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Apostilas do Cipes 1
TEORIA DO SOCIALISMO
Texto 1
FONTES DO SOCIALISMO
CIPES
Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais
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Esta apostila foi elaborada pela Equipe de Estudos Teóricos do CIPES,
responsável pelo Curso “Teoria do Socialismo”.
A edição é do Grupo de Publicações do CIPES.
Os interessados em adquirir as apostilas e demais publicações devem
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NOTA PRELIMINAR
O Curso Teoria do Socialismo faz parte de um conjunto de cursos que
têm como temática central o socialismo. Eles abrangerão, além desse, outros
sobre a História e a Prática do Socialismo. Com isso, pretendemos fornecer
aos interessados opções que possam levá-los a informar-se melhor das
questões do socialismo, situando-os na problemática atual dessa doutrina.
Temas ou aulas do Curso Teoria do Socialismo:
1. Fontes do Socialismo
2. Transformação do Socialismo em Ciência
3. Papel da Filosofia na Teoria do Socialismo
4. Fontes Objetivas do Socialismo
5. “O Capital” - comprovação científica da hipótese de Marx
6. Categorias de “O Capital” - I
7. Categorias de “O Capital” – II
8. Categorias de “O Capital” – III
9. A Acumulação Capitalista
10. A superestrutura do Capitalismo
11. A Historicidade do Capitalismo
12. Teoria da Transição Socialista
13. Teoria do Socialismo no Brasil
A presente apostila – Fontes do Socialismo – é, pois, a primeira de um
conjunto de 13 textos que servirão de referência de consulta para o curso
acima.
Tanto o curso quanto as apostilas que o auxiliam destinam-se a
iniciantes ou pessoas interessadas em rever o assunto. As apostilas, em
especial, procuram veicular somente informações gerais e indicar fontes que
possam servir de material para um posterior aprofundamento dos
conhecimentos. Elas procuram ser didáticas, muitas vezes utilizando o
sistema de verbetes, de modo a fornecer aos que leem a base mínima para
compreenderem os textos clássicos e outras indicações bibliográficas.
As apostilas procuram, por outro lado, estar de acordo com o plano de
aulas do curso. Entretanto, elas fornecem uma diversidade maior de
informações, enquanto as exposições podem sintetizar algumas delas ou
aprofundar outras, dependendo das limitações de tempo e das questões
suscitadas no decorrer do curso.
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ÍNDICE
I. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 5
II. FONTES OBJETIVAS ......................................................................................................... 8
1.Contradições da sociedade feudal .......................................................................... 8
2. Contradições internas do sistema burguês .................................................... 10
3. A anarquia na produção ......................................................................................... 13
III. FONTES TEÓRICAS ........................................................................................................ 15
1. Ideias existentes no séc. 17 e 18 ......................................................................... 15
2. Os iluministas dos séculos 17 e 18 .................................................................... 18
3. Os socialistas utópicos dos séculos 17 e 18 ................................................... 19
4. As ideias de fins de séc. 18 e início do séc. 19 ............................................... 19
5. A filosofia alemã- fins do século 18 e início do século 19 ........................ 22
6. O socialismo utópico do século 19 ..................................................................... 24
IV. ALGUMAS CONCLUSÕES ............................................................................................. 26
V. INDICAÇÕES DE LEITURA .......................................................................................... 28
APÊNDICE ................................................................................................................................. 29
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FONTES DO SOCIALISMO
INTRODUÇÃO
“Um fantasma ronda a Europa – o fantasma do comunismo. Todas as
potências da velha Europa uniram-se numa Santa Aliança para exorcizá-lo: o
Papa e o Czar, Metternich e Guizot, os radicais franceses e os espias da polícia
alemã.
Qual o partido da oposição que não foi acusado de comunista por seus
adversários no poder? Qual o partido de oposição que também não lançou
contra seus adversários progressistas ou reacionários o estigma do
comunismo?”
Estas palavras foram escritas por Max e Engels quando publicaram o
Manifesto Comunista. Nessa época, o tipo de socialismo defendido por eles
era somente um entre diversos existentes em cada país da Europa. De lá para
cá esses socialismos sofreram um processo muito diferenciado. Alguns
desapareceram completamente, como os críticos-utópicos; outros
desapareceram por um longo período, voltando a ressurgir na atualidade,
como o anarquismo e o socialismo cristão. O marxismo, por sua vez, o único
socialismo que conseguiu tornar-se realidade prática, divide-se atualmente
em várias correntes e enfrente uma séria crise.
Por outro lado, desde meados do século 18 até hoje, o mundo tem
presenciado uma enorme quantidade de comoções e transformações sociais.
Nenhuma outra época da humanidade conheceu, mesmo remotamente, algo
parecido. A maioria dessas comoções ou transformações realizou-se tendo
como motivação o socialismo, aquele fantasma que aterrorizava reis e
ministros.
- Na revolução Francesa apareceu Babeuf e sua “Conspiração dos Iguais”;
- Em 1871 o proletariado revolucionário de Paris faz a primeira tentativa
séria de materialização do Socialismo através da Comuna de Paris;
- Em 1905 a classe operária russa entra na cena revolucionária com
aspirações nitidamente socialistas, organizando órgãos de poder idênticos
aos da Comuna de Paris (os sovietes);
- Antes da Primeira Guerra Mundial, nas revoluções persa, turca e chinesa
transpareceram muitas aspirações socialistas;
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- A revolução russa de 1917 colocou o socialismo no terreno da prática,
comprovando a possibilidade real de sua materialização. Pela primeira vez
na história, a classe operária de um país, dirigida por um partido marxista,
assumia o poder colocando-se como tarefa expressa construir o socialismo,
estabelecendo uma sociedade na qual as classes e o Estado fossem se
extinguindo paulatinamente.
- Da revolução russa em diante, todas as revoluções e transformações sociais
ocorridas deram-se sob a bandeira do socialismo. As revoluções derrotadas
da Hungria e Alemanha (1919) travaram-se na perspectiva do socialismo. O
mesmo se deu com a revolução espanhola (1936);
- Na última fase da Segunda Guerra Mundial, na esteira do Exército Vermelho
Soviético, o manto do socialismo entendeu-se à Europa Oriental;
- A revolução chinesa, depois de uma prolonga luta armada, libertou das
trevas feudais e do imperialismo uma imensa população, abrindo para ela as
perspectivas do socialismo;
- As revoluções da Indochina, Coréia, Cuba, antigas colônias africanas, Chifres
da África, Iémen do Sul e Nicarágua, revoluções vitoriosas, são também
classificadas como revoluções socialistas ou pró-socialistas.
Das revoluções vitoriosas deste século, somente a revolução iraniana foi
travada sob uma bandeira diferente.
Na atualidade, 30% da área territorial do globo e 35% de sua população
vivem em países que estiveram envolvidos em profundas transformações
sociais e que, em geral, denominam-se ou são denominados socialistas ou
pró-socialistas.
Mesmo assim, o socialismo como doutrina e como prática não é algo de
consenso nem entre os marxistas. Eles travam uma grande polêmica sobre
quase todos os aspectos de teoria socialista e, em especial, sobre os
resultados das experiências dos países que realizaram revoluções sociais sob
motivações socialistas.
Os capitalistas e seus ideólogos, por seu turno, chamam de socialistas e
comunistas, indistintamente, a todos os países que realizaram revoluções. E
aproveitaram-se daquela polêmica e de acontecimentos como os do
Afeganistão e da Polônia para proclamar que o “socialismo está em
decadência” (Ronald Reagan).
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Entretanto, é fora de dúvida que o socialismo ainda é a grande esperança
de milhões de trabalhadores. A classe operária polonesa não pretende um
retorno às mazelas do capitalismo, do mesmo modo que o proletariado
brasileiro e o proletariado dos países capitalistas veem como uma
perspectiva real para resolver seus problemas fundamentais o regime
socialista.
Independentemente de toda a crise que atravessa, o socialismo
demonstra uma grande vitalidade. Um dos sinais mais evidentes dessa
vitalidade reside no ressurgimento de diversas tendências do socialismo
burguês. Mesmo no Brasil não são poucos os representantes burgueses que
se apresentam como socialistas. Delfim Neto é “socialista Fabiano”; Jânio
Quadros é adepto do “socialismo democrático”, e assim por diante. Os
partidos burgueses da socialdemocracia europeia apresentam-se cada vez
mais como alternativas “socialistas” ao capitalismo.
Paradoxalmente, então, ao mesmo tempo que é apregoada a crise e a
decadência do socialismo, em particular do socialismo marxista, a influência
desse socialismo estende-se a camadas cada vez mais amplas das populações
do mundo. E, em qualquer discussão sobre os problemas atuais da sociedade
humana, a solução socialista aparece naturalmente como a mais correta e
viável.
O SOCIALISMO É, POIS, UMA TEORIA PRESENTE NA ATUALIDADE.
Ele aparece, é verdade, como em seus primórdios, dividido em
diversas correntes que se multiplicam mais em uns países do que em
outros. Enfrenta novamente uma série de problemas que ainda não foi
capaz de resolver. Para solucioná-los será necessário conhecer os traços
fundamentais de sua teoria e o processo pela qual ela surgiu, desenvolveu-
se e chegou ao estágio atual. Sem voltar a empreender esse primeiro passo
não será possível avançar muito no rumo da libertação da classe operária e
demais trabalhadores.
