SomenteestãoCORRETAS:a) () I,IIeIII,apenas.b) () I,IIIeIV,apenas.c) () II,IIIeIV,apenas.d)() IeIV,apenas.e) () IIIeIV,apenas.

6 Analise as afirmações abaixo acerca das inconsistências do pensamentoidealistaapontadasporCarr(1939):

I- AcrençadequeaconstruçãodequeumaorganizaçãodeEstados,unidosatravésdoprincípiodasegurançacoletiva,poderiaacabarcomasguerras.

II- A crença de que a natureza humana poderia ser alterada e,consequentemente,melhoradaatravésdacooperaçãoedodiálogo.

III-A crençadequeosEstadosmais fortesdeveriamanexar territóriosdepaísesfracosquepudessemameaçarapazinternacional.

Analisandoasassertivasapresentadas.SomenteestãoCORRETAS:a) () IeII,apenas.b) () IeIII,apenas.c) () IIeIII,apenas.d) () II,apenas.e) () I,IIeIII.

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TÓPICO 3 — UNIDADE 1

O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL

1 INTRODUÇÃO

Após a discussão sobre as premissas centrais do pensamentorealista político, neste tópico serão analisados os conceitos do denominado “Neorrealismo”. Influenciadopelos camposdaCiência Política e Economia, ocampodasRIspassaaadotarumaabordagemmais“científica”eseafastadotradicionalismocaracterísticodasvisõesanteriores.Nestecontextosedestacamdoisdosprincipaispensadoresdocampo:KennethWaltzeJohnMearsheimer.OprimeirosubtópicoédedicadoàdiscussãodaspremissascentraisdaobradeWaltz,enfatizandoasdiferençasdesuaabordagememrelaçãoàsanteriores.Aideianãoédetalharoque foiumadas contribuiçõesmais importantesparaocampo,maspontuaroselementosfundamentaisdesuateoria.

O segundo subtópico apresenta e discute o realismo ofensivo deJohnMearsheimer, além de apresentar uma análise da ascensão da China nacontemporaneidadeapartirdesuateoria.Aunidade,porfim,apresentaalgunslimites das abordagens realistas – criticadas e testadas por vários autores aolongodosanos.Aideiaépontuarquemesmoqueateoriarealistaaindaocupeum lugar proeminente no campo das Relações Internacionais, há limitaçõesemsuaspremissasefalhasnaexplicaçãodapolíticainternacionalfrenteaumacomplexidadecadavezmaiordetemas,atoreseagendas.

2 O NEORREALISMO EM WALTZ

Osanos1970forammarcadospelarelevânciacrescentedeatorescomoasorganizaçõesinternacionais,regimeseempresastransnacionais.Nessecontexto,as premissas do realismo clássico são colocadas em xeque, uma vez que arelevânciadessesnovosatorespareciasercadavezmaiornapolíticainternacional.Comoobjetivodefortaleceraspremissasrealistaseproporumaabordagemmais“científica”parao campo,KennethWaltzpublica, em1979,aTeoria da Política Internacional,obraseminaldodenominadoneorrealismoourealismoestrutural.

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

WALTZ EM 1959: AS TRÊS IMAGENS

Vinte anos antes da publicação de Teoria da Política Internacional, Kenneth Waltz publicou O Homem, o Estado e a Guerra, obra na qual descreve “três imagens”, ou “níveis de análise”: o nível individual, o nível estatal/nacional e o nível sistêmico. O objetivo do autor foi definir como cada um dos níveis proveria explicações para a ocorrência de guerras. Ao longo dos anos, o autor avançou na explicação de conflitos a partir da condição anárquica do sistema internacional, se afastando de proposições filosóficas e da busca por entendimento da natureza humana (WALTZ, 1959).

IMPORTANTE

Ocontextodepublicaçãodaobra,em1979,coincidecomocrescimentoexpressivodeabordagensliberais,otimistascomrelaçãoàascensãodeinstituiçõesinternacionais como alternativas para a resolução de conflitos e promoçãoda cooperação. O neorrealismo surge como uma tentativa de revisão dosprincípiospropostosporCarreMorgenthau,maseliminaadiscussãoexcessivasobre anaturezahumana e a éticanapolítica.Alémdisso, a teoriadefendeoestabelecimentodebases teóricasmaisrobustasepróximasdaquiloqueKuhn(2013)denominou“paradigma”.

A TEORIA DA POLÍTICA INTERNACIONAL (1979)

A Teoria da Política Internacional é o texto fundacional do realismo estrutural e um dos livros mais influentes das Relações Internacionais desde a criação do campo. A tese central é de que a ausência de uma autoridade central a qual os Estados possam recorrer, somada ao seu interesse pela sobrevivência, levaria a luta pelo poder. Waltz (1979) se difere de seus antecessores na medida em que afirma que os Estados não buscam necessariamente maximizar poder, mas garantir que outros Estados não o façam.

NOTA

Waltz(1979)defendeu,àsemelhançadeseusantecessores,aexplicaçãoda política internacional “como ela é”, mas foi além ao propor uma teoriaquepoderiaproverexplicaçõesparaa continuidadeeas repetiçõesnoâmbitointernacional, alémde cenários futurospossíveis.Nesse sentido,umelementocentral é a estrutura do sistema internacional, anárquica e descentralizada.Aexistênciadessaanarquiaseriaacausapermissivadasguerrasaolongodosanos,

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TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL

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umavezquenãohaveriaautoridadesuperiorecadaEstadolutariasobrevivênciae pelo poder. SegundoWaltz (1979), nada além dessa estrutura anárquica dosistema internacional explicaria a incidência de guerras – qualquer teoria queoferecesseumaexplicaçãoemnívelestatalseriareducionista.

Teorias reducionistas, segundo Waltz (1979), seriam aquelas que concentram suas explicações e suas relações de causalidade no nível individual ou nacional. Acreditam que as decisões internas de um Estado refletem na sua posição política dentro do cenário internacional.

ATENCAO

Waltz(1979)afirmaqueessasteoriasreducionistasteriamdoisproblemasfundamentais: emprimeiro lugar, não seria possível prever os resultados dasinterações entre atores somente através de uma análise de seus atributos. Emsegundolugar,nãoseriapossívelfazerinferênciasacercadapolíticainternacionalapartirdacomposiçãointernadosEstadosousomandosuaspolíticasexternas.Alémdisso,Waltz(1979)alertaparaoriscoqueteoriasreducionistascorremdeproduzirmerasdescriçõesarespeitodeseusobjetosdeanálise.

Paraoautor,as teoriasquemelhorpoderiamapresentaranálisesequeteriammaiorvalidade,tantoparaoanalistainternacional,quantoparaotomadorde decisão, seriam as teorias sistêmicas. Essas teriam a necessidade de omitiros atributos e as relações das unidades para que possam ser distinguidas asmudançasdaestruturaeasmudançasqueocorremnaestrutura,alémdedoisgrandesobjetivos:emprimeirolugar, traçaraevoluçãoesperadadediferentessistemasinternacionais, indicandosuaduraçãoprováveleseucaráterpacífico;eemsegundolugarmostrarcomoaestruturadosistemaafetaasunidadeseminteraçãoecomoelasafetamaestrutura(WALTZ,1979).

Waltz(1979)alertaoanalista,também,queasteoriassistêmicasdeveriamser parcimoniosas ou, ainda, elegantes. Isso significa que a teoria deveriaconseguirexplicaramaiorquantidadedeelementospossívelacercadapolíticainternacionalcomamenorquantidadedevariáveis.Sendoassim,dentrodeumsistema, uma teoria explicaria as continuidades, enquanto entre sistemas, elaexplicariaamudança.

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

UMA ANÁLISE DA ASCENSÃO DA CHINA A PARTIR DOREALISMO ESTRUTURAL

Há certa concordância entre realistas estruturais com relação à unipolaridade norte-americana nos últimos anos. Nesse sentido, o crescimento da China, eventualmente, acabaria com esse quadro e tornaria o mundo mais perigoso, uma vez que na unipolaridade não haveria guerra entre grandes potências. No caso da ascensão chinesa, haveria o perigo de conflito entre o país e os Estados Unidos.

Em suma, não há consenso entre os realistas estruturais sobre se a China pode ascender pacificamente. Essa diversidade de pontos de vista não é surpreendente, uma vez que esses mesmos realistas discordam entre si sobre o que causa a guerra. O único ponto importante de concordância entre elas é que a estrutura do sistema internacional forçaria grandes potências a competir entre elas mesmas pelo poder.

IMPORTANTE

Outroelementoimportantedorealismoestruturaléoequilíbriodepoder,anteriormenteteorizadopelosclássicos.Nessecenáriodeincertezas,osEstados(principais atores do sistema internacional), buscariam maximizar o podervisandoasuasobrevivênciaepermanêncianosistema.Aocontráriodosclássicos,porém,osneorrealistasafirmamqueessabuscaseriadeterminadapelaestruturadosistemainternacional,quecondicionariaasaçõesdosEstados.Essaestruturaseriadefinidaapartirdetrêscaracterísticasprincipais:seuprincípioordenador,acaracterísticadesuasunidadeseadistribuiçãodecapacidades.

• Princípio Ordenador: segundo Waltz (1979), o sistema internacional émarcadopelaausênciadeautoridadecentral.Aanarquia,portanto,ordenariaarelaçãoentreosEstadoseseriaumprincípiocentraleinevitáveldapolíticainternacional.

• Característica das Unidades: osEstadosseriamsemelhantesemseuaspectofuncional.Apesardasdiferençasemtermosideológicos,culturais,econômicose identitários, todososEstados realizamasmesmas tarefas, como cobrançadeimpostoseconduçãodapolíticaexterna.Nestecontexto,asunidadessãocaracterizadas pelo sistema de autoajuda: cada Estado pode contar apenasconsigomesmo.

• Distribuição de Capacidades: Waltz(1979,p.97)afirmaqueosEstadossão“distinguidosprincipalmentepormeiodeseumaioroumenorpoderdecum-prirtarefassimilares”.Essesatoresagiriamnosistemainternacionalapartirdessascapacidadesdistintas,determinandoseesteseriabipolaroumultipolar.

ApolaridadedosistemainternacionaléoutroelementocentralnaobradeWaltz(1979).Paraoneorrealismo,sistemasbipolares–comoaqueleexistentedurante aGuerra Fria, entre EstadosUnidos eUnião Soviética – seriammaisestáveisesegurosqueosmultipolares.Issoocorreriaporquehaveriaumespaço

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TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL

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reduzidoparaojogoduploealiançasescusas.Alémdisso,hámaiorpossibilidadedemonitoramentomútuodosmovimentosdosEstados.Deacordocomessavisão,aGuerraFriateriasidoumperíododerelativapazeestabilidadeinternacionais.

QUADRO 6 – AS POLARIDADES EM WALTZ

UNIPOLAR BIPOLAR MULTIPOLAR

• Menosduradouro.• Grandeinstabilidade.• Ameaça do mais forte.

• Maisorganizado.• Apenasuminimigo.• Maisestávelnamanutençãodapaz,forçacontrolaforça.

• Maisinterdependência.

• Menosprevisibilidade.

• Instabilidadenasrelações.

FONTE: A autora

QUADRO 7 – A ESTRUTURA DO SISTEMA INTERNACIONAL EM WALTZ (1979)

O interesse do governante e, mais tarde, do Estado, impulsiona a ação; asnecessidadesdapolíticasurgemdacompetiçãodesreguladaentreosEstados;um cálculo com base nessas necessidades pode identificar as políticas queservirãomelhoraosinteressesestatais;osucessoéotestedecisivodapolítica,e é medido pela preservação e pelo fortalecimento do Estado...restriçõesestruturaisexplicamporqueosmétodossãousadosdeformarepetida,apesardasdiferençasentreaspessoaseospaísesqueosutilizam.

FONTE: Waltz (1979, p. 117)

O neorrealismo de Waltz, portanto, é mais determinista que o deseus antecessores, enfatiza a importância da estrutura anárquica do sistemainternacionalnadefiniçãodasestratégiasdosEstadosenaexplicaçãodaguerraecolocaemsegundoplanodiscussõesdeordemmoraleética.Apreocupaçãodoautorfoimuitomenoscomareflexãosobreanaturezahumanaesobreosobjetivosdapolíticaentreasnaçõesemuitomaiscomosdeterminantesestruturaisquelevamasgrandespotênciasabalancearpoder.Dessemodo,Waltz(1979)definequeapolíticainternacionalécompostaporumagamavariadadeatores,masqueasuaexplicaçãodeveserbaseadaamplamentenaobservaçãodabuscaporpoderporpartedasgrandespotências,sendooutrasquestõessecundárias.

3 O REALISMO OFENSIVO EM MEARSHEIMER

AindaquedesafiadopelacrescentecomplexidadedapolíticainternacionalnofimdoséculoXX,orealismoavançouaolongodosanos1990e2000comoumadasteoriasdominantesdocampo.UmdosexpoentescentraisnessecontextofoiJohnMearsheimer,autordeA Tragédia da Política das Grandes Potências(2001).O

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

contextodepublicaçãodaobracoincidiucomoatentadoaoWorldTradeCenter,emsetembrodomesmoano,ecomaascensãoda“guerraaoterror”porpartedogovernonorte-americano.Nessemesmocontexto,orealismodeWaltz(1979)eraalvodecríticaspornãotersidocapazdepreverofimdoconflitoLeste-Oeste.

Mearsheimer (2001) não rompe com os princípios ontológicos de seusantecessores,defendendoumapolíticainternacionalcaracterizadapeloconflitoepela incerteza trazidapela ausênciadeumaautoridade central.Alémdisso,reafirmaopapel central doEstado, reiterando sua característica racional e debuscapelopoder.Oquediferenciasuapropostaéaexplicaçãomaisapuradadashegemonias–globaiseregionais–edasmúltiplasestratégiasempregadaspelosEstadosnabuscapelopoder.Dessemodo,suapropostateóricaficouconhecidacomo“realismoofensivo”.

Para compreender a proposta deMearsheimer em seu livro cânone,é preciso entender qual era seu objetivo ao escrevê-lo e isso se relacionadiretamente com o contexto mundial à época. O fim da guerra fria e suaconsequente retração de tensões entre grandes potências, levou o campo aquestionarateorianeorrealistaeaadotarvisõesotimistascomrelaçãoàpolíticainternacional.A incapacidade dos neorrealistas em prever o fim da guerrafria e a dissoluçãodaUnião Soviética colocaram emxequeuma teoria que,fortemente influenciada pelo behaviorismo, afirmava que buscava produzirprevisõesquepudessemauxiliarotomadordedecisão.

Ofimdastensõesentregrandespotências,representadoprincipalmentepelo medo do início da guerra fria, de uma hecatombe nuclear, deu espaçopara que abordagens otimistas a respeitodapossibilidadede estabelecimentode cooperação entre os atores para o progresso humano e mundial ficassememvoga.ApublicaçãodeO Fim da História,deFrancisFukuyama,em1992,érepresentativadessemomento.Oargumentodoautorapontavaparaaideiadequeofimdaguerra friarepresentariaopontofinaldaevolução ideológicadahumanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como formafinaldogovernohumano.

Mearsheimer(2001),poroutrolado,afirmaqueoselementosfundacionaise fundamentais para a explicação pessimista do realismo não haviam sidodesafiados ou postos em xeque com o fim da guerra fria. O autor apresenta,então,cincohipótesesquejustificariamarelevânciadoNeorrealismoenquantoumalenteteóricadocampodasRelaçõesInternacionais.

Aprimeiradelasédequeaanarquiaaindaseriaoprincípioordenadordo sistema internacional e isso significa que as considerações realistas sobreesteprincípiosercaracterizadopelaautoajudaaindaseriamválidas.Asegundahipótesedizrespeitoaofatodequeasgrandespotênciasaindapossuiriamgrandescapacidadesmilitares ofensivas, o que significa que conflitos por disputas deinteressenumcontextodeanarquia(primeirahipótese)aindaseriampossíveis.Aterceirahipóteseeradequeaindahaviaincerteza,entreosEstados,arespeito

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das intenções dos demais (característica que é intensificada pelo ambiente deautoajudadaanarquia).AquartahipótesedeMearsheimerresgatavaumadasgrandesideias-forçadoRealismocomoumtodo:dequeoprincipalobjetivodosEstadosseriagarantirsuasobrevivência.Porfim,oautorafirma,emsuaquintahipótese, que os Estados são atores racionais e que, portanto, fazem cálculosbuscando maximizar seus benefícios, reduzindo seus custos, em cada ação(MEARSHEIMER,2001).

QUADRO 8 – AS CINCO HIPÓTESES DE MEARSHEIMER PARA A RELEVÂNCIA TEÓRICA DO NEORREALISMO NO CAMPO

HIPÓTESEI“Anarquiaaindaseriao

princípio ordenador do Sistema Internacional”.

As considerações dos autores realistasa longodosanos,dequeaanarquiaémarcada pela autoajuda, ainda seriamválidas.

HIPÓTESEII“GrandesPotênciasaindapossuem

grandes capacidades militares ofensivas”.

Conflitospordisputasde interesseemumcontextodeanarquiaaindaseriampossíveis.

HIPÓTESEIII“Aindaháincertezaentreos

Estadossobreasintençõesalheias”.

A incerteza seria intensificada peloambiente de autoajuda da anarquia, oque levaria à desconfiança constanteentreosEstados.

HIPÓTESEIV“OprincipalobjetivodosEstadosé

garantirsuasobrevivência”.

Em um sistema internacional semautoridadesuperior,osEstadosteriamcomoobjetivocentralagarantiadesuasobrevivência.

HIPÓTESEV“Os Estados são atores racionais e, portanto,buscammaximizarseus

benefícios”.

Os Estados efetuariam sempre umcálculoracionalquebuscariaminimizarseus custos e maximizar seus ganhos,emcadaaçãonapolíticainternacional.

FONTE: Adaptado de Mearsheimer (2001)

Dessascincohipóteses,emergemtrêspadrõesgeraisdecomportamentodentro do sistema internacional. O primeiro seria omedo: não tendo certezadas intenções e estratégias dos demais Estados, sabendo que estes possuemcapacidadesmilitaresofensivasequenãoháumpodersuperiorpararesgatá-loemcasodeconflitos,osEstadosdevemtemerunsaosoutrosnoquedizrespeitoàs suas intenções. O segundo padrão de comportamento seria a autoajuda,elementoamplamente teorizadopelavertenterealistadeformageral:sabendoquenãoháumleviatãpararecorreremcasodeameaçasàsuasobrevivência,oEstadoprecisacompreenderquedependeapenasdesiparacumprirseuobjetivo

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primordial de continuar existindo enquanto unidade política autônoma. Oterceiropadrãogeraldecomportamento,porsuavez,dizrespeitoàmaximizaçãodepoder:essaseriaaestratégiamaisseguraqueumEstadopoderiaadotarparacumprirseusinteresses.Nessesentido,todososEstadosbuscariamincrementarseupoderrelativoatodomomento.

Essestrêspadrões,combinadosàshipótesessupracitadasdeMearsheimer(2001),criariamumambienteinóspitoeameaçadorparaosEstados.Acompetiçãoseria a característica permanente da política internacional. Aqui observa-se agrandediferençaentreWaltzeMearsheimerque fazcomqueocamposepareestas duas teorias em Realismo Defensivo (advogada por Kenneth Waltz) eRealismo Ofensivo (representada por John Mearsheimer). Enquanto para oprimeirooEstadodeveficaratendoàsmovimentaçõesdabalançadepoderebuscarmaximizarseupoderapenasemmomentosespecíficos,paraosegundo,essabuscadeveserconstante.

OutropontoquediferenciaasduasteoriasdizrespeitoàpossibilidadedeumEstadoalcançarahegemoniaglobal.Mearsheimer(2001)afirmaqueEstadoshegemônicosglobaisseriamdifíceisdeseremobservadosporcontadaquiloqueoautor chamade“poderparadordaágua”,ouseja, adificuldadedeprojetarpoderatravésdegrandesmassasdeáguateriacomoconsequênciaaexistênciadehegemoniasconfinadasàsregiões.Podendoprojetarseupodermaisfacilmenteatravés do território de sua região, os Estados deveriam ter dois objetivos: setornaraúnicahegemoniaregionalebuscarevitar,emoutrasregiões,aascensãodehegemonias.Assim,oEstadoquesetornasseumahegemoniaregionalatuariacomo um equilibrador externo nas demais regiões, buscando mantê-las empermanenteestadodecompetição.

Alémdisso,Mearsheimer(2001)apresentaquatroobjetivosbásicosque

GrandesPotênciasdeveriam terparagarantir sua sobrevivência.Oprimeiroéatingirahegemoniaregional:aoseralcançada,esseEstadoteriaummaiorgraudeconfiançadequeseusvizinhosnãoseriamameaçasàsuasobrevivênciaequeeste poderia se defender caso houvesse um equilibrador externo. O segundoobjetivo é a maximização de sua riqueza relativa: aqui, Mearsheimer (2001)diferencia poder real de poder potencial. Enquanto o primeiro seria relativoàscapacidadesmilitaresdefensivaseofensivasdeumEstado,osegundodiriarespeitoàsriquezasdesse,quepoderiamserdirecionadasàproduçãodepoderrealemcasodeameaças.Oterceiroobjetivobásicodasgrandespotênciasseriaodomíniodoequilíbriodepoderterrestrenasuaregião:issotornariamaisdifícilaameaçadevizinhosàestabilidadedoEstado.Porfim,oquartoobjetivodasgrandespotênciasseriaaobtençãodesuperioridadenuclear.

Combasenessesobjetivos,etendoascincohipótesescomopanodefundo,Mearsheimer (2001)apresentaquatroestratégiasparaconquistarpodereduasestratégiasparacontrolaragressoreseestratégiasaserevitadaspelosEstados.Comrelaçãoàsestratégiasparaaconquistadopoder,oautorcitaprimeiramenteaguerra.Segundoele,aguerraseriaapolíticaporoutrosmeios,apartirdasideias

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deClausewitz(1984apudMEARSHEIMER,2001).Elaseriaaformamaiseficientedesubjugarooponenteoupotencialameaçaemaximizarpoder.Emsegundolugar,oautormencionaa“chantagem”,queseriaousodeameaçascoercitivaseintimidaçãodeumoutroator.Aesserespeito,Mearsheimer(2001)fazalgumasconsiderações: emprimeiro lugar, é preciso lembrar que a chantagemprecisaparecercrívelparaoatorqueestásendochantageado.Nessesentido,oatorqueestáchantageandodevedeixarclarassuasintençõesecapacidadesdeprosseguircomaproposta,casooatorchantageadonãocedaàspressões.

A terceira estratégia seria o denominado bait and bleed, ou incitamentooportunista. O objetivo é induzir os estados rivais a se envolverem em umaprolongada guerra de atrito uns contra os outros "para que se sangrem",enquantooEstadoqueincentivouoconflitopermaneceàmargememantémsuaforçamilitar.Aquarta,eúltima,estratégiaseriaobloodlettingousangria.Quandoos rivais deum estado já tiverem entrado emguerrade forma independente,oobjetivo seria incentivaro conflitoa continuaromaior tempopossível,parapermitirqueosestadosrivaisseenfraqueçamouquesuaforçamilitar“sangre”.

Oautoraindaapresentaduasestratégiasparaocontroledeagressores.Aprimeiraéodenominadobalanceamento,quetemtrêsobjetivoscentrais:enviarsinais claros ao agressor que há um compromisso como equilíbrio de poder,mesmoqueissoleveàguerra;criaçãodeumaaliançadefensivaqueajudeaconteraameaça;contrabalancearumagressor,automobilizandoosrecursosadicionais.Asegundaestratégiaseriaadelegação,oubuckpassing (MEARSHEIMER,2001).Há quatromedidas possíveis para facilitar a delegação:manter boas relaçõesdiplomáticascomoagressorparaqueelemantenhasuasatençõesno“Estadodelegado”;manutençãoderelações“frias”edistantescomoEstadodelegado;amobilizaçãoderecursosprópriosadicionaise,porfim,permitiroufacilitaroaumentodopoderdoestadodelegado.

UMA ANÁLISE DA ASCENSÃO DA CHINA A PARTIR DO REALISMO OFENSIVO

O objetivo máximo das grandes potências, de acordo com o realismo ofensivo, é tornar-se hegemonia, porque essa posição garantiria a sua sobrevivência. Na prática, é quase impos-sível para qualquer país atingir esse status, porque é difícil projetar e sustentar poder mun-dialmente e através de territórios distantes. O melhor objetivo a ser buscado é tornar-se hegemonia regional, o que significa dominar uma determinada área geográfica. Os Esta-dos Unidos compreenderam essa lógica realista ofensiva e trabalharam assiduamente para tornar o país a potência dominante no ocidente, conquistando finalmente a hegemonia regional em 1898. Ainda que os Estados Unidos tenham se tornado ainda mais poderosos desde então, não é possível afirmar, segundo a lente realista neoclássica, que o país é uma hegemonia global. Estados buscam o status de hegemonia regional por um motivo impor-tante: prevenir que grandes potências de outras regiões geográficas dupliquem seu poder.

IMPORTANTE

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Desse modo, após atingir o status de potência regional, os EUA tentaram prevenir que outras grandes potências controlassem a Ásia e a Europa. No século XX havia quatro grandes potências com a capacidade de tornar-se hegemonia regional: a Alemanha Imperial (1900-1918), o Japão Imperial (1931-1945), a Alemanha Nazista (1933-1945) e a União Soviética (1945-1989).

Em cada um dos casos, os EUA desempenharam um papel central no combate e desmantelamento das aspirações hegemônicas. Em suma, a situação ideal para qualquer grande potência seria tornar-se a única hegemonia regional do mundo.

A partir da lente realista ofensiva, então, devemos esperar que a China “imite” os EUA e tente tornar-se uma hegemonia regional na Ásia. A China tentará maximizar a lacuna de poder entre ela mesma e seus vizinhos, como o Japão e a Rússia, garantindo que nenhuma outra potência tenha a capacidade de ameaçar sua posição.

Outra estratégia possível, a partir dessa lente, seria a China tentar retirar qualquer influência militar norte-americana na Ásia, do mesmo modo pelo qual os EUA reduziram a influência das grandes potências europeias no ocidente no século XIX.

Mearsheimer (2001) afirma, por fim, que duas estratégias devem serevitadas: o seguidismo (ou Bandwagoning) e o apaziguamento. Bandwagoning ocorrequandoumEstadosealinhacomumpoderadversáriomaisforteeadmitequeesseadversárioganhadesproporcionalmenteosbensqueconquistamjuntos.O bandwagoning, portanto, é uma estratégia empregada por Estados que seencontramemumaposição fraca.A lógicaestipulaqueumEstadomais fracoesemarmasdevesealinharcomumadversáriomaisforte,porqueesteúltimopode conquistar o que quer à força de qualquermaneira. Ocorre geralmentequando um Estadomais fraco decide que os custos de se opor a um Estadomaisforteultrapassamosbenefícios.ÉumaestratégiaconsideradaperigosaporMearsheimer(2001)porquepermitequeoEstadorivalganhepoder.Dessemodo,deveserempregadaapenasquandonãohápossibilidadedeconstruçãodeumacoalizãoparabalancearpoder,ouquandoháconstrangimentosgeográficos.Amesmalógicaéempregadaquandoaestratégiaéoapaziguamento,ouatentativadeabrandaroconflito.

É possível identificar uma gama de semelhanças entre os diferentesteóricosrealistas,aindaquehajaumasériedediferençasconsideráveisemsuaspropostas.O realismoclássico, conformediscutido, sedebruça sobrequestõesnormativaseéticasparaexplicarodesejodosEstadosdecompetiremporpoder.Oneorrealismo, por outro lado, foca nas características estruturais que levamesses atores ao conflito na política internacional.Além disso, se debruça commaioratençãosobreoequilíbriodepoderesuaimportâncianasobrevivênciadosEstados.Orealismoofensivoconcordacomgrandepartedaspremissasdeseusantecessores, mas foca nas estratégias utilizadas pelos atores paramaximizarpoder,considerandoabuscaporhegemoniaumafinalidademáximadosEstados.

Oquadroaseguirresumeosprincipaispontosdastrêsgrandesabordagensrealistasapartirdeduasindagações:“oquelevaosEstadosacompetiremporpoder?”e“quantopoderdesejamosEstados?”:

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QUADRO 9 – QUADRO COMPARATIVO ENTRE REALISMO ESTRUTURAL E CLÁSSICO

REALISMO DA NATUREZA HUMANA

REALISMO DEFENSIVO

REALISMO OFENSIVO

O que leva os Estados a competirem por poder?

Odesejodepoderinerente aos Estados.

Aestruturadosistema.

Aestruturadosistema.

Quanto poder desejam os

Estados?

Tudooqueconseguirem.

Os Estados maximizamopoder relativo,

com a hegemonia comofimúltimo.

Nãomuitomaisdoqueoquetem.OsEstadosconcentram-senamanutençãodoequilíbriode

poder.

Tudooqueconseguirem.

Os Estados maximizamopoder relativo,

com a hegemonia comofimúltimo.

FONTE: A autora

4 OS LIMITES DA TEORIA REALISTA E SEUS CRÍTICOS

O realismo tem sido uma das principais teorias do campo desde apublicaçãodePolítica entre as Nações,deMorgenthau,em1948.Suaspremissasforam incentivadas e fortalecidas pelo fracasso da tentativa liberal de proverinstituições capazes de gerir os conflitos internacionais. Ao se contrapor aosuposto “idealismo”, denunciado por Carr (1939), o realismo construiu umaagendadepesquisabaseadanapremissadacentralidadedoEstado,nasincertezasdecorrentesdaanarquia,noequilíbriodepoderenosdeterminantesestruturaisdas ações dos Estados.Ainda que tenha dominado a agenda de pesquisa nocampoporváriasdécadas(notadamente,atéofimdosanos1970,iníciodosanos1980),orealismonãofoiimuneacríticasdentroeforadocampo.

Uma das escolas em ascensão nesse período (anos 70) foi a EscolaInglesa, representada, entreoutros autores,porHedleyBull,AdamWatson eMartinWight.Tambémconhecida como“TeoriadaSociedade Internacional”,a abordagem foi relegada ao campo da História no início e reconhecidagradualmenteenquantoteoriadasRelaçõesInternacionais.Aindaquenãocaibanopresentelivroaprofundaradiscussãosobreessateoria,éválidorefletirsobresuascríticasàescolarealista.

A Escola Inglesa critica o realismo em dois principais pontos: primeira-mente,aconsideraumateoriaunidimensional,comumenfoquelimitadoemter-mosdeatoresrelevanteseáreastemáticas.Alémdisso,ressaltaqueorealismonãocompreendeenãolevaemconsideraçãoqueapolíticainternacionalécom-

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postapelodiálogoentrediferentesabordagensdediferentescampos.Baseadosemperspectivas clássicasdafilosofiamoral epolítica, os teóricosdessa escolacreemnaexistênciadeumasociedadeinternacional,maiscomplexaeintricadaqueosistemainternacionalrealista.SegundoBull(2002),elasurgiriaquandoosEstados,cientesdecertosvaloreseinteressescomuns,criaminstituiçõesenor-mas que comporiamuma sociedade internacional.Adificuldadedos realistasemidentificaressesurgimentoeaimportânciadasinstituiçõesinternacionaisdopontodevistanormativo,seriaumalimitaçãoimportantedateoria.

Os teóricos da sociedade internacional reconhecem, à semelhança dosrealistas,aimportânciadointeressenacionalcomoumvalor,masnãooaceitamcomooúnicovaloressencialdapolíticamundial.Tambémcriticamanegligênciarealistacomrelaçãoaelementosmoraisenormativos,essenciaisparaareflexãosobreresponsabilidadeestatal,ecomrelaçãoàcontraposiçãoentreosconceitosdeordemejustiça,centraisparaosteóricosingleses.

Os teóricosmarxistas tambémcriticamavisão realista, considerando-aexcessivamente simplista. Os marxistas afirmam que o realismo falha emconsiderar o Estado o ator principal das relações internacionais e em ignorar arelevânciadeempresasedocapital transnacionalnapolíticamundial.Alémdisso,o focoexcessivonaesferapolítica,emdetrimentodaanálisedosistemainternacionalemtermoseconômicos,seriaoutralimitaçãorealista.

