Teste de 10º Ano - Conto2

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TRABALHO ESCRITO INDIVIDUAL DE PORTUGUÊS 10º ANO 2010-11 Lê com atenção o texto seguinte “(…) O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar- se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa. O incêndio do céu ia esmorecendo, a água arroxeou- se de repente, agora nem a mulher da limpeza duvidaria de que o mar é mesmo tenebroso, pelo menos a certas horas. Disse o homem, Deixemos as filosofias para o filósofo do rei, que para isso é que lhe pagam, agora vamos nós comer, mas a mulher não esteve de acordo, Primeiro, tens de ver o teu barco, só o conheces por fora, Que tal o encontraste, Há algumas bainhas das velas que estão a precisar de reforço, Desceste ao porão, encontraste água aberta, No fundo vê-se alguma, de mistura com o lastro, mas isso parece que é próprio, faz bem ao barco, Como foi que aprendeste essas coisas, Assim, Assim como, Como tu, quando disseste ao capitão do porto que aprenderias a navegar no mar, Ainda não estamos no mar, Mas já estamos na água, Sempre tive a ideia de que para a navegação só há dois mestres verdadeiros, um que é o mar, o outro que é o barco, E o céu, estás a esquecer-te do céu, Sim, claro, o céu, Os ventos, As nuvens, O céu, Sim, o céu. Em menos de um quarto de hora tinham acabado a volta pelo barco, uma caravela, mesmo transformada, não dá para grandes passeios. É bonita, disse o homem, mas se eu não conseguir arranjar tripulantes suficientes para a manobra, terei de ir dizer ao rei que já não a quero, Perdes o ânimo logo à primeira contrariedade, A primeira contrariedade foi estar à espera do rei três dias, e não desisti, Se não encontrares marinheiros que queiram vir, cá nos arranjaremos os dois, Estás doida, duas pessoas sozinhas não seriam capazes de governar um barco destes, eu teria de estar sempre ao leme, e tu, nem vale a pena estar a explicar-te, é uma loucura, Depois veremos, agora vamos mas é comer. Subiram para o castelo de popa, o homem ainda a protestar contra o que chamara loucura, e, ali, a mulher da limpeza abriu o farnel que ele tinha trazido, um pão, queijo duro, de cabra,

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Teste de Portugues 10 ano sobre "Conto"

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TRABALHO ESCRITO INDIVIDUAL DE PORTUGUÊS 10º ANO 2010-11

Lê com atenção o texto seguinte

“(…) O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa. O incêndio do céu ia esmorecendo, a água arroxeou-se de repente, agora nem a mulher da limpeza duvidaria de que o mar é mesmo tenebroso, pelo menos a certas horas. Disse o homem, Deixemos as filosofias para o filósofo do rei, que para isso é que lhe pagam, agora vamos nós comer, mas a mulher não esteve de acordo, Primeiro, tens de ver o teu barco, só o conheces por fora, Que tal o encontraste, Há algumas bainhas das velas que estão a precisar de reforço, Desceste ao porão, encontraste água aberta, No fundo vê-se alguma, de mistura com o lastro, mas isso parece que é próprio, faz bem ao barco, Como foi que aprendeste essas coisas, Assim, Assim como, Como tu, quando disseste ao capitão do porto que aprenderias a navegar no mar, Ainda não estamos no mar, Mas já estamos na água, Sempre tive a ideia de que para a navegação só há dois mestres verdadeiros, um que é o mar, o outro que é o barco, E o céu, estás a esquecer-te do céu, Sim, claro, o céu, Os ventos, As nuvens, O céu, Sim, o céu. Em menos de um quarto de hora tinham acabado a volta pelo barco, uma caravela, mesmo transformada, não dá para grandes passeios. É bonita, disse o homem, mas se eu não conseguir arranjar tripulantes suficientes para a manobra, terei de ir dizer ao rei que já não a quero, Perdes o ânimo logo à primeira contrariedade, A primeira contrariedade foi estar à espera do rei três dias, e não desisti, Se não encontrares marinheiros que queiram vir, cá nos arranjaremos os dois, Estás doida, duas pessoas sozinhas não seriam capazes de governar um barco destes, eu teria de estar sempre ao leme, e tu, nem vale a pena estar a explicar-te, é uma loucura, Depois veremos, agora vamos mas é comer. Subiram para o castelo de popa, o homem ainda a protestar contra o que chamara loucura, e, ali, a mulher da limpeza abriu o farnel que ele tinha trazido, um pão, queijo duro, de cabra, azeitonas, uma garrafa de vinho. A lua já estava meio palmo sobre o mar, as sombras da verga e do mastro grande vieram deitar-se-lhes aos pés. É realmente bonita a nossa caravela, disse a mulher, e emendou logo, A tua, a tua caravela, Desconfio que não o será por muito tempo, Navegues ou não navegues com ela, é tua, deu-ta o rei, Pedi-lha para ir procurar uma ilha desconhecida, Mas estas coisas não se fazem do pé para a mão, levam o seu tempo, já o meu avô dizia que quem vai ao mar avia-se em terra, e mais não era ele marinheiro, Sem tripulantes não poderemos navegar, Já o tinhas dito, E há que abastecer o barco das mil coisas necessárias a uma viagem como esta, que não se sabe aonde nos levará, Evidentemente, e depois teremos de esperar que seja a boa estação, e sair com a boa maré, e vir gente ao cais a desejar-nos boa viagem, Estás a rir-te de mim, Nunca me riria de quem me fez sair pela porta das decisões, Desculpa-me, E não tornarei a passar por ela, suceda o que suceder. O luar iluminava em cheio a cara da mulher da limpeza, É bonita, realmente é bonita, pensou o homem, que desta vez não estava a referir-se à caravela(…).”

