Texto Complementar - Tema 2 - Cristo se refere ao Princípio
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3º Curso Virtual de Teologia do Corpo – 2010 ____________________________________________________ 1
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Cristo se Refere ao “Princípio”
Introdução
1. As catequeses do papa João Paulo II iniciam-se
com o “ciclo” onde o Papa volta sua atenção,
junto com as palavras de Cristo, para o
“Princípio”, refletindo sobre os capítulos iniciais
do livro do Gênesis. Esse ciclo consiste de 23
audiências gerais, proferidas entre 5 de setembro
de 1979 e 2 de abril de 1980.
2. Esse tema integra a primeira grande parte da
Teologia do Corpo, onde o Papa traça uma
“adequada antropologia”, uma “visão integral do
ser humano”. Os temas seguintes, que completam
essa primeira parte, serão vistos nos próximos
textos: “Cristo se Refere ao Coração Humano”, e
“Cristo se refere à Ressurreição”.
3. O Papa sempre inicia cada ciclo de catequeses
com as palavras de Cristo porque “Cristo revela o
homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação
sublime ” (Gaudium et Spes 22).
As palavras de Cristo
4. As palavras de Cristo que servem como base
para este ciclo de catequeses são retiradas de
Mateus 19, 3-8:
“Alguns fariseus aproximaram-se de Jesus e,
para experimentá-lo, perguntaram: “É permitido
ao homem despedir sua mulher por qualquer
motivo?” Ele respondeu: “Nunca lestes que o
Criador, desde o princípio, os fez homem e
mulher e disse: „Por isso, o homem deixará pai e
mãe e se unirá à sua mulher, e os dois formarão
uma só carne‟? De modo que eles já não são dois,
mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o
homem não separe”. Perguntaram: “Como então
Moisés mandou dar atestado de divórcio e
despedir a mulher?” Jesus respondeu: “Moisés
permitiu despedir a mulher, por causa da dureza
do vosso coração. Mas não foi assim desde o
princípio.”
5. A partir daqui, citamos trechos das próprias
catequeses do Papa. O arranjo das citações
procura seguir uma ordem lógica, que permita a
compreensão dos principais pontos, e a ligação
entre eles. Alguns comentários podem ser
adicionados, para facilitar a compreensão. Em
cada citação segue-se a respectiva referência, de
acordo com a numeração seguida pela tradução de
Michael Waldstein (ver tabela específica entregue
no início do curso).
O que Significa o “Princípio”?
6. Jesus, na sua resposta aos fariseus, evita se
embrenhar em controvérsias jurídicas ou
casuísticas; em vez disso, faz referência duas
vezes ao "princípio". "Princípio" significa,
portanto, aquilo de que fala o Livro do Gênesis.
(TdC 1)
7. Na presente análise procuramos, sobretudo,
tomar em consideração o aspecto da subjetividade
humana. (TdC 18)
9. A primeira narrativa da criação do homem é
cronologicamente posterior à segunda. O
conteúdo da primeira narrativa da criação do
homem, embora cronologicamente posterior, tem
sobretudo um caráter teológico. (TdC 2)
10. Nessa primeira narrativa, a criação do homem
se diferencia da obra anterior de Deus. A criação
O Papa explica agora os dois relatos da Criação. O primeiro relato está em Gênesis capítulo 1. Trata-se do ciclo de sete dias em que houve a
criação do mundo, na qual o ser humano é criado no último dia, “à imagem e semelhança
de Deus. O segundo relato está em Gênesis capítulo 2. Ele descreve a criação do homem a
partir “do pó” vivificado com o “sopro de Deus”, bem como a criação da mulher a partir
da “costela” de Adão.
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do ser humano é precedida por uma solene
introdução (“Deus disse: „Façamos o ser humano
à nossa imagem e segundo nossa semelhança‟” –
Gen 1, 26), como se fosse o caso de Deus estar
deliberando antes desse importante ato. E, acima
de tudo, a excepcional dignidade da pessoa
humana é realçada pela “semelhança” com Deus.
