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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    INSTITUTO DE ECONOMIA

    EDUARDO ALBERTO CRESPO

    Separao preos-quantidades na Teoria Clssica dos

    Preos e da Distribuio

    RIO DE JANEIRO, 2008

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    Eduardo Alberto Crespo

    Separao preos-quantidades na Teoria Clssica dos

    Preos e da Distribuio

    Dissertao submetida ao Instituto de

    Economia da Universidade Federal

    do Rio de Janeiro como parte dos

    requisitos necessrios obteno do

    ttulo de Mestre em Cincias

    Econmicas

    Orientador: Fabio Neves Percio de Freitas

    RIO DE JANEIRO, 2008.

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    EDUARDO ALBERTO CRESPO

    Separao preos-quantidades na Teoria Clssica dos

    Preos e da Distribuio

    Dissertao submetida ao Instituto de

    Economia da Universidade Federal

    do Rio de Janeiro como parte dos

    requisitos necessrios obteno do

    ttulo de Mestre em Cincias

    Econmicas

    Aprovada por:

    _________________________________________Fabio Neves Percio de Freitas (UFRJ, orientador)

    _________________________________________Franklin Leon Peres Serrano (UFRJ)

    _________________________________________Antonio Henrique Pinheiro Silveira (UFBA)

    RIO DE JANEIRO

    25 de Janeiro de 2008

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    A Gachi y a Facu

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    AGRADECIMENTOS

    Quem tem uma formao em uma tradio econmica essencialmente ortodoxa, como

    o meu caso, normalmente acha muito difcil colocar em discusso fatos aparentemente

    bvios e naturais como as conhecidas curvas de oferta e demanda. Por este motivo, esta

    dissertao o resultado de um longo processo marcado pelas duvidas, as discusses, e,

    fundamentalmente, pela tarefa de deslindar caminhos percorridos na procura do auto-

    esclarecimento.

    Os primeiros passos foram dados em Buenos Aires, quando a procura por coerncia no

    contexto da abordagem clssico-marxista tradicional sobre os preos de produo, me levou

    ao encontro de economistas clssicos contemporneos. Neste caminho encontrei um colega

    que, no estudo destes temas se encontrava bem mais adiantado do que eu: Alejandro Fiorito.

    A ele quero agradecer a sua disposio e pacincia por compartilhar bibliografia, discutir

    idias (s vezes em forma apaixonada) e conhecimentos. Tambm quero agradecer a Eduardo

    Gorosito, quem naquela poca ofereceu-me a possibilidade de organizar cursos sobre a teoria

    clssica contempornea na UNLU (Universidad Nacional de Lujn).

    Este processo continuou com a realizao de umFellowship em Roma financiado por

    uma bolsa do Centro di Ricerche, Studi e Documentazione Piero Sraffa. Foi em Roma onde

    apareceram as particulares perguntas e duvidas que anos depois me induziram a fazer esta

    dissertao. Por isso quero agradecer a todos os membros do Centro Sraffa, especialmente a

    Pierangelo Garegnani, Roberto Ciccone e Antonella Stirati pelos seus ensinos, discusses e

    vontade de transmitir seus bastos conhecimentos nestes assuntos.

    Como parte da minha estadia em Itlia, tambm desejo agradecer as discusses e

    perguntas sempre estimulantes, realizadas durante longas caminhadas noturnas em Roma e

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    nossa viajem compartilhada a Npoles, dos colegas Andrs Lazzarini e Fabio Anderaos de

    Arajo com quem estudei no Centro Sraffa.

    Um lugar especial nos agradecimentos cabe a Franklin Serrano. Primeiro, por me

    sugerir continuar os meus estudos na UFRJ do Rio de Janeiro. Segundo, porque ele, como

    verdadeiro co-orientador desta dissertao, acompanhou sua elaborao com criticas sempre

    inteligentes, sugestes de bibliografia permanentes, uma completa compreenso dos

    problemas discutidos, e, fundamentalmente, permitiu-me melhorar as perguntas s quais este

    trabalho devia responder.

    Tambm quero agradecer notadamente a meu orientador, Fabio Freitas, um verdadeiro

    apaixonado pelo estudo da economia quem sempre se mostrou disposto a compartilhar a sua

    enorme erudio todo o tempo em que eu o precisei. Ele tambm me ajudou a clarificar as

    perguntas e a aperfeioar as respostas deste trabalho.

    A redao final desta dissertao coincidiu com numerosas discusses e trocas de

    opinies, sobre temas prximos aos discutidos nela, realizados simultaneamente com vrios

    colegas. Estes intercmbios obrigaram-me a colocar por escrito e esclarecer muitas idias que

    na minha cabea encontravam-se bem mais confusas. Por isso gostaria de agradecer

    especialmente as conversas com Fabin Amico do Grupo Lujn, Florencia Mdici, Ariel

    Dvoskin, Emmanuel Alvarez Agis da UBA e a Marcus Cardoso Santiago da UFRJ.

    Tambm devo um lugar especial de reconhecimento a minha falecida madrinha

    Noema, quem me ajudou em termos financeiros para vir estudar no Rio de Janeiro. A ela

    estarei sempre agradecido. Ao mesmo tempo quero agradecer a Sarah Melin por sua gentileza

    ao passar para o portugus varias expresses de meu portunhol.

    Finalmente, esta dissertao est dedicada a Gachi e a Facu. A Gachi por ter me

    estimulado a continuar meus estudos em Rio de Janeiro, alem da sua presena, compreenso e

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    ajuda contnuos. Sem ela nada poderia ter sido feito. E a Facu por os meses passados longe da

    famlia em Buenos Aires e especialmente por meu tempo roubado a ele.

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    RESUMO

    CRESPO, Eduardo Alberto. Separao preos-quantidades na Teoria Clssica dos Preos e

    da Distribuio. Dissertao (Mestrado em Economia) Instituto de Economia,

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

    A presente dissertao discute a separao do estudo de preos e quantidades na teoria depreos normais proposta pelos autores clssicos contemporneos. Em particular, apresentam-se os principais debates em relao ao tratamento seqencial ou iterado da relao preo-quantidade, oferecido pela abordagem clssica em contraposio s tpicas funes de oferta edemanda do marginalismo. Neste contexto, discute-se o papel dos retornos variveis de escalae das demandas setoriais. Por sua vez, apresentam-se as principais controvrsias sobre osignificado e a relevncia do principio de persistncia das variveis explicativasintermedirias. Finalmente, se discute a relevncia do mtodo de longo prazo comoferramenta para a anlise das mudanas que afetam as variveis intermediariam.

    PALAVRAS CHAVES: Teoria Clssica, Abordagem do Excedente, Retornos de Escala

    Variveis, Persistncia, Mtodo de Longo Prazo, Sraffa, Garegnani.

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    ABSTRACT

    CRESPO, Eduardo Alberto. Separao preos-quantidades na Teoria Clssica dos

    Preos e da Distribuio. Dissertao (Mestrado em Economia) Instituto de Economia,

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

    This dissertation discusses the separation in studding prices and quantities presented by thesurplus approach theory of normal prices developed by contemporary classical authors. In

    particular, we present the main debates on the sequential or iterated treatment of the price-quantity relation offered by the classical approach in opposition to the typical supply and

    demand functions of marginalism. In this context, it is discussed the role of variable returns ofscale and sectoral demands. In addition, we present the main controversies on the meaningand relevance of the principle of persistence of the explicative-intermediate data of thetheories. Finally, we consider the relevance of the long-period method as a tool of studdingchanges of intermediate data.

    KEYWORDS: Classical Theory, Surplus Approach, Variable Returns of Scale, Persistence,

    Long-period Method, Sraffa, Garegnani.

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    SUMRIO

    INTRODUO.........................................................................................................12

    1. ESTRUTURA TERICA CLSSICA ..............................................................16

    1.1. Uma teoria de preos fundada em magnitudes observveis............. ........... .....161.2. Excedente e Preos na Abordagem Clssica ...................................................181.3. Variveis explicativas da teoria clssica de preos: dois ou trs? ....................221.4. Abordagem clssica: uma teoria ou vrias teorias? .........................................251.5. Tcnicas dominantes ......................................................................................27

    2. CONTROVRSIAS COM AUTORES MARGINALISTAS............................322.1. Retornos.........................................................................................................32

    2.1.1. Introduo discusso .........................................................................322.1.2. Retornos de escala e teoria clssica......................................................352.1.3. Lei de retornos? ..................................................................................... 382.1.4. Mudana ou progresso tcnico .............................................................412.1.5. Funo de produo geral ....................................................................452.1.6. O objetivismo clssico e a Comparao entre Tcnicas Contrafactuais.482.1.7. Marginalismo e Retornos Variveis .....................................................58

    2.1.7.1.Equilbrio Parcial e Retornos Variveis..........................................582.1.7.2.Equilbrio Geral e Retornos Variveis ..................... .......................61

    2.1.7.2.1. Retornos Constantes ...........................................................612.1.7.2.2. Retornos Crescentes ...........................................................632.2. Pleno emprego: a distribuio da renda no varivel de ajuste da

    teoria clssica dos preos normais ..................................................................672.3. A compatibilidade entre a teoria clssica dos preos normais com

    diferentes teorias sobre a determinao das quantidades.................................782.4. Condies necessrias para a determinao conjunta de preos e

    quantidades ....................................................................................................842.5. Concluso do capitulo ....................................................................................86

    3. SOBRE A CONSTRUO POSITIVA DA TEORIA:O PREO NORMAL NA TEORIA CLSSICA...............................................89

    3.1. A Teoria Clssica dos Preos e as Diferentes Regras deRepartio do Excedente ................................................................................89

    3.2. Concorrncia e Determinao dos Preos Normais na Abordagem Clssica ...943.2.1. Concorrncia Clssica versus Concorrncia Perfeita........................1003.2.2. Concorrncia como forma objetiva ....................................................1033.2.3. Concorrncia vertical versus concorrncia horizontal....................105

    3.3.Effectual Demands e Gravitao...................................................................1113.3.1. Conceito geral de gravitao..............................................................1113.3.2. Conceito geral de effectual demand....................................................116

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    3.4. A Polmica sobre os Mtodos Estticos e Dinmicos ...................................1213.5. Efeitos Primrios e secundrios das mudanas......................... .....................1233.6. Persistncia e Mtodo de Longo prazo na analise de mudanas ....................131

    3.6.1. Persistncia temporal .........................................................................1333.6.2. Persistncia Causal ............................................................................134

    3.6.3. O suposto da persistncia na teoria de preos .....................................1353.7. Sobre formas alternativas de considerar a demanda na abordagem Clssica..1423.8. O mtodo de longo prazo: uma ferramenta para a anlise de mudanas ........149

    4. DEBATES ENTRE AUTORES CLSSICOS CONTEMPORNEOS .........159

    4.1. Variveis explicativas da teoria de preos: a Fotografia de Roncagliaou as posies normais de Garegnani?..........................................................159

    4.2. O debate sobre o Ncleo...............................................................................1644.3. Debates sobre a Gravitao dos Preos de Marcado para

    os Preos Normais........................................................................................1654.3.1. O Mtodo de longo prazo e as mudanas tcnicas:

    o debate entre Cesaratto e Nell ..............................................................1654.3.2. Os ajustes dependem das condies presentes, passadas ou futuras?