Osconstrutivistas,representantesdeumaescolateóricaimportantequesurgenosanos1990nocampo,criticamorealismopelaausênciadadiscussãosobre as identidades nacionais como elementos importantes na definição dosinteressesdosatores.Oconstrutivismotambémcolocaemxequeavisãorealistasobreaanarquia.AlexanderWendt,umdosrepresentantesmaisimportantesdessateoria,afirmaqueaanarquiapodeserconstituídaapartirdasinteraçõesentreosagentes,apartirdavisãodeAnthonyGiddenssobrea“dualidadedaestrutura”.Nessavisão,estruturaeagentesecoconstituem.Dessemodo,ainteraçãoentreosEstadosdeterminariaaestruturae,aomesmotempo,seriadeterminadaporela.Asinteraçõespodemserdeamizade,inimizadeourivalidade,adependerdaáreatemáticaedosatoresenvolvidos.

OutracríticaválidaéadequeaindaqueWaltz(1979)busqueoferecerumateoria“científica”e“elegante”dapolíticainternacional,emváriosmomentosoautorrecorreaprincípiosnormativos,típicosdeseusantecessores.Alémdisso,segundo Lawson e Shilliam (2010), Waltz teria interpretado erroneamente osconceitosde solidariedademecânica e solidariedadeorgânicadaDurkheim,oqueteriaprejudicadooseuentendimentosobreoselementoscaracterísticosdaanarquiainternacional.

É necessário ressaltar, por fim, ainda que haja um conjuntode críticasválidas a essa abordagem, os Estados permanecem sendo uma unidade deanálise central nas Relações Internacionais e possuem grande importância nadinâmicadapolíticainternacional.Osrealistasenfatizamalutapelopoderea

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racionalidade dos Estados como elementos centrais pois empiricamente a história confirmaarecorrênciadeguerras,conflitosedadinâmicadeequilíbriodepoder.Enquantoapolíticainternacionalmantiveressarecorrência,ateoriarealistaterárelevânciaecapacidadedeexplicarasrelaçõesinternacionais.

Para entrevistas com autores realistas, como Kenneth Waltz e John Mearsheimer, acesse:http://globetrotter.berkeley.edu/people2/Mearsheimer/mearsheimer-con0.html

DICAS

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UNIDADE 1 — O REALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

LEITURA COMPLEMENTAR

REALISMO VERSUS GLOBALISMO NASRELAÇÕES INTERNACIONAIS

TulloVigevaniJoãoPauloC.Veiga

KarinaLiliaP.Mariano

A compreensão domundo atual passa cada vezmais pelo exame dasrelaçõesentre temaseconômicose temas clássicosdaestratégiaedas relaçõesdepoder,relativosàsbasesdopodermundial.Trata-sedecompreendercomoacapacidadeeconômica,entendidaemsentidoamploedinâmico,poderáincidirnasformulaçõesestratégicasglobais,tornando-seofatordecisivodopoderemescalainternacional. Osautoresqueseutilizamdoglobalismocomopontodepartidapara suas análises teóricasdo sistema internacional consideramque aemergênciadaeconomiacomofatorexplicativobásicodasrelaçõesinternacionaiséirreversível,sendoissooquepermiteacompreensãodasmodificaçõesemcurso.Essa perspectiva vem ganhando força com a aparente crise do realismo, quepredominounosEstadosUnidosdurantedécadas,apóssesobreporaochamadoidealismode inspiraçãowilsoniana,que tivera forçanoperíodoentre asduasguerrasmundiais.Nestanova fasedosdebates,háuma tentativade reabilitarorealismo,ouoneo-realismo,comosechamaanovasofisticaçãodessemodelode análise (Waltz, 1979), entrando como principais opositores os chamadosglobalistas(Rosecrance,1981).

É certamente esse o debate que oferece o pano de fundo necessário àcompreensão das modificações da política internacional, particularmente danorte-americananosanosoitenta,equeexplicapartedospressupostos,tambémteóricos,queorientamaaçãointernacionaldosEstadosUnidosedosdemaisatores.Particularmentenocasodasanálisesglobalistas,quetiveramnotávelincidênciana formulaçãoda política norte-americana nos anos oitenta, apesar de sempreestarem condicionadas pelo realismo, deve-se dizer que alimentaram, tambémforadosEstadosUnidos,asnovascorrentes"internacionalistas".Hoje,aquestãodacrisedorealismoedasupremaciadaconcepçãoliberal-internacionalistaapontaparaumarelaçãocomplementarmaisdoqueexcludente.Oscríticosdorealismoo qualificam de obsoleto, ummodelo de análise envelhecido para ummundoglobalizado,noqualaaceitaçãouniversaldevaloresparecegeneralizar-se.

Contudo,orealismopermaneceummodelofundamentalparaaanálisedas relações internacionais, menos por constituir um guia normativo e maisporbuscarumaperspectivadeexplicaçãodecomoomundofunciona.Porisso,mesmoincompleto,omodelorealistavemsendocriticadoporalgunsmaiscomopropósitodeinserirnelenovasvariáveisdoqueparasubstitui-lo.Deformageral,

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osdesafiosmaissignificativosvêmsendopropostospelaperspectivaglobalistaou liberal-internacionalista. As interpretações da políticamundial devem seranalisadascriticamente,oqueimplicaumcertograudesofisticaçãoemrelaçãoaotema,poistodasasanálisesetodasasteoriasestãoenviesadaspelaprópriaexperiênciaqueasinformaeporreferênciashistóricas,ideológicasepolíticas.Éimportantelembrarqueateorianãoexistecomoumfimemsimesmo,esomentetem sentido como arcabouço explicativo de realidades ou de projetos. Se nãopossuiressacapacidade,rapidamentetorna-secaduca.

Ateoriapolítica,assimcomoateoriadasrelaçõesinternacionais,insere-senumcampodoconhecimentodiretamentevinculadoàconsciência,àmoraleàsconcepçõesgeraisdoserhumano.Issoatornaumaáreadoconhecimentointrinsecamente datada. Hoffmann assinala (Hoffmann, 1977) que a área doconhecimento denominada "relações internacionais" é uma ciência socialtipicamente americana. O que caracteriza essa situação é a própria temáticatratada.ParaWaltz,asteoriasnãonascemdetentativasdeestabelecerleis,mesmonoscasosemqueessas tentativasobtenhamsucesso.Paraele,aelaboraçãodeumateoriaéumatarefade importância fundamentaldevidoànecessidadedesedecidiremqueargumentosdeveconcentrar-seaatenção,comvistasaumaexplicaçãodosfatosedasrelações internacionais.Portanto,paraele,oesforçodaelaboração teóricaestávoltadoparaa tentativade identificar comovariamas possibilidades das grandes potências de governar de forma construtiva osassuntosinternacionais.Tendoemcontaasmudançasdapolíticamundialeasmodificaçõesdosvaloresdequeestamosimbuídos,nãohágarantiaalgumadequemesmoumateoriahojebemassentadapossapermanecerválidanofuturo.Qualquer proposta teórica das relações internacionais deve ser atentamenteexaminadaparaverificaroraiodasuaaplicabilidade,etambémograudasuafuncionalidadeexplicativacomrespeitoaosaspectosquesepropõetratar.

Mesmoconsiderandoaexistênciadeenfoquesprofundamentedistintos,há, segundo Cox, duas características sempre retomadas: a perspectiva deos Estados Unidos serem a potência preponderante com um certo grau deresponsabilidade, e as relações entre poder e moralidade e entre ciência etradição (Cox, 1986). Nesse sentido, toda teoria das relações internacionaistem seus princípios valorativos fortemente vinculados a concepções sobre ohomem. Justifica-se assim que toda análise séria das relações internacionaispartadeHobbes,GrotiusouKant,poiselasempreremeteànaturezadohomemeaoenfoquequesetemdessamesmanatureza.Nessaperspectiva,anaturezahumanaprojeta-senasociedadeenoEstado,eacabadeterminandoasrelaçõesentreestadosouentresociedades.Aomesmotempo,éimportanteque,nabuscados fundamentos das relações internacionais, sejam estabelecidos parâmetrosreferentesaocontextodoperíodohistóricoemquestão.

Noperíodo entre asduas guerras tudo levava a crer que, nas relaçõesinternacionais, prevalecia a concepção kantiana da não-existência objetiva doconflitoentreamoraleapolítica.Issopossibilitaria,segundoapropostadeKant,aconstituiçãodeumaligadepaz,queeliminariatodasasguerras.Implícitanisso

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estavaaexequibilidadedaideiadefederação,queseestenderiagradativamenteatodososestados.Naquelemomentoasformulaçõesdeumapolíticainternacionalracional epacifista estavamno auge, visíveisparticularmenteno empenhodaLigadasNaçõesporestabelecerumapazduradouraenastentativasdealcançar-se umdesarmamento global. Essa concepção entrou em crise às vésperas daSegunda Guerra Mundial, abrindo caminho para a emergência do realismo,queseafirmounomundoanglo-saxãocomoaformulaçãomaisimportantedapolítica exterior do pós-guerra. A preocupação dos realistas não tinha comoobjetoprincipalaexplicaçãodascausasdopoder:concentrava-senopoderemsimesmo,sendoabuscadesteconsideradainatanoserhumano.Dissodecorrea ideiadequeanaturezahumanadeterminaemboamedidaa lógicadaaçãopolíticadoshomens,postoqueabuscadopoderépartedasuamotivaçãobásica.Acompreensãodopoderacabasendonecessáriaàvisualizaçãodoinstrumentoparasealcançaroutrosobjetivos,oschamadosinteressesnacionais. Aestreitavinculaçãoentreapolíticaeanaturezahumanaparaosrealistastorna-seaindamaisclaraquandoseconsideraaexplicaçãodofenômenodaguerra.Umateoriaquepretendeexplicarcomoomundofuncionadevesercapazderevelarcomoeporqueasguerrasocorrem.

Morgenthau, quepersistentemente rebateu as teses idealistas, entendiaaguerracomooresultadodeforçasinerentesànaturezahumana.Segundoele,seriaissoqueinduziriaasorganizaçõespolíticasàlutapelopoder.Waltz,maistarde,destacouahipótesedeMorgenthau,perguntandoseanaturezahumanaera capazdeexplicar tambémapaz,ouporquedeterminadosperíodoserammaisconflituososdoqueoutros.Naverdade,aquestãodefundo,nocaso,eraadeseasguerraseramounãooresultadodaorganizaçãoanárquicadosistemainternacional, no qual cada Estado deve ser capaz de se prover de recursosprópriosparasobreviver,oquegeraanecessidadedousodaforça. Aorigemhobbesianadesseencadeamentoanalíticoéevidente.Nasrelaçõesinternacionaisnão haveria, de fato, um poder acima do poder soberano de cada Estado,imperando,portanto,adesordem.

Daía reduçãoqueos realistas fazemdosvaloresmorais:paraHobbes,ondenãohápodercomumnãohálei,eondenãoháleinãoháinjustiça.Emoutraspalavras,pode-sereconheceraquielementosquepersistememtodaaelaboraçãopós-SegundaGuerraMundial.HáumacaracterísticadefinitivadoRealismoquereitera permanentemente a separação entre a esfera do nacional e a esfera dointernacional.Se,segundoaanálisedeWaltz,naesferanacionalháumaestruturahierárquicasemprefuncionando,aspartesdossistemaspolíticosinternacionaisestão,pelo contrário,numasituaçãode coordenação: "Formalmente cadaumadelaséigualatodasasoutras:nenhumatemodireitodemandareninguémtemodeverdeobedecer.Ossistemasinternacionaissãoanárquicosedescentralizados"(Waltz,1979,p.178).TalsituaçãoexerceforteinfluênciasobreocomportamentodosEstadosnacionais. Aindaquesemreferênciaespecífica,apreocupaçãodeHobbes com as relações entre os povos é evidente: "Mas mesmo que jamaistivessehavidoumtempoemqueosindivíduosseencontrassemnumasituaçãodeguerradetodoscontratodos,dequalquermodoemtodosostempososreis,

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TÓPICO 3 — O NEORREALISMO OU REALISMO ESTRUTURAL

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easpessoasdotadasdeautoridadesoberana,porcausadesua independênciavivememconstanterivalidade,enasituaçãoeatitudedegladiadores,comasarmasassentadas,cadaumdeolhosfixosnooutro;istoé,seusfortes,guarniçõese canhões guardando as fronteiras de seus reinos, e constantemente comespiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitudede guerra.Mas como através disto protegem as indústrias de seus súditos, daí não vemcomoconsequênciaaquelamisériaqueacompanhaa liberdadedosindivíduosisolados"(Hobbes,1974,p.81).

FONTE: <https://bit.ly/2TakXdM>. Acesso em: 30 jul. 2020.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

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CHAMADA

• Aemergênciadenovosatoresetemasnapolíticainternacional,nosanos1970,levaaoquestionamentodaspremissasdoRealismoPolítico.Nessecontexto,com o objetivo de propor uma abordagem mais “científica” do campo, épublicadaaobraTeoria da Política Internacional,deKennethWaltz,em1979.

• SegundoWaltz(1979),aestruturadosistemainternacionalseriacaracterizadapor três elementos: (1) a anarquia enquanto princípio ordenador; (2) ascaracterísticasdasunidades;e(3)adistribuiçãodecapacidadesmateriaisentreosEstados.

• Mearsheimer (2001) reforça a relevância do neorrealismo na explicação dapolíticainternacional,apresentandocincohipótesesqueafirmamqueateoriaproveria explicações à realidadedo iníciodo séculoXXI. Elas são baseadasna ideia de que conceitos como “autoajuda”, “racionalidade dos atores”,“primaziadaincerteza”e“capacidadesmilitares”aindatêmvalidadeanalíticaeserviriamcomobasedeexplicaçãodapolíticainternacional.

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1 Sobre o Realismo Estrutural e as diferenças entre RealismoDefensivo eRealismoOfensivo,podemosafirmarque:

I- Osrealistasdefensivosconsideramqueosistemainternacionalcriafortesincentivos para o ganho adicional de poder, mas que a maximizaçãoabsolutadepoderdeveserevitada.UmdosmotivosapresentadosparaissoéaideiadequeseumEstadoficarmuitopoderoso,certamentehaveráummovimentodebalancingnosistemainternacional.

II- Para as vertentes do realismo estrutural, poder é baseado emrecursos materiais que um Estado controla. A balança de poder seriafundamentalmente determinada em função dos recursos militaresdisponíveis.Entretanto,osEstadospossuemumsegundotipodepoder,opoderlatente,queserefereaosingredientessocioeconômicosquesãoempregadosnaformaçãodemaiorpodermilitar.

III-Aocontráriodosrealistasclássicos,osrealistasestruturaisargumentamqueaexplicaçãocentralparaocomportamentodosEstadosnasrelaçõesinternacionais não reside na natureza humana, mas, sim no sistema.Entretanto,enquantoosrealistasofensivostendemafocarexclusivamenteem argumentos estruturais para explicar a política internacional, osrealistasdefensivosreconhecemqueexistemcomportamentosdosEstadosquenãopodemserexplicadosapenascomumaanáliseestrutural.

a) () Todasasalternativasestãocorretas.b) () IeIIestãocorretas.c) () ApenasIestácorreta.d)() IIeIIIestãocorretas.e) () Todasasalternativasestãoerradas.

2 ComoateoriadoneorrealismodeKennethWaltzsediferedastendênciasanterioresdopensamentorealista?

3 Cite e explique as três características principais da estrutura do sistemainternacionalsegundoWaltz(1979).

4 Em“TeoriadaPolíticaInternacional”KennethWaltz(1979)argumentaque:

I- Aspartesdeumsistemaanárquicoestãorelacionadasumascomasoutrasdemodoqueumapartesemprevaiconsideraropoderdasdemaisparaavaliarsuasegurançaeseucursodeaçãonosistemainternacional.

II- A sobrevivência pode ser considerada um pré-requisito para alcançarqualquerobjetivoqueosEstadospossamter.

AUTOATIVIDADE

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III-Aestruturadosistemainternacionalédefinidadeacordocomoprincípioordenador,adistribuiçãodecapacidadeseafunçãodasunidades.

IV-Ao focar nos Estados enquanto unidades principais da estrutura dosistema,intencionalmentesãoignoradosdaanálisetodososatributosequalidadesparticularesdosEstados,excetoformadegovernoesistemapolítico.Destaformaadescriçãodaordeminternacionaléconduzidaapartirapenasdoposicionamentodasunidades.

ÉCORRETO oqueseafirmaem:a) () IeII.b) () IIeIV.c) () IIIeIV.d)() I,IIeIII.e) () II,IIIeIV.

5 EmA Tragédia das Grandes Potências,JohnMearsheimerpostulaque:

I- UmEstado, por não ter certeza das intenções dos demais, deverá agirsemprecombasenopiorcenáriopossível.

II- Atingirahegemoniaglobaléoobjetivofinalde todososEstados.Essestatus pode ser alcançado apenas quando um Estado derrota o maispoderosodosistema.

III-OsEstadosdevemestarpreocupadoscomquestõesquepodemlevaroplanetaaocolapso,taiscomooaquecimentoglobal,questõesdesegurançaalimentaredoençaspandêmicas.

IV-Devidoaopoderparadordaságuas, alcançarahegemoniamundial setornaumatarefaexcessivamenteárdua.Omelhorresultadopassaaser,portanto,setornarohegêmonaregional,evitandoosurgimentodeoutroshegêmonasemoutrasregiões.

ÉCORRETO oqueseafirmaem:a) () IeII.b) () IeIV.c) () IIIeIV.d)() I,IIeIII.e) () II,IIIeIV.

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REFERÊNCIAS

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KISSINGER,H.Diplomacy.NewYork:SimonandSchuster,1994.

KUHN,T.A estrutura das revoluções científicas. SãoPaulo:Perspectiva.2013.

LAWSON,G.,SHILLIAM,R.Sociologyandinternationalrelations:legaciesandprospects.Cambridge Review of International Affairs,Cambridge,v.23,n.1,p.69-86,fev.2010.

MAQUIAVEL,N.O príncipe.SãoPaulo:Editora34.2017.

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MORGENTHAU,H.J.A política entre as nações:alutapelaguerraepelapaz.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,1985.

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WALTZ, K. The man, the state and war: a theoretical analysis. New York:ColumbiaUniversityPress.1959.

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WEISS,J.E.H.Carr,NormanAngellandreassessingtherealist-utopiandebate.The International History Review, [S. l.],v.35,n.5,p.1156-1184,ago.2013.

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UNIDADE 2 —

O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificarosprincipaisconceitosdacorrenteliberal,suaspotencialidadeselimitesdeanálisedapolíticainternacional;

• analisarasconsequênciasdainterdependênciaentreosEstadoseopapeldasinstituições,regimeseorganizaçõesinternacionaisnapromoçãodacooperação;

• diferenciar as diferentes perspectivas da corrente liberal ao longo dosanos,doliberalismoclássicoàsperspectivascontemporâneas;

• identificarainfluênciadoliberalismoclássiconateorizaçãocontemporâneaacercadasinstituiçõeseregimesinternacionais.

Estaunidadeestádivididaemtrêstópicos.Nodecorrerdaunidade,você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdoapresentado.

TÓPICO1–LIBERALISMOCLÁSSICO

TÓPICO2–INTERDEPENDÊNCIANOSPENSAMENTOS LIBERALENEOLIBERAL

TÓPICO3–OUTRASFACESDOLIBERALISMO

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CHAMADA

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UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Conforme discutido anteriormente, a vertente liberal foi alvo decríticas ao longo dos anos por parte do realismo nas Relações Internacionais.Independentemente de sua validade teórica e consonância com a empiria, éinegável que a vertente liberal teve influência no campo, desde a sua criação.ÉpossívelafirmarquenocontextoinicialdeevoluçãodocampoacadêmicodeRelaçõesInternacionais,oliberalismofoieclipsadopelavalidadedosconceitosrealistasna explicaçãodeummundomarcadopelapredominânciadousodaforçanaobtençãodeinteressesenabuscaporsobrevivência.

Aolongodosanos,emaisespecificamentenofimdoséculoXX,arele-vânciadeinstituições,regimeseorganizaçõesinternacionaispassaaserobjetodeanáliseinevitável.Nestecontexto,odeterminismoepessimismorealistasfi-camemevidência,abrindoespaçoparaa(re)emergênciadopensamentoliberalnasRelaçõesInternacionais.Opensamentoliberal,entretanto,temsuasraízesmuitoantesdacriaçãodeumcampodeconhecimentodedicadoaoestudodapolíticainternacional.

Nãoháumúnico liberalismo,assimcomonãoháumúnico realismo.A vertente é composta por uma gamade autores e por umadiversidade deteorias e argumentos que não cabem emuma única síntese.Ainda, assim, épossível identificarsemelhançasentreasváriascontribuiçõesliberais:avisãootimista sobre anaturezahumana, a aplicabilidadedeprincípios racionais aquestões internacionais, a preocupação com a liberdade individual, a crençanoprogresso(emdiferentesgraus)enaspossibilidadesdecooperação(entreindivíduoseentreEstados).

Historicamente,avertenteliberaléassociadaàascensãodaburguesianofimdoséculoXVIIedapropriedadeprivadaderivadadotrabalhodosindivíduos.Asmudanças históricas ocorridas nesse período – com efeito das RevoluçõesLiberais:aGloriosa,de1688/1689,aAmericana,de1776,eaFrancesa,de1789– foram centrais para a consolidaçãodessa nova classe social que ascendia. Éimportantedividirospensadoresliberaisclássicosemduascategorias(aindaquehajasemelhançasemsuaspropostas):osliberaispolíticoseosliberaiseconômicos.

TÓPICO 1 —

O LIBERALISMO CLÁSSICO

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Do ponto de vista político, destacam-se John Locke, o barão deMontesquieu,HugoGrotius,JeremyBentham,JohnStuartMilleImmanuelKant.Dopontodevistaeconômico,ograndeexpoentefoiAdamSmith.

NocampoespecíficodasRelaçõesInternacionais,alémdeWilsoneAngell(representantes da vertente liberal denominada “idealismo”), anteriormentemencionados,aperspectiva liberalganha forçanosanos1980, comavisãodeRobertKeohaneeJosephNyesobreacrescenteinterdependênciaentreosatores.Tambémsedestacamnomes comoLisaMartin,AndrewMoravcsik e StephenKrasner.Assim,opresentetópicoserádedicadoàdiscussãodavertenteliberal,dosclássicoscomoJohnLockeeImmanuelKantaopensamentocontemporâneo,representadopeloFuncionalismoepelosteóricosdoInstitucionalismoNeoliberal.

2 A TRADIÇÃO LIBERAL NO PENSAMENTO POLÍTICO: O CONTRATUALISMO DE JOHN LOCKE

Umdosgrandesautoresclássicosdoliberalismo,JohnLocke(1632-1704),foiautordeumasériedeobrasrelevantessobreavidaemsociedadeapartirdafilosofiapolítica,dentre elas:Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690) eDois Tratados sobre o Governo Civil(1690).Locke,àsemelhançadeHobbes,eraumdosdenominados“contratualistas”,ouseja,defendiaqueaquiloquedeuorigemaoEstadoseriaumcontratoentreos indivíduos.AocontráriodeHobbes,porém,afirmavaqueoestadodenaturezanãoeraumasituaçãodeanarquiacompleta,noqualnãohavianenhumaleiousegurança.

OS CONTRATUALISTAS: LOCKE, HOBBES E ROUSSEAU

Contratualismo é um termo na filosofia e na ciência política que se refere a uma série de teorias políticas e filosóficas que buscam explicar a criação do Estado e por que os indivíduos concordam em abrir mão de algumas de suas liberdades em troca da proteção de seus direitos e da manutenção da ordem social. Autores contratualistas, como John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, ganharam notoriedade durante o iluminismo e influenciaram uma gama de autores liberais que sucederam seus trabalhos.

NOTA

Segundo Locke (1994), no estado de natureza havia uma série de leisnaturais,dadasaos indivíduosporDeus,que indicavamcomosedeveriaagir.Esse direito natural indicava que as promessas deviam ser cumpridas e quecadaumteriadireitoàvidaeaosfrutosdeseutrabalho.Apassagemdoestadodenaturezaparaasociedadecivil teriasido feitaviapacto,comoobjetivode

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melhorar e garantir as benesses já existentes no estado de natureza.O pacto,então,nãoromperiacomele,masoaperfeiçoaria.Locke(1994)acreditavaqueosindivíduosseriamsociáveispornatureza,nãoprecisandodeumaautoridadeseparadadasociedadeparaviveremconjunto.

A autoridade criada pelo pacto seria resultado do consenso entre oscidadãos que, sem abdicar de nenhum de seus direitos dados por natureza,criamumsoberanocapazdeaplicarasleisesesubmeteraocontroledaquelesque o contrataram.Caso isso não ocorra, o soberano perderia legitimidade e,portanto, sustentação entreos indivíduos.Essesdoisprincípios elencadosporLocke(1994):odedireitonatural(einalienável)eodalegitimidadedogovernosoberano(quedeveseguirasleis,semnenhumaarbitrariedade)sãoelementoscentraisdopensamentoliberal.

Umadasmarcasdesuavisãoéadefesadaresponsabilidadedosoberano

comrelaçãoaosseussúditos.SegundoLocke(1998)nemodireitodivinodosreis,dadoporDeus,nemavisãohobbesianadeum“todopoderoso”queemergiriadocontratoseriamautoridadeslegítimas.Alegitimidadeseriaadeumsoberanoqueagiriacomoumaespéciede“gerente”doEstadoequepoderia(edeveria)sercontroladopelapopulação.

AsoluçãoparaessecontroleseriaaseparaçãodospoderesdoEstadoemdois:um,acargodosoberano,queexecutariaasleiserealizariaosjulgamentossobreassuas infrações:a junçãodeexecutivoe judiciário.Ooutropoderfariaas leis, o legislativo, representando o povo e composto por “homens compropriedade”, encarregadosde escolher seus representantes.Locke (1998)nãopropunha o sufrágio universal, que concederia a todos os indivíduos (semdistinção)odireitoaovoto,masumamelhoriadosistemavigente.Dessemodo,oautorquebracomaideiahobbesianadequesoberaniadeveriaserúnica.

Outra questão central do pensamento contratualista de Locke (1994)é a propriedade privada. Segundo o pensador, as obrigações de constituirpropriedadepelotrabalhoerespeitaraspropriedadesassimconstituídasseriampartescentraisdoquedenomina“leinatural”e,comolei,implicariaobrigaçõespassíveisdepuniçãoemcasodetransgressão.

Asleisnaturaisnãodependeriamdopoderpolíticoparaobrigareregularasrelaçõesentreoscidadãos.Dessemodo,haveria,antesmesmodaconstituiçãodo corpo político, um conjunto de deveres e obrigações que vinculariam oshomensunsaosoutros,naquiloquedenomina“comunidadenatural”.

Porpropriedade,oautornãoentendeapenasosbensquecadahomempossui, mas também que cada indivíduo possuiria uma propriedade em suaprópriapessoa,alémdepossuir“otrabalhodoseucorpoeaobradesuasmãos”(LOCKE,1998,p.409).Aspossesqueumhomempossuiemsuaprópriapessoaseriambensinalienáveis.

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A terra seria um bem concedido ao homem por Deus, de formaindiscriminadae,portanto,umbemcomumatodososindivíduos.Aotrabalharsobredeterminadaporçãodeterra,ohomemfixaapropriedadeeadiferenciadaquiloqueécompartilhadocomosdemais.Oquedariainícioàpropriedadeseria o atode “tomarparte daquilo que é comume retirá-lo do estado que adeixaanatureza”(LOCKE,1998,p.410).Otrabalhoseriaaquiloquedádireitoàpropriedadeaquemfazusoconvenientedaquiloquetodososhomenspossuememcomum:anatureza.

O homem em estado de natureza deve defender sua propriedade dequalquer ataque externo e, além disso, possuiria o poder de julgar e punirqualquerpessoaqueataqueapropriedade,nãosóadele,masadeterceiros,combasenaleinatural.Ohomemqueinfringeessaleiseriainimigodahumanidadeetodosquedesejamprotege-lateriamodireitodecastigá-lo,fazendovaleralei.Dessaforma,ohomemabandonaoestadodenaturezaapesardesualiberdadeporquesóassimterágarantiasdesegurançacontraosataquesexternos.Umdosobjetivoscentraisdocontratosocialseriaapreservaçãodapropriedade.

OestadodenaturezaparaLocke(1998)nãoseriaumestadodedispersão,mas um contexto em que os homens estariam naturalmente ligados uns aosoutrospelaracionalidade.Todohomemteria,apartirdousodarazão,odeverde constituir e respeitar a propriedade alheia. Esse reconhecimentovinculariaoshomensunsaosoutrosemumasériederelações–jurídicas,econômicas,detrabalhoedeproduçãodebens.

Ocontratopolíticonãocriaria,portanto,laçosdedevereobrigação,masevitariaque,emestadodeguerra,essasrelaçõessetornemdepuropoder.Segun-dooautor,“evitaroestadodeguerra[...]éagranderazãopelaqualoshomensseunememsociedadeeabandonamoestadodenatureza”(LOCKE,1998,p.400).

Oestadodeguerra,aocontráriodoqueafirmaHobbes(1983),nãoseriacausadopelodireitodoshomensdeusarseupodersemrestrição,masofatodequeas restriçõesnaturaisaousodopoderpossamser transgredidas.Ouseja,a transgressãoda leinaturalcriaumasituaçãoemqueosvínculosdedevereobrigaçãoestabelecidosporelasãojustificadamentesubstituídosporrelaçõesdepodereviolência.

Dessemodo,emestadodeguerra,a“comunidadenatural”compostape-losindivíduosagindoemreciprocidadesedegeneraria.Paraevitaressaconse-quência,oshomensinstituiriamporcontratoogovernocivile,casoessegovernotransgridaalei,caberiaaosindivíduoscombasenodireitonaturaldestituí-lo.

É importante entender a lógica do pensamento lockeano e tambémcontraporsuas ideiasàvisãodeHobbes.Enquantoo segundoafirmavaqueanatureza humana eramarcada pelo conflito de todos contra todos e pelo usoirrestrito do poder, o primeiro acreditava que os homens seriam capazes deconviverordenadamenteequeocontratosocialpotencializariaosbenefíciosjá

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TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO

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existentesnoestadodenatureza.Seupensamentoébaseadonodireitonatural,que ligaria todososhomensapartirdesuacapacidadedeusara razãoeagircomreciprocidade,emnomedobemcomum.Damesmaformaqueosrealistasse baseiam no contratualismo hobbesiano para refletir sobre as ações dosEstadosnapolíticainternacional,concluindoqueasrelaçõessãoinerentementeconflituosas,os liberaisnasRIsvão recorrer àvisãootimistadeLockee Jean-JacquesRousseauparateorizarsobreapotencialidadedosEstadoscooperarematravésdeinstituiçõeseregrascriadasporelesmesmos.

3 A TEORIA POLÍTICA LIBERAL DE ROUSSEAU

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi, ao mesmo tempo, produtodo Iluminismo eumde seusprincipais expoentes. LeitordeLocke eHobbes,desenvolveusuaprópriateoriasobreanaturezahumana,acriaçãodoEstadoeoestabelecimentodocontratosocial,conceitoscentraisdeDo Contrato Social(1762).Avisãodoautorsobreessesconceitostornou-sesuaprincipalcontribuiçãoparaocampodasRelaçõesInternacionais.

A compreensão da interação entre os Estados no âmbito internacionaldependedoexamedaquelequedáorigemaoEstado:oindivíduo.Aconcepçãodoautorsobreoestadodenaturezaédequeeleseriamarcadopelaliberdadeebondadenaturais.Noentanto,ohomemteriaacapacidadedeserbomemeu.Asociedadecorromperiaohomem,eafontedissorepousariaeminstituiçõesruinspassíveisdesubstituiçãoporinstituiçõesmelhores(HALL,1956,p.22).

Comoobjetivodedefinirprecisamenteo estadodenaturezahumano,RousseauestabeleceutrêsprincípiosbásicosemsuaobraDiscurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (1754).Oprimeiroargumentoafirma que o homem no estado de natureza seria solitário e não teria laçospermanentescomosdemais.

Emsegundolugar,ohomemteriaapenasdoisprincípios:oamorpróprio,demonstradopelaganância,egoísmoebuscapor interessepróprio,epiedade,demonstrada através da compaixão, admiração e amor pelos outros. Por fim,seriapossíveldistinguiroshomensdosdemaisanimais,principalmenteporqueelepossuirialivrearbítrioeteriaacapacidadedeseaperfeiçoar.Apartirdessastrês premissas, o autor elabora uma explicação sobre como a sociedade teriacorrompidooshomensnaturalmentebons.