O objetivo do presente curso reside justamente em retomar, mesmo
de forma simples e sem maiores aprofundamentos, o processo de
surgimento da teoria socialista e seus traços fundamentais.
Nesta primeira aula examinaremos como surgiu o socialismo,
mostrando em linhas gerais suas fontes objetivas e suas fontes teóricas, e
procurando extrair daí as lições mais evidentes.
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FONTES DO SOCIALISMO
II
FONTES OBJETIVAS
1.Contradições da sociedade feudal
Se tomarmos como ponto de partida a sociedade feudal da Europa,
verificaremos que, a partir de determinado momento de sua história,
começaram a ocorrer dentro dela alguns fenômenos e contradições que não
se davam antes.
- Conjugado com o aumento da população e a expansão da agricultura,
ocorreu uma ativação no comércio;
- Essa ativação econômica levou ao surgimento e ampliação dos burgos
(cidades comerciais), ao aparecimento e ampliação de uma camada de
pessoas que se dedicavam a essa atividade (os comerciantes), ao incremento
da navegação;
- Surgiram também, ligadas a todo esse processo de ativação econômica, as
manufaturas, em geral pertencentes a comerciantes burgueses;
- Essas manufaturas criaram as condições para a transformação dos antigos
trabalhadores num trabalhador de tipo diferente um trabalhador
assalariado.
As novas condições criadas pelo comercio e pela manufatura levaram
a que os interesses dessa nova camada social burguesa, desde o começo,
fossem se diferenciando cada vez mais dos interesses da nobreza feudal, dos
senhores de terras. Estes detinham uma série de privilégios e seu domínio
sobre a sociedade determinava a organização da agricultura e, também, das
próprias manufaturas.
Esses interesses diferentes entraram em choque quando a burguesia
ganhou maior desenvolvimento através dos lucros obtidos com as
descobertas marítimas, em especial com a descoberta da América. Entre as
consequências trazidas pelas descobertas marítimas pode-se citar:
- Elas prepararam o terreno para o estabelecimento de um mercado mundial;
- Esse mercado mundial foi definitivamente estabelecido quando a
manufatura se transformou na indústria;
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- Esse mercado mundial, por sua vez, deu um novo e grande impulso ao
comércio, à navegação, às comunicações, reagindo então positivamente
sobre a indústria.
Com isso, a burguesia alcançou um desenvolvimento acentuado. Esse
desenvolvimento por seu lado, gerava novas condições que forçavam a
burguesia, para continuar desenvolvendo-se, a lutar por novas condições
que não encontrava no regime feudal.
- necessitava de trabalhadores livres, cuja força e trabalho pudesse comprar
e usar quando necessitasse;
- precisava derrubar as barreiras feudais ao livre comércio, barreiras que
com suas taxas e outros tributos, encareciam demasiadamente as
mercadorias;
- precisava de uma agricultura que pudesse vender livremente seus
produtos para os habitantes das cidades, entre os quais se encontravam os
operários das suas indústrias;
- precisava modificar a organização feudal das manufaturas, de modo a que
as máquinas e as técnicas de produção pudessem desenvolver-se
livremente.
Em outras palavras, as relações de propriedade próprias do regime
feudal eram incompatíveis com o desenvolvimento das novas condições de
produção que levaram ao surgimento da burguesia.
Essa incompatibilidade aumentou ainda mais com a revolução
industrial.
- O sistema de guildas ou dos grêmios medievais que dominava nas
organizações dos artesãos e, em parte, nas manufaturas, impedia o livre
desenvolvimento da técnica e sua universalização; enquanto a manufatura
Mercado
mundial
Transformação
da manufatura
na indústria
Ativação do
comércio, etc. Novo impulso ao
comércio, à navegação, à
indústria, etc.
Descobertas
marítimas
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moderna e a indústria necessitavam de trabalhadores que pudessem
manejar qualquer máquina e de máquinas nas quais não houvessem
segredos de funcionamento;
- com a difusão das maquinas provenientes da revolução industrial, a
indústria precisava de número crescente de braços, de operários em
condições de vender sua força de trabalho aos donos das máquinas. O
número de servos fugitivos era insuficiente. A organização parcelaria era
um entrave à constituição do mercado industrial do trabalho.
Essa crescente incompatibilidade e os choques daí decorrentes entre as
novas condições burguesas e as formas feudais de propriedade foram
acompanhadas de uma luta política dessa burguesia contra o sistema
feudal. Essa luta foi bastante prolongada e só se completou quando a classe
burguesa conquistou o domínio político da sociedade.
A luta da burguesia contra a nobreza feudal assumiu formas muito
diferentes de país para país.
- Na Itália e na Alemanha a burguesia formou repúblicas urbanas
independentes, mas seu domínio completo só foi alcançado através de
acordos com a nobreza ou parte dela;
-Na Inglaterra a burguesia desde o início se alia uma parte de nobreza;
depois é obrigada a proclamar a república para, posteriormente, voltar
atrás e aceitar a monarquia constitucional. O mesmo ocorreu de modo mais
ou menos semelhante à Holanda;
- Na França a burguesia primeiro estabelece associações amadas,
administrando-se a si própria nas comunas; depois, passa a ser um terceiro
estado, tributário da monarquia; finalmente, realiza uma revolução radical
para romper com todas as travas feudais.
Na luta contra a nobreza feudal, a burguesia viu-se obrigada a
levantar uma série de novos princípios e normas de organização social e
apresentar esses princípios como se fossem do interesse de toda a
sociedade. Isto fazia parte das contradições do próprio sistema burguês que
se gestava dentro da sociedade feudal.
2. Contradições internas do sistema burguês
A radicalidade e as formas de luta assumidas pela burguesia na luta
contra a nobreza feudal dependeram, em grande medida, em cada país, da
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participação da nova classe plebeia que surgira junto com a burguesia e
como seu contrário: a classe dos proletários modernos, dos trabalhadores
assalariados modernos.
- o operário assalariado moderno é um produto de novo modo de
produção capitalista. Quanto mais se desenvolvia a burguesia, o capital,
mais se desenvolvia a classe dos operários
- os proletários são concentrados nas fábricas. São escravos diários
das máquinas, do chefe de seção, do gerente e, acima de tudo, do dono da
fábrica.
- mas os operários são, também, escravos da classe e do Estado
burgueses.
- além de serem explorados pelo capitalista, que se apropria do valor
excedente que cria com seu trabalho, o operário ainda se vê às voltas dos
comerciantes, dos proprietários de imóveis e de toda sorte de
sanguessugas;
Esse processo de exploração a que são submetidos os operários levá-
los a lutar contra a burguesia, desde o momento mesmo de seu nascimento.
- No início a luta é feita individualmente. Cada operário quer resolver seu
próprio problema diretamente com o patrão.
- Depois essa luta vai se ampliando. Ela passa para o nível da fábrica e
depois para uma categoria interna, contra o burguês que explica
diretamente não um, mas um conjunto de operários.
- Nessa fase, boa parte das energias dos operários em revolta vai contra as
máquinas, os instrumentos, os meios de produção e não contra o sistema
capitalista
individual
sanguessugas
diversos
OPERÁRIOS
classe
capitalista
Estado
burguês
comerciantes proprietários
de imóveis funcionários
do Estado
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burguês, que condiciona seu uso. Por exemplo, na época atual temos, de
certo modo, uma repetição desse fenômeno: todos se voltam contra a
energia atômica e contra os robôs, e não contra o sistema burguês
monopolista que condiciona o uso.
É nos primeiros tempos do sistema burguês que a burguesia consegue
unir e mobilizar o proletariado para alcançar seus próprios objetivos na
luta contra a nobreza feudal. Entretanto, nesta luta o proletariado também
luta contra a burguesia, eleva sua consciência e já levanta reivindicações
próprias que demonstram a independência de seus interesses de classe:
- As grandes massas plebeias participantes das diversas revoluções
burguesas eram constituídas por proletários e outros trabalhadores;
- Na revolução francesa de 1789-94, Babeuf é o representante do
proletariado independente;
- Na revolução francesa de 1848, Louis Blanc e Albert são os representantes
proletários;
- Na revolução burguesa alemã de 1848 são as massas operárias que
empurram a burguesia contra os nobres.
Mas o processo de concentração da indústria acelera o processo de
concentração do próprio proletariado, e consequentemente, seu grau de
organização. Isto acaba por transformar, conjugado com a elevação de sua
consciência, a luta dos operários numa luta de classe. Isto é, uma luta
política da classe dos proletários contra a classe dos burgueses e não mais
somente contra os burgueses individuais.
- A organização e luta dos operários em classe é dificultada pela
concorrência entre os próprios operários. Apesar disso, por volta de 1830
irrompem as revoltas lionesas (de Lion, na França), dos operários contra a
burguesia. Entre 1830 e 1850 surge o primeiro movimento revolucionário
de massas operárias, politicamente formado, o dos cientistas na Inglaterra;
em 1844, os tecelões da Silésia, na Alemanha, levantam-se em insurreição,
na primeira grande luta dos operários alemães.
Desse modo, a luta entre o proletariado e a burguesia, uma
contradição interna do regime burguês, passa paulatinamente a primeiro
plano.