(TdC 2)
11. O primeiro relato é conciso, livre de qualquer
traço de subjetivismo, mas contém em si um
poderoso conteúdo metafísico. O primeiro
capítulo do Gênesis formou a base sólida para
uma metafísica e também para uma antropologia e
uma ética, segundo a qual "ens et bonum
convertuntur" (o ser e o bem convergem). (TdC 2)
12. O segundo relato da criação está no capítulo 2
do Gênesis, e constitui, de certo modo, a mais
antiga descrição e registro da auto-compreensão
do homem e, juntamente com o capítulo 3º, é o
primeiro testemunho da consciência humana. Esse
relato nos maravilha com a sua profundidade de
natureza sobretudo subjetiva, e portanto, em certo
sentido, psicológica. (TdC 3)
1º Relato da Criação 2º Relato da Criação
Deus é chamado
“Elohim”
(texto elohista)
Deus é chamado
“Javé” (texto javista)
Caráter metafísico e
teológico
Caráter subjetivo,
psicológico, e mítico1
Sete dias da criação,
ser humano criado “à
imagem e semelhança
de Deus”
Homem criado do pó,
mulher criada da
costela do homem
Cronologicamente
posterior
Cronologicamente
anterior
O ser humano não é
criado de acordo com
a sucessão natural
Mais antigo relato da
consciência humana
13. A Bíblia chama o primeiro ser humano
“homem” („ādām = “humanidade”). Depois do
momento da criação da primeira mulher, começa a
chamar o homem “varão”, „îš (pronuncia-se
“eesh”), em relação à „îššā (pronuncia-se
“eeshsha”), que significa mulher, porque foi
tirada do homem-varão. (TdC 3)
1 Mito é entendido aqui como um símbolo constituído de
elementos de realidade, com o propósito de apresentar o
absoluto e o transcendente. Não se refere a um conteúdo
fictício-fabuloso, mas simplesmente é um modo arcaico de
expressar um conteúdo mais profundo. (TdC 8)
Voltando ao “Princípio”
14. Gênesis capítulo 3 inicia a narrativa da
primeira queda do homem e da mulher, ligada
com a árvore misteriosa, que já antes fora
chamada “árvore do conhecimento do bem e do
mal”. A primeira situação é de inocência original
(estado “original”), e a segunda situação, pelo
contrário, é aquela em que o homem, depois de
transgredir o mandamento do Criador por
sugestão do espírito maligno simbolizado pela
serpente, se encontra, de certo modo, dentro do
conhecimento do bem e do mal
(estado”histórico”). Quando Cristo, referindo-se
ao "princípio", dirige a atenção dos fariseus para
as palavras escritas em Gênesis, ordena-lhes, em
certo sentido, que ultrapassem os limites
existentes entre a primeira e a segunda situação do
homem. Isso significa que a ordem inicial em que
Deus criou o homem não perdeu sua força, ainda
que o homem tenha perdido a inocência primitiva
(TdC 3)
15. As palavras de Cristo, que se referem ao
"princípio", permitem-nos encontrar no homem
certa continuidade essencial e um laço entre estes
dois estados diversos ou duas dimensões do ser
humano. Em todo homem, sem exceção, o estado
"histórico" tem suas raízes profundamente na sua
"pré-história" teológica, que é o estado da
inocência original. Mas o ser humano não está só
fechado, pela sua pecaminosidade, à inocência
original, mas ao mesmo tempo ele está aberto para
o mistério da redenção, que se realizou em Cristo
e por meio de Cristo. É a perspectiva da redenção
do corpo que assegura a continuidade e a unidade
entre o estado de pecado do homem e a sua
inocência original. (TdC 4)
A partir de agora veremos seis conceitos fundamentais do “princípio”: a solidão original,
a unidade original, a nudez original, o significado esponsal do corpo, a inocência
original, e o ciclo “conhecimento-procriação”. Eles constituem e explicam a condição humana
no “princípio”. Lembre-se que cada aspecto desses não ficou perdido na nossa “pré-história” teológica, antes do pecado original. Apesar de
termos perdido de forma irremediável esse estado de inocência original, guardamos ainda
um “eco” dele em nosso coração. Como vimos, isso é possível através da redenção do corpo, que
Cristo veio nos trazer.
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A Solidão Original
16. “E o Senhor Deus disse: „Não é bom que o
homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que
lhe corresponda‟” (Gen 2, 18).
