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ORIENTAÇÕES GERAIS

Desde quando foram compostos os primeiros Grupos de Trabalho (GTs) do Projeto Brasil

Popular, em 2016, seus integrantes debateram e aprofundaram o diagnóstico e as

propostas existentes para as área temáticas. Os textos que compõem esse caderno

foram formulados por uma equipe de redatores junto com a Secretaria do Projeto Brasil

Popular partindo dos subsídios produzidos pelos GTs.

Essa é uma versão de texto temático para estudo e para debate! Todos/as podem

enviar sugestões de ajuste ou contribuições para a Secretaria Operativa Nacional do

Projeto Brasil Popular por meio do seguinte endereço de e-mail:

[email protected]

Pedimos também que nos enviem possíveis lacunas, divergências e fragilidades que

tenham identificado no texto. Essa contribuição será de grande importância para o

aprimoramento das nossas sínteses.

Desde já, agradecemos e convidamos todos/as para construir o Projeto Brasil Popular

para o Brasil.

Secretaria Operativa Nacional Projeto Brasil Popular

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SUMÁRIO DEMOCRATIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS ............................................................ 3

ESTADO, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO POPULAR E REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO .......... 9

FEDERALISMO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................. 13

RELAÇÕES INTERNACIONAIS, INTEGRAÇÃO REGIONAL E DEFESA ............................................ 18

SEGURANÇA PÚBLICA ................................................................................................................. 25

SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO .................................................................................................... 31

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DEMOCRATIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS

INTRODUÇÃO

A democratização da justiça e dos direitos humanos tem seus princípios na Constituição Federal de 1988, que prevê a proteção a direitos individuais e coletivos, baseados nos princípios da cidadania, da soberania popular, da promoção do bem de todos sem discriminação de qualquer tipo, na promoção dos direitos humanos e nos direitos sociais. A Constituição trata a justiça como tema amplo que não apenas envolve o julgamento de pretensões – individuais e coletivas – levadas ao judiciário, mas a promoção de políticas públicas em todas as áreas afetadas pela desigualdade social, cuja redução é considerada objetivo fundamental da República, juntamente com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

A estrutura política brasileira se divide entre o poder de criação das leis (legislativo), o poder de executá-las (executivo) e de julgar a aplicação das leis à realidade (judiciário). A importância do judiciário é reforçada, portanto, pela função de controlar atos dos outros poderes. Exerce, assim, a legitimação do próprio sistema político no Estado Democrático de Direito.

A função do sistema de justiça na distribuição de direitos é decisiva, uma vez que cabem aos seus órgãos (magistratura, ministério público e defensorias públicas), além da advocacia, a disputa pela interpretação das leis. Ou seja, a função mais importante na democratização da justiça e na promoção dos direitos humanos é daqueles agentes do Estado a quem cabe dizer qual o sentido em que a lei deve ser aplicada, seja no caso de limitar a atuação do Estado, seja no caso de avaliar políticas públicas ou mesmo obrigar o Estado a agir.

Mas a função democrática de julgar a adequação dos atos políticos (dos legislativos e executivos) à Constituição Federal cabe ao único poder político da República que não possui qualquer instrumento de controle democrático. Assim, sua tarefa de arbitrar conflitos de acordo com regras democráticas predefinidas, sua mediação entre os diferentes grupos sociais, e destes contra o Estado, revela-se, no mínimo, problemática.

DIAGNÓSTICO

A estrutura do sistema de justiça brasileiro blinda o poder judiciário, o que entra em contradição com os princípios da democracia e da soberania popular. Se por um lado há limites à atuação ideológica dos intérpretes das leis, por outro, é certo que o operador do direito tende a interpretá-las de acordo com sua própria visão de mundo. Mas se a

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decisão judicial constitui um exercício do poder político, é necessário proteger as decisões não apenas da visão de mundo de quem interpreta a lei, como também do risco de interpretações que apenas reproduzam a ordem econômica e política. Daí que as garantias de liberdade de formação de opinião de quem lida com a lei tenham que se combinar com estruturas democráticas de gestão do poder judiciário.

O que se vê, entretanto, de forma geral, é um compromisso ideológico entre o judiciário e a ordem estabelecida. A justiça acaba por tornar-se um instrumento da classe social hegemônica para reproduzir as desigualdades. Temos, nesse sentido, um sistema de justiça marcado pelo pela confusão entre o público e o privado, isto é, o entendimento de que o Estado é um bem pessoal, “patrimônio” daqueles que historicamente detêm o poder e que pode ser usado para fins particulares. Algo que a Operação Lava Jato nos confirma de maneira exemplar.

A desproporção do poder judiciário em relação aos outros poderes da República se ancora no modelo de garantia de livre opinião do intérprete da lei desenhado pela Constituição de 1988, no contexto da redemocratização. Tal modelo deu à magistratura e ao Ministério Público um desenho político-institucional flagrantemente individualista e desvinculado de qualquer controle democrático.