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3. A anarquia na produção
As ferramentas, as máquinas, os meios de transporte, as indústrias, o
novo tipo de trabalhador, isto é, as forças produtivas desenvolvidas pelo
sistema burguês, sem paralelo na história da sociedade humana, tornaram-
se poderosos demais para as condições burguesas de propriedade. As
constantes crises do capitalismo expressam a permanente revolta dessas
forças produtivas contra as relações de propriedade que as condicionam:
- Na fábrica reina a mais completa organização e socialização da produção.
Toda a produção é planejada: cada máquina e cada operário e cada operário
possui cotas determinadas, que deve cumprir num determinado tempo e
ritmo; os diversos movimentos e operações são calculados e planejados de
modo cada vez mais apurado;
- A produção é cada vez mais social: qualquer mercadoria produzida pela
indústria incorpora porções de tempo de trabalho de inúmeros operários,
de diferentes ramos produtivos, do mesmo modo que numa fábrica cada
produto final contou com a participação direta ou indireta, em sua
produção, de todos os operários que nela trabalham;
- Na sociedade ocorre o contrário. Nela reina a anarquia: a produção não é a
realizada de acordo com um planejamento que atenda às necessidades
sociais. Cada capitalista produz conforme seus objetivos de lucro, sem levar
em conta o plano dos demais capitalistas individuais. Nem mesmo o
monopólio da atualidade, que avançou muito no processo de planejamento
externo de sua produção, conseguiu superar essa anarquia na produção;
- Em virtude disso são comuns as crises de superprodução, a destruição de
quantidades enormes de produtos em virtude de uma produção superior à
capacidade de consumo.
Entretanto, a superprodução não significa que os trabalhadores
tenham adquirido produtos demais e por isso não os queiram comprar para
seu consumo. Ao contrário. Ocorre que o grau de exploração a que são
submetidos os operários não lhes permite comprar mais do que o
estritamente necessário para sobreviver.
Assim, por um lado, a organização e a socialização da produção lhe dão
uma capacidade ilimitada de produção. As forças produtivas tendem
sempre a se desenvolver, aumentando o rendimento e a produtividade. Por
outro lado, a exploração dos operários pela burguesia, a apropriação da
produção pelo capitalista (em virtude de possuir a propriedade privada dos
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meios de produção e de troca), torna limitada a capacidade de consumo dos
trabalhadores.
A contradição entre a capacidade ilimitada da produção atender às
necessidades sociais e a limitada capacidade de consumo dos
trabalhadores, reflexo da contradição entre o planejamento interno e a
anarquia de produção, aguçam-se sem cessar na sociedade burguesa.
4. Conclusão
A luta do proletariado contra a burguesia e a anarquia na produção são
as principais fontes objetivas do socialismo:
- A miséria causada aos trabalhadores pela exploração capitalista leva
diversos pensadores a denunciá-la e propor projetos de igualdade social e
econômica, a mesma igualdade que a burguesia colocara em seu estandarte
para derrotar o feudalismo, mas depois transformou em igualdade
burguesa (igualdade jurídica mas desigualdade econômica e social);
- Esses projetos de sociedade exprimem as reivindicações igualitárias do
proletariado incipiente. Eles vêm acompanhados de uma denúncia candente
das injustiças e do mal existentes na organização social burguesa;
- Eles representam, pois, as manifestações teóricas de uma classe em
formação que ainda não havia desenvolvido a capacidade de travar uma
luta independente.
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FONTES DO SOCIALISMO
III
FONTES TEÓRICAS
1. Ideias existentes no séc. 17 e 18
Quando surgiram os primeiros sistemas socialistas, vivia-se por um
lado, a época da destruição da sociedade feudal e, por outro, as primeiras
manifestações de indignação dos predecessores do proletariado moderno
diante da situação de miséria e opressão a que eram submetidos.
Era a época, nos séculos 17 e 18 em que as novas condições de produção
empurravam a burguesia a desenvolver o seu modo de produção nos países
da Europa Ocidental, em especial na Inglaterra, Holanda e França. A
manufatura centralizada e as relações capitalistas avançavam nesses países
e, com elas, as pretensões da burguesia:
- Ela está descontente com as restrições a seus direitos e com os entraves que
se colocam à sua expansão;
- Mostra-se interessada em liquidar as relações feudais, em transformar a
propriedade territorial feudal em capitalista;
- Pretende suprimir as prerrogativas da nobreza e do clero e em abolir todas
as divisões e privilégios estamentais inerentes ao regime feudal;
- A monarquia absolutista não mais se coaduna com as pretensões burguesas.
Durante estes dois séculos as restrições do sistema feudal ao
desenvolvimento da nova organização de produção burguesa fizeram com
que surgissem inúmeros pensadores que apresentam, nas formas mais
variadas, as reivindicações e as aspirações da burguesia. Apesar das
diferenças existentes entre eles, condicionadas em parte pelo grau de
desenvolvimento da burguesia e pelas características assumidas por ela em
cada país, todos são adeptos das teorias iluministas (advogava o reino da luz
contra o reino obscurantismo) e racionalistas (o reino da razão).
Esses ideólogos da burguesia apresentam as reivindicações da
burguesia como conclusões de princípios eternos de direito natural.
Em síntese:
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- As normas sociais e políticas que desejam ver predominar são apresentada
como naturais, como correspondentes à natureza em geral e à natureza
humana em particular;
- O Estado natural seria o estado da liberdade e da igualdade. Todos os
homens teriam direito de dispor livremente de sua pessoa e dos seus bens e
igual direito à liberdade;
- Entre os direitos naturais estaria a propriedade privada, inerente a cada
homem;
- O Estado surgiu para proteger a propriedade e a liberdade do homem, que
não estão asseguradas no estado natural;
- O Estado representaria uma certa renúncia à liberdade do homem, que
transmite à sociedade o direito de defendê-lo e a seus bens. Mas a liberdade
seria inalienável e, portanto, a renúncia à liberdade, pela formação do Estado,
é uma renúncia limitada. Portanto o Estado ideal seria o Estado resultante de
um contrato social em que todo o povo participasse na legislação;
- O Estado representaria, pois, a passagem do estado natural à sociedade civil
através de um contrato social que os homens celebrariam entre si. As
condições do contrato social seriam as condições sob as quais o poder do
Estado deve ser organizado.
- A baseado contrato social seria a soberania popular. O Estado deveria ser,
pois, democrático.
Todas essas ideias, que expressam o pensamento mais avançado da
burguesia no aspecto político, voltam-se contra a organização medieval.
Entretanto, para superar as concepções medievais e destruir seu regime
social e político, a burguesia tinha necessidade de pôr abaixo a concepção
religiosa-feudal do mundo, que proclamava e justificava a origem divina do
poder real; precisava demonstrar como irracionais e alheios ao direito
natural todos os velhos postulados e [palavra apagada] reclamando sua
abolição e a criação de novas relações sociais e de uma nova organização
política.
Os pensadores burgueses dessa época viram-se obrigados, então, a
retomar o materialismo como filosofia. Para explicar o direito natural do
homem em contraposição ao direito divino era necessário demonstrar que o
homem fazia parte da natureza e que esta, como aquele, não era fruto da
criação divina. Eles argumentavam, então, que:
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- A natureza não é resultado da criação divina; o mundo não foi criado por
ninguém, existe eternamente e dever ser explicado por si mesmo;
- O mundo possui uma substância única, um só princípio; é uma unidade. A
natureza é o próprio Deus. Este e aquela são uma e a mesma coisa;
- Na natureza tudo se realiza de modo necessário e está estritamente
determinado através de uma cadeia indissolúvel entre causas efeitos. Nada é
casual;
- O homem é parte da natureza, tal como os demais seres e objetos;
- A ação do homem também está subordinada à necessidade rigorosa e se
realiza segundo causas determinadas.
- A liberdade só é concebível dentro de determinados limites, estabelecidos
pela necessidade: o homem só é livre quando se guia pela razão, quando seus
atos são determinados por causas que podem ser justificadas.
Esse materialismo dos iluministas e racionalistas, assim como suas
ideias políticas, eram cheias de limitações condicionadas tanto pelo pequeno
desenvolvimento do conhecimento científico, quanto pelo baixo nível de
forças produtivas e da luta de classes. Mas elas significavam uma grande
revolução filosófica, que representou o prelúdio da revolução política
burguesa.
Essas concepções burguesas constituíam o “arsenal de ideias” existente
quando surgiram os primeiros socialistas.
Reconhecendo a situação de miséria causada pela exploração capitalista
em ascensão e pelo regime de servidão, reconhecendo os antagonismos de
classe e a ação destruidora dos elementos integrantes do próprio sistema
capitalista, os fundadores não foram capazes de ir além daquelas ideias
existentes.
Eles se valem, então, as ideias iluministas e racionalistas para encontrar
as causas das calamidades sofridas pela classe operária e demais
trabalhadores e os meios para eliminá-las:
- Denunciam principalmente os males da sociedade feudal e os novos hábitos
burgueses;
- Pregam um socialismo ascético, espartano, igualitário, tomando como
ponto de partida as formas atrasadas de pequena produção artesanal;
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- Proclamam o princípio da distribuição igualitária no contexto do baixo nível
de desenvolvimento do capitalismo e de seu modo de produção subordinado,
então, as necessidades sociais a esse nível de produção, limitando-as.
