TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo...

39
1

Transcript of TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo...

Page 1: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

!1

Page 2: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

!2

Page 3: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

!3

Page 4: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Resumo

Os adenocarcinomas da ampola de Vater são tumores localizados na região periampular.

Constituem 0,5 de todos os tumores malignos do trato gastrointestinal e têm uma incidência

mundial estimada de 0,4-0,5 casos por 100.000 pessoas por ano.

A doença manifesta-se por icterícia do tipo obstrutivo, à qual se pode associar prurido,

colúria ou acolia. A perda de peso é o segundo sintoma mais comum e a dor abdominal, também

frequente, apresenta-se como uma dor tipo moinha na região epigástrica, do hipocôndrio direito e

por vezes dorsal. Ao exame objectivo estão entre os achados: icterícia, vesícula de courvoisier e dor

abdominal à palpação.

A marcha diagnóstica tem início com a realização de análises laboratoriais que

frequentemente mostram alterações da bilirrubina, e das enzimas hepáticas. A ecografia abdominal é

o método de imagem não invasivo mais útil na investigação inicial da icterícia e no estudo do nível

da obstrução, no entanto a ecografia endoscópica é o método mais sensível para diagnóstico e

estadiamento (T) neste tipo de tumores. Tanto a TC e a CPRE permitem obter mais informações

acerca do tumor, bem como da relação deste com os orgãos subjacentes.

A abordagem dos adenocarcinomas da ampola de Vater depende se a doença é localizada

ou se é generalizada, isto é, com metástases à distância. Na doença localizada e ressecável, a

abordagem é curativa e tem como técnica cirúrgica goldstandard a duodenopancreatectomia de

Whipple. A doença metastizada direcciona o tratamento para a paliação com quimioterapia.

Abstract

Adenocarcinoma of the ampulla of Vater is a tumor located in the periampullary area. They

account for 0,5% of all malignancies of the gastrointestinal tract and have a global incidence

estimated of 0,4-0,5 cases per 100.000 people per year.

The disease usually presents with obstructive jaundice, accompanied by pruritus,

bilirrubinuria and paler stools. Weigh loss is the second most common symptom and abdominal

pain, also common, is a grinding type of pain in the epigastric or right hipochondrium region, and,

sometimes on the back. On physical examination we can find jaundice, presence of abdominal

masses, courvoisier sign, abdominal tenderness and pain on deep palpation.

!4

Page 5: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

The work up begins with laboratory studies (with special attention to bilirrubin and hepatic

enzymes). Abdominal ultrasound is the non-invasive imaging method more useful in the initial

approach to jaundice and the assessment of level of obstruction. Endoscopic ultrasound is the most

sensitive method for diagnostic and T staging in this kind of tumors, besides that, it allows the

biopsy of lesions. Both CT and CPRE can provide more information about the tumour as well as it’s

relation with the underlying organs.

The approach to adenocarcinomas of the ampulla of Vater depends on whether the disease is

localized or whether it is generalized, that is, with distant metastases. If the disease is localized and

ressectable it is curable and the goldstandard technique is the Whipple’s pancreatoduodenectomy. If

the disease is metastatic the treatment is directed for palliation with chemotherapy.

A pesquisa para a revisão do tema foi feita usando os termos (“ampulla”, “papilla”, “Vater”,

“adenocarcinoma”, “Whipple”)

O trabalho final exprime a opinião do autor e não da FML.

!5

Page 6: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Índice

Resumo / Abstract …………………..

Índice ……………………………….

Abreviaturas ………………………..

Introdução ……………………….….

• Epidemiologia

• Patogénese

• Predisposição

• Quadro clínico

• Diagnóstico

• Estadiamento

• Tratamento

• Prognóstico

Caso Clínico ……………………….

Discussão ……………………..……

Agradecimentos ……………………

Bibliografia …………………….…..

!6

4

6

7

9

21

24

35

36

Page 7: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Lista de abreviaturas

AAV - Adenocarcinoma da Ampola de Vater

AFP - alfa-fetoproteína

ALT - alanina aminotransferase ou TGP

AST - aspartato aminotransferase ou TGO

CA - Carbohidrato antigénico

CPRE - Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada

GGT - Gama glutamil transferase

RMN - Ressonância Magnética Nuclear

TC - Tomografia Computodorizada

!7

Page 8: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

DECLARAÇÃO

Declaro que esta dissertação de Mestrado resulta da minha investigação pessoal e independente, e

que o seu conteúdo é original, estando as fontes consultadas devidamente identificadas na

bibliografia.

A informação referente ao caso clínico é confidencial, tendo a Dra. Teresa Colaço, Assistente

Hospitalar do Serviço de Cirurgia do Hospital dos Capuchos, autorizado a sua utilização com fim à

realização desta tese de mestrado. !8

Page 9: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Introdução

Os tumores periampulares são tumores que surgem em torno da área periampular, uma

região anatomicamente complexa que constitui a confluência do canal biliar comum com o canal

pancreático de Wirsung e a sua exteriorização para o duodeno através da ampola de Vater, que é

revestida pelo esfíncter de Oddi.

Epidemiologia

O adenocarcinoma da ampola de Vater (AAV) é um tipo de tumor relativamente incomum.

Constitui 0,5% de todos os tumores malignos do trato gastrointestinal e 6% de todos os tumores

periampulares. Tem uma incidência de 0,4-0,5 casos por 100.000 pessoas por ano. 1

Nos casos esporádicos surge mais frequentemente sexo masculino (um rácio H:M de 1,48:1)

e entre a 7ª e 8ª décadas de vida. Não apresenta muitas discrepâncias quanto à distribuição por raça,

no entanto, é, aparentemente, mais frequente na raça hispânica e a nas regiões insulares asiáticas no

pacífico. 2 Por outro lado os afro-americanos têm menor incidência desta doença. 3 4 !9

Figura 1. Netter F.H. Atlas of human anatomy. 6th ed. Saunders 2014

Page 10: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Patogénese

Os tumores da ampola de Vater podem ser benignos ou malignos. De entre os tumores

periampulares benignos descritos na literatura encontram-se linfangiomas, tumores carcinoides,

leimiofibromas, lipomas, tumores neurogénicos, hemangiomas, sendo os mais frequentes os

adenomas, particularmente o adenoma viloso (seguido do adenoma tubular). Os adenomas

periampulares são esporádicos na maior parte dos casos e surgem com uma idade média de 65 anos. 5 6

No entanto, os tumores da região periampular são, mais comumente, malignos. Dentro

deste grupo, os mais frequentes são os adenocarcinomas. Os adenocarcinomas da região

periampular podem derivar de quatro tipos de epitélios. Os adenocarcinomas da ampola de Vater

(AAV), derivam da mucosa da ampola de Vater.

Os tumores periampulares englobam ainda os que derivam da mucosa do ducto pancreático,

do canal biliar comum distal e do duodeno periampular.

Outro tipo de tumores malignos que podem afectar esta zona são os sarcomas, os linfomas e

os tumores carcinóides.

Os adenocarcinomas da ampola de Vater podem derivar de adenomas pré-existentes ou

lesões pré-neoplásicas planas. Os estudos revelam que entre 30 a 91% dos carcinomas ampulares

apresentam áreas adenomatosas residuais aquando da avaliação histológica.

50% das neoplasias ampulares benignas contém uma componente maligna e estes casos

correspondem geralmente a carcinomas do tipo intestinal.

Predisposição

A maior parte dos carcinomas da ampola de Vater são esporádicos.

Em doentes muito novos e em casos de tumores ampulares em gémeos deve suspeitar-se de

predisposição genética.