Atravésdoprogressohistórico,osindivíduostestemunharamoestabele-cimentoedistinçãodasideiasde“família”e“propriedade”.Quandodacriaçãodessas“instituições”,oshomensteriampassadoasecompararunsaosoutros.

Outro ponto de inflexão teria surgido com a invenção de novastecnologias, como agricultura e metalurgia, que levaram os homens a setornaremdependentesunsdosoutrosporrecursoseresponsabilidades,desse

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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modo, a divisão do trabalho foi criada. Como resultado direto dessa divisãoe da existência de propriedade, a desigualdade entre os homens tornou-seescancaradaealiberdadetornou-seescravidão.

Ohomemfoidivididoemclassessociaisdeterminadaspelariquezaepelopodere,portanto,tornou-secompelidoaobterlucropessoalàscustasdosdemais.Oestadodenaturezahumanotornou-seconflituosodevidoaessacompetição.Des-semodo,oshomenssópoderiamrecuperarsualiberdadeestabelecendoumpodersupremoqueosgovernaria,deacordocomasleisàsquaishaviamconsentido.

NocernedafilosofiapolíticadeRousseauestáaformacomoessegovernofoicriado.Paraoautor,apassagemdoestadodenaturezaparaasociedadecivilproduziriaumamudançanotávelnohomem;colocariaajustiçacomoregradecon-dutanolugardoinstintoeconfereàssuasaçõesaqualidademoralqueelasante-riormentenãopossuíam(HALL,1956).Rousseauacreditavanademocraciadiretacomoosistemapolíticoapartirdoqualoshomenspoderiamatingiraliberdade.

Oestabelecimentodeumcontratosocialseriarelacionadoprincipalmenteàideiadeque,parapermanecerlivreemumasociedadepolítica,osindivíduosdevem,acimadetudo,teraliberdadedecriarsuasprópriasleis.

Avozdacoletividadesetornariaa“vontadegeral”eosindivíduosseriamseusprópriossoberanos.Essacoletividadeteriaaobrigaçãodeobedecerasuasprópriasleisparapermanecerlivre.

Dessemodo,avontadegeralseriadefinidacomoa“harmonizaçãodosinteressesindividuaisecoletivos”(HALL,1956,p.73).Obedeceraessavontadenãoseriaumaperdadeliberdadeporqueosindivíduosestariamobedecendoasimesmos.

Outrocomponenteimportantedocontratosocialseriaainstituiçãopolítica.Rousseau define o Estado como “essencialmente a expressão institucional dopropósitomoraldohomemenãoumdispositivopeloqualoshomenspodemsecontrolar”(ROUSSEAU,1999apud HALL,1956,p.141).Osmembrosdogovernoimplementamopoderque lhesédelegadoemnomedosoberano,demodoagarantiraliberdadedopovogovernado.

Segundo Rousseau (1999), esse sistema só poderia existir em umademocracia direta, em que cada indivíduo participa diretamente do processodetomadadedecisão.Aindaquedefendaessamodalidadederepresentação,oautoradmitequedemocraciasdiretassópodemfuncionarempaísespequenos,nosquaisépossívelreunirassembleiasperiodicamente.

Oquadroa seguir ilustraosprincipaispontosdavisão lockeanasobreestadodenatureza,contratosocialesuasconsequênciaseoscontrapõeàleituradeRousseau:

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TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO

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QUADRO 1 – COMPARAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES DE ESTADO DE NATUREZA E CONTRATO SOCIAL EM LOCKE E ROUSSEAU

LOCKE ROUSSEAU

ESTADO DE NATUREZA

No estado de natureza osindivíduos já gozam de di-reitos básicos, como vida, verdade e propriedade.Contudo,nãoexistemmeca-nismosqueobriguemaores-peito desses direitos natu-raisnemparalegitimamentecastigarosqueosviolam.

AntesdehaverEstado esociedadeorganizada,ossereshumanossãolivres,iguaisebons.Asocieda-deéqueoscorrompe.Noestadonaturalhádificul-dadeemsatisfazerasne-cessidades básicas. Nãohaveria direitos anterio-resaocontratosocial.

CONTRATO SOCIAL

Paraassegurarorespeitope-losdireitosnaturais,osindi-víduosdãoaoEstadoopo-derdeosdefenderetutelar.O contrato social é revogá-vel,podeserrevogadocasoos governantes não respei-temosdireitosdoscidadãos.

Cada membro da socie-dadeabdica sem reservade todososseusdireitosemfavordacomunidade.Mascomotodosabdicam,na verdade, ninguémperderia. Cada membroenquanto elementoativodo todo social, ao obe-decer a lei, obedece a simesmo. O contrato nãofaz o indivíduo perdera sua soberania, pois elenãocriaumEstadosepa-radodesimesmo.

CONSEQUÊNCIA Democraciarepresentativa Democraciadireta

FONTE: A autora

4 O PENSAMENTO DE KANT E A PAZ PERPÉTUA

ImmanuelKant (1724-1804) não é um autor facilmente enquadradonaescolaliberal.Enquantoargumentavaemproldaliberdadedeimprensa,defendiaosdireitosdepropriedadeeadvogavaporpolíticasmaishumanistasefocadasnapaz,fezconsideraçõesnegativascomrelaçãoajudeus,negrosemulheresemsuaobraAntropologia de um ponto de vista pragmático,de1798.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Aindaassim,noquedizrespeitoasuacontribuiçãoparaopensamentoliberal nas Relações Internacionais, cabe incluí-lo no conjunto de pensadoresdessa vertente.AfilosofiadeKant é amplamente caracterizada comofilosofiacrítica.Suastrêsprincipaisobrassão:Crítica da Razão Pura(1781),Crítica da Razão Prática(1788)eCrítica do Juízo(1790).SegundoKant:

Anossa época é a épocada crítica, à qual tudo temque submeter-se.Areligião,pelasuasantidade,ealegislação,pelasuamajestade,queremigualmentesubtrair-seaela.Masentãosuscitamcontraelasjustificadassuspeitasenãopodemaspiraraosincerorespeito,quearazãosóconcedeaquempodesustentaroseulivreopúblicoexame(KANT,1993,p.5).

Segundo o autor, somente aquele que se submete ao exame públicopoderiaadquirirrespeito.Nessesentido,estáalinhadoaoespíritoiluministaquedefendequetudodeveriaseresclarecido,trazidoàpúblico.

Kant acreditava que o progresso das sociedades seria alcançadopelo esclarecimento e pelo usoda razão, instrumento universal e vital para odirecionamentocríticoemoraldosindivíduos.

Kant tambémdefendia que amelhor constituição política para que osindivíduospudessempreservarsualiberdadeeatingiroesclarecimentomáximoseriaumaconstituiçãorepublicana.

O caminho rumo ao republicanismo, segundo o autor, não seria viarevolução (porque esta desconsideraria os deveresmorais dos indivíduosunscomosoutros),masviareformagradualelentadoEstado(KANT,1993).

Osprincípiosrepublicanosgarantiriamapazeaordemdesejadaspelosindivíduos porque: (1) pressupõem a proteção dos direitos dos homens; (2)defendemoconsensoearepresentaçãocomoformadelegitimidadedogoverno;e(3)atransparêncianasdecisõesdoEstado.

O PENSAMENTO REPUBLICANO

O pensamento republicano tem origem na Grécia Antiga, com pensadores como Aristóteles (384-322 a.C.) e Cícero (106-43 a.C.), e evoluiu historicamente a partir das ideias de Maquiavel (1469-1527) e Kant (1724-1804). Essa visão defende que o chefe de Estado seja escolhido pelo povo e tenha sua autoridade legitimada pela representação, em um mandato finito e limitado, em oposição às monarquias nas quais a legitimidade do governante vinha de sua descendência e o mandato era vitalício.

NOTA

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TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO

67

Desse pensamento deriva um dos conceitos mais celebrados da obrade Kant (e utilizados nas reflexões sobre a política internacional): o de “pazperpétua”. Segundo o autor, as guerras seriam causadas principalmente peladiferençaentreasformasdegoverno(KANT,1997).

KantcondenavaEstadosdinásticos,comoaFrança,nosquaisasdecisõesnãoeramtomadasapartirdavontadedopovo,maslevandoemcontacritériosindividuais.Issoencorajariaabuscailimitadaporpodereporterritórios.

Em governos republicanos, por outro lado, prevaleceria o interessecoletivo, o que dificilmente levaria a conflitos. Isso ocorreria porque a guerracolocariaemxequeasegurançaesobrevivênciadosindivíduoseousodarazão(instrumentouniversal,comumatodososhomens)levariaaconclusãodequeconflitosdeveriamserevitados.

Ainda segundo Kant (1997), se todos os Estados adotassem orepublicanismoeaescolhademocráticadeseusgovernantes,omundoseriamaispacífico e gradativamente se atingiria o quedenomina “pazperpétua”.Nessecontexto,asinstituiçõesteriampapelfundamentalnamanutençãodosideaisdepazesegurançainternacionais.

ÉpossívelapontarnopensamentoliberalemRelaçõesInternacionaisdoiselementos centraisderivadosdo legadokantiano: a visãodequedemocraciastendem a não usar a força contra outras democracias e a afirmação de que ocomérciotendeacriarincentivosàmanutençãodasrelaçõesdepazentreEstados.

ComrelaçãoàvisãodeKantsobredemocracia,oautordefendequeEstadosdemocráticosoperaminternamentecomoprincípiodequeconflitosdevemsersolucionadosdemodopacífico,pormeiodenegociaçãoe compromissos, semqueserecorraaameaçasouusodaforça(KANT,1997).

Ospovosdemocráticoseseuslíderesreconheceriamoutrasdemocraciascomopaísesqueoperamsobosmesmosprincípiosemsuasrelaçõesdomésticase,assim,estenderiamaelesoprincípiodaresoluçãopacíficadeconflitos.

Espera-sequehajanegociaçãoeestabelecimentodecompromissosfor-maisentreEstadosdemocráticos,tornandodesnecessárioeilegítimoousodaforçafísica.

É esperado que as ditaduras, por outro lado, operem com base nosprincípioshobbesianos,fazendoameaçaserecorrendoàforçamilitar.

Outra característica das democracias seria a existência de instituições.Líderesdepaísesdemocráticosquetravamumaguerraseriamresponsabilizados,via instituições democráticas, pelos custos e benefícios do conflito. Porexemplo,políticosqueiniciamguerrascorreriamoriscodenãoseremreeleitos,especialmenteseperderemouseaguerraforlongaoucara.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Aoanteciparesserisco,oslíderesdemocráticosevitarãoseengajaremconflitos, especialmente se anteveem uma perda. Ditadores, entretanto, se-riammais capazesde reprimirpossíveis opositores epermanecernopoderapósumconflito.

Comrelaçãoaosincentivoscriadospelocomérciointernacional,avisãokantianaafirmaqueocomércioentrepaísesestabeleceummeiodecomunicaçãoatravésdoqualsetrocainformaçõessobrenecessidadesepreferências,eissovaialémdasimplestrocadeprodutos.

Esse processo resultaria em um entendimento mútuo, empatia ereconhecimentodesimilaridadesentreospaísesatravésdasfronteiras.

Alémdisso,conflitosviolentoscolocariamemriscooacessoamercados,importações e capital, aumentoos riscos e custosdospaíses, que tenderiamaevitá-los.

SegundoKant(1994),quantomaioracontribuiçãodocomércioentredoispaísesparasuaseconomiasnacionais,maisforteseráo interesseempreservarrelaçõespacíficasentreeles.

NocampodasRelaçõesInternacionais,umdosprimeirospensadoresaconsiderarválidasaspremissaskantianasfoiWoodrowWilson(1856-1924).

Apropriando-se das premissas do filósofo clássico e do pensamentoliberal demodomais amplo, o ex-presidente norte-americano formulou umasériedepontosparaaobtençãoepreservaçãodapaznapolíticainternacionaleinaugurouumaimportanteagendadepesquisanocampoqueseiniciava.

O subtópico seguinte será dedicado à reflexão sobre o pensamento deWilsoneseulegadoparaavertenteliberalnasRIs.

5 O IDEALISMO WILSONIANO E A CRIAÇÃO DO CAMPO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

À semelhança do pensamento realista, o Idealismo nas RelaçõesInternacionaisnãoéhomogêneo.Aindaassim,épossívelidentificarsemelhançasentre os vários pensadores dessa vertente: a ênfase no poder da razão, aimportância da disseminação do conhecimento e da democracia e o apoio aoaumentodocontroledemocráticodapolíticaexterna,quefortaleceriaaopiniãopúblicamundial.

Além disso, o pensamento idealista vê a guerra como condenável eenfatizaaexistênciadeumaharmonianaturaldeinteressesentretodosospovos,independente da nacionalidade. Isso ocorreria porque todos os indivíduos

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TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO

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estariamvinculadosporumamoralidadecomum,baseadanoprincípiokantianodareciprocidade.Nessesentido,cabediscutiracontribuiçãodeumdosprincipaispensadoresidealistas:WoodrowWilson(1856-1924).

Wilson foi o 28º presidente dos Estados Unidos e um dos principaispensadores da vertente denominada “Idealismo” das Relações Internacionais.Foieleitoem1912,e,novamente,em1918,aofimdaPrimeiraGuerraMundial,e empreendeu esforços para estabelecer um acordo de paz definitivo e umaestruturainstitucionalquefindasseastentativasdeconflitointernacionais.

Tendo como base a doutrina filosófica de Kant, o político colocou aautodeterminaçãocomocentrodoAcordodePazdaConferênciadeParis,de1919,quecolocoufimàPrimeiraGuerraMundial,epropôsacriaçãodeumaparatoinstitucionalquefindasseastentativasdeconflitonapolíticainternacional.

O PRINCÍPIO DA AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS

Autodeterminação, segundo o direito internacional, é um princípio que garante a todas as nações o direito de se autogovernar, sem interferência externa de outro país ou instituição, de forma soberana.

NOTA

AspropostasdeWilsoneramlargamentebaseadasem14pontosexpressosemumdiscursoproferido,emjaneirode1918,aocongressoamericano,noqualdefendiaofimdasanimosidadesentreasnaçõeseaobtençãodeuma“pazsemvencedores”.OquadroaseguirilustraospontosdefendidosporWilson.

QUADRO 2 - OS QUATORZE PONTOS DE WILSON

1. Inaugurar pactos de paz, depois dos quais não deverá haver acordosdiplomáticossecretos,masumadiplomaciafrancaesoboolharpúblico.

2. Liberdadedenavegaçãonosmareseáguasforadosterritóriosnacionais,tantoemmomentosdepaz quantode guerra, com exceçãodosmares fechadoscompletamente ou em parte por ação internacional em cumprimento depactosinternacionais.

3. Abolição,dentrodos limites legais,de todasasbarreiraseconômicasentreospaíseseestabelecimentodeumaigualdadedecondiçõescomerciaisentretodasasnaçõesqueconcordamcomapazecomaassociaçãomultilateral.

4. Garantiasadequadasdareduçãodosarmamentosnacionaisatéomenornívelnecessárioparaagarantiadasegurançanacional.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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5. Um reajuste livre, aberto e imparcial da política colonialista, baseado naobservaçãodoprincípiodequea soberaniados interessesdaspopulaçõescolonizadasdeveteromesmopesodospedidosdasnaçõescolonizadoras.

6. Retirada dos exércitos do território russo e solução de todas as questõesqueenvolvemaRússia,visandoassegurarmelhorcooperaçãocomtodasasnaçõesdomundo.OtratamentodispensadoàRússiaporsuasnaçõesirmãsseráotestedesuaboavontade,dacompreensãodesuasnecessidadescomodistintasdeseusprópriosinteressesedesuasimpatiainteligenteealtruísta.

7. A Bélgica precisa ser restaurada, sem qualquer tentativa de limitar suasoberania,aqualtemdireitoassimcomoasdemaisnaçõeslivres.

8. Todooterritóriofrancêsdeveráserlibertadoeaspartesinvadidasrestauradas.OmalfeitoàFrançapelaPrússia,em1871,naquestãodeAlsáciaeLorena,deveserdesfeitoparaqueapazpossasergarantidamaisumavez,nointeressedetodos.

9. Reajuste das fronteiras italiana, respeitando as linhas reconhecidas denacionalidade;

10.Reconhecimento do direito ao desenvolvimento autônomo dos povos daÁustria-Hungria, cujo lugar entre as nações queremos ver assegurado esalvaguardado.

11.Retirada das tropas estrangeiras daRomênia, da Sérvia e deMontenegro,restauração dos territórios invadidos e o direito de acesso aomar para aSérvia.

12.Reconhecimento da autonomia da parte da Turquia dentro do ImpérioOtomanoeaberturapermanentedoestreitodeDardaneloscomopassagemlivreaosnavioseaocomérciodetodasasnações,sobgarantiasinternacionais.

13. IndependênciadaPolônia,incluindoosterritórioshabitadospelapopulaçãopolonesa,quedevemteracessoseguroelivreaomar.

14.CriaçãodeumaassociaçãogeralsobpactosespecíficosparaopropósitodefornecergarantiasmútuasdeindependênciapolíticaeintegridadeterritorialdosgrandesepequenosEstados.

FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/2INaQcP>. Acesso em: 31 jul. 2020.

Os primeiros cinco pontos, mais gerais e amplos, defendem o fim deacordossecretos,aliberdadedenavegaçãonosmares,olivrecomérciomundial,areduçãodosarmamentoseodireitodospovoscolonizadosàautodeterminação.Nesse sentido, fica evidente a influência do pensamento liberal clássico napropostadeWilson,namedidaemquevalorizaatransparência,aliberdadedecadanaçãoeolivre-comércio.

Ospontos6a13refletemsobrequestõesespecíficasdaPrimeiraGuerraMundial, relacionadasacompensações territoriaiseàconfiguraçãopolíticadosistemainternacionalnopós-guerra.Oúltimoponto,porfim,temdestaquecomrelaçãoaosdemais,poisapartirdapropostadecriaçãodeumaassociaçãogeralcom o objetivo de garantir independência política e integridade territorial, écriadaaLigadasNações.

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TÓPICO 1 — O LIBERALISMO CLÁSSICO

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A LIGA DAS NAÇÕES

A organização foi criada em 1919 e composta por 32 membros fundadores, além de 13 Estados convidados. Possuía quatro órgãos centrais: o Secretariado, o Conselho, a Assembleia e o Tribunal Permanente de Justiça Internacional. Além disso, sob o “guarda-chuva” da Liga foram criadas: a Organização da Saúde, a Organização Internacional do Trabalho, o Conselho Central Permanente do Ópio, a Comissão de Escravatura, o Comitê para os Refugiados e o Comitê para o Estudo do Estatuto Jurídico da Mulher.

INTERESSANTE

Aorganizaçãofoicriadaem29deabrilde1919,duranteaConferênciadePazdeParis,lideradaporEstadosUnidos,ReinoUnido,FrançaeItália.Foiaprimeira instituição internacionalaproporamanutençãodapazapartirdemecanismosjurídicosinstitucionalizados.

A figura a seguir ilustra seusmembros, dividindo-os entre os paísesfundadoresquepermaneceramatéofim,fundadoresquesaírameretornaramàLiga, fundadoresquedeixarama instituição,paísesque integraramaLigadepoisde sua criação eficaramatéofim,paísesquedeixarama instituição,colônias dos membros, colônias de membros que deixaram a instituição ecolôniasdenão-membros:

FIGURA 1 – OS MEMBROS DA LIGA DAS NAÇÕES

FONTE: <https://bit.ly/31kxXC4>. Acesso em: 31 jul. 2020.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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ALigafoicriadaapartirdanoçãodequeaanarquiainternacionalseriaumadasprincipaiscausasdaPrimeiraGuerraMundiale,portanto,oprincípiodasoberaniaeoequilíbriodepoderprecisavamserregulamentados.Algumasdaspropostasdaorganização,para isso, incluíamumaestruturadesegurançacoletiva,odesarmamentogradual,diplomaciaabertaetransparenteeprestaçãodecontasporpartedasantigasmetrópolesàscolônias.

A visão deWilson foi considerada ousada para a época.O presidenteacreditavanopoderdeumaopiniãopúblicaforte,querejeitariaaguerra,enapossibilidadedemanutençãodapazpelaviainstitucional.CaberiaàLigaevitaracriaçãodealiançasmilitaresetornartransparentesaspráticasdiplomáticas.

ApesardosesforçosdeWilsonparaaconsolidaçãodaorganização,oSe-nadoamericanoseposicionoucontrárioàentradadosEstadosUnidosnaLiga,eopaísnuncafoimembrodainstituição.Essefoiumdosinúmerosproblemasquelevaramaoseufimeaofracassodomultilateralismonoperíodoentreguerras.ApesardofracassodaLigadasNaçõesemgarantiremanterapazmundial,olegadodeWilsonfoideimportânciacentralparaacriaçãodocampodasRelaçõesInternacionais.Em1919,foifundadooprimeiroDepartamentodePolíticaInter-nacional,naUniversidadedeAberystwyth,noPaísdeGales,eaprimeiracátedradedicadaaoestudodasrelaçõesinternacionaisfoinomeadaWoodrowWilson.

Comrelaçãoaolegadodopensamentowilsoniano,éimportanteressaltarque o termo “Idealismo”, usado para caracterizar as ideias do ex-presidenteamericano e seus seguidores, não foi criado pelos próprios pensadores dessavertente.Boapartedasideiasidealistasforamcondensadasediscutidasporumdeseusmaiorescríticos:oautorrealistaEdwardH.Carr(1892-1982),emseulivroVinte Anos de Crise: 1919-1939,publicadoem1939, intitulaas ideiasdeWilsoncomo “utópicas” e afirma que o pensamento idealista superestimaria o papeldodireito,damoralidadeedaopiniãopública.Tambémcriticaa ideiadequerazãoediscussãopúblicapoderiamsubstituirosexércitosemarinhasnacionais.Segundooautorrealista,opoderseriaumfatordecisivoemtodasassituaçõespolíticasenãoseriapossívelaboliressacaracterísticadasrelaçõesinternacionais.

AeclosãodaSegundaGuerraMundial, somadaàemergênciadavisãorealistacomooparadigmacentraldocampo,eclipsaramascontribuiçõesliberaisdurantemaisdetrêsdécadas.AcríticadeCarrfoivistacomopertinenteeavisãootimistasobreapolíticainternacionalfoicaracterizadacomoidealistaeutópica,tendopoucacredibilidadenaexplicaçãodasrelaçõesinternacionaisnoséculoXX.Nofimdosanos70,porém,apósdécadasdeestabilidadepolíticainternacionaledesucessodaOrganizaçãodasNaçõesUnidasnamanutençãodapazesegurançamundiais,opensamentoliberalreemergesobnovosmoldesevoltaaaparecercomoumadasteoriascentraisdocampo.

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Neste tópico, você aprendeu que:

RESUMO DO TÓPICO 1

• Opensamentoliberal,àsemelhançadoRealismo,nãoéhomogêneo.Evoluiuao longodosanosapartirdecontribuiçõesfilosóficasepolíticasdeautorescomoLockeeRousseau,passandopeloiluminismokantiano,atéavisãomaiscontemporâneadeWilson,autordos14pontosparaapaz,de1919.

• AvertenteliberaléassociadaàascensãodaburguesianofimdoséculoXVIIedapropriedadeprivadaderivadadotrabalhodosindivíduos.

• Em linhas gerais, o liberalismopossui umavisão otimista sobre a naturezahumana, defende a aplicabilidade de princípios racionais a questõesinternacionaiseacreditanapossibilidadedecooperaçãoentreEstados.

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1 A partir da leitura da Unidade II e de seus conhecimentos sobre asobrascontratualistasnaciênciapolítica,éCORRETOafirmarque,paraRousseau,ocontratosocial:

a) () Seoriginadadiscórdiaentreosindivíduos,porissoumadasmáximasemsuaobraéque“ohomeméolobodohomem”eviveriasempreemconflito.

b) () Serialegítimoapenasquandoéunânimeentretodososindivíduos.Tendoemvistaquecadaindivíduofazpartedacomunidade,quandoabdicadesualiberdadeapartirdocontrato,acabaporobedecerasimesmo.

c) () Afirmaqueaobediênciaàvontadegeralseriailusóriaeidealista.d)() Antecedeoestadodenatureza,umavezqueseriaumtermoprécivil.

2 (ENADE,2018,adaptado)AsliçõesdocolapsoqueenvolveuaEuropaemuma segunda grande guerra, há vinte anos e doismesesdoTratadodeVersailles,deverãosercuidadosamenteponderadas.Nenhumperíododahistóriarecompensarámelhorseuestudo,pelosartíficesdapazdoqueos“vinteanosdecrise”quepreencheramointervaloentreasduasgrandesguerras.CARR.E.H.Vinteanosdecrise.Brasília.Ed.UnB,2001.

A partir do exposto no texto, avalie as afirmações a seguir, considerandoo contexto das relações internacionais no período entre as duas GrandesGuerras(1918-1939).

I- A eliminação da diplomacia secreta em favor de acordos públicos,liberdadecomercialedenavegaçãoemmareseestreitoseacriaçãodeumsistemadesegurançacoletivasobosauspíciosdaLigadasNações,são alguns dos "14 pontos de Wilson", delineados para tornar a pazpermanente.

II- Apartirdeumavisãodemundoneutra,os"14pontosdeWilson"foramprojetados como um conjunto de princípios gerais que poderiam seraplicadosaproblemaspontuais,comoobjetivodeseevitaraocorrênciadaguerraedesuasmazelas.

III- A crítica à utopia wilsoniana marcou o primeiro debate nas relaçõesinternacionais entre os realistas – que acreditavam na mudança danaturezahumanaeemsuatendênciaàcooperação–eosidealistas,queansiavamportransformaromundoapartirdeumavisãonormativadoquedeveriaserarealidade.

IV- Como instituição internacional responsável pela paz e estabilidademundial, a Liga das Nações tinha como um dos seus princípios aautodeterminação dos povos, ou seja, a independência dos povos e oreconhecimentodoseudireitoaodesenvolvimentoautônomo.

AUTOATIVIDADE

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E CORRETOapenasoqueseafirmaem:

a) () IeII.b) () IeIV.c) () IIeIII.d)() I,IIIeIV.e) () II,IIIeIV.

3 (UEG,2009,adaptada)Adefesadapropriedadeéumdospontoscentraisdopensamentopolíticode JohnLocke.AssinaleaalternativaCORRETAsobreopapeldoEstadoparaopensador:

a) () O Estado deve garantir que todos os cidadãos possuam algumapropriedade.

b) () O Estado deve garantir a posse vitalícia de bens por parte doscidadãos.

c) () OEstadodevefazercomqueapropriedadesejacomumatodososcidadãos.

d)() O Estados deve permitir aos seus cidadãos ter propriedade oupropriedades.

4 AponteassemelhançasediferençasdasabordagensdeLockeeRousseauquanto(1)ànaturezahumana;(2)aocontratosocial;e(3)àimportânciadapropriedadeparaosindivíduos.

5 Qual é a importância do pensamento idealista deWilson (1919) para acriaçãodocampodasRelaçõesInternacionais?

6 Definao conceitode “pazperpétua” emKant e o relacione às ideiasdeWilsonemseus14pontosparaapaz.

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UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

O pensamento liberal evoluiu ao longo das décadas, influenciandoe sendo influenciado pelas múltiplas mudanças na política internacional.Conforme discutido anteriormente, não há uma visão canônica única nessatradição.Épossível classificaroLiberalismocomoumconjuntodeprincípios(teóricosepolíticos)einstituições,quepossuemcertascaracterísticascomuns–adefesadasliberdadesindividuais,participaçãopolítica,propriedadeprivadaeigualdadedeoportunidades.

Neste tópico serão discutidas as variações centrais do liberalismo noestudodassociedadesedosistemainternacional.Inicialmenteserãoapresentadastrêsvisõesclássicas: liberalismopacifista, liberalismoimperialistae liberalismointernacionalista.Aideiaéampliaraperspectivaacercadessavisãodemundoeoferecerumpanoramadascontribuiçõesclássicasprincipaisparaocampo.

Emseguidaseráanalisadoumconceito importanteparaopensamentoliberalcontemporâneo:ainterdependênciacomplexa.Oaumentodasinteraçõesentre Estados e atores como Organizações Internacionais, Regimes, empresastransnacionais, Organizações Não Governamentais e indivíduos ao redordo mundo suscitou a reflexão sobre os impactos desse processo na políticainternacional. O denominado InstitucionalismoNeoliberal emerge como lenteútilnoentendimentodessasmudançasetambémseráexploradonessetópico.

TÓPICO 2 —

INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL

E NEOLIBERAL

2 OUTRAS VARIÁVEIS DO PENSAMENTO LIBERAL

Dentre as várias contribuições teóricas ao pensamento liberal, trêsdestacam-secomoclássicas:oliberalismopacifista,oliberalismoimperialistaeoliberalismointernacionalista, jádiscutidopreliminarmentenotópicoanteriorapartirdasideiasdeKant.NestetópicooobjetivoseráexplorarassemelhançasediferençasdessascontribuiçõeseampliaroentendimentodoleitoracercadatradiçãoliberalnaCiênciaPolíticaenasRelaçõesInternacionais.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Oliberalismopacifistatevecomorepresentantesumasériedepensadores,dentreosquaissedestacamJosephSchumpetereo,anteriormentemencionado,ex-presidenteamericanoWoodrowWilson.Schumpeter(1955,p.95)afirmaque“ocapitalismodemocráticolevariaàpaz”.

Como prova, o autor afirma que teria surgido, em todo o mundocapitalista,noséculoXX,umaoposiçãocrescenteàguerra,àexpansãoterritorialeàdiplomaciasecreta.Segundoele,ocapitalismocontemporâneoestariaassociadoamovimentos pacifistas e o trabalhador industrial namaioria das sociedadesseria“vigorosamenteanti-imperialista”.Alémdisso,Schumpeter(1955)tambémapontaqueomundocapitalistateriadesenvolvidomeiosdeimpediraguerra,comoaCortedeHaia,equesociedadesmenosfeudaisemaiscapitalistas,comoosEstadosUnidos,teriamdemonstradotendênciasmenosimperialistas.

A CORTE DE HAIA

A Corte de Haia foi criada no contexto de emergência da Organização das Nações Unidas como instituição central na manutenção da paz e ordem internacionais. A denominação oficial do órgão, cuja função central é a resolução de conflitos entre Estados, é Corte Internacional de Justiça. Possui sede em Haia, nos Países Baixos.

A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, EM HAIA

FONTE: <https://bit.ly/31pYjCs>. Acesso em: 30 jul. 2020.

NOTA

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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A explicação de Schumpeter para o suposto pacifismo derivado doliberalismoseriabaseadanaideiadequeapenasaaristocraciamilitareosetorindustrialmilitarganhariamcomasguerras.Nenhumademocraciadefenderiauminteressederivadodeumaminoriaetolerariaoscustosaltosdoimperialismo.Amaioria das democracias capitalistas se posicionaria contra o uso da forçamilitareafavordeacordosdepazdiplomáticos.

Os argumentos do autor enfrentaram uma série de críticas ao longodos anos, principalmente à luz dos conflitos recorrentes empreendidos, e/ouinfluenciados,porpaísesdemocráticos capitalistasduranteo séculoXX, comoa Guerra do Vietnã (1955-1975) e a Guerra da Coreia (1950-1953), além deconflitosnascolônias,derivadosdocontroledasgrandespotências–incluindoasdemocracias capitalistas.Essadiscordânciaentreopensamento teóricoeasevidênciashistóricasevidenciaaslimitaçõesdoliberalismopacifista.

Outraabordagem importanteéodenominado liberalismo imperialista.Umdos autoresmais proeminentes dessa visão foiNicolauMaquiavel (1467-1529).Oautor refletiu,principalmenteemduasde suasobrasmaismarcantes– O Príncipe (1532)eOs Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio (1517)– sobre a relação entre os conceitos de liberdade e Estado, principalmente asrepúblicas. Segundo Doyle (2017), além de haver pouca possibilidade de umestado republicano ser pacifista, essa seria a melhor doutrina política para aexpansãoimperial.

Umarepública,navisãodeMaquiavel,seriaoqueDoyle(2017)denominarepública “mista”. Não seria uma democracia, mas seria caracterizada porigualdadesocial,liberdadespolíticaseparticipaçãopolítica.Aexpansãoimperialresultariadamaneira como essa liberdade incentiva o aumentodapopulaçãoedaspropriedades,quecrescemquandooscidadãossentemquesuasvidasebensestãoemsegurança.Essescidadãoslivresseenvolveriamemguerraseemexpansãoterritorialcomoobjetivodeprotegersuaprópriapopulaçãoeaumentaropoderdesuassociedades,umavezquesabemqueasdemaissociedadestambémestãoemexpansãoe,eventualmente,poderãoameaçarasuasobrevivência.