    O debate entre Robinson e Garegnani....................................................1674.3.3. Nistic, DOrlando e Lisboa:feedbacks entre preos de mercado

    e preos normais e a sugesto de determinar as demandas comovariveis endgenas da teoria de preos.................................................171

    CONCLUSO.........................................................................................................180

    REFERNCIAS......................................................................................................186

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    INTRODUO

    Esta dissertao prope-se explicar os motivos pelos quais a teoria clssica dos preos

    normais (PN) 1 explica em forma separada os processos de determinao dos preos, por uma

    parte, e das quantidades produzidas e demandadas, por outra. A anlise se baseia em

    particular na verso moderna desta teoria formulada por Piero Sraffa e Pierangelo Garegnani.

    A separao realizada pelos autores clssicos implica o uso duma anlise de carter

    parcial na qual a teoria isola algumas variveis e as explica em contextos analticos diferentes.

    Na abordagem marginalista do equilbrio geral, pelo contrrio, a relao preo-quantidade

    analisada de maneira conjunta. Neste contexto terico, as variveis independentes ou

    explicativas da teoria determinam as posies normais, ou de equilbrio, de todas variveis

    econmicas fundamentais, i.e., os preos e as quantidades demandadas e oferecidas de bens e

    fatores de produo (Arrow e Hahn 1971, Bliss 1975, Garegnani 1960, Hahn 1982).

    A separao defendida por autores clssicos tem sido objeto de um prolongado debate

    caracterizado pela incompreenso dos fundamentos da teoria clssica e de suas particulares

    diferenas com relao ao marginalismo dominante. Um dos escopos deste trabalho explicar

    estas diferenas e clarificar seus fundamentos. Por sua vez, importante ressaltar que a teoria

    clssica realiza uma anlise de tipo geral ou de conjunto quando analisa as relaes preo-

    preo e preo-distribuio da renda. Para os autores clssicos contemporneos os preos

    relativos e a distribuio tm que ser compatveis e simultaneamente determinveis.

    Apresentando o argumento em forma simblica, quando dado, por exemplo, o salrio real, e

    uma vez conhecida a tcnica dominante, temos uma relao do seguinte tipo:

    1 Neste trabalho, seguindo a Sraffa (1960), usaremos a expresso preos normais como sinnimo de preosnaturais, de produo ou de longo prazo. So os preos que tm tendncia a prevalecer em condies deconcorrncia, quando opera a livre entrada e sada de capitais. As mercadorias vendidas a estes preos geramuma taxa de lucro uniforme.

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    Pi Pj ... Pn r

    Onde a sucesso Pi, Pj,..., Pn representa os PN das mercadorias i, j,... n e r a taxa de

    lucro normal2. Em outras palavras, todos os preos so determinados em forma conjunta com

    a taxa de lucro normal. Entretanto, a relao preo-quantidade estudada por separado,

    mesmo quando no se assume nem se pressupe que ambas variveis sejam independentes.

    Para a teoria marginalista tradicional, pelo contrario, a relao preo-quantidade poder-se-ia

    representar em termos simblicos desta forma:

    P Q

    Onde P o conjunto dos PN e Q o conjunto das quantidades (Garegnani, 1976 e

    Petri, 2004). A anlise que desenvolve a teoria clssica neste caso de tipo parcial o

    sucessivo e no geral ou de conjunto. Em termos simblicos:

    1) P Q ou

    2) Q P este segundo caso s tem relevncia quando a mudana das quantidades (Q)

    afeta a seleo das tcnicas ou o valor da varivel distributiva independente. Caso contrrio,

    as mudanas das quantidades no afetam a determinao dos PN. O estudo desta relao na

    abordagem clssica de tipo iterado e no simultneo (Garegnani, 1990b; Schefold, 1990).

    Em smbolos:

    P1 Q1 P2 Q2 ... Pn Qn

    2 Para mais detalhes, ver as sees 1.2 e 1.3 do capitulo 1.

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    Onde as sucesses P1, P2,..., Pn e Q1, Q2,..., Qn representam os preos e quantidades

    normais (Qn). Neste caso, as sucesses representam as possveis modificaes das variveis

    explicativas dos preos, i.e., as tcnicas produtivas ou a varivel distributiva independente,

    diante das mudanas das quantidades.

    No estudo dos PN, a abordagem clssica utiliza o chamado mtodo de longo prazo.

    Como ser explicado mais a frente, o critrio principal para o uso deste mtodo o suposto

    emprico da persistncia relativa das variveis intermediarias ou explicativas (Garegnani

    1976, 1984, 1990b, 1990c, 1994). A relevncia do suposto de persistncia decorre do seguinte

    fato: os PN deveriam ser os centros de gravidade dos preos efetivos ou de mercado (PM),

    i.e., no longo prazo, a direo da mudana da mdia dos PM deveria coincidir com a direo

    da mudana dos PN.

    O suposto de persistncia implica que as mudanas dos fatores que a teoria escolhe

    como dados da anlise - a varivel distributiva e a tcnica dominante - sejam

    sistematicamente mais lentas que as mudanas acidentais, e no consideradas pela teoria, que

    afetam a determinao dos PM. Procurar-se- demonstrar que este suposto sobre as

    velocidades das mudanas respectivas o que permite falar da gravitao dos PM para os PN

    (Garegnani 1984, 1990c e 1994).

    No capitulo 1 se apresentar a estrutura bsica da teoria clssica do excedente. No

    capitulo 2 sero discutidas algumas controvrsias entre autores clssicos e marginalistas. Em

    particular o papel dos retornos de escala e a relevncia da hiptese de plena ocupao para

    ambas as abordagens. O captulo 3 discutir alguns aspectos referentes construo positiva

    da teoria. Tambm se realiza uma breve apresentao do tratamento das demandas setoriais

    pela abordagem clssica e consideram-se algumas opes para desenvolvimentos futuros da

    relao preo-quantidade. O captulo 4 apresentar algumas discusses entre autores clssicos

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    referentes separao preo-quantidade e relevncia da anlise clssica dos preos. Em

    seguida se faz uma concluso e finalmente se apresentam as referncias bibliogrficas.

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    1. ESTRUTURA TERICA CLSSICA

    1.1. Uma teoria de preos fundada em magnitudes observveis

    Desde suas origens na obra de William Petty, o pensamento clssico sempre procurou

    explicar os fenmenos econmicos, em particular os preos e a distribuio da renda, partindo

    das condies tcnicas de produo. Neste contexto, um dos critrios metodolgicos que

    sempre guiaram estes estudos a distino entre magnitudes efetivas ou de mercado, por

    uma parte, e magnitudes naturais ou PN, por outra. Assim, a teoria sempre tem procurado

    separar as influncias transitrias e acidentais, daquelas que so sistemticas ou estruturais

    (Kurz 2006). As segundas tm que se caracterizar por serem passveis de observao, como

    ocorre com as tcnicas em uso e as variveis distributivas no marco especfico da teoria dos

    preos. Esta viso objetivista do pensamento clssico tem sua primeira grande expresso nas

    seguintes palavras de William Petty:

    The Method I take to do this, is not yet very usual; for instead of usingonly comparative and superlative Words, and intellectual Arguments, I havetaken the course (as a Specimen of the Political Arithmetick I have longaimed at) to express my self in Terms of Number, Weight, or Measure; touse only Arguments of Sense, and to consider only such Causes, as havevisible Foundations in Nature; leaving those that depend upon the mutableMinds, Opinions, Appetites, and Passions of particular Men, to theConsideration of others: Really professing my self as unable to speaksatisfactorily upon those Grounds (if they may be call'd Grounds), as to

    foretel the cast of a Dye; to play well at Tennis, Billiards, or Bowles,(without long pradice,) by virtue of the most elaborate Conceptions that everhave been written De Projectilibus & Missilibus, or of the Angles ofIncidence and Reflection. (Petty, 1690).

    Para Petty, e tambm para Quesnay, Cantillon e logo Smith, Ricardo e Marx, o

    processo produtivo tem a forma dum fluxo circular onde as mercadorias so produzidas por

    meio de mercadorias. Este ponto de vista se contrape concepo marginalista, para a qual,

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    segundo Sraffa (1960), o processo produtivo se apresenta como uma avenida unidirecional

    que leva dos Fatores de produo aos Bens de consumo 3.

    Assim, os primeiros autores clssicos interpretavam os preos a partir dos custos

    reais o fsicos de produo, definidos como todos aqueles meios de produo e de

    subsistncia necessrios para a manuteno dos trabalhadores - utilizados o destrudos

    durante o processo produtivo. Esta forma de entender os preos tambm est em

    contraposio viso marginalista, a qual introduz noes de carter subjetivo ou de custos

    psquicos, como utilidade, desutilidade, abstinncia, espera, etc. (Kurz 2006).

    Para a viso clssica fundada por Petty, se no existisse um excedente, seja na forma

    de lucros, rendas ou juros, o preo dum determinado produto coincidiria com o valor de todas

    as mercadorias consumidas na sua elaborao. Contudo, dado que as mercadorias consumidas

    e utilizadas nas atividades produtivas so heterogneas, para medir o excedente se precisa

    conhecer os preos relativos das mercadorias. Assim, esta viso corre o risco de raciocinar em

    crculo, j que parece explicar preos por meio de preos. Segundo Kurz (2006), os autores

    clssicos procuraram resolver o problema da heterogeneidade das mercadorias apelando a

    uma medida ltima do valor, a alguma coisa que todas as mercadorias tivessem em comum,

    de forma que o valor particular de cada uma delas pudesse se comparar com dita medida.

