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Texto de Apoio

ECONOMIA DO SETOR PUBLICO

Jackson De Toni

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Maio de 2009

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Apresentação Este livro trata de temas relacionados à economia do setor público. Os vamos debater ao longo das próximas páginas as grandes questões que envolvem o funcionamento econômico dos governos. Qual é o papel do Estado na Economia ? Porque há bens públicos e outros são providos pelo mercado ? Qual o tamanho ideal do Estado ? E os impostos que todos pagamos, são altos ou baixos ? Como poderíamos, como cidadãos, entender melhor como funciona o governo e como podemos atuar para melhorar a situação atual ? O objetivo do livro é responder estas e outras perguntas, por isso foi escrito numa linguagem acessível e distante do “economês” inacessível, mas não menos rigorosa e precisa nos conceitos. Os capítulos foram desenhados de modo a apresentar nas partes iniciais os conceitos mais básicos de funcionamento do Estado e dos governos na sua dimensão econômica. A seguir entramos em temas mais complexos como o sistema tributário, o déficit público ou modo como funciona (ou não) o planejamento público. Ao final de cada um algumas perguntas são colocadas para fixar conceitos e uma referência bibliográfica básica é sugeria para maior aprofundamento, bem como alguns sítios na rede mundial de computadores que são referência fundamental para acessar dados e pesquisas recentes sobre o tema.

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Sumário  1. O papel do Estado na Economia de Mercado, 4 

10. A economia da regulação  e o Estado Regulador, 91 

2. As falhas do Mercado, 12 

3. A questão distributiva, 19 

4. O processo político, 23 5. O Orçamento Público, 26 

6. Política Fiscal: Déficit Público e Dívida Pública, 42 

7. Os princípios e a  teoria da tributação, 53 

8. O Planejamento no Setor Público, 68 

9. O debate sobre a Reforma Tributária, 85 

APENDICE, 102 NOTAS, 110 Sites recomendados, 101 

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1. O papel do Estado na Economia de Mercado O papel do Estado numa economia de mercado deve ser entendido primeiramente através do aspecto histórico. O Estado foi sempre o parâmetro de ordem social, política e econômica que resulta da forma como a sociedade se reproduz ao longo do tempo. Desde os tempos dos antigos gregos e romanos o Estado significa um campo onde há por excelência o exercício do domínio e do poder. Um dos primeiros pensadores a refletir sobre o papel do Estado moderno foi Maquiavel (1469-1527). Maquiavel estudou a decomposição das cidades-estado italianas e a lenta unificação num único estado nacional. O problema da origem do estado pode ser abordado através de três vertentes: a chamada “formação natural”, a “formação contratual” e a “formação derivada”. A primeira abordagem indica que o Estado sempre existiu, a segunda nos diz que ele resulta de um acordo entre indivíduos. A abordagem natural sobre a formação do Estado identifica na ampliação dos laços familiares a formação da sociedade civil e do Estado, uma espécie de organizador das comunas familiares existentes. Esta teoria combina a figura do chefe de família com o chefe político. Já na teoria contratual o Estado surge de uma convenção entre homens livres que abrem mão de parte de sua liberdade para que o Estado cuide de aspectos coletivos como a segurança coletiva, a ordem pública ou a defesa externa. Rousseau (1712-1778), autor do “Contrato Social” dizia que o acordo significa o fim do estado de natureza e início do estado de liberdade. Outros autores, chamados contratualistas e jus naturalistas, como Montesquieu e Hobbes, argumentavam na mesma direção, embora houvesse diferenças quanto ao que era o “estado de natureza” (situação anterior ao pacto estatal), os objetivos do contrato ou até onde iria o poder do Estado sobre o indivíduo. Foi Platão, filósofo grego da antiguidade, que estabeleceu originalmente a origem do Estado como resultado da necessidade de sobrevivência dos homens que, isolados, não bastam a si mesmos. Mais modernamente, após a formação dos principais Estados modernos, muitos autores vêem no Estado a função de organização de proteção da propriedade. Atualmente a formação dos Estados sob o enfoque jurídico-político ocorre por derivação como foi o caso dos antigos Estados do leste europeu e da antiga URSS. Mas o que é o Estado ? Qual seria uma definição apropriada ? Muitos autores definem o Estado simplesmente como uma ordem jurídica que organiza um território e uma nação de forma soberana. Mas este conceito ainda é muito simplificado, como veremos a seguir. Hoje é impossível pensar uma sociedade complexa e globalizada sem que haja múltiplas influências do Estado. Em última instância o bem estar individual depende, de várias formas, dos bens e serviços providos pelo Estado, na administração do sistema judiciário, na segurança pública, no fornecimento de infra-estrutura ou energia, por exemplo. Muitos consideram o Estado muito pesado, extenso demais, outros consideram que sua capacidade

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de intervenção é limitada ou que é prisioneiro de grupos e corporações. Falar do Estado e de suas funções econômicas num mundo que muda rapidamente como nunca mudou na história da humanidade é necessariamente um tema polêmico que divide corações e mentes. Quando debatemos até onde deve ir a “mão visível” do Estado é difícil fugirmos de uma perspectiva normativa, isto é, do debate sobre aquilo que deve ou não ser feito, que serviços públicos devem ser prestado, que impostos ou taxas devem aumentar ou baixar e para que. Muitas vezes no debate dos economistas esta dimensão se confunde com a perspectiva positiva, isto é, um tipo de análise mais técnica que apenas constata como o fenômeno econômico se manifesta, aparentemente sem um juízo de valor sobre o que é certo ou errado. Assim, um primeiro passo é estar atento sempre para a diferença entre um debate normativo e um debate positivo sobre a economia em geral e do setor Público em particular. Economia normativa: analisa os impactos dos programas do governo em relação aos objetivos declarados. Se o governo pretende limitar a importação de petróleo, por exemplo, será preferível estabelecer um imposto sobre a importação do que quotas. Economia positiva: descreve o efeito de ações e medidas políticas, sem julgamento de valor, sem avaliar se os objetivos propostos foram alcançados ou não. Por exemplo: a imposição de quotas sobre a importação de petróleo nos anos cinqüenta nos Estados Unidos provocou um aumento dos preços domésticos. Outro exemplo: indivíduos de baixa renda tendem a gastar uma proporção maior de seus rendimentos com consumo de cigarro e bebidas alcoólicas, um imposto sobre estes produtos terá impacto maior nesta faixa de renda. Talvez o maior papel do governo em uma sociedade seja o de controlar e regular o funcionamento dos conflitos. A tradição hegemônica no campo da economia é a crença de que o setor privado é intrinsecamente mais eficiente que o Estado. Portanto um sistema em que as empresas privadas operem livremente tende a trabalhar melhor que aquele com uma forte presença governamental. Os defensores desta posição na economia aglutinam-se em torno de uma escola de pensamento conhecida como “teoria neoclássica” e mais recentemente como “economia do bem estar”. O mercado por si só atingiria o nível de equilíbrio “paretiano” (máximo bem estar para todos, simultaneamente). Este “equilíbrio ótimo”, com pouca ou nenhuma intervenção do governo tem uma série de pressupostos:

a. Modelo de concorrência perfeita que supõe um mercado atomizado (centenas de produtores e consumidores), com preço formado pela competição entre empresas.

b. Todos os consumidores atuam em igualdade de condições (informação). c. O progresso técnico não é uma variável relevante para explicar a dinâmica

econômica.

Esta visão idealizada do mercado é irreal porque na verdade existem diversos processos que impedem o funcionamento destes pressupostos. Estes eventos ou fenômenos econômicos são conhecidos como “falhas de mercado”, tais como a existência de bens públicos, as externalidades, os mercados incompletos, a existência de desemprego e inflação, por exemplo.

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O enfoque da “economia do bem estar” defende a existência de dois teoremas normativos. O primeiro deles afirma que o nível ótimo de equilíbrio é aquele onde não se pode melhorar a situação de ninguém sem que alguém seja prejudicado, e o chamado “ótimo paretiano” (em homenagem a Vilfredo Pareto, 1848-1923). O segundo teorema nos diz que todo ponto de equilíbrio nas diversas possibilidades produtivas de uma economia pode ser alcançado desde que haja uma correta distribuição inicial de recursos. Eficiente de Pareto ou um Ótimo de Pareto nas trocas, ocorre se uma das afirmações abaixo são satisfeitas: i. É impossível melhorar a situação de um agente sem piorar a de outro. ii. Não há como fazer com que todos os agentes envolvidos melhorem. iii. Não existem trocas de bens mutuamente vantajosas para serem efetuadas. iv. Esgotaram-se (foram realizadas) todas as trocas de bens mutuamente vantajosas. v. Todos os ganhos de comércio foram exauridos. vi. Os agentes igualaram suas taxas marginais de substituição entre os bens disponíveis na economia. vii. As curvas de indiferença dos agentes, plotadas na caixa de Edgeworth, são tangentes. O Estado é necessário para evitar que as falhas de mercado inviabilizem, em última instância, a economia baseada na troca. Por exemplo, o Estado é essencial para evitar o caos resultante da monopolização crescente da economia, para legitimar o direito de propriedade, para controlar as operações financeiras, regulando a atividade econômica mais sensível. O Estado tem ainda um papel fundamental no processo de desenvolvimento tecnológico. A mudança técnica é por si um mercado onde a tendência do capital privado é o desinvestimento pela dificuldade de manter direitos de propriedade sobre a difusão do conhecimento técnico. Questões vinculadas à sustentabilidade ambiental do processo produtivo não representam historicamente um incentivo econômico à preservação, não tem preço no mercado, faz-se necessária a intervenção reguladora do Estado, acima dos interesses atomizados e conflitantes dos agentes econômicos. Nas economias mais modernas, sobretudo após a segunda guerra, durante os primeiros trinta anos de “Estado do Bem Estar Social” (um misto de alto nível de emprego, altos gastos do governo e impostos e pacto social entre trabalhadores e empregadores), um terço da renda é pública. Em alguns países escandinavos a participação do estado supera os 50% da economia. O governo pode atuar diretamente na produção ou indiretamente através do sistema legal, dos mecanismos regulatórios, subsídios diretos e indiretos, fomento de bancos oficiais, etc. Mesmo em países onde historicamente a idéia do “estado-forte” foi combatida, 1/3 da renda nacional advém de impostos, serviços importantes como a administração dos correios e telégrafos, a gestão da política monetária (Banco Central), etc., são serviços públicos, além de boa parte da infraestrutura de estradas, portos e aeroportos. Sem a intervenção do Estado dificilmente seria assegurada a reprodução e expansão da poupança e investimento privados, e portanto, do próprio setor privado. Com disse um importante economista inglês da primeira metade do século XX, cabe ao Estado proteger o capitalismo dos próprios capitalistas. Ele faz isto assegurando as condições de investimento, ao regular a força de trabalho ou fazer estradas, manter a ordem social e garantir a reprodução da força de trabalho (educação, saúde, etc.) ou regulamentar a

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existência de cartéis e monopólios. Nos anos oitenta e parte dos anos noventa surgiu com força nos Estados Unidos e Europa a idéia de que o governo e o Estado deveriam diminuir seu peso na Economia. Havia razões conjunturais para isso, relacionadas ao logo período conhecido como “welfare state” no pós guerra quando se acumularam gigantescos déficits fiscais para financiar o bem estar social. O resultado foi, na maioria dos países desenvolvidos, queda do crescimento econômico, inflação, desemprego e descontrole monetário. Isto sem falar dos aumentos abruptos do petróleo nos anos setenta e oitenta o que gerou uma inflação de custos em muitos países. Outro motivo foi a força ideológica de governos conservadores como foram os dois mandatos de Reagan (1981 -1989) e Thatcher na Inglaterra (1979-1990), gerando uma onda de privatizações, desregulamentação do mercado de trabalho, eliminação de programas sociais e subsídios e abertura comercial indiscriminada. Em 1989 ocorreu uma famosa conferência em Washington de economistas dos países ricos que propôs um receituário de política econômica conhecido como “Consenso de Washington” assumido pelo Fundo Monetário Internacional nos anos noventa. Este movimento ficou conhecido como “neoliberalismo”, atualmente bastante enfraquecido teoricamente. O fato é que desde a grande crise de 1929, que mostrou o caos do mercado deixado a sua própria sorte e das contribuições de John Maynard Keynes sobre a necessária atuação do Estado para combater as crises, não é possível ignorar o crescente e irreversível papel dos governos no funcionamento da economia. Keynes propunha simplificadamente que o Governo deveria direcionar suas despesas para aquecer a economia gerando maior demanda (nível de compras públicas e privadas) e garantindo estabilidade para os investidores. Muitos países emergentes adotaram políticas keynesianas para impulsionar o ciclo de industrialização básica, como será visto em detalhes mais adiante. A crise do setor cafeeiro nacional que impulsionava a economia brasileira foi neutralizada, em parte, porque o Estado resolveu garantir a efetividade da demanda, comprando o excedente não vendido e queimando os estoques. Este episódio não representou um benefício indevido ao setor cafeeiro, mas impediu que o desemprego e a queda de investimentos se alastrassem para o conjunto da economia. O pagamento destas aquisições foi feito através da fabricação de moeda, isto representou um aumento da inflação, assim o custo desta política acabou sendo pago pelo conjunto da população. A economia moderna é um sistema complexo onde o setor público e privado interagem constantemente. Em muitas economias a participação do setor público ou da parte do governo (impostos e gastos públicos) atinge valores entre 50% e 60%, como é o caso dos países da Europa do norte, por exemplo. É impossível ignorar a ação dos governos na realidade econômica, pois a regulamentação de leis trabalhistas, a definição de políticas fiscais ou tributárias, por exemplo, atingem fortemente todos os setores econômicos. Para tentar entender o papel complexo e preponderante do Estado na economia moderna,

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tradicionalmente identificamos três funções básicas para o Estado capitalista moderno: uma função alocativa, uma função redistributiva e uma função estabilizadora. A função alocativa se relaciona diretamente com a capacidade que o Estado tem (ou não) em prover determinados bens e serviços à sociedades através do sistema de mercado (ou de formação de preços no mercado). Estes bens, denominados de “bens públicos” são aqueles que o sistema de preço livre de mercado (interação entre a Oferta e a Procura econômica) é ineficiente para estimular a produção no ponto mais otimizado. Por exemplo, as atividades relacionadas à defesa nacional ou a produção de informações meteorológicas ou de tráfego aéreo, são de consumo amplo, não se pode excluir indivíduos do seu consumo e este consumo não sinaliza a quantidade ótima de demanda destes bens ou serviço. Diz-se que o consumo de um bem público é “não rival”, isto é o seu uso por um indivíduo não exclui ou diminui o potencial de uso por outro indivíduo qualquer. No caso de um bem privado, um automóvel, por exemplo, o consumo por um indivíduo exclui automaticamente o consumo e o benefício para outros indivíduos. Nos bens autenticamente públicos não há esta relação de “rivalidade” ou de exclusão mútua dos benefícios pelos seus consumidores. O consumo de um bem público gera benefícios que são externalizados, ou seja, estão disponíveis à coletividade, ao contrário do consumo de bens privados que são internalizados. Na economia privada as trocas entre ofertantes e demandantes acaba por formar preços que podem subir, baixar ou permanecer estacionários. As oscilações de preço acontecem e sinalizam como termômetros os comportamentos de consumidores e produtores. Nos bens públicos isto não acontece, basicamente porque os direitos de propriedade não vigoram da mesma forma. Numa economia privada a propriedade sobre bens, fatores ou processos produtivos assegura a exclusão dos não-proprietários que só podem usufruir destas mercadorias mediante pagamentos específicos. Os bens públicos não podem ser excluídos, imaginem por exemplo se seria possível excluir alguém do consumo de iluminação pública, ou dos serviços de segurança pública, ou dos serviços de sinalização do trânsito e assim por diante. Em outras palavras, os bens públicos puros são “não excludentes”, ou seja, é impossível excluir ou aplicar o “princípio da exclusão” em relação a um ou mais consumidores ou indivíduos. Os governos não podem então definir a quantidade ótima a ser produzida por determinado serviço a partir dos mecanismos de preços ou da aplicação do princípio da exclusão. O consumo de um bem público puro não afeta significativamente o custo de sua produção. Portanto o consumidor de serviços público não tem nenhum estímulo para declarar aberta e publicamente qual o valor que determinado serviço público tem para ele. Lembre-se que numa relação mercantil qualquer nós “declaramos” o valor que determinada mercadoria ou serviço tem para nós ao pagarmos uma quantia monetária específica para ter o seu uso ou posse. Já que o serviço público será oferecido independente do seu uso a tendência do indivíduo médio é “usufruir sem pagar” ou atuar como um “free rider”, em inglês, ou seja, como um “carona”. Para resolver este problema, “o que” e “quanto” produzir de bens públicos puros, há outros mecanismos que a sociedade construiu através

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de centenas de anos de construção dos Estados que são outras formas de sinalização e indicação de preferências, como os sistemas de voto, eleições, plebiscitos, etc. O sistema de votação acaba cumprindo um papel de substituto para o sistema de mercado no caso dos bens púbicos. É claro que os sistemas de votação estão sujeitos a todo tipo de imperfeição como a desigualdade no acesso à informação relevante para decidir ou à heterogeneidade de preferências entre eleitores. Entretanto, supondo certas condições ele pode revelar as preferências de determinada comunidade em relação a certo bem ou serviço público, ou alguma característica específica deste serviço. As eleições, ao contrário do mercado, exigem porém, um alto nível de conformidade com seus resultados finais. Não podemos sem arcar com conseqüências indesejáveis, por exemplo, recusarmos a construção de uma estrada ou de um hospital após o processo político que as definiu como obras prioritárias. Em se tratando de bens privados podemos, teoricamente, decidir se compramos ou não, se nos conformamos ou não com determinada oferta de bens e serviços, enquanto consumidores. Em determinadas situações a tecnologia para produzir ou o tipo de serviço a ser oferecido inviabiliza a produção economicamente rentável por mais de um ofertante. Neste caso estabelece-se a condição de monopólio, geralmente associado aos ganhos de escala que se pode obter (redução de custos), a produção pode ser feita diretamente pelo Estado, pelo capital privado regulado pelo Estado ou por um monopólio privado. Outras vezes o Estado age determinando compensações entre indivíduos que sofrem involuntariamente efeitos das chamadas “externalidades”. Uma externalidade econômica pode ser positiva ou negativa, será positiva se os benefícios sociais de determinada atividade forem maiores que os benefícios privados, do seu proprietário ou produtor. Será uma externalidade negativa se os benefícios sociais forem inferiores aos benefícios privados. Por exemplo, uma fábrica que produz celulose e que para isso polui um rio que é fonte de captação de água para uma cidade ou de irrigação para lavouras é um exemplo típico de externalidade negativa. A função do Estado se torna real e necessária para compensar os efeitos negativos, normalmente estabelecendo multas e impondo medidas compensatórias para a fonte geradora de poluição. As partes envolvidas dificilmente conseguiram estabelecer um nível de transação por elas mesmas para corrigir este problema, os custos de transação, a assimetria de informações e as desigualdades de poder seriam obstáculos intransponíveis. Resumindo, a função alocativa demonstra que para uma série de casos e situações não é desejável ou interessante para a empresa privada produzir, o governo assume a função de prover no caso de bens de acesso livre e gratuito ou produzir bens e serviços, no caso da água tratada ou da eletricidade, cobrando tarifas subsidiadas através de empresas públicas. Uma segunda função importante do Estado moderno é a função redistributiva. Todos nós sabemos que numa economia de mercado a renda pessoal está profundamente relacionada à posse ou propriedade dos fatores produtivos, empresas, terra, prédios, etc. Teoricamente o mecanismo de preço tenderia a igualar a posse dos fatores de acordo com a produtividade

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dos mesmos, inclusive a produtividade do trabalhador que depende do seu nível de formação, experiência, etc. Entretanto, a formação de preço no mercado ocorre em condições imperfeitas. Por exemplo, há estoques de riquezas que são herdados, monopólios, acessos diferenciados à bens públicos, todo tipo de discriminações de origem não-econômica (racial, de gênero, social, etc.). Estes processos produzem uma distribuição imperfeita da renda e distante dos padrões mais razoáveis de equidade e justiça social. Em geral cada sociedade, em cada momento histórico de sua evolução, adota valores e princípios morais e éticos sob os quais as políticas públicas de caráter redistributivo vão operar. Sociedades de maturidade democrática maior, com maior grau de desenvolvimento e maior nível de escolaridade tendem a adotar níveis de tolerância mais estreitos às diferenças sociais e econômicas. Os mecanismos de “renda mínima”, subsídios ao consumo de bens e serviços para famílias de baixa renda ou incentivos fiscais diferenciados são exemplos de instrumentos usados para esta finalidade. A função estabilizadora está relacionada às ações do Governo para estabilizar os principais preços da economia. O pleno emprego, a estabilidade de preços, o crescimento econômico são objetivos buscados pela estabilização econômica. A política econômica que em condições normais atua através das políticas de cunho monetário e de cunho fiscal, relaciona-se à busca de objetivos macroecnômicos. A política monetária, por exemplo, está vinculada à fixação da taxa de juros, ao mecanismo de redesconto bancário, ao controle da taxa de câmbio, ao volume de crédito disponível, etc. Já a política fiscal, se relaciona com a gestão dos tributos cobrados pelo governo e sobretudo ao modo como o governo gasta os recursos públicos e os impactos destes gastos na economia como um todo. A inclusão do governo no modelo de circulação de bens e de moeda (conforme ilustração abaixo) irá representar a introdução de dois novos componentes, os tributos como um vazamento de renda do esquema, e os gastos e transferências do governo como uma injeção no fluxo da renda de famílias e empresas.

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Quadro 1

Fluxo Real e Fluxo Monetário

Famílias Empresas

Mercado de Produtos

Mercado de Fatores

Fluxo REAL

Fluxo MONETÁRIO

demandam fatores

ofertam produtos

ofertam fatores

salários, juros, aluguéis

demandam produtos

pagam renda recebem recursos

remuneram fatores

Perguntas

1. Qual o papel do Estado na Sociedade ? 2. Qual a relação entre as funções básicas do Estado ? 3. Explique com suas palavras o que é um “bem público” ?

Bibliografia para consulta: CORAZZA, G. (1986). Teoria Econômica e Estado (de Quesnay a Keynes), FEE, Porto

Alegre. FILELLINI, A. (1994). Economia do Setor Público. Atlas, São Paulo. GENEREUX, J. (1993). Introdução à Política Econômica, Ed. Loyola, São Paulo. GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. (2000). Finanças Públicas - Teoria e Prática no Brasil. 1ª ed.

Rio de Janeiro, Campus, 2000. LONGO, C.A e TROSTER, R.L. (1993). Economia do Setor Público, Ed. Atlas, São Paulo. MUSGRAVE, R. (1974). Teoria as Finanças Públicas, Ed. Atlas, São Paulo. REES, R. (1979). A Economia da Empresa Pública, Ed. Zahar, Rio de Janeiro. RIANI, F. (1990). Economia do Setor Público, uma abordagem Introdutória, Ed. Atlas, São

Paulo. SILVA, L. M. (1996). Contabilidade Governamental, Ed. Atlas, São Paulo. VALÉRIO, W. P. (1992). Programa de Direito Tributário, Ed. Sulina, Porto Alegre.

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2. As falhas do Mercado A economia de mercado, regulada pelos livre jogo de preços, pode estabelecer teoricamente condições de equilíbrio e otimização dos fatores de produção. Esta condição é conhecida na teoria econômica convencional como o “ótimo paretiano”, em alusão ao pensador italiano Vilfredo Pareto. Este princípio nos diz que o sistema econômico atinge sua situação de equilíbrio quando não é possível mais melhorar a situação de um indivíduo (seu nível de utilidade ou bem estar), sem que seja diminuído o bem-estar de outro indivíduo simultaneamente. Neste nível a produção de todos os bens e serviços seria máxima, com utilização plena e mais produtiva de todos os fatores de produção (terra, trabalho, capital, tecnologia, etc.). Não seria possível produzir mais quantidade de um bem sem que fosse diminuído a produção de outros bens. Todos os agentes econômicos, empresários, trabalhadores e governo, atuariam em harmonia, utilizando o máximo de seu potencial e produtividade. Os consumidores obteriam o máximo de satisfação com os bens e serviços à disposição e os produtores o máximo de lucratividade. Entretanto, estas condições só se encontram naquilo que a teórica econômica chama de “concorrência perfeita”, quando o livre jogo dos preços se ajustam ao movimento também livre da oferta e da demanda. Nesta situação hipotética os preços funcionam como “sinalizadores” ideais para os empresários sobre a quantidade a ser produzida e ofertada e sobre as quantidades a serem consumidas pelos consumidores. Na vida real não é isto que acontece. Uma série de eventos, processos e condições econômicas e outras não econômicas, de natureza social, política ou institucional, impede este funcionamento ótimo ou “paretiano” do mercado. Este modelo funciona mais como um ponto de referência teórico na teoria econômica do que a descrição de algo realmente existente. As chamadas “falhas de mercado” são, portanto, situações ou eventos onde o equilíbrio e a otimização dos fatores produtivos não pode ser atingida sem que haja uma intervenção externa. Esta intervenção externa é exatamente a origem da atuação do Estado na Economia. Há basicamente três tipos de falhas de mercado: aquela relacionada à existência de bens públicos puros, as economias de escala e indivisibilidades de certos bens e serviços produzidos pelo setor privado e aquela relacionada aos bens de propriedade comum, cujo consumo não permite exclusão, como os recursos naturais (petróleo, por exemplo). Vamos ver com mais detalhe como cada uma se manifesta. Não rivalidade: o custo de Inclusão é nulo ou muito baixo, isto é, o consumo por arte de um agente não impede o consumo por parte de outro agente. Já vimos que o consumo não-rival e não-excludente é aquele tipo de consumo que não reduz a disponibilidade daquele bem ou serviço para outros consumidores. Em outras palavras para o provedor destes bens (o Estado) não há custo adicional para atender a

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demanda de um consumidor adicional. Pense, por exemplo, no fornecimento de iluminação pública ou na manutenção das forças armadas (o que poderia ser um “serviço” de defesa nacional), não há como individualizar o consumo ou excluí-lo de outros consumidores, os serviços estão permanentemente disponíveis para todos, independente de suas preferências, disponibilidades financeiras ou utilidade. Para estes bens as pessoas normalmente estão estimuladas à “usufruir sem pagar”, é a figura do “carona” ou do “free rider”. Não-exclusividade: o custo de exclusão é infinito ou muito alto e portanto não existe um mecanismo de exclusão (a catraca) que impeça o problema do Corona (FREE RIDER) e portanto sua provisão privada é ineficiente. O raciocínio é simples, se um indivíduo qualquer pode usufruir os benefícios de um bem ou serviço sem que haja um pagamento individualizado pela parte consumida ou utilizada, porque ele deveria fazê-lo ? Não é por outro motivo que o pagamento de impostos e outros tipos de tributos são compulsórios, obrigatório para todos indivíduos de acordo com sua renda, patrimônio, capacidade de pagamento, etc., caso contrário, seria muito difícil e mesmo inviável para o Estado manter estes bens e serviços conforme a sociedade demanda. Outro exemplo interessante poderia ser um serviço de vigilância noturna em determinada rua. Se todos pagam pelo serviço, provavelmente os benefícios sejam proporcionais aos custos para todos moradores. Como neste tipo de serviço é impossível excluir os não-pagantes do benefício (o vigilante noturno produz um efeito de segurança para toda a rua!), haverá uma tendência de aumento de custos para os pagantes que restam. Isto produzirá com o tempo uma tendência de redução do serviço de vigilância em relação às necessidades dos moradores daquela rua. O mesmo processo, guardadas as devidas proporções, acontece com serviços e bens públicos de uma forma geral. Uma comparação entre dois bens, um de natureza pública pura e outro de natureza pública não-pura pode ser viso na tabela seguinte:

Quadro 2 Bem ou serviço “Vigilância noturna” “abastecimento de água”

Excludente

Não é, pois é impossível “cancelar” o benefício para um consumidor individual

É excludente, porque é possível interromper o fornecimento de água.

Rival

Não é, pois a quantia de segurança é dada,

independente das demandas individuais.

É rival, pois o consumo da mesma água não pode ser

simultâneo para duas pessoas.

Para um bem privado a eficiência de sua produção está relacionada ao benefício que ele produz (ao ser consumido) em relação ao custo de sua provisão, isto é, de sua produção ou fabricação. No caso dos bens públicos o beneficio que ele gera, a utilidade ou nível de bem

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estar que ele proporciona, é dado pela soma de todos os benefícios individuais. É uma situação onde o benefício coletivo ou social é sempre maior que o benefício individual. A teoria econômica chama este fenômeno de “externalidade”, que pode ser positiva se o benefício social é maior, ou negativa, se o benefício social é menor. Nos bens privados os benefícios são internalizados, quem compra uma casa para seu próprio uso “internaliza”, isto é, absorve todos os benefícios desta compra. Bem público puro: (i) custo de inclusão zero , (ii) custo de exclusão infinito , (iii) não rival, (iv) não exclusivo , (v) indivisível. Um bem público puro, ao contrário, produz no seu consumo externalidades positivas que geram benefícios difusos para toda sociedade. Imagine por exemplo um indivíduo que seja vacinado, o benefício pessoal é evidente, mas sua condição de imunidade contribui para a diminuição da propagação da doença e gera, portanto, um benefício social crescente. A oferta de educação básica gratuita e universal é outro exemplo, na medida em que os indivíduos se escolarizam as externalidades positivas se manifestam cada vez mais, no aumento da produtividade da economia, na melhoria dos níveis de renda e consumo, etc. A tabela a seguir resume estes argumentos.

Quadro 3

O problema das externalidades, uma das fontes das falhas no mecanismo de mercado, pode assumir uma complexidade maior. Imagine por exemplo o caso dos automóveis que produzem poluição. A poluição ao criar problemas respiratórios torna-se uma fonte de despesas para os cidadãos e para o Estado através do incremento dos gastos com saúde pública. Como resolver este problema ? Teoricamente o Estado deveria imputar um custo

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aos proprietários de automóveis capaz de compensar ou estabelecer uma proporcionalidade entre o benefício que usufruem (a locomoção através do automóvel) e o custo social que geram (as despesas publicas com saúde). Mas na prática este tipo de problema não é de fácil solução. Nem sempre é possível identificar a fonte dos custos sociais, estabelecer claramente os direitos de propriedade, muitas vezes há dificuldade de individualizar o processo, quem pagaria neste caso, os motoristas ? Os proprietários dos veículos ? As fábricas que produzem carros poluidores ? Teoricamente o preço de venda dos veículos deveria incorporar este “custo social” mascarado, elevando seu valor e provavelmente tendo impacto na quantidade demanda de veículos. Questões econômicas, jurídicas e até políticas limitam a ação do Estado, algumas vezes o máximo possível é criar um sistema de incentivos (positivos ou negativos), estabelecendo, por exemplo, normas produtivas, selos de certificação, multas para desvios do padrão, etc. Bem meritório ou quase-público: (1) Não Rival e Exclusivo. (2) Cuja provisão por parte do Estado não pode ser fornecida em quantidade para todos. (3) De consumo obrigatório e portanto fere o princípio da soberania do consumidor (4) Indivisível ou divisível com margens externas significativas Num mercado competitivo normal a eficiência ocorre quando o preço reflete uma igualdade entre o custo do último bem produzido (o custo marginal) e a respectiva receita que este bem proporciona ao ser vendido (a receita marginal). Há contudo, bens e serviços que estão sujeitos ao que a teoria econômica chama de monopólios naturais. Isto acontece porque normalmente uma única empresa, fábrica ou indústria produzirá estes bens e serviços com custo unitário (o custo de cada produto) menor, que uma situação onde houvesse várias empresas concorrentes. Imagine, por exemplo, os serviços de saneamento básico em uma cidade, cada empresa teria sua rede própria de tubulações ? Quanto isto iria repercutir no preço final para o consumidor ? Não é difícil deduzir que há serviços, como o abastecimento de energia, que precisam ser regulados pelo Estado para evitar que a produção esteja aquém das necessidades da sociedade ou o preço acima do seu custo de produção, admitindo-se uma margem socialmente aceita de lucro ou retorno sobre o capital investido. Há casos em que o governo prefere operar diretamente na produção destes serviços, em outros o governo estabelece um sistema de regulação do mercado, definindo preço dos insumos, margens e quantidades a serem produzidas. Uma das formas adotadas pelo Estado para resolver este problema, quando há custos decrescentes e economias de escala, é fazer uma discriminação de preços. É por isso que a tarifa de energia elétrica, por exemplo, é diferenciada conforme o tipo de consumidor, para empresas e grandes consumidores é uma, para consumidores residenciais, é outra. Outra fonte das falhas de mercado é a situação onde é impossível ou muito custoso atribuir um preço ou exercer o direito de propriedade sobre determinados benefícios que são

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usufruídos, isto é, absorvidos, de forma livre pelo mercado. O exemplo clássico é o caso do produtor de maças vizinho do produtor de mel. A florada das maças gera uma externalidade positiva sobre o produtor de mel, porque a florada é um benefício sem custo aproveitado pelo dono do apiário. O néctar é um bem privado, mas seu preço não incorpora o custo real e não incorrido que a florada de maçãs proporciona. Os economistas dizem que neste caso o néctar comandaria um “preço sombra”, isto é, um benefício não incorporado no preço, portanto, uma tendência de aumento da oferta de mel. Os produtores de maças não têm meios ou instrumentos legais de receber alguma remuneração pelo néctar do vizinho, o mercado não lhes assegura este “preço sombra”. A propriedade “comum” deste benefício está por trás deste fenômeno. Esta situação conduz teoricamente a um sub-oferta de maças, se as maças incorporassem o benefício que geram para o apiário teriam um preço maior, estimulando mais produtores. A exclusão do benefício para o apiário é impossível (não há como evitar que as abelhas tenham acesso às flores), neste caso o equilíbrio de mercado (aquele ponto onde vigora um mesmo preço para demandantes e ofertantes) ocorrerá num ponto inferior ao ideal. E se os produtores de maças pudessem cobrar pelo néctar das flores? Aí sim haveria um incentivo adicional (maior expectativa de receita futura) para produzir mais maçãs e o ponto de equilíbrio deste mercado provavelmente seria maior. Os direitos de propriedade (o néctar) implicam exclusão e permitem a realização de trocas mercantis convencionais (a cobrança pelo néctar). Quando estes direitos são difusos ou impossíveis de definir, faz-se necessária a presença do Estado para equilibrar o jogo entre compradores e vendedores e assegurar os benefícios sociais e coletivos. Rendimentos crescentes de escala: um aumento nos insumos causa um aumento mais que proporcional na quantidade produzida, ou seja se a firma duplicar seus insumos (usar o dobro de mão-de-obra e capital) então a produção mais que duplicará; se triplicar seus insumos então sua produção mais que triplicará. Se a função de produção for homogênea de grau maior que 1 então ela possui rendimentos crescentes de escala. Uma empresa que opera em regime de monopólio com economias de escala, tende a produzir uma quantidade menor que a possível a um custo maior. O Estado deve assegurar a cobertura deste déficit. Além da discriminação de preços, o Estado também pode adotar uma tarifa maior para os momentos de maior uso do serviço, supondo que há consumidores que valorizam mais o consumo daquele serviço. Nos períodos de pico, quando a demanda excede a capacidade de oferta, o preço final dependerá da demanda, nos períodos de entre-pico o preço será menor. O debate sobre as tarifas públicas envolve ainda outros elementos importantes como a relação entre eficiência (cobrar pelo custo) e equidade (garantia de atendimento universal), grau de essencialidade do serviço que muda de acordo com a renda dos indivíduos, problemas de regulação dos serviços, etc. Resumo das falhas de mercado

• Externalidades: o exemplo mais fácil de entender é a poluição. Quando dirigimos carros poluentes estamos consumindo um produto sem pagar um centavo pelos custos adicionais que outros consumidores ou o governo terão com despesas no sistema de saúde. Podem ser negativas ou positivas e uma

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forma de diminuir seu impacto é criando mecanismos de incentivo e penalização econômica para os geradores de externalidades, trazendo seus efeitos para dentro do mercado onde terão um preço e preferências explícitas. O problema também está relacionado à identificação dos direitos de propriedade em algumas atividades, daí a intervenção do Estado para arbitrar perdas e ganhos entre os diversos grupos sociais.