Contrapondo novamente a visão teórica às evidências empíricas, épossível identificar impérios republicanos como os descritos por Maquiavel:RomaeAtenasnosséculosIVeVa.C.,porexemplo.Alémdisso,comoafirmaDoyle(2017),asváriasintervençõesdosEUAapósaIIGuerraMundialtambémsealinhariamaosargumentosdoautor.

A terceira visão, explorada no Tópico 1 da presenta unidade, édenominada“internacionalismoliberal”.UmdosrepresentantescentraisdessaperspectivafoiofilósofoImmanuelKant.Paraoautor,umavezestabelecidasas repúblicas, elas levariam a relações pacíficas, não conflituosas, conformedefendidoporMaquiavel.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Kantargumentaque,umavezcontroladososinteressesdemonarquiasabsolutistas e o internalizado o hábito de respeitar mutuamente o outro –características de governos republicanos – as guerras seriam vistas comoobstáculosaobem-estardapopulação.

Oquadroaseguirsintetizaas trêsvisõeseascompara,oferecendoumpanoramaamplodasdiferentesvisõessobreasdemocraciasrepublicanas–emSchumpeter,MaquiaveleKant:

QUADRO 3 – COMPARAÇÃO ENTRE LIBERALISMO PACIFISTA, IMPERIALISTA E INTERNACIONALISTA

LIBERALISMO PACIFISTA

LIBERALISMO IMPERIALISTA

LIBERALISMO INTERNACIONALISTA

• Apenas umaminorialucrariacomaguerraeemdemocraciasnãoprevalece a vontadede minoria. O resul-tado,portanto,seráabusca pela manuten-çãodapaz.

• Baixopotencial impe-rialista em repúblicasdemocráticaslevariaàcooperaçãoentreelas.

• Repúblicasbuscariamma-ximizar sua influência, oque inclui expansão terri-torialeusodeforçamilitar.

• A necessidade de sobre-vivênciapolíticalevariaàexpansão.

• Pouca possibilidade decooperaçãoentrerepúbli-cas,umavezqueelasbus-carão a expansão territo-rial, mesmo que envolvaousodaforçamilitar.

• Repúblicas atingiriama paz entre elas porqueexercitam precaução de-mocrática e são capazesderespeitarosdireitosdeoutrasrepúblicas.

• Guerras entre repúblicasdemocráticas seriam im-prováveis. Repúblicas en-trariamemguerracompa-ísesnãorepublicanos,quenão compartilham seusprincípiosmoraisdepazerespeitoàsliberdades.

FONTE: A autora

Aindaqueastrêsvisõestenhamsemelhanças,principalmentenoquedizrespeitoaoobjetodeestudo,Estadosdemocráticose/ourepublicanos,conformeevidenciadonoquadroanterior,osautoresdiscordamsobrevárioselementos–possibilidadedeintençõesexpansionistaseimperialistaserecorrênciadeconflitos.

ApolíticainternacionalevoluiueseexpandiuaolongodosséculosXXe início do século XXI, incluindo outros atores além do Estado, e a tradiçãoliberalacompanhouessasmudanças,trazendonovoselementosparaaanáliseeenfatizandonovasvariáveisnojogodeforçaseinteressespolíticos.Notópicoaseguirserádiscutidoumconceitocentraldopensamentodo“novo”liberalismo–ouneoliberalismo–queemergenocampoaofimdosanos1970.

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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3 A INTERDEPENDÊNCIA COMPLEXA NA CONTEMPORANEIDADE

O mundo pós-Guerra Fria passou por uma série de transformaçõeseconômicas, políticas e sociais. As agendas políticas de segurança nacionaise podermilitar tradicional passaram a dividir espaço com a busca dos atoresinternacionaisporumaordemestável epacífica,baseadanodesenvolvimentoeconômico das nações. Nesse contexto reemergem as tentativas liberais decompreensão da política internacional, agora muito menos baseada na buscailimitadaporpoderporpartedosEstados,emuitomaisdiversificadaeplural.Umadasabordagenscentraisnessecontextoéa“InterdependênciaComplexa”,desenvolvidaporRobertO.KeohaneeJosephS.Nye,nofimdadécadade1970.

No mundo globalizado contemporâneo, o termo “interdependência”é utilizado com frequência. É uma situação na qual todos os atores: Estados,Organizações Internacionais,OrganizaçõesNãoGovernamentais, indivíduos eempresasdependemunsdosoutros.Emtermosgerais:

Dependência significa um estado de ser determinado ou afetadosignificativamente por forças externas. Interdependência,mais simplesmente definida, significa dependência mútua.A interdependência na política mundial refere-se a situaçõescaracterizadasporefeitos recíprocosentrepaísesouentreatoresdediferentespaíses(KEOHANE;NYE,1977,p.8).

Sob essa dependência mútua, a relação entre os atores envolvidos,incluindo Estados e outros atores transnacionais, é caracterizada tanto pelacooperação, quanto pela competição. Na interdependência, existem efeitosrecíprocosnasrelaçõesentreosatores:aspolíticaseaçõesdeumatortêmumimpacto profundo nas políticas e ações de outros atores, e vice-versa. Nessesentido,interdependêncianãosignificaapenaspazecooperaçãoentreosatores,masumrelacionamentoentreelescaracterizadopelacooperação,dependênciaeinteraçãoemváriasáreasdistintas.

A interdependência complexa é uma teoria que enfatiza as maneirascomplexaspelasquais,comoresultadodosvínculoscrescentesentresi,osatorestransnacionaissetornammutuamentedependentes,vulneráveisàsaçõesumdosoutrosesensíveisàsnecessidadesalheias.Interdependênciacomplexapodeserdefinidacomo:

UmconceitoeconômicotransnacionalistaqueassumequeosEstadosnãosãoosúnicosatoresimportantes,asquestõesdebem-estarsocialdividemocentrodopalcointernacionalcomasquestõesdesegurançadaagendaglobal,eacooperaçãoéumacaracterísticatãodominantequantooconflitonapolíticainternacional(GENEST,1996,p.140).

NessesistemadeinterdependênciaosEstadoscooperamporqueédeseuinteressecomum,oqueseaproximadavisãootimistadeWilsoneKant,eoresultadodiretodessacooperaçãoéaprosperidadeeestabilidadenosistemainternacional.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Osliberaisdessavertente,considerados“InstitucionalistasNeoliberais”,ou“Transnacionalistas”,acreditamqueosEstadosnãosãomotivadosapenaspelointeressenacionaldefinidoemtermosdepoder,comoafirmavamosRealistas.Aocontráriodeautores comoMorgenthau,WaltzeMearsheimer, aafirmaçãodosneoliberaiséqueapolíticainternacionalnãopodeserdivididasimplesmenteem“high”e“low”politics.

OS CONCEITOS DE HIGH E LOW POLITICS

O termo “high politics”, ou alta política, diz respeito a assuntos/temáticas relativas à segurança e à sobrevivência dos Estados. Essas questões envolvem o setor militar, segurança nacional e diplomacia. “Low Politics”, ou baixa política, por sua vez, diz respeito a assuntos não vitais para a sobrevivência dos Estados, como meio ambiente, gênero e direitos humanos.

NOTA

Emborasegurançainternacionalepodermilitarpermaneçamimportan-tes e relevantes, questões econômicas, sociais e ambientais – consideradas lar-gamente“low politics”–porvezessãoprioridadesnaagendainternacional.Umaspectomuitosignificativodainterdependênciacomplexaéqueelaéumacom-binaçãodeduasvisõesconsideradasopostas–ouseja,integraoselementosdapolíticadepoder(realistas)edoliberalismoeconômico.Avisãoneoliberallevaemconsideraçãooscustosebenefíciosdorelacionamentodeinterdependênciaentreosatores.

Em um mundo cada vez mais interdependente, apesar da crescentecooperação econômica e interdependência entre os atores, a possibilidade deconflitosmilitares internacionaisnãopodeser ignorada.Noentanto,diferentedapolíticadepodertradicional,nainterdependênciacomplexaarelaçãoentreosatoresnãopodeserdesoma-zero.

JOGO DE SOMA-ZERO

Um jogo de soma-zero é, segundo a teoria dos jogos (ramo da matemática aplicada que se dedica ao entendimento das ações individuais), uma situação em que o ganho de um indivíduo significa necessariamente a perda de outro indivíduo.

IMPORTANTE

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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KeohaneeNye,emsuaobraclássicaPower and Interdependence: world politics in transition, descreveram três características principais da interdependênciacomplexa:(A)canaismúltiplos;(b)ausênciadehierarquiaentreproblemas;e(c)papeldiminuídodaforçamilitar,elucidadosaseguir:

• Canais múltiplos: napolíticainternacional,existemvárioscanaisqueconectamassociedades,incluindotodasasrelaçõesinterestatais,transgovernamentaisetransnacionais.IssoseopõeàafirmaçãorealistasobreacentralidadedoEstado.Nessemundocomplexodeinterdependência,nãoapenasainteraçãoformaleinformalentreaselitesgovernamentaiséfontedeconexãoentreassociedades,mas os laços informais entre elites não governamentais e organizaçõestransnacionais têmganhadocadavezmais importância.Empresas ebancosmultinacionaistêmumgrandeimpactonasrelaçõesdomésticaseinterestatais.Essesatores,alémdebuscaremseusprópriosinteresses,tambématuamcomo“correntes de transmissão, tornando as políticas governamentais em váriospaísesmaissensíveisumasàsoutras”(KEOHANE;NYE,1977,p.26).

• Ausência de hierarquia entre problemas:emummundodeinterdependênciacomplexa,nãoexistiriahierarquiaentreosproblemasdapolíticainternacional.A linhadivisória entrepolítica interna epolítica externafica “embaçada” enãoháumaagendaclaraedefinidanas relaçõesentreosEstados.Segundoos autores: “a segurança militar não domina consistentemente a agenda”(KEOHANE;NYE, 1977, p. 25).As agendas de política externa estariam setornandocadavezmaisdiversas.EmoposiçãoàafirmaçãorealistadequeasegurançaseriaaquestãomaisimportanteentreosEstados,paraaabordagemdaInterdependênciaComplexa,qualqueráreatemáticapodeestarnotopodaagendainternacionalemqualquermomento.

• Papel diminuído da força militar: aocontráriodacentralidadequeopapeldousodaforçatemparaoRealismo,paraaInterdependênciaComplexaeletempouca relevância. Quando as relações interdependentes prevalecem, a forçamilitarpodeserirrelevantenaresoluçãodeacordossobrequestõeseconômicasepolíticas,porexemplo.Segundoosautores,podemexistirrelaçõesintensasde influênciamútua,masousodaforçanãoémaisconsideradoapropriadoparaalcançaroutrosobjetivos,comoobem-estareconômicoeambiental,porexemplo,porqueosefeitosdousodaforçamilitarsãomuitocaroseincertos.Defato,devidoaodesenvolvimentodearmasnucleares,biológicasequímicascadavezmaismodernas,todososatoresestãocientesdoscustosaltosdaguerra.

Assim,aimportânciadaforçamilitarcomoferramentapolíticaessencialpararesolverdisputasdiminuiunomundoglobalizado.

Noentanto,seupapelcomoferramentadenegociaçãoaindaéimportantee pode variar de uma questão para outra, não podendo ser completamenteignorado. Emum relacionamento assimétrico, o atormenosdependentepodeusá-locomoferramentadenegociação.

Para entender o papel do poder na interdependência, Keohane eNye (1977) conceituaram duas dimensões: sensibilidade e vulnerabilidade.Sensibilidadesignificaograuemqueosatoressãosensíveisamudançasemuma

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

determinadaáreatemática:“asensibilidadeenvolveumgraudecapacidadederespostadentrodeumaestruturapolítica–comquerapidezasmudançasemumdeterminadopaístrazemmudançasemoutropaís,equalamagnitudeosefeitosdessasmudanças?”(KEOHANE;NYE,1977,p.12).Porvulnerabilidadeentende-se até queponto os atores são capazesde controlas suas respostas àsensibilidade. Diz respeito à responsabilidade de um ator de sofrer custosimpostosporeventosexternos.

Omenos vulnerável entre dois atores não é necessariamente omenossensível, mas aquele que incorreria em custos mais baixos para alterar suasituação.Emumainterdependênciaassimétrica,emqueosatorestêm“níveis”de poder distintos, os Estadosmais fracos sãomais vulneráveis àsmudançasexternas,devidoaoaltocustodeadaptaçãoàsmudanças.

3.1 O ESTUDO DA COOPERAÇÃO NO INSTITUCIONALISMO NEOLIBERAL

O início da década de 1980 foi marcado, no campo de RelaçõesInternacionais, pela introdução e desenvolvimentode estudos relacionados àspossibilidades da cooperação internacional. O contexto pós Segunda GuerraMundialerapropícioàdiscussãodaspossibilidadesinstitucionaisdetratamentodasmúltiplasquestõesqueascendiamàagendainternacional–comércio,meioambiente, direitos humanos, entre outros – e essemovimento transbordou aodesenvolvimentoteóricodaárea.

RobertAxelrod(1984),umdosprimeirosautoresadelinearumquadrode análise da cooperação entre Estados, desenvolve uma obra cuja perguntacentral–Sobquaiscondiçõesacooperaçãoemergeemummundodeegoístassem autoridade central? – inaugura as discussões acerca da natureza docomportamentocooperativoedosmecanismosatravésdosquaisessemovimentoocorre. A utilização da Teoria dos Jogos como referência para definição daspossibilidadescooperativasdosindivíduospermitiuaoautordefenderahipótesedequeaestratégiadominanteseriaochamado“tit-for-tat”,ou“olhoporolho”,emtraduçãoliteral,apartirdacomparaçãodetodasasestratégiaspossíveis,emumexperimentorealizadopormeiodetestescomputadorizados:“Aestratégiadominante do Tit-for-Tat começa com uma escolha cooperativa por parte doindivíduo; opróximo,por suavez, seguirá a estratégiaprévia, resultando emumquadrocooperativo,recíproco[...]nessaestratégiaareciprocidadeérobusta”(AXELROD,1984,p.31).

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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TEORIA DOS JOGOS

A Teoria dos Jogos é uma ferramenta analítica, primariamente utilizada na matemática e fundada, entre outros, por John Nash (1951), que visa compreender o comportamento a partir de uma lógica exata. Alguns jogos específicos são utilizados na Ciência Política, como o Jogo da Galinha, Batalha dos Sexos e Dilema do Prisioneiro. Em todos eles alguns cenários são hipoteticamente desenhados visando à observação da ação racional e as consequências de sua recorrência.

INTERESSANTE

Acooperação,nessesentido,seriaresultadodarespostadeumindivíduoao comportamento prévio de outrem – a reciprocidade seria a chave dacooperaçãoeocaminhoesperadoemsituaçõesdeconflito.Apartirdessaideiadereciprocidaderobusta,RobertKeohane(1984,p.51)ampliaoescopoedefinecooperação internacional como“umprocessode coordenaçãodepolíticaspormeio do qual os atores ajustam seu comportamento às preferências reais ouesperadasdosoutrosatores”.

A definição do autor chama a atenção para dois fatores principais:consideraacooperaçãoumprocesso,nãoumfim,eaceitaaexistênciadeinteressecompartilhado dos atores, o que abre espaço para a análise das condições apartirdasquaiso interessepoderia levaràcooperação.É importantesalientarqueinteressecompartilhadonãoésinônimodeharmoniadeinteresses–emumquadrodeharmonia,apróprianecessidadedecooperaçãoserianula,umavezquehaveriaconcordânciadesdeoprincípio,enãoumconflitodeinteressesqueexigiriaajustedepolíticas.

Seguindo essa tendência, Axelrod escreve em conjunto com RobertKeohane, em 1985, a obra Achieving Cooperation under Anarchy: strategies and institutions, que estuda a cooperação internacional a partir do que os autoreschamamde“contextodeinteração”dosatores.Paraeles,ocontextodeinteraçãoseria baseado nas normas partilhadas, muitas vezes implicitamente, pelosparticipantes, e que se expressariam, em uma perspectiva influenciada pelateoria dos jogos, em "questões vinculadas (issue-linkage), conexões doméstico-internacionaiseincompatibilidadesentrejogosdediferentesgruposdeatores"(AXELROD;KEOHANE,1985,p.239).Acooperaçãointernacionalseria,portanto,resultadodainteraçãoentreosatoresemumcontextofavorável,dependentedaáreatemática,eemumquadrodeinterdependênciacomplexa.

Nosanos1980,oinstitucionalismoneoliberaltambémavançanadireçãodaexplicaçãodecomo,eemquecondições,asinstituiçõesimportamnaconduçãodocomportamentoestatalecomoelaspromoveriamacooperaçãoentreosatores.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Keohane(1984,p.51)afirmaqueelaocorreriaquandoEstados“ajustamseu comportamento às preferências reais ou antecipadas de outros, em umprocessodecoordenaçãopolítica”.Emumambienteinternacionalcompetitivo,osEstados,enquantoatoresracionais,buscariammaximizarseusganhosabsolutosatravésdacooperação.Osneoliberais,porém,nãonegamqueacooperaçãoseriadedifícilobtençãoumavezqueosistemainternacionaléanárquico.

Na tentativa de explicar o funcionamento de instituições, os autoresdessavertenteidentificamdoisgrandestemasrelevantes:barganhaedeserção,exploradosaseguir:

• Barganha

Oprimeirograndetemadeinteressedosinstitucionalistasneoliberaiséabarganha.Umadasgrandesperguntasdosautoresdessavertenteé“atéquepontoodesenho institucional (o conjuntode regras,normas e instituições emumadadaáreatemática)desempenhaumpapelrelevantenasnegociaçõesenabarganhaentreosEstados?”.

Ao estabelecer regras e procedimentos, as instituições internacionaisestabelecem limites mutuamente aceitos para o comportamento e para aconsecuçãodeobjetivoscoletivos.Noentanto,qualquertentativadesecooperarna política internacional envolve um grande número de atores estatais, comrecursos e interesses diferentes. Os Estados Unidos, por exemplo, enquantopotênciamundial,possuemmuitomaisrecursoseconômicos,políticosemilitaresqueumpaíscomoaArgentina,ouoBrasil.Issoteráumimpactosignificativoemqualquernegociaçãoqueenvolvaessespaíses.

Uma maneira eficaz de reduzir essas assimetrias é criar instituiçõestransparentes e comestruturas legaisbem fundamentadas.Martin e Simmons(1998) afirmam que os Estados tendem a cooperar entre si, apesar de suasdiferenças,quantomaislegalizadosetransparentesforemosprocessosequantomaiorclarezajurídicaainstituiçãotiver.IssoocorreporqueosEstadossãoatoresracionaiseutilizamasinformaçõesdisponíveisparacalcularemseuscursosdeação–quantomaioraofertadeinformações,menoresoscustos.

OutroaspectoimportantenadecisãodoEstadosobrecooperarounãoéapresençadeumaliderançaforte.SegundoYoung(1991),apresençadeumEstado que tenha a capacidade de liderar os processos, seja via habilidadediplomática,oupelousodeseusrecursos,faztodaadiferençanoresultadodeumanegociaçãointernacional.Demodogeral,osautoresdoInstitucionalismoNeoliberalconcluemqueodesenhoinstitucionalealiderançadesempenhamumpapel importante na promoção oudesencorajamento de alguns aspectosda negociação internacional, sendo elementos importantes no estudo dacooperaçãoentreEstados.

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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• Deserção

Outra questão relevante no estudo da cooperação internacional é apossibilidadedeosEstadosdesertarem(desistirem,abandonarem)emacordosinternacionais. Conforme visto, a vertente institucionalista neoliberal reitera ocaráteranárquicodosistemainternacional.Dessemodo,acreditam,assimcomoosrealistas,queaincertezaéumadascaracterísticascentraisdarelaçãoentreosEstados.Nessecenáriodeincerteza,érazoávelpensarquecadaEstadotemequeseusparceirosnacooperaçãofalhememcumpriracordosmutuamentefirmados,ouquehajadesistênciaeoscustosacabemaumentandoparasi.

O CASO DOS ESTADOS UNIDOS NO PROTOCOLO DE KYOTO

Um dos casos emblemáticos de deserção de acordos internacionais foi a desistência dos Estados Unidos em ratificar o Protocolo de Kyoto. Negociado em 1997, o protocolo destinava-se à diminuição das emissões de gases de efeito estufa, que causam o aquecimento global e consequente mudança do clima. Os EUA são o maior emissor histórico de GEE e, portanto, o país mais responsável por esse processo. Após um período extenso de negociações, a expectativa dos demais Estados era de que os custos de redução das emissões fossem distribuídos proporcionalmente e que os EUA cooperassem, atingindo o objetivo esperado. O que ocorreu, entretanto, confirmando os temores de deserção, foi a recusa do país em ratificar o protocolo e cooperar com os demais, levando à falha do protocolo em estabilizar o aumento da temperatura média global.

IMPORTANTE

As preocupações com a deserção dos Estados levam ao seguintequestionamento:comoasinstituiçõesinternacionaispodemserprojetadasparadiminuirasincertezasepreocupaçõescomrelaçãoapossíveisdesistênciasdosEstados?Ofatodequeexisteumasériedeinstituiçõesinternacionaisduradourase relativamente eficazes já indica que, em alguma medida, o problema dadeserçãonãoimpedeacooperação.OsEstadosconfiariam,emdiferentesgraus,na habilidade dos acordos e arranjos institucionais de reduzir as incertezas eaumentaratransparênciaentreosatores.

Dessemodo, a questão émuitomenos sobre “se” a deserção ocorrerá,mas“como”lidarcomelaquandoocorrer.Emboraasinstituiçõesinternacionaisnãotenhamacapacidadeourecursosparapuniraquelesquedesertam(oEstadocontinuatendoautonomiaesoberania,oquelheconfereomonopóliodadecisão),o institucionalismoneoliberal demonstra quediferentes arranjos institucionaistornamadeserçãomaisoumenosprovável.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A maioria das instituições possuem mecanismos de monitoramentoeacompanhamentodasaçõesdosEstados,e issoécentralparaareduçãodasincertezasporqueessesmecanismostornamqualquerdeserçãocustosa.

ComoosEstadossabemqueseucomportamentoestásendomonitorado,os incentivos para a desistência diminuem. Esse é o caso de instituições decomércio, direitos humanos e meio ambiente, nas quais os países enfrentampressões domésticas e internacionais para o cumprimento dos acordos.Dessemodo,umacaracterísticaimportantedasinstituiçõeséacoletaedisseminaçãodeinformaçõesperiódicassobreocomportamentodosEstadosmembros.

A transparência por si só, entretanto, geralmente não é suficiente paragarantiraconformidadeeamanutençãodacooperação.Mitchell(1994)afirmaque é necessário combinar transparência com redução de custos, ameaça desançõeseumsistemadeprevençãodeviolações.

Outra ferramenta importante é a existência de um mecanismo eficazde resoluçãodedisputas.SeosEstadossentemqueadistribuiçãodecustosebenefícioséjusta,equehámecanismosdeverificaçãoregulardocumprimentoderegras,acooperaçãoserámaisprovável.

A OMC E O MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Um exemplo relevante de mecanismo de resolução de disputas é o Mecanismo de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC). Criado em 1994, o mecanismo objetiva trazer previsibilidade e segurança aos Estados-membros da organização.

A ideia é prover soluções a eventuais disputas comerciais entre países (quando, por exemplo, um país adota uma medida que viola os princípios da OMC, como proteção à propriedade intelectual ou protecionismo).

ATENCAO

Porfim,épossívelafirmarqueoaperspectivaliberalavançou,aolongodosanos,nadireçãodeanálisesmuitomenosidealistaseutópicaseseaproximouda empiria, tendo validade na explicação de processos derivados da maiorinterdependênciadosatoresnopós-GuerraFria.

As instituições internacionais, enquanto arenas de interação entre osEstados,aindaapresentamproblemas, conformediscutido,mas já sãoespaçosdecoordenaçãopolíticaescolhidosfrequentementeparaasoluçãodeconflitosnapolíticainternacional,conformeilustradonocasoaseguir:

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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QUADRO 4 – ESTUDO DE CASO – A UNIÃO EUROPEIA

Alémdeoferecerelementosparaanálisedapolíticainternacional,opensamentoliberaltambéminfluenciouatomadadedecisãopolíticaemváriosmomentosdahistóriacontemporânea.UmdosprincipaisfoiacriaçãodaUniãoEuropeia,em1992.Inspiradospelootimismoliberal,oslídereseuropeusdoPósSegundaGuerra(KonradAdenauer,AlcidedeGasperi,JeanMonneteRobertSchuman)construíram um sistema complexo de cooperação visando a promoção emanutençãodapaznocontinenteeuropeu. CientesdopapelqueoautoritarismoexerceunaeclosãodaSegundaGuerraMundial,esseslíderesdecidiramestabelecerinstituiçõesdemocráticasestáveis,apartirdopressuposto liberaldeque issogarantiriaapazemlongoprazo.EsseprocessoteveiníciocomacriaçãodaComunidadeEuropeiadoCarvãoedoAço,em1957,efoifortalecidocomoTratadodeMaastricht,em1992.

Outro pressuposto liberal central no desenvolvimento da organização é anoçãodequeintegraçãoeconômicaecooperaçãoregionalestariamintrinse-camenteligados.Apósaguerra,osnovoslídereseuropeusentenderamquea obtenção de um futuro próspero exigiria o estabelecimento de uma redeeconômicainterdependente.Aintegraçãoeconômicafoiiniciadanoprópriocontinente, com aOrganização paraCooperação Econômica Europeia, e semundializou,comacriaçãodaOrganizaçãoparaCooperaçãoeDesenvolvi-mentoEconômico(OCDE).

Nenhum desses elementos – existência de democracias e a promoção decomércio internacional – teria efeitos práticos se não fosse a criação deinstituiçõespara regularas interaçõesepráticasdosatores.NocasodaUE,osEstados atribuíramà instituiçãouma sériedepoderes supranacionais.AorganizaçãocoletaimpostosdetodososseusEstadosmembroseaComissãoEuropeiaaplicaumaamplagamaderegulamentoscomunsentreeles.

OConselhoéumórgãoexecutivoemquedecisõesimportantessãotomadasviavotaçãoeoParlamentoEuropeuéeleitodiretamentepeloscidadãosdosestadosmembros.Issogaranteumcertograudesimilaridade,oqueevitariaconflitoscomoosqueocorreramnoiníciodoséculoXX.

AUnião Europeia é um exemplo empírico de que os ideais liberais fazemsentido,mesmoqueemumcontextolimitado.Aorganizaçãotemsidobem-sucedidaemseusobjetivos,principalmenteemevitarguerrase conflitosdegrandesproporçõesnocontinente.

FONTE: A autora

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Neorrealistaseinstitucionalistasneoliberaispossuem,conformediscutidoanteriormente, uma série de diferenças no que diz respeito à centralidade doEstado, a relevância do poder militar e a hierarquia das agendas da políticainternacional.Suasdiferençasserãodiscutidasnosubtópicoaseguir,dedicadoàexplicaçãododebatedenominadoNeo-Neo.

3.2 O DEBATE NEO-NEO

Conforme visto anteriormente, o realismo é largamente consideradoa teoria mais influente e dominante das relações internacionais desde aSegundaGuerraMundial.OsrealistasacreditamqueosEstadossãomotivadosprincipalmentepelodesejodepoderousegurançamilitareeconômica,emvezde ideias, identidades ou pela ética. Os realistas estruturais, ou neorrealistas,sustentamqueosatoresbuscampodernãoapartirdeumimpulsoinato,massãosubmetidosàestruturadosistema.Enfatizamanaturezaanárquicadosistemainternacional, noqual osEstadosprecisam confiarna autoajudapara garantirsua sobrevivência.Assim, os neorrealistas focamnos aspectos conflitantesdasrelaçõesinternacionais,ouseja,seconcentrammuitomaisnascausasdaguerradoquenapossibilidadedecooperaçãointernacional.

OInstitucionalismoNeoliberal,poroutrolado,tentademaneiramode-rada integrar os elementosdessa política de poder, descrita pelos realistas, aoliberalismoeconômico.Emumquadrode interdependênciacomplexa,podereinterdependência(todasasrelaçõesrelevantesentreatoresnapolíticainternacio-nal)estariamintimamenteinterligados.Aocontráriodosneorrealistas,queacre-ditavamemumpapelmenordasinstituiçõesinternacionais,limitadopelosEsta-dosporinteressesrelacionadosasuasegurançaemanutençãodasoberania,paraainterdependênciacomplexaopapelpotencialdasinstituiçõesinternacionaisnanegociaçãopolíticaégrande.Elasajudariamadefiniraagendainternacionaleatuariamcomocatalisadoresdeaçõespolíticasearticulaçãodeestadosfracos.

A ATUAÇÃO DA AOSIS NO REGIME INTERNACIONAL DE MUDANÇAS DO CLIMA

Um exemplo interessante que valida a hipótese neoliberal de que as instituições auxiliariam a articulação de Estados fracos é a atuação da Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS, sigla em inglês) no Regime Internacional de Mudanças do Clima. A aliança, composta por 38 pequenos países-ilha em risco de desaparecimento decorrente das alterações do clima no mundo, articula uma posição conjunta desde o fim dos anos 1980, e participa de uma série de negociações políticas, vocalizando suas preferências e sendo capaz de negociar, pela via institucional, uma série de acordos e benefícios que não seriam possíveis sem a existência de regras e normas institucionalizadas.

IMPORTANTE

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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JohnMearsheimerteceu,principalmenteduranteosanos1980,umasériedecríticasaopensamentoliberal,afirmandoqueessavisãonãoteriasidocapazdepromoverpazecooperaçãonoperíodopós-GuerraFria,tampoucoteriasidocapazde explicar o balanceamentodepodernesseperíodo.De acordo comoautor,aanarquiainerenteaosistemainternacionalinibiriaacooperaçãoentreosEstados,poiselesestariamsempremaispreocupadoscomoequilíbriodepoderesuasobrevivência,deixandoemsegundoplanoqualqueroutrotemaouagenda(MEARSHEIMER,2001).

Em resposta à crítica de Mearsheimer, Robert Keohane e Lisa L.Martin publicam um artigo, em 1995, intitulado The Promise of Institutionalist Theory, e argumentam que as instituições eram importantes na conduta e nocomportamentodoEstado,masqueseriarelevantedescobrircomoissoocorre,esobquaiscondições.Deacordocomliberaiseneoliberais,asinstituiçõesseriammeiossegurosatravésdosquaisacooperaçãoentreosEstadospoderiaserobtida.Elas reduziriamas incertezasdecorrentesda condição anárquicado sistema efacilitariamaresoluçãodeconflitosentreosatores.

Para os realistas, o principal obstáculo à cooperação internacionalseria relacionadoàquestãodosganhos relativos.OsEstados teriam sempre apreocupaçãocomadistribuiçãodeganhosentreosEstadoscooperativos,porqueissopoderiaafetaroequilíbriodepoderprevalecente.EsseproblemafoiapontadoporJosephGrieco,em1988,quandoargumentouqueaquestãomaiscríticaemqualquerarranjodecooperaçãoécomoosbenefíciosseriamdistribuídosentreosEstados.Assim,paraavisãorealista,oqueimportamsãoosganhosrelativos,não os absolutos. Por outro lado, para os institucionalistas neoliberais, todososEstadosteriamganhosabsolutos,principalmenteemsituaçõespacíficasnasquaisosatoresnãotememporsuasobrevivênciaatodoomomento.Enquantoos neorrealistas sãomais cautelosos quanto à possibilidadede cooperação, osinstitucionalistasneoliberaisacreditamqueosEstadospodemserpersuadidosacooperarquandoconvencidosdequetodososEstadosrespeitarãoasregrasequeacooperaçãoresultaráemganhosabsolutos.

O debate Neo-Neo não foi um debate entre duas visões polarizadas e opostas. Conforme dito anteriormente, trata-se de um debate dentro do mesmo paradigma. Neoliberais e neorrealistas estudam diferentes “mundos” da política internacional: enquanto os neorrealistas focam em segurança e assuntos militares, neoliberais focam em economia política, assuntos ambientais, direitos humanos, gênero etc.

