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Imprescritibilidade dos efeitos civis do crime de tortura

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DECISO

RECURSO EXTRAORDINRIO. CONSTITUCIONAL. PRISO E TORTURA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. CONDENAO AO PAGAMENTO DE INDENIZAO POR DANOS MORAIS. NO CONFIGURAO DE CONTRARIEDADE DO ART. 97 DA CONSTITUIO DA REPBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS: SMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatrio

1. Recurso extraordinrio interposto com base no art. 102, inc. III, alnea a, da Constituio da Repblica contra o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justia:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AO DE REPARAO DE DANOS. PERSEGUIO POLTICA E TORTURA DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DE PRETENSO INDENIZATRIA DECORRENTE DE VIOLAO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS DURANTE O PERODO DE EXCEO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1. DO DECRETO N. 20.910/32. VIOLAO DO ART. 535 DO CPC QUE NO SE VERIFICA. CONFIGURAO DA CONDIO DE ANISTIADO E REDUO DA VERBA INDENIZATRIA. ACRDO RECORRIDO QUE DIRIMIU A CONTROVRSIA COM BASE NO ACERVO PROBATRIO DOS AUTOS. REFORMA DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDNCIA DA SMULA 7/STJ.1. Constatado que a Corte de origem empregou fundamentao adequada e suficiente para dirimir a controvrsia, de se afastar a alegada violao do art. 535 do CPC.2. A jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia firmou o entendimento de que "As aes indenizatrias por danos morais e materiais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceo so imprescritveis. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 1 do Decreto 20.910/1932." (EREsp n 816.209/RJ, Relatora Ministra Eliana Calmon, Primeira Seo, in DJe 10/11/2009). Isso, porque as referidas aes referem-se a perodo em que a ordem jurdica foi desconsiderada, com legislao de exceo, havendo, sem dvida, incontveis abusos e violaes dos direitos fundamentais, mormente do direito dignidade da pessoa humana. Precedentes: REsp 959.904/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 29/9/2009; AgRg no Ag 970.753/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 12/11/2008; REsp 449.000/PE, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 30/6/2003.3. O Tribunal a quo, analisando os fatos da causa, concluiu que houve inequvoca "perseguio poltica", estando, portanto, preenchidos os requisitos para se obter a reparao de danos prevista na lei, e inverter essa concluso, bem como discutir a pretendida reduo da verba indenizatria, implica incurso no universo fctico-probatrio dos autos, o que vedado em razo do bice contido no enunciado n 7 da Smula do STJ.4. Agravo regimental no provido.

2. A Recorrente alega que teriam sido contrariados os arts. 1, inc. III, 5, caput, inc. III, XLIII, XLIV e 97 da Constituio da Repblica.

Argumenta que a demandante aduz pretenso indenizatria contra a Fazenda Pblica. Logo, afirmada a plena validade do Decreto n. 20.910/32, cabia ao STJ a sua aplicao hiptese, reconhecendo a prescrio do dano moral e do dano material.

Sustenta que mesmo sendo a tortura ofensiva dignidade da pessoa humana, a reparao civil do ilcito no imprescritvel [pelo que se] submete-se ao prazo do Decreto n. 20.910/32. E conclui que o pleito de reparao civil . O direito reparao civil no um direito fundamental . Logo, prescreve a pretenso indenizatria.

Pede o provimento do presente recurso extraordinrio. Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO.