• Mercados incompletos: no mundo real o equilibro é apenas uma utopia

usada mais como ideologia do que ciência. A informação é imperfeita e há sempre custos de transação que não entram nos preços daquilo que é comprado ou vendido. A ineficiência na alocação de recursos é generalizada e conduz ao sub-emprego permanente.

• Assimetria de informação: os agentes econômicos não sabem se a troca que

estão fazendo ocorre em nível ótimo, ao melhor preço, com o máximo de benefícios. A presença de informação imperfeita, ou seja, parcial, incompleta, distorcida, dá um poder adicional de monopólio a quem a controla. A não revelação de preferências ao consumir um bem publico puro é um tipo de informação imperfeita.

• Oferta de bens públicos: o mercado privado não garante, e não é porque

todos cidadãos devam ter direito moral à segurança pública, ao serviço judiciário ou informações meteorológicas. O motivo é menos nobre e mais calculista: não é possível estabelecer um preço vinculado ao custo de produção do serviço. Isto acontece porque não há exclusão ou rivalidade de consumo. O consumidor tende a ser um “carona”, usufruir sem pagamento. Em economia dizemos que o custo marginal (o custo da última unidade produzida) de um bem público puro (indivisível) tende a zero, portanto seu preço também o será.

• desenvolvimento, emprego e estabilidade: principalmente em economias

em desenvolvimento a ação governamental é muito importante no sentido de gerar crescimento econômico através de bancos de desenvolvimento, criar postos de trabalho e da buscar a estabilidade econômica.

• Falhas na competição - A economia atua em condições de concorrência

imperfeita. O que conduz ao surgimento de políticas antitrustes, para evitar que as firmas formem conluios ou que firmas individuais não obtenham uma parcela suficiente do mercado em que atuam, o que tende a produção sub-otima a preços mais elevados. Nos monopólios normalmente o custo médio mínimo é muito alto, conseqüentemente o produto de uma única firma deveria absorver uma grande parcela do mercado. A fragmentação do mercado elevaria ainda mais os custos. Exemplos de monopólio natural: telefonia e eletricidade. Nestes casos é fundamental a intervenção do governo,

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que tanto pode ser diretamente como no caso da Inglaterra e Brasil, ou indiretamente, via regulação como nos Estados Unidos.

Perguntas:

1. Relacione pelo menos uma das funções do Estado com o problema das externalidades ?

2. Porque o “consumo” de segurança pública é considerado um bem público ? 3. O quer dizer a expressão: “os preços funcionam como sinalizadores” ?

Bibliografia para consulta: CORAZZA, G. (1986). Teoria Econômica e Estado (de Quesnay a Keynes), FEE, Porto

Alegre. FILELLINI, A. (1994). Economia do Setor Público. Atlas, São Paulo. GENEREUX, J. (1993). Introdução à Política Econômica, Ed. Loyola, São Paulo. GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. (2000). Finanças Públicas - Teoria e Prática no Brasil. 1ª ed.

Rio de Janeiro, Campus, 2000. LONGO, C.A e TROSTER, R.L. (1993). Economia do Setor Público, Ed. Atlas, São Paulo. MUSGRAVE, R. (1974). Teoria as Finanças Públicas, Ed. Atlas, São Paulo. REES, R. (1979). A Economia da Empresa Pública, Ed. Zahar, Rio de Janeiro. RIANI, F. (1990). Economia do Setor Público, uma abordagem Introdutória, Ed. Atlas, São

Paulo. REZENDE, F. (1994) Finanças Públicas, Editora Atlas, São Paulo. SILVA, L. M. (1996). Contabilidade Governamental, Ed. Atlas, São Paulo. VALÉRIO, W. P. (1992). Programa de Direito Tributário, Ed. Sulina, Porto Alegre.

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3. A questão distributiva

Uma das atribuições mais importantes do Estado no campo da economia é assegurar que a renda seja distribuída na forma mais justa possível, respeitando os princípios da eficiência econômica. Parece óbvio que a distribuição da renda, ou seja, o que cada indivíduo pode ganhar depende diretamente da posse dos fatores produtivos, da propriedade destes fatores. As rendas auferidas pelo trabalhador, por exemplo, dependem do conjunto de habilidades deste indivíduo (geralmente vinculadas ao nível de escolaridade) e da disposição para o trabalho em detrimento de outros usos para o tempo disponível, o lazer, por exemplo. As rendas do capitalista, o proprietário da empresa deriva da propriedade de instalações, máquinas e equipamentos, isto pode ter sido decorrência de uma poupança prévia, heranças ou outras origens. O problema é que na economia real a remuneração dos fatores está quase sempre longe de sua produtividade marginal, isto é, não corresponde necessariamente ao benefício que proporcionam. Isto acontece porque há imperfeições no mercado como já vimos, fatores institucionais como a discriminação racional ou de gênero faz com que trabalhadores negros e mulheres recebem remunerações médias menores para trabalhos equivalentes aos homens e trabalhadores brancos. Quando o governo determina, por exemplo, um salário mínimo (que deveria ter a função de garantir a reprodução mínima do trabalhador e sua família) ele está interferindo no sistema de preços e estabelecendo um preço mínimo para a força de trabalho, abaixo do qual teoricamente não poderia haver compra deste produto, a capacidade de trabalho. Na teoria econômica um dos instrumentos utilizados para medir esta distribuição da renda (salários, lucros, juros e aluguéis) é a chamada “Curva de Lorenz”. Ela expressa matematicamente uma relação entre as várias porcentagens de renda atribuídas à porcentagens de famílias, classificadas acumulativamente. Por exemplo, qual o percentual de renda que é atribuído à faixa de 20% da população mais pobre ? Qual percentual da renda é atribuído à 40% da população ? E assim por diante. A seguir uma tabela que permite expressar este raciocínio.

Quadro 4 População 1200 1200 1200 1200 1200 Renda $ 60.000 $ 90.000 $ 26.000 $ 10.000 $ 14.000 Como a população total é de 6.000 indivíduos cada coluna representa um percentual de 20% do total da população. A renda total é a soma de todos os percentis, ou seja, $ 200.000. Assim podemos ver que os 20% mais pobres da população ganham somente 5% da renda total, enquanto que os 20% mais ricos detém 45% da renda. Se ordenarmos em ordem crescente teremos:

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Quadro 5 População 20% 20% 20% 20% 20% Renda 5% 7% 13% 30% 40% A “Curva de Lorenz” é construída quando estes valores são acumulados, por exemplo, para os 20% mais pobres a renda será de 5%, para os 40% mais pobres, a renda será de 12%, para os 60% da população a renda será de 25% e assim por diante. O eixo horizontal representa o percentual da população enquanto o eixo vertical representa a renda acumulada até que 100% da população correspondam, evidentemente, à 100% da renda recebida. Pode-se observar claramente que quanto mais próxima do vértice esquerdo inferior, quanto maior a “barriga” da curva, pior será a distribuição da renda. Os países com renda mais bem distribuída, como é o caso de alguns países do norte da Europa, a curva de Lorenz se aproxima da diagonal (que divide o gráfico em partes iguais) que representa idealmente uma distribuição absolutamente igualitária da renda. Quanto mais concentrada for a renda um maior número de pessoas receberá uma menor parte da renda. Infelizmente o Brasil é um dos países com pior distribuição de renda do mundo, de acordo com as pesquisas do Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada, o IPEA, pertencente ao governo federal, apesar das melhoras recentes o Brasil apresentava em 2005 a segunda pior posição no ranking mundial, perdendo só para países muito pobres da África. De acordo com esta pesquisa, 1% dos brasileiros mais ricos, aproximadamente 1,7 milhão de pessoas, detinham uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres (86,5 milhões de pessoas). Este é um dos principais fatores estruturais que explicam a pouca solidez do mercado interno e por conseqüência nossa exposição mais vulnerável às oscilações da economia mundial globalizada.

0

100

Percentuais crescentes da população

Perc

entu

ais c

resc

ente

s da

rend

a

Igualdade absoluta

Distribuição da Renda

Curva de Lorenz

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O debate sobre qual seria uma distribuição justa de renda depende de fatores históricos, sociais e políticos, além, evidentemente de questões puramente econômicas. Há desde a posição associada ao pensamento liberal que legitima e sanciona as desigualdades de renda decorrentes de diferentes capacidades individuais de ganhos dos indivíduos. Até posições mais humanísticas e igualitárias que postulam uma transferência de renda entre aqueles indivíduos cuja utilidade marginal da renda seja menor para outros cuja utilidade marginal seja maior. Ou seja, a utilidade marginal da renda, o quanto um indivíduo pode elevar seu bem estar a partir de rendimentos maiores, seria um critério para sua distribuição. Os sistemas tributários deveriam funcionar, entre outros objetivos, exatamente para compensar estes desníveis, particularmente aqueles tributos que incidem sobre o patrimônio (renda na forma de estoque acumulado) e a renda dos indivíduos (renda monetária, como fluxo). Apesar disso jamais saberemos a utilidade exata que os indivíduos atribuem à renda ou à combinação entre renda e lazer, por isso os sistemas tributários estão sujeitos à muitas imperfeições. Há de uma maneira geral na teoria econômica a idéia de que os mecanismos para diminuir a desigualdade na distribuição de renda geram um desincentivo indireto ao trabalho e portanto tendem a reduzir a renda total da sociedade a ser redistribuída no futuro. Este debate entre equidade e eficiência é o tema central na políticas distributivas. Teoricamente quando os custos da perda de eficiência econômica geral forem maiores que os benefícios das políticas distributivas, estas devem ser ajustadas ou readequadas. Deve-se notar que algumas medidas distributivas visam diminuir ou eliminar gargalos e focos de ineficiência econômica. Neste caso as políticas de combate à desigualdade de renda são mais aconselháveis. Este é o caso por exemplo dos chamados “programas de renda mínima” (imposto de renda negativo) que garantem um piso de consumo para famílias pobres que acaba repercutindo no aquecimento do mercado de consumo interno e em seguida nas taxas de poupança e investimento de toda a economia. As chamadas “políticas de quotas” ou subsídios agiriam no mesmo sentido ao discriminar positivamente setores da população garantindo acesso mínimo à serviços públicos (produzidos diretamente pelo Estado ou não). Este debate é um dos mais polêmicos na teórica econômica, exatamente porque envolve valores relacionados à temas subjetivos como a ética, os padrões morais e religiosos e fatores históricos-institucionais. As alíquotas progressivas dos impostos, as políticas de assistência social, os subsídios à gêneros de primeira necessidade, as quotas, a tributação de grandes fortunas e sobre a herança, são todos temas polêmicos. Os momentos eleitorais quando as comunidades escolhem seus representantes representam o melhor contexto para que estas escolhas coletivas sejam debatidas e processadas com clareza e legitimidade. Perguntas

1. Porque os aumentos reais do salário-mínimo ajudam a redistribuir a renda ? 2. Qual a relação entre a função redistributiva e o sistema tributário ? 3. Porque as políticas distributivas são geralmente polêmicas ? Cite um exemplo.

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Bibliografia para consulta: CORAZZA, G. (1986). Teoria Econômica e Estado (de Quesnay a Keynes), FEE, Porto

Alegre. FILELLINI, A. (1994). Economia do Setor Público. Atlas, São Paulo. GENEREUX, J. (1993). Introdução à Política Econômica, Ed. Loyola, São Paulo. GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. (2000). Finanças Públicas - Teoria e Prática no Brasil. 1ª ed.

Rio de Janeiro, Campus, 2000. LONGO, C.A e TROSTER, R.L. (1993). Economia do Setor Público, Ed. Atlas, São Paulo. MUSGRAVE, R. (1974). Teoria as Finanças Públicas, Ed. Atlas, São Paulo. REES, R. (1979). A Economia da Empresa Pública, Ed. Zahar, Rio de Janeiro. RIANI, F. (1990). Economia do Setor Público, uma abordagem Introdutória, Ed. Atlas, São

Paulo. REZENDE, F. (1994) Finanças Públicas, Editora Atlas, São Paulo. SILVA, L. M. (1996). Contabilidade Governamental, Ed. Atlas, São Paulo. VALÉRIO, W. P. (1992). Programa de Direito Tributário, Ed. Sulina, Porto Alegre.

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4. O processo político

As decisões econômicas em muitos casos são precedidas por escolhas políticas que a sociedade faz através dos processos eleitorais. Vamos analisar com mais detalhe como ocorre este processo. Imaginemos para exemplificar os problemas envolvidos nesta escolha que nossa comunidade hipotética vota através de um referendum direto, por votação individual, isto é, todos votam todas as decisões sobre quais produtos ou serviços públicos produzir. Cada cidadão sabe que a decisão do grupo, após processo de votação coletiva, deverá ser imperativa e portanto acatada por todos. O indivíduo a princípio é estimulado a participar para tentar influenciar a decisão de toda comunidade na direção mais próxima do seu próprio interesse individual. Neste exemplo vamos adotar o critério da maioria simples para decidir as votações. Nossa comunidade está dividida, por hipótese, em três grandes grupos sobre a provisão de determinado serviço, um estação de tratamento de esgoto, uma escola ou hospital, por exemplo. Cada grupo tem um tipo de preferência único e diferenciado em relação ao serviço público, a provisão deste serviço trará níveis de bem estar diferentes para cada grupo. Em economia dissemos que cada grupo tem uma “curva de demanda” específica para cada serviço. Este raciocínio pode ser estendido para cada eleitor individualmente. Ao decidir os grupos e eleitores comparam o benefício que receberão com o custo correspondente do imposto que pagarão. Obviamente se a percepção do benefício for inferior ao custo incorrido, a proposta não receberá votação. O resultado das votações sempre expressará uma maioria, quase nunca uma unanimidade, alguns receberão um benefício superior ao seu custo outros inferior, para cada nível ou quantidade do serviço oferecido pelo Estado. O jogo de votações acaba sempre convergindo para o que seria o “eleitor médio”, os demais estão abaixo ou acima do nível ofertado pelo governo. Somente quando este grupo intermediário mudar sua preferência haverá possibilidade de constituir uma nova maioria. A simples decisão da maioria assim, não garante que o nível de eficiência econômica ótima (aquele onde o benefício marginal é igual ao custo marginal do serviço) seja atingido automaticamente. Podemos imaginar a seguinte situação, como demonstrado na tabela a seguir:

Quadro 6

Tipo de serviço Grupo A Grupo B Grupo C 1. Rede de

esgoto 1ª escolha 3ª escolha 3ª escolha

2. Escola pública

2ª escolha 1ª escolha 2ª escolha

3. Hospital público.

3ª escolha 2ª escolha 1ª escolha

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Se tivermos que escolher uma proposta por maioria simples e compararmos os três serviços públicos fica evidente que a construção da escola pública (opção 2) será escolhida porque e compara às alternativas 1 e 2 ela tem mais preferência dos eleitores. Se as prioridades, a ordem das escolhas dos grupos sociais, mudarem, a maioria será outra, e na vida real as preferências dos grupos sociais mudam constantemente. Este fenômeno é conhecido como “maioria cíclica”. Este paradoxo da formação de maioria só se resolve quando as escolhas se estabilizam ao longo do tempo. No mundo real os eleitores delegam o poder de decisão para uma parte da sociedade eleita para fazer as escolhas, os parlamentares, por exemplo. Podemos ver os políticos competindo entre si para periodicamente receberem os votos dos eleitores e continuarem a exercer suas funções. Os representantes eleitos, sejam eles do poder executivo ou legislativo, tendem a agir de acordo com o interesse dos eleitores, simplesmente porque isso assegura sua permanência no “mercado” político. Mas se este é o comportamento racional esperado porque a cada eleições as “ofertas” dos candidatos é tão diferente ? Por uma razão simples, nem todos candidatos ou partidos conseguem identificar as preferências médias dos eleitores, nem sempre estas preferências são reveladas no processo de escolha. Há outros fatores com grande influência como a propaganda, a ação dos lobbies de grupos econômicos e sociais e o próprio nível de maturidade democrática da sociedade. Muitas vezes no processo de votação parlamentar se formam coalizões onde dois grupos minoritários se unem para defender propostas recíprocas, obtendo uma maioria casual ou conjuntural. Neste caso o resultado final pode ser a implementação de bens ou serviços públicos que terão seu custo suportado por todos mas uma maioria efetiva de não-beneficiários com os serviços. Os problemas relacionados às imperfeições das votações majoritárias foi estudado e aos desvios no financiamento das despesas publicas pelo efeito do “eleitor mediano” são conhecidos com a “teoria de Arrow”. Teoria da impossibilidade de Arrow: nenhuma regra de votação por maioria garante a eficiência, respeita as preferências individuais e é independente da agenda. Outro fator importante para analisar o processo político que influencia as escolhas coletivas sobre os bens e serviços públicos é a atuação dos chamados “grupos de pressão”. O “lobby” pode ser feito por qualquer grupo social ou econômico, do sindicado das indústrias do aço até um conjunto de ONGs que trabalham com o tema indígena na Amazônia. No mundo real dezenas de grupos de pressão atuam em todas as esferas decisórias dos governos, nos três níveis da federação e em todos os poderes. É evidente que na ausência de práticas reguladas e transparentes os lobbies podem ser uma grande fonte de corrupção na gesta pública. Por outro lado, ao revelar explicitamente preferências de grupos específicos eles podem ajudar a alocar com mais eficiência os recursos econômicos que o Estado usa para produzir bens e serviços. Em economia diz-se

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que os grupos de pressão ajudam a resolver o problemas na “não revelação de preferências”. Muitas vezes, porém, a força dos grupos acaba “capturando” parte dos decisores públicos para defesa quase que exclusiva de seus interesses específicos e singulares, recebendo privilégios e benefícios (fiscais, por exemplo), custeados por toda a sociedade. Perguntas:

1. Porque o processo político é importante para entender a economia do setor público? 2. As decisões dos parlamentares sempre representam as melhores escolhas para a

sociedade ? Porque ? 3. Na sua opinião o que pode ser feito para que o processo político seja mais

representativo e eficiente do ponto de vista das escolhas econômicas ? Bibliografia para consulta: CORAZZA, G. (1986). Teoria Econômica e Estado (de Quesnay a Keynes), FEE, Porto

Alegre. FILELLINI, A. (1994). Economia do Setor Público. Atlas, 1994- CAP 10, 11 e 17 GENEREUX, J. (1993). Introdução à Política Econômica, Ed. Loyola, São Paulo. GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. (2000). Finanças Públicas - Teoria e Prática no Brasil. 1ª ed.

Rio de Janeiro, Campus, 2000. LONGO, C.A e TROSTER, R.L. (1993). Economia do Setor Público, Ed. Atlas, São Paulo. MUSGRAVE, R. (1974). Teoria as Finanças Públicas, Ed. Atlas, São Paulo. REES, R. (1979). A Economia da Empresa Pública, Ed. Zahar, Rio de Janeiro. RIANI, F. (1990). Economia do Setor Público, uma abordagem Introdutória, Ed. Atlas, São

Paulo. REZENDE, F. (1994) Finanças Públicas, Editora Atlas, São Paulo. SILVA, L. M. (1996). Contabilidade Governamental, Ed. Atlas, São Paulo. VALÉRIO, W. P. (1992). Programa de Direito Tributário, Ed. Sulina, Porto Alegre.

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5. O Orçamento Público O orçamento público funciona com um grande sinalizador para a economia como um todo. Se há grandes investimentos governamentais no orçamento, então provavelmente haverá uma tendência de aumento significativo do número de empregos para o próximo período, deverá aumentar a renda nacional, haverá mais aquecimento da atividade econômica. Contudo, em compensação, um orçamento mais restrito que aponte para redução de gastos públicos provocará uma desaceleração da economia e um decréscimo do produto interno bruto mais adiante. O governo pode provocar um orçamento expansionista ou gerar um orçamento restritivo ou recessivo. As funções básicas do orçamento público estão intimamente relacionadas aquelas funções básicas da economia do setor público: Uma função alocativa: garantir a oferta de bens e serviços públicos (bens públicos puros) que não vão ser ofertados no mercado ou que seriam ofertados em condições ineficientes (também chamados de bens meritórios ou semi-públicos, como o abastecimento de água potável que em tese pode ser operado pelo mercado, mas que normalmente é feito por empresas sob controle público). As empresas privadas não se interessam na produção destes produtos pelos fenômenos já estudados: alto custo de investimento e longo tempo de retorno, o problema do “carona” que usa e não pode ser cobrado individualmente, o alto risco envolvido, etc. Uma função distributiva, ao utilizar as rubricas orçamentárias para compensar desigualdades no acesso à bens e serviços públicos (que pode ser considerado como uma renda indireta) para as camadas mais pobres da população. E finalmente uma função estabilizadora porque através do orçamento público se manipulam as grandes variáveis macroeconômicas como o nível da dívida pública, o investimento publico e outras que irão influenciar diretamente a política econômica (fiscal, cambial e monetária). Assim o orçamento público é um instrumento de gestão de relevância absoluta para entender a economia do setor público e provavelmente um dos mais antigos na história do Estado. Os governos o utilizam o orçamento para organizar seus recursos financeiros, tanto aqueles que entram através da arrecadação de tributos, por exemplo, como sobretudo onde e como serão gastos. No Brasil o orçamento possui uma série de formalidade legais e é regulamentado por princípios que estão na Constituição Federal. Assim ele é uma Lei onde se estima a receita e se fixa a despesa para um exercício vindouro. É importante perceber que as despesas só poderão ser executadas pelo governo se estiverem previstas na lei orçamentária. Uma das primeiras funções do orçamento é a do controle político, além dela temos as funções administrativas, gerenciais, contábeis e financeiras. Em todas estas áreas o orçamento é uma importante ferramenta de gestão pública. Recentemente no Brasil foi

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incorporada a função de planejamento que será vista mais ainda, tornando o orçamento uma parte vital da estratégia de planejamento público, criando a modalidade conhecida como “orçamento programa”. Em relação à macroeconomia o orçamento pode ser compreendido como um espelho que mostra a situação fiscal do governo, como o governo está financeiramente. Esta função – a financeira – tem sido a mais importante, sobretudo num contexto de restrição orçamentária. Desde o início dos Estados Nacionais o orçamento tem desempenhado um papel importante, como um controle “ex-ante”, isto é, antes de acontecer o fato em si, onde a população pode controlar o governo e seus representantes. Historicamente ele surgiu como uma forma de limitar o poder do governante, porque impôs com antecedência a possibilidade de criação de tributos e da arrecadação em geral. A experiência inicial de orçamento tem origem na história a partir da chamada “Carta Magna” do Reino Unido, estabelecida em 1217 pelo Rei João com o ditame de que nenhum tributo ou auxílio seria instituído pelo reino senão pelo seu Conselho Comum. Este é o germe do orçamento moderno e já traz subjacente a idéia de que tudo que o governo arrecada permite ao Estado fazer mais investimentos púbicos, mas ao mesmo tempo representa uma diminuição da riqueza que está no setor privado. Já no século XIX muitos orçamentos já apresentavam muita semelhança com os orçamentos atuais. A Inglaterra, pioneira neste assunto, desde 1822 já criava um relatório sistemático de receitas e despesas para submissão ao parlamento. Nos Estado Unidos, por exemplo, o Departamento do Tesouro, criado em 1789 ficou incumbido de elaborar e fazer aprovar o orçamento que só adquiriu forma final em 1921 com edição do “Budget and Accountig Act”. No Brasil a Constituição Imperial de 1824 já estabelecia responsabilidades ao Ministério da Fazenda que deveria submeter o orçamento à apreciação da “Assembléia Geral” das chamadas “rendas públicas”. Na época o orçamento era conhecido como a “Lei de Meios” e até a Revolução de 1930 era o Congresso Nacional que a elaborava, após as mudanças políticas, foi centralizada pelo Ministério da Fazenda. Junto com a formação dos estados nacionais, que foi um processo de unificação dos reinados especialmente da Europa ocidental a partir do século XIV até a época moderna o orçamento é parte da história dos governos. Talvez a principal atribuição orçamentária seja alocar os recursos e chancelar as escolhas que a sociedade faz. Por exemplo, supomos que haja um interesse público em desenvolver o setor energético. A análise conduziu à decisão de construir uma hidroelétrica em determinada região do país. Tomada a decisão na esfera técnica e política o orçamento deverá apresentar cifras substanciais alocadas em projetos de construção da obra civil, das linhas de transmissão ou outra qualquer. Inclusive deve registrar as despesas que são originadas em incentivos fiscais às empresas construtoras, por exemplo. Como as demandas de investimento sempre serão superiores às disponibilidades orçamentárias e financeiras o ponto central a ser debatido é o chamado “trade off” (importância do que é escolhido versus a importância do que e renunciado), entre bens e serviços a serem provisionados.

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Há várias técnicas para elaboração do orçamento todas elas representam uma história de evolução dos meios de controle para o uso gerencial do orçamento. Vamos detalhar um pouco mais as mais conhecidas. A primeira delas pode ser chamada de “orçamento clássico ou tradicional”. No Brasil a prática do orçamento que é anterior à Lei federal no. 4.320 de 17 de Março de 1964, baseava-se na prática convencional da orçamentação. Ficava restrito à previsão da receita e a autorização da despesas, não havia preocupação com o atendimento de demandas ou necessidades coletivas, nem estudos de viabilidade. O centro desta tradição técnica era o controle contábil e fiscal, sem maiores objetivos econômicos e sociais, isto se refletia pela obsessão no detalhamento da despesa em vário níveis subseqüentes. Outra característica importante era a lógica incremental ou inercial de elaboração do orçamento, ou seja, para cada ano apenas se projetava uma taxa linear de crescimento para receitas e despesas conforme o histórico passado, sem vínculo com projetos ou planos dos governos eleitos. Uma segunda tradição técnica foi conhecida como “orçamento de desempenho ou de realizações”. Aqui o que o governo “faz” passou a ganhar o lugar da preocupação com aquilo que o governo “compra”. O destino da despesa e seu resultado começa a ter mais relevância que o controle simples da despesa. A terceira vertente e talvez a mais importante denominada de “Orçamento Programa” foi traduzida formalmente no Brasil pelos princípios do Decreto-Lei no. 200 de 23 de Fevereiro de 1967. Este decreto mencionava explicitamente o orçamento programa como um plano de ação do governo federal. No seu artigo 16 chega a dizer textualmente que em cada ano seria elaborado um orçamento-programa para pormenorizar a etapa do programa plurianual que seria realizado no exercício seguinte e serviria ainda de roteiro à execução coordenada do programa anual do governo. Mais tarde a Portaria no. 9 de 1974 do Ministério do Planejamento instituiu o que se chama de “classificação funcional-programática” que estabelece um conjunto detalhado de categorias para classificação e organização das receitas e despesas de acordo com as várias funções exercidas pelo governo. Esta portaria vigorou até 1999 quando foi substituída pela Portaria 42/99 que flexibilizou a classificação de acordo com as características e demandas de cada nível federativo, antes Estados e Municípios eram obrigados a aplicar a mesma taxionomia para as peças orçamentárias. A idéia central do orçamento-programa é a vinculação da lógica orçamentária e financeira à lógica do planejamento. Assim, o orçamento deve considerar os objetivos que o governo pretende alcançar, as metas das políticas públicas, as estratégias de execução destas políticas e a relação entre meios e fins. Segundo esta terceira visão, que é a forma atual de elaboração do orçamento, ele passa a ser um instrumento para execução do planejamento, dos planos e diretrizes do governo. Algumas vantagens notórias do orçamento-programa sobre as outras técnicas de elaboração são:

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a. Melhoria do planejamento do governo com mais precisão na elaboração do orçamento e melhor responsabilização dos gestores públicos;

b. Oportuniza redução de custos e mais transparência sobre a gestão financeira do governo;

c. Facilita a aplicação de ferramentas de controle, monitoramento e avaliação de políticas públicas, bem como a melhoria dos sistemas gerenciais;

d. A ênfase passa a ser no impacto e resultado do gasto e não na sua mera contabilização.

As fases do orçamento-programa obedecem à um roteiro lógico que deve ser – grosso modo – cumprido com algumas adaptações. Em primeiro lugar são determinadas as situações-problema e os diagnósticos identificando as causas dos problemas que atingem a sociedade ou determinado grupo social ou região. Em seguida são apresentadas propostas de soluções identificando quais são as alternativas viáveis para solucionar os problemas. Após a definição política e técnica das prioridades e dos objetivos em cada programa, projeto ou atividade, determinam-se as tarefas concretas, as ações necessárias. Só então alocam-se os recursos disponíveis para os meios humanos, materiais, institucionais e outros, necessários ao projeto. Recentemente tem sido difundida uma forma de elaboração orçamentária com intenso envolvimento de grupos organizados da sociedade civil, especialmente na esfera municipal e regional. As experiências com esta característica foram chamadas de práticas de “orçamento participativo”. A responsabilidade legal pela aprovação do orçamento continua sendo dos poderes legislativos (aliás é a origem histórica deste poder), entretanto, o processo de escolhas passa por um conjunto de eventos de consulta, debate e decisão envolvendo comunidades e diversos grupos de interesse. É muito comum a realização de “audiências públicas” amplamente convocadas para esta finalidade, instituindo formas de participação direta ou o que alguns cientistas políticos chamam de “democracia deliberativa”. Apesar da natureza absolutamente meritória destas iniciativas que além do mais, promovem um grande processo social de aprendizagem sobre as contas públicas, a rigidez das despesas do orçamento (as despesas fixas como a folha de pagamento e transferências obrigatórias) faz com que o percentual disponível para debate e decisão popular seja de fato muito pequeno.

As diversas formas de elaboração do orçamento público:

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Quadro 7

Denominação Características Observações

Orçamento Tradicional

Processo orçamentário em que é explicitado apenas o objeto de gasto.

Apresenta valores para as despesas com pessoal, material, serviços etc., sem relacionar os gastos a nenhuma finalidade (programa ou ação). Também é conhecido como Orçamento

Clássico.

Orçamento de Desempenho

Processo orçamentário que apresenta duas dimensões do orçamento:

* objeto de gasto; * um programa de trabalho, contendo

as ações desenvolvidas. Enfatiza o desempenho organizacional.

Também conhecido como orçamento funcional.