IMPORTANTE

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Oquadroaseguirresumeasprincipaisdiferençasentreasabordagens,apartirdosobjetivosdosatores,dosinstrumentosdapolíticaestatalquecadaumadasteoriasconsideramaisrelevantes,formaçãodaagenda,conexãoentretemasepapeldasorganizaçõesinternacionais:

QUADRO 5 – PROCESSOS POLÍTICOS: NEORREALISMO VS. INSTITUCIONALISMO NEOLIBERAL

NEORREALISMO INSTITUCIONALISMO NEOLIBERAL

Objetivos dos Atores SegurançaMilitar.

Variamdeacordocomaáreatemática.Políticastransgovernamentais

tornamdifíciladefiniçãodosobjetivos;atores

transnacionaisbuscamseusprópriosobjetivos.

Instrumentos de Política Estatal

Forçamilitaréamaisefetiva,oquenãoexcluioutrosinstrumentos.

Recursosdepoderespecíficosàsáreastemáticasserãomaisrelevantes.Manipulaçãodainterdependência,

organizaçõesinternacionaiseatorestransnacionaisserãoosinstrumentosdemaior

relevância.

Formação da Agenda

Mudançasnoequilíbriodepoderestabelecemaagendadealtapolíticaqueinfluenciaasdemaisagendas.

Afetadapor:mudançasnadistribuiçãodepodernasáreastemáticas;statusdosregimesinternacionais;

mudançasnaimportânciadosatorestransnacionais;conexão

entretemas.

Conexão entre Temas

Reduzemadiferençanosresultadosentreáreastemáticase

reforçamahierarquia.

DifícilparaosEstadosmaisfortesemfunçãodanão-efetividadedaforça.JáaconexãofeitapelospaísesmaisfracosatravésdasOIs

erodeahierarquia.

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TÓPICO 2 — INTERDEPENDÊNCIA NOS PENSAMENTOS LIBERAL E NEOLIBERAL

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Papel das Organizações Internacionais

Demenorimportância,limitadopelo

poderestatalepelaimportânciadousoda

forçamilitar.

Estabelecemaagenda,induzemaformaçãodecoalizõeseatuamcomoarenasparaaaçãopolíticadeEstadosmaisfracos.Ahabilidadeparaescolherofórumorganizacionalparaumtemaeparamobilizar

outrosatoreséumimportanterecursodepoder.

FONTE: A autora

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Opensamentoliberalnãoéhomogêneo.Dentreasváriasvertentesdestacam-seoliberalismopacifista,liberalismoimperialista,liberalismointernacionalistae,maisrecentemente,oinstitucionalismoneoliberal,ouneoliberalismo,dedicadoaoestudodainterdependênciacomplexa.

• Interdependênciacomplexaéumconceitocentralnopensamentoneoliberal.DizrespeitoaumrelacionamentorecíprocoentreEstadoseatoresnãoestatais,caracterizado pela cooperação, dependência e interação em áreas temáticasdistintas.

• No contexto contemporâneo, a vertente liberal no campo das RelaçõesInternacionais tem como foco o estudo da cooperação entre os Estados nocontextodasinstituições,organizaçõeseregimesinternacionais.

• OneoliberalismonasRIsfoipartedeumdosdebatesteóricosmaisimportantesda área: odebateneo-neo,marcadopela contraposição entre opensamentoneorrealista,queafirmaquea segurançamilitar seriaoobjetivo centraldosEstadoseopensamentoneoliberal,quedefendequeointeressedosEstadosvariaemrelaçãoàáreatemática.

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1 (ENADE,2018,adaptado)NoartigoThe promise of institutionalist theory,éavaliadaaimportânciadasinstituiçõesinternacionaisparaamudançadecomportamentodosEstados:“When states can jointly benefit from cooperation, we expect governments to attempt to construct such institutions. Institutions can provide information, reduce transaction costs, make commitments more credible, establish focal points for coordination, and in general facilitate the operation of reciprocity”KEOHANE,R.O.;MARTIN,L.L.Thepromiseofinstitutionalisttheory.InternationalSecurity,v.20,n.1,Summer,1995.

Considerandooexpostonestetexto,avalieasafirmaçõesaseguir:

I- AmudançadecomportamentodosEstadosécontestadapelasvertentesrealistas, que consideram que os Estados permanecem como atoresunitárioseegoístas,preocupadoscomosriscosdetraiçãoedefecção,quepodemafetarseusganhosrelativos.

II- Segundo amatriz institucionalista, amudança de comportamento dosEstadosdependedasuaavaliaçãoacercadosganhosrelativosenvolvidos,que é feita em função de sua participação em regimes e instituiçõesinternacionais.

III- Segundo a matriz institucionalista, a mudança de comportamentodosEstados é avaliada comopositivaporque reforçaos compromissosestabelecidos em regimes e instituições internacionais e aprofunda ainterdependênciaentreeles.

E CORRETOoqueseafirmaem:a) () II,apenas.b) () III,apenas.c) () IeII,apenas.d)() IeIII,apenas.e) () I,IIeIII.

2 (ENADE, 2018, adaptado)As conclusões que extraímosdodebate sobreganhosrelativossãodiferentesdasdoprofessorMearsheimer.Éverdadeque, quando apenas dois Estados existem e têm interesses diretamenteconflitantes,asinstituiçõesnãoserãosignificativas,masestepontoéóbvio.Duas questões são mais significativas: 1) as condições sob as quais osganhosrelativossãoimportantes;e2)opapeldasinstituiçõesquandoasquestõesdistributivassãosignificativas–istoé,quandoganhosrelativosestãoemjogo.KEOHANE,R;MARTIN,L.Thepromiseofinstitutionalisttheory.InternationalSecurity,v.20,n.1,p.44,1995.

Considerandoascaracterísticasdaabordagemliberalinstitucionalista,avalieasafirmaçõesaseguir.

AUTOATIVIDADE

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I- Embora a abordagem dos autores do texto parta de pressupostosdistintosdaabordagemde JohnMearsheimer,o focodaanálise liberalinstitucionalista,emambosestudos,éopapeldosganhosrelativos.

II- Segundo a abordagem liberal institucionalista, situações de conflitosdistributivos,emquesecolocaaquestãodosganhosrelativos,reforçamapertinênciadasinstituiçõesinternacionais.

III- Naabordagemliberalinstitucionalista,destaca-seopapeldasinstituiçõesinternacionaisedareciprocidade,paraselidarcomasdificuldadesquetêmorigemnacoordenaçãodeaçõesentremaisdedoisEstados.

IV- Naabordagemliberalinstitucionalista,enfatiza-seopapeldagovernançasupranacionaledeinstituiçõescapazesdelidarcomassituaçõesemqueháconflitosdistributivosresultantesdacooperação.

E CORRETOapenasoqueseafirmaem:a) () IeIV.b)() IIeIII.c) () IIIeIV.d)() I,IIeIII.e) () I,IIeIV.

3 O panorama teórico e epistemológico das relações internacionaiscontemporâneas é reflexo das profundas mudanças experimentadas napolítica internacionalcomofimdaGuerraFria.Novostemasequestõesadquiriram visibilidade e relevância em razão da crítica a premissas epressupostosatéentãoestruturantesdaárea.

Considerandoasdiversasabordagens teóricasquehojecompõemocampodasRelaçõesInternacionais,avalieasseguintesafirmações.

I- Paraascorrentesliberais,osregimesdemocráticossãomenospropensosaestabelecerrelaçõespacíficasentresi,emrazãodaprevalênciadevaloresuniversais.

II- Aoposiçãobináriaentremasculinoefemininoéconstitutivadasdinâmicasdepodernarelaçõesinternacionais,impactando,sobretudo,ofênomenodaguerra.

III- Aexperiênciacolonial,queestruturouosistemainternacionalapartirdoséculoXV,permanececomodimensãofundamentalàcompreensãodasrelações internacionais contemporâneas, exemplificada pelos processosdeintervençãohumanitárianopós-GuerraFria.

IV- As dinâmicas políticas decorrentes da condição anárquica do sistemainternacionaldependemdosprocessosdesocializaçãodosatores.

V- Asoberaniadeveserentendidacomoumconjuntodepráticasprodutorasdecomunidadespolíticasexclusivaseexcludentesqueseparamaesferadomésticadainternacional.

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E CORRETOapenasoqueseafirmaem:a)() I,IIeIII.b)() I,IIeV.c) () I,IIIeIV.d)() II,IVeV.e) () III,IVeV.

4 Quais sãoas semelhanças entreoneorrealismoeoneoliberalismo?Easdiferenças?

5 Comoaproliferaçãodeinstituiçõesemváriasáreasdapolíticainternacionalpodeinfluenciarapolíticaexternadospaíses?

6 Emquemedidaasinstituiçõesmitigamosefeitosdaanarquiainternacional,segundoopensamentoInstitucionalistaNeoliberal?

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UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Asmudanças na ordem política internacional no contexto pós-GuerraFria levaramàrevisãodeváriosconceitosepremissasnocampodasRelaçõesInternacionais.Ainterdependênciacomplexaeaexpansãodastrocascomerciais,das relações políticas e diplomáticas, somadas à ampliação das agendasinternacionais, demandaram a inclusão de novos atores à reflexão sobre asrelaçõesinternacionais.

O Estado, que protagonizava tanto as interações políticas quanto asanálises teóricas no campo, passa a dividir espaço com uma multiplicidadede temas e agendas.Alémda segurança internacional e de questõesmilitaresestratégicas,asagendasdedireitoshumanos,meioambiente,gênero,identidade,cultura,entreoutras,passamaserobjetosdasRelaçõesInternacionais,exigindoaampliaçãodosconceitosdasdiferentestradiçõesteóricas.

Nopensamentoliberal,essasmudançastiveramreflexonaevoluçãodopensamentoliberalclássicoparaodenominado“neoliberalismo”ou“institucio-nalismoneoliberal”,discutidonaunidadeanterior.

A cooperação, antes limitada aos Estados, passa a ser analisada emsuasváriasdimensões: entreEstados e empresas, empresas e organizaçõesdasociedadecivil,entreEstadoseOrganizaçõesInternacionaisetc.Nessesentido,énecessáriodiscutirasvertentesdoliberalismodedicadasàcompreensãodessasrelaçõeseaoentendimentodasconsequênciasdoprocessodeglobalizaçãoedeaumentodasinteraçõesentreosatoresinternacionais.

OSubtópico2,aseguir,édedicadoàdiscussãosobreoliberalismosocio-lógico,deautorescomoRosenau,DeutscheCobden.Asabordagensfuncionalis-taseneofuncionalistas,ligadasaessaexpansãodopensamentoliberal,serãofocodoSubtópico3.

Será analisada,porfim, a suposta emergênciadeuma“sociedade civilglobal”eorescrudescimentodainteraçãoentrediferentesatoresnoadventodasredessociaisedaevoluçãodastecnologiasnasáreasdecomunicaçãoetransporte,encerrandoessaunidadededicadaaoLiberalismonasRIs.

TÓPICO 3 —

OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

2 LIBERALISMO SOCIOLÓGICO

Uma das vertentes contemporâneas do liberalismo é o denominado“liberalismosociológico”.AutorescomoJamesRosenau,KarlDeutscheRichardCobdenapontamaslimitaçõesdasvisõesliberaiserealistasfocadasnoEstadoe defendem o estudo das relações transnacionais – relações entre grupos dasociedadecivil,indivíduoseorganizaçõesatravéseentreEstados.

Essa visão defende que o campo foi construído e evoluiu a partir deumavisãoestatocêntricadapolíticainternacional,equeessacaracterísticaterialimitadooentendimentodasmúltiplasinteraçõesexistentesentreváriosatores,sendo necessário considerar outros atores, comoOrganizações Internacionais,Regimes,empresaseorganizaçõesdasociedadecivil.

JamesRosenau(1990)apontaqueosprocessosconduzidosporgovernosna política internacional são largamente complementados por relações entreindivíduos,gruposesociedadeseessasrelaçõesteriamimpactosdiretossobreasdecisõesdosEstados.

Os governos nacionais permaneceriam relevantes e protagonistas,masa existência e importância de atores transnacionais levaria à emergência deumapolíticadevárioscentros,ou“multicêntrica”.Cinco razõesexplicariamaimportância crescente de indivíduos e organizações transnacionais na políticainternacional,segundoRosenau(1990):

• AerosãoedispersãodoEstadoedopodergovernamental.• Aemergênciadeumanovamídia,ousodecomputadoresenovastecnologiasdeinformação,ocrescimentoeampliaçãodeviagensinternacionais,aumentodamigraçãoeaexpansãodeinstituiçõesdeeducação,quecontribuíramparaoaumentodascapacidadesanalíticasdosindivíduos.

• A emergência de assuntos globais interdependentes (AIDS, terrorismo,poluiçãoambiental),quetornariaosindivíduosmaisativosecríticos.

• Revolução das tecnologias de informação, que tornaram possível oacompanhamentodeeventosemnívelinternacional.

• Atransformaçãodelíderesem“seguidores”,umavezqueosindivíduosestãocadavezmaisinformadosesuasdemandasestãomaiscomplexas.

Agendas e temas que anteriormente tinham um escopo claramentedomésticoouinternacional,hojetemdesesubmeteradecisõesnosdoisníveis–cadavezmenosdelimitadoseidentificáveis.

Um exemplo é a própria agenda de terrorismo, ou das mudanças doclima,ambastransnacionaisenãolimitadasporcritériosfronteiriçosenacionais–ex.:aemissãodegasesdeefeitoestufaquecausaamudançadoclimaocorreapartirdeumaindústriae/ouatividadepoluente,masseusefeitospodemserinternacionais;umatentado terroristaqueocorre,porexemplo,nosEUA, temefeitosnaspolíticasdesegurançanoBrasil,ReinoUnido,Chinaetc.

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

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Em relação à temática de segurança, especificamente, o liberalismosociológico acredita na existência de “comunidades de segurança”. Deutsch(1969) afirma que os Estados podem construir comunidades transnacionais apartirdocompartilhamentodecostumes,identidadesepercepções.

Ao contrário do que afirmam os realistas, a agenda de segurançainternacionalnãoseria limitadaàmaximizaçãodopodermilitarporpartedasgrandespotênciasealheiaaquestõescomocultura,tradiçõeseidentidade.

Para essa perspectiva, é possível que Estados criem uma sensação depertencimentocomum,apartirdaqualconstroemumacomunidadepacífica,naqualousodaforçanãoseriaumaalternativapolíticaprioritária.

Paraoautor,umacomunidadedesegurançapodeseramalgamadaoupluralista:

A comunidade amalgamada é composta por um governo comumquecontémoprocessodecisóriosupremo.Acomunidadepluralistaé composta por unidade políticas legalmente independentes comcentrosdeprocessosdecisóriossupremosdiferentes,ouseja,governosdiferentes.Osestadosgermânicosconformavamumacomunidadedesegurançapluralistaantesde1871,anodaunificaçãodaAlemanha,que concretizou uma comunidade de segurança amalgamada. Épossívelidentificaramalgamaçãosemquehajaumacomunidadedesegurança: nomultinacional império austro-húngaro não havia umsentimentodecomunidade(MAGALHÃES,2012,p.85).

O liberalismo sociológico, portanto, acredita que as relações

internacionaisnãoseriamexclusivamentecompostaspelainteraçãoentreEstados,masincluiriamindivíduos,organizações,regimeseatorestransnacionais.NestecenárioseriapossívelqueosEstadosinteragissemdemodopacíficoapartirdoaltograuderelaçõestransnacionais.

Aproliferaçãodeorganizaçõesegrupostransnacionaisnosúltimosanosapontaparaavalidadeanalíticadessavertenteliberaleincentivaaevoluçãodopensamentoemdireçãoàcompreensãodeumapolíticainternacionalcadavezmaispluralemultifacetada.

Oquadro a seguir ilustra, apartirdadiscussão realizadaneste tópico,algunsexemplosdeorganizações internacionaisapartirdeváriascategorias–dasmaistradicionais,entreEstados(ouintergovernamentais)atéorganizaçõestransnacionais,queenvolvematoresnãotradicionais:

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

QUADRO 6 – EXEMPLOS DE ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E TRANSNACIONAIS

TIPO DE MEMBRESIATIPO DE ORGANIZAÇÃO

ESPECÍFICA GERAL

REGIONAL

INTERGOVERNA-MENTAL OTAN,NAFTA

UniãoAfricana(UA)

SUPRANACIONAL EURATOM,CECAUniãoEuropeia(UE)

TRANSNACIONAL RedeEuropeiaAnti-pobreza(EAPN)

MovimentoEuropeu

UNIVERSAL

INTERGOVERNA-MENTAL

OMS,AgênciaInternacionalde

EnergiaAtômica(IAEA) ONU

SUPRANACIONAL FMI --

TRANSNACIONAL AnistiaInternacionalMovimentoFederalistaMundial

FONTE: A autora

A emergência do conceito de interdependência complexa, somada àscontribuiçõesteóricasdoinstitucionalismoneoliberaledoliberalismosociológico,ampliaramaagendadeestudosnocampodasrelaçõesinternacionais.

Os Estados deixam de ser o único objeto de análise e atores comoorganizações, regimes,empresas transnacionais, indivíduosea sociedadecivilpassam a ser analisados a partir de sua importância na definição dos rumosda política internacional.O subtópico a seguir tem como foco a discussão daemergênciadasociedadecivilglobalnocontextodaglobalização,apartirdessasmudançasprofundas,tantonateoria,quantoempiricamente.

3 FUNCIONALISMO E NEOFUNCIONALISMO

Conformediscutido anteriormente, aofinaldadécadade 1930,muitosestudiososdasrelaçõesinternacionaisidentificaramanecessidadedeumanovaabordagemnoestudodapolíticamundial.AincapacidadedaLigadasNaçõesemlidarcomcrisesinternacionaistornou-semaisaparenteechegouaoápicecomaeclosãodaSegundaGuerraMundial.

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

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Acrisedavertenteidealistanopensamentoliberaldocampodeuespaçopara a emergência e consolidação da escola realista no campo das RelaçõesInternacionais.Issonãosignifica,porém,quenãohouveespaçoparaosurgimentode abordagens liberais menos utópicas e voltadas ao entendimento da novaordemnapolíticainternacional.

Nessecaso,emergeateoriafuncionalistapropostaporautorescomoDavidMitrany (1943).Oautordefendeabuscapeloentendimentodaordemnopós-guerraapartirdaobservaçãodasfunçõesdecadaumdosatoresinternacionais.ÀsemelhançadeCarr(1939),Mitrany(1943)argumentouqueofracassodaLigadasNaçõesseriadevidoaoslimitesinerentesàcriaçãodeumsistemapolíticobaseadoempactoslegaisemummundodeEstadosdesiguaisemuitodiferentesentresi.

Dessa forma, o crescente poder do sentimento nacionalista minaria aforçada razãohumana compartilhada comoumaqualidade cosmopolita, quepoderiaunirahumanidadeapartirdeumsistemalegalneokantianobaseadoemumaharmoniadeinteresses.IssoocorreriaporqueonacionalismopolíticoteriaprejudicadoacapacidadedosEstadosdealcançarprosperidadeeconômicaepaz:razõesdeordempolíticaosimpediriamdecolaborarcomoutrosEstadosemproldobemcomum.

O nacionalismo teria agravado a tendência dos Estados de optar porpolíticasquepromovamseusprópriosinteresses,mesmoqueissoacontecesseàscustasdosinteressesdeoutrosEstados.

Mitrany (1943) afirmou em sua obraA Working Peace System que nessecontextopós-Guerraaseconomiasnacionaispassaramadependercadavezmaisdasrelaçõesinternacionais,minandoacapacidadedoEstadodecontrolareregularsozinhosuasfinançasdomésticaseproverestabilidadeeconômicainternamente.

O autor acreditava que nessa nova ordem era necessário levar emconsideração a contribuição potencial das funções internacionais de empresasmultinacionaisprivadas,distintasdasfunçõespúblicas.Eleargumentouqueasdemandaspúblicasporbem-estarereformassociaispassaramaserarticuladasemuma linguagempolítica comuma ênfasemaior em “serviços” do que em“direitos”, deslocando a discussão de uma esfera mais jurídica para a esferaadministrativa,naqualasempresasprivadaspoderiampassaradesempenharumpapelsignificativo(MITRANY,1943).

As políticas sociais e econômicas nacionais passaram a ter fortesrepercussõesemempresasprivadasqueoperamemumaredeinternacionaldeproduçãoecomércionãolimitadaaosterritóriosnacionais.

Uma nova ordem internacional só seria eficaz se fossem construídasinstituições transnacionais que respondessem a essas várias necessidadessocioeconômicas,emcoordenaçãocomomundodosnegócioscoorporativos.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Oobjetivodoautoreraenfatizaressanovademandapopularporreformasocialbaseadanãoemdireitos,masemserviços.Nessanovarealidade,oaparatoinstitucionalnecessárioseconcentrarianoaspectodasatividadeshumanasquemaisprecisariamde“reformas”:asociedadeeaeconomia,nãoapolítica.

Enquanto o pensamento federalista defendia a reforma e criação deinstituiçõespolíticastransnacionaisnessecontextopós-guerra,ofuncionalismodeMitranyadvogavaporumsistemaquenãodissolvesseassoberaniasnacionaisapartirdemeios legais e constitucionais,masquepromovesseuma interaçãomaispróximaentreasesferaspúblicaeprivada.

Segundooautor, seria improvávelo sucessodeumaestruturapolíticadependentedeumaltograudecompartilhamentodevaloresenormas,incertoemumsistemainternacionaldeEstadosdistintos(MITRANY,1943).

Diantedeumcontextodeinterdependênciaentreinstituiçõespúblicaseprivadas,quaisseriamasfunçõesessenciaisnapolíticainternacional?Segundoo funcionalismo, elas deveriam ser relacionadas à satisfação das necessidadeshumanas. Em termos objetivos, é possível citar a importância de agênciastransnacionaisdetransporterodoviário,ferroviário,marítimo,alémdeserviçosrelacionadosàagricultura,alimentaçãoecomunicações.

Aproposta funcionalista seria,então,queserviços relacionadosaessestemas fossem conduzidos por agências transnacionais e apenas guiadas ereguladaspeloEstado.SegundoMitrany(1943),oEstadonãoseriaoagentemaisplausíveldemudançasocial,tampoucoamelhorformapolíticaparaaprovisãodeserviçosenecessidadesessenciaisàhumanidade.

Asaçõesrealizadaspelasinstituiçõestransnacionaisdefendidasporessavisãodeveriamter,aomenos,doisefeitosprincipais:

• Umaperformanceeficientedetarefasrealizadasporinstituiçõestransnacionaisresultaria em um processo de transferência de lealdade da população, quepassariaaconfiarmaisnessesatoresquenopróprioEstado.

• Osconflitosinternacionaisseriamreduzidos.

Apartirdomomentoemqueessasinstituiçõespassassemaexistir,seusresultadospositivospoderiamlevarasuamanutençãoeàproliferaçãodeoutrasinstituiçõesdamesmanatureza.

Oapoio funcionalistaàs instituições transnacionais levouàs críticasdeMitrany aomodelo europeu de integração regional, que apenas reproduziriafunçõestradicionalmenteestataisemnívelsupranacional,oqueseriainsustentávelnolongoprazo.

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

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Asúnicas instituiçõesregionaiseuropeiasexaltadaspelofuncionalismoforam a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e a Euratom,consideradas soluções adequadas às necessidades das diferentes sociedadeseuropeiaserepresentavamumalógicafuncionalista,nãoterritorial.

FIGURA 2 – A FUNDAÇÃO DA CECA, EM 1957

FONTE: <http://www.caef.org.uk/images/d115routeparis2.jpg>. Acesso em: 31 jul. 2020.

A COMUNIDADE EUROPEIA DO CARVÃO E DO AÇO (CECA)

Criada em 1957, a CECA foi uma das bases institucionais da União Europeia. Teve como objetivo construir uma estrutura de governança conjunta de recursos naturais entre Alemanha Ocidental, Itália, França, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo. A ideia era evitar possíveis conflitos futuros pelo domínio desses recursos e estabelecer o livre comércio sem taxas de exportação de importação de aço e carvão.

NOTA

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A COMUNIDADE EUROPEIA DE ENERGIA ATÔMICA (EURATOM)

Após a criação da CECA, seus países-membros identificaram a necessidade de extensão da cooperação entre os países a outras fontes energéticas, como a nuclear. O tratado Euratom, assinado também em 1957, deu origem a uma estrutura de cooperação contínua de desenvolvimento de pesquisas e promoção de investimentos no setor nuclear.

NOTA

ONeofuncionalismo, por sua vez, tem como obra seminal o livroThe Uniting of Europe: Political, Social and Economic Forces, publicado em 1958 porErnestHaas.A partir das contribuições deMitrany,Hass teve como objetivocentralexplicaraimportânciadaCECAedaComunidadeEconômicaEuropeia(CEE),comopartesdeumanovaorganizaçãonocontinenteeuropeu.

A COMUNIDADE ECONÔMICA EUROPEIA (CEE)

A CEE foi criada em 1958, a partir da assinatura do Tratado de Roma (1957), com o objetivo de estabelecer uma estrutura institucional para o processo de integração econômica e política crescente na Europa. Foi uma das bases para a União Europeia, criada efetivamente em 1993 pelo Tratado de Maastricht.

O TRATADO DE ROMA (1957)

FONTE: <https://bit.ly/2HbMAAO>. Acesso em: 31 jul. 2020.

NOTA

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

107

Haas procurou entender como, e por que, a integração regional, umaveziniciada,continuaaevoluireseaprofundar,ganhando“vidaprópria”.Parao autor, anova cooperaçãonaEuropa exigiaumafastamentodas abordagensrealistas que dominavam as Relações Internacionais à época (HASS, 1958).A ênfase do neofuncionalismo é na cooperação supranacional, no papel daselitesnacriaçãodeumconsensointernacionale,finalmente,umentendimentoprogressivodoprocessodecooperaçãocomoalgoqueseespalhadeumaáreaparaaoutra.

Éimportanteressaltartrêsideiascentraisparaoneofuncionalismo:

• Aselites tendemaapoiaroprojetode integração e expressamesse apoio apartirdatransferênciadepartedesuasatividadesparaonívelsupranacional.

• Instituiçõessupranacionaissãoatoresimportantesdasrelaçõesinternacionais.• Aintegraçãoemumaáreatematendênciadese“espalhar”paraoutrasáreasrelacionadas,resultadoemumaespéciede“boladeneve”deintegraçãoentrecamposedomíniospolíticos(oautordenominaesseprocesso“spillover”).

As duas primeiras ideias: socialização das elites e a importância deinstituiçõessupranacionais,baseiam-senopressupostodequeEstadosnãosãoosprincipais(ouúnicos)atoresrelevantesnoprocessodeintegração.Osprópriosatoreseinstituiçõessupranacionais,alémdegruposdeinteresse,desempenhampapeisimportantes.

Quantoàterceira,relacionadaànoçãode spillover,refere-seaumfenômenoapartirdoqualaintegraçãoemumaáreaespecíficaseespalhaparaoutrasáreasrelacionadas.Haasnotouque,àmedidaemqueaintegraçãoregionalprogredia,porvezeselaseespalhavaeseexpandia.NessesentidoseriapossívelentenderacriaçãodaCEEcomoum spilloverdaCECA,namedidaemqueacomunidadede 1952 teria criado as estruturas suficientes para que as elites confiassemnanovaentidadesupranacionaleestendessemadelegaçãodefunçõesàumanovacomunidade,criadaem1958.

4 A SOCIEDADE CIVIL GLOBAL NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Ocontextopós-GuerraFria, conformevistoanteriormente, foipropícioparaareemergênciadoliberalismoenquantoteoriarelevanteparaaexplicaçãodapolíticainternacional.AcriaçãodasNaçõesUnidas,em1945,eaproliferaçãode arranjos institucionais cooperativos foram evidências de que era possívelsolucionarconflitosepromoverordemsemqueousodaforçafossenecessário.Issocorroborouparaanoçãoliberaldeumasolidariedadelatente.

É importante ressaltar que o institucionalismo neoliberal só ganhourelevâncianocampoporquenãorepeteoidealismowilsonianodoiníciodoséculoXX–aocontrário,reafirmaacondiçãoanárquicadosistemainterna-

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

cionalàsemelhançadosrealistas,masafirmaqueépossívelqueosEstados,demaneira racional e combase em seus interesses, escolhama cooperaçãoenquantomeioparaatingirseusobjetivos.Dessemodo,ateoriamantémospressupostosgeraisdoliberalismo,masnãopossuia“ingenuidade”empíricapresenteemseusantecessores.

Arelevânciadoinstitucionalismoneoliberaléintrinsecamenterelacionadaao fenômeno da globalização. O grande fluxo de mercadorias, informação epessoas,somadoaoavançodatecnologia(principalmenteapartirdemeadosdoséculoXX),incentivouacriaçãodenormas,regraseinstituiçõesentreEstados,empresaseatorestransnacionais,voltadosàregulaçãodessesfluxosediminuiçãodasassimetrias.Ainterdependênciacomplexa,enquantoumprocessohistórico,tambémé intimamente ligadaàglobalização.Seosatores internacionaisestãocada vez mais conectados e mutuamente dependentes, isso ocorre porque oprocessodeglobalizaçãoseexpandiurapidamenteedemodoinevitável.

Dessemodo,oEstadonãoéoúnicoatorrelevante,dividindoespaçoemdiversasagendascomOrganizaçõesInternacionais,empresaseasociedadecivilcomoumtodo.Diferentesperspectivasteóricaspodemserusadasparainterpretarasociedadecivilglobal.Osliberaispodementendê-lacomooatorqueforneceumacontribuiçãoimportanteparaaeficáciaelegitimidadedosistemainternacionaldemodomaisamplo.Emessência,asociedadecivilseriaademocraciaemação,umavezqueopoderestariasobaresponsabilidadedapopulação.

O ativismo de grupos da sociedade civil no contexto da globalizaçãofoi facilitado por várias condições específicas. Primeiro, várias organizaçõesinternacionaisapoiaramainclusãodeatoresdasociedadecivilnastomadasdedecisãointernacional.Porexemplo,aCúpuladaTerradaONU,em1992,noRiodeJaneiro,forneceuummeioparagruposanteriormenteexcluídosdoprocessodecisórioedispersosseencontraremecriaremplataformaseredescomuns.

A CÚPULA DA TERRA EM 1992

Em 1992 ocorreu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD, também conhecida como Rio 92 ou Eco 92). A conferência discutiu a adoção de convenções específicas para a gestão ambiental e abriu espaço, em arena paralela, para a participação de ONGs e da sociedade civil de modo mais amplo. Estima-se que a conferência tenha contado com a participação de mais de 1400 organizações da sociedade civil e 30.000 participantes, sendo até hoje uma das maiores conferências da ONU.

NOTA

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

109

A CÚPULA DA TERRA EM 1992

FONTE: <http://jacses.org/image/rio92photo1.jpg>. Acesso em: 31 jul. 2020.

A União Europeia também tem seguido uma abordagem semelhante,integrandodiferentestiposdeorganizaçõesdasociedadecivilemseusmecanismosde governança. Esse processo ocorreu por vários fatores,mas principalmenteporque as prioridades doEstadopara a alocação de recursosmudaram entreas décadas de 1980 devido à tendência de privatização de indústrias. Nessesentido era comum ver empresas estatais sendo vendidas e privatizadas. Poressemotivo,emváriospaísesocidentaisopapelgeraldoEstadoemassuntospúblicosfoireduzido.AsorganizaçõesdasociedadecivilconseguiramassumirmuitasfunçõesqueanteriormenteeramdoEstadoeassumirnovospapeiscomoprestadoresdeserviços.

Outro fator importante nesse contexto é o papel da internet.Atravésdos canais que a internet estabelece, grupos de diferentes partes domundopuderam se familiarizar com outras realidades políticas e organizações comideiassemelhantes.

Oprópriosistema internacional,demodogeral,ofereceuumambientepropício ao desenvolvimento desses tipos de atividades. Ao formar redestransnacionais,asorganizaçõesdasociedadecivilusaramsuainfluênciaemnívelinternacionalparaobterresultadosnotáveis.Nãoháumconceitoúnico,masumaredetransnacionalpodeseramplamentedefinidacomoumacoordenaçãoentrediferentesorganizaçõesdasociedadecivil,localizadasemváriospaíses,focadascoletivamenteemquestõesglobais,emváriasáreastemáticas.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Nasúltimasdécadas,asatividadesdasociedadecivilforamresponsáveisporváriascontribuiçõesimportantes.Emboraissoaindaestejalongedeserumpassodefinitivoedecisivoemdireçãoaumamaiordemocratizaçãodapolíticamundial,essascontribuiçõesnãopodemserignoradas.Pelomenosdoistiposdeimpactopodemseridentificados:emumprimeiromomentoasorganizaçõesdasociedadecivilconseguiraminfluenciarostomadoresdedecisãopolíticos,dandovozapovos emovimentosmarginalizados e estruturandonovas temáticasnaagendaglobal(Ex.:movimentosLGBTQI,gêneroetc.).Aomesmotempo,essasorganizaçõesconseguirampressionarasinstituiçõesdegovernançaglobalparaquehojeonívelgeraldetransparênciasejamaisaltoquenopassado.