As ideias iluministas, reflexo das condições de existência da burguesia
naquele momento histórico, concretizaram-se na república burguesa e na
igualdade formal, na liberdade formal e na fraternidade formal.
As teorias dos primeiros socialistas foram suplantadas pelo próprio
desenvolvimento do capitalismo, que trouxe consigo o desenvolvimento da
técnica, dos conhecimentos científicos, da classe operária e da luta de classes.
A ideia que eles possuíam sobre o proletariado em formação como
classe sem qualquer iniciativa histórica ou qualquer movimento político
independente foi suplantada, também, por novos fatos históricos. No século
19, as revoltas operárias e o movimento cartista, colocaram em evidência as
possibilidades históricas do proletariado como classe.
2. Os iluministas dos séculos 17 e 18
Os mais destacados iluministas e racionalistas desse período
encontravam-se na Holanda, Inglaterra e, especialmente, na França.
Eles foram, em geral, cientistas, filósofos, juristas, políticos e artistas.
Deram importantes contribuições ao conhecimento das ciências naturais e
das matemáticas, retomaram o materialismo como concepção do mundo
natural, atacaram fortemente as concepções religiosas, desenvolveram
novas teorias sobre o direito e o Estado que correspondiam às necessidades
do desenvolvimento das novas condições burguesas. Em geral defenderam
teses democráticas e fora grandes defensores da liberdade de pensamento e
de consciência.
Destacamos os seguintes:
Holanda: Hugo Grócio (1853-645); Baruch (Benedito) Spinoza (1632-1677).
Inglaterra: Francis Bacon (1651-1626); John Milton (1608-1679); John
Locke (1632-1704).
Franças: Renèe Descartes (1569-1650); François Marie Arouet (Voltaire)
(1694-1788); Charles Louis Monstesquieu (1689-1751); Jean Jacques
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Rousseau (1712-1778); Paul Holbach (1723-1789); Claude Helvécio (1715-
1771); Dionise Diderot (1713-1784).
No apêndice desta apostila encontram-se as características principais
do pensamento de cada um destes pensadores, em especial aquelas que
influenciaram de forma progressista a luta filosófica e política.
3. Os socialistas utópicos dos séculos 17 e 18
São principalmente franceses e ingleses os criadores dos primeiros
sistemas socialistas utópicos. Isto é natural porque nesses países foi onde
primeiro se desenvolveram as novas condições burguesas de produção,
acompanhadas de todas as calamidades que se abatiam sobre os
trabalhadores.
O processo de implantação e expansão do capitalismo, aliado à
opressão feudal, tornava insuportável a vida dos servos e dos operários. Os
primeiros socialistas, diante desta situação, realizam uma crítica candente da
sociedade feudal e das desigualdades sociais. Voltam-se principalmente
contra a propriedade privada, que consideram a causa primeira de todos os
males e das desigualdades. Propõem, então, a abolição da propriedade
privada e a instauração da igualdade de bens.
Destacamos os seguintes socialistas utópicos deste período:
França: John Meslier (1644-1733); Morelly (...1775...); Gabriel Bonnot de
Mably (1709-1785); François (Graco) Babeuf (1760-1797);
Inglaterra: Gerard Winstanley (?)
No Apêndice desta apostila encontra-se algumas características do
pensamento de cada um.
4. As ideias de fins de séc. 18 e início do séc. 19
A evolução das condições materiais de existência da burguesia, como o
desenvolvimento das técnicas de produção, da força de trabalho, dos
conhecimentos científicos e da própria produção, as criaram as condições
para a revolução filosófica dos séculos 17 e 18.
Essa revolução filosófica, por sua vez, foi o prelúdio das revoluções
burguesas na Holanda, Inglaterra e França.
20
A revolução francesa de 1789-1794, em especial, tomou realidade os
postulados dos filosóficos e pensadores burgueses mais avançados. Com isso,
ela exerceu uma poderosa influência sobre as mentes dos homens daquele
tempo.
A revolução de 1789 e suas consequências causaram intensa comoção
em toda Europa e tiveram repercussão em todas as áreas do mundo onde a
civilização europeia havia chegado.
Em primeiro lugar ela colocou em evidência o fato de que a sociedade
não é algo imutável. Mostrou, ao contrário, que ela se encontra sob um
constante processo de desenvolvimento, de transformação. A revolução
industrial inglesa demonstrou isso no terreno da técnica, das forças
produtivas, e a revolução francesa teve o mesmo efeito no campo da política
e das classes.
Essa evidência, trazida à luz pela revolução industrial e pela revolução
francesa de 1789-94, entrava em contradição com a filosofia materialista
metafísica que havia servido à preparação revolucionária e predominava até
então. A concepção de uma sociedade estática, eterna, não se coadunava com
as inovações técnicas, com as descobertas científicas e muito menos com as
transformações sociais que estavam ocorrendo.
Os pensadores burgueses da Holanda, Inglaterra e França, porém, não
viviam condições que lhes possibilitassem a resolução desse problema
filosófico:
- Nesses países, a revolução burguesa já fora realizada e a burguesia,
premiada pela luta do proletariado e pela reação feudal, tentava consolidar
sua dominação;
- A aristocracia feudal realizava ataques de toda ordem contra a revolução
burguesa. Na própria França, após a queda de Napoleão e ascensão dos
Bourbons, desencadeou-se uma violenta reação contra a consolidação da
dominação burguesa, com a reação ideológica acompanhando e
fundamentando a reação política;
- O centro dos ataques ideológicos da reação feudal eram as ideias
iluministas; as concepções materialistas, em especial, sofriam grande
perseguição. Em tais condições, os pensadores burgueses foram refugiar-se
no idealismo filosófico. Essa vitória momentânea do idealismo sobre o
materialismo no campo da filosofia foi causada, também, pelo fato de que o
materialismo metafísico dos iluministas era incapaz de explicar os novos
21
fenômenos que ocorriam na sociedade e, em grande medida, as novas
descobertas no campo das ciências naturais;
- No terreno da política, o democratismo dos iluministas cedeu lugar ao
liberalismo. O desenvolvimento das relações capitalistas era acompanhado
pela ruína dos artesão e dos trabalhadores rurais e pela exploração
desumana dos operários fabris. A jornada de trabalho nas fábricas era
superior a 14 horas, inclusive para mulheres e crianças. Isso forçava o
proletariado à luta, fazendo com que a contradição com a burguesia passasse
a primeiro plano. Em tais condições, os pensadores burgueses passam a
salientar o princípio da utilidade pessoal e da liberdade de empreendimento
e contestam a legitimidade do governo do povo. Substituem a ideia da luta de
classes pela da solidariedade das classes. A ideia da igualdade entre os
homens é substituída pela ideia de desigualdade como uma lei supostamente
eterna.
Os princípios sociais burgueses são apresentados como eternos,
imutáveis, como expressão das leis da natureza. O Estado passa a ser
considerado como instrumento destinado a reconciliar e anular as
contradições de classe, erigindo-se em princípio a “não intervenção” do
Estado na economia. Essas ideias liberais substituem as ideias do iluminismo
nas burguesias francesa e inglesa.
Em contrapartida, essa situação, conjugada com as crises, o
desemprego e outros flagelos do capitalismo, fez com que crescessem a
indignação e o protesto espontâneo das massas operárias. Revoltas operárias
explodiram na França, Inglaterra e Alemanha. A luta entre operários e
burgueses começa a manifestar-se com força. E como seu reflexo surgem as
manifestações teóricas que representam aquela indignação e protesto
espontâneo dos proletários e semiproletários contra o novo sistema
capitalista.
Na Alemanha o capitalismo também se desenvolvia, mas num estágio
muito mais atrasado. Enquanto a Inglaterra, França e Holanda já haviam
realizado sua revolução burguesa, a Alemanha encaminhava-se para ela por
um caminho muito mais tortuoso.
A burguesia alemã, por contingências próprias, apresentava-se apática
e fraca, além de dominada pelos príncipes feudais. Entretanto, as mesmas
condições que a geraram, empurravam-na para remover os obstáculos
medievais. A divisão da Alemanha em múltiplos estados minúsculos, cada um
com uma legislação e taxas próprias, era um sério empecilho ao
22
desenvolvimento capitalista. Mas os comerciantes e fabricantes espalhados
por esses domínios feudais, tinham como consumidores principais de seus
produtos os príncipes nobreza.
Essas contingências históricas condicionaram as características da
burguesia alemã e de seus pensadores. Como os demais pensadores
burgueses dessa época, os ideólogos alemães situam-se no campo do
idealismo e suas teorias relativas ao direito e ao Estado são reacionárias.
Entretanto, as contingências particulares do desenvolvimento do
capitalismo na Alemanha, aliadas as descobertas científicas do período,
fizeram com que coubesse justamente à filosofia alemã a tarefa de resolver o
problema filosófico trazido à luz com as constantes transformações técnicas,
científicas e sociais.
A filosofia idealista alemã e o socialismo utópico de fins do século 18 e
início do século 19 constituíram duas fontes imediatas do socialismo
científico.
5. A filosofia alemã- fins do século 18 e início do século 19
Kant, Fitche, Schelling e Hegel são os representantes mais
característicos da filosofia alemã desse período.