Uma vez selecionados por concurso público, os agentes da justiça submetem-se exclusivamente ao controle de um pequeño grupo dentro de suas das suas instituições, geridas pelos interesses das elites. Curiosamente, as corregedorias ainda são baseadas em lei anterior à redemocratização, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), de 1979.

Quanto à política de gestão do judiciário, é seguido um modelo no qual o critério de antiguidade é fundamental para manter os mais velhos como líderes responsáveis por buscar conservar privilégios e concentrado nas cúpulas (Presidência e Corregedoria) dos Tribunais de segunda instância (Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho) poderes. A falta de mecanismos democráticos garante a concentração do poder político sobre os concursos para ingresso na carreira, sobre a promoção de membros para os tribunais, sobre os processos disciplinares e sobre a remoção e transferência de membros pouco alinhados com a gestão oligárquica.

Outro ponto é a falta de controle sobre o orçamento do judiciário – que, em 2015, foi de R$ 79,2 bilhões (1,3% do PIB, e 2,6% das despesas da União). Pesquisas estimam que 70% dos juízes e procuradores ganham acima do teto constitucional.

Os altos salários de membros concursados do judiciário muitas vezes são justificados por meio do argumento da meritocracia, entretanto é importante lembrar que os concursos públicos selecionam indivíduos em uma base já elitizada da sociedade devido ao sistema educacional historicamente excludente no Brasil. À desigualdade no acesso combina-se a tendência da classe média de se acomodar, depois de concursada, a um estilo de vida

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que pouco considera a desigualdade social brasileira, mais um fator que os distancia da nossa complexa realidade social. O critério meritocrático reforça a mentalidade individualista da cultura judiciária, tendencialmente descompromissada com os direitos humanos.

Assim, toda a cultura jurídica nacional deve ser problematizada, desde a formação elitizada ao recrutamento meritocrático das carreiras do sistema de justiça. A visão de acordo com os interesses de classe está na base do mito da neutralidade ideológica do direito, que abstrai o fato de que toda lei é fruto de uma demanda social inserida num contexto histórico de disputa por hegemonia, razão pela qual a sua aplicação exige a ponderação de interesses, sempre tendo em vista o Estado Democrático de Direito. A ideologia da imparcialidade jurídica encobre, em vez de explicitar, as motivações dessa ponderação e a sua necessidade.

A prova do engessamento corporativista da oligarquia judiciária está no fato de que a justiça brasileira reproduz a desigualdade histórica estruturada nas sociedades latino-americanas. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 84% da magistratura é branca; na primeira instância cerca de 63% são homens, índice que aumenta para 80% nos tribunais de segunda instância e para cerca de 89% nos superiores. Assim, a tendência dessa estrutura é reforçar a desigualdade social, já que a justiça é desempenhada majoritariamente por membros da classe historicamente dominante.

O modelo de ascensão da magistratura e a indicação para os tribunais de segunda instância e superiores é historicamente condicionado por dois fatores: (1) os pequenos grupos de gestão da instituição tem o poder de indicar os nomes da lista tríplice a ser apresentada aos governadores e Presidente da República (que, no caso do STF faz a indicação livremente quando um ministro se aposenta, já que se trata de cargo vitalício); (2) a tendência ao fisiologismo político-partidário característico dos governos de coalizão no loteamento dos cargos da justiça, o que é ainda mais sensível pelo fato de que se tratam de cargos vitalícios e de desproporcional poder de interferência sobre questões políticas, econômicas e sociais.

No que diz respeito à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deve ser problematizada a gestão política aliada à lógica de mercado, tanto no ingresso de seus membros nos tribunais, quanto nas campanhas para a Presidência da entidade. Tais fatores contribuem para o distanciamento de pautas sociais, sobretudo aquelas enraizadas na desigualdade histórica da sociedade brasileira.

A justiça só se legitima através da democratização de direitos, uma vez que a dimensão essencial da democracia está não apenas em garantir direitos já existentes, mas em promover as condições para a sua efetivação através de políticas e de serviços públicos. Essa tarefa ressalta o poder político do judiciário, sobretudo quando confrontado com demandas sociais excludentes, inconciliáveis do ponto de vista do bem comum, devendo posicionar-se para compensar desigualdades históricas. O confronto entre a justiça

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social e a legalidade estrita é a condição para a democratização da justiça e para a promoção dos direitos humanos.

Há, ainda, um tema extremamente relevante relativo à democratização da justiça no Brasil: a crítica à estrutura, formação, atuação e independência das polícias (sobretudo a independência da Polícia Federal, muitas vezes decisiva para a investigação de casos envolvendo poderes políticos e econômicos). A ideologia que defende a repressão policial está em total contradição com os direitos humanos e o controle institucional de condutas abusivas cometidas por seus agentes está longe de prevenir a repetição de abusos de poder.