Algumas alterações moleculares, incluindo mutações e sobre ou subexpressão de genes

foram associadas ao desenvolvimento deste tipo de tumores, por exemplo, mutações do oncogene

K-ras. A instabilidade de microsatélites e a perda de heterozigotia dos cromossomas 17 e 18

também parecem estar associada a este tipo de tumores. 7 8

Na polipose adenomatosa familiar a região periampular é o principal local de recorrência

maligna após cirurgia (protocolectomia). 9

!10

Page 11: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

A doença de Crohn, a doença celíaca, a colangite, a colecistite e a neurofibromatose tipo I

também parecem aumentar o risco de desenvolver neoplasias ampulares. 10

A prevalência do AAV é superior em doentes com cancro colorrectal não hereditário,

síndrome de Peutz-Jeghers e de Gardner. 10

Quadro clínico

O quadro clínico é dominado pelo aparecimento precoce de icterícia, o sintoma e sinal mais

frequente. Esta surge inicialmente nas escleróticas e atinge as mucosas e pele numa fase mais

avançada. A icterícia neste tipo de tumores é classicamente descrita como sendo flutuante dado que

a necrose e descamação tumoral permitem a drenagem de alguma bílis e consequentemente

reduzem a estase biliar que por sua vez reduz temporariamente a icterícia. Alguns estudos mais

recentes demonstram, que de facto o padrão mais frequente é a icterícia persistente e progressiva. O

prurido pode surgir associado à icterícia em até um terço dos casos, assim como, colúria (urina cor

“vinho do Porto”) e acolia. 11

A perda de peso progressiva, é um sintoma comum, e é acompanhada de anorexia.

A dor abdominal apresenta-se como uma dor tipo moinha que pode atingir a região

epigástrica, o hipocôndrio direito ou a região dorsal.

Outros sinais ou sintomas menos frequentes incluem o síndrome de obstrução gástrica,

esteatorreia e pancreatite aguda e hemorragia digestiva alta.

No exame objectivo podemos observar ictericia da pele e mucosas, dor à palpalção,

hepatomegália, vesícula de Courvoisier (vesícula biliar palpável e indolor associada a icterícia) e

febre. 12

Nenhuma das características clínicas mencionadas é sensível ou específica de tumores

ampulares podendo surgir com outras patologias das hepatobiliopancreáticas.

Diagnóstico

Num doente com icterícia em que se suspeita de uma massa ampular deve iniciar-se a

marcha diagnóstica com provas de função hepática e uma ecografia abdominal. Na presença de

algum achado anormal em algum destes exames deve realizar-se uma tomografia computodorizada

!11

Page 12: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

(TC) abdominal para caracterizar lesões e identificar envolvimento ganglionar ou metastização

visceral.

Análises laboratoriais

As análises laboratoriais mais relevantes no AAV são os níveis de bilirrubina conjugada

(aumenta em caso de bloqueio à drenagem biliar), de fosfatase alcalina (indicador de obstrução

biliar), aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT) e amilase sérica. A gama

glutamil transferase (GGT) é um parâmetro sugestivo de obstrução biliar podendo também estar

alterada na doença hepática.

Uma análise da urina pode revelar pigmentos biliares ou a ausência completa de

urobilinogénio, o que traduz uma obstrução á drenagem biliar.

Em relação aos marcadores tumorais, nenhum é sensível ou especifico o suficiente para ser

uma ferramenta de rastreio ou diagnóstico fiável. O marcador tumoral mais utilizado no estudo das

neoplasias pancreatobiliares é o Carbohidrato antigénico (CA) 19.9, no entanto mesmo que este seja

normal não é possível excluir doença.

Ecografia abdominal

A ecografia é o método de imagem não invasivo mais útil na investigação inicial da icterícia.

Com este método o nível de obstrução biliar pode ser determinado em 90% dos casos.

A ecografia permite identificar ductos dilatados, metástases hepáticas e ganglionares e

ascite. Através do efeito doppler é possível avaliar o envolvimento vascular.

No entanto este é um exame muito operador-dependente e a sua sensibilidade é inferior a

exames como a TAC ou RMN.

Ecografia endoscópica

A ecografia via endoscópica mantém-se um exame operador-dependente, no entanto é o

método mais sensível para diagnóstico e estadiamento local dos tumores da ampola de Vater (97%

para detecção, 72% para estadiamento T). Este exame permite detectar lesões com menos de 1 cm e

é muito sensível na detecção de envolvimento vascular major. Para além disso permite a realização

de biópsia das lesões. 13

!12

Page 13: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Tomografia Computadorizada (TC)

A TC é um exame com grande valor no estudo de lesões da Ampola de Vater.

A TC é superior na avaliação de ressecabilidade e estadiamento pré-operatório. Permite uma

boa avaliação da invasão, limites e compressão de vasos e orgãos adjacentes.

Para o estudo dos tumores periampulares o exame é realizado com duplo contraste, oral e

endovenoso, durante uma apneia, com cortes 1-3mm realizados durante as fases arterial e venosa.

É um exame com possibilidade de reacções adversas ao contraste e implica exposição a

radiação.

Ressonância Magnética Nuclear (RMN)

A ressonância magnética é um método não invasivo muito informativo, contudo pouco

usado em detrimento da TC.

A colangiopancreatografia por ressonância magnética é um exame, não invasivo, que

permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão

da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade, precisão, valor preditivo positivo e

valor preditivo negativo deste exame é 88%, 100%, 96%, 100% e 94%, respectivamente.

Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE)

!13

Figura 1. Adenocarcinoma da ampola de Vater. A - Colangiopancreatografia percutânea transhepática. B - Colangiopancreátografia endoscópica retrógrada. The Korean Journal of Internal Medicine 2012; 27(2): 211-215.

Page 14: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

A CPRE é um exame que permite acesso ao canal colédoco e ao canal pancreático. Este

procedimento permite avaliar a anatomia ductal desta região e demonstrar o nível e a natureza da

obstrução. Para além disso permite biopsar lesões para estudo histológico.

Para além do valor diagnóstico, permite a realização de procedimentos terapêuticos tais

como esfincterectomia, colocação de stents e drenagem biliar. Também permite uma modalidade

terapêutica recente que tem vindo a ganhar adesão, a excisão endoscópica de pequenos tumores

periampulares.

A CPRE é um exame invasivo e não está isenta de complicações, nomeadamente colangite,

pancreatite, perfuração e hemorragia digestiva. Para além das complicações inerentes ao

procedimento, a colocação de stents pode cursar com migração ou obstrução do stent.

Colangiografia Percutânea Transhepática

Este exame, que também é invasivo, apenas tem indicação quando a CPRE não pode ser

executada.

Diagnóstico histológico, macroscópico, microscópico

O tipo histológico de tumor ampular mais frequente é o adenocarcinoma, sendo encontrado

em 65-90% dos casos. Na tabela 1 encontram-se os dois sistemas de classificação histológica mais

utilizados para os tumores da região ampular. 14 15 16

!14

Tabela 1. Fischer H.P., Zhou H. Pathogenesis of carcinoma of the papilla of Vater. Journal of Hepato-Biliary-Pancreatic Surgery 2004

Page 15: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Para além desta classificação, os tumores ampulares podem dividir-se em dois tipos, o

intestinal com células colunares organizadas em glândulas tubulares ou cribiformes e semelhantes

aos carcinomas tubulares do estômago e cólon e de comportamento biológico semelhante; ou o

biliopancreático que consiste em células cuboidais ou colunares baixas dispostas em glândulas

simples ou estruturas papilares ou micropapilares e semelhantes com os tumores do pâncreas e vias

biliares. Esta divisão tem implicações prognósticas na medida em que cada um destes dois tipos de

tumor tem um comportamento distinto. Estes dois tipos de tumor podem distinguir-se por técnicas

de imunohistoquímica com base na expressão das citoqueratinas 7 e 20 e MUC2. O tipo intestinal

tem um perfil citoqueratina 20 e MUC2 positivos e citoqueratina 7 negativa. O tipo biliopancreático

tem um perfil citoqueratina 7 positivo e citoqueratina 20 e MUC2 negativos.

Macroscópicamente podem classificar-se como: (a) tumores intramurais - sem protusão para

o duodeno; (b) tumores extramurais - tumores polipoides que se projectam através da papila de

Vater para o duodeno e (c) tumores ulcerativos.