17. É significativo que o primeiro homem
(„ādām), criado do "pó da terra", só depois da
criação da primeira mulher seja definido como
“varão” ou “macho” („îš). Assim, portanto,
quando Deus-Javé pronuncia as palavras a
respeito da solidão, refere-as à solidão do "ser
humano" (tanto o homem quanto a mulher)
enquanto tal, e não só à do “macho” ou “varão”.
Essa solidão tem 2 significados: um que deriva da
própria criatura do homem, isto é, da sua
humanidade (o que é evidente na narrativa de Gn
2), e o outro que deriva da relação macho-fêmea,
o que é evidente, de certo modo, com base no
primeiro significado. (TdC 5)
18. “Então o Senhor Deus formou da terra todos
os animais selvagens e todas as aves do céu, e
apresentou-os ao homem para ver como os
chamaria; cada ser vivo teria o nome que o
homem lhe desse. E o homem deu nome a todos os
animais domésticos, a todas as aves do céu e a
todos os animais selvagens, mas não encontrou
uma auxiliar que lhe correspondesse.” (Gen 2,
19-20)
19. O primitivo significado da solidão original do
homem é definido em função de um "teste"
específico, ou de um exame a que o homem é
submetido diante de Deus (e em certo modo
também diante de si mesmo). Graças a esse
"teste", o homem toma consciência da própria
superioridade, quer dizer, de não poder colocar-se
em igualdade com nenhuma outra espécie de ser
vivo sobre a terra. Portanto, o ser humano criado
encontra-se, desde o primeiro momento da sua
existência, diante de Deus, em busca da própria
"identidade". A solidão significa também a
subjetividade do homem, a qual se forma através
do autoconhecimento. O homem está só, porque é
"diferente" do mundo visível, do mundo dos seres
vivos. (TdC 5)
20. O homem está "só": isto quer dizer que,
através da própria humanidade, através daquilo
que ele é, o homem é constituído em uma relação
com o próprio Deus que é única, exclusiva e
irrepetível. Pode-se afirmar com certeza que o
homem assim constituído tem o conhecimento e a
consciência do sentido do próprio corpo. E isto
baseado na experiência da solidão original. (TdC
6)
A Unidade Original
21. “Então o Senhor Deus fez vir sobre o homem
um profundo sono, e ele adormeceu. Tirou-lhe
uma das costelas e fechou o lugar com carne.
Depois, da costela tirada do homem, o Senhor
Deus formou a mulher e apresentou-a ao
homem.” (Gen 2, 21-22)
22. O homem („ādām) cai em um „profundo sono‟
ou „torpor‟ para acordar "macho" („îš) e "fêmea"
(„îššā). Talvez a analogia do “profundo sono”
indique aqui um retorno específico ao “não-ser”,
ou a momento que antecede a criação, para que o
"homem" solitário possa, por iniciativa criadora
de Deus, ressurgir daquele momento na sua dupla
unidade de macho e fêmea. De todo modo, à luz
do contexto de Gênesis 2, não há dúvida que o
homem cai nesse "profundo sono" com o desejo
de encontrar um ser semelhante a si. (TdC 8)
23. “E o homem exclamou: „Desta vez sim, é osso
dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será
chamada „humana‟ porque do homem foi tirada‟”
(Gen 2, 23). Deste modo o homem (macho)
manifesta pela primeira vez alegria e até mesmo
exultação, de que anteriormente não tinha motivo,
por causa da falta de um ser semelhante a si. (TdC
8)
24. O significado da unidade original do homem,
através da masculinidade e da feminilidade, se
expressa como uma ultrapassagem dos limites da
solidão, e ao mesmo tempo como afirmação –
para ambos – de tudo na solidão que constitui o
"ser humano". A comunhão das pessoas só podia
se formar com base em uma "dupla solidão" do
homem e da mulher, ou seja, como encontro em
sua mesma “distinção” do mundo dos seres vivos.