Essa ideologia reforça os estigmas contra grupos socialmente vulneráveis. A violência contra eles é banalizada, sempre legítima e justificável, mesmo sendo a ação da polícia flagrantemente ilegal. A manipulação do medo faz do suposto combate à violência um combate às próprias populações vulneráveis consideradas como responsáveis pela violência estrutural de que são vítimas. Assim, por exemplo, a violência da falta de moradia é transformada, pelo discurso hegemônico, em criminalização dos movimentos sociais que lutam por habitação.

PROPOSTAS

Controle social sobre o judiciário e soberania popular - Implementar mecanismos de participação e controle social na estrutura institucional através da criação de Conselhos de Controle Externo da Justiça com efetiva participação social, superando o modelo de controle interno e corporativo instituído pelo CNJ (onde a presidência e 9 dos 15 integrantes são membros do judiciário) e CNMP (onde a presidência e mais 7 dos conselheiros são membros do MP); - Implementação de ouvidorias-externas em todas as instituições de justiça e segurança pública, ocupadas por membros externos à respectiva carreira, com mandato eletivo por indicação da sociedade civil organizada, com poderes de escuta e assento nos órgãos de gestão das instituições do sistema de justiça, inclusive OAB; - As instituições do sistema de justiça devem se aproximar da sociedade civil organizada e estarem à serviço da população, buscando reconhecimento de sua legitimidade social, com o fomento da capacitação e do empoderamento da sociedade civil para a elaboração de experiências comunitárias de gestão e solução restaurativa de conflitos, incluindo a transferência de recursos financeiros. -A democratização nos processos de acesso às carreiras da justiça, incluindo o expediente das cotas como política de ação afirmativa; e a flexibilização de critérios antidemocráticos nas carreiras do sistema de justiça.

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Mudanças nos Tribunais - A instituição de mandatos para a composição dos Tribunais, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF); - Transformação do STF em Corte Constitucional, retirando o seu caráter de instância recursal, priorizando-se desse modo a decisão sobre questões estratégicas de relevância política; - Atualização da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) com participação social, instituindo a eleição dos gestores da máquina jurisdicional (Presidência de Tribunais, órgãos de direção e corregedorias) com a participação da magistratura de primeira instância e dos servidores da justiça; - Participação social nos procedimentos de indicação de membros da advocacia e do ministério público para os tribunais, sem prejuízo da criação de critérios eleitorais; - Dissociação entre processos de seleção de ingresso e promoção, e a gestão dos tribunais (Presidência e corregedoria), transferindo-se funções para órgãos como Conselhos Sociais de Justiça, com a participação da sociedade civil, a fim de democratizar a justiça e desconcentrar o poder.

Mudanças nos critérios de ingresso nas carreiras do sistema de justiça - Valorização de projetos de superação do modelo meritocrático, seja com a eleição de juízes e promotores, seja com a valorização de outros critérios complementares ao atual modelo, como a participação da sociedade civil nos critérios de recrutamento; - Expansão das cotas e políticas de ação afirmativa para o ingresso e ascensão nas carreiras do sistema de justiça.

A criação de órgãos externos de controle - Implementação de mecanismos de participação e controle social do Judiciário, como a constituição de Conselhos de Controle Externo da Justiça, superando o modelo de controle corporativo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), composto por membros do Judiciário, e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), composto por membros do Ministério Público; - Implementação de Ouvidorias Externas em todas as instituições do sistema de justiça, ocupadas por membros da sociedade civil organizada com mandato eletivo, com participação nos órgãos de gestão do sistema de justiça, incluindo a OAB; - Participação social nos procedimentos de indicação de membros da advocacia e do ministério público para os tribunais, sem prejuízo da criação de critérios eleitorais; - Abertura da gestão e dos currículos das escolas da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública para o controle social mediante o Conselho de Composição Social e a Ouvidoria Externa.

A especialização da jurisdição de conflitos coletivos - Estabelecimento de órgãos especiais de justiça ligados às causas de conflitos coletivos e à proteção dos direitos humanos. Tais órgãos atuariam conforme um modelo em diálogo com a sociedade, procurando compor seus conflitos, valorizando-se a informalidade, multidisciplinariedade e a simplificação de procedimentos como

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estratégia de aproximação da justiça da realidade social, tornando-a mais acessível à compreensão da população, e respondendo a demandas de violação de direitos humanos.