Eles elaboram um sistema filosófico no qual se considera que a fonte de
conhecimento e da atividade é o espírito, a ideia. Cada um deles possui
diferenças em torno dessa questão e Kant chega mesmo a reconhecer a
possibilidade do homem conhecer certos fenômenos, ou seja, admite o
caráter objetivo de certos conhecimentos assim como a existência de um
mundo objetivo. Mas no fundamental eles consideram que todo o real
representa o reflexo de uma ideia. As leis seriam, pois, resultado da razão:
quanto mais perfeita fosse a razão humana, quanto mais educada, mais
perfeitas seriam as leis.
Entretanto, só isto não explicava o processo de mudanças que ocorria a
olhos vistos. Era necessário demonstrar que essa razão, essa ideia evoluía,
desenvolvia-se, o que refletiria também nas mudanças do real.
Hegel procurou demonstrar que todo real representa a evolução de
certos princípio absoluto. Este princípio ou ideia absoluta adota múltiplas e
variadas formas de expressão através de diversas fases sucessivamente
23
ascendentes. Desse modo, a sociedade, o Estado, o direito, a cultura,
representam formas de manifestações da ideia. Como a ideia de evoluir,
transforma-se, o mesmo ocorre com essas manifestações.
Essa teoria da evolução constitui o núcleo racional da teoria filosófica
hegeliana e representou uma verdadeira revolução no pensamento filosófico.
Apesar disso, a base idealista da filosofia alemã entrava em contradição
com a necessidade de arrasar com o obscurantismo religioso que dominava
as instituições do país. A luta contra a religião positivista levou os jovens
adeptos de Hegel, que elaborou o método dialético de forma mais
sistemática, a recorrer ao materialismo anglo-francês.
Para este, o único real é a natureza. Mas isto se chocava com o sistema
idealista hegeliano, para o qual a natureza é uma alienação da ideia absoluta,
algo assim como uma degradação da ideia. Porém, o idealismo alemão, com
sua dialética, explicava o processo de evolução da sociedade, enquanto o
materialismo metafísico era incapaz de fazê-lo. Para superar o idealismo
filosófico alemão era necessário, por um lado, demonstrar que a natureza é
independente da filosofia e, por outro lado, que também a natureza está em
constante processo de mudança e que as ideias em evolução constituem na
verdade o reflexo das mudanças que ocorrem na natureza e na sociedade.
A primeira parte dessa tarefa foi realizada por Feuerbach, que restaurou
o materialismo na filosofia:
- Para ele, a natureza existe independente da filosofia;
- A natureza é a base sobre a qual cresceram e se desenvolveram os homens
que são, por sua vez, produtos dessa mesma natureza;
- Fora da natureza e dos homens nada existe: os seres que nossa imaginação
religiosa cria não são senão reflexos fantásticos de nosso próprio ser.
O materialismo de Feuberbach não conseguiu resolver a outra parte da
tarefa, da relação entre o ser (a matéria) e o espírito (a ideia), mas seu
rompimento com o sistema idealista imperante teve um papel
importantíssimo no desenvolvimento posterior da filosofia.
Esse papel pode ser melhor compreendido se se recorda que a história
tem mostrado que a revolução filosófica em geral é um prelúdio da revolução
política. Na Alemanha, como na França do século 18, a revolução na filosofia
foi o prelúdio da revolução burguesa. As conquistas da filosofia alemã foram
24
a base imediata sobre o qual se desenvolveu uma nova e mais profunda
revolução filosófica que se coadunava com a existência e o processo de
desenvolvimento de uma nova classe social: o proletariado. A nova revolução
filosófica que se gestava na Alemanha foi o prelúdio da revolução política do
proletariado.
6. O socialismo utópico do século 19
Na mesma época em que a Alemanha marcha para realizar sua
revolução sobre a liberdade, a igualdade e a fraternidade mostravam sua
verdadeira natureza:
- A liberdade burguesa não era senão a liberdade do operário vender sua
força de trabalho livremente e do capitalista comprar essa força de trabalho
e utilizá-la como qualquer mercadoria.
- A igualdade resumiu-se na formula de que todos são iguais perante a lei,
sacramentando a desigualdade econômica e o direito dos proprietários de
capital explorarem os despossuídos;
Igualdade burguesa = desigualdade econômica e social
Liberdade burguesa
Operário livre de meios de trabalho
Operário livre para vender sua força
de trabalho no mercado
Capitalista livre para comprar e
utilizar a força de trabalho do
operário como qualquer mercadoria
Capitalista livre para explorar ao
máximo os possuidores de força de
trabalho, mas não possuidores de
capital
Capitalista livre para manter as
grandes massas trabalhadoras na
miséria
25
- A fraternidade transformou-se na obrigação dos trabalhadores não lutarem
contra seus exploradores (paz social);
Fraternidade burguesa = explorados manterem-se em paz, mesmo sendo
explorados ao máximo
Contra essa situação cresceu a indignação e o protesto dos operários,
indignação e protesto que se manifestaram teoricamente através dos
socialistas utópicos, em especial de Saint-Simon, Fourier e Owen.
A força desses socialistas utópicos baseava-se na crítica impiedosa dos
vícios e contradições do capitalismo, na busca de um caminho que conduzisse
a um novo regime social justo e na apresentação de pressupostos sobre a
forma desse futuro regime social.
Ainda influenciados pelo racionalismo, os socialistas utópicos do século
19 consideravam que o capitalismo e as contradições que lhe são inerentes
eram consequência da falta de aperfeiçoamento da razão humana.
Concluíram daí, ser possível explicar os representantes de todas as
classes da sociedade a irracionalidade e a injustiça do capitalismo, levando-
os a entender os projetos e planos do novo regime social justo e perfeito que
propunham e a esforçar-se por sua realização.
Limitados pelo baixo nível de organização e união dos proletários, não
acreditavam que a classe operária fosse capaz de realizar qualquer
movimento independente. Mas era à melhoria da situação dessa classe que
voltavam o melhor de seus esforços.
No apêndice encontram-se os traços principais do pensamento desses
pensadores.
26
TEORIA DO SOCIALISMO
IV
ALGUMAS CONCLUSÕES
Da exposição sobre as fontes objetivas e as fontes teóricas do socialismo,
assim como sobre os sistemas socialistas aparecidos nos séculos 17,18 e 19,
pode-se retirar algumas conclusões interessantes, referentes ao processo de
surgimento e desenvolvimento da teoria do socialismo.
1. Quando surgiram os primeiros sistemas socialistas, a luta do proletariado
contra a burguesia e a anarquia na produção (fontes objetivas) ainda não
havia alcançado um alto grau de desenvolvimento.
2. Essa situação objetiva condicionava o desenvolvimento das teorias
filosóficas e políticas. A luta do proletariado confundia-se com a luta da
burguesia contra a nobreza e essa luta dominava todo o curso dos
acontecimentos. As ideias novas que predominavam eram, então, as dos
iluministas e racionalistas.
3. As concepções filosóficas dos iluministas eram, em geral, materialistas.
Mas elas sofriam o defeito de se utilizarem de um método que não
correspondia ao processo real da existência da matéria, o método
metafísico.
4. Nessas circunstâncias, não haviam ainda amadurecido as condições
objetivas (materiais) e subjetivas (arsenal de ideias existente) para que os
pensadores preocupados com a situação da classe operária forjassem uma
teoria científica do socialismo.
5. Para que isso acontecesse era necessário que:
- a luta da classe operária contra a burguesia houvesse alcançado um nível
que demonstrasse praticamente a capacidade dessa classe travar suas
lutas de forma independente e suas perspectivas históricas.
- as contradições da filosofia (luta entre o materialismo e o idealismo e luta
entre metafísica e dialética) fossem resolvidas de modo a fornecer os
instrumentos científicos capazes de explicar as leis mais gerais da
natureza e da sociedade.
27
- o desenvolvimento da produção e do intercâmbio dos meios materiais de
vida, isto é, das condições materiais, econômicas, sobre as quais a
sociedade se eleva, houvessem alcançado um estágio em que fosse possível
suas leis de funcionamento.
6. Essas condições só começaram a se conjugar na primeira metade do século
19:
- as revoltas operárias em Lion (França) e o movimento cartista na
Inglaterra, por volta de 1830, foram as primeiras indicações da capacidade
independente da classe operária;
- os passos decisivos para a resolução das contradições em que se debatia
a filosofia foram dados pelos filósofos alemães em fins do século 18 e início
do século 19: eles retomaram a dialética como lei geral do conhecimento
(ou método científico do conhecimento) e repuseram o materialismo como
concepção filosófica do mundo;
- o conhecimento das leis que regem a produção e o intercâmbio dos meios
materiais, isto é, das leis econômicas que regem o desenvolvimento social,
deu um passo decisivo com as teorias econômicas dos fisiocratas franceses
e de Adam Smith: eles criaram a Economia Política clássica que teve seu
apogeu com David Ricardo na Inglaterra e Jean Sismondi na França.
7. Essas condições objetivas e subjetivas, e mais as ideias revolucionárias dos
socialistas utópicos franceses e ingleses, criaram as bases concretas para
que o socialismo se transformasse em ciência.