    Petty (1690) sugeriu o uso dos meios de subsistncia dos trabalhadores, em particular

    a comida (food), como o padro de comparao do valor de qualquer outra mercadoria.

    Assim, cada mercadoria poderia, em ltima instancia, se reduzir a certa quantidade de comida,

    i.e., a requerida direta ou indiretamente, para a manuteno dos trabalhadores que participam

    da sua produo. Ricardo (1917), por sua vez, observa que o trabalho participa na produo

    de todas as mercadorias reproduzveis. Assim, a quantidade de trabalho pode ser considerada

    como a fonte de valor de troca. Na sua verso mais simples, a teoria do valor-trabalho

    3 It is of course in Quesnays Tableau Economique that is found the original picture of the system of productionand consumption as a circular process, and it stands in striking contrast to the view presented by modern theory,of a one-way avenue that leads from Factors of production to Consumption goods (Sraffa, 1960; p.93).

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    estabelece que o valor de troca das mercadorias se determina pelas quantidades relativas de

    trabalho que normalmente so gastos na produo de cada uma delas.

    A teoria do valor-trabalho na sua verso mais crua, como claramente o reconhecia

    Ricardo e, sobretudo, Marx, no pode explicar corretamente os preos relativos quando na

    produo das distintas mercadorias, diferem as propores entre trabalhos diretos e indiretos.

    No entanto, este problema no insolvel no marco clssico. Como se deduz das obras de

    vrios autores posteriores de inspirao clssica como Dmitriev, Bortkiewicz, Charasoff, Von

    Neumann, Leontief e Sraffa, o problema principal dos primeiros autores clssicos pode se

    resumir na sua carncia de alguns instrumentos matemticos para deduzir um sistema de

    preos normal partindo dum conjunto heterogneo de mercadorias. Dito sistema de preos,

    baseado em custos reais ou fsicos de produo, nos termos sugeridos inicialmente por Petty,

    pode se representar como um sistema de equaes simultneas. Assim, a riqueza se apresenta

    como um fluxo circular, o qual pode gerar um excedente por acima dos custos reais de

    produo.

    1.2. Excedente e Preos na Teoria Clssica

    Nesta seo veremos primeiro de forma esquemtica o modo como pode ser

    concebido o excedente quando a produo no realizada para o mercado. A seguir se

    apresentar a determinao do excedente quando ele produzido para o mercado e se troca

    em relao a um preo. Embora o raciocnio esteja baseado em Sraffa (1960), alguns

    elementos da anlise se acham em outros autores clssicos como Dmitriev (1904),

    Bortkiewicz (1907), Charasoff (1909, 1910), Leontief (1928 e 1953) e Von Neumann (1945).

    De qualquer processo produtivo, considerado genericamente, se poderia deduzir um

    excedente em termos fsicos da seguinte forma:

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    (1) PT ENPT = Ex

    Onde PT o produto total; ENPT os elementos necessrios para gerar o produto total

    e Ex o excedente. Contudo, como cada produto heterogneo em termos fsicos, existe

    excedentes heterogneos por cada produto:

    (2) q1 (q11 + q21 +... + qn1) = ex1

    q2 (q12 + q22 +... + qn2) = ex2

    qn (q1n + q2n +... + qnn) = exn

    Onde q1, q2,..., qn so os produtos finais 1, 2,..., n; q11, q12,..., qnn os insumos

    necessrios para a produo final; ex1, ex2,..., exn os excedentes dos produtos 1, 2,..., n. Aqui a

    tcnica em uso se define pela relao entre as quantidades produzidas: q 1, q2,..., qn e os

    insumos necessrios para produzi-las: q11, q12,..., qnn. Dita relao determina um excedente

    definvel em termos fsicos: ex1, ex2,..., exn;

    No entanto, quando a produo se faz para o mercado e os produtos so trocados sobre

    a base de preos, cada processo produtivo se apresenta separado dos outros e o excedente, na

    prtica, no pode ser visto em termos fsicos, ou por produtos, como acima. Ele se apresenta

    como a diferena em valor monetrio entre os produtos e insumos heterogneos dos distintos

    setores produtivos. Contudo, neste caso, o excedente no se pode analisar com abstrao dos

    preos relativos. Vejamos o assunto com mais detalhe:

    (3) p1.q1 (p1.q11 + p2.q12 + ... + pn.q1n) = ex1m

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    p2.q2 (p1.q21 + p2.q22 + ... + pn.q2n) = ex2m

    pn.qn (p1.qn1 + p2.qn2 + ... + pn.qnn) = exnm

    Onde os ex1m, ex2m,..., exnm so os excedentes expressos em alguma unidade de conta

    monetria. No contexto da troca, se no existir algum princpio ou tendncia que explique a

    determinao dos preos relativos: p1, p2,..., pn; impossvel explicar o motivo pelo qual o

    excedente se origina na produo e significa uma adio positiva de riqueza para a sociedade

    no seu conjunto. Alm disso, se no existir alguma regularidade na determinao dos preos

    relativos, a distribuio e a ampliao do excedente seriam processos difceis de compreender.

    Entretanto, a concorrncia sem barreiras entrada e sada poderia impor uma

    tendncia ao estabelecimento dum preo nico para cada produto homogneo e uma taxa de

    excedente uniforme (R) entre os diferentes capitais produtivos4. Assim, para uma tcnica

    dada, os preos efetivos deveriam tender ou gravitar em torno a preos relativos compatveis

    com uma taxa excedente uniformes. Neste caso, definido um numerrio, por exemplo, P1=1, a

    nica varivel que a teoria clssica precisa para a determinao dos PN, a tcnica vigente

    ou dominante5,j que o nmero de equaes igual ao nmero de incgnitas. Estabelece-se

    um sistema de equaes como o seguinte:

    (4) (p1.q11 + p2.q12 + ... + pn.q1n).(1 + R) = p1.q1

    (p1.q21 + p2.q22 + ... + pn.q2n).(1 + R) = p2.q2

    (p1.q

    n1+ p

    2.q

    n2+ ... + p

    n.q

    nn).(1 + R) = p

    n.q

    n

    Onde:

    4 A discusso sobre este ponto se desenvolve no capitulo 3. Nesta seo s procuramos mostrar que o princpiomaterial do excedente compatvel com os PN e uma taxa de lucro uniforme em condies de concorrncia.5 Sobre o conceito de tcnica dominante ver a seo 1.5 do captulo 1.

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    (p1.q11 + p2.q12 + ... + pn.q1n).R = ex1m

    (p1.q21 + p2.q22 + ... + pn.q2n).R = ex2m

    (p1.qn1 + p2.qn2 + ... + pn.qnn).R = exnm

    Contudo, at agora nesta apresentao o excedente no considerado um objeto de

    disputa entre classes ou setores da sociedade. Assim, os requerimentos de trabalho necessrios

    para a produo dos bens finais no aparecem explicitados. Esta possibilidade corresponderia

    ao caso em que os trabalhadores so simples meios de produo que recebem uma rao de

    subsistncia equivalente aos alimentos de animais utilizados em atividades produtivas. Se os

    trabalhadores fossem simples produtos reprodutveis - como na abordagem de Von Neumann

    (1945) - no participariam na repartio do excedente. Nesta situao, suas remuneraes

    aparecem simplesmente como preos de insumos necessrios na realizao do processo

    produtivo. Todavia, quando ao menos uma parte dos salrios participa do excedente, a tcnica

    no um dado suficiente para conhecer o valor dos preos relativos normais. Em outras

    palavras, se o salrio tem um componente varivel no alcana a tcnica dominante para

    determinar o conjunto dos PN e uma taxa de lucro uniforme (r), a qual j no equivale taxa

    excedente ou mxima de lucro (R). Ser preciso conhecer o valor da parte varivel do salrio6

    e deste modo o sistema de equaes seria:

    (5) (p1.q11 + p2.q12 + ... + pn.q1n).(1 + r) + w.L1 = p1.q1

    (p1.q

    21+ p

    2.q

    22+ ... + p

    n.q

    2n).(1 + r) + w.L

    2= p

    2.q

    2

    (p1.qn1 + p2.qn2 + ... + pn.qnn).(1 + r) + w.Ln = pn.qn

    6 Aqui possvel tambm supor simplesmente que a parte no varivel do salrio, i.e, a subsistncia, entra nasequaes como um simples insumo multiplicado pelo respectivo preo.

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    Onde w o salrio expresso na unidade de conta respectiva e L1, L2,..., Ln so os

    requerimentos de trabalho para a produo das mercadorias 1, 2,..., n, respectivamente.

    Assim, neste sistema, os PN e o valor da taxa de lucro uniforme, so determinados uma vez

    conhecidos dois dados fundamentais: a tcnica em uso ou dominante e o valor do salrio7. Em

    resumo, na determinao dos PN, a abordagem clssica parte dos seguintes dados8:

    i. A tcnica vigente ou dominante (T) 9.

    ii. O valor duma varivel distributiva independente, i.e., o salrio ou a taxa de lucro.

    Com estes dados se determina:

    iii. O conjunto dos PN.

    iv. O valor da varivel distributiva excedente10.

    1.3. Variveis independentes da teoria clssica de preos: dois ou trs?

    Mesmo que todos os autores clssicos reconheam que os PN estaro determinados

    toda vez que sejam conhecidas as variveis independentes indicadas na seo anterior, ainda

    subsiste certa ambigidade sobre a determinao do ncleo ou core da teoria clssica. Se o

    7 Nesta seo assumimos, para simplificar, que a regra de repartio do excedente a livre entrada e sada doscapitais e a conseguinte tendncia para o estabelecimento duma taxa de lucro uniforme. Assim, conhecida uma

    varivel distributiva independente e a tcnica dominante, os PN se deduzem em forma inequvoca e a soluo nica. Sobre a possibilidade de considerar outras regras de repartio do excedente, ver a seo 3.1 no capitulo 3.8 Disto no se deduz que todas as formulaes clssicas sejam iguais. Para alguns autores, como Ricardo e Marx,estas variveis aparecem na forma duma teoria do valor-trabalho, onde os preos so corrigidos de acordo s propores entre trabalhos diretos e indiretos. Assim, as quantidades relativas de trabalho so um dado queindica a tcnica em uso ou dominante e as proporciones entre trabalhos diretos e indiretos, ou composiesorgnicas (Marx, 1894, Vol. III), indicam a influncia da distribuio sobre os preos. Para outros autores,como o prprio Sraffa, estas variveis aparecem de um modo explcito.9 Sobre o conceito de tcnicas em uso e dominantes, ver a seo 1.5 do captulo 1.10 Nesta seo s estamos tratando a teoria clssica dos preos e no sobre aquilo que Garegnani (1984, 1987,1990) e a maioria dos autores clssicos, como Schefold (1988b) e Kurz e Salvadori (1995), denominam ncleoda teoria clssica. Sobre a diferena entre o ncleo e a teoria clssica de preos, ver a seo 1.3 do captulo 1.