Aindaqueo aumentodesse tipodeorganização seja significativo, nãoépossívelignorarofatodequeessemovimentofoidesigual.Grandepartedoativismotransnacionalsurgiunoocidente.Outraspartesdomundoaindaestãosocialmentedesconectadas–Rússia,China,grandepartedaÁfricaedomundoárabeconstituem“ilhas”quepermanecemrelativamenteisoladasdocrescimentogeraldasociedadeciviltransnacional.Assimcomoasorganizaçõesdasociedadecivil estãodesigualmenteconcentradasnonorteglobal,os resultadospolíticostambémapresentamumrelativodesequilíbriogeopolítico.OsganhosalcançadospeloativismopolíticoestãoemgrandeparteassociadosaagendasdeEstadosdonorteglobal,beneficiandoapopulaçãodessaregião.É improvável,entretanto,que isso permaneça, pois há uma emergência notável demovimentos no sulglobal e a influência do poder ocidental temdiminuído gradativamente. Esseprocesso exige dos analistas a observação de mudanças na interdependênciaentreosEstados,historicamentedefinidapelomundodesenvolvido.

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

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LEITURA COMPLEMENTAR

AS TEORIAS PRINCIPAIS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA AVALIAÇÃO DO PROGRESSO DA DISCIPLINA

PedroEmanuelMendes

O institucionalismo, também designado por institucionalismo liberalou neoliberalismo, embora tenha desenvolvido o seu percurso teórico emconcorrênciacomorealismo,partilhaváriasdaspreposiçõesteóricasracionalistasdo realismo26. Todavia, as conclusões a que os institucionalistas chegam sãosubstancialmentediferentes. Para estes, apesarda existênciada anarquia edacompetiçãoegoístaentreatores,acooperaçãoépossível.

Partindodateoriamicroeconómicaedateoriadosjogos,osinstitucionalistassublinham que a cooperação entre atores pode ser um comportamentoracionaleamelhorestratégiaparaadefesadosinteressesdosestados.Paraosinstitucionalistas,deacordocomdeterminadascircunstâncias,ocomportamentocooperativodeatorescominteressesprópriospodeseromaisnaturaleracionalcomportamento,precisamenteparamaximizaremosseusinteresses.

Osinstitucionalistasargumentamqueatravésdasinstituições–definidascomo um conjunto de regras, normas, práticas e procedimentos decisóriosque influenciame formatamasexpetativasdosatores –épossívelultrapassara incerteza e os obstáculos decorrentes da anarquia que, normalmente,impossibilitam a cooperação. Aqui, reside outra diferença importante entrerealistaseinstitucionalistas.Enquantoosprimeirosnãoconsideramasinstituiçõesatoresessenciais,ossegundosolhamparaasinstituiçõescomoatoresdecisivoseacreditamqueainstitucionalizaçãocrescentedasrelaçõesinternacionaiséumfenómenodeterminanteparaasuacompreensão.

Oinstitucionalismofoca-senaexplicaçãodasrazõesdacooperaçãoentreestados,bemcomonasrazõesquelevamasinstituiçõesaconseguiremdesenvolvercapacidadesprópriaseaforçaremosestadosaagirememdeterminadasdireções.Isto leva-nos à consequente questão: mas, então, como é que as instituiçõespromovemacooperação?

Sintetizandoas respostasdeumgrandenúmerodeestudosempíricos,podemosdizerqueexistemtrêsargumentosfundamentais.Emprimeirolugar,porque as instituições estendem o horizonte temporal das interações entre osatores,criandoumjogoreiteradodemovimentos,jogadaseencontros,aoinvésdeumarodadadejogadasúnica.Devidoàexistênciadeumquadroinstitucionaldenegociaçãorelativamentepermanente,osatoressabemquemesmoquenumdeterminadoencontrotenhamperdasrelativas,podemsempreteraexpetativade

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

quenopróximoencontroconseguirãorecuperareobtermelhoresresultados.Poroutrolado,enquantonumquadronegocialúnicoatendênciaémaximizaroslucroseminimizarasperdas,mesmoqueparatalsetentetirarvantagensdasfraquezasmomentâneas do ator concorrente, num quadro de negociação institucionalpermanenteosestadostêmconsciênciaqueterãodeinteragirenegociardeformareiteradacomosseusconcorrentes.Istoincentiva-osacumpriremcomassuasobrigações contratuaisde curtoprazoparaquepossamcontinuar abeneficiardoslucrosdacooperaçãoamédioelongoprazo.Alógicainstitucionalpromoveautilidadeeaeficáciadorelacionamentocooperativodosatores.Osestadossãoincentivadosatrabalhardentrodasinstituiçõesparaconseguiremobterumaboareputação no cumprimento das suas obrigações contratuais, o que, por outrolado,tambémtornaashipotéticassançõesmaiscredíveis.

Em segundo lugar, os institucionalistas sublinham que as instituiçõesaumentamconsideravelmenteoconjuntodeinformaçõessobreoscomportamentosdos estados. Se nos recordarmosque a incerteza comportamental dos estadosé uma das mais significativas razões para que os realistas duvidem que acooperaçãopossasersustentávelnotempo,então,érazoáveldarrazãoàideiainstitucionalistaquedefendequeas instituições sãoosmelhores instrumentospossíveispara aobtençãode informação sobreo comportamentodos estados.Cumulativamente, as instituições desenvolvem regras e práticas normativasquepermitembonsindicadoresdeavaliaçãorelativamenteaocumprimentoouincumprimentodasnormasinstitucionaisporpartedosestados.

Em terceiro lugar, os institucionalistas constatam que as instituiçõescontribuemparaumaumentosignificativodaeficiêncianasrelaçõesentreatores.Aocontráriodoscustossignificativosdeumanegociação ad hoc entreestados,asinstituiçõesreduzemocustodastransaçõesenegociaçõesaoprovidenciaremumfórumcentralizadodecoordenaçãoondeosestadossepodemencontrarenegociar.Asinstituiçõesprovidenciam focal points –normaseregrasinstituídas– que permitem aos estados de uma forma rápida enquadrar e resolver umdeterminadoproblemaoupolítica.

Em síntese, o institucionalismo identificou compreensivamente odesenvolvimento progressivo da institucionalização internacional desde oPós-Guerra até à atualidade. Desenvolveu estudos inovadores e cumulativossobre o papel das organizações internacionais, com especial destaque paraa integração regional. Posteriormente, introduziu a importante teoria sobreos regimes internacionais para,finalmente,secentrarnacooperaçãoenopapelqueasinstituiçõespodemtercomosoluçãoparaosdilemasrelativosaosinteressespróprioseegoístasdosestadosapontadospelosrealistas.

ComorefereArthurStein,paraosinstitucionalistasasoluçãoinstitucionalé semelhante aos argumentos dos teóricos do contrato social para a criaçãodoEstado.Damesma forma que o surgimento doEstado foi, historicamente,a solução institucionalencontradaparaoproblemadaautonomiano estado de

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

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natureza –eosindivíduoscederampartedasualiberdadeparaatingirobjetivoscomunsdeordeme segurança,quedeoutra formanãoseriampossíveis–, asorganizaçõesinternacionaissãoa solução institucional paraoegoísmoanárquicodasrelaçõesinternacionais.

O LIBERALISMO

Oliberalismotemorigemnateoriapolíticaidealista-liberaleesteveligadoa várias ilhas teóricas das RI que em determinados momentos se afirmaramcontraateoriadominantedorealismo,acomeçarpeloidealismointernacionalistaliberaldeentreguerras.Mesmoo institucionalismoéusualmenteconsideradocomo fazendopartedo liberalismo.Naverdade,o institucionalismo teveumaimportante fase neoliberal antes de se declarar especificamente como teoriainstitucionalista.Istosignificaqueoliberalismosempretevedoispilaresbásicos,ummaisnormativo,outromaisempírico.Oprimeirodizrespeitoàteoriapolíticailuministaderaizkantianaeaumavisãodomundoprogressistaeotimistadanatureza humana. O segundo diz respeito à sua ligação e influência a váriasteoriasparciaisque,tantonaanálisedapolíticaexterna(APE),comonapolíticacomparada,comonosestudossobreaintegraçãofuncionaldosestadosesobreascomunidadesdesegurança,sempretiveramumenfoqueexplicativocríticoealternativoaorealismo.

Aprincipalpreposiçãoteóricadoliberalismo,quepercorretodasassuasvariantes,équeascaracterísticasnacionaisdosestadosimportamesãodecisivaspara explicar os motivos e razões dos fenómenos internacionais. Esta ênfaseexplicativa nas características domésticas dos estados contrasta com as visõesrealista e institucionalista que, basicamente, defendem que todos os estados,independentemente das suas características nacionais particulares, têm, na suaessência,osmesmosobjetivosecomportamentosnasrelaçõesinternacionais.Ouseja,todososatoressãojogadorescominteressesnacionaisdebuscadasobrevivênciaedeacumulaçãodepodereriqueza,numalógicauniversalde billiard-ball model.

Claroqueavisãoliberalsobreaimportânciadascaracterísticasinternas– ideacionais, societárias e institucionais – não significa que os defensores doliberalismopuraesimplesmenterejeitemqueosestadosbuscamasobrevivência,o poder e a riqueza. O que o liberalismo enfatiza é que a cultura política einstitucionalinternadosestadosinfluenciadecisivamenteassuaspreferênciaseinteresses.Nestequadro,oliberalismoespecializou-seemanalisarasvariantese invariantes do comportamento dos estados relativamente ao tipo de regimeadotado,nomeadamenteaoestudodaspreferênciasedocomportamentodeumtipoparticulardeEstado:oEstadodemoliberal.

Umdosmaisimportantesdesenvolvimentosteóricosdoliberalismodizrespeitoaofenómenodesignadoporpazdemocrática.OriginalmenteinspiradanapazperpétuadeKant,apazdemocráticasignificaaausênciadeguerraentreestados democráticos, no sentido demoliberal consolidado. Vários estudosquantitativosequalitativosdescreveramestefenómeno.

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UNIDADE 2 — O LIBERALISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ApósofimdaGuerraFria,comacriserelativadosparadigmasteóricosdominantes (neorrealismo, neoliberalismo institucional), o liberalismo saiureforçadoehouveumesforçoderefundarateoria.Oprincipalautordatentativade redesenhar uma grande teoria liberal nas RI foi AndrewMoravcsik. EsteprofessordePrinceton,ex-alunodeKheone,assume,sinteticamente,queostrêsprincipaispressupostosteóricosdateorialiberaldasrisãoosseguintes:

1. A primazia dos atores societários. Os atores fundamentais nas relaçõesinternacionaissãoosindivíduoseosgruposprivadosquevivemedecidemembebidosemsociedadesnacionaisequesemovemtransnacionalmente.

2. As preferências e a representação dos estados.Osestados–eoutrasinstituiçõespolíticas–representamdeterminadossegmentosdassociedadesdomésticasàvoltadosquaisseformaminteresses.Écombasenestesinteressesqueosdecisoresefuncionáriosgovernamentaisvãodefiniraspreferênciaseopçõesdaspolíticaspúblicasdosestados.

3. O sistema internacional é caracterizado pela interdependência. É fundamentalperceberainfluênciadosconstrangimentoseconfiguraçõesdosprocessosdeinterdependênciainternacionalnaformataçãodaspreferênciasnacionaisenadeterminaçãodocomportamentodosestadosedeoutrosatoresnãoestataisnasrelaçõesinternacionais.

Numatentativadeintegrarasváriastradiçõesecorrentesdoliberalismo,MoravcsikdefendequeexistemtrêsvariantesdateorialiberalemRI:

• oliberalismoideacional,queestudaopapeldasideias,dasidentidadesedalegitimidadenasordenssociais;

• o liberalismo comercial, que estuda o papel dos bens e das transaçõeseconómicastransnacionais;

• o liberalismo republicano, que estuda a representação e a definição daspolíticaspúblicas,nomeadamenteotipoenaturezadarepresentaçãopolíticadosestadoseasuarelaçãocomadefiniçãodaspreferênciaseinteressesquecapturamoudominamaspolíticaspúblicas.

Importa,finalmente,referenciarqueoliberalismotambéméumateoriasistémicaquesepreocupaemexplicarosfatoresestruturaisdaordeminternacional.Neste quadro, Ikenberry tem produzido interessantes interpretações sobre aordeminternacionalpós-GuerraFria,designadamentesobreopapeldosEstadosUnidosnaconstruçãodeumaordeminternacionalliberal.Maisumavez,évisíveladialéticaentreteoriaehistórianaobradeIkenberry.Ainfluênciadocontextohistóricopós-bipolareanaturezada liderançadosEstadosUnidossãoóbviasnosargumentosde Ikenberry.Asuaanálisepodeser lidacomoumarespostaaos perigos da erosão da ordem liberal provocados pela política externa daPresidênciaGeorgeW.Bush,bemcomo,emboraporrazõesdiferentes,tambémsepossaaplicaràatualPresidênciaTrump.

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TÓPICO 3 — OUTRAS FACES DO LIBERALISMO

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O seu argumento principal é que o multilateralismo e as normasinternacionaissãoessenciaiseasúnicasviasparaosEstadosUnidosdefenderemos seus interesses. No longo prazo, o interesse nacional norte-americano ésinónimode uma ordem internacional liberal e pacífica. Independentementedo tipodepotencialhegemónicoqueosEstadosUnidosdetenham,unipolaroumultipolar,asuamaiorpreocupaçãodeveseradeconsolidarumaordemliberaleinstitucionalista,istoé,normativamenteinternacionalistaemultilateral.Mesmo na possibilidade de os Estados Unidos perderem o monopólio dahegemonia,seráestaordemnormativa–liberal,internacionalistaemultilateral– quemelhor protegerá os seus interesses contra regras unilaterais que nãotenham em conta princípios normativos liberais, mas apenas interesses depodereconómicooudemográfico.

FONTE: <https://bit.ly/35wGzqz>. Acesso em: 24 ago. 2020.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

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CHAMADA

• A interdependência e o processo de globalização no pós-Segunda GuerraMundialtrouxerammudançassignificativasparaoentendimentodapolíticainternacionalnocampodasRelaçõesInternacionais.

• O pensamento liberal evoluiu, integrando visões como o LiberalismoSociológico,oFuncionalismoeNeofuncionalismo,entreoutras.

• O Liberalismo Sociológico acredita em uma ordem internacional“multicêntrica”, na qual o papel do Estado seria menor, dando espaço àemergência de organizações não governamentais, instituições e empresascomoatoresrelevantesdasrelaçõesinternacionais.

• OFuncionalismoacreditaqueasdemandaspúblicasporbem-estarereformassociaispassaramaserarticuladasemumalinguagempolíticacomumaênfasemaior em“serviços”doque em“direitos”, deslocando adiscussãodeumaesferamaisjurídicaparaaesferaadministrativa,naqualasempresasprivadaspoderiampassaradesempenharumpapelsignificativo.

• ONeofuncionalismotemcomofococentraloestudodaintegraçãoeuropeiaedoaumentodaimportânciadeinstituiçõessupranacionaisnapolítica.

• Neste contexto de maior interdependência e avanço tecnológico, o Estadocomo protagonista dá lugar a umamultiplicidade de atores relevantes e oliberalismo no campo das Relações Internacionais expande o escopo dasanálises,englobandotambémasociedadecivilcomoatorrelevante.

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1 Seriam razões da importância crescente de indivíduos e organizaçõestransnacionaisnapolíticainternacional,segundooliberalismosociológico,exceto:

a) () OfortalecimentodoEstadoedopodergovernamental.b) () Aemergênciadeumanovamídia,ousodecomputadoresenovas

tecnologias de informação, o crescimento e ampliação de viagensinternacionais, aumento damigração e a expansão de instituiçõesde educação, que contribuíram para o aumento das capacidadesanalíticasdosindivíduos.

c) () Aemergênciadeassuntosglobaisinterdependentes(AIDS,terrorismo,poluiçãoambiental),quetornariaosindivíduosmaisativosecríticos.

d)() Revoluçãodas tecnologiasde informação,que tornarampossíveloacompanhamentodeeventosemnívelinternacional.

e) () A transformação de líderes em “seguidores”, uma vez que osindivíduosestãocadavezmais informadosesuasdemandasestãomaiscomplexas.

2 Assinale a alternativa correta acerca do funcionalismo nas RelaçõesInternacionais:

a) () Aseconomiasnacionaisnopós-SegundaGuerraMundialpassaramadependercadavezmaisdasrelaçõesinternacionais,reforçandoacapacidadedoEstadoderegulardeformaautônomasuasfinançaseproverestabilidadeeconômicadoméstica.

b) () No pós-guerra, uma nova ordem internacional só seria eficaz sefossemconstruídasinstituiçõestransnacionaisquerespondessemàsváriasnecessidadessocioeconômicas,emcoordenaçãocomomundodosnegócioscoorporativos.

c) () OfuncionalismodeMitranydefendeumsistemaquedissolvesseasso-beraniasnacionaisapartirdemeioslegaiseconstitucionais,epromo-vesseumainteraçãomaispróximaentreasesferaspúblicaeprivada.

d)() Segundoofuncionalismo,seriaimprovávelosucessodeumaestruturapolíticaindependentedeumaltograudecompartilhamentodevaloresenormas,incertoemumsistemainternacionaldeEstadosdistintos.

e) () Asúnicasinstituiçõesregionaiseuropeiasexaltadaspelofuncionalis-moforamaUniãoEuropeiaeaOrganizaçãodasNaçõesUnidas,consi-deradassoluçõesadequadasàsnecessidadesdasdiferentessociedadeseuropeiaserepresentavamumalógicafuncionalista,nãoterritorial.

AUTOATIVIDADE

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3 Assinale a alternativa correta sobre os conceitos de Globalização eTransnacionalismo:

a) () Transnacionalismodiz respeitoaumprocessoocorridoapartirdoaumento dos fluxos de transporte, pessoas, bens e comunicação,enquantoGlobalizaçãoéatitudinal,envolveinteraçõeshumanasqueconectamindivíduosatravésdenaçõesefronteirasnacionais.

b) () Sobre a Globalização, é possível citar como aspectos positivos,entreoutros: (I)maiordemocratização;(II)diminuiçãodosensodediferençae(III)ProcessogradualdecolonizaçãoVirtual.

c) () A ideia de democracia transnacional, característica de uma ordemmundialmulticêntrica,temcomoconsequênciaumalargamentodefronteiraspolíticasqueimplicamudançasnascondiçõeserestriçõesdarealizaçãodademocraciacontemporânea.

d)() O transnacionalismo precede a globalização na medida em querepresentaumfenômenoprimáriodeconexãodeindivíduosatravésdenaçõesefronteiras.

e) () Opensamentotransnacionalnafilosofiafoiiniciado,eestimulado,peloadventodaglobalização,quepermitiuocrescimentoeadifusãodeideiasplurais.

4 Quaissãoassemelhançasentreofuncionalismoeoneofuncionalismo?Easdiferenças?

5 Quais as principais contribuições do liberalismo sociológico para acompreensãodapolíticainternacional?

6 Dissertesobreopapeldasociedadecivilglobalnocontextodaglobalização.

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UNIDADE 3 —

O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender as desigualdades materiais nas relações internacionais e de sua importância para o desenvolvimento do campo;

• conhecer as mudanças profundas na política internacional no início do século XX;

• saber como o pensamento marxista contribui para a compreensão do sistema mundial a partir de conceitos como hegemonia, comunidade política, emancipação e indústria cultural entender os conceitos centrais e a validade da visão dos autores da corrente marxista;

• aprender os pressupostos gerais do pensamento marxista nas Relações Internacionais e aplicar seus conceitos na análise da política e economia mundiais;

• debater a condição de subdesenvolvimento na região e as possibilidades de inserção de países historicamente dependentes.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS

TÓPICO 2 – A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

TÓPICO 3 – O MARXISMO NOS TRÓPICOS

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Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

CHAMADA

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UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A corrente marxista das Relações Internacionais, à semelhança das demais contribuições teóricas do campo, não é homogênea. As contribuições de Karl Marx (1818 – 1883) para a análise do sistema capitalista antecedem a criação formal do campo e, por vezes, são abordadas de modo marginal e secundário como válidas para o entendimento da política internacional. Neste tópico, nós abordaremos uma série de conceitos dessa corrente, a partir do entendimento de sua validade na compreensão das desigualdades materiais nas relações internacionais e de sua importância para o desenvolvimento do campo.

Não há um momento inicial a partir do qual o pensamento marxista se ocupa da análise do internacional. É possível afirmar, entretanto, que a contribuição de autores, como Vladimir Lenin (1870 – 1924) e John Hobson (1858 – 1940) sobre o fim do século XIX e as transformações do capitalismo, marca o início do entendimento mais sistemático da relação entre as nações a partir dos interesses das elites e dos fluxos transnacionais.

As mudanças profundas na política internacional no início do século XX, com a emergência de regimes totalitários nazifascistas, e a existência de regimes políticos baseados nos preceitos teóricos de Marx, como a União Soviética (a partir de 1917) e a China (a partir de 1949), levaram à emergência da denominada Escola de Frankfurt. Pensadores europeus, em sua maioria associados ao Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, na Alemanha, desenvolveram uma série de abordagens críticas ao positivismo e saíram em defesa de uma maior complementariedade entre teoria e prática. Nesse contexto, destacam-se teóricos como Max Horkheimer (1895 – 1973), Theodor Adorno (1903 – 1969) e, mais recentemente, Juergen Habermas (1929).

A expansão do capitalismo pelo mundo, as transformações políticas, econômicas e sociais após a Segunda Guerra Mundial e a crescente estratificação entre países industrializados e países subdesenvolvidos contribuíram para a emergência de um pensamento crítico marxista nos trópicos. Nos anos 1960, surgiu a Teoria da Dependência, a partir da demanda por uma interpretação do mundo periférico a partir desse mesmo mundo.

TÓPICO 1 —

A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Autores como Theotonio dos Santos (1939 – 2018), Ruy Mauro Marini (1932 – 1997), Vânia Bambirra (1940 – 2015), Fernando Henrique Cardoso (1931), entre outros desenvolveram uma interpretação crítica do sistema capitalista e se ocuparam principalmente da análise da dependência dos países do Sul global com relação ao norte industrializado e desenvolvido.

A análise das trocas econômicas e da relação entre capital e trabalho também foi foco da análise da denominada Teoria do Sistema Mundial (ou Sistema-Mundo), desenvolvida por pensadores como Immanuel Wallerstein (1930 – 2019) e Giovanni Arrighi (1937 – 2009). Essa perspectiva, à semelhança da Teoria da Dependência, centrou suas contribuições no entendimento da estrutura do sistema capitalista internacional, marcado pela divisão entre países do centro (desenvolvidos tecnologicamente, nos quais se fabricam produtos industrializados), periferia (subdesenvolvidos, que fornecem matéria-prima, mão de obra e exportam produtos agrícolas) e semiperiferia (países de desenvolvimento intermediário).

Como parte das contribuições recentes para o pensamento marxista sobre o sistema internacional ainda é possível citar as obras de autores como Robert Cox (1926 – 2018), Stephen Gill (1950) e Kees Van Der Pijl (1947), baseadas largamente nas contribuições de Antonio Gramsci (1891 – 1937), e voltadas ao entendimento do poder e do papel da hegemonia na ordem mundial neoliberal.

A intenção não é abordar em detalhes as contribuições de cada um dos autores da corrente marxista, mas entender seus conceitos centrais e a validade dessa visão para a compreensão do sistema capitalista mundial e para o campo das Relações Internacionais de modo geral. O primeiro tópico é dedicado à apresentação dos pressupostos gerais do Marxismo, apreendendo as principais contribuições de Marx para a análise do internacional. Serão abordadas, também, as contribuições de Vladimir Lenin, conhecidas como Teoria Imperialista. A ideia é apresentar os conceitos de monopólio, imperialismo e estratificação, centrais no pensamento do autor.

O segundo tópico aborda a evolução do marxismo no Leste Europeu, a partir das contribuições da teoria crítica da Escola de Frankfurt. A reflexão acerca das divisões do sistema mundial a partir da Teoria de Sistemas-Mundo também será central nessa seção.

O terceiro e último, tópico da terceira unidade será dedicado à discussão do marxismo nos trópicos e à análise da dependência e do subdesenvolvimento no sistema mundial. Espera-se que, ao fim da unidade, você, acadêmico, seja capaz de aprender os pressupostos gerais do pensamento marxista nas Relações Internacionais e aplicar seus conceitos na análise da política e economia mundiais.

ESTUDOS FUTUROS

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TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS

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2 PRESSUPOSTOS GERAIS DO MARXISMO

Enquanto as perspectivas realista e liberal consideram centrais os conceitos de equilíbrio de poder e interdependência, respectivamente, a perspectiva marxista enfatiza a estratificação do sistema internacional: a divisão entre países desenvolvidos e industrializados e países subdesenvolvidos e periféricos.

Em linhas gerais, o Estado seria o agente executor dos interesses da burguesia e das elites, e as ações dos indivíduos seriam determinadas pela classe econômica a qual fazem parte. Nesse sentido, a teoria marxista romperia com a centralidade do Estado como protagonista das relações internacionais, elemento importante das teorias do primeiro debate (anteriormente discutido nas Unidades I e II), e introduziria o conceito de classe como unidade de análise.

Vigevani et al. (2011) afirmam que não é possível identificar em Marx uma teoria específica sobre o sistema internacional. Essa afirmação faz coro a Cox (1986, p. 248): “se há qualquer diálogo entre as contribuições norte-americanas das relações internacionais e o pensamento marxista, é um diálogo de surdos”. Ainda assim é possível identificar na trajetória de Marx uma série de análises acerca do internacional, mesmo que incompletas e pouco desenvolvidas.

Hobden e Jones (2014) afirmam que o autor escreveu copiosamente sobre questões internacionais, mas boa parte de suas contribuições a esse respeito tiveram um caráter majoritariamente jornalístico. Seu mapeamento teórico dos contornos do capitalismo não teria incorporado de modo profundo a dimensão internacional, esforço empreendido pelos sucessores, notadamente Vladimir Lenin, no início do século XX.

As contribuições de Marx acerca do internacional passaram por uma série de releituras e reinterpretações ao longo da história, levando à emergência de várias escolas de pensamento baseadas em suas concepções. Conforme afirmado anteriormente, não há um único marxismo, assim como não há uma única interpretação realista ou liberal. Cabe aqui, então, uma breve discussão sobre as semelhanças entre as diferentes interpretações do pensamento marxista.

É possível identificar, dentre vários citados pela literatura da área, quatro elementos comuns às abordagens marxistas:

• a necessidade de análise do mundo social em sua totalidade; • a concepção materialista da história; • a relação entre base e superestrutura; e • a importância do conceito de classe.

Com relação ao primeiro elemento, Marx acreditava que a divisão da compreensão do mundo social em várias áreas do conhecimento (História, Filosofia, Economia, Ciência Política, Sociologia, Relações Internacionais etc.) seria arbitrária e pouco útil.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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A análise das diferentes sociedades deveria ser realizada a partir do estudo do todo, o que exigiria grande esforço dos autores e pensadores em diferentes campos.

Em relação à concepção materialista da história, um dos elementos centrais da obra de Marx é a noção de que os processos históricos de mudança seriam largamente reflexos do desenvolvimento econômico das sociedades, conceituado pelo autor como o “motor da história”. Nesse sentido, uma dinâmica central na análise marxista seria a tensão entre os meios de produção e as relações de produção que, juntos, formariam a base econômica das sociedades.

À medida em que os meios de produção se desenvolvem (a partir de avanços tecnológicos, por exemplo) as relações prévias de produção se tornam ultrapassadas. Isso leva a uma série de processos de mudança social, nos quais as relações de produção são transformadas com o objetivo de se adaptar aos novos meios de produção. Nesse sentido, Marx afirma em Contribuição à crítica da Economia Política, de 1859, que desenvolvimentos na base econômica agiriam como catalisadores de uma transformação na estrutura da sociedade como um todo: “O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual” (MARX, 2008, p. 47).

O CONCEITO DE MEIOS DE PRODUÇÃO

Os meios de produção de uma sociedade, segundo a teoria marxista, incluiriam todos os elementos físicos, exceto seres humanos, envolvidos da produção de bens e serviços. Alguns exemplos incluem: recursos naturais, máquinas, ferramentas, escritórios, computadores e meios de distribuição como lojas e, mais recentemente, a internet. Os meios de produção, conforme apontado, podem mudar ao longo do tempo conforme a evolução tecnológica.

IMPORTANTE

Desse modo, as instituições e práticas legais, políticas e culturais em dada sociedade refletem e reforçam o padrão de poder e controle da economia. Isso significa, portanto, que mudanças na base econômica eventualmente levariam a mudanças na superestrutura legal e política. A relação entre base (infraestrutura) e superestrutura, terceiro elemento em comum entre as diferentes abordagens marxistas, é uma das principais áreas de discussão dessa corrente.

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TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS

127

OS CONCEITOS DE INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA

Infraestrutura e superestrutura são dois conceitos teóricos conectados e centrais na obra de Marx. Infraestrutura diz respeito às forças de produção, ou materiais e recursos, que geram os bens que as sociedades consomem. O conceito de superestrutura, por sua vez, é relacionado aos demais aspectos da sociedade, incluindo cultura, ideologia, normas, identidades, educação, mídia etc.

NOTA

A Figura 1 ilustra, em linhas gerais, a relação entre infraestrutura e superestrutura no pensamento marxista:

FIGURA 1 – A RELAÇÃO ENTRE INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA

FONTE: A autora

Conforme ilustrado no esquema da Figura 1, a superestrutura (conjunto de normas, ideologias, mídia, política etc.) manteria e legitimaria as relações e os meios de produção. Ela refletiria os interesses da classe dominante e defenderia o poder das elites.

A infraestrutura (base econômica da sociedade: meios e relações de produção), por sua vez, definiria a superestrutura e condicionaria todos os seus elementos. Em outras palavras, a estrutura econômica das sociedades (os meios e relações de produção) seria a base concreta sobre a qual é criada uma estrutura jurídica, cultural e política.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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O quarto elemento comum à grande parte das contribuições marxistas ao estudo do internacional seria a ênfase no conceito de classe. Em contraste ao pensamento liberal (abordado na segunda unidade), que defende a existência de uma harmonia de interesses entre vários grupos sociais, o marxismo afirma que as sociedades seriam propensas a conflitos entre classes sociais.

Em Manifesto do Partido Comunista (1848), Marx e Friedrich Engels (1820 – 1895) argumentam que “a história de todas as sociedades tem sido a história das lutas de classe” (MARX, ENGELS, 1998, p. 7). Em uma sociedade capitalista, o prin-cipal eixo de conflito seria entre a burguesia e o proletariado (classe trabalhadora).

O objetivo de Marx e da maioria dos autores cujas obras foram inspiradas em suas contribuições, não era permanecer “descolado” de seu objeto de estudo – ao contrário, o autor defendia a interpretação do mundo para que, então, fosse empreendida a mudança. Outro elemento importante da teoria marxista, nesse sentido, é a possibilidade de emancipação.

A ideia não era apenas entender a dinâmica do sistema capitalista, mas, a partir desse entendimento, superar esse sistema e substituí-lo por uma sociedade comunista na qual as relações sociais seriam transformadas.

FILME: Tempos Modernos (1936).O filme, escrito, dirigido e estrelado por Charlie Chaplin, ilustra a vida de um trabalhador no sistema de produção característico das indústrias do século XX e critica a desigualdade entre classe trabalhadora e burguesia.

DICAS

Para Marx e Engels (1998) o mundo material seria uma realidade objetiva, independente da mente ou do espírito, ou seja, as ideias surgiriam apenas como produto e reflexo das condições materiais.

Os autores compreendiam o materialismo como o oposto do idealismo e adotaram uma abordagem materialista completa, sustentando que qualquer tentativa de combinação ou reconciliação entre os dois resultaria em inconsistência. Essa visão é compatível com a defesa e aproximação dos autores com a dialética de Georg W. F. Hegel (1770-1831).