28
TEORIA DO SOCIALISMO
V
INDICAÇÕES DE LEITURA
1. Engels, F.: Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico – Partes I e II
2. Engels, F.: Anti-Duhring – Cap. I
3. Marx, C. e Engels, F.: Manifesto Comunista – Cap. I
4. Lênin, V.: Três Fontes e Três Partes Integrantes do Marxismo
5. Pokrovski, V.S.: História das Ideologias
6. Lênin, V.: Carlos Marx
Textos seguintes do Curso Teoria do Socialismo
Texto 2: Transformação do Socialismo em Ciência
Texto 3: Papel da Filosofia na Teoria do Socialismo
Texto 4: Fontes Objetivas do Socialismo
Texto 5: “O Capital” – Comprovação Científica da Hipótese de Marx
Texto 6: Categorias de “O Capital” – I
Texto 7: Categorias de “O Capital” – II
Texto 8: Categorias de “O Capital” – III
Texto 9: A Acumulação Capitalista
Texto 10: A Superestrutura do Capitalismo
Texto 11: A Historicidade do Capitalismo
Texto 12: Teoria da Transição Socialista
Texto 13: Teoria do Socialismo no Brasil
29
APÊNDICE
I. Os Iluministas dos séculos 17 e 18
1) Holanda
- Hugo Grócio (1583-1645): o primeiro que tentou expor, de toda forma
sistemática, a teoria do direito natural de acordo com as reivindicações da
burguesia. Foi influenciado pela revolução holandesa em luta pela liberdade
política e religiosa, contra o domínio espanhol e as normas feudais e pela
instauração da república burguesa sob a hegemonia dos comerciantes
abastados.
Obras principais: O Mar Livre (1609); Do Direito Da Guerra e da Paz (1625).
- Baruch (Benedito) Spinoza (1632-1677): foi o primeiro filósofo europeu do
século 17 a tentar explicar o mundo por si próprio. Dar uma explicação
materialista do mundo nessa época representou uma grande conquista
filosófica. Além de preconizar o materialismo materialista, Spinoza
manifesta-se, na política, resolutamente contra a monarquia absoluta.
Defende teses democráticas de organização política livra-se completamente
da influência das ideias religiosas nas suas teorias relativas ao Estado e ao
direito. Foi grande defensor da liberdade de pensamento e de consciência.
Obras principais: Ética Demonstrada pelo Método Geométrico; Tratado
Teológico-Político; Tratado Político.
2) Inglaterra
- Francis Bacon (1651-1626): pai do materialismo inglês. Para ele as ciências
naturais eram as verdadeiras ciências. A física experimental era a parte mais
importante das ciências naturais. Os sentidos são infalíveis e constituem a
fonte de todos os conhecimentos. Toda a ciência se baseia na experiência e
consiste em aplicar um método racional de investigação ao que é dado pelos
sentidos. Considera o movimento como a primeira e mais importante
propriedade inerente à matéria. Suas teorias tiveram grande influência na
luta contra as superstições medievais, principalmente contra a escolástica.
Obras principais: Novum Organum.
30
- Thomas Hobbes (1588-1679): continuador da obra de Bacon, considerava
que o fundamental no mundo é a matéria, o corpo. Considerava o método
matemático um método científico universal a ser utilizado também no campo
da vida social e da política, do mesmo modo que nas ciências naturais.
Consequentemente, pensava o Estado e outros fenômenos da vida social
como resultado da ação do homem. Apesar disso, mantinha posições políticas
reacionárias e de apoio à monarquia.
Obras principais: Defesa do Poder dos Direitos do Rei Necessários à
Conservação da Paz no Estado (1640); Do Cidadão (1642); Do Corpo (1655);
Do Homem (1658); Leviatã (1659).
- John Milton (1608-1679): famoso, poeta, identificou-se com o partido dos
independentes durante a revolução inglesa. Publicou diversos folhetos
políticos e obras em defesa da liberdade de pensamento e de religião.
Defendeu a teoria do direito natural, sendo um dos principais partidários
burgueses do princípio da soberania popular, entendendo por povo a
burguesia.
Obras principais: O Paraíso Perdido; Recuperado.
- John Locke (1632-1704): ideólogo da revolução inglesa de 1688 e da
coligação da burguesia com a nobreza. Foi o “representante da nova
burguesia em todas as suas formas: dos industriais contra os operários e os
desprotegidos, dos comerciantes contra os usuários de tipo antiquado, da
aristocracia financeira contra os devedores estatais (...)” (Marx-Engels). Na
filosofia foi materialista inconsequente, admitindo ao mesmo tempo, o valor
primordial da matéria e a origem experimental do conhecimento humano e
a ideia de Deus como causa primeira (deísmo). Foi defensor da monarquia
constitucional, reconhecendo ao mesmo tempo o direito à insurreição.
Obras principais: Dois Tratados sobre o Governo (1689); Ensaios sobre o
Entendimento Humano (1690).
3) França
- Renée Descartes (1596-1650): naturalista, matemático e filósofo,
generalizou principalmente as conquistas da física. Considerava como fator
31
fundamental no conhecimento da verdade a razão, o pensamento teórico, e
não a experiência, como proclamava Bacon. O sistema filosófico cartesiano
faz uma separação entre física (ciência da natureza) e a metafísica (doutrina
das substâncias). A física cartesiana, que concebe a matéria como força
autocriadora e o movimento mecânico como manifestação de vida da
matéria, é eminentemente materialista. Mas sua metafísica é dualista, isto é,
admite que a matéria e o espírito são substâncias independentes entre si. A
teoria do conhecimento e o método de investigação científica criadoras por
Descartes iniciaram o racionalismo do século 17 e representaram um
instrumento de combate ao escolasticismo e ao aristotelismo medievais.
Obras principais: Discurso do Método (1637), Meditações Metafísicas
(1641); Princípios de Filosofia (1644).
- François Marie Arouet (Voltaire) (1694-1788): notável filósofo literato e
dramaturgo, traduziu a posição da parcela da burguesia francesa que não
queria o poder e apenas reivindicava garantias, dispondo-se satisfazer a
satisfazer-se com o programa do absolutismo iluminista. Este programa
consistia:
- na eliminação da arbitrariedade da administração real;
- na realização de reformas que abrissem caminho ao desenvolvimento
capitalista.
Voltaire denunciou em folhetos, tratados científicos e obras sobre arte, a
ignorância do clero, a intolerância religiosa, a desigualdade dos estamentos
e a injustiça feudal. Criticou o regime feudal em todos os aspectos, assim
como a religião católica, com seus dogmas e seu escolasticismo. Incitou à luta
pela ciência e pelo progresso e considerava as leis da razão como leis naturais
proporcionadas à humanidade pela natureza. Foi partidário de uma religião
racionalista que mantivesse as massas submissas. Reconhecia Deus como
causa primeira do mundo (deísmo) e considerava que isto não estava em
contradição com a investigação e o pensamento científicos.
Obras principais: Cartas Filosóficas (1753); Cândido; Micromegas;
Dicionário Filosófico.
- Charles Louis Montesquieu (1689-1751): jurista e político, procura
demonstrar que as leis de qualquer país devem corresponder e
32
correspondem inevitavelmente a sua situação geográfica e econômica, a sua
religião e, sobretudo, as suas instituições políticas. Seu pensamento
fundamental é que o espírito das leis está condicionado por uma série de
circunstâncias concretas em que vive esta ou aquela sociedade. Deteve-se
minunciosamente na análise das formas de Estado, pronunciando-se contra
o despotismo e, consequentemente, contra ao absolutismo francês. Criou a
teoria da separação dos poderes (legislativo, executivo e judiciário),
propondo a criação de órgãos de representação popular, mas restritos. Seu
ideal político é a monarquia constitucional.
Obras principais: Consideração sobre as Causas da Grandeza e da Decadência
dos romanos (1734); Cartas Persas (1721); Do Espírito das Leis (1748).
- Jean Jacques Rousseau (1712-1778): ideólogo da pequena-burguesia
radical e notável defensor das ideias democráticas. Defendeu a tese de que a
cultura não só não é útil com corrompe o homem. Todos os vícios provêm da
ciência e da arte. Mas a principal fonte do mal reside na riqueza que, junto ao
luxo, dá vida à ciência e à arte. Volta-se, desse modo, contra a desigualdade e
o luxo resultantes, naquele momento histórico, do desenvolvimento
econômico capitalista. Considera que no estado natural, existia igualdade e
liberdade. Ao saírem desse estado natural e entrarem na civilização, os
homens criaram a propriedade privada e o Estado e, portanto, a desigualdade
e todas as suas consequências negativas. Tais concepções de Rousseau sobre
a origem e o desenvolvimento da desigualdade possuem muitos elementos
dialéticos.
Ele defende a necessidade de um contrato social que ponha fim a tais
desigualdades. O Estado resultante desse contrato social, portanto resultante
da soberania popular, dos princípios democráticos, é o único capaz de
assegurar a felicidade e a liberdade dos indivíduos. Afirma que onde não
existe a soberania popular, onde não existe o contrato social, existe o
despotismo. Entretanto, apesar de ser um ferrenho defensor da democracia
radical pequeno-burguesa, na qual se admite inclusive o direito à insurreição,
Rousseau não admite a possibilidade de estabelecer a completa liberdade de
consciência, propondo a implantação de uma religião civil à qual todos os
indivíduos deveriam prestar obediência. Rousseau é, também, adversário da
democracia representativa. Seu modelo de democracia popular é a
democracia grega, a democracia direta, na qual todos os cidadãos devem
participar, discutir e aprovar, eles mesmos, as leis. Rousseau propõe que o
poder governamental seja igualmente subordinado à soberania popular, que
33
deve ter o direito de mudar não só os governantes como o próprio modo de
governo existente. Acreditava que, com a instalação da república
democrática, desapareceria a opressão do homem pelo homem e a
desigualdade de bens. À propriedade correspondente ao contrato social era
aquela necessária para prover as necessidades elementares dos homens, ou
seja, a pequena propriedade privada.