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    ncleo se restringisse teoria de PN ou propriamente teoria do valor, conhecidas as

    variveis independentes indicadas, no se precisaria de nenhuma outra informao adicional.

    Contudo, a maioria dos autores clssicos contemporneos inclui a seleo de tcnicas

    dentro do ncleo da teoria. Deste modo, consideram as quantidades a produzir e suas

    composies setoriais respectivas, como variveis determinantes dos PN. Para Garegnani

    (1983a, 1984, 1987, 1990b), por exemplo, o ncleo da teoria clssica inclui os seguintes

    dados:

    (a) As tcnicas disponveis.

    (b) O valor duma varivel distributiva independente.

    (c) As quantidades a produzir e sua respectiva composio setorial.

    Para Kurz y Salvadori aparecem ainda outras variveis independentes:

    Notwithstanding several differences between different authors, in theinterpretation under consideration the classical economists and Ricardo canbe said to have approached the problem of value and distribution on the basisof the following givens:

    (R1) the set of technical alternatives available to cost-minimizing producers;

    (R2) the size and composition of the social product, reflecting the needs andwants of the different classes of society and the requirements of reproductionand capital accumulation;

    (R3) the ruling real wage rate for common labour; and

    (R4) the quantities of the different qualities of land available and the knownstocks of depletable resources, such as mineral deposits. Kurz e Salvadori,2002a)

    Deste modo, Garegnani, ao igual que Kurz e Salvadori, agregam outras variveis s

    apresentadas na seo anterior: os itens (e) de Garegnani e (R2) de Kurz e Salvadori, incluem

    as quantidades, e os itens (c) de Garegnani e (R1) de Kurz e Salvadori referem ao conjunto de

    tcnicas disponveis e no simplesmente a tcnica vigente ou dominante. Por outra parte, Kurz

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    e Salvadori incluem o estoque de recursos naturais (R4) o qual tambm considerado por

    Garegnani quando se levam em considerao os recursos no renovveis.

    Qual so os motivos destas diferenas? Se o ncleo da teoria clssica compreendesse

    s a determinao dos PN, a informao necessria e suficiente se limitaria s variveis i e ii

    indicadas acima. Contudo, Garegnani, assim como Kurz e Salvadori, estendem o ncleo da

    teoria alem dos PN e a determinao do valor da varivel distributiva excedente, incluindo

    toda concluso que seja ao mesmo tempo geral e quantitativa. Por este motivo, incluem entre

    as variveis independentes do ncleo as quantidades, sua composio e o conjunto de

    alternativas tcnicas disponvel.

    Em particular, os autores clssicos contemporneos incluem a seleo de tcnicas

    dentro do ncleo da teoria clssica. Isto significa que para determinado valor da varivel

    distributiva independente e determinados nveis e composies das quantidades lquidas11 a

    produzir, a seleo de tcnicas se estuda em forma conjunta com a teoria de preos. Deste

    modo, decidem incorporar as quantidades, sua composio e as alternativas tcnicas dentro do

    ncleo da teoria.

    Portanto, a teoria clssica de preos precisa de menos informao que o ncleo da

    teoria clssica em geral. Apesar disso, qualquer que for a extenso do ncleo da teoria, as

    quantidades influiro sobre os PN se e s se afetam o processo de seleo de tcnicas e/ou o

    valor da varivel distributiva independente. Se estas variveis no mudam diante de uma

    variao das quantidades, os PN tampouco variaro mesmo que sejam modificadas as

    quantidades ou suas composies. Assim, as quantidades, ao igual que a dotao de recursos

    naturais, s afeta a determinao dos PN se conseguem mudar as variveis independentes

    indicadas acima.

    11 A importncia de distinguir as quantidades lquidas das brutas no estudo da seleo das tcnicas ser discutidana subseo 2.1.5. do captulo 2.

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    1.4. Abordagem clssica: uma teoria ou vrias teorias?

    Na abordagem clssica, tanto os preos quanto as quantidades so determinados sobre

    a base de variveis explicativas intermedirias. Isto significa que ditas variveis tambm so

    estudadas pela teoria. Como j foi dito na seo anterior, a teoria clssica determina os preos

    e uma varivel distributiva excedente sobre a base da tcnica em uso e uma varivel

    distributiva independente. Assim sendo, o processo de seleo das T em uso e a determinao

    da varivel distributiva independente tambm tm que ser explicados pela teoria, ao igual que

    o processo de determinao das Qn.

    Deste modo, de acordo com Serrano (1988) a abordagem clssica se divide em vrias

    teorias separadas12:

    a) Teoria das tcnicas: estuda o processo de seleo das T.

    b) Teoria da distribuio: trata do processo de distribuio da renda.

    c) Teoria da acumulao: estuda o processo de acumulao ou crescimento econmico.

    d) Teoria do Consumo: trata do padro de consumo segundo as classes sociais, os nveis

    de renda, condies de financiamento, etc.

    e) Teoria da Concorrncia: partindo da mobilidade do capital trata das diferentes regras

    de repartio do excedente.

    f) Teoria do Valor ou dos preos: estuda a determinao dos preos relativos.

    Ainda quando estas teorias possam ser necessrias umas as outras, importante levar

    em considerao que em determinados casos algumas destas teorias podem ser compatveis

    com diferentes teorias sobre os outros assuntos. Por exemplo, a teoria clssica do valor pode

    12 O conceito de separao constitui a base metodolgica comum s diversas teorias neoricardianas e significaque a determinao das posies normais feita por meio de vrias teorias parciais separadas, estudadasinicialmente de forma isolada. (Serrano, 1988; p. 25).

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    ser compatvel com diferentes teorias das quantidades13. Contudo, a recproca no

    verdadeira. Para ter validade no longo-prazo, a teoria das quantidades baseada na demanda

    efetiva no pode ser compatvel com qualquer teoria dos preos ou da distribuio14. Portanto,

    se deduz que cada uma estas teorias nem sempre pode ser compatvel com qualquer das

    outras.

    Assim, a teoria clssica utiliza distintas teorias para explicar distintas variveis. A

    separao entre o ncleo da abordagem clssica e o resto das teorias, refere ao grau de

    generalidade e preciso quantitativa atingvel no ncleo a diferena das teorias que estudam

    outras variveis econmicas. Garegnani faz uma diferenciao entre o grau de generalidade

    do PN como centro gravitacional dos PM em contraposio a outras variveis econmicas

    determinveis em condies menos gerais, como ocorre com o caso da distribuio da renda:

    Smith metaphor of gravitation is perhaps more compelling when the centreof attraction is itself a spontaneous result and, besides, can be exactlydefined in terms of the circumstances determining it, as is the case with thenatural price. The metaphor may be less telling when the central magnitudeis (in the first instance) the direct result of the decisions of social bodies(e.g., a money wage that results from agreement between trade unions and

    employers, or the rate of interest fixed by the monetary authorities).(GAREGNANI, 1988; p. 257)

    Contudo, esta separao no significa que as interdependncias entre as variveis

    estudadas pelas diferentes teorias no sejam relevantes. Tambm no significa que os assuntos

    ou variveis que esto fora do ncleo sejam menos importantes que aquelas que esto dentro

    dele. Nas palavras de Mongiovi:

    In the classical method of logical separation, however, there is no presumption that the interdependencies among prices, outputs, distribution,etc. are negligible. On the contrary, they are in general presumed to be non-negligible, as in the Ricardian analysis of diminishing returns, rent and theprofit rate. The distinction which is made in classical theory is not betweenmarkets which may and those which may not legitimately be examined inisolation from other markets, but between relationships that have a necessary

    13 Ver a seo 2.3 do captulo 2.14 Ver a seo 3.2 do captulo 3.

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    and quantitatively exact character by virtue of the rules which governmarkets under capitalism, and those relationship which, because they are notlogically necessary, cannot be examined with the same degree of formal precision. The question is whether a relation has the status of logicalnecessity in the following sense. Given the fundamental data of the classicaltheory, the imposition of the condition that the profit rate be uniform acrosssectors means that long-period normal prices must coincide with thoseestablished by the solution to Sraffa's equations. By contrast, the wage rate,outputs, technical conditions, etc. depend as much upon historical andpsychological factors as they do upon prices and incomes; and so it cannotbe said that logic requires them to assume one particular set of values ratherthan another (though there may be logical constraints on the values they cantake: e.g. negative outputs are inadmissible). (MONGIOVI, 1996; p. 221).

    1.5. Tcnicas Dominantes

    Seguindo a Sraffa (1960), para definir um sistema de equaes que represente ao

    conjunto de PN, necessrio distinguir entre tcnicas e mtodos de produo. A tcnica

    representa todos os requerimentos tcnicos necessrios para a produo do conjunto de

    mercadorias bsicas do sistema. Os mtodos, por sua vez, representam todos aqueles

    requerimentos tcnicos necessrios para a produo de uma mercadoria particular. Para que o

    sistema seja determinado, o nmero de mtodos ou processos de produo tem que ser igual

    ao nmero de mercadorias. Se o nmero de processos for maior ao numero de mercadorias, o

    sistema estaria sobredeterminado. Contudo, como o indica Schefold (1988b), nas economias

    reais no s existe um maior nmero de processos ou mtodos de produo disponveis que

    processos efetivamente utilizados, como tambm o nmero de processos em uso costuma

    exceder o nmero de mercadorias produzidas. Nas palavras de Schefold:

    The inequality of the number of processes and the number ofcommodities is possible if some equilibrium conditions are violated. Asregards an overdetermination of prices (more processes than commodities),the obvious cause is competition between different processes in theproduction of the same commodities or group of commodities. If the pricesof commodities produced are uniform, the different processes will yielddifferent rates of profit. In the long period, one expects the most profitable

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    technique to rule the roost; I call it the dominant technique (SCHEFOLD,1988b)

    A tcnica dominante, ento, aquela que garante a maior taxa de lucro para um

    determinado salrio real e determinada quantidade a produzir. Em forma sinttica, se dois

    mtodos de produo so utilizados na elaborao de uma determinada mercadoria,

    possvel, seguindo novamente a Schefold (1980, 1988b), definir dois sistemas de equaes

    (ou tcnicas) correspondentes a cada um deles. Se num determinado momento predomina, ou

    est mais difundido, o mtodo que gera a taxa de lucro menor, o mtodo mais lucrativo obter

    uma taxa de lucro extraordinria, correspondente aos PN definidos pela tcnica associada ao

    mtodo menos rentvel. Por sua vez, se o mtodo mais rentvel o mais difundido, o

    processo menos rentvel obter uma quase-renda, deduzida a partir dos preos determinados

    pela tcnica dominante correspondente ao mtodo mais rentvel. Assim, em geral, a

    coincidncia de distintos mtodos implica a presena de taxas de lucro extraordinrias para os

    mtodos mais rentveis e quase-rendas para os menos rentveis em relao aos PN

    determinados pela tcnica dominante do momento.