Mudanças legislativas - Reconhecimento das jurisdições indígenas, quilombolas e tradicionais com vistas a sua autonomia, com o fomento de projetos comunitários de justiça restaurativa, com a transferência de recursos estatais; - Implementação das recomendações da Comissão Nacional da Verdade sobre o sistema de justiça, como a revogação de leis que contribuem para a criminalização dos movimentos sociais, como a Lei de Organizações Criminosas e a Lei Antiterrorismo. O aperfeiçoamento de balizamentos às contrapartidas ao exercício da função de interesse público nas carreiras do sistema de justiça: - Vedação de remuneração que exceda o teto constitucional, independentemente da do tipo de remuneração acumulado na função; - Criação de impedimentos para agentes que exerçam cargos de governo, com a quarentena após a saída dos Tribunais; - Vedação aos patrocínios de eventos de associações de carreira e de instituições do sistema de justiça por empresas; - Regulamentação sobre a acumulação de cargos, com a proibição do recebimento de honorários paralelos à carreira jurisdicional; - Regulação das campanhas para o quinto constitucional e para a Presidência da OAB, para que sejam imunizadas contra a mercantilização de tais funções de interesse público.

BANDEIRAS

Controle social sobre o judiciário

Fim dos supersalários no judiciário

Combate ao abuso policial

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ESTADO, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO POPULAR E

REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a lei fundamental do país e serve como parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas. Ela declara como objetivos: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, etnia, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. E que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

Vivemos formalmente em uma democracia. Entretanto, faz mais sentido pensar na democracia como um processo, uma vez que as circunstâncias políticas, institucionais e históricas determinam, de maneira instável, as possibilidades democráticas reais e a efetividade da representação dos interesses populares.

Defendemos que o aprofundamento democrático só pode ser real e efetivo com a democratização dos espaços públicos de decisão, incluindo das políticas econômicas. O processo de aprofundamento democrático deve enfrentar as desigualdades e a exclusão, promover a diversidade e fomentar a participação cidadã. Somente por meio dele será possível fazer com que o Estado trabalhe em defesa do interesse público.

DIAGNÓSTICO A democracia grega, forma de governo que começou a se desenvolver em Atenas, em meados do século VI a.C., teve como fenômeno absolutamente original a separação entre o exercício do poder político e a propriedade da riqueza. A participação popular no regime foi decisiva, por exemplo, para manter a propriedade fundiária limitada e para impedir a escravidão por dívidas. O aprofundamento dessa relação – ampliação do poder político e defesa dos interesses dos mais pobres – caracteriza o processo de afirmação permanente da democracia desde suas origens.

Pensar assim significa, evidentemente, deixar em segundo plano a concepção liberal da democracia, que é fundada na ideia da separação entre as massas e o exercício do poder (democracia representativa) e na manutenção por lei, por meio do poder judiciário e do monopólio da violência pelo Estado, de um conjunto de garantias e privilégios econômicos e sociais.

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Fundamentalmente, a democracia se faz sentir nas sociedades capitalistas ocidentais com base na combinação entre voto universal e direitos sociais. Ou seja, a combinação da ampliação da participação política com a construção de mecanismos de proteção dos trabalhadores contra a superexploração por parte do capital.

No Brasil, esse processo de construção da democracia vem sendo marcado por avanços e recuos. Ele esteve no centro das disputas sociais que culminaram no golpe de 1964 e ganhou forte impulso a partir do final da década de 1970, quando um amplo conjunto de movimentos transformou o tema da participação política em um elemento central na luta contra a ditadura militar e nas reivindicações sociais que se seguiram.

A democracia participativa e/ou democracia direta tornou-se um dos fundamentos constitutivos desses movimentos. Desde os anos 1980, sobretudo em prefeituras de cidades governadas pelo Partido dos Trabalhadores e seus aliados, foram adotadas diferentes formas de consulta e participação popular, como o orçamento participativo. Mais tarde, ações do Governo Federal nas gestões de Lula e Dilma, como as conferências nacionais, cumpririam papel semelhante, ainda que com poder de decisão reduzido.

Por outro lado, o projeto neoliberal só poderia ser implementado por meio da redução da democracia. No Brasil, podemos citar como exemplos desse cerceamento: a Lei de Responsabilidade Fiscal – de 2000, lei que condiciona os gastos de todos os entes federativos à sua capacidade de arrecadação de tributos; a autonomia operacional do Banco Central – que poderá ser formalizada ainda em 2019; a Emenda Constitucional 95 – aprovada sob Michel Temer, que limita o crescimento das despesas do governo brasileiro durante 20 anos.

Apresentadas como formas de proteção da política macroeconômica e da política monetária contra “possíveis excessos” dos representantes eleitos pelo voto popular, essas ferramentas reduzem na prática os espaços democráticos que haviam sido conquistados em décadas anteriores e que estão previstos na Constituição. Essas restrições legais evidenciam a necessidade de impedir que a vontade popular interfira no gerenciamento da macroeconomia, uma vez que os interesses populares (ampliação e qualificação do SUS e da educação, por exemplo) entram em conflito direto com os interesses das elites econômicas.