Estadiamento

O estadiamento TNM é usado para determinar a extensão da invasão tumoral. O tamanho do

tumor primário, definido pela variável T classifica-se em Tis, T1, T2, T3 e T4, correspondendo a

carcinoma in situ, invasão apenas da ampola ou esfíncter de Odi, invasão da parede do duodeno,

invasão de até 2 cm de pâncreas e invasão para além de 2 cm do pâncreas ou de qualquer outro

orgão adjacente, respectivamente. O envolvimento de gânglios linfáticos, N, define-se como N0, se

não há envolvimento ganglionar e N1 se existem gânglios linfáticos regionais positivos. A presença

de metástases à distância define-se pela variável M e classifica-se em M0 se não existem metástases

à distância e M1 se estas forem positivas.

Os estadios IA, IB e IIA correspondem a tumores T1, T2 e T3, respectivamente, N0M0. O

estadio IIB inclui tumores T1 a T3 N1M0. Os tumores de estadio III são T4N0-1M0. Os tumores de

estadio 4 são tumores M1, independentemente da classificação T ou N.

!15

Page 16: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Tratamento

A questão crucial no tratamento do cancro periampular é se a doença é localizada ou

metastizada na medida em que na presença de metástases á distância direcciona o tratamento para a

paliação.

Tratamento cirúrgico

Idealmente, qualquer lesão benigna deve ser identificada e ressecada antes da sua progressão

para cancro.

A abordagem cirúrgica é uma das principais modalidades terapêuticas no tratamento dos

AAV localizados. A técnica cirúrgica mais utilizada é a duodenopancreatectomia de Whipple.

A primeira duodenopancreatectomia bem sucedida e documentada foi realizada pelo Dr.

Walther Kausch em 1912. Em 1935, o Dr. Allen Oldfather Whipple relatou os seus casos de

duodenopancreatectomias tendo o nome do procedimento ficado cunhado com o seu nome.

Inicialmente era uma cirurgia realizada em duas etapas que o Dr. Whipple aperfeiçoou até se

realizar numa só fase em 1940.

!16

Tabela 2. Greene FL. AJCC Cancer Staging handbook: From the AJCC cancer staging manual. 6th ed. New York: Springer 2002

Page 17: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

A cirurgia de Whipple consiste na remoção da metade distal do estômago (antrectomia/

gastrectomia sub-total), da vesicula biliar e ducto cístico (colecistectomia), do canal colédoco

(coledectomia), da cabeça do pancreas, do duodeno, do jejuno proximal e gânglios linfáticos

regionais. A reconstrução consiste na ligação do pâncreas ao jejuno (pancreatojejunostomia), na

ligação do canal hepático ao jejuno (hepatojejunostomia) e ligação do estômago ao jejuno

(gastrojejunostomia).

A operação de Whipple tem uma mortalidade de 5% nos Estados Unidos, sendo inferior a

2% em centros de referência.

Durante muitos anos o interesse nesta técnica foi sendo desvitalizado dada a sua elevada

mortalidade perioperativa, que chegava aos 25% em 1960. Os avanços na medicina condicionaram

melhores outcomes perioperatórios e o interesse nesta técnica foi revitalizado e passou a ser

realizada com mais frequência. Numa tentativa de aliviar os síndromes pós-gastrectomia nos

doentes operados através do procedimento de Whipple, William Traverso e William Polk Longmire

descreveram, em 1978, uma modificação á técnica original, a preservação do piloro, sendo este

procedimento também conhecido como operação de Longmire III. Esta variante preserva o piloro

juntamente com 1-2cm da primeira porção do duodeno e representa, de um ponto de vista

fisiológico, uma técnica mais aceitável com mortalidade, morbilidade e taxa de complicações

semelhantes é a duodenopancreatectomia com preservação do piloro. 17 18 19 20 21

Tanto uma técnica como a outra implicam dissecção de gânglios linfáticos

(linfadenectomia), sendo que a excisão de pelo menos 12 gânglios se associa a uma maior

sobrevivência.22 No entanto, uma linfadenectomia extensa não demonstrou melhoria no outcome do

cancro periampular, demonstrando aumento da morbilidade. 23

Inúmeros detalhes da duodenopancreatectomia estão em constante inovação. Alguns

pormenores da técnica continuam a ser aperfeiçoados e discutidos. Em debate encontram-se as

nuances de cada anastomose entérica, modificações da reconstrução Roux-en-Y, entre outras.

Complicações da cirurgia

A pancreatodudodenectomia permanece, ainda hoje, com uma morbilidade muito alta, na

ordem dos 41 a 47%. 15 24

As complicações mais frequentes são: a deiscência de anastomoses, fístulas pancreáticas,

infecção da ferida operatória e atraso do esvaziamento gástrico. Outras complicações que se podem

atribuir á cirurgia são: sépsis ou abcesso intra-abdominal, hemorragia, deiscência de fascias, íleus

!17

Page 18: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

prolongado, tromboflebite e ulceração marginal. A re-operação é incomum mas está indicada

perante hemorragia, infecção intra-abdominal ou deiscência anastomótica pancreática incontrolável. 15 24

A redução da mortalidade pós-operatória de 17-25% antes de 1985 para menos de 2% em

centros especializados é o reflexo do aumento da experiência cirurgica, melhoria dos cuidados

anestésicos, melhores métodos de imagem pré-operatórios e tratamento pós-operatório

especializado. 5

Quimioterapia

Existem ainda poucos ensaios clínicos controlados e randomizados em doentes com tumores

do trato biliar e portanto, as recomendações relativamente a regimes de quimioterapia ainda não

estão bem definidas.

As recomendações publicadas relativamente a quimioterapia nos tumores periampulares

encontram-se inseridas no âmbito dos tumores do trato biliar, que incluem tumores da via biliar, da

vesícula biliar e tumores ampulares e são baseadas em ensaios clínicos controlados e randomizados

que comparam a quimioterapia com a melhor terapêutica de suporte.

De um modo geral, a quimioterapia apenas é recomendada para doentes com bom estado

geral e com tumores irressecáveis (doença localmente avançada) e metástases á distância ou para

doentes com recorrência após ressecção. Doentes com deterioração do estado geral (performance

status 2 ou 3) ou com descompressão insuficiente da via biliar beneficiam pouco com quimioterapia

e para estes doentes está recomendado o controlo da dor com fármacos e, de acordo com a situação

clínica, podem estar indicados procedimentos como a colocação de stents na via biliar para alívio

sintomático da icterícia.

Os regimes mais estudados e recomendados para carcinomas avançados irressecáveis do

trato biliar são a gencitabina/cisplatina e tegafur/gimeracil/potassio de oteracil (S-1).

Estes regimes associam-se a alguma toxicidade nomeadamente, mielossupressão com

leucopenia, nauseas e vómitos, que são toleráveis.

A quimioterapia adjuvante não está recomendada pela falta de ensaios clínicos controlados e

randomizados relativamente á quimioterapia pós-operatória. A radioterapia também não está

recomendada no tratamento deste tipo de tumores. !18

Page 19: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Em desenvolvimento encontram-se terapêuticas moleculares, nomeadamente as baseadas no

EGFR (receptor do factor de crescimento epitelial), cuja expressão se encontra aumentada nos

tumores do trato biliar. 25

Prognóstico

De um modo geral tumores ampulares tem melhor prognóstico que os tumores das vias

biliares e o cancro do pâncreas, com taxas de sobrevivência a 5 anos de 45%, 10% e 30%,

respectivamente. 26

O prognóstico dos tumores periampulares depende da invasão local, regional e à distância,

bem como do tipo histológico de tumor e ressecabilidade.

Um dos principais determinantes no prognóstico é o estadiamento, sendo que as taxas de

sobrevivência a 5 anos para invasão local, regional, á distância são de 45%, 31%, e 4%

respectivamente. 15 Aquando da apresentação da doença aproximadamente 50% dos doentes

apresenta metastização ganglionar. O fígado é o local mais frequente de metastização à distância.

A ressecabilidade do tumor é outro determinante no prognóstico sendo que uma ressecção

R0 é superior a R1 (margens microscópicas) e R2 (margens macroscópicas). Para além disso a

invasão perineural também se associa a mau prognóstico. 27 Após ressecção de um tumor ampular a

taxa de sobrevivência a 5 anos é de aproximadamente 40%.