    Neste marco, se assume que a tcnica mais rentvel, ou dominante, aquela que tende

    a determinar a direo na qual se movem os PM. De um modo geral, quando coexistem

    distintos mtodos na produo de uma mesma mercadoria, impossvel determinar qual de

    todas as tcnicas em uso est determinando a direo do ajuste dos preos efetivos em cada

    momento. Tampouco existe um princpio geral que estabelea o grau de difuso de cada

    tcnica ao longo do tempo. No entanto, a tcnica dominante, ao ser a mais rentvel, a que

    tender a ser escolhida em condies de concorrncia15. Deste modo, os preos efetivos

    tendero a se dirigir na direo correspondente aos PN definidos segundo a tcnica

    15 Sobre as condies que definem uma situao como de concorrncia no sentido clssico, ver a seo 3.2.1 docaptulo 3.

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    dominante, mesmo quando a mdia dos PM no necessariamente coincida com os PN

    definidos de este modo (Vianello, 1989).

    Por outra parte, entre os autores clssicos subsistem algumas diferenas sobre a

    definio de tcnica dominante. Por exemplo, os mtodos que definem as tcnicas dominantes

    tm que estar em uso ou suficiente que sejam simplesmente conhecidos? Se prevalecer o

    primeiro critrio, estes mtodos tm que estar difundidos ou s se precisa que sejam utilizados

    por alguns produtores?16 Alguns autores, como Kurz e Salvadori (1995) seguindo a Von

    Neumann (1945), interpretam que a tcnica dominante surge de uma maximizao globalda

    varivel distributiva excedente para um dado valor da varivel distributiva independente e o

    conjunto de quantidades a produzir17.

    Contudo, uma maximizao deste tipo requer condies muito restritivas difceis de

    observar nas economias reais. Por exemplo, os produtores que adotam as novas tcnicas tm

    que estar em condies de avaliar todos os mtodos conhecidos. Neste trabalho seguiremos

    Sraffa (1960), para quem a escolha de tcnicas se apresenta como uma comparao entre dois

    mtodos diferentes. Com este arcabouo possvel comparar dois mtodos em uso num

    determinado momento. O mtodo escolhido tem que ser o mais rentvel para um determinado

    valor da varivel distributiva independente e o conjunto de quantidades a produzir. Em outros

    termos, se trata do mtodo que minimiza o custo de produo18para os preos e taxa de lucro

    16 Outra opo seria definir tcnica dominante incluindo os mtodos imaginveis, contados os possveismtodos do futuro. Este procedimento o caracterstico dos modelos de equilbrio intertemporais do pensamentoneo-walrasiano moderno, j que estas construes tericas consideram condies futuras de produo (Petri

    2004). Ainda quando no marco clssico alguns autores tm sugerido o uso destes mtodos para o estudo deeconomias nas quais relevante a presena de recursos no renovveis (Lager 1998, 2000 e 2001; Kurz eSalvadori, 1995), entendemos que este critrio metodolgico no pode se integrar ao pensamento clssico, o qualprocura explicar seu objeto de estudo sobre a base de variveis objetivas e observveis.17 Este ltimo dado necessrio na escolha das tcnicas quando existissem retornos variveis de escala.18 Na presena de produo conjunta geral pode acontecer que a tcnica dominante - definida como a maisrentvel do ponto de vistaglobal-, conviva com outras tcnicas que minimizam os custos segundo a minimizaoseja com relao a umas tcnicas ou outras. Assim, poderiam existir vrias tcnicas que minimizam os custos deproduo do ponto de vista local. Neste caso, a escolha de tcnicas poderia apresentar vrias solues, ao tempoque a tcnica dominante - ou de maximizao global - poderia no funcionar como centro gravitacional.Contudo, estas possibilidades, de acordo com Piccioni, so muito particulares e pouco provveis na pratica, demodo que no sero discutidas neste trabalho (Schefold 1988b, Piccioni 1998).

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    (ou salrio) correspondente tcnica em uso19. Deste modo, a escolha das tcnicas se

    apresenta como uma maximizao seqencial ou iterada da taxa de lucro em presena de

    mtodos de produo rivais20.

    Quando a terra ou os recursos naturais so includos na anlise, tem que se adicionar a

    condio de que a produo que utiliza a tcnica dominante seja suficiente para atender a

    demanda em considerao (Schefold 1988b). Assim, os mtodos dominantes so tambm

    aqueles que conseguem satisfazer as demandas normais ou effectual demands. No caso

    contrrio, outros mtodos menos rentveis podero funcionar em condies de concorrncia e

    determinaro os preos de produo. Assim, definimos as tcnicas dominantes como aquelas

    tcnicas difundidas que para um determinado valor da varivel distributiva independente

    geram o maior valor da varivel distributiva excedente, ao tempo que esto em condies de

    atender as demandas efetivas21.

    Finalmente, importante ressaltar que a tcnica dominante a que tender a

    determinar o ajuste dos preos, mas isto no necessariamente acontece com relao s

    quantidades. O motivo que mesmo que a fora da concorrncia estabelea um nico

    conjunto de preos, no sistema econmico normalmente operam vrias tcnicas ao mesmo

    tempo, j que alguns bens de capital fixo costumam funcionar longos perodos de tempo

    19 Lisboa mal interpreta a posio clssica quando diz: Caso... ocorram retornos decrescentes de escala, se oscapitalistas reinvestem todos os seus lucros [i.e., se aumentassem as quantidades demandadas em formacontinua; EC], a economia pode eventualmente convergir para a matriz de coeficientes tcnicos que maximiza oscustos de produo, ao contrrio do que supem os neo-ricardianos (Lisboa, 1993; 152). Na minimizao decustos clssica se assume que as quantidades so dadas, i.e., se minimizam os custos para determinadasquantidades. Alm disso, o raciocnio para a escolha das tcnicas apresentado por Lisboa como crtica teoriaclssica simplesmente a teoria da renda da terra apresentada por Ricardo (1815) quando a demanda de trigo

    aumenta e existem retornos decrescentes. muito curioso que o autor apresente este exemplo como crtica aopensamento clssico!20 Kurz e Salvadori (2001) denominam mtodo direto o tipo de escolha das tcnicas adotado por Von Neumanne mtodo indireto o escolhido por Sraffa. O primeiro determina em forma endgena a tcnica partindo doconjunto das tcnicas disponveis e o segundo compara a tcnica vigente com as outras tcnicas em formaseqencial. Segundo estes autores, com ambos os mtodos se atinge o mesmo resultado em condies bastantegerais, i.e., se deveria atingir a mesma tcnica que minimiza os custos partindo dum mtodo ou do outro.Contudo, entendemos que o mtodo adotado por Sraffa precisa de menos informao que o de Von Neumann e mais fiel ao jeito clssico de pensar, o qual parte de variveis observveis, no de variveis hipotticas oucontrafactuais.21 Estamos usando a expresso demandas efetivas em plural como traduo do conceito smithiano de EffectualDemands (Smith, 1776; livro I, captulo VII).

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    mesmo quando possam se tornar obsoletos. Deste modo, embora j no exeram influncia

    sobre a determinao dos preos normais, participam na determinao das quantidades

    produzidas. Em resumo, a influncia da tcnica dominante assimtrica em relao a preos e

    quantidades. Dito em outras palavras, a concorrncia impe uma tcnica dominante no

    sistema de preos e no necessariamente no sistema das quantidades22.

    22 Em alguns sistemas simplificados como o de Von Neumann (1945), por exemplo, as tcnicas dominantesdeterminam tanto os preos quanto as quantidades. Contudo, se os bens de capital obsoletos so desconsideradosna estimao do volume de emprego e produo potenciais, normalmente se estar sobreestimando a capacidade produtiva e subestimando o volume de emprego potenciais do sistema, j que as tcnicas dominantesnormalmente possuem maior produtividade que as outras. Ou, dito em outras palavras, o volume total deemprego necessrio para produzir um determinado vetor de quantidades ou effectual demands - estarnormalmente subestimado se s se leva em considerao a tcnica dominante. Por outro lado, se na determinaodo sistema de preos no se estabelece uma hierarquia entre as tcnicas dominantes e o resto, como ocorre, porexemplo, no modelo de Leontief (1928, 1953), se estar desconsiderando a influencia da concorrncia nadeterminao dos preos. Normalmente os preos deduzidos deste modo sero maiores que os preosdeterminados pela tcnica dominante em condies de concorrncia.

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    2. CONTROVRSIAS COM AUTORES MARGINALISTAS

    2.1. Retornos

    2.1.1. Introduo discusso

    A separao do estudo de preos e quantidades tem sido motivo de um longo debate

    que prossegue at hoje23, protagonizado por autores das mais diversas orientaes

    doutrinrias. Neste captulo sero discutidos alguns dos motivos desta separao desde a

    perspectiva clssica.

    Desde a publicao daIntroduo de Sraffa obra de Ricardo em 1951, os retornos de

    escala estiveram no centro desta longa polmica. O contedo do debate pode-se resumir

    assim: a teoria clssica precisa de alguma hiptese especfica em matria de retornos, ou,

    como estimava Sraffa, as concluses clssicas no requerem hipteses alguma sobre o

    assunto?