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(...) O homem se tornou "imagem e semelhança"
de Deus não só mediante a própria humanidade,
mas ainda mediante a comunhão de pessoas, que
o homem e a mulher formam desde o
“princípio”. O homem torna-se imagem de Deus
não tanto no momento da solidão quanto no
momento da comunhão, (...) como imagem de
uma imperscrutável comunhão divina de
Pessoas. (TdC 9)
25. A busca da identidade humana daquele que no
princípio está "só", deve passar sempre pela
dualidade, através da "comunhão". (TdC 10)
26. A unidade, de que fala Gênesis 2, 24 ("os
dois serão uma só carne"), é sem dúvida aquela
que se expressa e se realiza no ato conjugal.
(TdC 10)
27. Quando se unem entre si (no ato conjugal) tão
intimamente, que se tornam "uma só carne", o
homem e a mulher redescobrem, a cada vez e de
modo especial, o mistério da criação. Voltam,
assim, àquela união na mesma humanidade ("osso
dos meus ossos e carne da minha carne"), que lhes
permite reconhecerem-se reciprocamente e
chamarem-se pelo nome, como fizeram da
primeira vez. Isto significa reviver, em certo
sentido, o original valor virginal do homem, que
deriva do mistério da sua solidão diante de Deus e
no meio do mundo. (TdC 10)
28. O ato conjugal expressa uma sempre nova
superação do limite da solidão do homem. Esta
superação sempre implica, de certo modo, que a
pessoa assume a solidão do corpo do segundo
"eu", como sua própria. (TdC 10)
29. Criados à imagem de Deus também na medida
em que formam autêntica comunhão de pessoas, o
primeiro homem e a primeira mulher devem
constituir o início e o modelo dessa comunhão
para todos os homens e mulheres que, em
qualquer época, se unem entre si tão intimamente
que formam "uma só carne". (TdC 10)
A Nudez Original
30. “O homem e sua mulher estavam nus, mas não
se envergonhavam.” (Gen 2, 25)
31. O significado da nudez original, que é
claramente realçado no contexto de Gênesis, não é
coisa acidental. Pelo contrário, forma
precisamente a chave para a sua plena e completa
compreensão. O texto de Gênesis 2, 25 exige
expressamente que se liguem as reflexões sobre a
teologia do corpo com a dimensão da
subjetividade pessoal do homem. A frase, segundo
a qual os primeiros seres humanos, homem e
mulher “estavam nus” mas “não se
envergonhavam”, descreve indubitavelmente o
estado de consciência de ambos. (TdC 11)
32. Devemos nos perguntar se é possível
reconstruir, de algum modo, o significado original
da nudez. Isto parece possível, se tomarmos como
ponto de referência a experiência da vergonha
como uma experiência "limítrofe" (TdC 11). Na
experiência da vergonha (ou pudor), o ser humano
experimenta medo em face do "segundo eu"
(assim, por exemplo, a mulher diante do homem),
e isso é substancialmente medo quanto ao próprio
"eu". Com a vergonha, o ser humano manifesta
"instintivamente" a necessidade da afirmação e da
aceitação deste "eu" de acordo com o seu justo
valor. (TdC 12)
33. Devemos estabelecer, primeiramente, que se
trata de verdadeira não-presença da vergonha, e
não de uma falta ou subdesenvolvimento dela. As
palavras “não se envergonhavam” servem para
indicar a plenitude de compreensão do significado
do corpo, ligada ao fato de “estarem nus”. (TdC
12)
34. “E Deus viu tudo quanto havia feito e achou
que era muito bom.” (Gen 1, 31). A “nudez”
significa a bondade original da visão divina.
Significa toda a simplicidade e plenitude dessa
visão, que mostra o valor "puro" do homem como
macho e fêmea, o valor puro do corpo e do [seu]
sexo. Vendo-se reciprocamente, como que através
do mistério mesmo da criação, o homem e a
mulher vêem-se a si mesmos mais plena e mais
distintamente do que através do próprio sentido da
visão, isto é, através dos olhos do corpo. Vêem-se,
de fato, e conhecem-se a si mesmos com toda a
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paz do olhar interior, que cria precisamente a
plenitude da intimidade das pessoas. Se a
"vergonha" traz consigo uma específica limitação
do ver mediante os olhos do corpo, isto acontece
acima de tudo porque a intimidade pessoal é como
que perturbada e quase "ameaçada" por tal visão.