Obras principais: O Restabelecimento das Ciências e das Artes Contribuiu
para Melhorar os Costumes (1750); A Nova Heloísa; Emílio (1762); O
Contrato Social (1762); Sobre as Causas das Desigualdades.
- Paul Holbach (1723-1789): filósofo materialista, adversário do idealismo e
da religião. Seu materialismo, porém, limitava-se aos fenômenos da natureza,
não se estendendo aos da sociedade. Defendia concepções políticas
moderadas, mas implacavelmente contrárias aos usos feudais. Apresentava
o homem como produto do meio social, mas considerava que o meio social
era criado pela opinião social e não pela atividade produtiva. Negava a
realidade do chamado estado natural e considerava que o contrato social era
a base do Estado. A liberdade, a propriedade e a segurança eram direitos
naturais sagrados, do mesmo modo que a desigualdade entre os homens era
um fenômeno natural. O fundamento da propriedade, para ele, deveria ser a
relação entre o homem e o produto de seu trabalho. Pronunciou-se pela
eliminação da propriedade feudal e dos privilégios da nobreza. Considerava
necessária a liberdade de consciência e de pensamento, e tinha como ideal
máximo o reino da razão.
Obras principais: Sistema da Natureza; Política Natural (1733); Sistema
Social (1733), Moralidade Universal (1776).
- Claude Helvécio (1715-1771): pertence, como Holbach, ao setor dos
ideólogos burgueses adeptos do materialismo metafísico. É a partir dessa
premissa filosófica que procura resolver o problema relativo ao homem
(uma máquina, segundo ele) e as suas faculdades mentais (causadas pela
sensibilidade física). As diversas manifestações do psiquismo humano devem
ser explicadas e deduzidas por essa sensibilidade física. Odeia o despotismo,
o regime feudal e o predomínio do clero e da nobreza, ao mesmo tempo que
defende a necessidade da propriedade, da liberdade de pensamento e da
segurança da pessoa.
Obras principais: Do Espírito (1758); Do Homem (1773).
34
- Dionise Diderot (1713- 1784): dirigente ideólogo e organizador da
Enciclopédia das Ciências, das Artes e dos Ofícios. Representante típico do
materialismo francês do século 18, expôs suas concepções em artigos sobre
problemas de filosofia e de política. Submete os hábitos da sociedade feudal
e o clero a uma crítica demolidora, mas do mesmo modo que os demais
materialistas franceses não chegou a ser partidário da revolução,
depositando suas esperanças num monarca iluminista que respeitasse a
soberania popular. Expôs todo um programa de reformas políticas, incluindo
a abolição da servidão, que correspondia aos interesses básicos da burguesia.
Obras principais: O Sobrinho de Rameau; A Religiosa; Crítica às Instruções
de Catarina II, da Rússia; Colóquio de D’Alambert e Diderot (1769);
Fundamentos Filosóficos da Matéria e do Movimento (1770); Pensamento
sobre a Interpretação da Natureza (1754).
- Jean Meslier (1644-1733): filho de um tecelão, tornou-se sacerdote de uma
paróquia de Champagne, sendo o primeiro a apresentar, na França, as ideias
do socialismo utópico. Faz uma acusação candente contra a sociedade feudal,
a exploração dos servos e os injustificados privilégios da nobreza; acusa
apaixonadamente os preconceitos religiosos, demonstrando como eles são
utilizados para fins egoístas, de lucro. Considera como o primeiro mal a
enorme desigualdade entre os diversos estados e posições dos homens.
Dentro do espírito da teoria do direito natural, afirmas que todos os homens
são iguais por natureza, têm direito à liberdade e a sua parte nos bens de
terrenos. Critica ferozmente a burocracia e as bases do regime existente.
Condena a propriedade privada, propondo que a vida da sociedade se
organize sobre os princípios de igualdade de condições: todos devem
dedicar-se a uma ocupação útil e esta deve ser bem distribuída de acordo
com as necessidades sociais. Abomina o absolutismo e incita à ação armada
contra os tiranos.
Obra principal: Testamento.
- Morelly (...1775...): representante da filosofia enciclopédica segundo a qual
o regime social e político existente baseava-se na ignorâncias e nos
preconceitos, contradizia a razão humana e deveria ser substituído por outro
que correspondesse à natureza humana. Considerando necessário somente
encontrar as bases racionais da organização social para as pôr em prática,
35
Morelly propõe-se essa tarefa. Reconhece na propriedade privada a única e
primeira causa de todos os males e opõe a ela o estado natural em que
governavam as leis da natureza e sob as quais os homens viviam agrupados
em famílias, sem necessidade do Estado. No modelo de sociedade que
apresenta, formula 3 leis fundamentais e sagradas: abolição da propriedade
privada; direito do cidadão ao trabalho; obrigação ao trabalho no interesse
da utilidade social, de acordo com suas forças, talentos e idade. A compra e
venda e o comércio eram proibidos: cada um deve receber de acordo com as
suas necessidades. No caso de escassez de produtos, considera necessário
limitar as necessidades. Concebe, além disso, mecanismos para eliminar as
diferenças entre o campo e cidade. Nesse modelo de sociedade, considera
indiferente a organização política a adotar, desde que não haja a propriedade
privada, base de todo o despotismo.
Obra principal: Código da Natureza (1775).
- Gabriel Bonnet de Mably (1709-1785): adepto da teoria do direito natural,
procurar tirar das particularidades da natureza humana conclusões relativas
à organização social e política. Particularidades inerentes à natureza
humana, segundo ele, são a faculdade de raciocionar, a liberdade e a
igualdade. Daí deduz que o poder de Estado deve conservar e fortalecer tais
particularidades. Manifesta-se contra as diferenças estamentais e considera
a propriedade privada em contraposição à natureza humana, sendo a origem
de todas as calamidades e vícios sociais. Considera incompatíveis a riqueza e
a moralidade e propõe a instauração da igualdade de bens e das situações
dos cidadãos. Mas conclui ser impossível um retorno ao comunismo
primitivo, propondo então reformas educativas que aproximem os homens
desse tipo de sociedade. Pronuncia-se a favor de um regime democrático e
deposita suas esperanças na educação e na eliminação dos desregramentos.
Justifica, porém, as revoluções como uma necessidade para evitar a
putrefação social.
Obras principais: Dos Direitos e Deveres do Cidadão (1758); Da Legislação
ou Princípios das Leis (1776).
- Gerard Winstanley (...-...): inspirador do partido dos niveladores autênticos
(diggers Inglaterra), reivindica a supressão da propriedade privada (em
primeiro lugar da terra), do comércio, do sistema monetário e de toda a
desigualdade de bens. Sugere uma sociedade em que todos tenham que
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trabalhar e recebam, igualmente, dos armazéns sociais, os objetos que
necessitam. Reclama também, a abolição de todo poder.
Obras principais: Nova Lei de Justiça; A Lei da Liberdade (folhetos).
- François (Graco) Babeuf (1760-1797); representante mais caracterizado de
uma corrente política dos predecessores do proletariado revolucionário
francês, surgida sob a influência da revolução burguesa de 1789-1794. Além
de propor a mudança radical da sociedade, Babeuf e seus seguidores
procuram organizar-se para levar seu projeto à prática com o apoio das
massa populares (Conspiração dos Iguais). Crítica a igualdade formal
burguesa e propõe a igualdade de bens em lugar dela. Considera a
propriedade privada a causa de toda desigualdade e exorta a sua supressão
e à instauração da comunidade de bens e trabalho. Formula o princípio da
obrigatoriedade do trabalho, vinculando-o ao princípio da igualdade. Elabora
um projeto de sociedade e economia socialistas: uma enorme comunidade
nacional, à qual se transmitem os bens. Durante a revolução, o Estado
expropria os bens de seus inimigos e os coloca em usufruto da comunidade.
Ao mesmo tempo, procura resolver o problema da transição para essa
sociedade, elaborando tanto os planos da mudança revolucionária
(levantamento popular e instauração de um poder revolucionário de
transição), quanto os planos de medidas a serem adotadas pelo governo
revolucionário, medidas que deveriam levar, ao fim de algum tempo, ao
triunfo da propriedade social.
Escreveu artigos e folhetos (Manifesto dos Iguais) e publicou a Revista da
Liberdade de Imprensa, depois chamada Tribuno Popular.
II. Os filósofos alemães – fins do século 18, início do século 19
Kant e Hegel são representantes mais categorizados do idealismo filosófico
alemão desse período.