    Para a maior parte dos crticos marginalistas, a teoria de Sraffa e a concepo clssica

    em geral, s so validas quando prevalecem retornos constantes de escala, j que s neste

    especfico caso as demandas no interferem na determinao dos PN. Assim, para esta

    interpretao, a teoria clssica no teria como lidar com retornos de escala variveis, j que

    nestas circunstncias as demandas relativas inevitavelmente influem na determinao dos

    preos. Esta tem sido a posio adotada por Samuelson (1987, 1990, 1991, 2007), Arrow e

    Hahn (1971), Hahn (1975, 1982), Blaug (1999), Burgstaller (1999) e muitos outros autores

    durante as ltimas dcadas.

    23 Ver Samuelson (2007) e Samuelson e Etula (2006).

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    Esta leitura dos clssicos tem uma longa tradio na historia do pensamento

    econmico. No se trata de uma polemica recente surgida a partir da publicao da obra

    madura de Sraffa. Esta interpretao remonta-se a Marshall (1920), quem considerava ao

    pensamento clssico como um caso especial da teoria marginalista general. Para Marshall,

    neste caso especial prevalecem retornos constantes de escala e as demandas relativas no

    desempenham nenhum papel na determinao dos preos de longo prazo (Baradwaj, 1989).

    A compreenso desta polemica fica ainda mais difcil quando se lembra que o prprio

    Sraffa, nos anos vinte, argumentava que era a teoria marshalliana a que se tornava

    teoricamente insustentvel na presena de retornos variveis. Aqui temos um dilema a

    resolver. Por um lado, para Marshall, a teoria clssica precisa da hiptese de retornos

    constantes de escala e incorreta quando os retornos so variveis. Por outro, para Sraffa, a

    teoria marshalliana a que precisa retornos constantes e na sua obra de 1960 afirma que a teoria

    clssica no precisa de hiptese alguma sobre retornos. Qual destas duas concepes , de

    fato, insustentvel na presena de retornos variveis? Ambas? Que relao existe entre os

    textos de Sraffa dos anos 20 e Produo de Mercadorias? razovel supor que Sraffa, que

    sugeriu rejeitar a teoria marshalliana por sua incapacidade de lidar com retornos variveis

    (Sraffa, 1930), tambm tenha contribudo construo duma teoria incompatvel com eles?

    Um exemplo da posio de Sraffa sobre o assunto a sua resposta a Robertson no debate

    sobre os retornos crescentes e a firma representativa marshalliana:

    I am trying to find what are the assumptions implicit in Marshalls theory;

    if Mr. Robertson regards them as extremely unreal, I sympathise with him.We seem to be agreed that the theory cannot be interpreted in a way whichmakes it logically self-consistent and, at the same time, reconciles it with thefacts it sets out to explain. Mr Robersons remedy is to discard mathematics,and he suggests that my remedy is to discard the facts; perhaps I ought tohave explained that, in the circumstances, I think it is Marshalls theory thatshould be discarded (SRAFFA, 1930, p. 93)

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    importante ressaltar que nenhum autor clssico representativo jamais argumentou

    que a demanda, ou as quantidades, no possam influir sobre os PN, atravs do efeito

    secundrio de mudarem as tcnicas produtivas ou a distribuio da renda. De igual modo,

    nenhum deles explicita hiptese geral alguma em matria de retornos de escala. O prprio

    Sraffa, numa carta escrita a Keynes, se lamentava de que seus leitores do artculo de 1925

    tinham interpretado mal suas concluses:

    [They have, EC] taken [it] to imply that in actual life constant returnsprevail: although I believe that Ricardo's assumption is the best available fora simple theory of competition (viz. a first approximation), of course inreality the connection between cost and quantity produced is obvious. It

    simply cannot be considered by means of the system of particular equilibriafor single commodities in a regime of competition devised by Marshall.(SRAFFA a Keynes, 6 Junho de 1926; citado por Roncaglia, 1978)

    Na sua obra de 1960 Sraffa explicitamente diz que se prope analisar as propriedades

    dum sistema no qual no se apresentam variaes e argumenta que sua teoria no precisa que

    os retornos sejam constantes24. Qual foi o motivo pelo qual Sraffa no quis formular hipteses

    em matria de retornos? Por que motivo no oferece um tratamento explcito sobre o papel

    das demandas na sua teoria de preos? Nossa concluso preliminar pode-se resumir numa

    idia simples: no existe nenhuma lei da tcnica universal que indique o nvel de

    produtividade correspondente a cada quantidade a produzir. Nas palavras de Serrano:

    Algumas... interrelaes [econmicas, EC] no podem ser generalizadas para qualquer economia capitalista, simplesmente porque dependem dehipteses sobre aspetos nos quais a teoria econmica nada tem a dizer, comopor exemplo a relao entre preos e quantidades produzidas. Esta s podeser examinada de acordo com hipteses especificas sobre retornos de escala,que devem ser feitas caso por caso, pois no h nenhum motivo econmico para supor que as tcnicas utilizadas sempre vo apresentar retornos deescala do mesmo tipo. (SERRANO, 1988; p. 27)

    24 Anyone accustomed to think in terms of supply and demand may be inclined, on reading these pages, tosuppose that the argument rest on a tacit assumption of constant returns in all industries. If such a supposition isfound helpful, there is no harm in the readers adopting it as a temporary working hypothesis. In fact, however,no such assumption is made (SRAFFA, 1960; p. v).

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    Em outras palavras, no existe nenhuma formulao geral referida aos retornos de

    escala. Se isto for realmente verdadeiro, Samuelson, Hahn e o resto dos autores que criticam a

    Sraffa por supor implicitamente retornos constantes, simplesmente esto cobrando a Sraffa e

    ao enfoque clssico alquilo que ningum possui. Joan Robinson (1962a, 1962b) sustenta que

    os economistas pegam as tcnicas de Deus e dos engenheiros. At agora, aps dcadas de

    estudos sobre inovao e mudana tecnolgica, nenhum economista, engenheiro, nem o

    prprio Deus, tem gerado uma lei geral dos retornos de escala.

    Embora o debate possa parecer interminvel, fundamental ressaltar que da separao

    do estudo de preos e quantidades que prope a teoria clssica no se conclui que nesta

    abordagem as quantidades no possam influir na determinao dos PN, ou, ao inverso, que as

    mudanas dos preos relativos no afetem a determinao das demandas relativas. Ao

    contrrio, para a teoria clssica, as demandas sempre influiro sobre os preos caso se

    modifiquem as variveis independentes da teoria de preos.

    2.1.2. Retornos de escala e Teoria clssica

    No contexto da abordagem clssica, a existncia de retornos variveis de escala,

    implica que diante mudanas das quantidades a produzir, outras tcnicas possam ser mais

    rentveis que as tcnicas at ento dominantes. O estudo desta possibilidade se faz para um

    valor dado da varivel distributiva independente. Assim, se outra tcnica resultasse mais

    rentvel para as novas quantidades, outro vetor de PN tenderia a se impor na concorrncia

    como centro gravitacional dos PM ao tempo que a taxa de lucro mudaria seu nvel. Isto

    incompatvel com a teoria clssica? Simplesmente no!

    Entretanto, qual o eixo da crtica de Samuelson, Hahn e os demais autores

    marginalistas neste debate? Eles reclamam um enfoque que possa antecipar o retorno de

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    escala para cada quantidade imaginaria a produzir. Isto significa que se pode apresentar uma

    funo de produo geral que gere uma matriz de insumo-produto para cada imaginvel vetor

    de quantidades a produzir. Se esta funo existisse, seria factvel a construo de curvas de

    oferta para qualquer condio produtiva imaginvel.

    No entanto, nenhuma teoria econmica - marginalismo includo- oferece uma lei ou

    funo de produo geral dos retornos de escala (Serrano 1988). Vamos considerar o assunto

    sobre a base duma classificao dos retornos. Os retornos tcnicos podem-se classificar do

    seguinte modo25:

    (1) Retornos constantes de escala.

    (2) Retornos crescentes de escala.

    (3) Retornos decrescentes pelo esgotamento dum fator, fato que permite a adoo de

    mtodos de produo inferiores, i.e., mtodos que embora permitam aumentar a produo o

    fazem a custos crescentes. Este caso tpico da renda da terra. preciso ressaltar que o

    retorno decrescente neste caso no de escala26, j que a queda dos retornos se explica pelo

    esgotamento oupleno uso de um recurso ou fator. Assim, temos duas possibilidades.

    25 Como tratamos sobre o PN de longo prazo, i.e., o preo correspondente a uma tcnica dada e para umacapacidade produtiva utilizada normalmente, no se leva em considerao as possveis influncias do grau deutilizao da capacidade produtiva sobre os preos. inegvel que as variaes no grau de utilizao possamafetar a determinao dos preos de mercado. Todavia, como nosso escopo tratar sobre o preo normal,

    assumimos que a capacidade est sendo utilizada em nveis normais ou desejados (Garegnani, 1992). Por outrolado, procuramos analisar a determinao dum sistema de PN para o conjunto das atividades produtivas e no oequilbrio das firmas particulares, como acontece na anlise microeconmica convencional.26 Nesta seo no se inclui a possibilidade de que se verifiquem retornos decrescentes de escala. Este tipo deretorno no tem sentido econmico. Esta possibilidade ainda aparece em uma parte significativa da literaturamarginalista o melhor exemplo o texto de Debreu (1959)-. Contudo, muito claro que fazendo umaclassificao exaustiva de todos os fatores que participam na produo, se estes so replicados em exataspropores, os retornos nunca podem ser decrescentes. Por outro lado, se prevalecer a livre entrada no processode concorrncia, a soluo tima neste casso equivale a um nvel de produo nulo, soluo tambm carente designificao econmica. Debreu, quem utiliza o arcabouo dos retornos decrescentes de escala com o escopo demaximizar, consegue fugir deste problema fixando o nmero de agentes, i.e., restringindo a entrada, fatoarbitrrio e incompatvel com o suposto da concorrncia.

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    (i) A renda extensiva, a qual implica a introduo de mtodos inferiores baseados no uso

    de fatores heterogneos, como terras de diferente qualidade27.

    (ii) A renda intensiva, a qual equivale a um retorno marginaldecrescente. Neste caso, o

    recurso em questo, por exemplo, terra duma qualidade homognea, dado em determinadas

    quantidades e se encontraplenamente utilizado28.

    Seguindo a Sraffa (1925) importante ressaltar a assimetria entre os casos (2) e (3)

    que definem os retornos variveis. O caso (2), como o (1), implica que os incrementos nos

    nveis de atividade so alcanveis com aumentos das quantidades de fatores de produo

    efetivamente empregados, ao menos at alcanar o nvel de produo que satisfaz a demanda.