O tipo histológico de tumor também tem impacto prognóstico. Os carcinomas do tipo

pancreaticobiliar têm tendencialmente um pior prognóstico por, por um lado terem uma

disseminação/invasão local mais agressiva e, por outro, por haver mais frequentemente

envolvimento ganglionar. 28 29 Para além disso os carcinomas do tipo ulcerativo ou com baixo grau

de diferenciação estão associados a uma pior evolução da doença.

A maior parte dos doentes morre de doença recorrente.

!19

Page 20: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Neste contexto torna-se pertinente apresentar o caso de um homem que se apresentou no Serviço de

Urgência do Hospital de São José com sinais e sintomas de colestase que se demonstrou tratar-se de

um Adenocarcinoma da Ampola de Vater.

!20

Page 21: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Caso Clínico Doente do sexo masculino, de 74 anos, caucasiano, natural do Funchal e residente em

Lisboa recorre ao Serviço de Urgência do Hospital de São José por icterícia e dor na região do

epigastro e do hipocôndrio direito no dia 28/04/2016.

O doente refere desde há três semanas antes do internamento, dor tipo “moinha” no

epigastro e hipocôndrio direito, constante, sem relação com a ingestão alimentar e sem factores de

alívio ou agravamento.

A acompanhar a dor o doente apresenta alteração da coloração urina (“vinho do porto” SIC).

A alteração da coloração da pele e mucosas, icterícia, de aparecimento tardio, foi o que

motivou a ida ao SU.

Na sequência da instalação progressiva de sintomas refere ter notado perda de peso, 5 kg

relativamente ao peso anterior.

O doente nega alteração dos hábitos intestinais, alterações das características das fezes,

nomeadamente cor, consistência e cheiro, hematemeses, melenas e hematoquezias, vómitos ou

náuseas, flatulência ou eructações, meteorismo. Nega sintomas constitucionais nomeademente

fadiga, febre. Nega outros sintomas gastrointestinais nomeadamente disfagia ou odinofagia, pirose

ou regurgitação, saciedade precoce.

Tem ancedentes pessoais de hipertensão arterial, desde há 12 anos, controlada e medicada

com captopril. Refere ainda pólipos na bexiga tendo realizado polipectomia há 6 anos por

laparotomia). Teve hábitos tabágicos, 20 cigarros por dia durante 30 anos (30 UMA) tendo deixado

de fumar há 15 anos. Tem também hábitos alcoólicos marcados desde há muitos anos (não sabe

precisar inicio dos hábitos), com um consumo aproximado de 59 gramas de alcóol/dia (cerca de

uma garrafa de vinho por dia). Nega episódios prévios de icterícia ou da dor descrita. Refere ter

alimentação diversificada e saudável. Sem antecedentes familiares relevantes.

Ao exame objectivo apresentava-se hemodinamicamente estável, hidratado e com a pele e

mucosas ictéricas e apirético

À inspecção do abdomen não demonstra circulação colateral visivel, cicatrizes ou massas. À

ascultação nota-se a presença de ruídos hidro-aéreos normais. À percussão observou-se timpanismo

generalizado com macissez aumentada na área hepática. À palpação detectou-se hepatomegália

!21

Page 22: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

dolorosa, de consistência dura, contornos regulares e bordo rombo (figado palpável 5 cm abaixo do

rebordo costal), dor à palpação profunda na região do hipocôndrio direito e epigastro. Não se

detetaram massas, esplenomegália ou outros pontos dolorosos. Sem sinal de murphy vesicular e

sem vesicula biliar palpável. Pesquisa do sinal de onda líquida negativo.

Salienta-se no restante exame objectivo hipertrofia das parótidas. Os restantes achados do

exame objectivo eram normais.

Para estudo diagnóstico realizaram-se análises laboratoriais, ecografia abdominal, TC

abdomino-pélvica e colonoscopia.

Analiticamente salienta-se bilirrubina total 3,81 mg/dL, bilirrubina directa 2,23 mg/dL, AST

222 U/L; ALT 381 U/L, GGT 2219 U/L, FA 1114 U/L. As serologias da hepatite (HbsAg, IgM Anti-

HBc, Anti-HCV e IgM e IgG Anti-HEV) são negativas. A albumina e o tempo de protrombina

estavam normais. Os restantes parâmetros, nomeadamente, hemograma, leucograma, ionograma,

bioquímica e função renal encontram-se normais. A urina II revelou cor castanha, Urobilinogénio 4

mg/dl, Bilirrubina 1 mg/dl, sem outras alterações relevantes.

A ecografia abdominal revelou dilatação da via biliar principal (13mm) com discreto

espessamento parietal difuso da vesícula biliar e múltiplos depósitos secundários hepáticos. Não

foram observados sinais de lítiase ou ascite. O pâncreas foi mal visualizado (devido à aerocolia).

A TAC abdomino-pélvica demonstrou dilatação fusiforme da via biliar principal no terço

proximal e estenose da via biliar principal distal. O figado, normodimensionado, continha

hipodensidades nodulares hipocaptantes. Salienta-se ainda a presença de segmentos de estenose na

sigmóide/cólon descendente com discreta dilatação a montante. Pâncreas sem lesões ou alterações

aparentes. Baço, glândulas supra-renais e rins sem alterações. Sem adenopatias identificáveis.

Diagnosticada a obstrução biliar pela TC realizou-se CPRE para complementar o estudo

anatómico via biliar.

A CPRE revelou uma úlcera periampular friável que foi biopsada, estenose distal da via

biliar principal e vias biliares intra-hepáticas discretamente ectasiadas. Colocou-se durante o

procedimento um stent provisório para alívio sintomático da obstrução biliar.

A biópsia da úlcera periampular revelou a presença de adenocarcinoma confirmando-se

assim tratar-se de um adenocarcinoma da ampola de vater. A imunohistoquímica revelou um perfil

citoqueratina 7 positivo e citoqueratina 20 e MUC2 negativos, tratando-se portanto de um tumor do

tipo biliopancreático.

!22

Page 23: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Para efeitos de follow-up foram pedidos marcadores tumorais que revelaram CEA de 98,8 e

CA 19.9 e alfa-fetoproteína (AFP) normais.

Na sequência dos achados da TC, realizou colonoscopia, com progressão até à porção

proximal do cólon transverso, interrompida pela presença de fezes, com excisão de pólipo

pediculado séssil no cólon descendente a 45 cm, com 25-28mm e sem outras alterações aparentes da

mucosa ou distensibilidade dos restantes segmentos. A biópsia do pólipo excisado revelou adenoma

tubuloviloso com displasia de baixo grau. Pediculos sem invasão do eixo. Margem de ressecção

livre de lesão.

!23

Page 24: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Discussão

O quadro clínico do doente caracteriza-se por dor na região do epigastro e do hipocôndrio

direito, icterícia, colúria e hepatomegália.

Tendo em conta que a presença de dor abdominal é pouco específica de um sistema em

particular e que icterícia, hepatomegália e colúria são sinais específicos da patologia hepato-bilio-

pancreática, a discussão será orientada em torno deste sistema. O diagnóstico diferencial de

icterícias permite explorar, de forma organizada e lógica, as causas pré-hepáticas, hepáticas e pós-

hepáticas deste sinal e enquadrar a restante sintomatologia de forma a chegar a um diagnóstico

etiológico.

Ictericia

A icterícia resulta da deposição de bilirrubina nos tecidos. Esta só ocorre, portanto, na

presença de hiperbilirrubinémia sérica

O corpo humano produz cerca de 4 mg de bilirrubina por dia resultado do metabolismo do

grupo heme, 80% do qual deriva do catabolismo de eritrócitos sendo o restante 20% derivado de

eritropoiese ineficaz, degradação da mioglobina muscular e citocromos.