Depois dos avanços observados durante os anos dos governos populares, o momento atual trouxe um retorno ao processo de fechamento dos espaços de influência democrática sobre a distribuição da riqueza.

Nesse contexto, o avanço de um projeto democratizante para o Estado brasileiro deve ocorrer em dois movimentos estratégicos distintos e combinados. O primeiro é reativo, voltado para a preservação dos elementos democráticos presentes no arcabouço institucional existente, e o segundo movimento é afirmativo, visando a retomar a pauta democrático-participativa construída pelos movimentos sociais dos anos 1970 aos 1990 e a combater as iniciativas antidemocráticas posteriores à aprovação da Constituição de 1988. Esses dois movimentos podem e devem ocorrer de maneira combinada e

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articulada, no mesmo período de tempo, levando em conta a correlação de forças como critério para a configuração da pauta prioritária em cada momento. É fundamental, ainda, que ambos os movimentos sejam compreendidos como partes de uma estratégia mais ampla, voltada para o aprofundamento permanente e radical da democracia entendida como controle popular sobre as decisões políticas e sobre a economia.

Reforma política

A reforma política é um tema recorrente, mas tende a estar orientada por interesses eleitorais e partidários. Isso reduz a questão a uma reforma do sistema eleitoral. Já para alguns atores da mídia ou da academia, a reforma política seria um instrumento para melhorar a governabilidade do Estado ou aumentar sua eficiência – dentro do atual status quo.

No âmbito da sociedade civil organizada ou em articulações que defendem o interesse público, a reforma política está inserida em um contexto mais amplo, que necessariamente diz respeito a mudanças no próprio sistema político, na cultura política e no Estado. Uma reforma política em sentido amplo deve englobar os processos de decisão e a forma de exercer o poder, as formas de participação e de representação política, as práticas políticas e todos os espaços de expressão política. Ela deve envolver o âmbito do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), dos entes federativos e suas relações (União, estados, DF e municípios), dos partidos políticos e da sociedade civil organizada. Alguns princípios democráticos se sobressaem como eixos para essa reforma política ampla: igualdade, diversidade, justiça, liberdade, participação, transparência e controle social.

PROPOSTAS Revogar a Emenda Constitucional 95 - Na prática, essa alteração constitucional retira dos governantes eleitos a capacidade de tomar iniciativa política nos campos orçamentário e fiscal, impedindo a implementação de políticas que aumentem gastos com saúde e educação, por exemplo. Impedir o aprofundamento da autonomia do Banco Central - Somente as pessoas detentoras de um mandato respaldado pelo voto popular devem tomar decisões sobre a moeda e a taxa de juros. Impedir o esvaziamento da autoridade da Presidência da República em favor do Congresso Nacional - É fundamental garantir a decisão soberana do voto popular, conforme o resultado do plebiscito de 1993, que rejeitou o parlamentarismo.

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Lutar contra o desmonte dos mecanismos institucionais de participação popular - É preciso afirmar a importância dos conselhos e conferências, além do estabelecimento de outras formas concretas de controle social, realizando uma avaliação profunda desses mecanismos. Reforçar os diferentes tipos de mecanismos participativos e de democracia direta - Esses mecanismos devem ser pautados pela diversidade, pela igualdade em termos de gênero, raça, etnia, orientação sexual etc., e devem garantir o acesso das camadas sociais excluídas aos processos de tomada de decisões políticas. Defender o aprimoramento da democracia representativa - É preciso garantir uma representação mais efetiva da vontade popular, enfrentando as sub-representações (trabalhadores/as, mulheres, negros/as, juventudes etc) e a influência do poder econômico nas decisões públicas. Para isso, devem-se restringir todas as formas de financiamento privado das campanhas eleitorais. Revogação dos mecanismos de restrição da vontade popular - Entre eles, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a autonomia operacional do Banco Central. Articular a reforma do sistema político com as discussões sobre a democratização da informação e da comunicação e a democratização do sistema de justiça

BANDEIRAS

Fortalecimento da democracia direta

Fortalecimento da democracia participativa

Democratização da informação e da comunicação

Democratização e transparência no Poder Judiciário

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FEDERALISMO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INTRODUÇÃO Partimos da definição de que a federação brasileira é muito desigual, tanto regionalmente quanto em relação aos 5.568 municípios, muito díspares em relação à densidade demográfica, dinâmica econômica, indicadores sociais e arrecadação tributária. Reiteramos a necessidade de fortalecer o protagonismo estatal conjugado com controle social possibilitando avançar nas transformações institucionais do Estado, de modo a recuperar sua capacidade de planejar e agir. Em paralelo, o Estado deve renovar as estratégias e ampliar os instrumentos para construção de pactos que respeitam a autonomia dos entes da federação, mas também fortalecem a cooperação entre eles.