- Emmanuel Kant (1724-1804): considerado o pai do idealismo alemão,
procurou conciliar o materialismo e o idealismo. A essência de sua filosofia
idealista transcendental, como ele mesmo a chama, consiste em negar a
possibilidade do conhecimento do mundo objetivo (das coisas em si). Para
ele, o conhecimento é um processo de associação de nossas sensações com
as formas puras da faculdade cognitiva, ou seja, espaço e tempo, categorias
do entendimento e ideias da razão. Assim, os conhecimentos têm caráter
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objetivo só na medida em que são obrigatórios para o gênero humano. À
filosofia kantiana dá-se o nome de agnosticismo. No campo do Estado e do
direito, Kant propõe reformas burguesas moderadas que não abolem o
império dos feudais. Chega a exaltar o regime estatal prussiano e é adversário
da revolução.
Obras principais: Princípios Básicos da Metafísica dos Costumes (1785);
Crítica da Razão Pura (1788); Princípios Metafísicos da Teoria sobre as
Virtudes (1797); Princípios metafísicos da Teoria sobre o Direito (1797);
Pela Paz Perpétua (1793).
- Georg W. F. Hegel (1770-1831): representa o elo final na corrente de
concepções do idealismo alemão. Compreendendo a tentativa de estabelecer
um sistema teórico idealista mais consequente, depois que o agnosticismo de
Kant e o idealismo subjetivo de Fichte foram refutados, realiza uma
verdadeira revolução na filosofia ao retomar o método dialético como
método de conhecimento. Hegel conserva o sistema idealista, mas seu
método constitui um núcleo racional. A primeira fase do sistema hegeliano é
a do desenvolvimento da ideia até se converter em absoluto, em sua forma
pura: essa fase é expressa pela lógica. A segunda fase é a da manifestação da
ideia no espaço e no tempo (imanação da ideia): é a expressa pela natureza.
A terceira fase é a da ideia no seu estado mais desenvolvido, o retorno da
ideia a si mesma: é expressa pelo espírito. O sistema de Hegel supõe, pois,
que todo o real representa a evolução de certo princípio absoluto que adota
múltiplas formas de expressão através de fases sucessivamente ascendentes.
Ele compreende três partes: a lógica, a filosofia da natureza e a filosofia do
espírito. Esta última, por sua vez, compreende 3 partes principais: a ciência
do espírito subjetivo (que se manifesta na evolução dos indivíduos); a ciência
do espírito objetivo (que se manifesta na sociedade, no Estado, nos povos e
em sua história); e a ciência do espírito absoluto como unidade dos espíritos
subjetivos e objetivo (que se manifesta na arte, na religião, na filosofia). Com
base nas concepções filosóficas, Hegel desenvolve suas teses sobre a
sociedade, o Estado, e o direito como manifestações do espírito objetivo.
Criada numa época em que a revolução burguesa, sob Napoleão, se exercia
conforme os interesses da grande burguesia e da parte da nobreza a ela
ligada, a teoria hegeliana do Estado e do direito volta-se contra os postulados
progressistas da teoria jurídico-naturalista. Considera o direito “a existência
efetiva do livre arbítrio”; a guerra como um medicamento contra a
estagnação e decomposição dos povos; a igualdade como algo impossível, a
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não ser no aspecto jurídico; o Estado como o fundamento da família e da
sociedade civil. As teorias hegelianas, talvez mais do que as outras de seu
tempo, possuem muitos aspectos contraditórios, progressistas uns e
reacionários outros.
Obras principais: Fenomenologia do Espírito (1806); Ciência da Lógica
(1812); Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1817); Filosofia do Direito
(1837); Lições de Estética (1838); Lições de História da Filosofia (1836).
Feuerbach é a expressão do materialismo alemão desse período.
-Ludwig Feuerbach (1804-1872): combateu resolutamente o idealismo
hegeliano e a filosofia idealista em geral. Seu materialismo caracteriza-se por
sua concepção antropológica da filosofia, isto é, faz do homem o ponto de
partida de sua teoria. Demonstra que a consciência do homem constitui uma
qualidade específica do cérebro. Volta-se também contra o materialismo
mecanicista do período anterior, confundindo-o porém, com o materialismo
propriamente dito. Além disso não considera o homem como um ser social e
não aproveita o núcleo racional da filosofia hegeliana, a dialética. Realiza uma
crítica em profundidade da teologia e da religião, mas proclama uma nova
religião, sem Deus, a religião do amor.
Obras principais: A essência do Cristianismo (1841); Teses Provisórias para
a Reforma da Filosofia (1842); Princípios da Filosofia do Futuro (1843); A
Essência da Religião (1845)
IV. Os socialistas utópicos do século 19
- Claude Henri Saint-Simon (1760-1825): filósofo, cientista e político, é a
cabeça mais universal de seu tempo, juntamente com Hegel. Ao lado das
ideias utópicas e idealistas sobre a reorganização social, expressa
pensamentos geniais de base materialista e dialética e ideias justas sobre os
fundamentos e princípios do futuro regime socialista. Compreende o caráter
objetivamente progressista de cada novo sistema e regime social que tem
lugar na história da humanidade e a importância da instituição da
propriedade privada. Procura explicar os acontecimentos da história da
França pelo processo de transferência da propriedade das mãos dos
latifundiários nobres para novos grupos sociais. Considera que esse processo
de transferência, aliado ao avanço das ciências e a progresso geral, foram as
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causas fundamentais da revolução francesa. Afirma que a instituição da
propriedade é que “serve de fundamento ao edifício social”, sendo este o
problema mais importante a resolver para a organização de uma nova
sociedade. Formula a ideia de que a revolução francesa foi uma luta de
classes, não apenas entre a burguesia e a nobreza, mas entre a nobreza, a
burguesia e os desprotegidos. Elabora projetos de uma nova sociedade,
depositando esperanças nos banqueiros, fabricantes e comerciantes como a
parte mais culta e ativa da classe dos industriais (na qual inclui os
desprotegidos). Em todas as suas obras, “a tendência burguesa continua a
afirmar-se unida, até certo ponto, juntamente com a tendência proletária”
(Engels). Exemplo disso é que não propõe a abolição da propriedade privada.
Mas nelas está sempre presente a ideia da solução justa do destino da “classe
mais numerosa e indigente”.
Obras principais: Conceito sobre a Propriedade e a Legislação; Sobre o
Sistema Industrial; Carta a um Habitante de Genebra Dirigida aos
Contemporâneos; Cartas Genebrinas.
- François Marie Charles Fourier (1772-1837): profundo estudioso das
ciências, da filosofia, da economia política e da história, conclui que a
revolução francesa não conduziu, de modo algum, ao regime da razão e da
liberdade. Realiza, então, uma crítica profunda e demolidora do regime
capitalista, denuncia a exploração impiedosa e a anarquia que reinam em seu
interior. Realiza, entre ouras coisas, uma crítica magistral do matrimônio
burguês e da posição da mulher na sociedade capitalista, sendo um dos
primeiros a formular a ideia de que, em cada sociedade, o grau de
emancipação da mulher é a medida natural de toda a libertação.
Em seus pensamentos sobre a história da civilização afirma que um dos
fatores que condicionam a transição de um período para outro reside no
nível de desenvolvimento da indústria. Divide a história precedente da
humanidade em quatro períodos: selvageria, barbárie, patriarcado e
civilização, entendendo por civilização o império de regime desarmônico e
anárquico. O desenvolvimento progressivo da indústria, das ciências e da
técnica cria as premissas para passar da civilização para o regime da
harmonia ou das associações. Fourier projeta uma sociedade resultante da
transformação pacífica do regime injusto e irracional da civilização burguesa
num regime justo, em que reine a colaboração pacífica e a harmonia entre as
classes sociais dentro de associações produtivas ou falanstérios. Apesar de
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considerar desnecessário a abolição da propriedade privada, das classes e
das desigualdades econômicas (pretende apenas salvar os indigentes das
necessidades e da fome e assegurar-lhes sua quota-parte da abundância),
sustenta a necessidade de trabalho converter-se num prazer, dos interesses
sociais e pessoais estarem em harmonia e da emulação criadora entre os
trabalhadores tornar-se o estímulo fundamental do progresso social.
Obras principais: O Novo Mundo Social e Industrial; Teoria dos Quatro
Movimentos e dos Destino Universais.
- Robert Owen (1771-1858): como os demais socialista utópicos, realiza uma
crítica profunda ao capitalismo, com a vantagem de ter vivido na Inglaterra
no período da revolução industrial, durante a qual o capitalismo se elevou a
um grau muito mais elevado. Compreende que o trabalho é a fonte da riqueza
social e que a propriedade privada é um dos principais obstáculos a que os
trabalhadores gozem os frutos de sua atividade produtiva. Neste ponto
diferencia-se de Saint-Simon e Fourier. Formula um projeto de sociedade (as
colônias de produção e de vida), nas quais a propriedade privada é
substituída pela propriedade coletiva.
Também ao contrário de Saint-Simon e Fourier, realiza uma série de
experiências práticas, filantrópicas umas, cooperativas outras, no sentido de
materializar suas teorias. Durante muito tempo acreditava na possibilidade
da harmonia entre as classes para a realização dos planos da sociedade
racional, mas depois volta-se decididamente para a participação no
movimento operário inglês, onde ajuda na formação de uniões profissionais,
cooperativas etc. Todo o conteúdo de sua atividade mesmo a parte principal,
utópica, está subordinada à causa da melhoria radical da situação material
da classe operária e demais setores trabalhadores.
“Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais mais
registrados na Inglaterra no interesse da classe operária estão associados ao
nome de Owen”. (Engels).