Orçamento- Programa

Orçamento que expressa, financeira e fisicamente, os programas de trabalho

de governo, possibilitando: a) a integração do planejamento com o

orçamento; b) a quantificação de objetivos e a

fixação de metas; c) as relações insumo-produto;

d) as alternativas programáticas; e) o acompanhamento físico-

financeiro; f) a avaliação de resultados; g) a gerência por objetivos

Originalmente, integrava o Sistema de Planejamento, Programação e Orçamentação introduzido nos Estados Unidos, no final da década de 1950, sob a denominação PPBS

(Planning Programming Budgeting System).

Orçamento Participativo

Processo orçamentário que contempla a população no processo decisório, por

meio de lideranças ou audiências públicas,

Existência de uma co-participação do Executivo e Legislativo na elaboração

dos orçamentos, Transparência dos critérios e

informações que nortearão a tomada de decisões.

Necessidade de um maior discricionariedade do governo na alocação dos gastos, a fim de que possa atender os anseios da Sociedade.

Requer alto grau de mobilização social. Deve haver disposição do poder público em

descentralizar e repartir o poder.

Orçamento Incremental (ou

inercial)

Orçamento elaborado através de ajustes marginais nos seus itens de receita e

despesa.

Repetição do orçamento anterior acrescido da variação de preços ocorrida no período.

Fonte: http://www.federativo.bndes.gov.br/bf_bancos/estudos/e0001618.pdf

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A Constituição Federal de 1988 definiu o atual modelo orçamentário criando basicamente três leis diferenciadas cuja prerrogativa é do Poder Executivo, são elas: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Os projetos de lei de cada uma delas a nível federal são submetidos à apreciação das duas casas do Congresso Nacional (a Câmara dos Deputados e o Senado Federal). O Congresso pode propor emendas dentro de determinadas regras, após sua aprovação os projetos são encaminhados para sanção presidencial. O Presidente poderá vetar total ou parcialmente, ao Congresso caberá acatar ou rejeitar o veto em sessão conjunta. Segundo o art. 165 da Constituição Federal de 1988 o PPA estabelecerá de forma regionalizada, as diretrizes e metas para a administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuadas. As despesas de capital compreendem somente aquele tipo de despesa que contribui para a aquisição de um bem de capital como a construção de instalações e equipamentos ou a aquisição de títulos de empresas. Com duração de quatro anos o PPA é elaborado no primeiro ano do mandato do governante eleito e tem a vigência iniciada a partir do segundo ano de mandato. O Projeto de Lei deve ser enviado ao congresso até quatro meses antes do final do primeiro ano de governo e devolvido para o Presidente da República antes do final da sessão legislativa. Já a LDO define as linhas gerais da elaboração do orçamento, definindo prioridades e metas do PPA para o ano seguinte. Ela trata também das alterações na legislação tributária e orienta a elaboração da LOA, estabelecendo a política oficial das agências financeiras oficiais de fomento. Este projeto é encaminhado oito meses antes do final do exercício financeira para que o Congresso Nacional aprecie e delibere. A Lei de Responsabilidade Fiscal, lei Complementar 101/2000, incorporou novas atribuições vinculadas à manutenção do equilíbrio fiscal (entre receitas e despesas). Por fim a LOA compreende unificadamente três tipos de orçamentos, o fiscal (inclusive de órgãos e entidades da administração indireta e as fundações), o da seguridade social e o orçamento de investimento das estatais. Impactos da Lei de Responsabilidade Fiscal: Princípio: transparência na elaboração e ampla disseminação dos documentos orçamentários e contábeis. Acesso público - meio eletrônico - a todas as informações nas três esferas de governo (PPA, LDO, LOA, prestações de contas, parecer prévio e relatórios de gestão fiscal). Relatórios resumidos de execução orçamentária (a cada dois meses) e Relatórios de Gestão Fiscal (a cada 4 meses). Consolidação Nacional das Contas (STN). Divulgação mensal por parte do Ministério da Fazenda, em meio eletrônico, da relação dos entes que ultrapassaram limites máximos para dívida. Sanções por descumprimento de prazos: vedação das transferências voluntárias e das operações de crédito, exceto para refinanciamento da dívida mobiliária.

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A elaboração do orçamento está sujeita a um conjunto de regras e princípios ditos fundamentais que funcionam como guia e orientação. São um conjunto de proposições que balizam a prática orçamentária, objetivando constituir mais estabilidade, consistência e transparência para o processo. Os princípios de elaboração orçamentária não são um dogma, eles são categorias definidas ao longo da história e sujeitos a transformações nos seus significados. Podemos dividir os princípios em clássicos ou tradicionais e os modernos ou complementares. Os primeiros consolidaram-se ao longo da prática histórica de orçamento, desde a Idade Média até nossos dias, muito influenciados pelos conceitos jurídicos. Os segundos surgem mais recentemente e vinculam o orçamento à pratica do planejamento e da gestão pública. A seguir vamos detalhar alguns dos principais princípios. O princípio da anualidade recomenda que o orçamento deve ter vigência limitada ao exercício financeiro. Ele reforça a noção de que as obrigações assumidas no exercício sejam compatíveis com os recursos financeiros obtidos no mesmo exercício, dificultando práticas populistas ou demagógicas de realização da despesa sem receitas compatíveis. O princípio da “clareza” nos indica que a peça orçamentária (o conjunto de textos, tabelas e documentos) deve ser claro e de fácil compreensão, sem a qual a transparência e a responsabilização são incompatíveis comas formas mais elementares de controle social. O princípio do equilíbrio orçamentário é bastante simples, mas há enfoques distintos na teoria econômica sobre sua interpretação. No aspecto jurídico-contábil as despesas devem ser compatíveis com as receitas e eventuais excedentes de gastos cobertos com operações de crédito, por exemplo. Mas do ponto de vista macroeconômico há escolas de pensamento econômico que dão muita importância ao equilíbrio dos gastos do governo, enquanto outras consideram esta variável secundária diante, por exemplo, da eventual necessidade do Estado manter o nível do produto (renda) criando déficits orçamentários, veremos mais adiante este tema. O princípio da legalidade orienta o gestor público a cumprir uma série de quesitos ou condições previstas em lei. Por exemplo, não se pode criar tributo sem que a Lei assim o estabeleça, não se pode tratar desigualmente os contribuintes, os tributos não podem ter o efeito de confisco (inviabilizar a atividade econômica) ou estabelecer limites ao direito de ir e vir, não se pode instituir tributo sobre templos religiosos ou a renda e patrimônio de partidos políticos e assim por diante. Deve-se respeitar portanto a legalidade vigente. Um outro princípio muito interessente é chamado de “não afetação ou vinculação das receitas”. Ele orienta para que o administrador público tenha alguma margem de manobra na adaptação do programa de trabalho do governo às regras de execução do orçamento. Não se pode vincular uma receita, ainda que parcialmente, à execução de determinada despesa. Entretanto, por força de uma conjuntura que desvirtuou o papel do orçamento e pressões corporativas diversas, inclusive com apoio eventual de setores do próprio governo, várias contribuições tributárias tem sido criadas vinculando o produto de sua arrecadação com um tipo de despesa. O exemplo mais conhecido talvez tenha sido a extinta Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, a CPMF cuja arrecadação

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deveria ter sido aplicada na área de saúde. A proliferação de “fundos orçamentários” ligados à setores diversos como telecomunicações, energia ou desenvolvimento regional também, em tese, contradizem este princípio. Quanto maior a vinculação da receita, menos flexível ficará a execução do orçamento. Um último princípio digno de nota é o princípio da “responsabilização”. Entre os modernos, é aquele que chama atenção para o fato de que os gestores públicos e administradores devem assumir de forma personalizada a responsabilidade pela execução de um determinado programa ou projeto inserido no orçamento. Ainda há muitos princípios que podem variar de acordo com a referência teórica adotada, para citar mais algum poderíamos enumerar o princípio da exclusividade, da publicidade (garantia de transparência), da unidade orçamentária (deve entrar todas receitas e todas despesas), da uniformidade, da universalidade, do orçamento bruto (os valores não podem ser líquidos ou deduzidos), da simplificação e o princípio da descentralização (as ações devem ser executadas no nível mais próximo dos seus beneficiários). Em geral na tradição orçamentária brasileira predomina o enfoque fiscal sobre o orçamento que se diferencia do chamado enfoque programático. Vamos ver melhor o que é o chamado enfoque fiscal do orçamento. O enfoque fiscal privilegia o aspecto macroeconômico do orçamento, como expressão maior da gestão de finanças públicas e da política fiscal. A política fiscal pode ser definida sinteticamente como a coordenação da tributação, da gestão da dívida pública e das despesas governamentais, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento e a estabilização econômica. Os principais instrumentos de uma política fiscal são os tributos sobre a renda e a produção, os incentivos e os abatimentos. Sob este enfoque, majoritário na tradição brasileira, o respeito às restrições orçamentárias e a produção permanente de resultados fiscais compatíveis com a LDO são pontos estruturais e não negociáveis. Este debate sobre qual seria e como financiar despesas do governo nos remete ao tema que os economistas chama de “necessidade de financiamento do Setor Público” ou simplesmente, NFSP. O método adotado no Brasil para medir o resultado fiscal é chamado de NFSP, que corresponde ao montante de recursos que o setor público não-financeiro necessita captar junto ao setor financeiro nacional ou internacional, além das receitas que tem com os impostos, para enfrentar seus encargos e dispêndios. Os resultados fiscais são calculados através do método chamado de “acima da linha”. Neste critério de cálculo utiliza-se a estatística fiscal desagregada (mais detalhada), onde são considerados os fluxos das receitas e das despesas orçamentárias durante o exercício. Deste cálculo surgem dois resultados, o chamado “resultado primário” e o “resultado nominal”. O resultado primário é apurado pela diferença entre as receitas e despesas não-financeiras, ou seja, não entram no cálculo as receitas de operações de crédito ou as despesas com juros e amortização da dívida, por exemplo. Podemos ter, assim, um superávit primário ou um déficit primário. Já o “resultado nominal” leva em conta em conta o aspecto financeiro, particularmente os juros pagos da dívida pública. A partir da Lei de Responsabilidade

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Fiscal as metas devem estar claras na própria LDO, o que é válido também para Estados e Municipios. Um dos fatores que mais influencia o aspecto fiscal são as estimativas de inflação futura que devem orientar a elaboração do orçamento. Antes do Plano Real (1994) as altas taxas de inflação impediam estimativas mais realistas da receita e da despesa tornando o orçamento uma autêntica “peça de ficção”, distorcido pelo efeito do “imposto inflacionário”. Nesta época a previsão orçamentária esbarrava em muitos problemas, por exemplo, num contexto de alta inflacionária se o governo fixa no seu orçamento um índice futuro de inflação acaba contribuindo para que todos os demais agentes econômicos tentem remarcar seus preços antecipadamente, trabalhadores e empresários. Por isso a estimativa de inflação usadas nos orçamentos sempre ficou muito aquém da inflação real. Neste período era muito comum também os “excessos de arrecadação”, porque a previsão de receitas era baixa e a arrecadação de impostos crescia, sobretudo daqueles que incidem sobre o consumo de bens e serviços. Imposto Inflacionário: é a perda de poder aquisitivo da moeda durante a inflação. O imposto inflacionário é o juro real negativo pago pela base monetária.O imposto inflacionário representa uma transferência de renda da economia para o Banco Central. O imposto inflacionário é dado pela incidência da taxa de inflação sobre os encaixes monetários reais. No caso das despesas, costumava ocorrer uma defasagem de custos porque os custos reais dos bens e serviços públicos quando eram efetivados superavam em muito a previsão orçamentária. O período inflacionário desmoralizou completamente a prática e o uso do orçamento como ferramenta de gestão e controle, as disputas alocativas ocorriam muito mais na fase da execução financeira, na “boca do caixa”. A estabilização monetária advinda com a redução da inflação a taxas anuais civilizadas permitiu nos anos recentes que se retomasse progressivamente um outro enfoque para o orçamento, o enfoque programático. Nesta visão o orçamento público é tratado como instrumento de programação das despesas. É uma expressão cristalina das prioridades de políticas públicas setoriais (segurança, saúde, educação, abastecimento, transportes, etc.). Diferente do enfoque fiscal, agora a visão é complementada e ampliada com a lógica das políticas setoriais. De fato só agora há condições para implementar um autêntico “orçamento-programa” vinculando metas e objetivos com os recursos financeiros. No ano de 2000 houve uma grande reforma na metodologia de orçamento e planejamento da União que redirecionou a elaboração orçamentária para dentro do Plano Plurianual, como ferramenta integrada ao planejamento. O principal categoria do orçamento passou a ser o “programa” (expressando uma política qualquer, por exemplo, “programa de erradicação do trabalho infantil”). Cada programa passou a ser o módulo de integração entre o Plano e os Orçamentos, usando as mesmas codificações, terminologias e procedimentos metodológicos. Um “programa” no PPA representa um conjunto de ações que enfrentam algum problema, atendem alguma demanda social ou aproveitam alguma oportunidade da conjuntura. Os programas, por isso mesmo,

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passaram a identificar causas dos problemas, ter objetivos tangíveis, claros e mensuráveis através de indicadores. Um conjunto de ações compõe um programa A compatibilização do orçamento com os Planos Plurianuais é ilustrada na figura a seguir.

Quadro 8

Um exemplo concreto do que é um “Programa Orçamentário” pode ser extraído do PPA 2003-2006, gerenciado pelo Ministério do Trabalho e Emprego MTE. Algumas características do programa de combate ao trabalho escravo no país:

• O Problema: a ocorrência do trabalho escravo; • O Programa: Erradicação do Trabalho Escravo; • O Indicador de performance: Número de trabalhadores libertados; • Fórmula de cálculo do Indicador: Somatório do número absoluto de trabalhadores

em situação de trabalho escravo libertados no ano; • A Fonte: Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego; • A Situação inicial x A Situação desejada: de 1.741 trabalhadores libertados para

5.000 ao final do PPA, ou seja 2007; • Os Órgãos envolvidos: Justiça do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e

Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República; • As Ações e seus Produtos: (alguns) • Assistência Emergencial a Trabalhadores Vítimas de Trabalho Escravo • Atendimento ao Trabalhador Libertado de Trabalho Escravo • Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Fiscalização realizada)

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• Implantação de Vara do Trabalho Itinerante • Pagamento do Seguro-Desemprego ao Trabalhador Resgatado

Todo programa orçamentário deve possuir as seguintes características:

• Órgão e Unidade Responsáveis; • Denominação; • Objetivo; • Público-alvo; • Objetivo setorial associado; • Justificativas; • Tipo de programa; • Estratégia de implementação; • Horizonte temporal; • Valor anual e somatório dos quatro anos; • Indicador(es); e • Ações

Eles podem ter uma natureza “finalística” quando resultarem em bem e serviços ofertados diretamente à sociedade. Podem ser do tipo “gestão de políticas públicas” quando servirem para planejar e formular políticas setoriais, coordenação, avaliação e controle dos demais programas. Os programas podem ser ainda do tipo “programas de serviço ao Estado” quando estiverem relacionados ao fornecimento de um bem ou serviço específico para o setor público federal, por exemplo, serviço de processamento de dados. Finalmente há ainda um tipo de programa denominado “programa de apoio administrativo” que contempla as ações e despesas de natureza tipicamente administrativa. Já as chamadas “ações orçamentárias” são organizadas no interior do programa de tal forma que o objetivo do programa seja atingido. As ações podem assumir a forma de atividades e projetos quando há um produto específico a ser ofertado à população. Com a diferença que o termo projeto é utilizado para gerar um produto uma única vez (um hospital, p. exemplo) enquanto o termo atividade é utilizado para designar a realização de um serviço contínuo e permanente (o serviço de emergência do hospital, por exemplo). Além desta categoria a atual metodologia orçamentária federa prevê a figura da “operação especial” que não tem produto associado, utilizada por exemplo, para classificar as despesas com amortização e encargos da divida, pagamento de sentenças judiciais, transferências, operações de financiamento e outras. A elaboração anual do orçamento obedece a um ciclo relativamente simples. Apresentamos abaixo um diagrama com os principais eventos deste processo e em seguida comentamos aqueles de maior relevância.

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Quadro 9

A primeira tarefa a ser feita é fixar a meta fiscal porque ela vai condicionar a estimação das receitas e sobretudo a fixação das despesa. A meta fiscal fixada pode resultar em orçamento equilibrado, deficitário ou superavitário, dependendo da posição do governo. No governo federal já há vários anos o objetivo é a busca de resultados primários positivos (superávits) com o objetivo de estabilizar a relação dívida/PIB. Há uma crença na teoria econômica muito forte de que o controle da dívida pública é importante fator para evitar que o governo tenha necessidade de aumentar impostos (e reduzir a riqueza do setor privado) e com isso, também evita que o a taxa de juros aumente para financiar despesas extras através dos títulos públicos (juros altos significam menos dinheiro circulando, menor ritmo da atividade econômica). Por exemplo, a LDO de 2008 prevê uma meta de economia do governo de 3,8% do PIB uma valor que deve oscilar entre sessenta e setenta bilhões de reais. Neste ritmo a previsão para 2010 é que a relação dívida/PIB seja por volta de 30% o que seria um marco na história das finanças públicas (em 2003 esta relação era de 60%). Em seguida outra tarefa importante é a previsão das receitas, que deve considerar fatores dinâmicos e complexos como o impacto da inflação futura sobre os preços da economia, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, que é o conjunto das riquezas do país produzido no período de um ano), os efeitos da legislação tributária e fiscal, como a instituição de novos tributos. A variação da produtividade e eficiência dos sistemas de arrecadação também deve ser levada em conta, por exemplo, a crescente automatização na cobrança de impostos.

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A sigla NFGC significa “necessidade de financiamento do governo central”, diferente da NFSP que engloba todos os níveis do Estado, este cálculo só diz respeito ao governo federal. O levantamento do NFGC sinaliza o montante de despesas obrigatórias do governo, um dado fundamental para configurar o orçamento. Estas despesas normalmente são as transferências constitucionais para Estados, Municípios e entidades privadas, as despesas com pessoal e encargos sociais, o pagamento da dívida pública, precatórios (dividas que o Estado é obrigado a pagar mediante uma sentença judicial transitada em julgado), etc. Feito isto o próximo passo é delimitar quais são as despesas discricionárias, isto é, como será gasta aquela parte da receita prevista que não está comprometida com despesas obrigatórias. É aqui que a margem de manobra aumenta e que surge com mais intensidade o problema alocativo no orçamento. Construir 100 hospitais ou 300 escolas ? Qual a escolha onde o recurso será gasto com mais impacto positivo para a sociedade ? Um recurso técnico que auxilia a decisão (que é política em última instância) são os chamados estudos de viabilidade técnica comparando os custos e benefícios de investimentos alternativos. Muito deste recurso é, entretanto, uma despesa quase obrigatória, por exemplo, a manutenção dos equipamentos públicos já existentes, uma universidade, por exemplo. Este é um ponto delicado porque normalmente os recursos para manutenção futura daquilo que é construído é quase sempre subestimado, gerando depreciação dos serviços públicos. No estágio das propostas setoriais cada unidade orçamentária, um Ministério, por exemplo, fornece o seu programa de trabalho a partir dos limites de despesa determinados previamente pelo Ministério do Planejamento. É um momento de relativo conflito interno no governo entre os diversos “demandadores” de recursos entre si, e destes com o órgão central de planejamento, todos invariavelmente tentando ampliar seus limites de despesa. Após a aprovação do orçamento pelo legislativo através de um processo nem sempre transparente de negociações de emendas individuais e por bancada, inicia a etapa de exclusão. No início do exercício a programação orçamentária e financeira compatibiliza o cronograma de liberações orçamentárias através dos processo específico de execução da despesa pública. Durante a execução do orçamento é muito comum a existência de ajustes. A receita pode ser maior que a prevista gerando um excedente que precisa ser realocado, ou o surgimento de um fato externo como um seca exige aprovação de créditos adicionais para custear a ajuda às famílias atingidas. Os créditos adicionais podem ter três naturezas distintas. Créditos especiais destinam-se à despesas sem dotação orçamentária específica, os créditos extraordinários são usados em situações de emergência pública e pode ser através de Medida Provisória do Presidente da República e finalmente, o crédito suplementar que existe para reforçar uma dotação já existente. O procedimento para execução da despesa obedece sempre a três momentos: empenho, liquidação e pagamento. O empenho é a primeira fase, ele significa uma intenção de realizar despesa e é formalizado pela emissão de um documento (em formato eletrônico, normalmente), chamado “Nota de Empenho”. Este documento de pronto já compromete

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parte dos créditos orçamentários disponíveis em determinada rubrica, bloqueando-os para outra aplicação. A liquidação é o estágio de verificação do direito adquirido pelo credor, o fornecedor do bem ou serviço para o Estado, com base em documentos e certidões exigidas para o pagamento e sobretudo validando a entrega do produto conforme especificado. A liquidação é formalizada com outro documento, chamado “Nota de Lançamento”. Finalmente o pagamento é a fase onde se transferem ao credor os valores monetários correspondentes. Os pagamentos de fornecedores são organizados e regulados pelo sistema de Programação Financeira, gerenciado pela área Fazendária normalmente. No governo federal a Secretaria do Tesouro Nacional controla o fluxo dos pagamentos, através de um órgão chamado “Coordenação Geral de Programação Financeira” (COFIN). Este órgão controla a liberação de cotas e dos repasses às diversas unidades orçamentárias presentes nos órgãos do governo. Os pagamentos são feitos através do Banco do Brasil que é o agente financeiro do tesouro nacional. Deve haver uma perfeita sincronia e harmonia entre o sistema de créditos orçamentários e o fluxo financeiro, para viabilizar isso um conjunto de sistemas informatizados atua normalmente, os mais conhecidos são o SIAFI, Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federa e o SIDOR, Sistema Integrado de Dados Orçamentários.

Existem várias formas de classificar a despesa orçamentária, de acordo com a funcional-programática que diz “para que” e “em que” serão gastos os recursos, por elemento de despesa para dizer o que será gasto ou por categoria econômica para definir qual é o efeito econômico do dispêndio. A classificação por natureza da despesa proporciona informações importantes para a condução da política econômica do país, indicando se o governo está ou não contribuindo para criar pressões inflacionárias, por exemplo. Ela se divide em três níveis:

I - categoria econômica;

II - grupo de natureza da despesa;

III - elemento de despesa.

A classificação “categoria econômica” ainda se subdivide em despesas correntes (ou de custeio) e despesas de capital. Os “grupos de natureza de despesa” é a agregação em grupos com a mesma natureza de gasto. As receitas também podem ser classificadas em receitas correntes, as de origem tributária (Impostos sobre o Comércio Exterior, Imposto sobre a Importação, Imposto sobre a Exportação, Impostos sobre o Patrimônio e a Renda, Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural e Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza) e as receitas de capital, oriundas de operações de crédito.

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Quadro 10

Nos último dez ou vinte anos o processo orçamentário avançou muito no Brasil, especialmente no governo federal. Aumentou substancialmente a capacidade de controle fiscal dos gestores e autoridades, a decisão sobre a alocação de recursos tornou-se mais transparente e democrática. Entre os principais avanços caberia citar:

a. A incorporação das antigas contas do “orçamento monetário” no orçamento único a partir de 1985.

b. A criação da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda para gerenciar a conta única do Tesouro.

c. A extinção da conta movimento do Bando do Brasil que instituía processos paralelos de realização da despesa pública, em 1986.

d. A obrigatoriedade legal a partir da Constituição de 1988 de autorização legal (legislativa) para todas as despesas públicas.

e. A incorporação ao orçamento dos encargos da dívida pública federal. f. As condições de maior estabilidade de preços a partir de 1994 conferindo aos

orçamentos mais transparências, eficácia gerencial e efetividade. A prática de fixação de metas fiscais, acordadas com o FMI no segundo mandato do presidente Cardoso acabaram por permanecer ao longo dos anos e contribuíram para maior disciplina e educação fiscal dos governos. Cabe mencionara a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) que instituiu uma série de inovações tais como:

• as despesas com pessoal não podem ultrapassar os tetos definidos na Lei; • as despesas com pessoal de cada um dos três poderes devem respeitar tetos

específicos igualmente definidos na Lei; • o Presidente da República deve propor ao Senado os limites de endividamento

público; • novas despesas só podem ser feitas com receitas adicionais ou corte de gastos;

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• fica vedada a alternativa de os Governos estaduais ou municipais renegociarem suas dívidas com o Governo federal,

• as operações de Antecipações de Receitas Orçamentários (AROs) terão obrigatoriamente que ser liquidadas até o mês de dezembro do ano fiscal em que foram realizadas e não poderão ser realizadas enquanto existirem outras operações similares pendentes.

Perguntas:

1. Quais as principais diferenças entre orçamento-programa e orçamento tradicional ? 2. Qual a relação entre planejamento e orçamento ? 3. Quais os elementos mais positivos da lei de responsabilidade fiscal que impactam

na elaboração e execução do orçamento público ? Bibliografia para consulta: CORE, F. (2001) Reforma Gerencial dos Processos de Planejamento e Orçamento. ENAP.

Texto para discussão nº 44, Brasília. GARCIA, R. (2000) A reorganização do Processo de Planejamento no Governo Federal:

PPA 2000-2003. IPEA. Texto para discussão nº 726, Brasília. GIACOMONI, J. (2000). Orçamento Público. 9ª ed. São Paulo, Atlas, 2000. GIAMBIAGI, F. e ALÉM, A. (2000). Finanças Públicas - Teoria e Prática no Brasil. 1ª ed.

Rio de Janeiro, Campus PIRES., V. (1999). Orçamento Participativo - o que é, para que serve, como se faz. 1ª ed.

Piracicaba - SP, edição do autor. REZENDE, F. (1994) Finanças Públicas, Editora Atlas, São Paulo.

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6. Política Fiscal: Déficit Público e Dívida Pública O gasto público é sempre uma matéria controversa, há aqueles que defendem uma drástica redução da despesa pública, outros acreditam que o Estado tem que gastar mais para melhorar os serviços públicos como saúde, educação ou construção de estradas. Como quase tudo, entretanto, é mais fácil criticar do que ter que escolher entre dezenas de demandas sociais e econômicas, onde gastar os poucos recursos disponíveis. Em linhas gerais se consolidarmos todo o setor – governo, teremos que o Estado no Brasil é responsável por aproximadamente 10% do emprego e 30% a 40% do PIB, dependendo do período ou da forma de cálculo. Os gastos do Estado se distribuem nas funções alocativa, distributiva e estabilizadora analisadas com mais detalhe no início deste livro. Além destas funções um gasto significativo é feito com a máquina administrativa. Estas despesas dizem respeito basicamente ao funcionalismo ativo e inativo, às instalações publicas, à manutenção de serviços indispensáveis como o fornecimento de energia, transporte, material de consumo e uma infinidade de outras despesas. Para a maioria absoluta de países os bens públicos puros como a segurança pública ou os serviços do judiciário são custeados pela arrecadação pública. Em outros bens do tipo semi-públicos ou meritórios, onde há possibilidade de individualização do consumo (rivalidade e exclusão), a atuação do Estado muda de acordo com a tradição política e econômica, o grau de desenvolvimento e até mesmo com os costumes, de país para país. Por exemplo, até bem pouco tempo a maioria das cadeias de rádio e TV em diversos países desenvolvidos da Europa era totalmente pública, uma situação impensável em países como o Brasil ou os Estados Unidos onde estes serviços são concedidos pelo Estado aos grupos privados mediante algumas regras e controles. Com a onda de privatizações dos anos oitenta e noventa diversos serviços foram privatizados em vários países, como a telefonia, a energia elétrica e até o abastecimento de água. Mas onde o governo gasta os recursos que arrecada? A seguir apresenta-se uma tabela que evidencia a distribuição desta despesa, como percentual do PIB, para o período de 2000 até 2005. Pode-se ver que há um conjunto de despesas com maior peso nos gastos: pessoal, previdência, transferência a Estados e Municípios, investimentos (outras despesas), saúde, etc. Deve-se registrar ainda que as despesas do Estado são organizadas de acordo com os níveis federativos. Os Estados e Municípios assumem despesas de prestação de serviços próximos ao cidadão e compatíveis com sua posição no sistema federativo, isto é, com suas funções e competências constitucionais, jurisdição, etc. Assim, por exemplo, o governo federal se responsabiliza pelo ensino de nível superior, os municípios pela limpeza urbana e os Estados pela segurança pública.

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Quadro 11

Historicamente o gasto público vem aumentando muito ao longo do século XX. Para os países desenvolvidos o esforço de guerra ocorrido durante as duas guerras mundiais elevou o patamar de gasto público para níveis superiores a situação anterior. O fenômeno do crescimento das despesas dos governos não é novo. Já no século XIX o economista alemão Adolph Wagner analisando as tendências daquele período formulou o que veio a ser conhecido como a “Lei de Wagner” ou lei dos dispêndios crescentes. Basicamente ele identificou que a crescente modernização, urbanização e industrialização das sociedades acaba criando maior pressão e demanda social por serviços públicos novos, mais qualificados e com cobertura maior. Não são só as guerras que provocam mudanças de patamares no dispêndio público, mas a própria evolução e maturidade da sociedade. Uma das causas importantes está relacionada aos fatores demográficos. Na medida em que envelhece a população, crescem os gastos totais com assistência social, previdência e saúde. Outro fenômeno é a urbanização. Entre 1950 e 1980 a população urbana brasileira passou de 36% para quase 70%. Uma série de serviços de saúde, educação, transportes, saneamento e segurança, por exemplo, são típicos de ambientes urbanos com grandes aglomerações de pessoas. A urbanização favorece o aumento da renda per capita e da escolarização. Pessoas com melhor escolarização e renda tendem a reivindicar melhores serviços prestados pelo governo. Mesmo em países de tradições econômicas liberais a participação do Estado na economia nunca foi menor que 40% na Europa ou 30% no caso dos Estados Unidos. A polêmica sobre os gastos públicos parece ganhar mais relevância e importância quando analisamos especialmente o impacto do gasto público no desenvolvimento econômico e o modo como o governo gerencia a dívida publico, como será visto a seguir.

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Lei de Wagner sobre a expansão das atividades do Estado: os gastos do governo crescem mais rapidamente do que a renda nacional em qualquer Estado Progressista. A Lei de Wagner é uma constatação empírica sobre o comportamento dos gastos públicos na Alemanha, Estados Unidos, Japão e outros países da Europa.

Para Wagner o crescimento das atividades do governo era um efeito natural e previsível do progresso social. O gasto público, de um modo geral, é uma variável que tem relação direta com o comportamento do PIB. Outro modelo de gastos públicos foi idealizado por Peacock e Wiseman ao estudar a evolução dos gastos públicos no Reino Unido no período de 1890 até 1955. Duas hipóteses foram testadas: a relação dos gastos com a evolução da renda per capita e o comportamento dos mesmos em situações de distúrbios sociais. A primeira conclusão foi de que os gastos do governo aumentavam mais do que crescia o PIB e que as guerras aumentavam drasticamente o gasto. A este processo eles chamaram de “efeito deslocamento”. Após a passagem de problemas sociais como depressões econômicas, guerras ou distúrbios sociais a sociedade aumentava a tolerância à carga tributária e demandava um nível superior de gasto social para combater inequidades, este processo foi denominado de “efeito imposição”. Já o “efeito inspeção” resultaria na expectativa da sociedade por melhor nível dos serviços prestados pelo governo, o que havia sido obtido como efeito dos aumentos dos gastos públicos em momentos de crise social.

Estudos de Peacock-Wiseman (efeito de descolamento ou transação: os Gastos Públicos aumentam nos períodos de Guerra (Efeito Deslocamento). O efeito Deslocamento é uma constatação empírica sobre o crescimento dos gastos públicos no Reino Unido no período de 1890 à 1955. O efeito deslocamento (efeito translação) é explicado por uma maior tolerância à uma elevação da carga tributária nos períodos de instabilidade externa ou interna. Uma maior tolerância à carga tributária durante períodos de paz pode ser explicada pelos efeitos imposição e inspeção. Efeitos imposição: Representa uma maior tolerância à carga tributária por motivos de “igualdade” e “coletivismo”. Efeito Inspeção: Representa uma maior tolerância à carga tributária motivada por uma melhoria nos serviços públicos. O relacionamento entre crescimento da renda per capita e gasto público foi focado também nos trabalhos de Musgrave, Rostow e Herber. Eles argumentaram que apesar da relação ser válida, cada país define uma trajetória própria de crescimento e dispêndio público. Musgrave, por exemplo, definia que a formação bruta de capital do setor público era muito importante nos primeiros estágios de desenvolvimento do país. Neste estágio o investimento público em relação ao total de investimentos da economia deveriam ser bastante significativos. Haveria grande necessidade de infraestrutura social e econômica que as empresas incipientes não deveriam ter escala ou capital suficiente para realizar. Num estágio intermediário o papel do gasto público passa a ser de complementação do investimento privado. Numa fase final o investimento púbico decresce mas depois volta a se elevar para um novo patamar de renda e desenvolvimento social. Assim o ciclo se repetiria indefinidamente em patamares cada vez mais altos. Rostow assinalava que nestas etapas mais maduras de

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desenvolvimento o que impulsionaria o gasto público seriam os gastos sociais. Herber, por sua vez, retoma a “lei de Wagner” para dar ênfase ao processo de industrialização como motor do aumento do dispêndio governamental. Em geral os três modelos guardam bastante identidade ao associar o gasto público ao nível de desenvolvimento econômico e social de um país. Há também a idéia de que forma-se um ciclo de gastos maiores no início do processo e menores no final, o ciclo é como um espiral ascendente, ou seja, ocorreria em patamares superiores e sucessivos, conforme a sofisticação das demandas da sociedade.