José Saramago, Conto da Ilha Desconhecida, Editorial Caminho

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Grupo I

1. Atente nas frases seguintes:

a) A mulher informa o homem do estado da embarcação.

b) Os dois comem o farnel no castelo da popa do barco.

c) O homem enuncia as condições necessárias para navegar em busca de uma ilha desconhecida.

d) O homem e a mulher da limpeza dialogam filosoficamente sobre o sentido metafórico do vocábulo “ilha”.

e) O homem revela um estado de espírito dominado pelo desânimo.

f) A mulher faz uma proposta que desconcerta o homem.

g) O homem e a mulher identificam os mestres da arte de navegar.

1.1.Ordene-as, de acordo coma a sequencialização lógica das ideias do texto transcrito.

2. Localize acção no tempo e no espaço.

3. Refira três traços caracterizadores do homem e da mulher da limpeza.

4. Identifique a figura de estilo presente na linha 15.

4.1. Explicite o significado da resposta do homem:” Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós.”(l.4).

5. Interprete a afirmação da mulher:”Nunca me riria de quem me fez sair pela porta das decisões (ll.33- 35).

Grupo II

Classifique as afirmações seguintes em verdadeiras (V) ou falsas (F). Corrija as falsas. Se não o fizer, não obterá classificação na questão.

1. São três os modos literários - o lírico, o narrativo e a comédia - nos quais, por sua vez, se distinguem vários géneros literários.

2. O tempo histórico obedece à sequência do próprio enunciado, podendo alongar, resumir, alterar ou omitir os dados do tempo cronológico.

3. Este tipo de texto centra-se na segunda pessoa gramatical.

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4. O texto narrativo é atemporal e a localização espacial e/ou a descrição, quando existe, surge intimamente relacionada com os sentimentos do protagonista.

5. Neste tipo de texto há sempre um narrador que conta a acção, que é sustentada pelas personagens e se localiza num tempo e num espaço.

6. A prolepse constitui um recuo no tempo, evocação de factos ("flashback", na terminologia cinematográfica).

7. Este modo literário abrange vários géneros como a epopeia, o romance, a novela e o conto. 8. A epopeia é uma narrativa em verso, geralmente numa estrutura de poema, que traduz as façanhas ou o espírito de um povo e que tem interesse para esse povo e para a Humanidade. A sua estrutura obedece a regras rígidas.

9. A caracterização directa é feita a partir das atitudes, dos gestos, dos comportamentos e dos sentimentos da personagem ou a partir dos símbolos que a acompanham, o leitor forma as suas próprias opiniões acerca das características físicas ou psíquicas da personagem.

10. A novela é um género narrativo que se distingue normalmente por uma extensão menor que a do conto e maior que a do romance.

11. O conto é uma narrativa pouco extensa e concisa. Detentora de unidade dramática, a sua acção concentra-se num único ponto de interesse. Os eventos surgem concentrados, estando a descrição praticamente ausente, ao contrário do diálogo que assume um papel importante.

12. Na descrição, o tempo verbal privilegiado é pretérito imperfeito do indicativo, pelo seu valor durativo e de continuidade.

13. Na narração, o tempo verbal privilegiado é o pretérito perfeito do indicativo, na medida em que torna as acções como únicas, emprestando-lhes um carácter de momentaneidade.

14. O discurso indirecto caracteriza-se pela transcrição integral das falas das personagens.

15. No discurso directo são reproduzidas as declarações das personagens sem que, no entanto, estas falem.

16. O narrador é a entidade responsável pela produção do discurso narrativo.

17. O narrador autodiegético participa na história narrada, mas como personagem secundária.

18. O narrador homodiegético não participa como personagem na história narrada.

19. O narrador omnisciente mostra conhecer tudo, de forma limitada, tanto os pormenores da intriga como os pensamentos mais íntimos das personagens.

20. O tempo psicológico corresponde ao tempo filtrado pelas vivências psicológicas das personagens. Constitui também o referencial da mudança operada nas personagens: o desgaste que sobre elas provoca a passagem do tempo.