    O caso (3), por sua vez, implica que ao menos um fator fixo e j est plenamente ocupado.

    Deste modo, o incremento da quantidade a produzir se consegue fazendo uso de mtodos de

    produo inferiores29. Assim, o caso (3) implica retornos constantes a escala que coincidem

    com o pleno emprego de algum fator fixo.

    Entretanto, o caso (2) geralmente no se apresenta como um retorno de escala em

    sentido estrito. Normalmente se trata de aumentos de produtividade gerados pela incorporao

    de tcnicas produtivas diferentes e mais avanadas, associadas presena de indivisibilidades.

    Deste modo, as melhoras de produtividade no so precisamente de escala, j que os insumos

    no esto sendo replicados de um modo estritamente proporcional. Ao mesmo tempo, usual

    que as novas tcnicas coincidam com o uso de novos insumos.

    27 Definimos a qualidade das terras para um determinado valor da varivel distributiva independente, j quedesde Sraffa (1960) se sabe que a ordem de fertilidade das terras no estritamente definvel em termos fsicos.28 Poder-se-ia interpretar como um estoque dado do recurso em considerao.29 Um exemplo so os mtodos inferiores de produo como cultivos mais intensivos no uso de uma determinadaqualidade de terra, os quais permitem elevar a produo em condies de custos crescentes.

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    2.1.3. Lei de Retornos?

    possvel argumentar que algum destes retornos geral e que os outros so casos

    particulares? Kaldor (1972) apontava ao progresso tcnico induzido para justificar o caso (2)

    como o mais geral. De igual modo, Allyn Young (1928) e Sraffa (1925, 1926, 1930) indicam

    que os retornos crescentes so possibilidades muito relevantes. Marx tambm considerava que

    os retornos dinmicos so crescentes, devido contnua melhora da maquinaria e ao aumento

    da escala de produo (Morroni, 1998). Contudo, para variaes pequenas das quantidades,

    Marx, Smith e o prprio Sraffa (1926)30 entendiam que os retornos constantes eram a melhor

    aproximao31. Nas palavras de Morroni:

    In fact, in Marxs opinion, without a qualitative change in processes, production shows constant returns because, all other thing equal, theincreased production of a single commodity involves a proportional increasein the amount of labour In Marx (as in Smith) returns do not vary withsmall and occasional changes in the quantity produced, since in such acontext the proportion between labour and tools is assumed to be constant(Morroni, 1998).

    Seguindo a Marx neste ponto as possibilidades imaginveis no se limitam aos trs

    casos indicados, j que os retornos dependem da magnitude da variao respectiva. Para

    pequenas variaes de quantidades, ou no entorno da quantidade que num determinado

    momento define a tcnica vigente ou dominante32, os retornos (e os custos) podem ser mais

    ou menos constantes, j que no existe nenhum motivo para imaginar que os mtodos de

    30 Em particular, para Sraffa o retorno marginal diante as pequenas mudanas das quantidades normalmente seriaconstante e no decrescente.31 A maioria dos estudos empricos coincide no fato de que os retornos e custos constantes a melhoraproximao quando so consideradas variaes pequenas das quantidades. Tambm esta a hiptese maisrazovel quando se estuda perodos curtos. Para mais detalhes, ver Aslanbeigui e Naples (1997), Larson (1991) eYordon (1992).32 Nesta passagem assumimos que a escolha das tcnicas endgena, ou realizada em forma conjunta com osistema de PN.

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    produo mudem em forma imediata diante de qualquer mudana das quantidades. Neste caso

    prevalecero retornos constantes locais, ou no entorno da quantidade normalvigente33.

    Em outras palavras, para tirar concluses em matria de retornos no suficiente saber

    se um setor apresenta retornos crescentes ou decrescentes como tendncia. necessrio saber

    quais so as quantidades crticas a partir das quais mudam os retornos. Assim, a tendncia

    pode ser s uma aproximao estatstica deduzida a partir de saltos discretos e irregulares. Se

    tivssemos que representar num grfico as condies de oferta de cada sector em particular,

    sem levar em considerao a influncia do resto dos sectores34, o mais provvel que ditas

    condies no se assemelhem a uma curva contnua, como as que aparecem nos manuais da

    microeconomia marginalista. Normalmente, sero mais facilmente representveis com

    segmentos discretos, ascendentes ou descendentes, dentro dos quais prevalecem retornos

    constantes (Schefold 1985, 1990).

    Contudo, as possibilidades imaginveis so ainda mais complexas toda vez que se

    reconhece que os setores produtivos demandam insumos uns dos outros. No se pode limitar a

    anlise do assunto tica do equilbrio parcial marshalliano, onde cada setor se estuda por

    separado. preciso considerar tambm as relaes intersetoriais.

    Para observar este assunto com mais detalhe, podemos pensar em dois produtos: X e

    Y. Para produzir uma unidade de X, se precisa determinada quantidade de Y e o inverso.

    Assumimos que o setor X apresenta uma tendncia de retornos crescentes com saltos discretos

    e irregulares, ao longo dos quais os retornos so constantes. Por sua vez, o setor Y, apresenta

    uma tendncia de retornos decrescentes com segmentos tambm discretos e irregulares, onde

    os retornos so constantes. Que se pode esperar deste exemplo, em matria de custos, quando

    33 Sraffa pointed out, by a simple example on intensive cultivation that large increases in output are generallyrequired to bring about the introduction of a more intensive method of cultivation. A similar observation can bemade as to the extension of cultivation to less fertile lands. Also Ricardo and Marx when speaking aboutchanges in technical conditions associated to changes in outputs- refer to large changes in outputs, generallyassociated to a process of accumulation. (Piccioni, 1998).34 Isto implicaria apresentar um exerccio de equilbrio parcial de tipo marshalliano.

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    mudam as quantidades?35 Suponhamos que se eleva a quantidade demandada do sector X.

    Pode-se garantir que o preo vai se reduzir? A resposta depender da magnitude da mudana.

    Se o aumento da quantidade gera um salto de produtividade, o mais provvel que diminua

    o custo de X, e seguramente tambm o custo de Y, j que X insumo de Y. Todavia, se a

    mudana no alterasse a produtividade de X, e a atividade se mantivesse num segmento de

    retornos constantes, poder-se-ia garantir que os custos se manteriam constantes? A resposta

    inevitavelmente negativa, j que neste caso todo depender do que ocorra com Y. Como toda

    elevao da quantidade produzida de X requer certo aumento na produo de Y, poderia

    acontecer que este aumento s possa se realizar com o uso dum mtodo inferior de produo,

    fato que supe um salto negativo de produtividade do setor Y. Assim, o custo de Y

    aumentar e isto tambm vai gerar um aumento do custo de produo de X.

    Em outras palavras, no seria estranho encontrar setores com tendncias de retornos

    crescentes (decrescentes) que curiosamente apresentam segmentos com relaes preo-

    quantidade positivas (negativas) para determinadas variaes das quantidades demandadas.

    Contudo, os problemas no acabam aqui. Uma mudana dos mtodos de produo

    necessrios para a elaborao de mercadorias bsicas altera tambm qualquer padro de

    medida que se possa utilizar para fazer comparaes entre preos relativos. Assim, a

    mercadoria padro elaborada por Sraffa (1960, capitulo IV) s invarivel diante s

    mudanas da relao salrio-taxa de lucro. Se os mtodos de produo tambm mudam, a

    mercadoria-padro tambm mudar. Deste modo, qualquer comparao entre o conjunto de

    preos correspondentes a uma tcnica e os correspondentes a outra depender da mercadoria

    escolhida como numerrio. Segundo Sraffa: as a consequence a comparison of the prices by

    the two methods becomes meaningless since its result appears to depend on which commodity

    35 Nos exemplos que seguem estamos supondo um padro de medida independente das condies de produode X e Y.

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    is chosen as standard of prices [Sraffa, 1960, p.82; citado por Sinha (2007)]. Sinha expressa

    esta idia nestes termos:

    Sraffas analysis shows that measuring such price changes by the use of anarbitrary numraire is meaningless, as prices could move in all sorts of waysdepending upon which numraire is chosen. It is clear that Sraffasposition on demand was not that changes in demand cannot have any impacton prices; rather his position seems to be that, if demand has an impact onthe scale of production, then its impact on prices (in terms of a change in theprice of the same good) cannot be predicted on an objective basis, since thesystem loses an objective standard of measure once methods of productionof basic goods change. (SINHA, 2007; p.68).

    Assim, difcil imaginar como o efeito das mudanas tcnicas poder-se-ia interpretar

    com funes predefinidas como as propostas pelo marginalismo. Neste ltimo caso, os

    efeitos, se forem previsveis, dependero do padro de medida escolhido.

    2.1.4. Mudana tcnica ou progresso tcnico?

    Como j foi indicado acima, em determinadas atividades produtivas se registram

    retornos crescentes s quando os nveis de produo superam certos patamares. A razo deste

    fenmeno que determinadas tcnicas se tornam mais rentveis que outras somente se a

    produo alcana determinada escala crtica. Este fato faz que estas mudanas sejam em geral

    irreversveis, j que uma vez instaladas as novas tcnicas, elas de ordinrio sero

    acompanhadas por melhoras, por adaptaes e pela incorporao de novos insumos e bens

    complementares, circunstncias que tornam improvvel a restituio das tcnicas anteriores

    no caso de que a produo depois seja reduzida. Para Marx, os retornos crescentes

    normalmente vo acompanhados e impulsionados pelos processos de concentrao e

    centralizao do capital industrial, fato que em geral torna irreversvel as relaes preo

    quantidade (Marx 1867 e 1894). Nas palavras de Piccioni:

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    Marx underlines that improvements in technical conditions are oftenrealized on extremely large scale. He also notices that improvements intechnical conditions are often in fewer and larger firms. This also impliesthat these changes in technical conditions are not mechanically connected tooutputs (to the same variation in output may correspond different patterns ofconcentration of capital, with different effects on technical conditions). Bothfor similar and other reasons, changes in technical conditions are alsogenerally irreversible (Piccioni, 1988).