Modelo de Musgrave, Rostow e Heber: os gastos públicos aumentam nos períodos pré – industriais, mantém-se constante nos períodos de industrialização e tornam a crescer nos períodos pós-industriais. Os gastos públicos podem ser classificados como despesas correntes ou despesas de capital. As despesa correntes constituem-se num conjunto de gastos operacionais realizados pelo governo com o objetivo de promover a execução, manutenção e o funcionamento de suas atividades. As despesas correntes podem ser ainda subdivididas em custeio e transferências. As despesas de custeio são compostas com o dispêndio com pessoal, manutenção dos serviços, diárias, gratificações, material de consumo, etc. Já as transferências correntes representam as dotações que não correspondem a prestações de serviço ou aquisição de bens de consumo pela unidade de governo que a realizou. Estas transferências podem ser as subvenções econômicas, as transferências à entidades privadas, encargos da dívida, etc. As despesas de capital por sua vez, representam os dispêndios que contribuem para formar um bem de capital ou gerar um acréscimo de valor a um bem já existente, realizada por meio da compra, transferência ou outro meio de aquisição de propriedade. Nestas despesas enquadra-se, por exemplo, os investimentos, as transferências de capital e as inversões financeiras. No Brasil a tradição é de gerar déficits, ou seja, da arrecadação ser inferior ao nível de despesas. Quando isto acontece o governo tem algumas alternativas básicas: emite moeda gerando inflação, lança títulos públicos e toma dinheiro emprestado no mercado (para isso o juro tem que ser alto e atrativo aos investidores) ou aumenta a arrecadação de impostos (mas além de um limite retira renda da sociedade). A inflação, no caso da emissão monetária, acaba corroendo o valor da moeda, num primeiro momento ela ajuda o governo a mascarar as despesas, basta “jogar para frente” determinada despesa (adiando a folha de pagamento, por exemplo) que o valor real diminuirá. Por outro lado a inflação corroi o valor real da arrecadação, pois entre o fato gerador do imposto e a efetiva entrada no caixa do governo há uma deterioração do valor real da moeda, é o chamado “Efeito Tanzi”. Efeito Tanzi ou Oliveira-Tanzi: é a corrosão da Arrecadação Real durante um processo inflacionário”. A redução do poder de compra da arrecadação do governo durante a inflação é devida à: (i) corrosão de base do tributo (ii) à defasagem entre o fato gerador e lançamento do tributo (iii) à defasagem entre o lançamento e o recolhimento do imposto.

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Quando o governo emite títulos da dívida pública, a pressão inflacionária não deve surgir imediatamente, pois o governo arrecada dinheiro (vendendo os títulos públicos) que já está em circulação, em posse de pessoas que compraram, no nosso caso, dos Bancos públicos e privados. A grande questão neste caso é que para alguém comprar um título do governo brasileiro, um banco internacional ou nacional, com a certeza de que o governo vai pagar um juro adequado e devolver o dinheiro emprestado na data do vencimento, é preciso confiabilidade e juros atrativos. No primeiro caso influem diversos fatores, o histórico do país em relação ao pagamento de compromissos (o respeito aos contratos), o clima político e social interno e o famoso “risco país”, que é uma espécie de “termômetro” da confiabilidade dos investidores. O risco país é um índice denominado “Emerging Markets Bond Index Plus” (EMBI+) e mede o grau de "perigo" que um país representa para o investidor estrangeiro. Este indicador se concentra nos países emergentes. É calculado por agências de classificação de risco e bancos de investimentos, como o banco de investimentos americano J. P. Morgan. Analisa o rendimento dos instrumentos da dívida de um determinado país, principalmente o valor (taxa de juros) com o qual o país pretende remunerar os aplicadores em bônus, representativos da dívida pública. O risco país é a sobretaxa que se paga em relação à rentabilidade garantida pelos bônus do Tesouro dos Estados Unidos, país considerado o mais solvente do mundo, ou seja, o de menor risco para um aplicador não receber o dinheiro investido acrescido dos juros prometidos. São avaliados o nível do déficit fiscal, as turbulências políticas, o crescimento da economia e a relação entre arrecadação e a dívida de um país. Ele é expresso em pontos básicos. Sua conversão é simples: 100 unidades equivalem a uma sobretaxa de 1%. Quanto maior for o risco, menor será a capacidade do país de atrair investimentos estrangeiros. Em 2008 o risco país oscilou em 200 pontos, significando que a taxa mínima aceitável pelos investidores deveria ser dois pontos percentuais acima das taxas pagas pelo tesouro norte-americano. Este valor já chegou a 2.400 pontos na véspera da posse do governo Lula em 2002, os bancos internacionais apenas estavam precificando o temor de que o novo governo não honrasse seus compromissos com o pagamento da dívida publica. O governo Lula não só manteve a normalidade na gestão da divida pública como aumentou as metas de superávit fiscal e algum tempo pagou a dívida externa de curto prazo herdada do governo anterior no valor de US$ 15,5 bilhões. Parte expressiva do lucro dos bancos no Brasil, alguns apresentam os maiores lucros do mundo, derivam do valor das taxas de juros pagas. Os bancos compram os títulos e revendem aos seus clientes através dos fundos de investimento, certificados de depósito bancário e uma infinidade de “produtos” financeiros. Se a dívida cresce muito os investidores ficam receosos de ocorrer o “default”, ou seja, o não pagamento (ou moratória), por isso é importante manter a dívida pública até certo limite do PIB, com prazos mais alongados a taxas menores. De qualquer jeito, um dos componentes da taxa de juros é o risco implícito do não pagamento, felizmente este componente tem diminuído no Brasil, mas ele também é influenciado pelas condições da economia mundial, que está fora do nosso controle. Não é por outro motivo que o equilíbrio das contas públicas é tão importante para a “saúde” financeira do Estado, é um dos chamados “fundamentos macroeconômicos”, tão caros à manutenção de um ambiente interno favorável aos investimentos. O que importa não é tanto o tamanho da dívida, dentro de certos limites, mas sua “qualidade”, isto é, sua composição interna, quais são os indexadores, os prazos de investimento e a capacidade do país em mantê-la sem afetar o crescimento econômico doméstico, ou pior, induzir a uma recessão com estagnação da economia.

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Quando um déficit em transações correntes na balança de pagamentos (que mede as transações econômicas com o exterior) é financiado com empréstimos externos e altas taxas de juros e estas taxas aumentam a dívida interna, diz-se que o país tem “déficits gêmeos”. Nesta situação, déficit interno combinado com déficit externo, surgem os chamados “ataques especulativos” contra a moeda nacional. O mais recente ataque especulativo que o real sofreu foi em 1999 e a moeda brasileira foi fortemente desvalorizada. Um ataque especulativo acontece quando os investidores desconfiam da solidez da economia do país e iniciam um processo de saída ou venda de seus ativos em moeda nacional de forma progressiva. A ação de desinvestimento contamina toda a economia e os “últimos a sair” acabam assumindo toda a perda. O governo para evitar uma “sangria” maior de divisas externas desvaloriza a moeda, ou seja, decreta que para cada dólar o investidor pode trocar por um número maior de reais, compensando em parte as perdas. Quando o país tem reservas em moeda forte ele consegue “bancar” a demanda por dólares pelos investidores que estão abandonando suas posições em moeda local, em reais e conter o preço do dólar, mas quando as reservas estão baixas a crise se alastra. As reservas são acumuladas nos momentos em que o Banco Central compra dólares, normalmente nos períodos em que o comércio internacional geral saldos comerciais significativos. O déficit público pode ser financiado por: aumento da base monetária (emissão de moeda); aumento do estoque da dívida líquida (emissão de títulos); imposto inflacionário; senhoriagem; aumento das operações ativas do Banco Central; diminuição do passivo do Banco central; reservas internacionais e crédito externo líquido. Evolução recente do déficit publico Durante a década de oitenta e noventa as contas públicas brasileiras passaram por grandes transformações. A inflação persistente durante muitos anos foi um dos principais obstáculos para evidenciar os grandes desequilíbrios na arrecadação e na estrutura de gastos públicos. A inflação alta acomoda as despesas porque diminui o valor real da despesa. A partir de 1995 a diminuição drástica da inflação fez explodir a dimensão real das despesas públicas e evidenciou todos os problemas de gerenciamento da dívida pública. Foi somente no final da década que o superávit nas consta adquiriu alguma sustentabilidade. A estabilização ocorreu, entretanto, a um alto custo monetário, a taxa nominal média de juros desde a estabilização em 1994 foi de 7% ao ano, um valor alto, mesmo para países emergentes. O impacto do risco país e outros fatores na taxa da juros repercutiu em parcelas crescentes da riqueza nacional comprometida com o carregamento da dívida. Somente com os juros pagos depois da estabilização comprometeu-se quase 5% do PIB. Outros países no mesmo período apresentavam dívidas brutas de quase uma vez e meia seu PIB, como foi o caso da Grécia, Bélgica ou Itália. Deve-se observar, entretanto que boa parte da dívida pública está sob a forma de títulos emitidos pelo governo em posse de instituições publicas e a outra parte nas mãos de bancos privados.

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Em termos gerais as tendências recentes das contas públicas demonstram uma tendência de aumento dos gastos públicos acima das taxas de crescimento do PIB, particularmente com os benefícios da seguridade social e dos benefícios relacionados à lei orgânica da assistência social (LOAS - a lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, define que a assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, como política de seguridade social não contributiva, a assistência social deve garantir os mínimos sociais e ser realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade). Por exemplo, a entrada dos aposentados rurais, por idade, saltou de 1,9 milhão de pessoas em 1991 para quase quatro milhões em 1994. As despesas de pessoal com o funcionalismo passaram de 3,8% do PIB em 1991 para 4,7% em 2007, basicamente devido ao aumento de despesas com servidores inativos. As transferências legais para estados e municípios que eram 2,7% do PIB em 1991, passaram para pouco mais de 4% em 2007. Este aumento ocorreu devido às várias concessões federais para Estados e municípios, ao aumento dos tributos que são base para os fundos de participação (com exceção do IPI que caiu), novos fundos de transferências (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, o FUNDEF, por exemplo). Déficit primário ou resultado primário deficitário: o Déficit Primário é definido como o excesso da despesas sobre as receitas não financeiras, isto é, que não estão relacionadas com o serviço (juros) da dívida pública.

O perfil das despesas do governo federal é muito rígido, a maior parte são de difícil compressão, como as transferências para Estados e Municípios, gastos de pessoal, seguridades social e outros itens. Cada subsídio ou subvenção tem sempre por trás um lobby no Congresso Nacional, particularmente nos momentos de votação da peça orçamentária, todo ano. Os estudiosos do assunto admitem que dada a impossibilidade de diminuir as despesas com outros poderes restaria uma margem menor que 1% do PIB para uma ação discricionária do poder executivo. Um dos maiores problemas nas despesas públicas são os gastos com seguridade social. O Brasil fez recentemente três reformas previdenciárias desde o Plano Real de 1994. Algumas medidas implementadas: adoção do princípio da idade mínima de 60 ou 55 anos, criação do “fator previdenciário” vinculado o benefício a media de contribuição e à idade do segurado. Os problemas parecem se localizar na desproporção dos recursos disponíveis para aposentadoria de servidores públicos (um milhão) e trabalhadores do setor privado (vinte milhões). O crescimento das despesas com inativos na área pública tem se concentrado com os servidores militares, a proporção de gastos com inativos de militares em relação aos ativos é quase três vezes maior que os servidores civis. Atualmente os gastos com servidores militares ativos representa 16% da despesa, mas os gastos com inativos passa de 34%. Assim o aumento das despesas com seguridade, que pulou de 3,4% do PIB em 1991 para 7,2% do PIB em 2007, pode ser atribuído sinteticamente à incorporação de segurados rurais, aos aumentos do valor real do salário mínimo (entre 1995 e 2008, subiu 110%),

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concessões diversas e falhas gerenciais (o número de auxilio-doenças, por exemplo, pulou de 500 mil indivíduos/mês para 1,5 milhão entre 2000 e 2005). Déficit nominal ou resultado nominal deficitário: O déficit nominal é definido como a soma do déficit primário com os juros nominais da dívida, isto é, o déficit nominal é igual ao déficit primário acrescido dos juros nominais do estoque da dívida pública. O déficit nominal inclui todas as receitas e despesas e é muito distorcido pela inflação. Em relação à Estados e Municípios podemos dizer que nos anos noventa também houve ma mudança de trajetória das dívidas estaduais. O conjunto de renegociações da dívidas estaduais, com a federalização das dívidas e pagamento em 30 anos com teto da receita estadual e garantias contra inadimplência, mudou o quadro para melhor na maioria dos Estados. A própria lei de responsabilidade fiscal reforçou a impossibilidade de revisões posteriores das negociações. Além disso a maioria dos Estados e municípios teve impactos positivos com o aumento com a receita de ICM sobre telefonia e combustíveis, transferências de receitas federais e melhorias dos processos de gestão.

Déficit operacional ou resultado operacional deficitário: O déficit operacional é obtido pela retirando-se do déficit nominal a correção monetária e cambial da dívida, ou seja, o déficit operacional é igual ao déficit nominal menos a correção monetária e cambial do estoque da dívida pública. Portanto a correção monetária e cambial da dívida não está incluída no déficit operacional. O conceito de déficit operacional foi criado par se ter uma medida de déficit público menos influenciada pela inflação do que o déficit nominal. O déficit operacional também pode ser definido como a soma do déficit primário com os juros reais ( juros nominais menos correção monetária) do estoque da dívida pública.

A dívida líquida do setor público brasileiro já chegou a 56% do PIB nos anos oitenta. Com a inflação alta e déficits pequenos ela chegou a 30% do PIB em 1994 baixando para seu mínimo de 28% do PIB em 1995, retomando o nível de 52% do PIB em 2003, baixando para os atuais 45%. Enquanto a parte externa da divida publica perdeu importância (hoje o Brasil inclusive é um credor externo líquido), não se pode dizer o mesmo ao problema da dívida mobiliária federal que continua crescendo impactada pela alta taxa de juros. A redução da divida vinculada à variação do câmbio decorreu da desvalorização cambial (iniciada em 1999) e seu perfil sofreu um alongamento maior, títulos de curto prazo foram substituídos por títulos de mais longo prazo com taxas menores. Por exemplo, as Notas do Tesouro Nacional de até dez anos vem substituindo as Letras do Tesouro Nacional de curto prazo, hoje representam por volta de 30% dos títulos pré-fixados (o rendimento é conhecido antecipadamente), fazendo com que o prazo médio de liquidação destes títulos saltasse de três para 18 meses. Na medida em que o ambiente interno se estabiliza e os fundamentos macroeconômicos se consolidam (inflação baixa, taxas positivas de crescimento e equilíbrio externo) os prazos aumentam e o valor das taxas baixam. Para exemplificar, o governo federal vendeu títulos (Notas do Tesouro Nacional - NTNs) em 2007 com prazo para 2017 (dez anos) pagando juros reais brutos de até 7%. A situação atual, portanto é de sensível melhoria na gestão da dívida pública que adquire um perfil mais flexível, de mais prazo e menor vulnerabilidade aos choques de juro de curto prazo ou às turbulências cambiais resultantes de crises externas.

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Quanto aos desafios neste campo é evidente que ainda persiste o problema do sub-investimento do setor público e da baixa qualidade da carga tributária. A diminuição do investimento publico (que é complementar ao investimento privado) e sem dúvida um dos motivos que explica a inconstância e a baixa taxa de crescimento do PIB. Outro desafio é conter a dívida mobiliária federal que passou de 12% do PIB em 1994 para 46% do PIB atualmente. Isto também depende de condições externas já que a política de juros é fortemente influenciada pela política cambial e vice-versa. Por exemplo, uma baixa na taxa de juros – desconsiderando o efeito sobre o consumo doméstico - pode influenciar na saída de investidores externos, esta medida isolada poderia repercutir numa tendência à valorização do real, já que a oferta interna de moeda forte ficaria menor. Outro desafio seria diminuir o ritmo de expansão do gasto corrente, aquele relacionado ao “carregamento” da máquina pública, porque isso diminuiria a pressão por aumento de arrecadação via elevação da carga tributária. Este tipo de gasto se expandiu a uma taxa de 6% ao ano entre 1990 e 2007, versus um crescimento médio de 3% do PIB. Estes dados parecem indicar que a necessidade de uma agenda de reformas que repercuta positivamente sobre a qualidade e a gestão da dívida pública ainda é uma tarefa inacabada do governo e da sociedade brasileira. Os dilemas são as escolhas a serem feitas diante de benefícios difusos no futuro. Por exemplo, como diminuir os gastos correntes sem prejudicar Estados e Municípios ou diminuir a qualidade do serviço público ? Como conter gastos sem afetar os programas sociais redistributivos que estão contribuindo fortemente para melhorar a equidade social e fortalecer o mercado interno ? Como diminuir os gastos da previdência e manter simultaneamente os impactos positivos de uma política de correção do valor real do salário mínimo ? Como reduzir despesas financeiras com juros e amortização da dívida, sem quebrar contratos e afastar investidores ? Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP) - É o conceito de déficit que inclui as despesas do Governo nas três esferas (federal, etadual e municipal) e também as despesas das empresas estatais. O conceito de NFSP foi introduzido no Brasil para atender os critérios do FMI de avaliação do setor público. A NFSP pode ser calculada nos conceitos primário, nominal ou operacional.

Entre estes dilemas, pouco debatidos publicamente, está a enorme transferência do setor publico para o setor privado financeiro através das amortizações da dívida. A origem deste problema está nas opções de política econômica feitas durante a fase de estabilização monetária. Naquele período os “policy makers”, grosso modo, trocaram inflação por dívida. O mecanismo foi simples. A adoção do cambio fixo (administrado pelo governo) permitiu uma ampliação das importações. A manutenção das altas taxas de juro atraiu investimentos externos. A primeira medida ajudava a coibir aumentos de preços mediante a concorrência externa. A segunda, além de conter a demanda, atraia capital externo para equilibrar as contas externas e financiar despesas do governo. A inflação caiu drasticamente, mas os efeitos colaterais não foram menos dramáticos: desnacionalização de alguns setores menos preparados para a

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abertura cambial, desemprego crescente e má gestão das despesas publicas. O resultado foi a quebra do país em 1998 e a necessidade de acordo e empréstimo do Fundo Monetário Internacional em 1999. Para ilustrar, entre 1998 e 2006 as aplicações externas no Brasil aumentaram por volta de 600%. A tabela a seguir, elaborada pelo IPEA, ilustra o crescimento da dívida mobiliária (títulos públicos) do governo federal dos últimos anos.

Quadro 12

Para demonstrar o peso das despesas financeira, se considerarmos o critério adotado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), elas atingem quase 70% da Receita Corrente Líquida da União, receitas correntes são basicamente aquelas derivadas da arrecadação tributária. As despesas financeira cresceram nos últimos anos mais do que qualquer outra despesa. A seguir, para exemplificar, somente o pagamento de juros pelo governo, salta de R$ 88,7 bilhões em 1998, para R$ 155,1 bilhões em 2006 (o PIB foi calculado pela metodologia antiga do IBGE). O Brasil tem sido nos últimos 15 anos um “campeão” mundial de juros altos, esta é a causa fundamental da financeirização da riqueza no pais. Neste mesmo período, como já vimos, a carga tributária aumenta significativamente.

Quadro 13

Para fazer frente a este esforço o governo central vem mantendo desde 1999, como decorrência dos acordos com o FMI, o superávit primário que já chegou a 3% do PIB em 2004. O mecanismo econômico subjacente a este processo é uma grande transferência do setor não financeiro (da renda gerada por indústrias, serviços e agronegócio) para o setor financeiro da economia (bancos) intermediada pela política econômica do Estado. Os

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economistas chamam este fenômeno de “financeirização” da riqueza. Ou seja, há uma parcela cada vez maior da poupança fiscal destinada aos credores do Estado (aqueles que detém títulos públicos, por exemplo), com redução proporcional da parcela destinada a manter a maquina publica (despesas correntes) e - o mais preocupante – das despesas de capital, aquelas destinadas a ampliar a infraestrutura econômica e social do país.

Perguntas:

1. Quais os traços comuns nos diversos modelos de despesa pública ? 2. O que quer dizer “a qualidade” da dívida pública e porque é importante seu perfil ? 3. No Brasil a dívida publica representou um gasto necessário ou um obstáculo para o

desenvolvimento do país ?

Bibliografia para consulta:

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BICALHO, A. (2005). Teste de sustentabilidade e ajuste fiscal no Brasil pós-Real. 2005. Tese (Doutorado) – Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.

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7. Os princípios e a teoria da tributação Para arcar com as despesas e funções estatais vistas anteriormente o governo demanda um quantum significativo de recursos. A principal fonte de receita do setor público é a arrecadação tributária. Um sistema tributário ideal deve levar em conta o conceito de equidade, ou seja, a idéia de que a distribuição do peso do tributo deva ser equitativamente distribuída entre os diversos indivíduos da sociedade. Outro conceito é o de progressividade, um princípio que sugere a tributação maior para quem tem maior renda ou patrimônio. O conceito de neutralidade nos diz que os impostos devem ser organizados e cobrados de uma tal forma que minimizem os possíveis impactos negativos sobre a eficácia econômica. Os tributos se desdobram em: • Impostos, que são tributos cuja arrecadação não tem destinação obrigatória predeterminada • Taxas, que se relacionam com a prestação, pelo poder público, de algum serviço identificável • Contribuições de Melhoria, que constituem uma espécie de tributo decorrente da valorização imobiliária particular, proporcionada pela realização de uma obra pública e • Contribuições Sociais, que são tributos cuja arrecadação tem destinação específica obrigatória, a exemplo das “contribuições sociais de intervenção no domínio econômico” e, em destaque, das contribuições sociais para a Seguridade Social. A aplicação de um imposto representa um custo e como tal desloca a curva de oferta para a esquerda, ou seja, diminui a quantidade ofertada de um bem ou produto, isto faz com que o nível de equilíbrio do mercado seja obtido abaixo do potencial real. Por fim, o conceito de simplicidade recomenda que o sistema tributário deva ser de fácil compreensão para o contribuinte, sobretudo, e de fácil arrecadação para o governo. Vamos analisar com mais detalhes estes conceitos nas próximas linhas. O conceito de equidade relaciona a cobrança do tributo com a capacidade de pagamento do contribuinte. Cada indivíduo em tese deve contribuir com uma parcela justa de impostos. Um argumento diz que cada indivíduo deveria contribuir proporcionalmente aos benefícios gerados pelo consumo do bem público em questão. Este princípio é simples do ponto de vista teórico, mas difícil de medir, porque o Estado não conhece a preferência do indivíduo que não é revelada no seu consumo, somente nos processos eleitorais, e ainda assim, com distorções como já vimos. Além disto, como cada indivíduo tem preferências diferenciadas conforme sua renda, posição social, cultura, etc., seria impossível definir um padrão de cobrança válido para toda a sociedade. O Princípio do Benefício vincula o ônus do tributo com o benefício dos gastos públicos. Os Benefícios podem ser Totais, Proporcionais ou Marginais. Benefícios Totais: O imposto a pagar deve equivaler aos benefícios totais que o contribuinte recebe dos gastos públicos. Benefícios Proporcionais: A carga tributária deve ser distribuída proporcionalmente ao benefício total recebido, ou seja, a contribuição deve ser proporcional aos benefícios totais recebidos. Benefícios Marginais : os impostos devem ser distribuídos com base nos benefícios marginais recebidos. É o melhor entre os três concertos de benefícios recebidos.

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Mesmo assim, a cobrança pelo benefício pode ser possível no caso daqueles bens e serviços cujo consumo pode ser individualizado. A cobrança pode ser feita através de tarifas e taxas de utilização como no caso dos transportes. Os bens privados fornecidos mediante concessão do governo ou diretamente por ele, cujo benefício é internalizado por quem o consome, podem ser tributados como o processo de mercado, com princípios similares de formação de preços. Um imposto ou taxa associado ao consumo de combustíveis, por exemplo, poderia ser organizado de acordo com este princípio. Este tipo de tributo seria utilizado para construir e manter as rodovias. Os usuários que pagam o tributo, em tese, seriam os mesmos beneficiários pela sua aplicação. Resta o problema de como diferenciar o uso que cada motorista fará da rodovia, alguns utilizam mais, outros menos, o Estado não teria como discriminar uns dos outros. A contribuição social da previdência seria outro tipo de tributo cobrado segundo o princípio do benefício. As pensões e benefícios recebidos na aposentadoria teriam relação direta com as contribuições pagas durante o período de vida ativa do trabalhador. Princípio da capacidade de pagamento: “Paga mais imposto quem é mais capaz”: o princípio da Capacidade de Pagamento fornece a base para a incidência dos impostos, pois surge a pergunta natural, quem é mais capaz? Resposta: Quem possui a maior renda, o maior patrimônio riqueza ou quem consome mais. O princípio do benefício além de não ser operacional, pode ser aplicado de forma muito restrita já que o total de gastos que devem ser financiados com tributos é muito superior ao que poderiam arrecadar os tributos somente desta natureza. Além disso, a função redistributiva, transferir renda de um setor para outro, não seria viável só com tributos organizado sob o princípio do benefício. Uma outra forma de tentar garantir a equidade na cobrança de tributos é a adoção do princípio da capacidade de pagamento que permitiria a formulação de uma regra geral válida para toda a sociedade. Segundo esta regra, a carga do tributo deve ser tal que os contribuintes com a mesma capacidade de pagamento devem pagar o mesmo nível de impostos (equidade horizontal). As contribuições dos indivíduos devem ser diferentes conforme suas capacidades de pagamento (equidade vertical). O problema imediato que se coloca é como definir o que é a capacidade de pagamento de cada indivíduo. Poderia ser ma medida de fluxo econômico como a renda ou consumo ou uma medida como estoque, por exemplo, a riqueza ou patrimônio acumulado. Impostos Diretos : São aqueles nos quais o ônus da tributação recai sobre quem deve pagar o imposto. São impostos que incidem sobre a Renda e o Patrimônio. As contribuições Para fiscais (CPF), tais como, Previdência – Social, PIS – PASEP, salário família, etc., estão incluídas nos impostos diretos. Exemplos: IRPF, IRPJ, IPTU,IPVA. Impostos Indiretos: São aqueles nos quais não necessariamente o ônus da tributação recai sobre quem deve pagar o imposto, ou seja, é possível uma transferência da carga tributária ( paga mais imposto quem é mais inelástico – Tributação do Inelástico). A base dos impostos indiretos é o consumo e a venda de bens e serviços. Os impostos indiretos são em geral regressivos.Exemplos: ISS, ICMS.

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A renda, considerando todos os fluxos de renda na economia, é mais ampla que o consumo porque parte da renda pode não ser consumida e ser poupada. Alguns estudiosos argumentam que a tributação sobre a renda como um todo conduz à incidência de impostos sobre a poupança e o investimento, que em tese, não deveriam ser tributados porque são benéficos ao crescimento econômico como um todo. Para estes somente os atos de consumo deveriam ser tributados, e ainda assim, os atos de consumo “egoístas” destinados à fruição direta e pessoal do contribuinte. Para fins redistributivos, contudo, a renda parece ser a melhor alternativa, porque ela possibilita individualização da cobrança, aplicação de alíquotas diferenciadas, isenções específicas a partir das características individuais de cada contribuinte. Na tributação sobre o consumo os indivíduos pagam a mesma alíquota sobre cada unidade consumida, independente de sua renda ou patrimônio. Por isso os indivíduos com menos renda pagam relativamente mais na tributação sobre o consumo, que os indivíduos de maior renda. A tributação sobre a riqueza não seria necessária, já que a tributação abrangente sobre a renda que é gerada pela riqueza, já estaria garantindo o devido ônus aos detentores de riqueza. Mesmo a tributação sobre a renda apresenta dificuldades de mensuração. Os sistemas tributários têm combinado tributações sobre a renda, o patrimônio e o consumo em proporções variáveis. Princípio da rentabilidade - A arrecadação não deve ser nem menor e nem muito maior do que os gastos do governo. Principio da elasticidade - Os incrementos (aumentos) na arrecadação devem ser ligeiramente maiores do que o crescimento nos gastos públicos, ou seja, a elasticidade da arrecadação tributária deve ser um pouco maior que a unidade. Princípio da economicidade - O volume arrecadado não pode ser comprometido pelo custo da arrecadação. Princípio da simplicidade - A Legislação Tributária deve ser a mais simples. Os tributos podem ser progressivos ou regressivos. A progressividade de um tributo está associada à alíquota de tributação que se eleva quando aumenta a renda. O que justificaria uma tributação progressiva é justamente o princípio da equidade, quem tem mais renda deveria pagar mais do que aqueles de menor renda. Ao contrário, um imposto regressivo é aquele que implica numa contribuição maior da parcela da população de mais baixa renda, vis a vis, a população de mais alta renda. Assim, o número de alíquotas de um imposto influencia diretamente a sua natureza progressiva ou regressiva, quanto maior o número de alíquotas, mais progressivo ele será. Imposto específico: é um valor constante adicionado ao preço. A imposição de um imposto específico retrai paralelamente a oferta, isto é, causa um deslocamento paralelo da curva de oferta para trás. Imposto ad-valorem (t): é uma alíquota constante que incide sobre o preço. A imposição de um imposto ad-valorem gira a oferta para trás, isto é, causa uma rotação da curva de oferta para trás. Um sistema tributário ideal seria aquele cuja execução não provocasse distorções no sistema econômico, particularmente na formação do preço de bens e serviços. Um imposto de renda, por exemplo, reduz a disponibilidade de renda dos indivíduos o que implica na redução de suas possibilidades de consumo, mas de forma homogênea, para todos os bens e

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serviços. Já um imposto sobre o consumo que é aplicado de forma seletiva, reduz a possibilidade de consumo de um bem ou serviço determinado, podendo afetar as decisões sobre quanto produzir e diminuir a oferta num estágio futuro. Cabe registrar, entretanto, que em muitos casos um tributo específico sobre o consumo visa corrigir alguma falha de mercado, com por exemplo uma externalidade negativa. Imagine por exemplo a função das penalidades pecuniárias (multas e taxas) pagas por condutores de veículos que agem no sentido de reduzir as condutas perigosas e diminuir a probabilidade de acidentes. Perda de “peso morto” (excesso de carga fiscal, excesso de gravame ou de “deadweightloss”): a imposição de um imposto causa uma perda de bem estar tanto para os consumidores quanto para os produtores. Parte dessa perda é apropriada pelo Governo, porém uma outra parte é perdida, essa perda de eficiência, medida em termos de bem estar é chamada de perda de peso morto. A perda de peso morto depende da elasticidade. Teoricamente quando um imposto é neutro ele não causa perda de peso morto, pois esse tipo de imposto (a tributação neutra) só possui efeito renda, não possui efeito substituição e portanto não altera os preços relativos. Na prática, todo imposto gera alguma perda de peso morto, de modo que alguns autores definem um imposto neutro como sendo aquele que, na prática, causa a menor distorção possível. Os tributos devem ser simples. É importante que o tributo, seja ele um imposto, taxa ou contribuição de melhoria, seja entendido para o contribuinte. Sua cobrança, arrecadação e gestão também devem ser simples para os órgãos arrecadadores do governo, facilitando a transparência e controle social sobre esta atividade. A simplicidade também se traduz pelos baixos custos de administração dos tributos, não teria sentido manter um tributo cujo custo fosse próximo a sua arrecadação, não é mesmo. A elasticidade - preço da demanda mede a sensibilidade na quantidade demandada (Qd ) quando se faz uma variação no preço ( P ) de um bem. A demanda de um bem pode ser elástica, inelástica ou de elasticidade unitária. A demanda é elástica quando uma pequena variação no preço causa proporcionalmente uma grande variação no preço. A demanda é inelástica quando é insensível à variação de preço, isto é, uma grande variação de preço causa proporcionalmente uma pequena variação na quantidade demandada. A demanda é de elasticidade unitária quando uma variação no preço causa uma variação na quantidade demandada na mesma proporção. O coeficiente de elasticidade- preço da demanda é definido como a razão entre a variação percentual na quantidade demandada e a variação percentual no preço A elasticidade – preço da oferta é a sensibilidade na quantidade ofertada ( Qs ) devido à uma variação de preço. A oferta pode ser elástica, inelástica ou de elasticidade unitária. A oferta é elástica quando uma variação no preço causa uma variação mais do que proporcional na quantidade ofertada. A oferta é inelástica quando as variações na quantidade ofertada são proporcionalmente menores do que as variações de preço. A oferta é de elasticidade unitária quando uma variação no preço causa uma variação na quantidade ofertada na mesma proporção. O coeficiente de elasticidade- preço da oferta é definido como a razão entre a variação proporcional na quantidade ofertada e a variação proporcional no preço. Nem sempre os indivíduos sobre os quais incidem os tributos são os que realmente pagam ou arcam com o ônus do tributo. Quando um imposto é aplicado sobre um bem ou produto, o preço daquele bem incorpora o todo ou parte deste novo custo, é a reação do mercado (oferta e demanda) que vai determinar quem arca com o tributo, se os produtores ou consumidores. A estrutura de mercado e o nível de elasticidade-preço da oferta e demanda são essenciais para determinar quem paga e quanto paga o tributo.