DIAGNÓSTICO O Brasil está organizado como um Estado Federal, mas com aspectos peculiares. É a única Federação do mundo a reconhecer municípios como entes federativos em sua Constituição. A República Federativa do Brasil é, portanto, formada pela união indissolúvel dos 26 estados, 5.568 municípios e o Distrito Federal. Além disso, adotou um modelo cooperativo em que muitas competências são exercidas de forma conjunta pelos diferentes entes. Essa característica trouxe enormes avanços democráticos, com a ampliação de serviços e o aperfeiçoamento dos canais de controle e participação social municipais que contribuíram para uma maior democratização, ainda que insuficiente, uma vez que o município está mais próximo do cidadão o que amplia sua capacidade de atender às especificidades locais. Por outro lado, agregou mais complexidade às relações federativas, pois o arranjo das políticas públicas nacionais precisa ser feito entre os três diferentes níveis, todos autônomos entre si. Assim, falta à federação instrumentos adequados à coordenação das políticas públicas. Além disso, hoje, a participação dos níveis mais altos de governo na construção de estratégias em conjunto com as demais esferas federativas, sobretudo dos governos locais, baseia-se quase que exclusivamente na transferência de recursos financeiros. As regiões metropolitanas são grandes exemplos desse déficit de cooperação. Em cada estado foram adotados critérios e modelos distintos; na maior parte das regiões metropolitanas, o órgão gestor - quando existente - é estadual e as estruturas de paridade com municípios estão apenas no discurso, sem efetivação. Os fundos metropolitanos e outros instrumentos de financiamento do desenvolvimento regional são praticamente inexistentes. A superação dos desafios das grandes metrópoles

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brasileiras passa pela integração das políticas setoriais e pela integração de todo seu território em si, nas suas diversas escalas. Em nível nacional, as desigualdades regionais persistem, sobretudo na dicotomia norte-sul. Além disso, o universo dos municípios brasileiros é marcado por grandes diferenças demográficas, de dinâmica econômica, indicadores sociais, arrecadação, capacidade técnica e gerencial de suas administrações públicas. Atualmente, 70% dos municípios possuem menos de 20 mil habitantes e abrigam apenas 18,2% da população. Já os 283 municípios com mais de 100 mil habitantes acumulam aproximadamente 70% de toda a renda do país, enquanto os 3.915 municípios com até 20 mil habitantes representam menos de 10% da renda nacional. Por isso, qualquer proposta de Reforma Federativa deve levar em conta o enfrentamento dessas desigualdades e o papel na União na redistribuição equitativa dos recursos no território nacional, bem como, incentivar instrumentos de cooperação federativa e solidariedade territorial, como os consórcios públicos e colegiados regionais ou setoriais. Não há, entretanto, um modelo e diretriz única. Em inúmeras situações é possível afirmar que a centralização de atividades e competências na União podem surtir bons efeitos, como, por exemplo, nas compras de bens e serviços comuns em grandes escalas, como material escolar, medicamentos, dentre outros. Noutros casos, a descentralização pode ser o melhor caminho, abrindo espaço para a inovação e a criatividade no desenvolvimento local, a exemplo do orçamento participativo, projetos de economia solidária e incentivo às micro e pequenas empresas, ou à agricultura familiar. Em suma, há casos em que convém concentrar competências na União, há casos em que é melhor descentralizá-las para os estados ou municípios. O importante é que essa escolha seja fruto de um pacto, que respeite as autonomias dos entes da Federação e fortaleça a cooperação. Não há, portanto, como prescrever um único modelo de gestão para todas as áreas, sendo necessário que cada política setorial amadureça e apresente propostas de arranjo federativo adequadas às suas necessidades. O essencial é suspender pressupostos de uma lógica e concepção neoliberal de Estado que orienta suas práticas e normas a atuações tímidas e concentradoras. Esse ideário foi absorvido sem ressalvas pela opinião pública ao ser incansavelmente defendido pelos meios de comunicação. Essa ideologia, aliada a nossos processos históricos e sociais forjou um Estado orientado para o “não fazer”, burocratizado em seus procedimentos, cheio de controles que travam qualquer impulso transformador. Autoritário em seus métodos, o Estado parece eficiente somente na manutenção do status quo e em solapar direitos individuais e sociais, além de impedir a efetivação dos objetivos constitucionais. A precariedade da

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gestão tornou-se uma política de governo e serviu para converter o Estado brasileiro numa espécie de escritório de gerenciamento de negócios privados que extrapolaram as fronteiras nacionais. Todo este processo serviu para alienar ainda mais as camadas populares das estruturas sociais que lhes dizem respeito como a educação, o mercado, a segurança alimentar etc. Mesmo após a mudança de governo, em 2003, este cenário não se modificou totalmente, uma vez que seus pilares centrais permanecem erguidos, especialmente o sistema político, a política fiscal, e a concentração dos meios de comunicação de massa.