A bilirrubina não conjugada é insolúvel em água e portanto não é passível de ser excretada

nesta forma. Nos hepatócitos a bilirrubina não conjugada é conjugada com o ácido glucorónico

passando á sua forma conjugada que é solúvel na bilis. Assim que a bilirrubina está solúvel na bilis

é transportada até à vesícula biliar onde é armazenada ou é transportada para o duodeno através da

ampola de Vater. No intestino a bilirrubina é hidrolisada em bilirrubina não conjugada pelas beta-

glicuronidases bacterianas do ileon distal e cólon e posteriormente reduzidas a urobilinogénio pela

flora microbiana normal. 80-90% do urobilinogénio é excretado nas fezes, sendo oxidado a

estercobilina que dá cor ás fezes enquanto o restante é reabsorvido através da veia porta sendo

depois filtrado pelos rins onde é convertido a urobilina e excretado na urina, conferindo-lhe a cor

amarelada que a caracteriza.

As hiperbilirrubinémias subdividem-se em conjugadas e não conjugadas consoante a fracção

de bilirrubina aumentada. Para o diagnóstico diferencial das icterícias consideram-se as

hiperbilirrubinémias não conjugadas e as conjugadas. Dentro das conjugadas considerar-se-ão as

causas pré, intra e pós hepáticas bem como as causas neoplásicas de hiperbilirrubinémia conjugada

e portanto de icterícia.

!24

Page 25: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Hiperbilirrubinémia Não Conjugada

As causas pré-hepáticas incluem anemias hemolíticas, hemólise e reabsorção de hematomas,

que levam a uma elevação da bilirrubina não conjugada.

Para além destas, alguns síndromes genéticos ou fármacos comprometem o uptake/

conjugação de bilirrubina não conjugada pelo fígado podendo causar uma hiperbilirrubinémia

isolada, acompanhada de icterícia.

Alguns síndromes genéticos que condicionam hiperbilirrubinémia não conjugada são o

síndrome de Crigler-Najjar tipos 1 e 2 que por cursarem com uma ausência ou redução da

actividade da UDPGT, respectivamente, se manifestam por icterícia e por vezes kernictus em recém

nascidos ou durante a infância.

O síndrome de Gilbert caracteriza-se por uma redução da actividade da UDGPT e é mais

frequente nos homens sendo caracterizado por hiperbilirrubinémia leve (<6mg/dL) com períodos de

icterícia que surgem associados a jejum, stress ou doenças intercorrentes.

A colúria é um sinal que só surge quando há hiperbilirrubinémia conjugada, porque apenas a

bilirrubina conjugada é excretada na urina. A dor abdominal referida não parece ser específica de

nenhuma destas causas pré-hepáticas de icterícia. Estes achados clínicos associado á ausência de

história pessoal de anemias, trauma ou doenças autoimunes tornam as causas de pré-hepáticas de

icterícia muito pouco prováveis.

Hiperbilirrubinémia Conjugada

A hiperbilirrubinémia conjugada que se manifesta por icteríca, por vezes associada a colúria

e acolia, pressupõe que exista conjugação de bilirrubina e um bloqueio á sua excreção, ou seja,

pressupõe patologia intra ou pós-hepática.

Existem alguns síndromes genéticos capazes de causar hiperbilirrubinémia conjugada

isolada, como o síndrome Dubin-Johnson, que é uma condição benigna autossómica recessiva, que

se deve a mutações da proteína de resistência a multifármacos 2 e que se caracteriza por icterícia

que surge durante a adolescência, e o Síndrome de Rotor, uma doença autóssomica recessiva que se

caracteriza por hiperbilirrubinémia conjugada e histologia hepática normal e se apresenta com

icterícia ligeira a moderada recorrente desde o nascimento. Como ambos cursam com icterícia

assintomática e manifestam-se numa fase precoce da vida estes sindromes não serão considerados

neste diagnóstico diferencial.

!25

Page 26: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Causas hepatocelulares

De entre as causas hepatocelulares que possam condicionar hiperbilirrubinémia e justificar o

quadro clínico salientam-se as hepatites virais, doença hepática relacionada com o alcoolismo,

causas auto-imunes e toxicidade relacionada com fármacos ou tóxicos.

• Hepatites virais

Uma hepatite viral aguda seria pouco provável perante a clínica apresentada dado que estas

raramente se manifestam por um quadro colestático. Caracteriza-se por um período de sintomas

constitucionais (fase prodromal) que precedem a icterícia em 1 a 2 semanas, com febre, mal-estar

geral, anorexia, nauseas e vómitos, artralgias, mialgias, entre outros. Alguns dias antes do

surgimento de icterícia podem surgir alterações da cor da urina e fezes, como colúria e acolia.

Durante fase ictérica, os sintomas constitucionais frequentemente diminuem e pode surgir uma

perda de peso ligeira, até 5kg. Nesta fase o fígado aumenta de tamanho e torna-se doloroso à

palpação. Para além disso, este é um quadro clínico limitado no tempo.

Embora a dor abdominal, a icterícia, a perda de peso e hepatomegália dolorosa pertençam à

constelação de sintomas que acompanha uma hepatite viral, principalmente durante a fase ictérica, a

ausência de sintomas constitucionais bem como a evolução temporal do quadro, a ausência de

factores de risco ou história epidemiológica para este tipo de infecções tornam esta hipótese menos

provável.

O quadro clínico poderia ainda resultar de uma infecção crónica até então assintomática que

tenha evoluído para cirrose. Isto poderia explicar a icterícia e perda de peso bem como a evolução

temporal dos sintomas. Seriam ainda expectáveis, perante uma cirrose hepática, estigmas de

hepatopatia crónica nomeadamente aranhas vasculares, atrofia testicular, ginecomastia bem como

complicações da cirrose como ascite e edemas periféricos, hipertensão portal, varizes esofágicas,

encefalopatia, entre outras. Para estudo das hepatites virais e suas consequências seria importante o

estudo das serologias das hepatites A, B, C e E, avaliação analítica da função hepática (bilirrubina,

tempo de protrombina e albumina) e estudo morfológico do fígado com realização de ecografia

abdominal e TC com contraste.

• Doença hepática alcoólica

Uma doença hepática causada pelo alcoolismo crónico seria uma hipótese a considerar tendo

em conta os hábitos alcoólicos do doente (68 gramas de álcool/dia) que superam o limite máximo

!26

Page 27: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

diário definido pela OMS de 30g. Desta forma, qualquer das manifestações de doença hepática

alcoólica teriam que ser consideradas, nomeadamente esteatose hepática, hepatite alcoólica e cirrose

hepática. A presença de dor no hipocôndrio direito, bem como hepatomegália associadas a icterícia

e perda de peso podem surgir em qualquer uma destas formas de apresentação, que correspondem a

fases diferentes da evolução da doença hepática alcoólica. A presença de hipertrofia das parótidas é

também muito sugestiva de doença hepática de etiologia alcoólica.

Esta hipótese diagnóstica ganharia mais força se estivessem presentes outros estigmas de

doença hepática crónica, bem como sinais de hiperestrogenismo, como ginecomastia, atrofia

testicular e diminuição da distribuição pilosa, que são particularmente frequentes quando a causa da

DHC é o alcoolismo.

O facto de o quadro ter algum tempo de evolução e se fazer acompanhar de perda de peso

também poderia sugerir a presença de um carcinoma hepato-celular, uma das complicações mais

graves da doença hepática alcoólica. Para estudo desta causa de doença hepática estaria indicada a

avaliação analítica da função hepática, realização de uma ecografia abdominal, eventual biópsia

hepática e TC com contraste.

• Doença hepática relacionada com fármacos ou tóxico

Pelo facto do doente não ter história de consumo de fármacos, produtos naturais ou tóxicos

conhecidos com risco de causar lesão hepática, esta hipótese não será considerada.

• Doenças autoimunes

As causas autoimunes seriam pouco expectáveis dado o perfil do doente (homem de 75

anos) para além do facto de não haverem outras manifestações de auto-imunidade.

Por um lado a cirrose biliar primária é mais frequente em mulheres de meia idade e não

encaixa no perfil do doente, para além disso seriam expectáveis outros sintomas como prurido,

astenia, hiperpigmentação e outras manifestações auto-imunes.