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Por exemplo, imaginemos um imposto cobrado sobre a folha de pagamento das empresas para financiar um programa qualquer do governo e que o empregador e o trabalhador tenha que dividir igualmente o ônus do tributo. Este imposto vai tornar mais cara a folha de pagamento, ou seja, o preço da força de trabalho que o empregador adquire. Portanto, uma das reações possíveis do empregador é diminuir sua demanda por trabalhadores, isto é, reduzir o número de empregados. Se a redução da demanda por trabalho reduzir o preço da força de trabalho (isto é, os salários), então pode-se dizer que o ônus maior pelo pagamento do tributo recaiu sobre o trabalhador. Agora, se os empregadores decidirem repassar para os preços dos produtos o imposto pago, então haverá um aumento do preço final destes produtos para o consumidor. Logo, parte do ônus tributário do empresário será pago pelo consumidor. O tamanho deste repasse dependerá de como são as elasticidades-preço da oferta e da demanda deste bem. Elasticidades, de um modo geral, são as sensibilidades do consumidor ou do produtor às variações de preço. Por exemplo, um produto cuja demanda tem elasticidade-preço elástica terá uma variação muito grande na quantidade demandada dada uma variação proporcionalmente menor nos preços. Em geral são produtos com pouca essencialidade, muitos bens substitutos e preço normalmente muito alto com grande participação no orçamento das pessoas. Um produto de demanda inelástica o consumidor reage muito pouco na quantidade demandada, dada uma variação de preços. Então é fácil deduzir que se o bem ou serviço tributado tiver uma demanda inelástica, o peso do tributo será assumido pelo consumidor, que continuará comprando aquele produto, mesmo com a majoração do imposto. Na demanda elástica, simplesmente o consumidor reduz a compra e o produtor então, terá uma receita menor, assumindo a maior parte do peso do tributo. Já a elasticidade da oferta traduz a sensibilidade do produtor (o empresário) da quantidade a ser ofertada em relação a variação de preços. Quanto maior for a inclinação da curva de oferta por um determinado bem ou serviço, menor será a elasticidade da oferta, isto é, menor será a reação da quantidade ofertada em função da variação dos preços, quanto menor for a elasticidade da oferta, menor será o repasse tributário para os consumidores. Contrariamente, se a oferta for totalmente elástica ou muito elástica (curva achatada ou quase na horizontal), qualquer aumento de preço provocado pelo tributo será repassado quase totalmente aos consumidores através do aumento de preços. Portanto, quanto mais elástica a curva de demanda e menos elástica a curva de oferta maior parcela dos tributos será ônus dos produtores. Ao contrário, quanto menos elástica a curva de demanda e mais elástica a curva de oferta, será maior o ônus do tributo assumido pelos consumidores. Outra forma de colocar o problema das elasticidades é saber, por exemplo, sobre a essencialidade do produto para os consumidores, quanto mais essencial e sem substitutos, maior será o ônus do tributo. Para os empresários, quanto menos eles puderem aumentar o preço do produto, maior será seu ônus com o tributo.

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Concorrência Perfeita: é o mercado caracterizado por um grande número de pequenas firmas. O lucro econômico de uma firma competitiva é zero. Monopólio: é o mercado no qual só existe uma única firma, um único vendedor. Oligopólio: é mercado no qual existe um pequeno número de grandes firmas. Concorrência Monopolística: é um mercado no qual a firma possui no curto prazo um lucro econômico positivo, porém no longo prazo o lucro econômico é nulo, nesses mercados existe uma forte diferenciação do produto.Monopsônio: é o mercado no qual só existe um único comprador. Oligopsônio: é o mercado no qual existe um pequeno número de grandes compradores. Em relação à estrutura dos mercados, normalmente em mercados mais competitivos os produtores tendem a assumir maior parte do ônus dos tributos. O motivo é simples, num sistema de concorrência perfeita ou economia competitiva, qualquer aumento de preço pode não ser seguido pelos concorrentes que assim “roubam” parte dos clientes daqueles que majoram os preços pela primeira vez. Em mercados mais monopolistas, com poucos produtores, a tendência de formação de preços quase sempre implica num repasse maior do ônus tributário para os consumidores. Curva de Lafer: há uma relação entre o valor arrecadado de um tributo e sua alíquota. Esta relação é nula quando a alíquota é zero ou 100%, ninguém trabalharia para transferir toda sua renda ao governo. Há um segmento desta relação que é crescente até atingir um ponto máximo de arrecadação em uma alíquota determinada, após a qual a arrecadação tenderia a zero (alíquota de 100%). Os tributos podem ser diretos ou indiretos. Os tributos diretos incidem sobre o indivíduo e está normalmente associado à capacidade de pagamento de cada cidadão. Os tributos indiretos incidem sobre as atividades ou serviços, isto é, sobre o consumo, as vendas ou propriedades independente das características do indivíduos que fazem as transações ou são proprietários. Os tributos de um modo geral podem incidir sobre a renda, o patrimônio ou o consumo. Vamos analisar com mais detalhe cada um deles nas próximas linhas. Impostos sobre a renda O imposto sobre renda incide sobre as remunerações geradas no sistema econômico, ou seja, salários, lucros, juros, dividendos e aluguéis, é a uma forma de tributação direta e pode incidir sobre a pessoa física ou sobre a pessoa jurídica. Este imposto é cobrado com base nas características pessoais do contribuinte, com alíquotas e isenções específicas a cada caso, normalmente, por classes de renda. A renda tributável é o resultado da renda total do contribuinte deduzida de abatimentos como despesas médicas ou educacionais, por exemplo. A alíquota nominal do imposto mede o impacto do imposto sobre o total da renda, já a alíquota efetiva reflete o percentual do imposto devido sobre a renda tributável. A alíquota efetiva será tanto menor quanto forem os abatimentos sobre a renda total. Princípio da equidade: “O ônus da tributação deve ser igualmente repartido entre os contribuintes”. A equidade pode ser horizontal ou vertical. Equidade Horizontal :Tratar igualmente os iguais. Equidade Vertical: Tratar diferentemente os desiguais. O princípio da Equidade pode implementado pelos princípios da capacidade de pagamento e do benefício recebido. O imposto sobre a renda é um imposto pessoal por excelência, ou seja, é o que mais se adapta aos princípios da equidade e da progressividade, pois permite de fato uma discriminação entre contribuintes no que diz respeito à sua capacidade de pagamento. Parte

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da arrecadação deste tipo de imposto é feita no ato de recebimento das rendas no forma de salários, é o chamado “recolhimento na fonte”. Este tipo de procedimento depende somente da existência de uma relação formal de trabalho, não se pode sonegar e a transferência dos recursos para o tesouro é automatizada. O imposto sobre a renda das empresas pode ser calculado a partir de três métodos: lucro real, lucro presumido e lucro arbitrado. Na primeira hipótese o lucro é calculado pela diferença entre as receitas e os custos da empresa, isto exige que a empresa mantenha um sistema de contabilidade segundo as exigências legais. O lucro presumido se baseia na aplicação de uma alíquota sobre a receita bruta, é o mais indicador e recomendado para as pequenas empresas que tem um capital social e uma receita bruta anual bastante reduzida para inviabilizar a implantação de um sistema contábil caro e sofisticado. Finalmente o método do lucro arbitrado aplica-se para empresas que não tenham registros contábeis exigidos para aplicação do lucro sujeito à tributação. O governo arbitra a base do imposto que pode ser calculado como percentual do ativo total, do capital ou da receita bruta. Um dos problemas do imposto sobre a renda é que em alguns casos ou mercados, de produtos essenciais por exemplo, sem substitutos, que a empresa pode repassar para o consumidor, incorporando parte ou todo o quantum tributado no preço final. Neste caso se desvirtuaria o princípio da equidade e da progressividade que são as melhores características deste tributo. Além do tipo de produto,o grau de repasse da empresa dependerá em que tipo de mercado ela opera, se competitivo ou de monopólio, por exemplo. Outra implicação do repasse ao preço final, ao invés de diminuir o lucro do produtor, é a perda de competitividade externa dos produto nacional que ficaria mais caro em relação ao concorrente estrangeiro, se for mantida a taxa de câmbio, é claro. Imposto sobre o patrimônio O imposto sobre o patrimônio pode ser imputado regularmente em função do ato de posse ou propriedade de ativos em um certo tempo ou período. Assim como no caso dos impostos municipais que incidem sobre a propriedade urbana (IPTU) ou dos impostos sobre os veículos (IPVA). Há também o caso em que o imposto sobre o patrimônio ocorre quando há uma transmissão jurídica de propriedade, seria o caso dos impostos sobre transmissão de bens, por exemplo. O tributo mais comum nesta categoria é de fato aquele que incide sobre a propriedade imobiliária urbana. Nestes casos há maior facilidade de cobrança e fixação de alíquotas. Em tese este tipo, assim como o sobre a renda, respeita o principio da equidade e da progressividade porque quanto maior o patrimônio do indivíduo,maior será seu pagamento de imposto. É claro que o proprietário sempre poderá repassar o imposto, parte ou totalmente ao preço do aluguel ou para os produtos vendidos, se o imóvel tiver uso comercial. Cabe observar aqui que os tributos nem sempre são utilizados somente para fins arrecadatórios. Por exemplo, há produtos cujo consumo gera externalidades negativas, é o caso do tabaco e do álcool, então é comum que as alíquotas sejam altas para “compensar”

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os prejuízos que o consumo destes produtos causa, por exemplo, ao sistema público de saúde. Em relação ao IPTU, é comum em muitas cidades a cobrança de taxas progressivas de IPTU no tempo sobre áreas urbanas desocupadas para evitar o processo de especulação imobiliária e valorização artificial de ativos. Além disso estes “vazios urbanos” provocam indiretamente o encarecimento de custos públicos para estender e ampliar as redes de serviços, como transportes e saneamento. Este assunto ainda é juridicamente muito controverso, mas o chamado “Estatuto da Cidade” (Lei federal n.º 10.257/2001) previu este dispositivo como um dos instrumentos urbanísticos mais importantes. Imposto sobre as vendas São também conhecidos como impostos sobre o consumo, são impostos indiretos, ou seja, o consumidor paga o tributo que está embutido dentro do preço final. Em muitos países é obrigatório ao vendedor destacar no preço o que é imposto do resto dos custos, isto contribui para transparência do sistema tributário e para a educação fiscal dos contribuintes, ajudando a evitar também a sonegação. Este tributo pode ser classificado quanto a sua bases de incidência, quanto ao estágio de produção e comercialização e quanto à forma de apuração da base para cálculo do imposto. Princípio da neutralidade: “Um tributo é dito neutro quando não interfere na tomada de decisão dos agentes econômicos em relação à alocação dos recursos, ou seja, não altera os preços relativos e conseqüentemente não possui efeito substituição (só possui efeito renda) e portanto não causa excesso de carga perda de peso morto).Na prática a tributação neutra é aquela que ao ser implementada causa a menor distorção possível. Exemplos teóricos: Imposto “lump-sum”, imposto per capita, imposto geral sobre o consumo e imposto geral sobre a renda. Quanto à amplitude os impostos sobre vendas podem ser gerais ou especiais. Os impostos gerais são aqueles cuja incidência ocorre sobre uma série de negociações ou transações, como a compra de bens e serviços industriais ou de consumo. As alíquotas podem ser uniformes se todos os bens têm uma única alíquota ou seletivos se a alíquota é diferenciada de acordo com a natureza do produto. Os tributos especiais são cobrados sobre determinados produtos, tais como o cobrado sobre combustíveis e as bebidas alcoólicas, os tributos especiais sobre vendas sempre terão uma natureza seletiva. Em relação ao estágio de produção e venda os impostos sobre vendas podem ser cobrados dos produtores, dos vendedores (atacadistas ou varejistas) ou em todas as etapas do ciclo produtivo. Os impostos cumulativos, que incidem em várias etapas do ciclo produtivo, acabam estimulando a integração vertical da produção (a mesma empresa passa a produzir ela mesma partes dos insumos que utiliza, evitando a tributação cumulativa). Em relação à forma de apuração o imposto pode ser calculado sobre o valor total da venda ou transação ou somente sobre o valor adicionado em cada estágio da produção.

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O Valor Adicionado Fiscal e é utilizado como um dos critérios para a Definição do Índice de Participação dos Municípios na receita do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS. Ele é obtido, para cada município, através da diferença entre o valor das saídas de mercadorias e dos serviços de transporte e de comunicação prestados no seu território, e o valor das entradas de mercadorias e dos serviços de transporte e de comunicação adquiridos, em cada ano civil. Em economia denomina-se valor adicionado em determinada etapa de produção, a diferença entre o valor bruto da produção e os consumos intermediários nessa etapa. Assim o produto nacional pode ser concebido com a soma dos valores adicionados em determinado período de tempo, em todas as etapas dos processos de produção do país. Um tributo cobrado sobre todas as transações econômicas no valor adicionado na venda ao consumidor final teria um efeito neutro nos sistema de preços relativos, não afetando teoricamente a eficiência deste ou daquele setor. Já um imposto geral sobre vendas – e não o valor adicionado em cada etapa – teria um efeito dito “em cascata” e provocaria mais distorções nos preços quanto mais etapas ou maior for o ciclo produtivo do produto. Os tributos indiretos, como este, não seguem o principio da equidade, porque não discriminam a capacidade de pagamento dos contribuintes. Um indivíduo de alta renda paga a mesma quantia de ICMS embutido no preço de um quilo de tomate que um indivíduo de baixa renda. Em termos econômicos o impacto tributário em relação a renda é muitas vezes maior sobre os cidadãos de baixa renda – que efetivamente pagam mais - que os de alta renda. Se ainda for considerado que o consumo representa um percentual decrescente da renda (quanto maior a renda, menor a proporção dela que é gasta em consumo), e se a alíquota for a mesma para todos, então o imposto proporciona uma distribuição regressiva da renda, que tende a agravar os problemas de equidade social. Uma solução que diminui este problema é atribuir menores alíquotas conforme aumentar o grau de essencialidade dos produtos, como é o caso de alimentos, produtos de higiene básica, vestuário, etc. Um obstáculo ou limite a este tipo de decisão é que estes produtos têm baixa elasticidade-preço da demanda. Isto quer dizer que uma redução de preço não leva a uma redução de consumo proporcional, ou seja, há uma tendência de queda da receita arrecadada pelo governo. Além do mais, não seria compensada pelo aumento das alíquotas de produtos de luxo ou supérfluos, exatamente porque a elasticidade-preço destes é mais alta, com preços mais elevados a queda do consumo deverá ser mais que proporcional. Além disso produtos mais sofisticados e supérfluos se concentram em regiões mais desenvolvidas que eventualmente teriam um “plus” de arrecadação em detrimento de outras regiões. Imposto Regressivo: são aqueles Impostos nos quais quanto maior a renda menos se paga proporcionalmente. Os impostos indiretos são em geral regressivos. O Imposto Inflacionário é regressivo, isto é, afeta mais as pessoas de menor renda. O imposto Inflacionário é uma maneira de se financiar o déficit público. O imposto sobre valor adicionado (IVA) é considerado a forma mais avançada e a que menos distorce a economia. Não é por acaso que muitos países, a maioria dos nossos vizinhos na América Latina, adotam este sistema. O IVA é neutro em relação à estrutura das empresas porque não estimula a integração vertical da empresa, ele não afeta a competitividade porque é uma proporção constante do valor adicionado em cada fase da produção e é facilmente identificável. Há ainda maior dificuldade para a evasão e

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sonegação porque o grosso do tributo se concentra na fase inicial do ciclo produtivo, no pré-varejo, facilitando a fiscalização. Fiscalizando poucas empresas atacadistas o governo monitora, por exemplo, 70% do valor adicionado. Outra vantagem da tributação pelo valor adicionado é a auto-fiscalização. O imposto pago pela empresa vendedora só é transformado em crédito fiscal para a empresa compradora se o montante do tributo arrecadado estiver lançado devidamente nas notas fiscais, não há incentivo ao sub-faturamento. Se o valor estiver lançado a menor, a segunda empresa pagaria mais imposto. Metodologia de cálculo: certos tributos indiretos têm uma metodologia de cálculo por dentro (tributo incluso no preço) e outros têm uma metodologia de cálculo por fora (tributo adicionado ao preço), dependendo de qual seja o Imposto ou a Contribuição cobrada. Os tributos cobrados por dentro (inclusos no preço), compõem sua própria base de cálculo e a metodologia para calculá-los é comparada a um raciocínio circular; sua carga tributária efetiva é maior do que a carga tributária nominalmente informada. Os mais comuns são o ICMS, o ISSQN, o PIS e a COFINS. O ideal é manter uma estrutura tributária que a um só tempo tenha equidade, progressividade, neutralidade e simplicidade. Entretanto, geralmente a escolha de uma qualidade implica na diminuição de outra. Por exemplo, um imposto único sobre todas as vendas seria simples de controlar, mas regressivo e em cascata. Uma alíquota sobre o valor adicionado, mesmo que não tenha efeito cumulativo, também seria regressivo. Sem falar da possibilidade sempre real do efetivo pagador do tributo “passar adiante” o ônus da carga tributária, repassando aos preços ou por simples fraude. Estes dilemas estão na base do debate sobre a reforma do sistema tributária, e no caso do Brasil, considerando nossas disparidades regionais, o assunto impacta diretamente no equilíbrio do sistema federativo. O sistema brasileiro O sistema tributário brasileiro sempre foi muito dependente do comércio exterior. Desde a época do império as importações chegaram a representar quase 70% do total da arrecadação. A constituição de 1891, já na época republicana, introduziu o sistema de competências tributárias separando o que era da esfera da União daquilo que pertencia aos Estados. Para o governo federal caberia o imposto de importação, os direitos de entrada e saída de navios, as taxas de correios e telégrafos, aos estados caberia taxar a exportação, os imóveis rurais e urbanos, a transmissão de propriedade e sobre indústrias e profissões. Tanto a União como os Estados (as antigas províncias) tinham poderes para criar receitas tributárias. Durante a fase anterior à constituição de 1934, no primeiro governo Vargas, o imposto de importação ainda foi a principal fonte de receita do governo Federal. É uma situação típica de economias agro-exportadoras que tem forte dependência de produtos manufaturados importados. Depois da “Revolução de 30”, os estados foram dotados de atribuições para criar impostos sobre vendas e consignações e proibido o imposto inter-estadual sobre exportações, limitado a uma alíquota de 10%. Os municípios também ganharam maior autonomia tributária. Desde esse período o imposto sobre vendas tornou-se a principal fonte de receita estadual. No nível federal a arrecadação do imposto sobre importações cedia espaço ao crescente volume de recursos garantido pelo imposto sobre o consumo. A partir de 1937 com a nova constituição, os estados perderam a competência privativa para tributar o

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consumo de combustíveis e os municípios, a tributação da renda das propriedades rurais. Na década de quarenta o imposto sobre vendas já respondia por um terço da arrecadação dos estados enquanto o imposto sobre exportações se reduzia a níveis menores que 5%. As alterações trazidas pela constituição de 1946 foram mais significativas. Aumentou-se a receita dos municípios com a inclusão de novos impostos (do selo municipal e o imposto de indústrias e profissões). Começou-se também a formalização da discriminação de receitas entre os níveis federativos. A partir dos anos sessenta os municípios ficaram com 10% da arrecadação do imposto de consumo e 15% de participação no imposto sobre a renda. Neste período aumentou a importância dos impostos internos sobre os produtos, o Brasil iniciava seu ciclo de industrialização por substituição de importações e a economia gradativamente adquiria uma dimensão urbano-industrial. Em 1956 é criado um imposto sobre o valor agregado, um imposto sobre o consumo. Nos anos sessenta o sistema tributário passou por uma reforma significativa para aumentar a capacidade de arrecadação do Estado e objetivar encontrar uma solução para o problema do déficit fiscal permanente. Além disso, objetivou-se melhorar a centralização no governo federal, apoiar o crescimento econômico e incrementar a qualidade do sistema tributário. O principal aspecto a ser destacado foi a mudança da sistemática de arrecadação, priorizando a tributação sobre o valor agregado e não cumulativos. Houve uma racionalização do sistema tributário com a redução do número de tributos, uma reformulação dos impostos e do modo como eram divididos entre as unidades federativas. Os fatos geradores passaram a ser baseados em processos e eventos econômicos e não a conceitos jurídicos. Este aspecto garantiu maior vínculo entre o sistema tributário e a lógica econômica, pois os impostos também servem para regular setores específicos. Nesta época foi criado o Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI, e o antigo Imposto sobre Circulação de Mercadorias, o ICM, mais tarde agregando a tributação sobre serviços. Inicialmente o ICM foi definido com alíquotas uniformes, evitando a competição entre estados e gerando um efeito neutro. Na reforma dos anos sessenta os tributos foram divididos em quatro tipos diferentes. Impostos sobre o comércio exterior, que foram transferidos para o âmbito da União para servir como instrumento de política econômica. Os impostos sobre o patrimônio e a renda, reunindo o IPTU o ITBI (imposto de transferência de bens imóveis), o ITR, Imposto Territorial Rural. O ITR tinha uma função adicional ou “extra fiscal”, ele deveria apoiar a correção dos desvios na estrutura fundiária do país, recém proposta pelo Estatuto da Terra. Os impostos sobre a produção e a circulação, com destaque para o “Imposto sobre serviço de transportes e comunicações” (o ISTC) e os impostos sobre operações financeiras (IOF), ambos de competência da União e o imposto sobre serviços (o ISS) no âmbito municipal. Os impostos únicos cobrem energia (IEE), sobre combustíveis e lubrificantes (IUCL) e sobre minerais (IUM), na esfera federal. Finalmente, as “receitas extra-orçamentárias”, neste grupo estavam incluídos a contribuição do empregador para o FGTS, fundo de garantia por tempo de serviço e as contribuições para a previdência social, que incidiam sobre a folha-de-pagamento salarial. Apesar da maior centralização no governo federal,

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foram criados os fundos de participação dos estados e municípios e as partilhas dos impostos únicos. Ao longo do tempo foram criados uma série de incentivos fiscais abrangendo o IR e o IPI sobre os quais o governo não tinha muito controle e só mais tarde estas práticas foram revistas. Apesar dos avanços da reforma havia problemas localizados. Por exemplo, o IR numa situação de alta inflacionária prejudicava os contribuintes na medida em que a restituição do imposto pago a maior (para aqueles cujo desconto era na fonte) porque levava algum tempo entre o cálculo do imposto e o efetivo recebimento pelo contribuinte da parte restituída. O IPI ao longo do tempo foi sendo modificado nas suas alíquotas produzindo distorções casuísticas e clientelistas. O próprio ICM ganhou uma heterogeneidade de alíquotas entre os estados gerando uma disputa pela localização de plantas industriais. A partir de 1970 para compensar a concessão exagerada de incentivos, o governo cria o Programa de Integração Social (PIS) financiado pela contribuição mensal resultante do faturamento das empresas. Foi criado também o Programa para formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), custeado pela contribuição mensal de entidades de natureza pública. Estes recursos do PIS/PASEP, cujo agente financeiro ela o BNDES, eram destinados à projetos especiais de desenvolvimento. A carga tributária brasileira evoluiu lentamente entre 1946 e 1958, passou de quase 14% para um valor próximo a 19% do PIB. Após as reformas dos anos sessenta que aumentaram muito a eficiência e a racionalidade dos impostos, ela saltou para 25% do PIB, valor que perdurou até o final da década de setenta e oitenta, mantendo-se neste patamar, apesar das diversas recessões dos anos oitenta. Em 1990 ela atinge 29% do PIB devido ao Plano Collor e após o Plano Real em 1994 ela ultrapassa o patamar dos 30% do PIB na década de noventa. Os estudiosos avaliam que o crescimento da carga tributária reflete as condições gerais de evolução da economia brasileira, entretanto o crescimento dos anos noventa ocorreu basicamente nos tributos indiretos e cumulativos, que não contribuem para a racionalidade do sistema arrecadatório, como já vimos. Os responsáveis por este crescimento foram a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o PIS, o ISS e o IPMF a partir de 1994 (tornou-se depois a CPMF). Cabe assinalar a baixa participação dos tributos sobre o patrimônio (entre os mais justos), chegando a 1% da arrecadação total nos anos oitenta e a 2% nos anos noventa, em média. Os tributos sobre a renda atingiram uma média de 17% a 18% da receita total. Este perfil reflete duas dimensões do nosso sistema tributário, a centralização federal que concentra a arrecadação em tributos cuja partilha com estados e municípios é pequena e a preferência pelo “produtivismo fiscal” do que impostos de controle mais complexo, porém mais racionais. A seguir uma estimativa da carga tributária para ilustrar a proporção entre os diferentes tributos, note-se a preponderância dos impostos sobre o consumo.

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Quadro 14

Há sempre uma diferença entre receita bruta e receita disponível porque cada nível federativo recebe e deduz os repassas para os outros níveis. A União concentra tributos sobre o consumo, sobre a renda e outros que incidem na economia como um todo, especialmente para regular a atividade econômica. Estados e Municípios tem como competência tributos vinculados à propriedade urbana, à prestação de serviços locais. Dentro deste tema tem surgido com muita polêmica o problema do federalismo fiscal brasileiro. Durante o império o Brasil era um Estado unitário, dividido em províncias. A partir de 1834 iniciou um processo de desconcentração, mas continuava politicamente centralizado. A República a partir de 1891 manteve a mesma estrutura tributária do Império, com tributação tríplice da União, Estados e Municípios às vezes sobre os mesmos processos econômicos. Foi só a partir do movimento de 30, com Vargas, que o modelo dualista começa a se distender, mas durante toda a fase agro-exportadora não houve desconcentração tributária. No início da década de sessenta a participação dos três níveis era respectivamente 64%, 31% e 5% da arrecadação total. Com o regime militar a partir de 1968 houve uma retomada da centralização tributária e uma maior restrição das transferências à estados e

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municípios. Por exemplo, as transferência de IR e IPI para estados e municípios foram reduzidas de 20% para 12%. Além da redução de repasses os governos militares impuseram vinculações e restrições à natureza dos gastos, mesmo na esfera municipal e estadual. Após o final da fase de expansão econômica do inicio dos anos setenta (o chamado “milagre econômico”) o sistema se enfraquece pelos crescentes “vazamentos” de receita provocados pela proliferação de incentivos e pela reação dos estados e municípios à baixa autonomia. Em 1975 uma emenda constitucional recupera parcialmente recursos para o Fundo de Participação de Estados (FPE) e o equivalente dos municípios (FPM). No final dos anos setenta o governo federal assumiu o valor das isenções de ICM relacionadas às exportações dos Estados. Com a redemocratização do país a partir de 1984 é retomada a tendência de descentralização dos tributos. O FPE chegou a 12,5% e o FPM a 13,5% da partilha das receitas tributárias, enquanto a União perdia capacidade de arrecadação. A nova constituição de 1988 consagrou o princípio das transferências federativas, o repasse do IPI e IR superaram o patamar dos 20% a partir deste momento. Isto criou uma situação onde as entidades sub-nacionais tiveram sua dependência de transferências da União aumentada significativamente, estimulando um baixo esforço de arrecadação própria. A descentralização tributária não foi acompanhada da devida descentralização de encargos e despesas que continuaram concentrados no âmbito federal, com impactos diretos na qualidade dos serviços públicos federais. A partir deste período os estados receberam autonomia para fixação de alíquotas próprias de ICMS (que acrescentou a tributação sobre serviços a partir da eliminação de cinco outros impostos). A União não poderia mais alterar o regime de isenções ou estabelecer vinculações de gasto com impostos estaduais e municipais. A reação do governo federal, obrigado a fazer um ajuste fiscal severo e manter ou ampliar os serviços públicos, foi progressivamente aumentar sua arrecadação recompondo sua receita com outros tributos, que não o IR e o IPI, já que estes estavam quase todos comprometidos com as transferências constitucionais. Nesta linha, diversas contribuições sociais foram instituídas, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em 1989, aumento das alíquotas do COFINS, do IOF e a criação da CPMF. Note-se que são mecanismos não sujeitos à partilha com os demais níveis da federação. Esta situação piorou a qualidade do sistema tributário, aumentou a sua regressividade e o grau de impacto nas distorções do sistema econômico. Perguntas:

1. Porque os impostos indiretos são mais injustos que os diretos ? 2. Qual a relação entre o regime tributário e a organização federativa do Brasil ? 3. Qual o significado de “produtivismo fiscal” ?

Bibliografia para consulta:

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8. O Planejamento no Setor Público Os grandes processos econômicos derivados da ação do Estado no Brasil e em outros países emergentes resultou quase sempre de ações relacionadas à prática do planejamento público. Especialmente naqueles países de industrialização tardia, na periferia do sistema capitalista, a presença do Estado foi fundamental para impulsionar a industrialização e o desenvolvimento econômico. Ao contrário do que muitos pensam o planejamento sempre teve uma tradição sólida na história econômica brasileira, ele está associado aos primeiros movimentos em direção à industrialização. Vamos começar no pós guerra e naquilo que os economistas convencionaram chamar de “processo de substituição de importações”, o PSI. Durante toda a expansão do café – nossa principal cultura exportadora – houve crises de superprodução, uma oferta sempre maior que a demanda, o que deprimia os preços e provocava ciclos de instabilidade. O Brasil chegou a produzir sozinho mais do que todo o consumo mundial de café. Em 1906 na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, celebrou-se um acordo entre os grandes produtores e o governo. O acordo estipulava que o governo federal compraria os excedentes da produção de café para manter elevado o preço no mercado internacional. Estas compras seriam bancadas (custeadas) por empréstimos externos, a dívida criada seria paga pela imposição de um impostos sobre a sacas de café que seriam exportadas. A política deu certo, pelo menos durante vinte anos, mas em 1929 a crise mundial originada com a quebra da bolsa de Nova Iorque, mudo todo o cenário. A depressão no mercado internacional de café derrubou os preços internos e externos, o governo interviu, comprou e queimou café excedente, desvalorizou o câmbio, tudo para proteger o setor, sobretudo a renda e o emprego. Neste ambiente de crise de um modelo baseado na exportação agrícola começam a surgir as primeiras iniciativas para industrializar o país. Mudanças na política já aconteciam, o chamado “movimento de trinta”, imprimia ainda que por via autoritária a modernização do aparelho de Estado, abrindo caminho para novos atores políticos pró-industrialização. A passagem do centro dinâmico da economia cafeeira para a indústria é conhecida como o processo de substituição de importações, simplesmente porque o Brasil iniciou a produção local de bens que antes eram importados. Esta fase durou até os anos sessenta, representou a passagem do país para uma economia moderna, mas houve um preço a pagar, suas principais características são: (i) Gera-se uma onda de investimentos nos setores substituidores de importação, produzindo-se internamente parte do que antes era importado aumentando a renda e conseqüentemente a demanda;

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(ii) Desvaloriza-se a taxa de câmbio, aumentando a competitividade e a rentabilidade da produção doméstica, ou seja, nossos produtos passam a ser mais “baratos” para o comprador no estrangeiro, dado o encarecimento dos produtos importados; (iii) Estrangulamento externo - a queda do valor das exportações com manutenção da demanda interna, mantendo inalterada a demanda por importações. Isso gera uma escassez de divisas, o que significa a perda da capacidade importadora do país; A seguir um esquema que ilustra a visão keynesiana da crise econômica:

Quadro 15

A dinâmica das crises econômicas

Queda dos rendimentos

Baixa dos salários

Contração da produção

Queda da demanda efetiva

Baixa do emprego

Baixa do consumo

Perda na correlação de poder na relação K x TDesregulamentação do mercado de trabalho.

Política econômica liberal.

Inicia nos bens de consumo não-duráveis e se espalha

pela cadeia produtiva

Outros fatores: queda da de exportações, falta de

matérias primas, instabilidade politica,

política fiscal ortodoxa,...

visão keynesiana

O dilema deste modelo era o seguinte: na medida em que o investimento para produzir bens locais avançava, gerava mais aumento da renda e o maior poder aquisitivo gerava mais compras de outros produtos no mercado externo. Muitas empresas novas, por exemplo, passavam a comprar matérias-primas ou componentes industriais que antes não estavam na nossa pauta importadora. Como as exportações se retraíram, faltavam divisas para estas compras. Então o modelo funcionava com base em freios e contra-freios. Em cada “onda” de substituição de produtos importados vencia-se uma etapa, primeiro foram os bens de consumo leve, depois os de consumo durável, em seguida os bens intermediários e por fim os bens de capital, de maior valor agregado e maior complexidade. Apesar do vasto e diversificado parque industrial consolidado, nossos padrões de competitividade (tecnologia e qualidade) sempre ficaram abaixo dos países de industrialização mais antiga. Pode-se observar claramente que a intervenção do Estado, planejada ou não, faz parte dos ciclos econômicos normais no capitalismo, geralmente o governo intervém para manter a

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demanda durante a crise ou para contê-la quando os preços disparam. A seguir uma figura ilustrando os ciclos econômicos.