(...) O significado original da nudez corresponde à
simplicidade e plenitude da visão, em que a
compreensão do significado do corpo nasce quase
no coração mesmo da sua comunidade-comunhão.
Chamaremos esse significado de “esponsal”. (TdC
13)
O Significado Esponsal do Corpo
35. A dimensão do “dom” é decisiva para a
verdade essencial e a profundidade de significado
da solidão-unidade-nudez original. A leitura dos
primeiros capítulos do Livro do Gênesis nos
introduz no mistério da criação, isto é, do início
do mundo por vontade de Deus, que é onipotência
e amor. Por conseguinte, toda a criatura traz em si
o sinal do “dom” original e fundamental. (TdC
13)
36. Mas devemos observar que, até nesta situação
de felicidade original, o mesmo Criador (Deus
Javé) e depois também o "homem", em vez de
sublinharem o aspecto do mundo criado para o
homem como dom subjetivamente beatífico,
fazem notar que o homem está "só". De fato,
nenhum dos seres vivos (animais) oferece ao
homem as condições básicas que tornariam
possível ao homem existir em uma relação de dom
recíproco. "Sozinho" o homem não realiza
totalmente a sua essência. Ele só a realiza
existindo "com alguém" – e, ainda mais profunda
e completamente, existindo "para alguém".
Atravessando a profundidade da solidão original,
o homem surge agora na dimensão do dom
recíproco, cuja expressão – que por isso mesmo é
expressão da sua existência como pessoa – é o
corpo humano em toda a verdade original da sua
masculinidade e feminilidade. O corpo, que
exprime a feminilidade "para" a masculinidade e,
vice-versa, a masculinidade "para" a feminilidade,
manifesta a reciprocidade e a comunhão das
pessoas. Este é o corpo: uma testemunha que a
criação é fundamentalmente um dom, e portanto
uma testemunha de que o Amor é a fonte da qual
brota esse mesmo “doar-se”. (TdC 14)
37. O corpo humano, com o seu sexo – a sua
masculinidade e feminilidade – visto no próprio
mistério da criação, é não só fonte de fecundidade
e de procriação, como em toda a ordem natural,
mas encerra desde "o princípio" o atributo
"esponsal", isto é, a capacidade de expressar
amor: exatamente aquele amor em que a pessoa
humana se torna um dom e – mediante este dom –
realiza o próprio sentido do seu ser e existir.
Recordamos agora o texto do último Concílio,
onde se declara que o homem é a única criatura no
mundo visível que Deus quis "por si mesma",
acrescentando que esse homem "não se pode
encontrar plenamente a não ser no sincero dom de
si mesmo" [Gaudium et spes, 24, 3]. (TdC 15)
38. No primeiro encontro beatífico, o homem
assim encontra a mulher e ela encontra-o a ele.
Deste modo ele acolhe-a interiormente; acolhe-a
assim como ela é querida "por si mesma" pelo
Criador, como é constituída no mistério da
imagem de Deus por meio da sua feminilidade
(ou seja, única e irrepetível, escolhida pelo eterno
Amor). E, reciprocamente, ela acolhe-o a ele do
mesmo modo, como ele é querido "por si mesmo"
pelo Criador e por Ele constituído mediante a sua
masculinidade. Nisto consiste a revelação e a
descoberta do significado "esponsal" do corpo.
A narrativa javista, e em particular Gênesis 2, 25,
permite-nos deduzir que o homem e a mulher
entram no mundo exatamente com esta
consciência do significado do próprio corpo, da
sua masculinidade e feminilidade. (TdC 15)
39. A perspectiva "histórica" (depois do pecado
original), se construirá de modo diverso do que
era no "princípio" beatífico. Mas nela o homem
não deixará de conferir um significado esponsal
ao próprio corpo. Mesmo que esse significado
sofra e venha a sofrer muitas distorções, ele
sempre permanecerá o nível mais profundo, que
exige ser sempre revelado em toda a sua
simplicidade e pureza, e se manifestar em toda a
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sua verdade, como sinal da "imagem de Deus".