Por outro lado a colangite esclerosante primária teria que ser considerada tendo em conta o

sexo (masculino) e a presença de um quadro icterícia, colúria e hepatomegália dolorosa. No entanto,

apresenta-se numa idade média de 40 a 50 anos, uma grande parte dos doentes (até 50%) tem uma

doença inflamatória do intestino associada e existe frequentemente história prévia de episódios de

colangite ou de episódios de icterícia intermitente. Ainda assim a CEP ou uma das suas

!27

Page 28: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

complicações, o colangiocarcinoma, são hipóteses a considerar dado o quadro de icterícia obstrutiva

estando indicada a realização de CPRE para esclarecimento do diagnóstico.

Causas pós-hepáticas ou colestáticas

• Lítiase vesicular

A litíase vesicular é a causa mais frequente de obstrução biliar. Esta condição é mais

frequente em mulheres e em doentes com história pessoal de dislipidémia. A simples presença de

cálculos biliares na vesícula é na maior parte dos casos assintomática. Ainda assim o espectro de

apresentações e complicações derivadas da presença de cálculos na via biliar inclui a cólica biliar,

colecistite aguda, colédocolitíase, colangite ascendente e pancreatite litiásica

Os episódios de cólica biliar caracterizam-se por dor no hipocôndrio direito e epigastro que

pode irradia para a região interescapular ou escapular direita e que frequentemente tem inicio súbito

e que pode durar até 5h. Uma dor com estas características com duração superior a 5h é mais

sugestiva de colecistite aguda e é frequentemente acompanhada de nauseas e vómitos sendo que a

icterícia acompanha frequentemente o quadro. Se o cálculo impactar na via biliar é frequentemente

assintomática, mas pode condicionar um quadro essencialmente caracterizado por icterícia, colúria

e acolia. A presença de febre e calafrio sugere uma complicação como colangite ou pancreatite

aguda, que se devem ao bloqueio da drenagem da via biliar pelo cálculo.

A fugacidade da cólica biliar contrasta com o quadro clínico de carácter evolutivo e

persistente do doente. No entanto, presença de icterícia e colúria podem ser explicadas por uma

coledocolítiase. O cenário mais frequente é os doentes estarem assintomáticos durante anos ou

apresentarem episódios de colangite ou pancreatite como complicação da presença de cálculos no

colédoco, no entanto é possível manifestar-se por uma icterícia obstrutiva sem os sintomas de

colangite ou cólica biliar associados, se a obstrução do canal biliar comum durar semanas sem que

os cálculos passem espontaneamente para o duodeno. Ainda assim a causa mais frequente de

icterícia obstrutiva são as obstruções malignas das vias biliares, pâncreas e ampola de Vater e

portanto seria importante fazer diagnóstico diferencial com estas hipóteses através de CPRE.

• Pancreatite crónica

A pancreatite crónica, mais frequentemente associada a alcoolismo crónico apresenta-se

essencialmente por dor abdominal de características muito variáveis e perda de peso. A má digestão, !28

Page 29: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

que se apresenta por diarreia crónica, esteatorreia, perda de peso e fadiga, é uma componente

importante do quadro clínico. Ainda que o doente não apresente manifestações de má digestão,

tendo em conta os hábitos alcoólicos do doente e o restante quadro clínico seria uma hipótese a

considerar. Para além disso, a reacção inflamatória pancreática em torno do canal biliar comum

pode conducionar icterícia obstrutiva e colestase.

Causas neoplásicas de icterícia

• Neoplasias do fígado

O carcinoma hepatocelular seria uma hipótese a considerar tendo em conta a clínica. Este

tipo de tumor manifesta-se frequentemente por icterícia, perda de peso, dor abdominal, ascite e

febre de causa desconhecida. Tal como no caso clínico em estudo, pode apresentar hepatomegália,

sendo também frequentes outros sinais de doença hepática crónica. Seria uma hipótese a considerar

tendo em conta o perfil do doente (idade avançada, sexo masculino) e os hábitos alcoólicos do

doente. No entanto, ao contrário do doente em questão, os doentes com CHC têm frequentemente

uma história prévia de doença hepática. A realização de exames imagiológicos nomeadamente TC,

associada a biópsia e análises laboratoriais (com particular atenção às provas hepáticas associada e

AFP são os métodos indicados para exclusão deste tumor.

A presença de metástases hepáticas é 20 vezes mais frequente que a presença de um tumor

primário do fígado. De entre estas teriam que ser consideradas as neoplasias do trato gastro-

intestinal, pâncreas e pulmão, entre outras. Se se considerasse que o tumor primário era silencioso e

a clínica era devida às metástases propriamente ditas seria necessário biopsar a lesão hepática de

modo a determinar a sua origem e posteriormente seriam realizados exames complementares de

diagnóstico para estudo do tumor primário.

Os tumores benignos do fígado não são considerados hipóteses diagnósticas perante este

caso, pois para além de serem fortemente dependentes de estrogénios e por isso mais frequentes em

mulheres, raramente dão sintomas, a não ser pelo crescimento, com distensão da cápsula hepática e

dor abdominal localizada a essa região ou por hemorragia.

Outras neoplasias primárias a serem consideradas como hipóteses diagnósticas são o

colangiocarcinoma, tumores do pâncreas, da vesícula biliar e ampola de vater, que serão discutidos

mais a frente.

!29

Page 30: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

• Tumores das vias biliares

O colangiocarcinoma é um adenocarcinoma produtor de mucina derivado de colangiócitos

que surge nas vias biliares. Pode classificar-se em intrahilar, perihilar e periférico e manifesta-se por

icterícia indolor, prurido, perda de peso e outras manifestações como acolia, colúria e

hepatomegália, algumas destas presentes no quadro clínico do doente. Estes tumores

frequentemente emergem sobre um figado cirrótico ou em doentes cirrose biliar primária, colangite

esclerosante primária, doença de caroli entre outras perturbações das vias biliares. Seria pouco

expectável um tumor destes no doente em estudo dado que o quadro clínico se manifestou sem

qualquer precedente sintomático de colangite ou dor de origem biliar ou história das condições

supracitadas.

Considera-se ainda no diagnóstico diferencial o carcinoma da vesícula biliar que tem uma

apresentação semelhante ao CCC com perda de peso, dor crónica no hipocôndrio direito, icterícia,

colúria e por vezes acolia e prurido, alguns dos sintomas referidos pelo doente. Ainda assim este

diagnóstico seria menos provável tendo em conta o perfil do doente, pois as mulheres são muito

mais afectadas que os homens, e ausência de história pessoal de litíase vesicular, presente na

maioria dos doentes com este tipo de tumor.

• Tumores periampulares

Os tumores periampulares merecem especial consideração neste diagnóstico diferencial.

Estes incluem tumores da cabeça do pâncreas, ampulomas, tumores do duodeno e tumores

do canal colédoco. De entre estes os mais frequentes são os da cabeça do pâncreas, seguidos dos

ampulomas.

A icterícia bem como a perda de peso e dor abdominal, pode ser justificada pela presença de

qualquer um destes tumores.

Alguns sintomas podem surgir mais frequentemente associados a determinado tipo de tumor,

como vómitos e episódios de hemorragia digestiva serem mais sugestivos de um tumor do duodeno,

uma vesícula de courvoisier ser mais sugestiva de um tumor da cabeça do pâncreas ou do canal do

colédoco. No entanto, o quadro clínico não é suficiente para determinar qual o tumor mais provável.

Para o diagnóstico diferencial dos tumores periampulares é importante a realização de uma

CPRE para observar directamente a lesão e realização de biópsia.

!30

Page 31: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Perante a história pessoal do doente e os sintomas e sinais, propõem-se como principais

hipóteses diagnósticas:

1. Obstrução biliar de etiologia a esclarecer.

2. Carcinoma primário ou metastático no fígado.

3. Doença hepática alcoólica.

Análises laboratoriais

O primeiro passo no estudo do doente com icterícia é determinar se a hiperbilirrubinémia é

predominantemente não conjugada ou conjugada, o padrão de lesão celular e se há alterações nas

provas de função hepática.