    Deste modo, resulta que difcil distinguir entre os retornos crescentes e o progresso

    tcnico em geral36. Usualmente, na teoria marginalista se assume que existe um conjunto de

    tcnicas que podem ser adotadas em relao a incentivos que dependem dos preos dos

    fatores ou da escala de produo - ainda quando em geral nesta abordagem o mais freqente

    assumir que os retornos de escala so constantes. Em geral estes raciocnios partem da idia

    de que as tcnicas no adotadas j so conhecidas pelos agentes econmicos. Assim, ante uma

    determinada mudana, por exemplo, uma queda da taxa de juros ou uma modificao das

    preferncias dos consumidores, a teoria marginalista extrai concluses sobre a base dum

    efeito secundrio como a mudana tcnica, a qual se estuda com o uso de funes de

    produo conhecidas a priori.

    Mas para que este procedimento seja apropriado, preciso aceitar que dito efeito

    secundrio o nico relevante, j que possvel imaginar outros efeitos de natureza

    secundria, como a possibilidade de verificar um progresso tcnico induzido pela mudana

    inicial. Para Kaldor (1972) o processo de acumulao e crescimento est caracterizado pela

    presena de retornos crescentes tanto de tipo esttico como dinmico os quais esto em

    estreita relao com o crescimento da demanda. O rendimento crescente esttico explicado

    pelas dimenses das unidades envolvidas. o exemplo oferecido por Kaldor (1972) sobre a

    relao entre superfcie e volume em tubos de distribuio de combustvel. Por sua vez, o

    rendimento crescente do tipo dinmico surge do aumento induzido da produtividade devido

    36 If a new method is introduced as outputs increase, the economy would not turn to using the old methodsshould outputs diminishing again. This aspect appears particularly evident in the case of the introduction of largeplants. This is often strictly connected with the introduction to technical innovations (Piccioni, 1988).

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    aprendizagem (learning by doing) e as economias externas tecnolgicas. Na viso deste

    autor37, o crescimento dum setor basicamente dos setores industriais - impulsiona o

    crescimento de outros setores devido ao crescimento induzido da produtividade dentro e fora

    do prprio setor dinmico.

    Assim, as mudanas de produtividade no so em geral independentes das mudanas

    das quantidades produzidas. Embora possa ser discutvel a direo de causalidade nestes

    casos, difcil imaginar que as melhoras de produtividade sejam completamente autnomas

    ou exgenas, de forma que seja razovel omiti-las na construo das funes de produo que

    pretendem definir relaes predefinidas preo-quantidade.

    Embora no se possa argumentar que as melhoras da produtividade tenham uma

    influncia direta e sistemtica sobre a evoluo das demandas (Cesaratto, Serrano e Stirati,

    2003), tampouco possvel negar toda influncia. Contudo, existem muitos motivos para

    imaginar o inverso, i.e, que o crescimento da demanda induz melhoras na produtividade. Na

    viso de Kaldor (1972), os aumentos da produtividade e das demandas setoriais dependem de

    uma complexa interao entre ambos os fenmenos.

    Esta concepo j foi apresentada por Adam Smith (1776), quem argumentava que a

    diviso do trabalho - uma das duas causas que impulsionavam as melhoras da produtividade38

    -, deveria ter uma maior amplitude quanto maior fosse a extenso do mercado. Deste modo,

    tanto o progresso tcnico quanto as simples mudanas contempladas pela teoria marginalista,

    podem ter um carter endgeno ante as mudanas das quantidades demandadas. De igual

    modo, as melhoras tcnicas induzidas que levam ao aumento da produtividade, podem ter

    37 Na literatura tambm se costuma chamar como lei de Verdoorn, a relao entre o aumento do produto e avariao da produtividade, devido ao trabalho seminal do mesmo autor (Verdoom, 1949), retomada por Kaldor(1966).38 Na viso do Smith (1776), a outra causa do aumento da produtividade, era a poro de trabalho til (ouprodutivo), no sentido de produzir mercadorias para o mercado, em relao ao total do trabalho empregado ematividades improdutivas.

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    ulteriores efeitos sobre a acumulao de capital e a evoluo das demandas, em processos de

    tipo iterativo. Segundo Ricoy:

    Technical progress appears as a learning process intrinsically linked toaccumulation, structural change and dynamics of demand; as such, it is anendogenous, path-dependent and cumulative process of macroeconomic-structural nature; this latter nature follows from the interdependences andcomplementarity, both sectoral and technological, that characterizes theindustrial structure (RICOY, 1998; p. 205).

    Os efeitos irreversveis da demanda sobre a produtividade no acontecem somente

    quando as demandas crescem. Tambm possvel que os retornos decrescentes apresentem

    caractersticas irreversveis. Por exemplo, a introduo de um mtodo de produo menos

    produtivo baseado na incorporao de terras de menor fertilidade, pode envolver o

    desenvolvimento de novas tcnicas e procedimentos na medida em que o novo mtodo

    introduzido. Mas se logo, por acaso, as quantidades se reduzirem aos nveis anteriores,

    provvel que as novas tcnicas e procedimentos no sejam abandonados. Nas palavras de

    Piccioni:

    There are cases in which the so called diminishing returns to scale alsoexhibit a similar irreversibility. In fact, the introduction of a more intensivecultivation or the use of a less fertile land may lead to the use of a method,which, initially, was not completely know: the solution of technicalproblems regarding this new method may turn out useful in order to improveless intensive cultivations or more fertile lands: these improvements willtherefore remain on the field even if the output diminished again (Piccioni,1998).

    Mas a pretenso de construir funes de oferta acaba sendo ainda muito mais

    improvvel toda vez que se reconhece que os efeitos das mudanas das demandas setoriaiscomumente ultrapassam os setores onde a mudanas se originam, gerando assim economias

    externas. Ricoy resume o problema deste jeito:

    The growth of markets leads to an increasing efficiency throughmechanization and structural transformation which would have not existedotherwise. In the normal operation of markets, any given impulse is

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    amplified cumulatively; the growth of demand results in an endless chainreaction of sectoral supplies and demands all through the network ofinterindustry relations. In the process, each sector receives impulses forchange and, in turn, sends impulses for further change. (Ricoy, 1998; 206-207).

    Em concluso, reconhecido o efeito secundrio das melhorias da produtividade ante o

    crescimento das demandas, altamente improvvel que futuras redues das quantidades a

    produzir levem re-adoo das tcnicas anteriores. Deste modo, no justificvel a

    construo de funes reversveis para representar as condies de oferta (Thirlwall, 1983).

    De igual modo, impossvel deduzir todas as imaginveis melhoras tcnicas que possam

    surgir como conseqncia de uma variao das quantidades demandadas.

    2.1.5. Funo de produo geral

    Para visualizar os problemas apresentados em termos mais precisos, partiremos de um

    sistema de preos a la Sraffa (1960)39:

    (6) p.q = w.L + (1 + r).p.A

    Onde p vetor de PN; q o vetor de quantidades; w o salrio; r, a taxa de lucro; L o

    vetor de requerimentos laborais; A, a matriz de insumos. A tcnica est representada pela

    matriz de insumos (A), o vetor de requerimentos de trabalho (L) e os produtos (q). Temos

    assim duas variveis independentes:

    1. Uma varivel distributiva (w ou r)

    2. A tcnica dominante (T): T(A, L, q)

    39 Assumimos que os salrios so pagospost facto,ausncia de produo conjunta e que um perodo de produo uniforme.

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    Um tratamento conjunto de preos e quantidades equivale, pelo menos, a exigir um

    sistema de equaes do seguinte tipo40:

    (7) p.qs = w.Ls + (1 + r).p.As

    (8) Ts (As, Ls, qs) =f(qn, w)

    (9) (p, r) =f(qn, w)

    A tcnica escolhida, Ts (As, Ls, qs) =f(qn, w), gera o conjunto de preos e a taxa de

    lucro mxima para um determinado salrio (w)41 e o vetor de quantidades lquidas (qn). Este

    vetor pode-se interpretar como o conjunto de demandas finais ou de bens de consumo, e no

    tem que se confundir com o vetor q que representa as quantidades brutas da economia. Esta

    distino importante, j que a tcnica de cada firma ou setor produtivo no s depende dos

    produtos brutos, seno tambm de todas as quantidades que representam ao sistema de

    produo, sejam insumos ou produtos. Noutros termos, se pode elaborar o mesmo vetor deprodutos lquidos com diferentes combinaes de insumos (Parrinello 2002).

    Deste modo, como o indica a equao (9), se existisse uma funo como f, os PN e a

    taxa de lucro seriam determinveis a priori uma vez conhecidas as quantidades lquidas e o

    valor da varivel distributiva independente.

    Sem embargo, no parece existir alguma coisa parecida a uma lei geral da engenharia

    que indique o retorno de escala em cada situao determinada. Tampouco se pode assegurar

    que f seja uma funo. Segundo Kurz e Salvadori (1995, 1998b), o mais provvel que se

    trate de uma correspondncia, j que as mudanas das quantidades podem induzir mudanas

    40Nesta apresentao seguimos a Kurz e Salvadori (1995 e 1998).41 Neste exerccio pode-se assumir tambm que a varivel distributiva independente a taxa de lucro e no osalrio.

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    tcnicas inesperadas, e assim poderiam existir tantas matrizes insumo-produto como

    combinaes tcnicas imaginveis42. Por outra parte, num contexto marginalista tambm

    preciso determinar qn em funo dos preos e da distribuio da renda atravs de funes - ou

    correspondncias- como as seguintes:

    (10) qn = G (p, w, r)

    (11) (p, r) =f(G (p, w, r), w)

    Deste modo, seria possvel determinar os vetores p, qn e a taxa de lucro (r) como

    funes de w. Contudo, a abordagem marginalista tampouco admite que uma determinada

    varivel distributiva possa ser tratada como independente, j que w ou r tm que se determinar

    pelas ofertas e demandas de capital e trabalho respectivamente.

    Este raciocnio se revela muito dbil toda vez que se reconhece a inexistncia duma

    funo geral da engenheira do tipo (8). Alm disso, a teoria marginalista tem sido incapaz de

    garantir a existncia de uma funo geral do tipo (10) bem comportada43. Por outra parte, a

    controvrsia do capital tambm tem demonstrado a impossibilidade de explicar a distribuio

    da renda com funes de demanda e oferta de fatores (Garegnani, 1960, 1990a, 2003).

    No contexto marginalista so conhecidas vrias funes de produo de tipo agregado,

    as quais costumam relacionar distintos nveis de produo com mltiplas combinaes

    fatoriais. o caso das funes Cobb-Douglas, CES, etc. Estas funes, quando se postula a

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