Quadro 16

Ciclos longos e curtos no capitalismo

Expansão

Apogeu econômico

Recessão

Recuperação

PIB %

Anos70

Ciclos curtos de conjuntura

Depressão

Os planos econômicos Foi neste contexto que o governo desencadeou o primeiro plano econômico com maior consistência: o Plano de Metas (1956/1961). O Plano de Metas foi adotado pelo Presidente Juscelino Kubitschek e pode ser considerado o ápice do PSI. Seu principal objetivo era estabelecer as bases de uma economia mais madura, voltada para bens de consumo duráveis (como a indústria automobilística) e bens de capital. A base racional do plano estava num diagnóstico da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), organismo vinculado à ONU com grande influência na região, de que havia uma demanda reprimida por bens de consumo duráveis e sobre os efeitos interindustriais desta produção. O plano visava estimular novos setores industriais, de componentes à matérias primas processadas. Ao mesmo tempo estimulava-se a concentração nas camadas médias dos centros urbanos para que houvesse um mercado com escala mínima para as novas indústrias. O setor de infra-estrutura também foi priorizado, particularmente transportes e energia. Os bens intermediários priorizados eram necessários ao novo ciclo produtivo, como o carvão, o aço, cimento, zinco, etc. O custo dos investimentos era bancado em parte

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com incentivos ao investidor estrangeiro, isenções fiscais, mercados protegidos e outras facilidades. Um dos principais problemas do Plano de Metas foi o modelo de financiamento. A emissão monetária foi recorrente na época, gerando surtos inflacionários. A dívida externa cresceu significativamente, a renda foi concentrada e o desenvolvimento da agricultura praticamente relegado a um segundo plano. A primeira grande crise econômica na fase industrial, coincide com os governos de Jânio Quadros e João Goulart, com aumento da inflação e queda nos investimentos. O golpe militar de 1964 não deixou de ser também uma resposta, autoritária e trágica, à turbulência econômica que ameaçava o padrão de vida das camadas médias da população. O Plano de Ação Econômica do Governo (1964 / 1967), o PAEG, foi a primeira resposta da nova tecnocracia abrigada nos governos militares às necessidades de ajuste da economia brasileira. O governo Castelo Branco buscava atuar sobre a linha de conjuntura imediata combatendo a inflação e numa outra vertente, atuando sobre problemas mais estruturais da economia brasileira. A inflação havia subido para mais de 80% ao ano em 1963, segundo os teóricos do governo, era uma inflação de demanda, gerada pelo excesso de procura, pelo descontrole do crédito, ao déficit público e aos aumentos excessivos dos salários do período anterior. As metas eram naturalmente cortar despesas (o déficit publico chegou a 1% do PIB em 1966), reformar o sistema tributário, aumentar tarifas públicas e um forte aperto na política monetária. Em relação à política salarial o PAEG determinou ao Governo federal a fixação de uma “política salarial” nacional com o objetivo velado de reduzir os aumentos reais de salário. Paralelo às medidas econômicas houve um conjunto importante de reformas institucionais: lei do inquilinato, reforma monetária, reforma tributária, reforma do setor financeiro, etc. A reforma financeira, por exemplo, introduziu a indexação na economia com a correção monetária (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional, a ORTN). Na parte tributária, como já vimos, a criação de uma discriminação de receitas entre entes federados, os impostos sobre valor adicionado e os fundos para fiscais, foram avanços que merecem ser registrados. A criação de um indexador oficial (ORTN) visava dar credibilidade ao sistema financeiro e ao mercado de títulos públicos, estimulando a canalização de parte das rendas para a poupança e o investimento. O mercado de títulos financiava as despesas do governo sem gerar inflação como antes. Ainda neste período foi criado o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central, o Banco Nacional da Habitação (BNH), a Lei do Mercado de Capitais e outros dispositivos para modernizar a economia. Em relação ao comércio exterior o período foi caracterizado por minidesvalorizações da moeda para priorizar a competitividade dos preços nacionais e o nível das exportações. Todas estas reformas e medidas gerou o que ficou conhecido mais tarde como “milagre econômico” quando a taxa do PIB industrial chegou a ultrapassar os 13% anuais, em média. O final do “milagre” marca um fim de um ciclo de grandes transformações institucionais, que tem efeito ainda hoje e sobretudo da internacionalização definitiva da economia

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brasileira, particularmente seu lado financeiro. Em 1973 ocorreu a primeira elevação unilateral do petróleo pelos países produtores, gerando uma inflação de custos e um aumento com importações. O déficit comercial foi somado à dificuldade de honrar empréstimos em moeda forte feitos na época do “milagre econômico” (1968/1973). A resposta do governo militar foi continuar a editar planos de desenvolvimento. É desta data que foi implantado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) retomando os princípios do PSI nas áreas energética (e deste período a construção das usinas nucleares), nos setores siderúrgico, químico e petroquímico, em bens intermediários como a celulose, fertilizantes e defensivos agrícolas. O quadro institucional que amparava o grande investimento direto do Estado foi uma ampla e variada gama de empresas estatais criadas na época. Boa parte dos investimentos necessários foram viabilizados pelas estatais através de empréstimos externos. Estes empréstimos foram feitos a taxa de juros flutuantes, buscados no mercado de “petrodólares” (receitas extraordinárias dos países árabes, recicladas por bancos europeus e americanos), o que provocou mais tarde uma deterioração das contas externas. Em 1979 outro choque do petróleo, ele aumenta em 84% e a inflação dobra no Brasil. A situação se agrava com a elevação dos juros internacionais e o descontrole das contas públicas. O resultado é um começo de hiperinflação no início da década de oitenta. Em 1982 o Governo interrompe o pagamento da dívida e pede uma moratória internacional, somos obrigados a ir ao FMI para tomar dinheiro emprestado. O preço é alto, o FMI recomenda um ajuste duro e recessivo e voltado para gerar saldos nas exportações. Em meados dos anos oitenta o pais entra num novo ciclo, retoma-se a normalidade democrática, a recessão de 1982 havia sido superada pela retomada de investimentos públicos das estatais e de alguns setores privados que haviam racionalizado seus negócios para sobreviver à crise. Mas a inflação persiste e em janeiro de 1986 o Ministro Dilson Funaro anuncia mais um Plano Econômico, o “Plano Cruzado”, nome derivado do novo padrão monetário que substituía o cruzeiro. Congelamento de preços, salários e alugueis, câmbio fixo e tabela de preços. O governo perde credibilidade rapidamente, surge um “mercado paralelo” de bens e produtos, os investimentos estatais diminuem devido ao congelamento de tarifas públicas e o desabastecimento foi generalizado. Para recuperar as finanças públicas é criado o “imposto compulsório” sobre combustíveis (25%), aumento do IR sobre a pessoa física nas aplicações financeiras. Depois do “Plano Cruzado” uma série de pequenos planos tentaram em vão os mesmos objetivos: combater a inflação inercial (a memória da inflação) através de políticas monetárias ou fiscais. O “Plano Bresser” (Ministro da Fazenda Bresser Pereira) não durou um ano, congelou preços e salários, aumentou impostos e suspendeu a moratória. A inflação chegou a 366% e o plano não deu certo. O “Plano Verão” iniciou em janeiro de 1989 criando uma nova moeda o Cruzado Novo e extinguiu a correção monetária. O “Plano Collor” foi o mais dramático, congelou 80% dos depósitos bancários, eliminou a maioria dos incentivos fiscais, fechou muitas agências governamentais e iniciou um brutal processo de privatizações e abertura econômica indiscriminada.

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Inflação de Demanda: quanto mais próxima do pleno emprego dos fatores quaisquer distúrbios que aumentem repentinamente a demanda - sem que haja aumento proporcional da oferta de bens - pode provocar inflação. O excesso de demanda pode ser causado por expansão da base monetária (gerada pelo financiamento do déficit público ou pela esterilização de divisas, por exemplo). Inflação de custos: quando a demanda não é elástica e o produtor não pode absorver aumento de custos a tendência é aumento de preços por repasse de custos: matérias primas, desvalorização cambial, aumentos de salário acima da produtividade, elevação da taxa de juros que aumenta o custo financeiro. Inflação por causas estruturais: são conseqüências de longo prazo e de natureza mais complexa: distorção na alocação de recursos, gargalos em setores ou fatores de produção (escassez permanente), dependência tecnológica, estrutura da renda pessoal, etc. O “Plano Real” em 1994 foi o mais bem construído de todos os planos. Não produziu choques traumáticos, nem seqüestrou ativos dos agentes econômicos. Aproveitou uma situação de liquidez favorável nos mercados externos e de estabilidade cambial. A estabilidade política e o apoio do Congresso foram cruciais para continuidade do governo (dois mandatos consecutivos de FHC). Combinou políticas monetária e fiscal para isolar a inflação na moeda antiga (a Unidade Real de Valor, URV) e criou um novo padrão monetário onde os preços relativos já estavam acomodados. A inflação anual foi de três dígitos em 1994 - 929,32%, chegando a dois dígitos em 1995 – 21,98% e um dígito em 1996 – 9,12%. Um novo planejamento no século XXI Entre 1980 e 1993, no espaço de 13 anos tivemos: 05 moedas diferentes, 05 congelamentos de preço, 09 programas de estabilização, 11 diferentes índices de inflação, 12 ministros da fazenda e 16 políticas salariais diferenciadas. A taxa de inflação entre janeiro de 1980 e janeiro de 1993 foi de 50.000.000.000 % (bilhões). Se um cafezinho custasse Cr$ 10,00 em 1980, em 1993 custaria Cr$ 5 bilhões (cruzeiro, Cr). Estes números impressionantes evidenciam os erros de uma metodologia de planejamento público baseada numa visão tradicional e convencional de planejamento. Nas próximas páginas vamos ver com mais detalhes a origem desta tradição, como ela se modificou radicalmente no século XXI e as possibilidades de novos avanços metodológicos. Na tradição da economia o abandono do laissez-faire está vinculado à ciência de que a flexibilidade de preços não conduz automaticamente ao pleno emprego. A crítica ao “ótimo paretiano”1 a à visão clássica implicava em assumir que os preços, num mercado não-competitivo, não serviam mais como alocadores ótimos das forças produtivas. Com o fim das hipóteses sobre concorrência perfeita, a percepção de externalidades e o conceito de escala, a teoria econômica foi construindo os instrumentos necessários para justificar e legitimar o planejamento econômico, em sociedades capitalistas. Na maioria das experiências de planejamento econômico fixa-se metas para a renda per capita ou crescimento do PIB, estima-se a evolução da demanda e projeta-se o crescimento setorial necessário. Para isso são usados funções matemáticas especializadas, modelos econométricos diversos (como a matriz de insumo-produto) e outros instrumentos basicamente quantitativos e de natureza determinística.

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No Brasil, o movimento conhecido como a “Revolução de 30” – transição de uma sociedade oligárquica-exportadora para outra do tipo urbana-industrial – pode ser considerado como o início da incorporação do planejamento como uma função pública “moderna”. Do próprio movimento consolida-se a idéia entre as elites do conceito de Estado como o único ente capaz de superar os particularismos de uma sociedade desagregada, subdesenvolvida e marginalizada. Porém, desde já, o regime resultante não será o democrático, o Estado assumirá feições bonapartistas, constituído num complexo e sutil mecanismo político e social de controle sobre as massas emergentes. Estas duas características, a bifrontalidade a sedimentação passiva foram construídas desde os reformas da Revolução de Trinta e perduram como marcas genéticas do Estado brasileiro. Conforme Nogueira,

“ Disso resultou um Estado precocemente hipertrofiado e todo multifacetado, cujas diversas camadas constitutivas – superpostas por sedimentação passiva -, acabam por alimentar a formação de uma macrocefálica bifrontalidade: ligadas aos múltiplos interesses societais por inúmeros e muitas vezes invisíveis fios, duas avantajadas cabeças – uma racional-legal, outra patrimonialista – iriam se comunicar e se interpenetrar funcionalmente em clima de recíproca competição e hostilidade, impedindo a imposição categórica de uma sobre a outra, retirando coordenação do todo e fragilizando o comando sobre as diversas partes do corpo estatal. Do império ...aos anos 30, da ´democracia populista´ ao regime militar autoritário, essa seria uma componente ineliminável do Estado Brasileiro” (1998, p. 93)

Foi no contexto do pós-guerra, entretanto, que o planejamento se consolida como um procedimento comum de governo, uma prática universalmente aceita vinculada à necessidade de racionalização permanente dos serviços e da máquina pública. O planejamento como organizador da ação pública nasce, assim, da necessidade permanente de suporte e estímulo à atividade econômica privada. A solução de problemas tais como o estímulo aos setores econômicos, a formalização do mercado de fatores de produção no país ou o controle das relações sociais de produção já constituíam tema de debate no governo Campos Salles (1898 – 1902). Na possível função mediadora dos conflitos (reguladora das tensões dos conflitos intercapitalistas e compensatória das “falhas de mercado”) se consolida a visão de planejamento no período. Em 1942 foi criada, então, a Coordenação de Mobilização Econômica e o Setor de Produção Industrial com o objetivo expresso de elaborar o planejamento industrial do País, situação em que se consolida na estrutura administrativa a função do planejamento como instrumento estatal de organização social e econômica. Conforme Ianni (1986) a trajetória do desenvolvimento brasileiro sempre foi submetida a duas grande macro-tendências, a crescente participação estatal na economia e uma política econômica planejada ou voltada para objetivos de estabilização macroeconômica. Nas estratégias gerais de construção de um modelo de desenvolvimento para o país o conceito de planejamento sempre foi associado ao de organização e disputa das relações de poder, por dentro e por fora do Estado. Nas palavras de Ianni.

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“Não há dúvida de que o planejamento governamental discutido aqui compreende, sempre e necessariamente (ainda que em graus variáveis), condições e objetivos econômicos, sociais, políticas e administrativos. Entretanto, as duas faces conexas do planejamento são a estrutura econômica e a estrutura de poder. Mas os planejadores não tratam, em geral, senão das relações e processos relativos à estrutura econômica. Aliás pode-se dizer que, em última instância, o planejamento é um processo que começa e termina no âmbito das relações e estruturas de poder” (Ianni, 1986, p.309)

Deste período histórico anterior ao fim dos governos militares os maiores processos de planejamento estatal são caracterizados pelos planos de viés tipicamente macroeconômico com objetivos centrados no desenvolvimento e mais recentemente na estabilização monetária e fiscal2 ( gestão da despesa). No período que vai do pós-guerra até o fim do regime militar com certeza o processo mais significativo de planejamento estatal foi a elaboração do Plano de Metas (1956-1961) no governo Kubitschek. Pelo menos três fatores fizeram deste processo um ponto notável: (a) estabilidade institucional e contexto democrático favorecendo a participação, (b) amplo consenso sobre o tema do desenvolvimento nacional e (c) acertos de política externa e interna viabilizando recursos econômicos. Segundo Nunes (1999) o governo JK foi um governo notabilizado pelo sincretismo político, garantindo a permanência de uma coalizão partidária durante todo o mandato que começava no PTB de João Goulart e o controle do Ministério do Trabalho, passando pelo PSD dele mesmo, com fortes vínculos rurais até o apoio parlamentar da UDN. Esta estratégia política, flexível, por vezes dúbia, apoiada na fragilidade da estrutura partidária garantiu viabilidade para o plano. Nas palavras de Nunes (1999):

“ ao mesmo tempo que se apoiava nas agências insuladas para realizar as tarefas do desenvolvimento, Juscelino utilizava a política tradicional de empreguismo para consolidar apoio político: protegia as agências insuladas e lhes garantia acesso aos recursos, enquanto geria o resto do sistema político de modo a reduzir potenciais contestações às metas desenvolvimentistas e às suas formas de alcançá-las” (Nunes, 1999, p 112).

JK optou por montar uma rede de órgãos paralelos à administração direta, com base na avaliação de que executar uma reforma administrativa seria custoso demais (Lafer, 1997). A capacidade de governo repousava, basicamente, na natureza ágil e flexível da estrutura administrativa (as “ilhas de eficácia”), na autonomia financeira e orçamentária dos órgãos envolvidos na execução das metas setoriais e na neutralização da interferência parlamentar no processo.3 Como vimos anteriormente, nos anos oitenta e noventa o Plano Cruzado (1986), o Plano Bresser (1987), o Plano Verão (1989), o Plano Collor (1990) e o Plano Real (1994) foram notabilizados muito mais por representarem medidas fiscais e monetárias-cambiais de combate imediato à inflação – com metas quantitativas mais ou menos definidas - do que profundos processos de planejamento econômico onde o foco central poderia ser a (re)construção de medidas estruturantes de um modelo econômico

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ou de um projeto alternativo de nação. Pode-se seguramente, sem a pretensão de esgotar um tema que se confunde com a própria formação do Estado no Brasil, apontar alguns elementos de síntese que servem para organizar o debate sobre as alternativas possíveis ao planejamento democrático e participativo no setor público. O planejamento público tem sido ao longo da tortuosa construção do Estado brasileiro fundamentalmente normativo e linear na sua concepção teórica e metodológica de aplicação. Quase todo ele inspirado e nucleado por problemas de inspiração no campo da macroeconomia. Reduzir o planejamento público a um conjunto de técnicas de racionalização ou de alocação econômica foi o resultado mais visível deste período. Segundo Garcia (2000) os anos de autoritarismo e economicismo deixaram marcas profundas inclusive na Constituição Federal de 1988:

“...A Constituinte...não consegue superar a concepção normativa e reducionista do planejamento governamental herdada dos militares e seus tecnocratas...mesmo com a democratização do país; com a política a ganhar espaço e importância, com a multiplicação dos atores sociais, com o ritmo de produção e difusão das inovações tecnológicas acelerando-se; com o conhecimento e a informação conquistando relevância; com a comunicação ascendendo à condição de recurso de poder e integração; e com a clara percepção de que se ingressara em uma época de rápida mudança de valores culturais; ainda assim, o planejamento governamental foi concebido sob um enfoque normativo e economicista.” (Garcia, 2000, p. 8)

As sínteses possíveis que resumem a construção do planejamento como procedimento público até a transição para a democracia nos anos oitenta poderiam ser resumidas nos seguintes pontos:

(1) O planejamento é subordinado a uma ótica reducionista do ponto de vista teórico que o limita ao manejo e operação de ferramentas de organização estatal e/ou regulação de mercados privados ou setores sob concessão federal ou estadual. Os exemplos mais nítidos deste enquadramento teórico é a confusão comum entre o conceito de planejamento no setor público com técnicas de racionalização de trabalho ou processos produtivos, com o simples uso de ferramentas gerenciais ou técnicas de organização & métodos transplantadas para a área pública.

(2) O viés econômico-normativo praticamente organiza todo processo de planejamento. Apesar da ampliação das funções do IPEA nos anos oitenta e da criação de uma Secretaria de Planejamento e Coordenação vinculada diretamente ao centro político do governo federal (Presidência da República), o tema permanece fortemente vinculado à racionalidade econômica e corporativamente atrelado ao quadro e as carreiras dos profissionais de economia. Os traços desta característica podem ser identificados em todos os planos de estabilização e crescimento Econômico (“planos” Salte, Trienal, PAEG, PNDs, etc...) e na limitação da atividade burocrática (produção de política pública) à confecção da peça orçamentária anual, sendo esta,

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profundamente normativa e formal. O antigo “Orçamento Plurianual de Investimentos” (Lei 4.320/64 e Constituição de 1967) foi praticamente a única “estratégia” de concretização e materialidade do processo de planejamento estratégico público.

(3) O planejamento no setor público, como de resto as demais políticas públicas têm a marca genética da exclusão, da não-participação e da ausência absoluta de controle social sobre seus meios e fins. A nossa cultura política impregnada de golpismos e práticas autoritárias que se expressam na cidadania restringida e regulada, na fragmentação do aparelho de Estado e no enorme fosso que separa sociedade civil da sociedade política fez das práticas de planejamento reduto inatingível aos grupos organizados ou aos simples cidadãos. O economicismo, a ausência de metodologias mais flexíveis, o jargão tecnicista em muito contribuíram para excluir qualquer possibilidade participativa na prática de planejamento público, mesmo naquele estritamente vinculado ao tema urbano-espacial na esfera municipal4.

No decorrer dos anos oitenta a redemocratização do país e o aprofundamento da crise econômica expuseram totalmente a crise do Estado. As principais características do funcionamento estatal no regime militar deixavam de atender às novas demandas sociais: centralidade excessiva, pouca capacidade gerencial, ineficiência na prestação de serviços, ausência de mecanismos democráticos de controle e participação, corrupção, burocracias “feudalizando” setores públicos, etc... O padrão de reforma do Estado neste período foi caracterizado pelo “reformismo reducionista e quantitativo” (Nogueira, 1998) centrado na redução de cargos, normas, salários, competências e no formalismo de suas medidas, quase todas sem resultados práticos ou permanência institucional. Temas como o planejamento público ou a política de recursos humanos foram relegados à margem da agenda de debates. Entretanto; a saída para a “crise do Estado” não se resolveu no campo da ampliação da cidadania, da radicalidade do controle democrático ou , talvez, num novo tipo de planejamento público que pudesse descortinar os “segredos” do Estado para amplas parcelas da população. Ao contrário a primeira saída hegemônica foi jogar a favor da corrente, as elites dirigentes do país optaram pela via da globalização sem condicionamentos, da internacionalização maior da economia e da destruição definitiva do que ainda restara da antiga capacidade estatal de planejamento, coordenação ou indução do desenvolvimento. Mais uma vez, nas palavras precisas de Marco Aurélio Nogueira (1998, p.155):

”...a crise do Estado no Brasil tinha raízes, era de longa duração e só poderia ser enfrentada a partir de múltiplas operações políticas e societais, fundadas sobre consensos progressivamente consolidados. Tratava-se, portanto de pôr em curso iniciativas direcionadas para recuperar a capacidade de coordenação e planejamento do Estado (grifo do autor), para o que seria necessário tanto uma reforma da administração – de modo a adequar o aparato estatal ao imperativo de plena racionalidade em seu funcionamento e dar suporte efetivo aos atos de governo – quanto, acima de tudo, uma reforma do Estado, de modo a passar em revista as práticas, as funções e as instituições políticas, bem como as relações Estado-sociedade civil, cujo

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padrão histórico sempre foi de baixa qualidade. Em outros termos, a questão era política; dizia respeito à democracia, à criação de grandes consensos nacionais, à participação da cidadania, não apenas a um mero enxugamento administrativo.”

O país passou pelo processo de impeachment, ultrapassou a “década perdida” e uma nova hegemonia foi estabelecida. Apesar de demarcar na linguagem e nas intenções com o receituário neoliberal a nova administração persegue os mesmos objetivos. Busca pragmaticamente transferir competências para o setor privado ou o terceiro setor, reduzir o déficit público mesmo que às custas da precarização dos serviços e subordinar a reforma do Estado e da administração pública ao cumprimento das metas fiscais contratadas com o FMI. Na incapacidade de (re)construir um novo projeto estratégico de desenvolvimento nacional, substituído pela manutenção da estabilidade monetária no curto prazo, com a desconstrução da capacidade de intervenção do Estado, num contexto de vulnerabilidade externa e aderência aos ritmos da globalização, restou ao planejamento quase uma função ritual e formalizada, menos que indicativa ou regulatória. Este cenário foi sinalizado na esfera nacional nos últimos lampejos do planejamento público restrito à elaboração do Plano Plurianual (PPA), dispositivo previsto pela Carta de 19885. O primeiro PPA (1991/1995) foi tão ineficaz quanto emblemático do estágio final do planejamento na esfera pública, 94,6% dos investimentos foram paralisados durante o plano (Garcia, 2.000). O segundo PPA (1996/1999), segundo o mesmo autor “ alcança, quando muito, o caráter de um plano econômico normativo de médio prazo” (Garcia, op.cit., pág. 14), quando somente 20% dos programas atingem mais de 90% execução. Alguns fatores conjunturais fizeram da elaboração do terceiro Plano Plurianual (2000-2003) da União um momento qualitativamente diferenciado6. As causas da renovação metodológica positiva podem ser identificadas nos seguintes fatores: (a) a formação de um Grupo de Trabalho no Ministério do Planejamento, em 1997, mais amplo e representativo envolvendo entidades não-governamentais como a Associação Brasileira de Orçamento Público (Abop) e o Instituto de Administração Municipal (Ibam), (b) a experiência recente do Executivo federal de melhoria da eficácia gerencial com o programa “Brasil em Ação” em 1996 (que pinçou 42 projetos especiais do PPA anterior), (c) uma conjuntura de estabilidade monetária favorecendo o uso gerencial do orçamento e da contabilidade pública, num governo que já acumulava quatro anos de mandato e - fator fundamental - (d) o uso de técnicas mais potentes e modernas de planejamento estratégico no setor público. Entre as principais modificações conceituais e operacionais podemos listar (a) a categoria “programa” foi considerada o elo de vinculação entre plano e orçamento, (b) desenho de programas a partir da identificação de problemas ,(c) aprofundamento da natureza gerencial do planejamento – simplificação da taxionomia orçamentária, flexibilidade na classificação funcional-programática, uso da categoria “função” e “ sub-função” definindo políticas governamentais - e (d) identificação de produtos e metas por projetos e ações, com

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indicadores, gerentes específicos por programa7. A seguir um esquema do processo decisório que embasa a elaboração dos Planos Plurianuais a partir de 2000.

Quadro 17

Além disso, na preparação do PPA foi produzido um estudo denominado “Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento” (parceria entre o Ministério do Planejamento e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES) com o objetivo de orientar o planejamento estratégico federal. O objetivo deste estudo era produzir um grande portfólio para investimentos públicos e privados (obras estruturantes no valor de US$ 317 bilhões) em cinco grandes eixos (regiões de planejamento) nos quais o país foi dividido. Os eixos foram definidos com base no critério da acessibilidade (rede viária atual e potencial) e na presença de atividades econômicas marcantes. A inovação foi o uso de uma lógica de maior integração das economias regionais, ainda que o produto final tenha sido pouco debatido com Estados da federação e permanecer intacta a visão privatista8. O terceiro PPA nacional previu a execução de 365 Programas com gastos totais de R$ 1,11 bilhões em quatro anos. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO9, teria o papel, neste arranjo institucional, de mediação entre a estratégia mais genérica do PPA e os orçamentos anuais. Estes passariam a ter maior vinculação com o Planejamento Governamental. A seguir uma figura ilustrativa das dimensões do PPA e a forma de articulação entre as mesmas. Observe que a “visão de futuro” deve ser produzida na alta direção do governo, na Presidência da República, por exemplo.

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Quadro 18

Em síntese, apesar do avanço metodológico e conceitual dos instrumentos de planejamento federal, a ausência de modificações profundas nas relações políticas internas e a permanência das práticas de gestão tradicionais, com a permanência do desenho organizacional normativos ainda fazem deste processo uma tarefa inacabada. Passadas já três edições do Planejamento Plurianual do governo federal após as grandes modificações metodológicas da década de noventa, é possível fazer uma síntese dos principais desafios e problemas a serem superados.

Problemas no campo da concepção e da metodologia:

• A adoção de um formato único de organização da ação governamental – a categoria “Programa”– independente da natureza de cada atividade se mostrou útil para projetos de desenvolvimento (infra-estrutura, por exemplo) mas ineficaz para ações rotineiras. As diferenças de competência, função e lógica organizacional entre as entidades públicas federais parece não ter sido considerada pelo modelo de programação.

• A conversão de todas ações em Programas com o mesmo status orçamentário, sejam elas de rotina como a manutenção das aposentadorias ou um projeto estratégico como a formulação de uma nova política para a pós-graduação, gerou em cada um dos PPAs mais de três centenas de programas sem maiores preocupações com a fixação de hierarquias e prioridades.

• Por isso, também, a tramitação da lei do plano no Congresso Nacional se tornou lenta, suscetível a inúmeras barganhas pulverizadas, resultando não raro em programas carentes de sentido, lógica ou funcionalidade. O PPA 2004-2007, por

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exemplo, só foi aprovado em 13 de Julho de 2004 numa sessão esvaziada, seis meses após o prazo constitucional estabelecido.10

• A metodologia de elaboração dos diversos PPAs pós-Constituição de 1988 foi fragilizada sob o ponto de vista da geração de consensos consistentes entre os atores sociais envolvidos na produção de políticas públicas no país: Governos Estaduais, Municipais, representações nacionais de empresários, trabalhadores, organizações sociais diversas, etc. Esta debilidade tem se refletido na baixo grau de consenso e unidade quanto aos objetivos estratégicos, sobretudo entre os vários entes federativos. A fragilidade dos consensos federativos afetam sobretudo aqueles programas ou políticas cujo funcionamento demandam ações combinadas e integradas como é o caso do Sistema Único de Saúde ou ações integradas na Segurança Pública.

• A subordinação conceitual do orçamento ao conceito de programa, a despeito da maior transparência, fez com que muitos gestores usassem a categoria “programa” como abrigo para rubricas orçamentárias diversas, adquirindo mais flexibilidade na execução financeira, mas perdendo o foco gerencial e a prioridade para geração de resultados. Os “Programas do PPA”, pensados como a síntese superior entre o protagonismo do dirigente democraticamente eleito, uma agenda política legítima com legitimidade de propósitos e a mais moderna ferramenta gerencial possível, se torna paulatinamente uma “coleção” de rubricas orçamentárias feitas pela conveniência da micro-política.

• A responsabilização pelo gasto do governo acontece de acordo com a estrutura organizacional existente, ao vincular de forma absoluta planejamento e orçamento, o modelo atual induziu os gestores a priorizarem o segundo em detrimento do primeiro. Este aspecto explica em parte a grande dificuldade que os organismos de controle (Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União) têm para auditar Programas Inter-ministeriais, que exigem sofisticados mecanismos de negociação.

• Mesmo nos países onde a estrutura de orçamento-programa domina é muito difícil fazer com que a estrutura burocrática e inter-competitiva de governo se subordine à lógica gerencial do planejamento, em parte, por inaptidão da cultura burocrática weberiana clássica dos quadros (inaptos para processos inovativos).

Problemas no campo da gestão e da implementação:

• A impossibilidade de previsão do ritmo de execução orçamentária, num ambiente fiscal onde o superávit fiscal se tornou dogma de política econômica e a crescente rigidez na execução da despesa, consideradas as crescentes vinculações constitucionais da Receita Corrente Líquida (despesas obrigatórias na área da saúde e da educação, por exemplo), reduzem sobremaneira a natureza estratégica-discricionária do plano. Há que se levar em conta, também, que o serviço de pagamento da dívida interna e externa consome, conforme o ano fiscal, de 70% a 75% dos recursos orçamentários previstos.

• A definição de políticas de um modo geral (Diretrizes, Metas, etc.), como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, a Política Nacional de Direitos Humanos, as Diretrizes Nacionais de Desenvolvimento Regional ou o Plano

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Nacional de Recursos Hídricos, não sendo ações tipicamente orçamentárias, estão excluídas do escopo do plano. Isto ajuda a reduzir a capacidade de formalização e unificação das ações governamentais.

• Debilitado na sua capacidade preditiva e antecipatória, particularmente nos setores de maior complexidade, relevância e carência de intervenção pública o planejamento governamental em nada contribui para prevenir (e antecipar soluções), diminuir ou minorar o impacto de crises ou identificar gargalos potencialmente graves. Para citar alguns exemplos mais recentes, a recente crise no tráfego aéreo do país em 2006 que paralisou o sistema aero-portuário, a crise na defesa sanitária com reaparecimento da febre aftosa em 2005 que cortou dois terços das exportações do setor ou a crise de abastecimento de energia elétrica em 2001. Seria normal supor que um sistema de planejamento efetivo pudesse, de alguma forma, recomendar preventivamente ações dissuasivas ou desenhar planos de contingência exeqüíveis.

• O PPA não suporta a decisão estratégica do Presidente da República. O centro de governo (a Presidência da República e órgãos vinculados) adota um sistema diferente de seleção e monitoramento de metas, diferente e incompatível daquele estabelecido pelo PPA, contribuindo para que este último se torne mais um ritual burocrático que instrumento gerencial estratégico.11Além disto, a precariedade de implementação do plano também pode ser inferida através da existência de diversas “agendas estratégicas” concorrentes entre si no centro de governo12.

• Apesar dos grandes avanços em monitoramento & avaliação de políticas públicas realizados no Brasil nos últimos anos, incluindo os programas do PPA, a gestão do planejamento governamental está cada vez mais distante da gestão real e concreta do dia-a-dia dos Ministérios. Tornou-se lugar comum assistir na mídia nacional Ministros lançando programas e metas governamentais como se não houvesse algum sistema integrado e formalizado de planejamento.

Um exemplo eloqüente da ritualização do plano é a evidência de que no próprio Ministério do Planejamento (o centro irradiador e coordenador do sistema) somente 25% dos Programas daquele Ministério (PPA 2004-2007) utilizam o Sistema de Informação Gerencial e de Planejamento (SIGPlan) para monitoramento do PPA. O SIGPlan é o sistema de gestão por excelência do PPA, de uso obrigatório para toda entidade pública federal e mantido pelo Ministério do Planejamento (fonte: Relatório da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos, 2006).