PROPOSTAS Reforma Federativa que busque: - reconhecer e reforçar o papel do Estado na administração pública, rejeitando a visão que o Estado deve trazer da iniciativa privada sua lógica administrativa supostamente mais eficiente, com “choques de gestão” e redução de gastos; - defender o pressuposto de que a orientação das ações do Estado pelo lucro é incompatível com uma gestão do Estado que aponte para uma ética cidadã; - reconhecer o papel central do Estado no enfrentamento das desigualdades e o da União, em especial, na redistribuição equitativa dos recursos no território nacional; - elaborar um modo de concepção, desenho, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas em que a construção coletiva, para além da mera participação, não seja uma característica marginal, mas central, imprescindível e fator de distinção das políticas públicas; essa participação popular deve estar calcada nos direitos humanos e priorizar a promoção da igualdade, a inclusão social, a sustentabilidade socioambiental e a reconstrução das amplas capacidades do Estado. - construir novas estratégias de pacto federativo que favoreçam a cooperação e que acelerem o fortalecimento dos estados e, em especial, dos municípios. - permitir que o governo federal gradualmente deixe de atuar de maneira tutelar e com viés de controle e passe a articular políticas públicas em harmonia com a autonomia política dos entes subnacionais, respeitando as realidades de cada localidade. Novo sistema tributário progressivo, simplificado e melhor fiscalizado - Promover uma reforma que compreenda não apenas a necessidade de progressividade, mas também a simplificação do sistema e a centralização do processo de arrecadação e sua fiscalização. Defendemos a existência de três tributos: um sobre a propriedade (imóveis, automóveis, embarcações, dinheiro etc.); um sobre a renda (salários, honorários, dividendos, lucros etc.); e outro sobre o valor agregado (comércio, circulação de mercadorias, indústria, serviços etc.).

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-Os tributos poderiam ser cobrados pelos níveis maiores (algo a ser estudado e pactuado, com vistas à eficiência e a redução de personalismos). Do montante arrecadado, ampliar o percentual de compartilhamento com os entes subnacionais. Promover a cultura do debate político - Estimular a cultura do debate na sociedade e fortalecer a participação dos partidos políticos e da população em torno das decisões coletivas, assim como avançar no desenho e implantação de mecanismos que promovam sua efetividade. A conquista do poder não deve ser para concentrá-lo, mas para distribuí-lo, sobretudo aos historicamente alijados. Construção de agenda de debates sobre Administração Pública com especialistas, beneficiários e representantes da população em geral a partir de uma lista preliminar de itens para discussão:

- competências; - parcerias com as organizações da sociedade civil; - mecanismos de participação social nas gestões; - mecanismos de articulação e coordenação (intra e inter setoriais) de políticas públicas; - oferta e qualidade de serviços públicos; - força de trabalho no setor público (recrutamento e seleção, formação, avaliação, remuneração, mobilidade etc.) - planejamento, Orçamento, Finanças Públicas e seus instrumentos (LOA, LDO, PPA, LRF, - Leis 4.320/64 e 10.180/01 e DL 200/67, entre outros); - órgãos de controle interno e externo; - contratações (uso do poder de compra, arranjos com setor privado etc.); - autonomia da administração indireta; - administração do patrimônio; - logística, TI, base de dados. Fortalecimento e ampliação dos sistemas nacionais - Buscar reforçar e aperfeiçoar, com a contribuição de toda sociedade (em especial seus usuários, gestores e funcionários públicos), de sistemas que busquem um desenho de cooperação entre os entes federados, como é o caso do Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o Sistema Nacional de Cultura (SNC) etc. Adoção de um modelo de gestão compartilhada das políticas públicas por meio de comissões tripartites e controle social - Para que as políticas sejam efetivas e de qualidade, é essencial que a população possa participar do seu desenho, gestão e avaliação; tal medida gera valorização das ações e resolução de problemas de forma coletiva, pautadas pela valorização da ideia de cooperação e comunitarismo. Além do mais, acompanhar e avaliar a execução das

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políticas e serviços públicos melhora a qualidade deles o que possibilita que a população, na prática, identifique os lados positivos da ação estatal.

BANDEIRAS

Reforma tributária justa: progressiva, simplificada e com fiscalização

Em defesa do fortalecimento e ampliação dos Sistemas Nacionais: SUS, SUAS

Participação popular no desenho, acompanhamento e avaliação de políticas e serviços públicos

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RELAÇÕES INTERNACIONAIS, INTEGRAÇÃO REGIONAL E

DEFESA

INTRODUÇÃO

A maneira como o Brasil se posiciona e se insere no cenário internacional reflete diretamente na vida e no cotidiano do povo brasileiro, e também na de outras populações. Este GT buscou definir diretrizes para uma política externa e de defesa a partir de um projeto nacional soberano e popular, pautado por valores democráticos, pela busca de igualdade, autonomia, desenvolvimento, integração regional e multilateralismo. Assume ainda uma posição anti-imperialista, anticolonialista, antirracista e feminista.