Determinar o padrão de lesão celular implica a determinação da AST, ALT, fosfatase

alcalina e gama-glutamil transferase. Um padrão colestático apresenta um aumento desproporcional

de FA relativamente à AST e ALT e um padrão hepatocelular apresenta um aumento

desproporcional de AST e ALT relativamente á FA. A bilirrubina sérica pode estar proeminente

elevada em ambos os casos.

A hepatite alcoólica está frequentemente associada a um rácio AST:ALT numa razão 2:1 e,

para além disso, os níveis de AST raramente são superiores a 200 U/L.

A presença de alterações aos testes standard de função hepática (tempo de protrombina,

albumina) bem como das transaminases e/ou FA e GGT podem indicar-nos a presença de cirrose, e

quando associadas a uma elevação da AFP (marcador tumoral do fígado) podem sugerir um CHC.

Nos doentes com icterícia obstrutiva associada a doença litiásica os níveis de bilirrubina

raramente ultrapassam os 15mg/dL. As alterações das enzimas hepáticas são menos frequentes do

que nas causas hepatocelulares no entanto podem ser observados aumentos de 2 a 10 vezes o limite

superior do normal, principalmente se obstruções agudas.

As restantes causas pós-hepáticas de icterícia caracterizam-se laboratorialmente por um

padrão colestático com aumentos marcados da fosfatase alcalina e GGT, e aumentos discretos das

aminotransferases.

Em suma, o doente apresentava essencialmente aumento da bilirrubina total (3,81 mg/dL;

N<1,5mg/dL), à custa do aumento da bilirrubina conjugada (2,23 mg/dL; N<0,3mg/dL), um

aumento da AST (222 U/L; N<10-40U/L) e ALT (381 U/L; N<10-40U/L), e aumento ainda mais

marcado da FA (1114 U/L) e GGT (2219 U/L). As serologias para as hepatites virais foram

negativas. !31

Page 32: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

A exclusão das hepatites virais fez-se através das serologias negativas, que incluiram:

anticorpos IgM para hepatite A, doseamento do antigénio HBs e anticorpo IgM anti-HBc para

hepatite B, doseamento de anticorpos anti-HCV para hepatite C, e anticorpos IgM para hepatite E.

Os valores das aminotranferases também são podem ser mais ou menos preditivos de causas

hepatocelulares. Nas hepatites virais o padrão de lesão hepatocelular caracteriza-se por um aumento

marcado das aminotransferases (>500 U/L). O mesmo acontece com hepatites relacionadas com

fármacos. Perante as elevações modestas das enzimas hepáticas estas causas foram excluídas.

Portanto as principais alterações laboratoriais eram uma hiperbilirrubinémia conjugada e um

padrão de colestase que são sugestivas de obstrução biliar.

Exames de imagem

Perante estes resultados, a marcha diagnóstica implica a realização de uma ecografia

abdominal e TC abdomino-pélvica, que são os exames mais sensíveis para estudo das vias biliares e

fígado.

A ecografia revelou dilatação da via biliar principal (13mm) com discreto espessamento

parietal difuso da vesícula biliar e múltiplos depósitos secundários hepáticos. Não foram observados

sinais de lítiase ou ascite.

A TC abdomino-pélvica demonstrou dilatação fusiforme da via biliar principal no terço

proximal e estenose da via biliar distal. Pâncreas sem lesões ou alterações aparentes. O figado,

normodimensionado, continha múltiplas hipodensidades nodulares hipocaptantes. Sem adenopatias

identificáveis.

Estes resultados sugerem uma obstrução ao nível da via biliar distal ou ampola de vater.

Excluíu-se litíase vesicular e patologia do pâncreas. Perante estes resultados e para exclarecimento

do nível e natureza da obstrução realizou-se CPRE.

A CPRE revelou uma úlcera periampular friável que foi biopsada, estenose distal da via

biliar principal e vias biliares intra-hepáticas discretamente ectasiadas. O resultado sugere a

presença de um tumor periampular cuja origem pode ser determinada através da análise da biópsia.

Histologia

A biópsia da úlcera periampular revelou tratar-se de um adenocarcinoma da ampola de vater.

A imunohistoquímica revelou um perfil citoqueratina 7 positivo e citoqueratina 20 e MUC2

negativos. Concluindo trata-se de um tumor do tipo biliopancreático. !32

Page 33: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Consulta multidisciplinar

Para estadiamento do tumor e decisão terapêutica o caso foi discutido em consulta

multidisciplinar com a cirurgia geral, oncologia, radiologia, nutrição e psicologia. Nessa consulta o

tumor foi estadiado como T1N0M1, salvaguardando-se que o estadiamento foi feito sem realização

de TC toraco-abdomino-pélvica.

Após discussão das possíveis abordagens terapêuticas decidiu-se, na altura, que o doente não

tinha indicação para cirurgia devido á presença de metástases hepáticas, optando-se por iniciar

quimioterapia com gencitabina numa dose 1000mg/m2 IV, semanal, durante 3 semanas

consecutivas e reavaliação após esse período.

Follow-up

Não existe uma estratégia de follow up bem definida. A maior parte dos centros opta por

uma estratégia de observação clínica, análises laboratoriais e TC toraco-abdomino-pélvica. O

intervalo é definido consoante o estadio da doença.

Na doença avançada loco-regionalmente e sistémica, como neste caso, o follow-up faz-se

em intervalos de 8 a 12 semanas para avaliar a eficácia da terapêutica ou de acordo com as

complicações relacionadas com a doença.

Nos doentes em regime de paliação o melhor tratamento de suporte inclui a identicação e

gestão das complicações obstrutivas, que incluem obstrução biliar, síndrome de obstrução gástrica

ou obstrução do ducto pancreático. A gestão destas complicações passa pela drenagem biliar e

colocação de stents na via biliar, stents duodenais ou cirurgia de bypass e terapêutica de substituição

enzimática, respectivamente. Se não for possível a colocação de stent endoscópica está

recomendada a drenagem transhepática percutânea. Por fim os doentes devem ter acesso

incondicional a tratamento paliativo e gestão dos sintomas, incluindo controlo da dor.

Prognóstico

Os adenocarcinomas da ampola de vater são tumores de bom prognóstico, de entre os

tumores periampulares, na medida em que dão sintomas precocemente o que permite um

diagnóstico atempado. O prognóstico é melhor quando os tumores são ressecáveis. O tratamento é

curativo perante ausência de metástases e implica a realização de uma duodenopancreatectomia.

No caso clínico em discussão, a presença de doença loco-regional avançada e sistémica, que

contra-indica a cirurgia, o prognóstico é pior, e o tratamento cinge-se à quimioterapia de carácter

!33

Page 34: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

paliativo. A agravar o prognóstico o tumor do doente tinha um tumor do tipo biliopancreático e

estava ulcerado.

Tendo em conta o estadiamento e características micro e macroscópicas do tumor conclui-se

que o prognóstico do doente é reservado.

!34

Page 35: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Agradecimentos

Em primeiro lugar quero agradecer à Dra. Teresa Colaço, a minha orientadora da tese, pela

disponibilidade, atenção e conselhos que me concedeu. Quero agradecer especialmente por me ter

acolhido e orientado e por me ter arranjado um caso clínico que fosse de encontro aos meus

interesses.

À Clínica Universitária de Cirurgia I, dirigida pelo Professor Doutor Paulo Costa, pela

aceitação da minha candidatura à realização da tese de Mestrado nesta área da Medicina.

Quero ainda agradecer ao meus pais pelo apoio incondicional, ao Luciano pelo equilíbrio

que traz à minha vida e aos meus amigos com quem partilho a alegria dos bons momentos e a

tristeza dos maus.

!35

Page 36: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Bibliografia

1. Gaspar B., Beuran M., Paun S., et al. (2013) Current strategies in the therapeutic approach for

adenocarcinoma of the ampulla of Vater. Journal of Medicine and Life 6: 260-265.

2. Albores-Saavedra J, Henson DE, Klimstra DS. Tumors of the gallblader, extrahepatic bile ducts,

and ampulla of Vater. In: Rosai J, Sobin LH, eds. Atlas of thumor pathology, third series. Fascicle

27. Washington DC: Armed Forces Institute of Pathology 2000.

3. Goodman M.T., Yamamoto J. (2007) Descriptive study of gallbladder, extrahepatic bile ducts,

and ampullary cancers in the United States, 1997-2002. Cancer Causes Control 18:415-422.