3. Razo jurdica no assiste Recorrente.

4. No voto condutor do acrdo recorrido, o Ministro Benedito Gonalves asseverou:

Em que pesem os argumentos lanados nas razes recursais, esta Corte Superior de Justia firmou o entendimento de que "As aes indenizatrias por danos morais e materiais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceo so imprescritveis. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 1 do Decreto 20.910/1932." (EREsp n 816.209/RJ, Relatora Ministra Eliana Calmon, Primeira Seo, in DJe 10/11/2009).Desse modo, a deciso agravada merece ser mantida por seus prprios fundamentos, in litteris (fls. 223-227):Inicialmente, infere-se que no houve violao ao art. 535, II, do CPC, uma vez que os acrdo recorridos proferidos em apelao e em embargos de declarao esto devidamente fundamentados e todos os temas relevantes para o deslinde da questo levantada foram abordados. Ademais, a jurisprudncia desta Corte unssona no sentido de que o julgador no est adstrito a responder a todos os argumentos das partes, desde que fundamente sua deciso. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes da Primeira Turma: REsp 698.208/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 8/9/2008; AgRg no REsp 753.635/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Dje 2/10/2008; REsp 1.051.845/PE, Rel. Ministro Francisco Falco, DJe 18/6/2008 e REsp 918.935/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, DJ 10/12/2007. Tambm no h falar em prescrio do fundo de direito (art. 1 do Decreto n. 20.910/32), tendo em vista que esta Corte pacificou entendimento de que so imprescritveis as aes de reparao de dano ajuizadas em decorrncia de perseguio, tortura e priso, por motivos polticos, durante o Regime Militar. Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes:PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAO REPARAO DE DANOS MORAIS. REGIME MILITAR. PERSEGUIO E PRISO POR MOTIVOS POLTICOS. IMPRESCRITIBILIDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INAPLICABILIDADE DO ART. 1. DO DECRETO N. 20.910/32. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. INDENIZAO. CONFIGURAO, REDUO DO QUANTUM INDENIZATRIO e HONORRIOS. MATRIA FTICO-PROBATRIA. SMULA N. 07/STJ. (...)(Resp 959.904/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 29/9/2009).AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AO DE REPARAO DE DANOS MORAIS. PRISO ILEGAL E TORTURA DURANTE O PERODO MILITAR. PRESCRIO QINQENAL PREVISTA NO ART. 1 DO DECRETO 20.910/32. NO-OCORRNCIA. IMPRESCRITIBILIDADE DE PRETENSO INDENIZATRIA DECORRENTE DE VIOLAO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS DURANTE O PERODO DA DITADURA MILITAR. RECURSO INCAPAZ DE INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISO AGRAVADA. AGRAVO DESPROVIDO. (AgRg no Ag 970.753/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 12/11/2008).RECURSO ESPECIAL. INDENIZAO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRISO, TORTURA E MORTE DO PAI E MARIDO DAS RECORRIDAS. REGIME MILITAR. ALEGADA PRESCRIO. INOCORRNCIA. LEI N. 9.140/95. RECONHECIMENTO OFICIAL DO FALECIMENTO, PELA COMISSO ESPECIAL DE DESAPARECIDOS POLTICOS, EM 1996. DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. () (REsp 449.000/PE, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 30/06/2003).Com relao comprovao da condio de anistiado do esposo e genitor dos demandantes, bem como pretendida reduo da verba indenizatria, sobreleva notar que o Tribunal a quo dirimiu a controvrsia com base no exame dos fatos da causa. Confira-se, nesse sentido, o seguinte excerto do voto condutor da apelao, in verbis: ()No caso, a priso de Roberto Antnio Fortini, por comungar de princpios marxistas-leninistas durante o regime militar, a expulso do territrio nacional e a anistia encontram-se devidamente comprovada nos autos, conforme documentos das fls. 25, 28, 29, 31, 40, 41, 47-9, 79. Conclui-se, portanto, pela efetiva existncia de dano aos Autores, decorrente de ato do Estado que retirou o esposo e pai da convivncia familiar, havendo claramente nexo causal entre este ato e o dano. Dessarte, o nexo causal entre o fato e o dano evidente, uma vez que os constrangimentos morais, afetivos e financeiros experimentados pelos demandantes so diretamente decorrentes da priso de Roberto Antnio Fortini.Os fatos, por si s, permitem concluir pela responsabilidade da Unio quanto ilegitimidade do procedimento e motivo que levaram o esposo e pai dos Autores priso. A conduta dos agentes da Unio contraria diretamente o artigo 9 da Declarao Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil signatrio: ()A reforma de tal entendimento demanda reexame dos fatos da causa, o que vedado, em recurso especial, a teor do disposto na Smula 7/STJ. ()Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.Isso posto, nego provimento ao agravo regimental (grifos nossos).

5. Inexiste na espcie a declarao de inconstitucionalidade de lei por rgo fracionrio do Superior Tribunal de Justia, tampouco houve o afastamento da norma por fundamentos extrados da Constituio da Repblica. O acrdo recorrido cingiu-se a aplicar a jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia, segundo a qual a prescrio quinquenal no se aplica aos casos de reparao de danos causados por violaes aos direitos fundamentais ocorridos durante o Regime Militar, que so imprescritveis.

No julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 781.787-AgR/GO, Relatora Ministra Ellen Gracie, caso anlogo ao vertente, a Segunda Turma deste Supremo Tribunal decidiu:

CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAO. CRIME DE TORTURA NO REGIME MILITAR. AFASTAMENTO DO ART. 1 DO DECRETO 20.910/32. PRESCRIO. VIOLAO SMULA VINCULANTE 10: INOCORRNCIA. DESCUMPRIMENTO AO PRINCPIO DA RESERVA DE PLENRIO: NO CONFIGURAO. 1. Inexistncia de ofensa ao princpio da reserva de plenrio, pois o acrdo recorrido analisou normas legais sem julgar inconstitucional lei ou ato normativo federal ou afastar a sua incidncia, restringindo-se o Superior Tribunal de Justia a considerar inaplicvel ao caso o art. 1 do Decreto 20.910/32. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (DJ 3.12.2010, grifos nossos).

E ainda:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANOS MORAIS. REGIME MILITAR. ALEGAO DE VIOLAO AO ART. 97 DA CF/88. INEXISTNCIA. RECURSO EXTRAORDINRIO. INTERPOSIO DE ACRDO DO STJ. DESCABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I No h que falar em violao ao art. 97 da CF, tampouco em aplicao da Smula Vinculante 10, uma vez que o Tribunal a quo no declarou a inconstitucionalidade de norma nem afastou sua aplicabilidade com apoio em fundamentos extrados da Constituio. Precedentes. II - Somente admite-se recurso extraordinrio de deciso do Superior Tribunal de Justia se a questo constitucional impugnada for nova. Assim, a matria constitucional impugnvel via RE deve ter surgido, originariamente, no julgamento do recurso especial, o que no o caso dos autos. Precedentes. III Agravo regimental improvido (AI 783.609-AgR/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJ 24.6.2011, grifos nossos).

No mesmo sentido: AI 821.747/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, deciso monocrtica, DJ 18.2.2011; AI 831.872/GO, de minha relatoria, deciso monocrtica, DJ 15.2.2011.

6. Ademais, ao proceder anlise do conjunto probatrio, o Tribunal Regional Federal da 4 Regio concluiu que a ora Recorrente, pelos seus agentes, cometeu atos ilcitos dos quais decorreram danos Roberto Antnio Fortini, pai e esposo dos Recorridos.

parte a gravidade da matria havida nos autos, tendo sido comprovado que o Estado, criado para dar segurana ao indivduo, gerou no apenas insegurana, mas danos, no h sequer se cogitar de cuidar no caso nesta instncia, pois para se concluir de forma diversa da que se teve nas instncias antecedentes seria necessrio reexame de provas, o que no pode ser validamente adotado em recurso extraordinrio. Incide na espcie a Smula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL E PENAL. AO DE INDENIZAO POR DANOS MORAIS. ACRDO RECORRIDO COM DUPLO FUNDAMENTO LEGAL E CONSTITUCIONAL. SMULA N. 283/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO ILCITO PRATICADO POR AGENTES PBLICOS. PRISO ILEGAL. ART. 302 DO CPP. MATRIA FTICA. SMULA N. 279/STF. (AI 804.596-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 16.9.2011).

Agravo regimental em recurso extraordinrio. 2. Responsabilidade objetiva do Estado. Art. 37, 6, da CF. Acidente de trnsito. Comprovao do fato e do nexo causal. Indenizao por dano material 3. Incidncia das Smulas 279 e 283 do STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (RE 587.311-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 30.11.2010).

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. ADEQUAO DO MONTANTE INDENIZATRIO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FTICO-PROBATRIO CONSTANTE DOS AUTOS. SMULA 279 DO STF. INCIDNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I A apreciao do recurso extraordinrio, no que concerne ao dano moral e ao seu respectivo valor, encontra bice na Smula 279 do STF. Precedentes. II - Agravo regimental improvido (AI 835.478-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 15.6.2011).

AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILDIADE CIVIL. DANOS MORAIS. REVISO DO QUANTUM DEVIDO. IMPOSSIBILIDADE. VEDAO DA SMULA 279/STF. O Tribunal a quo manteve a sentena que considerou devida a indenizao pleiteada pela autora. Para se chegar a concluso diversa, seria necessrio reexaminar os fatos da causa, o que vedado na esfera do recurso extraordinrio, de acordo com a Smula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento (AI 637.089-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 23.5.2008).

7. No h o que prover quanto s alegaes da Recorrente.

8. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinrio (art. 557, caput, do Cdigo de Processo Civil e art. 21, 1, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Publique-se.

Braslia, 18 de maro de 2012.

Ministra CRMEN LCIARelatora