Em oposição ao modo de pensamento metafísico, que via as coisas em abstração, cada uma dotada de propriedades fixas, a dialética hegeliana considera as coisas em seus movimentos e mudanças, inter-relações e interações.

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TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS

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Tudo estaria em contínuo processo de tornar-se e deixar de existir, nada seria permanente: tudo muda e acaba sendo substituído.

A relação entre uma tese (ideia inicial, questionamento), antítese (nova ideia, resposta possível) e síntese (conclusão) seria central para o pensamento dialético. Hegel, entretanto, via a mudança e o desenvolvimento como a expressão das ideias – para Marx e Engels a mudança era inerente ao mundo material.

FILME: A Classe Operária Vai ao Paraíso (1971).Filme italiano, dirigido por Elio Petri, acompanha a trajetória de um trabalhador na Itália da década de 1970. Aborda questões relacionadas à consciência de classe, alienação e a relação entre infraestrutura e superestrutura.

DICAS

Conforme citado anteriormente, a obra de Marx não enfatiza o caráter transfronteiriço do sistema capitalista de modo a desenvolver uma teoria robusta do internacional.

As contribuições de Lenin e Hobson, abordadas na seção seguinte, emergem como possibilidades de observação e análise da expansão do capitalismo e da estratificação consequente desse processo.

3 O IMPERIALISMO EM LENIN E A INTERPRETAÇÃO DO INTERNACIONAL

A publicação de O Capital, em 1867, foi um marco importante no entendimento das sociedades a partir de suas bases econômicas e materiais.

O foco da obra (desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra do século XIX), porém, não captura uma série de mudanças na estrutura do sistema capitalista na transição para o século XX.

A partir da identificação dessa lacuna importante, Vladimir Lenin publica, em 1917, a obra Imperialismo: etapa superior do capitalismo, com o objetivo de compreender as implicações transfronteiriças da expansão do capitalismo.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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FIGURA 2 – O IMPERIALISMO: ETAPA SUPERIOR DO CAPITALISMO

FONTE: <https://bit.ly/35f2FO0>. Acesso em: 10 jul. 2020.

Lenin identificou um intenso processo de concentração da produção em países como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, levando ao predomínio de monopólios. Essa concentração caracterizaria a fase final do capitalismo, denominada imperialismo, principalmente a partir da crise econômica de 1873.

A CRISE ECONÔMICA DE 1873

A segunda metade do século XIX foi marcada pela segunda Revolução Industrial e a consequente modernização e aumento da produção industrial na Europa e nos Estados Unidos. Esses processos também tiveram como consequências a substituição da mão de obra, desemprego e menor poder de compra. O excedente de mercadorias levou à busca, por parte das grandes potências, por mercado consumidor e matérias primas em continentes como Ásia e África.

IMPORTANTE

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TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS

131

Lenin identificou que esse período marca o agravamento das desigualdades na economia internacional, marcada por um centro dominante (países industrializados na Europa, além dos Estados Unidos) que explora a periferia menos desenvolvida (África, Ásia e América Latina, notadamente).

Essa divisão levaria, segundo o autor, a um rompimento da suposta harmonia de interesses entre os trabalhadores em diferentes áreas do mundo, porque os capitalistas do centro seriam capazes de pacificar sua classe trabalhadora a partir da exploração da periferia.

O autor aponta quatro características centrais dessa fase monopolista: “(I) o monopólio seria produto da concentração da produção em um grau muito elevado do seu desenvolvimento. São formadas as associações monopolistas dos capitalistas, os carteis, os sindicatos e os trustes” (LENIN, 1987, p. 215). Segundo o autor, os monopólios seriam a maior consequência da concentração da produção:

(II) os monopólios vieram agravar a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas, particularmente para a indústria fundamental e mais cartelizada da sociedade capitalista: a siderúrgica.(III) o monopólio surgiu dos bancos que, por sua vez, se transformaram em monopolistas do mercado financeiro. (IV) o monopólio nasceu da política colonial (LENIN, 1987, p. 215).

Dessas características, é possível derivar cinco características básicas do imperialismo:

• a concentração de produção e capital atingiu tal nível que criou monopólios que têm um papel central na economia dos países;

• a fusão do capital bancário com o capital industrial criou as bases do capital financeiro ou da oligarquia financeira;

• a exportação do capital (empréstimos e ações) de forma diferenciada da exportação das commodities assumiu uma importância excepcional;

• as formações de capitalistas monopolistas internacionais, combinando suas participações, dominam o mundo;

• a divisão territorial entre as grandes potências capitalistas está terminada.

Uma das consequências do imperialismo foi a divisão do continente africano, em virtude da busca por matéria-prima e escoamento de produção.

Conforme apontado anteriormente, as grandes potências no fim do século XIX e início do século XX, não buscavam a dominação direta do território, mas a manutenção do controle da extração de recursos e domínio de mercados, embora a dominação territorial tenha ocorrido ao longo das décadas. A partilha da África durante a Conferência de Berlim (1884-1885) foi um marco do imperialismo europeu nesse período.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO DA CONFERÊNCIA DE BERLIM (1884)

FONTE: <https://www.dw.com/image/18277176_303.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2020.

FIGURA 4 – A PARTILHA DA ÁFRICA (1880-1914)

FONTE: <https://bit.ly/3dJsSYZ>. Acesso em: 10 jul. 2020.

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TÓPICO 1 — A TEORIA MARXISTA EM LINHAS GERAIS

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As principais potências europeias à época (além de Império Otomano e Estados Unidos) – Alemanha, Bélgica, Espanha, Áustria-Hungria, Dinamarca, Grã-Bretanha, Suécia, França, Noruega, Países Baixos, Rússia, Portugal e Itália – participaram da conferência com o objetivo de definir suas zonas de influência.

Esse processo teria contribuído para o imperialismo analisado por Lenin. Conforme o mapa na Figura 4 ilustra, a França passa a dominar boa parte do Norte da África, além da ilha de Madagascar. O Reino Unido, por sua vez, dominou parte significativa da África Austral, além das regiões de Egito, Nigéria e Gana, e utilizou essa influência para escoamento da produção e extração de matérias-primas.

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Neste tópico, você aprendeu que:

RESUMO DO TÓPICO 1

• A corrente marxista não é homogênea. Ao longo dos anos as contribuições baseadas na obra de Karl Marx evoluíram na direção da compreensão da economia e do capitalismo em nível internacional.

• É possível identificar ao menos quatro elementos comuns às abordagens marxistas: (I) a necessidade de análise do mundo social em sua totalidade; (II) a concepção materialista da história; (III) a relação entre base e superestrutura; (IV) a importância do conceito de classe.

• No pensamento marxista, infraestrutura (meios e relações de produção) e superestrutura (instituições sociais) são relacionadas, de modo que mudanças na base econômica e nas relações de produção eventualmente levariam a mudanças na superestrutura legal e política.

• Lenin avança na compreensão do internacional a partir das mudanças na economia mundial a partir do fim do século XIX.

• A partilha da África durante a Conferência de Berlim (1884-1885) foi uma das maiores consequências da necessidade de escoamento da produção e busca por matérias-primas e mão de obra em continentes como África e Ásia.

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1 Disserte sobre as diferenças entre as teorias realista, liberal e marxista em relação a (I) principal ator das relações internacionais; (II) possibilidade de mudança; e (III) visão do sistema internacional.

2 Conceitue infraestrutura e superestrutura, segundo Marx, e defina a relação entre os dois conceitos.

3 O que é imperialismo, segundo Lenin (1987)? Qual foi o papel da colonização do final do século XIX para a obtenção dos objetivos das grandes potências?

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, serão abordadas três visões influenciadas pelo legado marxista na compreensão das relações internacionais: a Teoria Crítica, a Teoria Neogramsciana e as abordagens do Sistema-Mundo. Conforme dito anteriormente, não há um único marxismo, sendo possível acompanhar a evolução dessa corrente ao longo das décadas a partir de suas continuidades e rupturas.

A ideia é compreender como o pensamento marxista contribui para a compreensão do sistema mundial a partir de conceitos como hegemonia, comunidade política, emancipação e indústria cultural.

Discutiremos, primeiramente, os principais elementos da Teoria Crítica desenvolvida no contexto da Escola de Frankfurt entre os anos 1920 e 1930. No mesmo contexto emergem as principais contribuições de um dos pensadores mais importantes da corrente marxista: Antonio Gramsci, cujo legado será visto no Subtópico 3.

Nos anos 1970, a Teoria do Sistema-Mundo retoma a importância da estratificação do sistema internacional entre centro e periferia e problematiza as relações entre mundo industrializado e mundo subdesenvolvido. Este será o foco do Subtópico 4.

TÓPICO 2 — A

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

2 O MARXISMO NO LESTE EUROPEU: A TEORIA CRÍTICA DA ESCOLA DE FRANKFURT

A Teoria Crítica é um movimento filosófico e sociológico originado no Instituto de Pesquisa Social da Universidade Goethe, em Frankfurt, na Alemanha (por esse motivo é, por vezes, denominada “Escola de Frankfurt”).

O Instituto foi fundado em 1923, com o objetivo de desenvolver estudos baseados na obra de autores como Karl Marx e Friedrich Engels. Após 1933, com a emergência do regime nazista, o instituto foi transferido para a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As influências acadêmicas da Teoria Crítica são abrangentes. Algumas de suas questões-chave e preocupações filosóficas envolvem a crítica da modernidade e da sociedade capitalista, a definição de emancipação social, bem como a identificação de patologias sociais.

A Escola de Frankfurt oferece uma interpretação específica da filosofia marxista no que diz respeito a algumas de suas noções sobre economia e política, como mercantilização, fetichização e crítica da cultura de massa.

Algumas das figuras mais proeminentes da primeira geração de teóricos críticos foram Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Friedrich Pollock (1894-1970). A denominada “segunda geração” da Teoria Crítica iniciou-se a partir das contribuições de Juergen Habermas que, dentre outros destaques, tornou a Escola de Frankfurt popular ao redor do mundo.

FIGURA 5 – A PRIMEIRA GERAÇÃO DA TEORIA CRÍTICA – ADORNO E HORKHEIMER

FONTE: <https://bit.ly/2IKV6Ha>. Acesso em: 10 jul. 2020.

Quando de sua criação, em meados dos anos 1920, a Escola de Frankfurt foi concebida em termos de uma reinterpretação da psicanálise de Sigmund Freud (1856-1939) e da teoria marxista. “A síntese entre as duas contribuições forneceria, segundo os pensadores, a oportunidade de compreensão da sociedade a partir tanto da base socioeconômica, quanto da superestrutura ideológica” (JAY, 1973, p. 92).

A ideia era que o marxismo forneceria elementos conceituais importantes para a compreensão da formação das classes sociais, enquanto a psicanálise explicaria aspectos mais individuais e psíquicos.

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TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Os teóricos críticos defendem que qualquer esforço de pesquisa social deveria combinar filosofia e ciências sociais, sem a separação entre explicação e compreensão, estrutura e ação, regularidade e normatividade. Tal abordagem permite que a pesquisa crítica seja prática em um sentido moral – segundo Adorno e Horkheimer (1947), a busca do pesquisador crítico seria pela “emancipação humana” das circunstâncias de dominação e opressão. Isso significa que as teorias tradicionais (principalmente aquelas baseadas em uma visão positivista de ciência), para a Escola de Frankfurt, geralmente vêm de “cima para baixo”, não seriam neutras e legitimariam práticas sociais injustas e repressivas, sendo necessário o comportamento crítico e a emancipação por parte do pesquisador.

A Escola de Frankfurt propôs, a partir dessas observações, a análise dos sistemas de poder que oprimiram a classe trabalhadora. De modo geral, a ideia seria tornar visíveis os pressupostos, suposições e dinâmicas sociais e problema-tiza-los para que houvesse o rompimento com as estruturas de opressão sociais.

Um dos grandes questionamentos dessa corrente, nesse sentido, foi: por que não ocorreram revoluções comunistas no ocidente? A resposta estaria na cultura ocidental. Essa cultura (hegemônica) levaria à marginalização de outras ideias, impedindo mudanças e mantendo a opressão. Essa seria uma das grandes contribuições da Teoria Crítica em relação às abordagens marxistas até o momento: o papel da cultura na dominação em uma sociedade de classes.

O CONCEITO DE INDÚSTRIA CULTURAL

Adorno e Horkheimer, em A Dialética do Esclarecimento (1947), propõem que a cultura popular seria como uma indústria que produziria bens culturais que, por sua vez, tornavam as sociedades “dóceis” e incentivariam o consumo indiscriminado. As elites manipulariam a população via meios de comunicação como televisão, rádio e jornais.

ATENCAO

Somada à contribuição de Habermas, nos anos 1970 e 1990, principal-mente, a Teoria Crítica ao longo dos anos compartilharia três elementos prin-cipais (HOBDEN, JONES, 2014): primeiro, o interesse na análise do papel da cultura e da mídia (ou seja, da superestrutura) e uma menor ênfase no entendi-mento das bases econômicas da sociedade (infraestrutura). Em segundo lugar, a teoria crítica coloca em xeque a capacidade de emancipação do proletariado, conforme Marx acreditava.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Para os teóricos críticos, a classe trabalhadora teria sido “absorvida” pelo sistema com a emergência de uma cultura de massa e a consequente alienação da população, que não teria consciência de classe e, portanto, não buscaria a emancipação. Por fim, a Escola de Frankfurt, conforme discutido, reflete sobre o potencial de emancipação dos indivíduos.

Sobre o último ponto, Juergen Habermas (1984) afirma que o caminho para a emancipação total seria a democracia radical, ou deliberativa. Para o autor, um sistema que busca o equilíbrio entre vários interesses na sociedade por meio da comunicação seria o caminho para a libertação humana das opressões.

A TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS (1984)

Habermas, em A Teoria da Ação Comunicativa (1984), critica a noção de que os indivíduos agiriam apenas com base em uma racionalidade (cálculo de custo-benefício) instrumental (definida pela razão entre meios e fins). O autor defende que os indivíduos são capazes, a partir da comunicação entre eles, de construir um consenso que beneficie a todos, sem que haja a busca individual pela maximização dos ganhos e redução dos custos.

IMPORTANTE

3 A ANÁLISE DA ORDEM MUNDIAL PELA TEORIA NEOGRAMSCIANA

Um dos pensadores mais influentes da corrente marxista foi Antonio Gramsci (1891-1937). Membro fundador do Partido Comunista Italiano, Gramsci foi preso, em 1926, durante o regime fascista de Benito Mussolini e permaneceu preso durante boa parte de sua vida, escrevendo uma série de reflexões que foram publicadas postumamente em vários volumes intitulados Cadernos do Cárcere.

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TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

141

FIGURA 6 – ANTONIO GRAMSCI (1891 – 1937)

FONTE: <https://bit.ly/31txs8S>. Acesso em: 12 jul. 2020.

A obra de Gramsci, entre outros elementos, gira em torno do conceito de hegemonia. O autor via o estado capitalista como sendo composto de duas esferas sobrepostas, uma “sociedade política” (que governaria através da força) e uma “sociedade civil” (que governaria mediante consentimento).

Essa sociedade civil seria diferente do sentido tradicional (associado a organizações não governamentais). Gramsci via a sociedade civil como a esfera pública em que sindicatos e partidos políticos obtinham concessões do estado burguês e a esfera em que ideias e crenças seriam moldadas, e a “hegemonia” burguesa seria reproduzida na vida cultural através da mídia, universidades e instituições religiosas, “fabricando” consensos e legitimidade.

Nesse sentido, apenas a luta por controle dos meios de produção não seria suficiente para a emancipação – a luta por ideias e crenças com o objetivo de criar uma nova hegemonia. Essa noção de luta “contra-hegemônica”, ou seja, a proposição de alternativas às ideias dominantes do que seria normal e legítimo, teve amplo apelo em movimentos sociais e políticos ao redor do mundo. Também contribuiu para a noção, compartilhada com a Teoria Crítica, de que conhecimento seria uma construção social que serviria para legitimar estruturas sociais.

Em termos práticos, as ideias de Gramsci de como o poder seria constituído no campo das ideias e do conhecimento – expresso através do consenso, e não da força – inspiraram o uso de estratégias de contestação de normas hegemônicas de legitimidade.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As ideias de Gramsci influenciaram, inclusive, práticas de educação popular, incluindo métodos de alfabetização e conscientização de adultos, desenvolvidos por figuras como o brasileiro Paulo Freire em suas obras, principalmente em Pedagogia do Oprimido (1970).

A ideia de poder como hegemonia também influenciou uma série de debates sobre a sociedade civil. Os críticos da concepção democrática liberal de sociedade civil usam a definição de Gramsci para lembrar que a sociedade civil, enquanto uma rede de instituições e práticas que possui alguma autonomia em relação ao Estado, também pode ser esfera de luta e contestação política.

Assista ao minicurso sobre o pensamento político de Gramsci, disponível no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=zxwzNZtFS7M.

DICAS

Especificamente no campo das Relações Internacionais, um dos autores marxistas mais influentes foi Robert Cox (1926-2018). Cox, a partir das obras de Marx e Gramsci, desenvolveu uma teoria crítica baseada na noção gramsciana de hegemonia para compreender o sistema internacional.

De acordo com o autor, as potências dominantes no sistema internacional (notadamente Estados Unidos e Reino Unido) moldaram uma ordem compatível com seus interesses, principalmente com a ideia de livre mercado.

Segundo Cox (1986), a visão de um livre mercado que beneficiaria a todos seria tão aceita que atingiu o status de “senso comum” (HOBDEN, JONES, 2014). A realidade, por outro lado, revelaria que esse livre mercado beneficiaria principalmente o hegemon (que seria o produtor mais eficiente da economia mundial), e os benefícios em estados periféricos seriam muito menores.

O grau em que um Estado consegue, de modo bem-sucedido, produzir e reproduzir sua hegemonia seria um indicador da extensão de seu poder. O sucesso dos EUA, por exemplo, em obter a aceitação mundial do neoliberalismo sugeriria o quão dominante o país tornou-se. Apesar dessa dominância norte-americana, Cox (1986) não afirma que ela não poderia ser desafiada.

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TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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O autor mantém a visão marxista de que o sistema capitalista seria instável e cheio de contradições. Crises econômicas poderiam agir, então, como catalizadoras para a emergência de movimentos contra hegemônicos que, para Cox (1986), requerem uma coalização de forças sociais que rejeita o senso comum hegemônico.

Uma hegemonia estável demandaria, segundo o autor, uma configuração particular de forças – uma combinação entre poder material, ideias e instituições. “O enfraquecimento desse ator ocorreria quando o equilíbrio entre essas três forças é desestabilizado” (COX, 1986, p. 135).

Outra contribuição importante de Cox seria sua visão acerca do papel da teoria. Segundo o autor, “teoria é sempre para alguém e para algum propósito” (COX, 1986, p. 128). As teorias tradicionais (como o realismo e o liberalismo, estudados nas unidades anteriores) seriam marcadas por uma lógica positivista e legitimariam a ordem social e as estruturas políticas prevalecentes.

Essa visão é ligada a crítica de Gramsci à suposta “neutralidade” da ciência e à ideia de que conceitos seriam universalmente aplicáveis, sem associação a contextos históricos, políticos e relações de poder.

4 ABORDAGENS DO SISTEMA-MUNDO

A noção de divisão entre centro industrializado e desenvolvido e periferia “atrasada” e dependente, proposta por Lenin no início do século XX e discutida na segunda seção do primeiro tópico dessa unidade, influenciou a produção teórica das denominadas “Abordagens do Sistema-Mundo”. Um dos principais representantes dessa corrente foi Immanuel Wallerstein (1930 – 2019).

Para Wallerstein (1999), a história global teria sido marcada pela emergência e queda de uma série de Sistemas-Mundo.

O Sistema-Mundo moderno teria emergido na Europa e na Américo do século XVI – o processo, já discutido, de acumulação de capital em países como Reino Unido e França, teria desencadeado a expansão para os demais continentes, de modo que no século XIX o mundo todo já estava incorporado no sistema capitalista.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

FIGURA 7 – DIVISÃO ENTRE CENTRO E PERIFERIA NO SISTEMA MUNDIAL

FONTE: <https://bit.ly/3dTCzEg>. Acesso em: 10 jul. 2020.

Em relação à geografia desse sistema mundial, além de centro e periferia, já discutidos, o autor adiciona uma categoria intermediária: a semiperiferia, que teria características tanto do centro, quanto da periferia do Sistema-Mundo.

O sistema global estratificado seria caracterizado por uma desigualdade consequente da exploração do Norte global (industrializado) sobre a periferia: os Estados centrais teriam conseguido concentrar as atividades econômicas mais lucrativas a partir da exploração e colonização. Enquanto Lenin via o imperialismo como o último estágio do capitalismo, a teoria da Sistemas-Mundo via essa relação de exploração como uma característica central da estrutura constante e evolutiva do capitalismo.

A partir dessa estrutura teórica, Wallerstein (1999) busca explicar a dificuldade da periferia do sistema mundial em se desenvolver (com base na Teoria da Dependência, a qual será abordada no Tópico 3 desta unidade).

O autor ressalta que, ao contrário dos países europeus, o histórico do Sul global é de exploração e colonização, o que faz com que a competição econômica com países desenvolvidos seja desigual. Não seria possível, portanto, compreender o “destino” dos países de modo isolado, mas como parte de um sistema global – nenhum país seria pobre apenas em consequência de sua própria história e suas características internas, mas por conta de sua posição relativa no sistema capitalista global.

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TÓPICO 2 — A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO MARXISTA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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Os teóricos do Sistema-Mundo criticam as teorias clássicas de economia que apontavam que a especialização no comércio internacional beneficiaria a to-dos os países (ex.: países que possuem tecnologia para produzir bens industria-lizados deveriam concentrar-se nessa produção, enquanto países que produzem commodities – soja, café, açúcar, entre outros – deveriam concentrar-se nisso).

A TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS

Desenvolvida pelo economista inglês David Ricardo (1772-1823), a Teoria das Vantagens Comparativas defende que cada país deve se especializar na produção de um determinado bem – especificamente aquele que tem menores custos para o país. Isso levaria a ganhos mútuos, segundo o pensador.

NOTA

A Teoria das Vantagens Comparativas seria falaciosa por dois motivos principais:

• A exportação de commodities produz lucro em curso prazo, mas teria uma consequência de custo elevado: a falha em desenvolver uma indústria nacional de alta tecnologia e, consequentemente, em gerar lucros futuros.

• O comércio internacional seria assimétrico: países ricos não demandariam commodities em larga escala e poderiam compra-las de uma série de países. Em contrapartida, países menos desenvolvidos dependeriam da importação de tecnologias e produtos industrializados.

Ambas as observações anteriores levam à conclusão de que o sistema econômico global seria inerentemente injusto: o poder econômico do centro seria tão grande que a periferia seria sempre explorada e a ideia de que governos e instituições internacionais poderiam tornar o sistema mais justo (conforme defendido pela visão liberal) seria uma ilusão. As instituições do sistema internacional (como a Organização Mundial do Comércio, por exemplo) apenas refletiriam os interesses dos estados capitalistas. Desse modo, o sistema deveria ser substancialmente reorganizado de modo tornar-se mais justo, principalmente a partir de três caminhos, a saber:

• Países periféricos deveriam evitar estabelecer relações econômicas de exploração com o centro (principalmente a partir do comércio e de investimento externo).

• Desenvolvimento das indústrias nacionais na periferia do sistema mundial e, consequentemente, o engajamento em processos de substituição de importações (ou seja, a perda da importância do setor externo na geração de capital).

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

• União entre países da periferia na luta contra o poder do centro. O comércio entre esses países poderia diminuir as assimetrias decorrentes da relação desigual com o Norte global.

Assista ao vídeo Economia Política do Sistema-Mundo, com os professores Jales Dantas e Rosângela de Lima, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a5WVbwcEZA0.

DICAS

QUADRO 1 – ESTUDO DE CASO: O LUGAR DA CHINA NO SISTEMA MUNDIAL

O crescimento notável da economia chinesa nos últimos anos tem sido foco de estudos nas Relações Internacionais e o modelo de Wallerstein é especialmente importante no entendimento desse processo. A emergência da China, de acordo com Nogueira (2008) estaria redefinindo o formato das relações econômicas que ligam os países asiáticos semiperiféricos (ex.: Coreia do Sul, Hong Kong, Taiwan) e as economias centrais, principalmente os Estados Unidos. Holst (2002) caracteriza essa dinâmica de interação entre China, leste asiático e países centrais como “comércio triangular”: as exportações da China para os Estados Unidos aumentaram (de 0,5% do total importado pelo país central, para 11,3% entre 1980 e 2003), enquanto as importações chinesas passaram a se concentrar na semiperiferia asiática. Segundo Nogueira (2008, p. 5), “a especialização da produção dentro da própria Ásia estaria levando a um aumento da parcela das importações da China que vêm da própria região, transformando o país em um dos principais (quando não o principal) destino das exportações dos outros países asiáticos semiperiféricos”.

O caso chinês se aproxima do conceito de semiperiferia proposto pelos autores do Sistema-Mundo: teria características tanto do centro (e mantém relações comerciais vantajosas com os países centrais), quanto da periferia do sistema mundial.

A emergência chinesa, porém, poderia levar a um processo gradual de aproximação em relação ao centro. O país teria uma capacidade produtiva que permitiria a exportação de produtos com custo mais baixo e em maior escala.

FONTE: A autora

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt se ocupa da análise da superestrutura do sistema capitalista. Conceitos como indústria cultural, cultura de massa e emancipação são centrais na obra de Adorno, Horkheimer, Habermas, entre outros representantes dessa corrente.

• Um dos autores mais importantes da corrente marxista foi Antonio Gramsci. Sua obra inspirou teorizações acerca da influência da hegemonia na reprodução de ideias e dominação do proletariado.

• As abordagens de Sistemas-Mundo, derivadas da Teoria da Dependência, procuram compreender as relações desiguais entre centro, periferia e semiperiferia do sistema capitalista.

• Segundo essa visão, a explicação para a dependência dos países do Sul global em relação ao Norte estaria na estrutura do Sistema-Mundo, caracterizada por trocas desiguais.

• O caminho para a emancipação da periferia seria, principalmente, via desenvolvimento de indústrias nacionais e consequente substituição de importações.

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1 Quais são as principais diferenças entre os conceitos realista e marxista de hegemonia?

2 Qual é a importância da emancipação para as Teorias Críticas? Como é possível alcançá-la?

3 Compare as contribuições de Lenin e Wallerstein para o entendimento do sistema capitalista.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A emergência de instituições e regimes internacionais no pós-Segunda Guerra Mundial se deu em virtude da crença de que o multilateralismo e o diálogo poderiam levar à construção de soluções conjuntas para problemas globais. Nesse contexto foi criada a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em 1948, com o objetivo principal de debater a condição de subdesenvolvimento na região e as possibilidades de inserção de países historicamente dependentes.

A Teoria da Dependência nasce a partir da criação da comissão e da demanda por explicação do sistema capitalista desigual.

As publicações estatísticas e a análise da CEPAL não somente proveem informação sobre a região e/ou sobre um país determinado, mas também permitem fazer comparações entre diferentes períodos e países. O Brasil, pelo seu território, população e participação na economia da América Latina, foi e permanece sendo uma das principais fontes e tema de análise dos relatórios e estudos da CEPAL (ONU, 2020, s.p.).

Alguns dos principais autores dessa tradição são Raúl Prebisch (1901-1986), secretário executivo da comissão de 1949 a 1963, o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso e André Gunder Frank. O terceiro, e último, tópico desta unidade tem como objetivo apresentar e discutir os elementos centrais dessa visão, além de refletir sobre o processo de globalização a partir da lente marxista. Ao compreender as raízes da dependência de antigas colônias, a Teoria da Dependência seria uma lente válida para a explicação da economia brasileira, além de outros países do Sul global.

TÓPICO 3 —

O MARXISMO NOS TRÓPICOS

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O Subtópico 2 será dedicado à discussão da Teoria da Dependência – de seu contexto histórico de emergência, no fim dos anos 1940, até seus principais conceitos e visões acerca do sistema capitalista global. O terceiro subtópico, que conclui o livro, reflete sobre a validade da corrente marxista na análise das relações internacionais contemporâneas, levando em consideração a crescente globalização, o aumento da interação entre Estados, Organizações Internacionais, Regimes, sociedade civil e outros atores. A ideia é compreender os limites e possibilidades de análise do sistema internacional a partir dos conceitos e abordagens estudados.

2 A TEORIA DA DEPENDÊNCIA

A Teoria da Dependência se desenvolveu no final da década de 1950, sob a orientação do então diretor da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Raul Prebisch.

Uma das preocupações centrais dessa escola de pensamento inicialmente era o fato de que o crescimento econômico em países industrializados não levou, necessariamente, ao crescimento em países subdesenvolvidos.

Ao contrário, a atividade econômica no mundo desenvolvido teria levado à dependência no Sul global. Essa visão desafiava as previsões das teorias econômicas clássicas, que presumiam que o crescimento econômico seria benéfico a todos em um sistema de vantagens comparativas.

FIGURA 8 – A COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE (CEPAL)

FONTE: <https://bit.ly/34izudx>. Acesso em: 20 jul. 2020.

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TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS

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À semelhança das escolas de pensamento estudadas até o momento, a Teoria da Dependência não é homogênea e, portanto, não oferece uma explicação única para a desigualdade no sistema capitalista. De modo geral, essa teoria busca a explicação do desenvolvimento econômico dos Estados em termos das influências externas – políticas, econômicas e culturais.

Theotônio dos Santos (1936-2018), um dos expoentes da Teoria da Depen-dência, enfatiza a dimensão histórica das relações de dependência entre os países:

Dependência é uma condição histórica que molda uma certa estrutura da economia mundial de modo a favorecer alguns países em detrimento de outros, limitando as possibilidades de economias subordinadas. É uma situação na qual a economia de um certo grupo de países é condicionada pelo desenvolvimento e expansão de outras economias, industrializadas e centrais (DOS SANTOS, 1973, p. 226).

É possível identificar um conjunto de proposições comuns aos teóricos dessa escola: primeiro, a Teoria da Dependência caracteriza o sistema internacional como composto de dois grupos de Estados, descritos como dominantes/dependentes, centro/periferia ou metrópoles/satélites.

Os Estados dominantes seriam as nações industriais desenvolvidas, notadamente os membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os países dependentes, por sua vez, seriam aqueles da América Latina, Ásia e África, altamente dependentes da exportação de commodities no comércio internacional.

A ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE)

A OCDE tem suas raízes na Organização para Cooperação Econômica Europeia (OCEE), criada em 1948, após a II Guerra Mundial, com o objetivo de auxiliar na implementação do Plano Marshall de reconstrução da Europa no pós-guerra. Seu objetivo inicial foi auxiliar os governos europeus a retomarem suas economias e encorajar sua interdependência. Após a entrada dos EUA e Canadá, em 1960, a OCDE foi criada e passa a objetivar a promoção do desenvolvimento econômico de seus membros, além de investimentos em países em desenvolvimento.

NOTA

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A segunda característica comum entre os teóricos da dependência seria a visão de que forças externas têm uma importância central nas atividades econômicas de Estados dependentes. Essas forças externas incluem corporações multinacionais, o mercado global de commodities, investimentos externos, meios de comunicação e qualquer recurso utilizado por países industrializados para defender seus interesses econômicos internacionalmente.

O terceiro elemento em comum aos teóricos da dependência seria a visão de que as relações entre Estados dominantes e dependentes são dinâmicas – isso ocorre porque as interações entre esses dois grupos de países tendem a não somente reforçar, mas intensificar as desigualdades entre eles. Além disso, a dependência seria um processo histórico (o que aproxima essa visão do marxismo clássico), enraizado no processo de internacionalização do capitalismo (conforme teorizado por Lenin) e ainda estaria em andamento.

Qual seria, porém, o motivo das relações de dependência entre centro e periferia, segundo a Teoria da Dependência? André Gunder Frank, um dos precursores dessa tradição, afirma que:

A pesquisa histórica demonstra que o subdesenvolvimento con-temporâneo é, em larga medida, um produto histórico das relações econômicas (passadas e presentes) entre países satélites subdesen-volvidos e metrópoles. Além disso, essas relações seriam uma parte essencial do sistema capitalista como um todo, em escala mundial (FRANK, 1972, p. 3).

De acordo com essa visão, o sistema capitalista teria criado e reforçado uma divisão internacional do trabalho rígida, responsável pelo subdesenvolvimento em várias áreas do mundo. Os estados dependentes ofereceriam minerais, commodities agrícolas e mão de obra barata, além de servirem como “repositórios” de tecnologias e produtos manufaturados obsoletos. A alocação de recursos seria determinada pelos interesses econômicos dos Estados dominantes.