Por aqui passa também o caminho que leva do
mistério da criação à “redenção do corpo”. (TdC
15)
A Inocência Original
40. Essa inocência pertence à dimensão da graça
contida no mistério da criação, isto é, àquele
misterioso dom oferecido ao íntimo do homem –
ao "coração" humano – que permite a ambos,
homem e mulher, existirem desde o "princípio" na
recíproca relação do dom desinteressado de si
mesmos. A inocência original é, portanto, o que
"radicalmente", isto é, nas suas próprias raízes,
exclui a vergonha do corpo na relação entre
homem e mulher, que elimina a necessidade dessa
vergonha em ambos, em seu coração, ou
consciência. A consciência beatífica do
significado do corpo – isto é, do significado
esponsal da masculinidade e da feminilidade
humanas – é condicionada pela inocência original.
Parece não haver nenhum impedimento para
entender aqui a inocência original como uma
especial "pureza de coração". (TdC 16)
41. Reduzir o ser humano (o homem para a
mulher e a mulher para o homem) interiormente a
puro "objeto para mim", deve assim assinalar o
princípio da vergonha. Esta, na verdade,
corresponde a uma ameaça feita ao dom na sua
intimidade pessoal, e testemunha o desabar
interior da inocência e da experiência recíproca
(TdC 17). Se o homem e a mulher deixam de ser
reciprocamente um dom desinteressado, como o
eram um para o outro no mistério da criação,
então reconhecem que "estão nus". É então que a
vergonha acerca da nudez nasce neles, uma
vergonha que não sentiram no estado de inocência
original. A inocência original manifesta e ao
mesmo tempo constitui o “ethos” perfeito do dom.
(TdC 18)
42. Depois do pecado original, o homem e a
mulher perderam a graça da inocência original. A
descoberta do significado esponsal do corpo deixa
de ser para eles uma simples realidade da
revelação e da graça. Todavia, esse significado
ficará como dever imposto ao homem pelo ethos
do dom, inscrito no fundo do coração humano
como eco longínquo da inocência original. (TdC
19)
43. Assim, nesta dimensão, constitui-se um
sacramento primordial, entendido como sinal que
transmite eficazmente ao mundo visível o mundo
invisível oculto em Deus desde a eternidade. E
este é o mistério da Verdade e do Amor, o
mistério da vida divina, da qual o homem
participa realmente. Na história do homem, é a
inocência original que inicia esta participação e é
também fonte da felicidade original. O
sacramento, como sinal visível, constitui-se com
o homem, enquanto "corpo", mediante a sua
"visível" masculinidade e feminilidade. O corpo,
de fato, e só ele, é capaz de tornar visível o que é
invisível: o espiritual e o divino. Foi criado para
transferir para a realidade visível do mundo o
mistério oculto desde a eternidade em Deus, e
assim ser sinal d'Ele. Esse sacramento primordial
provém da fonte divina da santidade, e ao mesmo
tempo é instituído para a santidade. (TdC 19)
“Conhecimento” e Procriação
44. Em Gênesis 4, e portanto ainda no âmbito do
texto javista, lemos: “O homem se uniu a Eva, sua
mulher, e ela concebeu e deu à luz Caim, dizendo:
„Ganhei um homem com a ajuda do Senhor‟”
(Gen 4, 1). Não deixa de ter significado que a
situação em que marido e mulher se unem tão
intimamente entre si a ponto de formar "uma só
carne" tenha sido definida como "conhecimento".
Deste modo, na verdade, é da pobreza mesma da
linguagem que parece deduzir-se uma
profundidade específica de significado. Quando
fala aqui de "conhecimento", mesmo que apenas
por causa da pobreza de sua língua, a Bíblia indica
a essência mais profunda da realidade da
convivência matrimonial. Isto autoriza-nos, em
certo sentido, a afirmar que "o marido conhece a
mulher" ou que ambos "se conhecem"
reciprocamente. Então eles revelam-se um ao
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outro com aquela específica profundidade do
próprio "eu" humano, que por sinal se revela
também mediante os sexos, masculinidade e
feminilidade. (TdC 20)
45. Já desde agora, porém, é preciso verificar que,
no "conhecimento", de que fala Gênesis 4, 1, o
mistério da feminilidade se manifesta e revela em
toda sua profundidade mediante a maternidade,
como diz o texto: "concebeu e deu à luz". A
mulher apresenta-se diante do homem como mãe,
sujeito da nova vida humana, que nela é
concebida e se desenvolve, e dela nasce para o
mundo. Assim se revela também em toda
profundidade o mistério da masculinidade do
homem, isto é, o significado gerador e "paterno"
do seu corpo. (...) A procriação faz com que "o
homem e a mulher (sua esposa)" se conheçam
reciprocamente no "terceiro", originado de ambos.