Orientações Estratégicas do PPA federal, 2008-2011 Promover a inclusão social e a redução das desigualdades; Promover o crescimento com sustentabilidade, geração de empregos e distribuição de renda; Propiciar o acesso da população brasileira ao conhecimento em seus diversos níveis e modalidades, com eqüidade e qualidade; Fortalecer a democracia e a cidadania com garantia dos direitos humanos; Implantar uma infra-estrutura eficiente e integradora do território brasileiro; Reduzir as desigualdades regionais a partir das potencialidades locais do território nacional; Fortalecer a inserção soberana internacional e a integração sul-americana; Elevar a competitividade sistêmica da economia, com inovação tecnológica; Promover um ambiente social pacífico e garantir a integridade dos cidadãos;

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Promover o acesso com qualidade a serviços e benefícios sociais, sob a perspectiva da universalidade e da equidade, assegurando-se seu caráter democrático e descentralizado.

Talvez o exemplo mais eloqüente e recente de divorcio entre o planejamento proposto pelo PPA e o processo real de governo tenha sido o conjunto de medidas denominadas “Plano de Aceleração do Crescimento” (PAC)13. Com ações diversas o “plano” abrange a infra-estrutura energética e rodoviária até a atualização dos percentuais de isenção do Imposto de Renda. Coordenado diretamente pela Presidência da República (Casa Civil) e não pelo Ministério do Planejamento, as ações que prevêem gastos de R$ 500 bilhões para execução até 2010, foram anunciadas publicamente em 22 de Janeiro de 2007. Inclusive com diversas medidas legislativas propostas ao Congresso Nacional (no formato de Medidas Provisórias) e oito meses antes que o Poder Executivo entregue para exame e aprovação do Poder Legislativo o próximo Plano Plurianual (o PPA 2008 – 2011).

Quadro 19

Previsão de Investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (Fonte: Mensagem Presidencial do PPA 2008-2011)

A capacidade de planejamento do Estado brasileiro não reside exclusivamente na elaboração e execução dos PPA, ainda que este instrumento seja por excelência o organizador geral das ações estratégicas. Há exemplos, alguns bem sucedidos no plano setorial, como a “Política, Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior” (PITCE), lançada em 2003 e a atual “Política de Desenvolvimento Produtivo” (PDP), lançada em 2008, ambas sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) ou o “Plano de Ação 2007-2010: Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional” do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Além disso, diversos estados da federação vêem aprimorando seus sistemas de planejamento público nos últimos anos.

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Perguntas:

1. Qual a relação entre o planejamento no setor púbico e as funções econômicas do Estado ?

2. Quais foram os avanços mais recentes do Planejamento Plurianual do governo federal ?

3. Qual a diferença entre planejamento tradicional e planejamento estratégico ? Bibliografia para consulta: IANNI, O. (1986). Estado e Planejamento Econômico no Brasil, Civilização Brasileira, Rio

de Janeiro. KON, A. (1999). Planejamento no Brasil II, Ed. Perspectiva, São Paulo. LAFER, B. M. (1997) O Planejamento no Brasil, quinta edição, Editora Perspectiva, São

Paulo. MATUS, C. (1993) Política, Planejamento e Governo, Tomo I e II, IPEA, Brasília. MATUS, C. (1996) Adeus Senhor Presidente, Governantes e Governados, Ed. Fundap,

São Paulo. MIGLIOLI, J. (1983). Introdução ao Planejamento Econômico, Brasiliense, São Paulo. NOGUEIRA, M. A. (1998). As possibilidades da Política, Idéias para a Reforma

Democrática do Estado, Paz e Terra, São Paulo. NUNES, E. (1999) A Gramática Política do Brasil, Clientelismo e Insulamento

Burocrático, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro. GARCIA, R. C. (2000). A Reorganização do Processo de Planejamento do Governo

Federal: o PPA 2.000-2.003, Texto para discussão n. 726 IPEA, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Brasília.

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9. O debate sobre a Reforma Tributária O tema da reforma tributária é recorrente na agenda política do pais, sobretudo após o movimento pragmático de recuperação da arrecadação fiscal que a União empreendeu pós-constituinte de 1988. Já vimos que o arranjo federativo estabelecido pela Constituição de 1988 inviabilizou a função redistributiva do Estado. Isto aconteceu porque a distribuição desigual da oferta de serviços públicos no território faz com que a presença do Estado seja extremamente desigual. O resultado foi, grosso modo, serviços federais deteriorados, guerra fiscal entre Estados e Municipios e esvaziamento do planejamento federal. Assim o governo federal operou uma recentralização de recursos, através do uso indiscriminado de contribuições sociais. Uma dimensão importante do contexto que envolve a reforma tributária é o próprio pacto federativo ou o federalismo fiscal brasileiro. Nosso sistema federativo, ao contrário do norte-americano, por exemplo, foi definido por decreto (o Decreto no. 01 de 15/11/1889). Na proclamação da República havia juristas e políticos que pleiteavam autonomia integral para as províncias, como Rui Barbosa. Mas a federação brasileira formou-se de forma “centrífuga”, como uma concessão do poder central, antes na forma de Império, ou seja, as diferentes regiões já nasceram sob o signo da dependência. Para continuar a comparação, no caso norte-americano foi o inverso, um punhado de estados já soberanos e independentes abriram mão de parte destas faculdades para criar um poder central. O regime tributário da constituição de 1891 manteve a mesma feição que o sistema imperial foi adotado o regime de competência tributária exclusiva. Esse regime estabelecia que ao governo central caberia o imposto de importação, os direitos de entrada, saída e estadia de navios, taxas de selos, taxas de correios e telégrafos federais. Já aos estados competia decretar imposto sobre exportações, sobre imóveis rurais e urbanos, sobre transmissão de propriedade e sobre industriais e profissões, além de taxas de selos e contribuições concernentes a seus correios. Já os municípios não tinham autonomia, cabia aos estados a responsabilidade de fixar os impostos municipais. Só em 1922 foi criado o imposto sobre venda mercantil, mais tarde denominado imposto sobre vendas e consignações, de competência estadual. Cabe mencionar a existência do imposto sobre vencimentos pagos pelos cofres públicos e sobre benefícios distribuídos pelas Sociedades Anônimas, uma forma aproximada de renda. Com a evolução do sistema, rendas de outras fontes foram sendo incorporadas à base tributária, mas só a partir de 1924 o governo instituiu o imposto geral sobre a renda. Podemos observar que o regime tributário se modifica para acompanhar a evolução própria do sistema econômico. No início grava as exportações e importações basicamente, com a industrialização começa a surgir a tributação sobre o consumo interno, mais tarde a renda e a propriedade e só num estágio avançado se criam tributos específicos e sobre o valor adicionado.

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Quando o foco volta-se para os estados podemos identificar que a principal fonte de arrecadação era o imposto sobre exportações (40% de recursos desta esfera de governo). Esse imposto era cobrado tanto das exportações para o exterior como nas operações interestaduais. A Constituição de 1934 – já sob a modernização do “Estado Novo” - criou outros tributos como o imposto de transmissão de propriedade e o imposto sobre indústria e profissões. Essa Constituição promoveu a descentralização: os estados passaram a ter maior autonomia para decretar o imposto sobre vendas e consignações, ao mesmo tempo em que foi proibida a cobrança de impostos sobre transações interestaduais, cuja alíquota foi limitada a 10%; os municípios, por sua vez, passaram a ter competência para decretar alguns tributos. Estas medidas resultaram na descentralização da arrecadação tributária, a participação de estados e municípios passou de 34,5% em 1900 para 49% em 1931. Foi nesta época que os municípios ganharam bases autônomas de competências tributárias, pela primeira vez na história. As medidas de descentralização só serão confirmadas pela Constituição de 1946, registrando, inclusive a necessidade de adaptação da partilha de tributos às demandas das regiões menos desenvolvidas como o Norte, Nordeste e o Vale do São Francisco. Já comentamos que a reforma de 1967 foi bem sucedida ao racionalizar o sistema tributário e recuperar a capacidade de arrecadação federal (que passou de 8,6% em 1962 para 20% da arrecadação total em 1970). Mas do ponto de vista federativo houve um retrocesso claro com redução de transferências e restrições de competências. Na verdade o princípio básico de um sistema federativo, que é a autonomia recíproca dos estados e da União e que deveria prever uma correspondência entre a distribuição de serviços e de recursos nunca foi de fato cumprido. A constituição de 1988, em ambiente democrático, apesar de tentar retomar o princípio federativo e combater os desequilíbrios regionais, não foi totalmente bem sucedida. Houve avanços evidentes na repartição de tributos e instituir a progressividade fiscal para garantir mais equidade no sistema. Entretanto a manutenção dos critérios de rateio não permitiu uma distribuição mais uniforme entre receitas e encargos, sobretudo para os municípios maiores onde a demanda de serviços é muito maior. A constituição estabeleceu um regime tributário complementar, evitando a sobreposição dos impostos, mas permitindo a estados e municípios a criação de taxas e a contribuição de melhoria, bem como o custeio da previdência e assistência social para os seus servidores. As contribuições de melhoria são um tributo relacionado à construção de obras públicas que valorizam imóveis, de modo que todos aqueles que se beneficiam da construção de uma obra pública devem pagar um tributo em razão desse benefício, que no caso é a valorização imobiliária. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que 21,5% da arrecadação com o imposto sobre a renda e 20% do imposto sobre produtos industrializados pertencem aos estados e que 22,5% do IR e do IPI cabem aos municípios, além de 50% do imposto sobre a propriedade territorial rural, 25% da arrecadação do Estado com ICMS sobre transporte

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interestadual e intermunicipal e de comunicação e metade da arrecadação estadual com o imposto sobre propriedade de veículos automotores, o IPVA. A distribuição, apesar de melhorar, ainda foi efêmera. E este continua sendo um dos principais problemas no debate da reforma tributária: como reorganizar o regime tributário e fiscal para recuperar a autonomia dos entes federativos distribuindo equitativamente receitas e despesas ? Outro problema grave é a priorização da capacidade arrecadatória do tributo em detrimento de sua qualidade e lógica econômica. O resultado é a proliferação de contribuições para-fiscais e o predomínio de uma estrutura regressiva sobre a renda, com domínio de impostos sobre o consumo. As entidades federadas, por conta do nosso federalismo desequilibrado, buscam atrair investimentos sacrificando seus próprios regimes tributários, numa profusão de isenções e renúncias fiscais que acabam debilitando ainda mais sua capacidade de financiamento. Esta verdadeira “guerra fiscal” acaba definindo os limites para uma reforma tributária, os Estados mais industrializados dificilmente concordarão com uma reforma que diminuía sua arrecadação no médio ou longo prazo. Poderíamos resumir os principais problemas da nossa matriz tributária nos seguintes itens:

a. Complexidade: vários tributos incidem sobre a mesma base. Há altos custos burocráticos para manter e assegurar qualidade ao aparelho arrecadatório e sobretudo para a administração fiscal e tributária das empresas. Os tributos indiretos e contribuições para-fiscais têm grande diversidade regulatório, muitas vezes, mudam radicalmente de estado para estado. b. Cumulatividade: os tributos incidem em cada etapa do processo de produção e circulação de mercadorias, sem possibilidade de compensação com o que é pago na etapa anterior. c. Aumento do custo dos investimentos: a cumulatividade e o longo prazo de ressarcimento ou compensação pelos impostos pagos sobre bens de capital, por exemplo, chega a 48 meses no caso de ICMS pago na compra de uma máquina e 24 meses no caso do PIS e do COFINS. Estes prazos entram negativamente no cálculo de viabilidade dos investimentos. d. Administração do ICMS: hoje o maior imposto individual do Brasil é regido por dezenas de alíquotas em legislação sub-nacional, ao contrário das melhores práticas internacionais. Como é cobrado no estado de origem do produto há muita resistência dos estados exportadores em ressarcir o imposto pago em outra unidade da federação. Além disso a “guerra fiscal” vem provocando um diminuição da capacidade de arrecadação de estados e municípios que nela se envolvem. e. Tributação sobre a folha de salários: a pesada carga fiscal sobre a contratação da força de trabalho funciona como um inibidor à formalização dos contratos e um estímulo à informalização da economia e das relações de trabalho no Brasil. Além disso a informalização gera uma baixa contribuição á previdência social, estima-se que metade das pessoas ocupadas não contribuam para a previdência social.

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Em 2008 o Governo Lula fez uma proposta de reforma tributária através de um projeto de emenda constitucional (a PEC 233). Nesta proposta o governo federal propõe os seguintes pontos.

• Simplificar o sistema tanto no âmbito dos tributos federais quanto do ICMS,

eliminando tributos e reduzindo e desburocratizando a legislação tributária; • Acabar com a guerra fiscal entre os estados, com impactos positivos para o

investimento e a eficiência econômica; • Implementar medidas de desoneração tributária, principalmente nas incidências

mais prejudiciais ao desenvolvimento; • Corrigir as distorções dos tributos sobre bens e serviços que prejudicam o

investimento, a competitividade das empresas nacionais e o crescimento econômico;

• Aperfeiçoar a política de desenvolvimento regional; • Melhorar a qualidade das relações federativas, ampliando a solidariedade fiscal

entre a União e os estados; • Desonerar significativamente a folha de salários com: eliminação da incidência da

“contribuição ao salário educação”sobre a folha (hoje de 2,5%), que seria substituída por uma parcela do IVA-F; e redução da contribuição das empresas ao INSS, a ser efetivada através de futuro Projeto de Lei a ser encaminhado ao Congresso Nacional.

A criação de um imposto sobre o valor adicionado é meritória em todos os sentidos, ainda que mantenha a estrutura regressiva do regime tributário, o grau de regressividade dependerá da alíquota a ser cobrada. Acabar com as 27 legislações diferentes de ICMS é outra medida que merece ser apoiada. A compensação das perdas para os estados produtores (que irá perder com a tributação no destino) é um artifício importante para diminuir as resistências políticas à proposta. Não se pode ignorar que os estados mais industrializados e portanto, aqueles com mais poder de pressão e representação política no governo e no Congresso Nacional, serão os mais afetados. Por isso a importância de um “Fundo de equalização de Receitas” e uma transição relativamente longa (sete anos). A proposta sinaliza também uma redução para zero do tempo de ressarcimento do ICMS pago para empresas que compram bens de capital (hoje o prazo é de até 48 meses), assim como do PIS e do COFINS. Sobre a desoneração da folha de salários a proposta avança na eliminação do “salário-educação” (2,5%), na redução da contribuição patronal de previdência (de 20% para 14%). Em 1996 o Governo federal criou um dispositivo para desonerar as exportações e ressarcir os Estados. O grande problema é que a falta de regulamentação da chamada “Lei Kandir”(do artigo 91º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ADCT, da Constituição Federal de 1988), faz com que o ressarcimento em valores reais seja muito defasado pois depende de alocação orçamentária a cada ano. No orçamento da União para 2008, por exemplo, estão previstos R$ 5,2 bilhões para esta finalidade, como se trata de

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questão orçamentária todo ano este valor está sujeito à disputas regionais, divergências entre governadores e parlamentares, metas de contigenciamento do Poder Executivo, enfim, um cenário de imprevisibilidade. A Lei Kandir, criada em 1996, isenta do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) os produtos primários e semi-elaborados destinados à exportação. Para compensar os estados pelas perdas decorrentes da isenção desses impostos, a legislação prevê que a União repasse 50% dos valores desonerados, a título de compensação pelas perdas. Além da carga tributária elevada (se comparada à qualidade do gasto público) e da falta de equidade (quanto menor a renda, maior o peso dos tributos), nós temos sérios problemas de competitividade. Este problema acontece quando os tributos indiretos cumulativos têm forte peso e não são passíveis de desoneração total. Se comparados às exportações de outros países surge uma desvantagem competitiva, pois os bens e serviços brasileiros tornam-se mais caros diante dos concorrentes estrangeiros. Com o aumento do grau de abertura da economia brasileira e a consolidação do Mercosul os efeitos deste tipo de tributo ficaram mais visíveis. As decisões de produção e investimento das grandes empresas multinacionais são afetadas pelos diferentes regimes tributários, além disso, começam a surgir assimetrias muito grande entre países do mesmo bloco econômico, gerando tensões e protestos dos mais desfavorecidos. Para ficar num exemplo simples, imaginemos a carga tributária que incide sobre a folha de pagamentos no Brasil, várias vezes superior a de muitos outros países com os quais o Brasil mantem relações comerciais ativas. É evidente que a depender do tipo de produto e mercado, se cria um diferencial de produtividade que provoca desvios e distorções no comércio internacional, canalizando rendas de comércio para os mercados com menor carga tributária. A adoção de um “imposto único” não resolveria este problema, posto que continuaria penalizando aqueles produtos de cadeias produtivas mais longas e não poderia ser subsidiado para as exportações devido as restrições da Organização Mundial do Comércio, a OMC. Parece inevitável que a reforma tributária caminhe para uma integração nacional maior do regime tributário, centralizando a nível nacional políticas de alíquotas e coordenação fiscalizatória. O setor produtivo é penalizado ao “exportar impostos”, em compensação as importações não são restringidas. O contexto deste debate não se limita apenas em definir quais estados ganham ou perdem, se a receita da União vai aumentar ou diminuir, se os tributos sobre a renda e o patrimônio serão majoritários, se o efeito “cascata” e as contribuições para-fiscais vão acabar... De fato, o verdadeiro debate que a sociedade política e civil precisa fazer é que tipo de Estado precisamos para desenvolver o país ? Qual nosso projeto de desenvolvimento ? Quais serviços o governo deve manter, com qual nível de qualidade, quanto custa para a sociedade ? E finalmente, quem vai pagar por eles ? Como ? Nestes termos pouco importa saber se teremos meia dúzia de tributos ou sessenta como temos hoje, mas até onde a sociedade está disposta a pagar pelos serviços púbicos e se poderá controlar receitas e despesas com a transparência necessária.

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Colocando o debate nestes termos parece que a Reforma Tributária será menos um ato único e episódico e mais um longo processo de negociação e pequenas reformas, incrementais e progressivas.

Perguntas:

1. Quais os pontos mais críticos do atual sistema tributário brasileiro ? 2. Porque a reforma tributária pode impactar diretamente na eficiência do sistema

econômico ? 3. Entre as propostas em debate, na sua opinião, qual a mais importante ? Justifique.

Bibliografia para consulta:

AFONSO, J.R. (2000). A tributação brasileira e o novo ambiente econômico: a reforma tributária inevitável e urgente”, Revista do BNDES, vol. 7, n. 13, Rio de Janeiro.

FILELLINI, A. (1994). Economia do Setor Público. Atlas, São Paulo. GENEREUX, J. (1993). Introdução à Política Econômica, Ed. Loyola, São Paulo. GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. (2000). Finanças Públicas - Teoria e Prática no Brasil. 1ª ed.

Rio de Janeiro, Campus, 2000. LONGO, C.A. e TROSTER, R.L. (1993). Economia do Setor Público, Ed. Atlas, São

Paulo. LONGO, C.A. (1986) Caminhos para a reforma tributária. FIPE/USP, São Paulo. MUSGRAVE, R. (1974). Teoria as Finanças Públicas, Ed. Atlas, São Paulo. REES, R. (1979). A Economia da Empresa Pública, Ed. Zahar, Rio de Janeiro. RIANI, F. (1990). Economia do Setor Público, uma abordagem Introdutória, Ed. Atlas, São

Paulo. SILVA, L. M. (1996). Contabilidade Governamental, Ed. Atlas, São Paulo. VALÉRIO, W. P. (1992). Programa de Direito Tributário, Ed. Sulina, Porto Alegre. VARSANO, R. (1997) A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século:

anotações e reflexões para futuras reformas”. Pesquisa e Planejamento Econômico, IPEA, Vol. 27, n. 1.

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10. A economia da regulação e o Estado Regulador Um novo e importante capítulo na teoria da economia do setor púbico vem sendo escrito nas últimas décadas: é a economia da regulação. Ela se propõe a estudar os vários temas relacionados ao processo de regulação, ou seja, de controle do Estado sobre as empresas que produzem bens ou serviços de natureza pública ou coletiva. A economia da regulação se desenvolveu paralelamente ao processo de privatizações ocorrido, primeiro nos países desenvolvidos e depois no resto do mundo, a partir dos anos oitenta e noventa. Neste capitulo vamos abordar os principais temas relacionados a esta importante parte da economia do setor público. A tendência de diminuição do Estado foi muito acentuada em países como a Inglaterra no início dos anos oitenta, desde este período os capitais privados puderam operar nas áreas de gás, eletricidade, água, telecomunicações e transportes. Os Estados Unidos, por sua vez, reorganizaram os setores de infraestrutura que já contavam com presença de investidores privados. Na América Latina um dos pioneiros foi o Chile, o primeiro país a privatizar o setor elétrico. Outros países onde a tradição estatal é muito grande, como a Noruega e a Dinamarca, reorganizaram seus serviços sem diminuir ou acabar com a participação do Estado. As razões do processo de desestatização são muito complexas e variam de país à país. Razões políticas ou históricas – como os países do leste europeu – combinam-se com motivos puramente econômicos de combate ao déficit público e racionalização das despesas. Na Inglaterra o Partido Conservador, liderado por Margaret Thatcher, tinha como objetivo, além dos meramente econômicos, enfraquecer as bases do Partido Trabalhista, no poder desde o pós-guerra. Na ampla maioria dos casos o argumento oficial foi baseado na melhoria da eficiência e eficácia na prestação dos séricos. Características que só seriam obtidas se o aparato produtivo estatal fosse imerso num ambiente competitivo de concorrência de mercado. Na América latina, considerando a trajetória de cada país, as privatizações foram influenciadas principalmente por problemas de desajuste fiscal e endividamento externo. Como já foi visto antes, o Brasil chegou a pedir uma moratória dos pagamentos de compromissos internacionais em meados dos anos oitenta, precedido do México que o fez em 1982. Na base deste endividamento um conjunto de fatores: desregulamentação financeira mundial com o fim do “tratado de Bretton Woods”, pagamento de empréstimos (“hot moneys”) a juros crescentes, choques do petróleo, recessão com queda da receita fiscal, etc. No plano político este contexto favoreceu a difusão de idéias e princípios liberais, entre os quais, a intervenção mínima do Estado na economia.

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Acordo de Bretton Woods: Conferência Internacional realizada em Bretton Woods em New Hampshire, estado norte-americano, que decorreu em Julho de 1944. Aqui discutiram-se propostas alternativas relacionadas com os problemas dos pagamentos internacionais do pós-guerra. Estas propostas foram sugeridas pelos Governos do Reino Unido, do Canadá e dos Estados Unidos. Deste acordo resultou a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução O padrão-ouro, sobre o qual fora construída a Nova Ordem, foi desmantelado em 1971, o dólar tornou-se a moeda hegemônica de reserva mundial. Após as primeiras privatizações, sobretudo no setor de infraestrutura, o problema que ocupou gestores e dirigentes foi de como seria feita a regulação destes serviços. A regulação deve coibir o domínio exercido agora pelos novos monopólios privados, protegendo de um lado os usuários e consumidores de tarifas abusivas e garantindo, por outro lado, um nível de remuneração para as empresas operadoras que viabilize investimentos e melhoria da qualidade e cobertura dos serviços prestados. A regulação compreende assim o controle de custos e preços, a qualidade do produto ou serviço, o controle ambiental, a estrutura de mercado, o acesso às informações, a conduta e a performance empresarial, entre diversos temas relacionados. A regulação é uma política pública que utiliza vários dispositivos administrativos para monitorar, controlar e avaliar uma atividade privada. No debate sobre regulação devemos fazer uma distinção entre “poder concedente” e “ação regulatória”. O poder concedente é e sempre será, o titular da obrigação de prestação de serviço. É ele, o Estado, responsável por dimensionar, planejar e decidir sobre qual será a melhor política de oferta do serviço e os meios para realizá-la. Após realizada a concessão do serviço para uma empresa privada cabe ao poder concedente garantir que as condições do contrato serão cumpridas. A ação regulatória não é responsável pela prestação do serviço, mas tem o dever de garantir que as regras estabelecidas pelo governo serão cumpridas pelos operadores privado, remunerados por uma tarifa justa. As tarefas básicas do órgão regulador são a defesa da aplicação das regras de concessão, a definição a nível operacional de itens da prestação do serviço como a discriminação de tarifas ou os repasses de produtividade e a investigação, denúncia e combate às práticas anticompetitivas. Os objetivos da regulação, assim, são a melhoria da eficiência alocativa, distributiva (evitando que o produtor se aproprie de todo o excedente econômico que a condição de monopólio natural gera) e produtiva, utilização da capacidade instalada no seu máximo. Os instrumentos que as agências reguladoras tem para exercer sua função são, em síntese, o controle das tarifas, das quantidades produzidas, as restrições à entrada e à saída de novos operadores privados e a definição e monitoramento de padrões de desempenho. As condições de eficiência deste sistema são a estabilidade de uma política tarifária, a definição formal de direitos e obrigações de todos envolvidos no processo, um mecanismo ágil de solução de controvérsias, sobretudo entre o poder concedente e o operador privado, alguma garantia para a operadora contra riscos políticos e econômicos. Entretanto, nada disso é operacional se o órgão regulador não for dotado de capacidade técnica consolidada um grau de autonomia suficiente. A regulação basicamente evita que o custo social do monopólio produza perda de eficiência geral para a economia. O instrumento mais comum utilizado são as leis antitruste, evitando

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combinações de preço, partilhas de mercado ou outro expediente de concentração. Ao limitar o poder dos vendedores ou dos compradores as leis antitruste evitam o que os economistas chamam de “deadweight welfar loss” ou “perda de peso morto”, significando a tendência que os monopólios tem a operar com preços acima do nível ótimo e custos maiores. Além disso, o excessivo domínio do mercado acaba gerando problemas de equidade e imparcialidade que anulam ou inviabilizam os processos competitivos. É por isso que os “preços de conluio”, a discriminação de preços ou preços predatórios são práticas combatidas pelas agências reguladoras. A regulação não induz a concorrência, mas a substitui por mecanismos e protocolos regulatórios que determinam parâmetros para custos, preços, tamanho de mercado, governança corporativa, investimentos, padrões de qualidade e atendimento ao consumidor. A regulação busca atingir a eficiência econômica, traduzida na eficiência produtiva, distributiva e alocativa e atualmente seus princípios são usados numa gama crescente de atividades econômicas, do controle de medicamentos à produção de petróleo. A regulação também objetiva corrigir os problemas gerados pelas informação assimétrica, externalidades econômicas e existências de bens públicos (veja capítulos iniciais). Os mecanismos de regulação estabelecem incentivos para os agentes econômicos tomarem decisões que contribuam para os objetivos regulatórios. Este objetivo nem sempre é possível porque o agente possui informações mais precisas sobre os custos do negócio, por exemplo. Diz-se que os mercados onde operam estes monopólios naturais tem baixa “contestabilidade”, cabendo ao Estado mudar esta característica. Quando o órgão regulador não consegue determinar os custos exatos do regulado e fixa tarifas acima daquelas do nível de eficiência (simulando um mercado competitivo) diz-se que o órgão regulador foi “capturado” pelo agente. Por isso que a independência e autonomia do órgão regulador (uma agência estatal, por exemplo) é vital para o desempenho de suas funções. A relação “principal/agente” é fundamentalmente uma relação contratual. Um contrato que seja eficiente deve resolver a falta de incentivos do agente para cooperação com os objetivos da regulação (preços módicos e investimento no serviço, por exemplo). Um contrato (marco regulatório) capaz de dar conta deste aspectos tem que possuir algumas características. Em primeiro lugar o agente (a empresa operadora) tem que ver a possibilidade do contrato regulatório como algo que trará mais benefícios com sua adesão do que recusa ao contrato, este aspecto é chamado de “restrição de participação”. Um segundo aspecto se relaciona ao balanceamento entre punição e incentivo. Se o agente adere ao contrato ele deve ter mais benefícios se esforçando para cumprir as metas previstas do que o contrário. Mercado Contestável é definido como aquele em que tanto os concorrentes efetivos como os potenciais têm acesso às mesmas tecnologias e consumidores, e onde não existem barreiras à entrada e nem custos de saída. Um entrante potencial que deseje estabelecer-se terá acesso à demanda de mercado, a partir da tecnologia que está sendo utilizada, em igualdade de condições com as firmas já estabelecidas.A entrada, além de livre, é totalmente reversível e sem ônus. Parece evidente, então,que a necessidade de marcos regulatórios diminui na medida em que se consolida a concorrência no setor regulado. No setor de aviação civil, por exemplo, a

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necessidade de regulação econômica é visível, na medida em que ele se configura hoje no Brasil com uma estrutura próxima ao oligopólio, já o modelo regulatório criado para a área de telefonia fixa e celular induz a uma competição relativa entre as várias operadoras. A informação é uma variável-chave na teoria da regulação. Nem sempre os compradores tem o mesmo nível de informação sobre a qualidade, o tipo, do bem que está sendo transacionado, vendido pelos produtores. Em certos contratos, por exemplo, os contratos de seguro, as seguradoras não possuem informações completas sobre a conduta (o comportamento), dos segurados. Nestes tipos de mercados as informações são sempre assimétricas ou imperfeitas. Estas assimetrias na teoria econômica são chamadas de “seleção adversa”, quando um dos lados não observa a qualidade, o tipo ou a característica do produto ou serviço e “perigo moral” (ou “moral hazard”), quando um dos lados do mercado não observa a conduta, a ação ou o comportamento do outro lado do mercado. Seleção Adversa ou tipo oculto: um dos lados do mercado não observa a qualidade, o tipo, a característica do outro lado do mercado. “Moral Hazard” (ou Perigo Moral) ou ação oculta: um dos lados do mercado não observa a conduta, a ação, o comportamento do outro lado do mercado. A existência de informação imperfeita induz o mercado à pratica de preços médios, então os melhores serão expulsos do mercado. O problema pode ser resolvido através de uma sinalização. Os produtores podem sinalizar a qualidade dos seus produtos oferecendo garantias maiores ou selos de qualidade e certificação. Num problema de “perigo moral”, ou comportamento oportunista os incentivos devem funcionar para revelar o comportamento para o mercado, eliminando o “gap” de informação. Relação Principal / Agente: O problema do Principal e do Agente é a questão do sistema de incentivo. Considere uma situação envolvendo dois atores: o principal e o agente. O principal quer induzir o agente a fazer alguma coisa par si (o principal) mas que para o agente acarreta um custo e o principal não pode observar a ação do agente, mas pode observar a quantidade produzida. Trata-se portanto de desenhar um contrato que satisfaça tanto aos interesses do principal quanto aos interesses do agente. A relação Principal/Agente é uma relação contratualista. As situações abaixo caracterizam uma relação principal/agente: Estado (principal) x burocrata (agente), Governo (principal) x Agência reguladora (agente), Agência reguladora (principal) x firmas prestadoras do serviço (agentes) e Firma (principal) x vendedores (agente).

No Brasil a regulação de serviços públicos tem tido uma história de instabilidade e grandes vazios institucionais. A crise de abastecimento de energia elétrica no início da atual década, a crise mais recente na prestação de serviços de transporte aéreo e as constantes tensões entre as agências reguladoras e o poder executivo, demonstram que nosso modelo de regulação ainda padece de muita instabilidade. Esta instabilidade influencia na capacidade de planejamento de longo prazo dos investidores e rebaixa a posição do país nos principais rankings de competitividade internacional. Os pontos de maior tensionamento entre o poder executivo e as agências reguladoras são:

a. Divisão de competências: o governo propõe que as licitações e contratos fiquem sob a alçada dos diversos ministérios setoriais como parte da política de governo para os

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setores (elétrico, do petróleo e gás, transportes, etc.). As agências deixariam de controlar este quesito.

b. Transparência na prestação de contas: maior publicidade sobre as decisões das agências, institutos de consulta e audiências públicas, com obrigatoriedade de apresentação de relatórios ao Congresso Nacional. Um dos maiores problemas na regulação é a informação assimétrica, os cidadãos/clientes tem extrema dificuldade em acessar os reais custos e formação de preços e tarifas. As agências deveriam equilibrar esta disparidade, mas não conseguem.

c. Contrato de Gestão: o governo propõe a elaboração de um “contrato de gestão” (que fixa direitos e deveres das agências), entre a agência e o ministério setorial (por exemplo, entre a Agência Nacional do Petróleo, a ANP e o Ministério das Minas e Energia). O contrato definiria critérios para avaliação de desempenho, sanções para o descumprimento de metas e outros dispositivos de avaliação e controle.

d. Criação de ouvidorias nas agências: para reforçar o controle social e acesso dos cidadãos sobre as operadoras.

e. Mandatos das agências: atualmente os mandatos dos dirigentes das agências não coincidem com os do poder executivo, teoricamente para garantir independência no processo decisório e evitar soluções de continuidade nas políticas regulatórias (fator importante para o ambiente de negócios). A proposta do governo é fazer coincidir o mandato sob o argumento de que evitaria eventuais divergências de condução da política publica setorial, o que prejudicaria também, a qualidade do ambiente regulatório.