A divisão internacional do trabalho explicaria, em última medida, a pobreza e a desigualdade no sistema internacional. A Teoria da Dependência critica a visão tradicional (ex.: teoria das vantagens comparativas, discutida no tópico anterior) de que essa divisão seria uma condição necessária para a alocação eficiente de recursos.

Os teóricos da dependência também defendem a semelhança dos autores anteriormente citados, que o poder econômico e político estaria concentrado e centralizado em países industrializados. Desse modo, qualquer distinção entre poder econômico e político seria equivocada: governos nacionais tomarão qualquer decisão necessária para proteger os interesses econômicos privados como, por exemplo, a obtenção de lucro por parte de cooperações multinacionais.

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TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS

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É importante ressaltar que nem todos os elementos da Teoria da Dependência são derivados da corrente marxista. A visão marxista de imperialismo, por exemplo, explica a expansão do Estado dominante, enquanto a Teoria da Dependência busca compreender o subdesenvolvimento. Ou seja, as teorias marxistas clássicas explicariam as razões pelas quais o imperialismo ocorre, enquanto os teóricos da dependência compreenderiam as suas consequências.

As proposições gerais dessa corrente estão resumidas nos cinco pontos a seguir, discutidos em Ferraro (2008):

• Subdesenvolvido é uma condição distinta de não desenvolvido. Não ser desenvolvido significa não utilizar recursos. Por exemplo, os colonizadores europeus enxergavam o continente americano como uma área não desenvolvida: suas terras não eram ativamente cultivadas em uma escala consistente com o seu potencial. Subdesenvolvimento, por sua vez, se refere a uma situação em que os recursos são ativamente utilizados, mas de um modo que beneficiaria muito mais os Estados dominantes e não os países pobres nos quais os recursos foram encontrados (ex.: países colonizados como Brasil e os demais países da América do Sul e boa parte da África e da Ásia).

• A distinção entre subdesenvolvimento e não desenvolvimento localizaria os países mais pobres em um contexto histórico profundamente distinto. Esses países não estariam “atrasados” ou “alcançando” os Estados mais ricos. Eles não seriam pobres porque “ficaram para trás” das transformações científicas ou dos valores iluministas. O motivo de seu subdesenvolvimento seria a sua integração (coercitiva) no sistema econômico europeu apenas como produtores de bens primários ou repositores de trabalho escravo. A eles teria sido negada a oportunidade de comercializar seus recursos de modo a competir com Estados dominantes.

• A Teoria da Dependência sugere que o uso alternativo de recursos seria preferível em relação aos padrões impostos pelos Estados dominantes. Uma das críticas principais, por exemplo, é que vários países do Sul global possuem altas taxas de subnutrição ao mesmo tempo em que produzem altas quantidades de commodities. Isso ocorreria porque boa parte dessa produção é exportada para o centro.

• Cada país deve possuir um interesse econômico nacional claro, que deve ser relacionado ao atendimento das necessidades da população mais pobre e não à satisfação de necessidades coorporativas ou governamentais. Determinar o que seria “melhor” para essa população não seria uma tarefa fácil.

• A manutenção de relações desiguais seria mantida não apenas através do poder de Estados dominantes, mas também através do poder das elites em Estados dependentes. A Teoria da Dependência argumenta que essas elites manteriam essas relações porque os seus interesses privados coincidiriam com os interesses dos Estados dominantes. Essas elites compartilhariam valores similares aos das elites do Norte global.

O paradigma aceito durante os anos 1950 e 1960, e defendido por autores como Walt Rostow (1916-2003), era de que estratégias de desenvolvimento nacional seriam universalmente aplicáveis.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A Teoria da Dependência critica essa visão e afirma que o sucesso dos países centrais seria parte de um momento específico da história global, no qual o desenvolvimento foi consequência de uma série de relações coloniais de exploração. Seria, portanto, improvável que tal processo se repetisse por parte de países periféricos ao redor do mundo.

AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE ROSTOW

Rostow propôs, em Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto não comunista (1974), uma alternativa à visão marxista do desenvolvimento econômico, afirmando que a história econômica seria uma sucessão de etapas. Segundo o autor, todos os países (tanto do centro, quanto da periferia) teriam a possibilidade de adotar uma série de estratégias de emprego dos recursos para se desenvolver.

ATENCAO

É possível afirmar que, por fim, a Teoria da Dependência oferece um modelo de análise da economia global que não só propõe a explicação do subdesenvolvimento como uma consequência de uma série de relações históricas de exploração, mas estabelece caminhos possíveis para a sua superação. Historicamente, a busca pelo desenvolvimento nacional autônomo foi objetivada por países do Sul global, como o Brasil, com maior ou menor sucesso a depender do período.

3 LIMITES E POTENCIALIDADES DA TEORIA MARXISTA NA ANÁLISE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Em relação às diferenças entre a teoria marxista e as demais teorias estudadas no presente livro, é possível afirmar que há uma série de distinções consideráveis entre as perspectivas. Enquanto o realismo enfatiza o poder político (na medida em que o interesse dos Estados seria largamente definido em termos de poder) como elemento central das relações internacionais, o marxismo considera central o uso do poder econômico e suas consequências no sistema mundial. Outra diferença importante é a visão realista e liberal do Estado enquanto ator importante e central da política internacional e a visão marxista do Estado enquanto instrumento dos interesses das elites. Para o marxismo, quem domina a economia e controla os meios de produção, dominaria também a esfera política.

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TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS

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É possível citar também as críticas do marxismo à noção liberal de interdependência e de ganhos absolutos. Enquanto abordagens liberais e institucionalistas defendem a possibilidade de ganhos mútuos derivados da cooperação internacional, o marxismo de modo geral defende que a interdependência seria assimétrica e geraria mais dependência.

As trocas internacionais entre centro e periferia aprofundariam ainda mais as desigualdades e abririam espaço para a exploração. A relação entre Estados desenvolvidos e subdesenvolvidos seria, então, de soma-zero: o desenvolvimento do centro sempre se dará às custas do subdesenvolvimento da periferia.

Em relação às críticas à teoria marxista e às limitações de seu poder explicativo, seria possível citar a ênfase excessiva no poder econômico e na estrutura do sistema capitalista, vista pelo realismo como insuficiente para a explicação da política internacional marcada também pela incerteza e luta pela sobrevivência. O liberalismo, por sua vez, defende a possibilidade de os Estados cooperarem a partir da identificação de interesses comuns e identificação de potencial de ganhos mútuos. Desse modo, seriam críticos à noção marxista de que não haveria possibilidade para harmonia de interesses em um sistema capitalista desigual e estratificado.

QUADRO 2 – O MARXISMO RESUMIDO

Relação entre economia e política. Economia decisiva.

Principais atores/unidades de análise. Classes.

A natureza das relações econômicas. Conflituosas, soma zero.

Objetivo econômico. Interesses de classe.

FONTE: A autora

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

LEITURA COMPLEMENTAR

A RUÍNA DO CAPITALISMO

Gustavo Ioschpe

Para o sociólogo americano Immanuel Wallerstein, a humanidade atravessará 50 anos de convulsões sociais com a agonia do sistema.

Nas paredes do diminuto escritório em Paris, pôsteres amarelecidos de cidades italianas e anúncios de palestras, uma estante com livros, um rack com fitas cassete de música clássica. Uma mesa para o computador e outra para a montanha de papéis. No centro da anarquia, o protagonista: Immanuel Wallerstein, um dos mais importantes intelectuais vivos e um dos principais sociólogos em atividade.

Próximo aos 70 anos, o sociólogo americano é o autor da monumental trilogia The Modern World-System, três catataus que descrevem o mundo capitalista do século XVI até o século XIX. Sua análise de "Sistemas-Mundo" é uma tentativa de ver o sistema capitalista como um todo, entendendo que não se trata de uma colcha de retalhos de Estados nacionais autônomos, mas de um sistema unificado e altamente hierarquizado, que surgiu muito antes de fábricas e navios a vapor.

É de Wallerstein a famosa separação do mundo entre os países de centro e de periferia e a constatação de que estes sofriam com os termos desiguais de comércio praticados por aqueles. Suas ideias vêm ajudando a derrubar alguns dos axiomas pelos quais (sobre)vivemos: a crença na utilidade do Estado-nação como ferramenta de melhoria de posição na escala das coisas; a ideia, emprestada do neoclassicismo econômico e da teoria da modernização, de que todos os países devem convergir, em algum momento, no paraíso da fartura e da opulência; e a certeza de que o sistema capitalista, apesar de não ter tudo resolvido, pelo menos trouxe ganhos em qualidade de vida para a humanidade, desde que foi implantado há 500 anos.

Wallerstein questiona e redireciona tudo: a validade da ciência, a crença no progresso, a malignidade das elites nacionais, a esperança dos terceiro-mundistas pela ascensão dentro do sistema e o futuro do mundo como o conhecemos. No fim, o discreto cidadão na sala pequena de um prédio velho de uma rua de Paris acaba desmontando as próprias ideias e avisa: o capitalismo não dura mais que 50 anos; até lá vamos ter um período de muita incerteza, desordem e, principalmente, mudança, como ele diz na entrevista a seguir.

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TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS

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Folha – Muitos países têm entrado voluntariamente em acordos de livre comércio no chamado mundo "globalizado" com potências que recentemente os exploravam, acreditando na doutrina de vantagem comparativa. O sr. vê essa adesão como o "beijo da morte" para os países periféricos?

Immanuel Wallerstein – Em primeiro lugar, eu acho que o termo "globalização" é em grande parte um slogan e uma mistificação, não uma realidade nova. Estamos falando é da liberdade de movimento dos fatores de produção versus protecionismo. Isso tem sido uma questão por 500 anos. Países foram para um lado e para outro na questão, porque há vantagens em ambos, para todos. No momento, os EUA têm liderado um grande esforço para derrubar barreiras, especialmente de fluxos de capital. Os fluxos financeiros sempre foram os mais controlados de todos. Os EUA tiveram um certo nível de sucesso nos últimos dez anos, conseguindo com que países fizessem coisas para as quais eles ainda não estavam preparados.

Por um lado, essa iniciativa começou com muito êxito. Quando você proclama que não há alternativas ao modelo neoliberal, o que está querendo dizer é que não deveria haver outras alternativas, mas, obviamente, elas existem. Houve uma forte reação. Não só uma reação de vários países, que disseram: "Isso não funciona para nós, vamos sair perdendo", mas também dos EUA e da Europa Ocidental, de pessoas como Jeffrey Sachs e Kissinger; pessoas que você não poderia nunca chamar de esquerdistas. E o argumento deles é muito sensato, ao dizerem que as pessoas que têm se esforçado para conseguir esse livre fluxo não pensaram nas consequências de uma política como essa. As consequências são muito severas: colapsos de liderança, seguidos de revoluções etc. O que eles estão dizendo é que você deve fazer isso de uma maneira mais social. Então a combinação da discussão, simbolicamente, do FMI-Banco Mundial e a crescente resistência de alguns países definitivamente diminuíram o grau de abertura. Mas isso não é nada de novo, acelera e regride o tempo todo, e certamente o livre comércio não é uma panaceia. Quer dizer, a ideia de que você deve competir não tem nada de novo – o que é o capitalismo senão a teoria de que você tem de ser competitivo no mercado mundial?

Folha – O sr. não acha que a adesão formal a tratados de livre comércio é algo novo e prejudicial?

Wallerstein – Certamente não é novo. Certamente algo que não é bom "per se": é bom para alguns e ruim para outros. E certamente não é inevitável ou irrevogável. Quer dizer, eu não acho que daqui a dez ou 15 anos haverá mais abertura do que há agora, talvez até haja consideravelmente menos. À medida que os EUA constroem uma zona na América Latina, quais seriam os excluídos? Os europeus, os japoneses... Mas eles terão as suas próprias zonas. Nós podemos, daqui a dez ou 15 anos, ter um mundo formalmente dividido em três zonas, dentro das quais haverá livre comércio, mas não entre elas. Nós já estamos vendo coisas assim na Europa Ocidental, que são apenas um sinal de conflitos mais fundamentais ainda por vir.

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Folha – O livre comércio – ou a globalização, como é chamado – vem sendo defendido por membros da chamada Terceira Via, pessoas de perfil social-democrata, como Blair, Clinton...

Wallerstein – ... E Fernando Henrique Cardoso.

Folha – Isso significa que a Terceira Via seria apenas um disfarce, um rótulo?

Wallerstein – Não. Olha, os social-democratas vêm, cada vez mais, migrando para o centro, por cem anos. Essas pessoas querem capturar a posição liberal. Em parte, é uma tentativa de conseguir mais votos. Eles acham que vão consegui-los no centro, sem perder votos na esquerda, se eles se proclamarem social-democratas. Mas eu não acho que essa seja a receita para o sucesso. Não acho que nisso haja algo de novo: trata-se da clássica posição centrista, liberal, que vem enfraquecendo nos últimos 30 anos, e eles estão tentando restaurá-la. Falta saber quanto sucesso terão.

Uma coisa que se pode dizer sobre a Terceira Via é que ela funciona. Se você é Clinton, ela funciona contra um Partido Republicano de extrema-direita. E, se você é Blair, ela funciona contra um Partido Conservador de extrema-direita. Mas, se os republicanos voltarem para sua posição de "moderados" e os conservadores voltarem para sua posição tradicional, por que os eleitores votariam na versão falsa, quando eles podem votar na versão verdadeira? Isso é tudo que tem de ser feito para a Terceira Via ser derrotada. Então, eu não a vejo como o caminho do futuro. Acho que ela já alcançou seu cume e agora está começando a retroceder.

Que Fernando Henrique Cardoso tenha aderido a isso diz mais sobre as suas tentativas de se posicionar internacionalmente do que sobre a política interna brasileira. Não creio que isso importe muito em termos de política interna brasileira. Eu não imagino que as pessoas saibam o que isso significa.

Folha – O sr. defende, na contracorrente das ideias dominantes, que, com o fim da Guerra Fria, o que realmente teria sido derrotado foi o liberalismo.

Wallerstein – Se você quer começar com as minhas heresias, iniciemos com o que eu entendo por liberalismo. O liberalismo é, como quase todos os termos políticos importantes, um termo confuso e que confunde, e as pessoas o usam de várias maneiras diferentes. Há liberalismo político, econômico, liberalismo cultural -e esses termos não são a mesma coisa. As pessoas podem ser um sem ser o outro. Então, por que usamos o mesmo termo?

Os liberais têm sido pró e contra o liberalismo político, pró e contra o liberalismo econômico e pró e contra o liberalismo cultural, se você olhar para a verdadeira história do movimento. Então, é óbvio que nenhuma dessas é a questão-chave. O liberalismo tem sido, desde o início, a doutrina dos centristas do mundo.

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TÓPICO 3 — O MARXISMO NOS TRÓPICOS

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Folha – Entre os conservadores e os movimentos antissistêmicos?

Wallerstein – Exato. Tem sido a força dominante. Dizem: "Sim, o comércio é inevitável, o progresso está chegando e é uma coisa boa, mas ele tem de ser administrado e controlado por experts, e o que a gente tem para oferecer é reforma administrada". O liberalismo quer começar uma doutrina orientada pelo Estado (e a ideia de que o liberalismo é contra o Estado é uma loucura absoluta) sobre como controlar rebeliões em massa, por meio de concessões.

Se você pensar no liberalismo como a doutrina reformista que faz concessões para aplacar o descontentamento popular, mas sem entregar o jogo e mantendo o sistema, aí pode ver o seu sucesso histórico e os problemas que ele enfrenta hoje.

Parte do argumento é que os liberais conseguiram cooptar a oposição: por um lado, os conservadores, que eram contra qualquer tipo de mudança, e, por outro, os radicais, que queriam mudanças amplas e rápidas. E assim criou o que eu chamo de avatares do liberalismo, que podem discutir se querem reformas mais rápidas ou mais lentas, mas que, basicamente, aceitam as premissas do liberalismo. Isso controlou a situação política.

O último avatar do liberalismo foi o leninismo, que disse às massas: "Confie em nós, pois, quando chegarmos ao poder, faremos todas as reformas e, se as reformas não chegarem rápido o suficiente, é porque estamos sendo atacados, mas esperem e nós chegaremos, logo, na sociedade perfeita".

O meu argumento é que isso foi o que manteve o sistema nos últimos 30, 50 anos e, quando isso caiu, quando os movimentos antissistêmicos – na forma de movimentos de liberação nacional, comunistas ou até social-democratas – perderam o apoio popular, porque eles não conseguiram mudar o mundo, isso provocou a queda do comunismo. Provocou também a queda da principal ferramenta de controle que as forças dominantes tinham sobre as massas, que, então, ficaram desiludidas.

Elas não têm mais a crença de que alguma magia ou feitiço vá acontecer e se tornam, por um lado, contra o Estado e, por outro lado, muito amedrontadas – porque o Estado está entrando em colapso a sua volta, e há crimes – e então elas se voltam ao que eu chamo de "grupismo", que é a criação de grupos que vão prover segurança contra o perigo.

Folha – Será que o sr. poderia delinear, de forma resumida, suas razões para achar que o capitalismo está agonizando?

Wallerstein – Eu venho argumentando que o capitalismo está acabando por causa dos limites impostos à acumulação de capital, de um lado, e do colapso da sua sustentação política, de outro. A sustentação política do capitalismo tem sido o liberalismo que tem especialmente por meio de seu avatar reprimido revoltas populares. Basicamente, em uma palavra,

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UNIDADE 3 — O MARXISMO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

a sustentação política mais importante é a legitimação do Estado. E a legitimação do Estado passa pela promessa dos movimentos antissistêmicos de que o Estado seria uma ferramenta boa para transformar o mundo. Eu acho que isso acabou.

Então nós vamos às bases econômicas do sistema, e o sistema existe para a acumulação incessante de capital. O que eu venho argumentando é que isso está sendo prejudicado por três razões: um, o nível mundial de salários vem subindo e deve continuar crescendo por causa da "desruralização" do mundo; dois, o preço da matéria-prima vem subindo por causa do fim da possibilidade de externalização barata dos custos, essa é a crise ecológica; e três, o preço da arrecadação de impostos vem subindo mundialmente – a porcentagem de dinheiro recolhido que é destinada ao Estado, por aquilo que eu chamo de democratização do mundo, à medida que a população pressiona o Estado para que este lhe propicie saúde, educação e renda perpétua. Então há três fatores, em escala mundial, que vem encolhendo as margens de lucro – e vão continuar a fazê-lo cada vez mais. Por um lado, do ponto de vista dos capitalistas, vale cada vez menos fazer parte do sistema e, por outro lado, é cada vez mais difícil de manter legitimidade política.

Folha – Nos próximos 50 anos, o sr. prevê uma série de convulsões sociais...

Wallerstein – À medida que o sistema entra em colapso, a ordem social também rui, nacional e internacionalmente. Eu prevejo uma série de guerras sangrentas e inconcludentes, mas também tumultos sociais internos. E, particularmente, eu quero enfatizar que esses tumultos – normalmente associados a países de Terceiro Mundo, da periferia – agora vão acontecer no Norte. Especialmente nos Estados Unidos, mas também na Europa Ocidental, Japão etc. Será um mundo desagradável para se viver; intelectualmente estimulante, politicamente muito interessante e pessoalmente muito difícil.

Folha – Que tipo de conflitos o sr. vê entre o Norte e o Sul?

Wallerstein – Eu vejo o conflito adotando o que eu chamo da forma Khomeini -uma dissensão radical de valores, a negação de se jogar pelas regras –; a forma Saddam Hussein – que é totalmente diferente, é calculadamente geopolítica: "Vamos aumentar nossos arsenais e desafiar o mundo". E a terceira forma, que eu chamo de "balseiros" – o caminho individual. Já que nós temos um mundo polarizado social e demograficamente, nós teremos, inevitavelmente, grandes fluxos migratórios, que você não consegue segurar. Você pode diminui-los, mas não pode pará-los.

Folha – Migração do Sul para o Norte?

Wallerstein – É, do Sul para o Norte. Esses fluxos criarão o tumulto social interno nos países do norte. A demografia vai mudar, de forma dramática. E não só porque as pessoas irão do Brasil ou da Venezuela para os EUA: haverá uma cascata de fluxos, que irá mais rápido do que jamais ocorreu, e nós teremos um efeito político mais radical, por causa de sua velocidade e de seu tamanho.

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"A política atual de FHC está muito longe de sua posição intelectual dos anos 50, mas não estou muito certo de que seja diferente de sua postura nos anos 70"

Folha – O sr. disse uma vez que é impossível para a América Latina desenvolver-se sozinha.

Wallerstein – Não era sobre a América Latina. A ideologia liberal é a de que todos os países estão em estradas paralelas, indo para a frente. É a teoria da modernização... Então todos podem desenvolver-se, só é preciso que se aja da maneira correta. Então, nós podemos dizer: "Bolívia, você está numa situação péssima hoje, mas, se você fizer tudo direitinho, daqui a 30 ou 50 anos, você estará, se não como os EUA, pelo menos como o Canadá". Agora, dentro da estrutura do mundo capitalista, isso é "nonsense". O sistema requer polarização e, aliás, floresce nela. É uma questão de um sistema que é hierárquico. Um Estado em particular pode melhorar sua situação, mas, no geral, isso significa que alguém tem de piorar, porque a natureza hierárquica do sistema tem sido persistente desde o começo. E, como todos os dados mostram, nós estamos mais polarizados do que nunca, em 1999. A diferença entre os que estão no topo e os que estão embaixo é a maior que já houve. E isso nunca será solucionado dentro do sistema, senão você não poderia acumular capital.

Então, se você se refere a desenvolvimento nacional, é uma ilusão. Não são os Estados que se desenvolvem, mas o sistema. E o sistema como um todo está em crise. Mas a ilusão desenvolvimentista tem muita força, porque, se você vive em um Estado que não anda tão bem, parece uma ideia maravilhosa que o seu Estado deva fazer algo. E, para as pessoas que estão no topo, nesses países, é uma boa forma de conseguir poder político, para apresentar essa ilusão desenvolvimentista. Mas isso não aconteceu e não vai acontecer.

A maioria dos Estados latino-americanos está na base da pirâmide... alguns estão no meio -o Brasil é claramente um desses. Mas o Brasil é um país grande. Tamanho importa. Você tem certas vantagens por ser grande; não só vantagens internas, mas externas. Você tem mais poder, mais influência. Você ganha algumas migalhas como resultado.

Folha – Mas serão sempre apenas migalhas?

Wallerstein – Bem, eu suponho que, se o sistema capitalista fosse existir por mais 150 anos – o que eu não acho que vá acontecer-, talvez o Brasil se tornasse um grande centro, se a Europa ruísse, ou algo do gênero, o que não é totalmente impossível, já que nós temos rotações no sistema. Mas não acho que isso vá acontecer, porque eu não creio que o sistema vá durar até lá.

Folha – Então, o que pode ser feito em um país como o Brasil?

Wallerstein – Há 50 anos, você pensava que podia se desenvolver, então adotava políticas liberais ou políticas socialistas, não importa. Todos achavam que esse era o caminho para a salvação. Todos tentaram. Não funcionou

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muito. Pessoas diziam que o caminho para a salvação era juntar-se à economia global, mas essa só é a salvação para um pequeno número, não para as massas. Entretanto as massas têm sorte, porque em 1999 há mais possibilidades do que havia em 1945, precisamente porque o sistema está entrando em colapso. Portanto nós teremos a oportunidade de construir uma nova alternativa -e a questão é se ela será melhor ou pior que a atual. Nós podemos construir uma alternativa melhor. Esse é um desafio para as pessoas no Brasil e para as pessoas nos Estados Unidos. É um desafio para todos: construir uma nova estrutura -essa é a principal questão política.

Folha – Um país periférico, como o Brasil, pode ter poder suficiente para influir na construção dessa nova alternativa?

Wallerstein – Acho que os brasileiros têm tanto poder para afetar onde nós vamos estar daqui a 25 ou 50 anos quanto as pessoas dos Estados Unidos. Elas podem até mais, porque o que segura as pessoas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental é um senso de privilégio presente e um medo de perdê-lo e, portanto, elas tomam decisões insensatas a longo prazo. Como a maioria das pessoas no Brasil não têm esse medo de perder uma posição privilegiada, elas podem tomar decisões mais acertadas. Eu nunca defendi a supremacia do Primeiro ou do Terceiro Mundo. Acho que nós todos estamos juntos nessa.

Folha – Presumindo-se que o sistema capitalista não desapareça nos próximos 100 anos, aí então haveria a possibilidade de mudança significativa?

Wallerstein – Quer dizer, se eu estiver completamente errado, outras coisas podem acontecer? (risos). Sim, podem. Eu não posso especular. Faço a melhor análise que posso e, assim como outros analistas, posso não estar certo.

Folha – Uma de suas razões para acreditar na falência do capitalismo é a crença de que o mundo piorou, não só em termos relativos, mas absolutos, desde o início do que o sr. chama de capitalismo histórico. O sr. poderia explicar como consegue medir essa falência?

Wallerstein – É muito difícil de medir. Você tem de medir em termos de quantidade real de comida para comer, de espaço para usar, de recursos naturais para aproveitar e até longevidade. Eu não estou completamente convencido de que a longevidade aumentou. Claro que sim, estatisticamente, mas muito desse aumento tem a ver com a sobrevivência infantil, entre as idades de 0 a 1 ano e de 0 a 5 anos. Não estou muito convencido de que as pessoas que atingem os 5 anos vivem mais do que elas viviam antigamente. E, você sabe, as pessoas têm televisão agora, o que elas não tinham cem anos atrás, mas possuíam outras formas de divertimento. As pessoas vivem em uma favela urbana e antes elas moravam em uma cabana agrícola -qual é melhor? Nós temos um trabalho difícil de medir qualidade de vida. As pessoas morriam por razões diferentes; se essas são melhores ou piores do que as razões (ou doenças) pelas quais se morre agora, eu não sei. Digamos que sou uma voz dissidente sobre a obviedade das melhorias do

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capitalismo. Não há dúvidas de que, para pessoas da classe média alta, suas vidas são melhores do que as das pessoas de mesmo nível comparadas a cem anos atrás. E, normalmente, nós estamos olhando para nós mesmos quando fazemos esse tipo de afirmação de que o capitalismo melhorou a qualidade de vida. Mas, se você olhar para as pessoas das classes mais baixas, a coisa não é tão óbvia.

Folha – O sr. mencionou Fernando Henrique Cardoso. O que pensa de seu governo? Suas ações no poder têm surpreendido o sr., que o conheceu na condição de intelectual?

Wallerstein – Ele tomou a decisão política de mover para o centro, que pensa ser a melhor para a situação brasileira. Até agora tem recebido apoio popular.

Folha – Que caiu muito depois da desvalorização do Real.

Wallerstein – Bom, isso sobe e desce. Deixe-me dizer isso: FHC é um homem muito esperto, e as decisões que ele tomou são decisões pensadas, refletidas, e são as decisões que ele acha as mais acertadas. Talvez não sejam as decisões que eu tomaria.

Folha – O sr. poderia colocar o trabalho intelectual dele em perspectiva?

Wallerstein – Como sociólogo, ele é uma figura importante, foi um dos primeiros "dependentistas"; seus escritos foram bastante influentes. Ele então se moveu de uma posição dependentista clássica para o que ele chamou de desenvolvimento dependente. Os dependentistas diziam que desenvolvimento nacional é impossível, e Cardoso mudou sua postura para dizer que o desenvolvimento era possível, caso houvesse um Estado forte.

Essa posição o levou de uma posição de dependentista para uma variável da teoria da modernização. Essa foi a mudança intelectual que ele fez, e dela resultaram as óbvias mudanças políticas que também fez. Mas como intelectual tem sido influente; é certamente um dos mais importantes sociólogos do pós-guerra.

Folha – Então sua política não o surpreende, pois o sr. a vê como congruente com sua mudança intelectual?

Wallerstein – Deixe-me colocar da seguinte forma: sua política atual está muito longe de sua posição intelectual dos anos 50, mas eu não estou muito certo de que elas sejam muito diferentes de sua postura do começo dos anos 70. Ele mudou, em resultado da reavaliação que fez a respeito do que acontecia no mundo. Então, a sua política de hoje me parece consistente com a sua postura intelectual desde, pelo menos, o início dos anos 70.

Folha – Que tipo de cenário teríamos, no mundo, depois do colapso do capitalismo?

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Wallerstein – É muito arriscado fazer projeções para o cenário futuro, de como o mundo será em 2050, ou por aí. De modo geral, podemos distinguir entre duas formas genéricas. Uma é a forma relativamente democrática e igualitária, e a outra é uma forma hierárquica, desigual. Cada uma pode tomar múltiplos formatos.

Nos últimos 10 mil anos, com algumas exceções, nós temos tido um sistema hierárquico, com vários formatos diferentes. Pode ser que inventem mais um, novo. Ou pode ser que voltemos a usar um antigo: um sistema neofeudal, ou neofascista, ou neoimperialista.

Nós nunca tivemos um sistema relativamente igualitário. Pode ser que, quando tínhamos unidades sociais pequenas, há 10 mil anos, elas te-nham sido relativamente igualitárias. Nós não sabemos, na verdade. Mas o que funcionou para 200 pessoas pode não funcionar para 6 bilhões. Como um sistema relativamente igualitário iria realmente funcio-nar, que tipos de instituições nós teríamos que desenvolver para resol-ver os problemas atuais? Eu não sei ao certo. Eu acho que teria que ser re-lativamente descentralizado e não poderia ser orientado para o lucro. Nós temos alguns tipos de instituições, nos últimos 200 anos, que podemos tentar copiar: se você pensa como uma universidade, ou um hospital funciona. Inter-namente, elas são semiautoritárias, mas permitem grande autonomia para seus profissionais. Seu objetivo não é lucrar. A razão pela qual as pessoas trabalham duro nessas instituições não é o dinheiro, mas outras razões: prestígio, pressão social etc. Pode-se tentar estender esse princípio para todos os tipos de atividade produtiva. Eu estou tentando pensar na usina de aço que não visasse lucrar...

Folha – Como ela funcionaria?

Wallerstein – Aí você tem a questão de hierarquia interna. Você tem tido muita pressão, nos últimos cem anos, por democratização interna. Estamos chegando lá, devagarinho. Como é que elas iriam funcionar? Não sei. Teríamos que ir descobrindo pelo caminho. Por isso é que eu não sou um utopista. Acredito em tentativa e erro. Mas rejeito a ideia de que é impossível termos um sistema relativamente não-hierárquico, relativamente democrático, relativamente igualitário -acho que poderia funcionar, e em grande escala. Nesse sentido eu sou otimista: acredito na maleabilidade da natureza humana; na capacidade de construir novas estruturas que realmente funcionem.

Folha – Quais são as suas razões para ser otimista em relação ao futuro?

Wallerstein – É um otimismo irracional.

FONTE: WALLERSTEIN, I. A ruína do capitalismo. [Entrevista cedida a] Gustavo Ioschpe. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 out. 1999. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1710199912.htm. Acesso em: 29 set. 2020.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

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CHAMADA

• Uma das interpretações da corrente marxista é a denomina Teoria da Dependência, cujas origens remontam à criação da CEPAL, em 1948.

• Um dos objetivos centrais da Teoria da Dependência é compreender a estrutura desigual do sistema capitalista mundial e as razões para o subdesenvolvimento no Sul global.

• A explicação envolve a reflexão acerca do colonialismo e das semelhanças entre as elites na periferia e no centro do sistema mundial.

• A emancipação da periferia global estaria ligada à diversificação de suas parcerias e à diminuição da dependência em relação ao centro a partir do desenvolvimento de indústrias nacionais competitivas e autônomas.

• Há diferenças consideráveis entre as teorias estudadas no presente livro. Enquanto o realismo enfatiza o poder político e a incerteza derivada da ausência de uma autoridade superior ao Estado e o liberalismo defende a possibilidade de cooperação entre os países na resolução de conflitos, o marxismo foca na estrutura desigual do sistema capitalista mundial como resultado de processos históricos que teriam como consequência a prosperidade econômica do centro em detrimento do crescimento da periferia.

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1 Cite e explique as similaridades entre as propostas dos teóricos da dependência.

2 Segundo a Teoria da Dependência, quais seriam as causas do subdesenvolvimento dos países da periferia do sistema internacional?

3 Quais as alternativas propostas pelos teóricos da dependência às relações desiguais no sistema capitalista?

AUTOATIVIDADE

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