(TdC 21)
46. A consciência do significado do corpo e a
consciência do seu significado generativo entram
em contato, no homem, com a consciência da
morte. Todavia, sempre volta na história do
homem o ciclo do "conhecimento-procriação", em
que a vida luta, sempre de novo, com a inexorável
perspectiva da morte, e sempre a domina. Apesar
de todas as experiências da própria vida, apesar
dos sofrimentos, das desilusões, de sua
pecaminosidade, e apesar da perspectiva
inevitável da morte, o ser humano coloca sempre
de novo o "conhecimento" no "início" da
"geração"; desse modo ele parece participar
naquela primeira "visão" do próprio Deus: o
Criador "viu tudo..., e achou que era muito bom".
(TdC 22)
Conclusão
47. Penso que entre as respostas que Cristo daria
aos homens do nosso tempo e às suas
interrogações, muitas vezes tão impacientes, seria
ainda fundamental a que deu aos fariseus.
Respondendo àquelas interrogações, Cristo iria se
referir antes de qualquer coisa ao "princípio". É a
resposta através da qual entrevemos a própria
estrutura da identidade humana nas dimensões do
mistério da criação e, ao mesmo tempo, na
perspectiva do mistério da redenção. O estudo
destes capítulos, talvez mais do que o de outros,
torna-nos conscientes do significado e da
necessidade da "teologia do corpo". O fato de a
teologia compreender também o corpo não deve
maravilhar nem surpreender ninguém que seja
consciente do mistério e da realidade da
Encarnação. Pelo fato de o Verbo de Deus se ter
feito carne, o corpo entrou, eu diria, pela porta
principal da teologia, isto é, na ciência que tem
por objeto a divindade. (TdC 23)
48. Quanto é necessária uma precisa consciência
do significado esponsal do corpo, do seu
significado gerador – dado que tudo isto, que
forma o conteúdo da vida dos esposos, deve
encontrar constantemente a sua dimensão plena e
pessoal na convivência, no comportamento e nos
sentimentos! E isto, ainda mais no contexto de
uma civilização que permanece sob a pressão de
um modo de pensar e de julgar materialista e
utilitário. (TdC 23)
________________________________________
Perguntas para estudo 1. Falando de divórcio, Jesus nos diz em Mateus 19, 8
que “no princípio não era assim”. Parece-lhe possível
que nós tenhamos sido criados para estar no mundo
não no sofrimento e no pecado, mas na graça e
felicidade beatífica?
2. Qual seu entendimento acerca do significado
esponsal do corpo? Os conhecimentos adquiridos
mudam a percepção da sua própria dignidade
enquanto pessoa humana?
3. Um dos ensinamentos do Concílio Vaticano II diz
que o “homem não pode se encontrar plenamente a
não ser no sincero dom de si mesmo”. O que isso
significa?
4. Tornar-se “uma só carne” refere-se muito mais que
ao encontro de dois corpos. Discuta o conceito de
“comunhão de pessoas” na unidade original.
5. João Paulo II considera a nudez isenta de vergonha
como a chave para entender o plano original de Deus
para o homem e a mulher. Para nos ajudar a entender
porque, discuta as seguintes questões:
a) Porque Adão e Eva não sentiam vergonha da sua
nudez antes do pecado original?
b) O que significava a nudez deles?
c) Como Adão e Eva experimentavam o desejo sexual
antes do pecado original?
d) Com base no que foi visto até agora, como o
desejo sexual pode ter mudado depois do pecado
original?
(Sugere-se enviar as respostas para [email protected]) ____________________________________________
© Texto elaborado pela equipe Teologia do Corpo - Brasil
exclusivamente para fins didáticos, contendo trechos das
catequeses do Papa. As citações das catequeses TdC seguem
a numeração de Michael Waldstein (ver quadro de referência
em separado) As citações bíblicas são da tradução da CNBB.