A teoria econômica da regulação A teoria econômica da regulação teve início com o economista norte-americano chamado Stigler, que publicou um artigo em 1997, denominado “ The Theory of Economic Regulation”. As premisssas básicas de Stigler eram as seguintes: um recurso básico do Estado é o poder de coerção em que um grupo de interesse pode convencer o Estado a usá-lo para melhorar seu bem-estar e que os agentes são racionais no sentido de escolher ações que maximizam sua utilidade. A terceira hipótese é de que a regulação é ofertada em resposta às demandas dos grupos de interesse que agem para maximizar suas rendas. Um dos modelos teóricos mais conhecidos é o denominado “Modelo de Stigler/Pletzman”. Este modelo parte de três hipóteses básicas: (a) a legislação da regulação distribui riqueza entre diversos agentes, (b) o comportamento dos legisladores é levado pelo seu desejo de permanecer no cargo, a legislação é desenhada para maximizar seu apoio político e (c) os grupos de interesse competem entre si por meio do oferecimento de apoio político em troca de uma legislação favorável. O resultado disto é que a legislação será distorcida para favorecer aos grupos de interesse (os “lobbies”) que se organizam melhor e têm mais a ganhar com a legislação favorável. As preferências destes grupos são mais bem definidas quanto mais reduzidos forem seus participantes, grandes grupos de interesses os benefícios individuais não são facilmente identificáveis. Um outro modelo conceitual, denominado “modelo de Becker”, focaliza a competição entre grupos de interesse, deixando de lado o papel que o regulador ou o legislador exerce. O

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regulador apenas transmite a pressão sofrida pelos grupos de interesse, a regulação é usada para aumentar o bem estar dos grupos mais influentes. Neste modelo a transferência de riqueza depende da pressão que os grupos exercem sobre os legisladores, esta pressão é determinada pelo número de membros em cada grupo e do montante de recursos utilizados. Nesta visão o que importa é a pressão relativa que cada grupo exerce, pois sua magnitude irá determinar quanto da renda ser transferida. No modelo de Becker o equilíbrio político é obtido como um par de níveis de pressão (um para cada grupo), onde nenhum grupo tem incentivo para mudar de posição. A “pressão ótima” de cada grupo é dependente do nível de pressão exercida pelos outros grupos, o que determina a política regulatória é a influência relativa de cada grupo. Outro aspecto importante da economia da regulação é a chamada “teoria da captura”. A teoria diz basicamente que a regulação acaba favorecendo as empresas, produzindo preços acima dos custos de produção, impedindo a entrada de novas firmas e aumentando os lucros acima do que seria razoável supor. Ela surgiu no contexto dos Estados Unidos que há décadas possuem uma forte experiência regulatória já que a maioria dos serviços púbicos são providos por operadores privados desde o século XIX. Nos EUA a teoria tentava explicar a captura de legisladores para os interesses privados, modernamente isto se aplica às agências reguladoras. Há várias formas de captura, desde as mais explicitas como o suborno e a corrupção para modificar legislações e enfraquecer a fiscalização até formas mais sutis como a alternância de empregos de funcionários, ora pertencentes às agências reguladoras, ora às operadoras reguladas. O problema da informação, já referido, atua sempre pró-empresas porque ela é a principal fonte, quando não a única, de informações sobre os custos operacionais. Estas informações são essenciais para determinar o nível tarifário. A “teoria da captura” nos remete ao problema do “principal /agente”. Este debate surgiu no âmbito da “economia da informação” e se relaciona basicamente ao problema da informação desigual entre ambos. O problema pode assumir tanto o formato de “seleção adversa” ou de “risco moral” já comentados. A questão mais importante é definir quais incentivos a agência reguladora terá que adotar para evitar seleção adversa ou risco moral das operadoras. Por exemplo, uma operadora de telefonia não tem nenhuma razão aparente para divulgar para a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) uma redução drástica de custos de operação (resultante de uma nova tecnologia adotada), porque este ganho de produtividade deverá ser repassado parcialmente para os consumidores através da redução de tarifas finais. Para evitar estes problemas vários sistemas de tarifação são descritos na teoria: tarifação pelo custo do serviço, tarifação pelo custo marginal e tarifação pelo sistema de “teto de preço” ou “price cap”, em inglês. O primeiro método que é mais comum e utilizado objetiva principalmente a eficiência distributiva porque ao igualar custos e receitas, evita que o operador se aproprie de lucros extraordinários. Nesta metodologia os preços devem remunerar os custos totais e conter uma pequena margem que viabilize uma taxa interna de retorno atrativa para o investidor. A taxa interna de retorno é um percentual sobre o capital investido que seja superior a investimentos alternativos, normalmente o parâmetro de comparação são as taxas de remuneração de títulos no mercado financeiro. Se a taxa de retorno encontrada for superior

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a esta taxa, então a operação é viável, caso contrário haverá prejuízo, considerando o custo de oportunidade crescente. Custo de oportunidade: corresponde à taxa de retorno sobre a melhor alternativa de investimento, que não foi selecionada. Por exemplo, o custo dos fatores para uma empresa (força de trabalho, tecnologia, capital,etc.) é igual aos valores destes mesmos fatores em seus melhores usos alternativos. Ou seja, o custo de uma unidade de qualquer recurso usado por uma firma é o seu valor em seu melhor uso alternativo. O custo de oportunidade nem sempre se constitui de dinheiro. Por exemplo, se o dono do capital administra o seu empreendimento, ele deverá computar no custo do produto o salário que poderia ganhar como gerente de outra empresa similar. Portanto o custo alternativo se refere ao custo das oportunidades a que se renuncia, ou em outras palavras, uma comparação entre a política que se elegeu e a que se abandonou. Os principais problemas associados ao método de cobrança pelo custo do serviço são a maior dificuldade de avaliar os custos que servem como base para o cálculo do preço, as polêmicas envolvidas na definição de custos e as definições a priori sobre quais são as taxas de retorno mais razoáveis e apropriadas a serem adotadas. A experiência internacional demonstrou que esta metodologia não incentivou a firma a minimizar custos e gerou ineficiências produtivas com a remuneração garantida ao operador. Muitas vezes o consumidor arcou com repasses de custo de investimentos desnecessários. Esta metodologia foi amplamente adotada nos Estados Unidos e deu origem a muitas críticas que estimularam a busca de outros métodos de remuneração. O segundo método é baseado no custo marginal (o custo da última unidade produzida). O objetivo aqui é aproximar os preços dos produtos aos seus custos específicos, transferindo ao consumidor os custos incrementais necessários. As tarifas neste caso são diferenciadas de acordo com os vários segmentos de consumidores (por exemplo, residencial, industrial, comercial) e com características do próprio sistema, como a distribuição geográfica dos serviços, os horários de maior e menor consumo, a quantidade consumida, etc. A vantagem deste método é viabilizar maior eficiência alocativa e melhor aproveitamento da capacidade instalada, pelo gerenciamento da demanda e de mercados “spots” e de nichos de competição. As dificuldades deste sistema são semelhantes ao primeiro método. Uma terceira metodologia foi introduzida quando da privatização do setor elétrico inglês, o teto de preço ou “price cap”. O mecanismo funciona como um índice de preços aplicado regularmente e descontando-se um coeficiente que traduz o repasse de benefícios ao consumidor decorrente do aumento de produtividade. A maior vantagem desta metodologia é que a fixação de um valor máximo para a tarifa estimula o aumento da eficiência produtiva. Partindo de um preço previamente especificado as empresas tendem a minimizar os custos para aumentarem a margem de excedente. Mesmo neste método a informação continua sendo essencial para determinar a realidade dos custos da empresa. Independente da forma de cálculo, é cada vez mais importante o uso de formas alternativas sempre tentando definir um sistema tarifário capaz de remunerar os investidores, sem penalizar os consumidores. Uma outra abordagem regulatória diz respeito ao tema das parcerias público-privada. A implantação das parcerias público-privadas, ou simplesmente PPPs, no Brasil se insere no contexto de incapacidade do Estado em financiar sobretudo grande obras de infraestrutura.

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Obras que no caso do Brasil foram construídas no processo de industrialização como os grandes portos e rodovias nacionais, portanto, já com a vida útil avançada e carecendo de ações drásticas de reforma e manutenção. Aliás, este problema é um viés de decisão política, a propensão dos governantes a bancar novos investimentos é quase sempre maior do que aquela necessária para alocar recursos para sua manutenção. Deve-se considerar também que muitos investimentos exigem pesadas somas de recursos e um caráter de irreversibilidade da quantia investida (em economia fala-se de “custos afundados”) para os setores privados que, sozinhos, não poderiam assumir todo o ônus e o risco. No Brasil, a Lei 11.079 de 2004 criou a possibilidade das PPPs e incorporou instrumentos utilizados em outros países para favorecer a transparência das operações14. Nos investimentos públicos convencionais o governo realiza os contratos com o setor privado para a construção de alguma obra pública, como uma estrada ou uma hidroelétrica. Após a construção, o governo assume o comando do investimento, o projeto e o financiamento ficam a cargo do próprio governo. Um contrato de PPP ocorre para prestação de serviço a ser provido pelo setor privado que fica encarregado de executar a construção da obra pública. O setor privado projeta e constrói e não raro, também financia o empreendimento. A remuneração por este serviço pode ser paga pelo governo ou por este e os futuros usuários deste serviço. Ao final do término do contrato a obra pode ser repassada ou não para o governo. O sucesso das PPPs depende muito da estrutura contratual e da distribuição dos riscos da operação. Há uma multiplicidade de riscos, financeiros, da variação dos custos, mudanças cambiais, disponibilidade dos serviços, etc. Outros riscos são mais complexos ainda, como por exemplo, a incerteza associada à previsibilidade da demanda futura daquele bem ou serviço que está sendo construído. Imagine, por exemplo, a construção de uma rodovia nova com pedágio. A receita futura depende do volume de tráfego desta estrada, o tráfego depende de uma infinidade de variáveis como o desenvolvimento econômico regional, o preço do combustível ou a rede de transporte. Normalmente o governo pagará parte do valor do pedágio através de um subsídio ao operador privado, caso a demanda não seja suficiente para garantir modicidade de tarifa e retorno ao capital investido. Em muitos países, como a Inglaterra por exemplo, se o parceiro público suporta a maior parte do risco o ativo a ser construído é contabilizado com um ativo público, assim como o passivo dele decorrente. Uma das alternativas para diminuir os riscos é a criação de “fundos garantidores” por parte do governo no caso de inadimplemento do pagamento ao agente privado. No caso brasileiro os contratos de PPP implicam na criação de Sociedades de Propósito Específico (SPE) que são espécie de empresas criadas somente para a finalidade de executar aquela obra pública prevista pela parceria, após a qual ela será desfeita. Esta modalidade também é conhecida como “Special Purpose Company”, em inglês. A União só poderá contratar quando a soma das despesas continuadas decorrentes do conjunto das parcerias já contratadas não exceder no ano anterior 1% da receita corrente líquida. A primeira PPP federal prevê a restauração e aumento de capacidade da BR 324 na Bahia e a BR 116 entre Minas Gerais e Bahia. Diversos estados já tem programas de PPPs como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

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As parcerias podem assumir várias características conforme a disponibilidade de investidores e os marcos regulatórios. Ela pode ser do tipo “BOT, Build – Operate – Transfer”, onde o parceiro privado constrói, opera o serviço e no final do prazo devolve os ativos para o governo. Pode ser também do tipo “BTO, Build – Transfer – Operate”, neste caso o ativo é publico, mas é operado pelo privado. O famoso “bondinho do Pão de Açúcar” no Rio de Janeiro é um caso clássico de BOT, no final do prazo a Prefeitura recupera a posse e o direito de exploração do serviço, pode renovar a concessão, repassar para outro operador (mediante licitação pública) ou operar diretamente o serviço. O modo de financiamento destes projetos costuma ser chamado de “Project Finance” quando dois ou mais investidores constituem uma SPE para compartilhar riscos e resolver o problema das garantias. Um projeto desta natureza pode, por exemplo, captar recursos no mercado financeiro a partir de títulos que são emitidos tendo como garantia a receita futura do empreendimento. Este mecanismo é chamado de “securitização de recebíveis” e apesar do nome complexo significa apenas a transformação de um crédito em um título, que pode ser negociado a uma determinada taxa de juros, como outro qualquer. A tendência para provimento de grandes ativos públicos é uma combinação de obras e serviços providos diretamente pelo Estado, parcerias com setor privado, concessões e permissões em outros casos. De qualquer forma todos os serviços serão sempre regulados pelo governo porque são revestido de interesses coletivos e portanto afetam o bem-estar social do conjunto da sociedade. Perguntas:

1. O que é uma parceria público-privada ? 2. Porque a regulação de serviços públicos é sujeita à assimetria de informações ? 3. Explique porque as agências reguladoras de serviços públicos concedidos devem ter

autonomia e independência ? Bibliografia FARALI, M.F.S. (2001). Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas no nível local

de governo. Revista de Administração Pública (RAP), 35 (1): 119-44, jan./fev. Rio de Janeiro.

FERREIRA, P.C. & MALLIAGROS, T. G. (1999). Investimentos, Fontes de Financiamento e Evolução do Setor de Infra-Estrutura no Brasil: 1950-1996. Ensaios Econômicos - Fundação Getulio Vargas.

FILELLINI, A. (1994). Economia do Setor Público. Atlas, São Paulo. FRISCHTAK, C. (1995) Regulatory policies and reform: a comprarative perspectiva,

Private Sector Departament, Banco Mundial. GENEREUX, J. (1993). Introdução à Política Econômica, Ed. Loyola, São Paulo. GIAMBIAGI, F., ALÉM, A. (2000). Finanças Públicas - Teoria e Prática no Brasil. 1ª ed.

Rio de Janeiro, Campus, 2000.

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LONGO, C.A e TROSTER, R.L. (1993). Economia do Setor Público, Ed. Atlas, São Paulo. MUSGRAVE, R. (1974). Teoria as Finanças Públicas, Ed. Atlas, São Paulo. REES, R. (1979). A Economia da Empresa Pública, Ed. Zahar, Rio de Janeiro. RIANI, F. (1990). Economia do Setor Público, uma abordagem Introdutória, Ed. Atlas, São

Paulo. RIGOLON, F. (1997) Regulação da infra-estrutura: a experiência recente no Brasil. In

Revista do BNDES, vol. 4, n. 7, Rio de Janeiro. SILVA, L. M. (1996). Contabilidade Governamental, Ed. Atlas, São Paulo. VALÉRIO, W. P. (1992). Programa de Direito Tributário, Ed. Sulina, Porto Alegre.

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Sites recomendados:

Anuário Estatístico da Previdência Social: www.mpas.gov.br Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional: www.stn.fazenda.gov.br Contas Nacionais: www.ibge.gov.br BNDES, www.federativo.bndes.gov.br Banco Central do Brasil: www.bcb.gov.br Tribunal de Contas da União: www.tcu.gov.br Ministério do Planejamento: www.planejamento.gov.br Dados e pesquisas sociais e econômicas: www.ipea.gov.br

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APÊNDICE Determinação da Renda e Política Fiscal Na economia o debate sobre as condições de equilíbrio é um dos mais importantes. Os economistas buscaram sempre identificar quais as condições que favoreceriam o desenvolvimento econômico sem o desbalanceamento das principais variáveis macroeconômicas como a renda, o emprego, o gasto do governo, etc. Vamos analisar agora rapidamente que implicações este debate, de inspiração keynesiana, tem para nossa abordagem da economia do setor público, particularmente dos gastos públicos. O nível de equilíbrio da renda em uma economia fechada, sem transações com o exerior e sem governo (sem despesas, nem impostos do governo) seria a Demanda Agregada (DA), soma de todas as demandas individuais da economia, igualada às despesas de Consumo (C) e de investimento (I). DA = C + I A renda, Y, (“yield”, em inglês) é igual à soma de todas as despesas de consumo e poupanças (C + S). Estas relações são pressupostos do modelo de Keynes: toda renda é gasta ou em poupança, S, (“saving”, em inglês) ou consumo (C). Y = C + S A condição de equilíbrio do modelo keynesiano é que a renda seja igual à demanda agregada: Y = DA Y = C +I C + S = C + I S = I

Para a renda estar em equilibrio, a poupança planejada pelas famílias deve igualar as despesas de investimento planejado pelas empresas. Quanto ao nível de consumo, que é o maior componente da demanda, Keynes evidenciou a existência de uma “lei psicológica fundamental” que diz que à medida que a renda disponível das pessoas aumenta, o consumo também aumenta, mas a fração da renda destinada ao consumo diminui. A renda disponível é a parcela da renda nacional que efetivamente é canalizada para as famílias, depois da dedução de impostos e da adição das transferências. Esta renda é utilizada para o

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consumo ou poupança. Na primeira fase deste modelo,portanto, a renda disponível é igual à renda total. Imaginemos agora um nível de renda igual a 1.000 unidades monetárias e a despesa correspondente de consumo igual a 900 unidades monetárias. Denomina-se propensão média a consumir a relação entre C e Y (C/Y) que no nosso exemplo seria igual a C/Y = 900/1000 = 0,90.

Imaginemos agora que ocorra um aumento da renda de 100 unidades monetárias, os motivos não importam, pode ser um programa de renda mínima do governo ou a instalação de novas empresas. O consumo também cresceria, digamos, para 80 unidades monetárias. Denominamos propensão marginal a consumir a relação ∆ C / ∆ Y (variação do consumo dividido pela variação na renda). No exemplo seria 80/100 = 0,80. Isto significa que para cada acréscimo de uma unidade na renda, haverá simultaneamente um acréscimo de 0,8 unidades de consumo.

Observe o seguinte: a renda cresceu de 1000 para 1100 unidades monetárias enquanto o consumo cresceu de 900 para 980. A propensão média a consumir depois do aumento ficaria assim: C/Y = 980 / 100 = 0,89. A fração da renda destinada ao consumo caiu de 0,90 0,89 o que confirma a lei keynesiana. O consumo cresce menos do que proporcionalmente ao crescimento da renda.

A relação não proporcional entre renda e consumo pode ser representada pela equação:

C = Ca + c Y

Onde:

Ca = consumo autônomio em relação à renda, depende de outras variáveis como a taxa de juros, os costumes, a riqueza existente, etc.

cY = parte do consumo induzido pela renda, ou seja, “c” é a propensão marginal a consumir.

Geometricamente o consumo é uma função linear, uma reta:

Y1 Y2

C1

C2

C, consumo

Y, Renda

∆ C

∆ Y

C

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Se considerarmos uma função consumo do tipo: C = 100 + 0,8 Y O consumo autonomia é igual a 100 e a propensão marginal a consumir é igual a 0,8. Ao nível da renda igual a zero o consumo será 100. Qual seria o nível de renda que iguala o consumo ? Y = C Y = 100 +0,8Y Y – 0,8Y = 100 0,2Y = 100 Y = 500 Qual o nível de consumo, quando a renda é igual a 1.000 ? C = 100 + 0,8 . 1000 = 900 Se a renda não é toda consumida, o seu excesso é a fonte da poupança (S): S = Y – C A função-poupança tem origem na função-consumo vista anteriormente: S = Y – (Ca + cY) S = Y – Ca – cY S = - Ca + (1-c) Y S = Ca + sY A propenção marginal a poupar (o quanto é poupado de cada unidade a mais de renda) é dada por “s”. Se C = 100 + 0,8Y então S = -100 + 0,2Y Poderíamos perguntar: qual o nível de poupança que a sociedade precisa fazer para uma renda equivalente a 1.500 unidades monetárias ? S= -100 + 0,2 . 1500 = -100 + 300 = 200 O segundo componente da Demanda Agregada é a demanda de investimento, definido como o dispêndio com a aquisição de máquinas e outros equipamentos (chamados de bens de capital). Estes produtos resultam em maior capacidade de produzir outros produtos. Em primeiro lugar devemos considerar que uma parte do investimento (I) é autônomo em relação à renda (Y), isto é, depende de outros fatores para ocorrer, que não a renda. Se Y = DA e Y = C+ I então:

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Y = Ca + cY + Ia Y – cY = Ca + Ia Y (1-c) = Ca + Ia Y = (Ca + Ia) . (1/1-c) Considerando que a função consumo é C = 100 +0,8Y e I = 30, qual seria a renda de equilíbrio ? Y = (100 +30) . (1/1-0,8) = 130 . 5 = 650 O valor de 650 significa que a renda e a demanda agregada se igualam neste valor: C = 100 + 0,8.650 = 620 I = 30 C + I = 620 + 30 = 650 O que ocorreria na economia se a renda fosse maior do que o nível e equilíbrio ? Quando a renda for igual a 1.000 unidades monetárias a demanda agregada será: C + I = 100 + 0,8. 1000 + 30 = 930 A demanda agregada será 930, portanto insuficiente para absorver toda a produção de 1.000 (Produção = Renda). O excesso produzido de 70 unidades monetárias constitui uma variação de estoques ou seja um investimento não planejado pelas empresas. Por isso a produção vai cair até atingir o ponto de equilíbrio em 650 u.m. Como a poupança vai exceder o investimento planejado de 70 (100 – 30 = 70), então temos: S = Ip + Inp 100 = 30 + 70 Ip = Investimento planejado Inp = Investimento não – planejado A renda está em equilíbrio quando o investimento não planejado é nulo, ou sjea quando a poupança iguala o investimento planejado que o nosso investimento autônomo (S = I). Podemos mais uma vez, calcular a renda de equilíbrio: S = I -100 +0,2Y = 30 0,2Y = 130 Y = 650

650

30

500

Investimento

S,I

Y, Renda

Poupança

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Se o investimento também depender da renda (I = Ia + eY), onde “e” é a propensão marginal a investir e “Ia”,o investimento autônomo. Neste caso o investimento deve crescer na medida que a renda cresce, mais renda, mais investimento. Por exemplo, vamos retomar nossas funções de exemplo: S = -100 + 0,2Y I = 30 +0,1Y A renda de equilíbrio corresponde à igualdade entre poupança e investimento. Então o cálculo seria: S = I - 100 + 0,2Y = 30 + 0,1Y 0,1Y = 130 Y = 1300 Observe que enquanto a poupança é uma função da renda disponível, o investimento é uma função da renda nacional. Keynes afirmou que a insuficiência da demanda poderia diminuir se o consumo aumentasse (o que depende de um aumento da renda disponível), ou aumentassem os investimentos, que por sua vez, dependem da expectativa dos empresários sobre o futuro. Se aumentam os investimentos, aumenta a demanda agregada, gerando mais renda e empregos. Ou seja, dado um nível de variação do investimento, a renda vai variar mais que proporcionalmente. Isto acontece pelo simples fato de que ao fazer investimentos os empresários (ou o governo) compra mais máquinas e equipamentos, aquecendo a indústria de bens de capital. Esta indústria ao produzir gera por sua vez mais renda e mais consumo. Este é o conceito de “multiplicador keynesiano” ou multiplicador da renda. Vejamos matematicamente, se as empresas aumentarem o investimento para 50 (a posição inicial era 30): Função consumo: C = 100 + 0,8Y Investimento: I = 30 Renda de equilíbrio: Y = (Ca + Ia) x (1/1-c) = (100+50) . (1/1-0,8) = 750 A renda aumentou de 650 u.m. para 750 u.m., ou seja, aumentou cinco vezes mais que o aumento de investimento (∆I = 20 e ∆ = 100). A intensidade do aumento da renda provocado pelo aumento do investimento vai depender da propensão marginal a consumir (neste exemplo é de 0,8). Quanto maior for a propensão a consumir, maior será o efeito multiplicador sobre a renda. Agora estamos prontos para introduzir o governo no nosso modelo, o governo entra com gastos (G) e com tributos (T), a renda das famílias será composta assim: Y = C + S + T

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Os tributos representam um vazamento da renda, ou seja, uma parte da renda que não é destinada à demanda agregada (consumo ou poupança), mas os gastos do governo representam um injeção de recursos na economia porque quando o governo gasta ele compra mais bens e serviços, aumenta a demanda agregada: DA = C + I + G A renda nacional de equilíbrio ficaria então Y = DA C + S + T = C + I G Eliminando os termos iguais (C) dos dois lados da igualdade: S + T = I + G ou I = S + T – G (o investimento é igual a poupança privada mais a poupança do governo). Esta equação mostra que a renda está em equilíbrio quando o total de injeções se iguala ao total de vazamentos e é uma das identidades keynesianas básicas para entender como funciona a economia. Foge ao escopo deste livro aprofundar mais este modelo. Entretanto, destas equações básicas podemos deduzir gastos autônomos e multiplicadores para G e para T, do mesmo modo como fizemos para as outras variáveis. Podemos também acrescentar os efeitos das transferências que vão aumentar a renda disponível. Teríamos assim as seguintes equações: 1º modelo fiscal: os tributos também são considerados autônomos da renda. Y = (Ca – cTa + Ia + Ga). ( 1 / 1-c) [cTa, tributos autônomos, diminuem a renda ] 2º modelo fiscal: são consideradas as transferências como componente autônomo da renda. Y = (Ca – cTa + cRa + Ia + Ga). (1 /1-c) [ cRa, transferências autônomas, somam à renda] 3º modelo fiscal: as receitas do governo são também induzidas pela renda Y = (Ca – cTa + cRa + Ia + Ga). 1 / (1 – c +t) Onde “t” é a propensão marginal a tributar. Se considerarmos que a economia se relaciona com o mundo, então temos que as exportações representam uma injeção na renda e que as importações representam um vazamento pois criam renda e emprego no exterior. O Modelo ficaria assim: Y = C + I + G + X – M [ X, exportações e M, importações]

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Ou (S-I) + (T-G) = (X-M) Se ocorrer um superavit externo (X-M)>0 significa que o setor privado (S-I) ou o governo (T-G) estão com superavit. Se ocorrer um déficit (X-M) < 0 então o setor privado deve financiar este déficit (S) ou o governo (T). Se houver déficit no setor privado (I>S) então deve-se “importar” poupança externa. A teoria keynesina nos diz que os gastos e impostos governamentais tem um papel importante na estabilização da economia, sobretudo em épocas de crise. A insuficiência de demanda agregada deveria ser assim, corrigida pela elevação dos gastos do governo. A redução dos impostos também provoca o mesmo efeito. Se a economia estiver muito aquecida o efeito é contra-cíclico, ou seja, aumentos de preços podem ser combatidos com diminuição de gastos e aumento de impostos. A análise mais detalhada das relações entre política monetária (L, demanda de moeda e M, oferta de moeda) com a política fiscal (I, investimento e S, poupança) é dada pelo modelo conhecido como “IS-LM”. Uma política monetária é o controle da moeda em suas diversas formas (depósitos nos bancos, em poder do público, no Banco Central, etc.), este controle depende basicamente da taxa de juro da economia, do nível de redesconto bancário (que define o quanto os bancos podem seguir emprestando de cada real que recebem como depósito) e do nível geral de atividades da economia. Por exemplo, uma queda nos juros pode estimular um aumento de demanda, quando o Banco Central compra títulos do governo ele injeta mais dinheiro na economia que assim fica aquecida. A política monetária pode ser expansionista (diminuir o desemprego, aquecer a economia) ou contracionista (diminuir preços e inflação). A política fiscal é a utilização da despesa ou receita do governo para expandir ou contrair a atividade econômica. O que o modelo nos diz é que as duas políticas, monetária e fiscal devem ser integrar pois a aplicação de uma delas pode resultar em efeitos não desejados na outra. Por exemplo, o Congresso Nacional decide aprovar um programa de investimentos em infraestrutura, pelo modelo IS-LM, isto deve aumentar a taxa de juros (maior nível de transação econômica deve provocar maior demanda por moeda, se a oferta monetária não cresce proporcionalmente, os juros sobem). Com os juros altos os investimentos ficam inibidos, os empresários preferem investir no mercado financeiro do que no setor produtivo. O governo decide aumentar os impostos, pelo modelo IS-LM a renda e os juros devem cair, para aumentar a renda o BACEN pode querer aumentar a quantidade de moeda em circulação (pol. monetária expansionista), mas tal política pode diminuir a taxa de juros a tal ponto que desestimule a poupança .

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A seguir é apresentada uma tabela-síntese dos principais efeitos de uma política monetária e uma política fiscal sobre o PIB, a inflação, a demanda agregada, o déficit publico e a taxa de juros, com os respectivos instrumentos. O objetivo é demonstrar a profunda relação entre estas duas políticas.

Abordagem do Modelo IS – LM

Representação Gráfica do Modelo IS – LM: uma política fiscal expansionista desloca a curva IS para a direita aumentando a renda e os juros, uma política monetária expansionista desloca a curva LM para a direita, a renda sobe os juros (r) caem. Diz-se que IS é o mercado real e LM o mercado monetário. A eficácia da política monetária e fiscal vão depender da elasticidade (sensibilidade) das curvas em relação à taxa de juros (r).

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NOTAS 1 Situação de máxima satisfação dos consumidores e de eficiência produtiva, ninguém pode melhorar de posição sem piorar a dos demais, ver capitulo sobre as falhas de mercado. 2 Alguns exemplos são o Plano SALTE (1948), o Plano Trienal (1963) e os PNDs (1972 e 1974). 3 Nunes (op.cit.) denomina de “insulamento burocrático” o processo de proteção do núcleo técnico do Estado contra as interferências externas (dos atores políticos, p.ex.). A informação é super-valorizada, o ambiente de trabalho é complexo e a “arena” de disputas e acesso das demandas populares é controlada. O insulamento burocrático associado ao “ universalismo de procedimentos” seriam o contrapeso para outras duas “gramáticas” do Estado brasileiro, o clientelismo e o corporativismo. 4 Uma tentativa de mudança e inovaç metodológica no planejamento urbano pode ser encontrada no Planejamento Estratégico de Cidades (PEC), originado da experiência de Barcelona (1.988) e divulgado pelo Centro Iberoamericano de Desarrollo Estratégico Urbano (CIDEU), criado em 1.993. Ele incorpora a idéia da abordagem sistêmica, da negociação com atores sociais, da participação, e de categorias de planejamento mais modernas: o marketing urbano, a atração de investimentos, do empreendedorismo urbano, a participação, redes locais, etc. 5 Os precedentes do PPA podem ser encontrados no Orçamento Plurianual de Investimentos (Lei 4.320/64 e Constituição de 1967), vigorou até que a inflação nos anos oitenta neutralizasse qualquer capacidade de orientação e integração entre plano e orçamento público. O PPA é maior instrumento de planejamento governamental, previsto pela Constituição Federal (artigos 195 a 167 ), prevê diretrizes, objetivos e metas da administração pública para despesas de capital e outras delas decorrentes e para despesas relativas aos programas de duração continuada, trabalha com prazo de quatro anos. 6 Pode-se consultar para maiores detalhes: “Manual de Elaboração e Gestão” e “Procedimento para Elaboração de Programas”, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégica, Ministério do Orçamento e Gestão, Brasília, 1.999. 7 Coutinho Garcia (op. cit.) apesar de elogiar os avanços obtidos aponta algumas falhas deste processo: condicionamento negativo do inventário de obras pré-existentes no início da elaboração do PPA, indefinição sobre o conceito de “problema”, viés fiscalista ao condicionar as dotações iniciais à média das executadas em anos anteriores, não apropriação específica das despesas administrativas às atividades-fins e problemas no uso de indicadores. 8 Para uma descrição maior da problemática espacial-regional envolvida no estudo consultar o artigo de Bianca Nasser, “Economia Regional, desigualdade no Brasil e o Estudo dos Eixos Nacionais de Desenvolvimento” in Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, 2.000. 9 A Lei de Diretrizes Orçamentárias é o instrumento de planejamento que estabelece as metas e prioridades da administração, orienta a elaboração da lei orçamentária anual e dispões sobre as alterações na legislação tributária. 10 Há um conjunto de questões em debate sobre a tramitação do PPA no Congresso Nacional como o funcionamento e composição da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (63 Deputados Federais e 21 Senadores), as implicações do bicameralismo, a problemático mecanismo de emendas individuais ao orçamento anual, as transferências voluntárias para Estados e Municípios, etc... Uma boa argumentação sobre estes temas pode ser encontrada em Santa Helena, E. “O processo de alocação dos recursos federais pelo Congresso Nacional”, 2006, disponível em www.jus.com.br. 11 Para aprofundar o conhecimento do “Sistema de Metas Presidenciais” (baseado no sistema SIGOB, indicado pelo PNUD), recomenda-se a leitura dos seguintes artigos: DE TONI, J. “Planejamento e Monitoramento de Ações Estratégicas - A Experiência do Governo Lula no Brasil” (2004), anais do IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, Espana e Nader, R. (2005) “A avaliação como ferramenta para uma gestão pública orientada para resultados” CLAD, Caracas (www.clad.org.ve).

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12 Além das diretrizes estratégicas do PPA, durante o Governo Lula 2003-2006 o governo lançou a “Agenda Nacional de Desenvolvimento” do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e o projeto “Brasil em Três Tempos” do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (informações disponíveis em www.planalto.gov.br) 13 Maiores informações sobre o “Programa de Aceleração do Crescimento” (PAC) estão no site www.brasil.gov.br/pac/ 14 Conforme observa a Lei das PPPs no inciso IV do artigo 4º, na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: 1) eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; 2) respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; 3) indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; 4) responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; 5) transparência dos procedimentos e das decisões; 6) repartição objetiva de riscos entre as partes; 7) sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.