4. Diener M.K., Knaebel H.P., Heukaufer C., et al. (2007) a systematic reviwe and meta-analysis of

pylorus-preserving versus classical pancreaticoduodenectomy for surgical treatment of

periampullary and pancreatic carcinoma. Annals of surgery 245: 187-200.

5. Ponchon T., Berger F., Chavaillon A., Bory R., Lambert R. (1989) Contribution of Endoscopy to

Diagnosis and Treatment of Tumors of the Ampulla Vater. Cancer 64:161-167.

6. Fischer HP, Zhou H. Pathologie der Papilla Vateri. In: Doerr W, Seifert G, Uehlinger E, eds.

Spezielle Pathologische Anatomic: Pathologie der Leber und der Gallenwege. 2nd ed. Berlin:

Springer 2000; 1219-1257.

7. Berndt C., Haubold K., Wenger F., et al. (1998) K-ras mutations in stools and tissue samples from

patients with malignant and nonmalignant pancreatic diseases. Clinical Chemistry 44(10):

2103-2107.

8. Iacono C., Verlato G., Zamboni G., Scarpa A., Montresor E., Capelli P., et al. (2007)

Adenocarcinoma of the ampulla of Vater: T-stage, chromossome 17p allelic loss, and extended

pancreatoduodenectomy are relevant prognostic factors. The Journal of Gastrointestinal Surgery

11(5):578-588

9. Matsumoto T., Iida M., Nakamura S., et al. (2000) Natural history of ampullary adenoma in

familial adenomatous polyposis: reconfirmation of benign nature during extend survaillance. The

American Journal of Gastroenterology 95:1557-1562.

10. Fischer H.P., Zhou H.(2004) Pathogenesis of carcinoma of the papilla of Vater. Journal of

Hepato-Biliary-Pancreatic Surgery 11:301-309

11. Alves, J.R., Amico E.C., Souza D., Oliveira P., Maranhão Í. (2015) Fluctuanting Jaundice in the

adenocarcinoma of the ampulla of vater: a classic sign or an exception?. Arquivos de

gastroenterologia vol. 52, nº2.

!36

Page 37: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

12. Menzel J., Hoepffner N., Sulkowski U., et al. (1999) Polypoid tumors of the major duodenal

papilla: preoperative staging with intraductal US, EUS, and CT - a prospective, histopathologically

controlled study. Gastrointestinal endoscopy 49(3pt1): 349-357

13. Talamini M.A., Moesinger R.C., Pitt, H.A., Sohn T.A., Hruban R.H., Lillemoe K.D. (1997)

Adenocarcinoma of the ampulla of Vater. A 28-year experience. Annals of Surgery 225(5):590-599

14. Albores-Saavedra J., Schwartz A.M., Batich K., Henson D.E. (2009) Cancers of the ampulla of

vater: demographics, morphology, and survival based on 5,625 cases from the SEER program.

Journal of Surgical Oncology 100(7):598-605

15. Morini S., Perrone G., Brozomati D., Vicenzi B., Rabitti C., Righi D., et al. (2013) Carcinoma

of the ampulla of Vater: morphological and immunophenotypical classification predicts overall

survival. Pancreas 42(1):60-66

16. Wakasugi M., Tanemura M., Furukawa K., Murata M., Miyazaki M., Oshita M., et al. (2015)

Signet ring cell carcinoma of the ampulla of vater: Report of a case and a review of the literature.

International Journal of Surgery Case Reports 12:108-111.

17. Nakeeb A, Lillemoe KD, Cameron JL. Gastrointestinal tract and abdomen. Procedures for

benign and malignant pancreatic disease. In: Souba WW, Fink MP, Jurkovich GJ, et al, eds. ACS

Surgery: Principles and Practice. New York, NY: WebMD Professional Publishing 2006.

18. Hwang RF, Grau AM, Spitz FR, Bouvet M, Fuhrman GM, Berger DH. Pancreatic

adenocarcinoma. In: Feig B, Berger D, Fuhrman G, eds. The MD Anderson Surgical Oncology

Handbook. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins 2007; 367-90.

19. Jimenez RE, Warshaw AL. Pancreaticoduodenectomy for pancreatic cancer: results after

Kausch–Whipple and pylorus-preserving resection. In: Beger H, Warshaw A, Buchler M, et al, eds.

The Pancreas: An Integrated Textbook of Basic Science, Medicine, and Surgery. 2nd ed. Malden:

Wiley–Blackwell 2008; 696-706.

20. Yen TWF, Evans DB. Resection for neoplasms of the pancreas (proximal resection). In: Clavien

PA, Sarr MG, Fong Y, eds. Atlas of Upper Gastrointestinal and Hepato-Pancreato-Biliary Surgery.

Berlin, Germany: Springer-Verlag 2007. 763-80.

21. Wang M., Zhang H., Wu Z., Zhang Z., Peng B. (2015) Laparoscopic pancreaticoduodenectomy:

single-surgeon experience. Surgical Endoscopy 12:3783-94.

22. Schafer M., Mullhaubt B., Clavien PA. (2002) Evidence-based pancreatic head resection for

pancreatic cancer and chronic pancreatitis. Annals of Surgery 236:137-148.

!37

Page 38: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

23. Partelli S., Crippa S., Capelli P, et al. (2013) Adequazy of lymph node retrieval for ampullary

cancer and its association with improved staging and survival. World Journal of Surgery

37:1397-1404

24. Grobmyer S.R., Pieracci F.M., Allen P.J., Brennan M.F., Jaques D.P. (2007) Defining morbidity

after Pancreaticoduodenectomy: use of a prospective complication grading system. Journal of the

American College of Surgeons 204(3):356-364

25. Furuse J. et al. (2008) Guidelines for chemotherapy of biliary tract and ampullary carcinomas.

Journal of Hepato-Biliary-Pancreatic Surgery. 15:55-62

26. Sarmiento J.M., Nagomey D.M., Sarr M.G., et al. (2001) Periampullary cancers: are there

differences? Surgical Clinics of North America 81:543–555.

27. Greene F.L. AJCC Cancer Staging handbook: From the AJCC cancer staging manual. 6th ed.

New York: Springer 2002

28. Carter J.T., Grenert J.P., Rubenstein L., et al. (2008) Tumors of the ampulla of vater:

histopathologic classification and predictors of survival. Journal of the American College of

Surgeons 207:210–218.

29. Westgaard A., Tafjord S., Farstad I.N., et al. (2008) Pancreatobiliary versus intestinal histologic

type of differentiation is an independent prognostic factor in resected periampullary

adenocarcinoma. BMC Cancer 8:170.

Giuliani J., Piacentini P., Bonetti A. (2015) Ampulla of vater carcinoma in real-world clinical

practice: a case series. Tumori 101(3):e75-78

Kasper D. et al. Harrisson’s Principles of Internal Medicine. 19th ed. Mc Graw Hill 2015.

Overman M.J. (2013) Rare but real: Management of small bowel adenocarcinoma. American

Society of Clinical Oncology Educational Book. 33:189-193

Toh S.K., Davies N., Dolan P., Worthley C., Townsend N., William J.A. (1999) Good outcome from

surgery for ampullary tumour. ANZ Journal of Surgery 69(3):195-198.

!38

Page 39: TESE - revista · permite visualizar a anatomia das vias biliares e que é muito preciso no estudo da causa e extensão da doença da ampola de Vater. A sensibilidade, especificidade,

Trikudanathan G., Dasanu C.A. (2010) Evolving pharmacotherapeutic strategies for small bowel

adenocarcinoma. Expert Opinion on Pharmacotherapy 11:1695-1704

Yoon Y.S., Kim S.W., Park S.J., et al. (2005) Clinicopathologic analysis of early ampullary cancers

with a focus on the feasibility of ampullectomy. Annals of Surgery 242:92–100.

Zollinger R., Ellison C. Atlas of surgical operations. 9th ed. Mc Graw Hill 2011.

!39