O Brasil não deve escolher ser o rabo do tubarão ou a cabeça da sardinha, isto é, alinhar-se de forma subalterna às principais forças imperialistas ou buscar reproduzir essa mesma lógica em sua relação com outros países da periferia. O que sim precisamos é priorizar alianças, parcerias e cooperações com países que possuem um passado de exploração e desenvolvimento semelhante para buscar, em conjunto, a independência com relação a limitações internacionais das mais diversas naturezas. Essas relações com outras nações devem sempre respeitar o princípio da autodeterminação dos povos e os direitos humanos.

DIAGNÓSTICO

Relações internacionais

Historicamente a atuação internacional do Estado brasileiro priorizou a subordinação em relação às grandes potências, especialmente Europa e Estados Unidos, em detrimento da criação de laços e processos duradouros e profundos com os Estados periféricos do sul global.

Durante o século XX essa posição consolidou a dependência econômica, financeira e tecnológica do país, resultando na baixa autonomia política do Estado para a gestão das políticas macroeconômicas e sociais. Poucos foram os governos que [pp2] buscaram garantir ao Estado brasileiro mais autonomia, interna e externamente.

A partir dos anos 1980, com a redemocratização, houve uma aproximação entre os Estados brasileiro e argentino e a defesa da integração regional. Nos anos 1990, formou-se o Mercosul. Após 2003, o novo direcionamento à política externa resultou na aproximação a nações em desenvolvimento e subdesenvolvidas por meio de processos

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de integração regional como a Unasul (2008). Nesse contexto, foi possível, também devido a mobilizações populares, arquivar a proposta dos Estados Unidos de criação de uma Área Livre Comércio das Américas (Alca), e os planos para a criação de uma força armada regional (“Otan dos pobres”). Outras alianças e coalizões políticas como o G-20, o Fórum Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) e o grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foram fortalecidas.

Essas iniciativas permitiram a contraposição a acordos desiguais e o arquivamento de propostas de instalação de bases estrangeiras no território nacional, como o protocolo 505 da base de Alcântara, no Maranhão. Além disso, deu-se início à construção de projetos políticos de integração regional, como o Conselho e a Escola de Defesa Sul-americana, ligada à Unasul, e fortaleceram-se iniciativas de cooperação política com os Estados Africanos, como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Coordenação-Geral de Cooperação Humanitária e Combate à Fome (CGFOME).

O reconhecimento dos laços históricos, sociais e econômicos com os Estados africanos, principalmente na questão do combate ao racismo e da luta pelo desenvolvimento, só encontrou um lugar de destaque nos governos Lula e Dilma (2003-2016). Entretanto, a relação com o continente vem sendo pautada pelo interesse na exportação de manufaturas e pela internacionalização de empresas brasileiras, como construtoras, a Vale e a Petrobrás.

Essa política externa foi alvo de críticas das forças políticas à direita, sendo qualificada como “ideológica”, “isolacionista” e “bolivarianista”. Com Michel Temer (2016), deu-se uma nova inflexão. O processo de integração regional foi enfraquecido, o que ficou marcado inicialmente pela mudança de postura com relação à Venezuela. Em seguida veio a candidatura do Brasil para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), também chamada de “grupo dos ricos”, uma vez que seus 36 membros produzem mais da metade da riqueza do mundo. A organização defende a proteção e promoção dos investimentos externos e, para isso, impõe uma série de alterações legislativas e políticas, além da defesa do avanço nas negociações entre o Mercosul e a União Europeia.

O governo de Jair Bolsonaro propõe uma mudança radical que inclui o abandono das relações sul-sul e a retomada da subordinação aos Estados Unidos, o combate ao multilateralismo – ou “globalismo” –, em defesa do chamado “Ocidente” cristão.

A permissão para a instalação da base militar de Alcântara, a cessão onerosa do pré-sal, a venda de empresas estatais como a Embraer e a Petrobrás são outras medidas que atacam fortemente a soberania e autonomia nacional.

Outro elemento de forte preocupação tem sido a defesa da invasão da Venezuela por parte dos Estados Unidos, em apoio a uma visão imperialista e rompendo com os princípios de defesa da autodeterminação dos povos e da estabilidade regional.

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Paralelo a isso, o campo popular, desde o século XIX vem construindo diversas experiências de articulação internacional de solidariedade e de lutas anti-imperialistas, que demonstram que o exercício das relações internacionais não é uma exclusividade dos Estados. Há também esforços de troca de experiências com atores políticos em outros continentes do Sul Global. Um projeto de integração regional e popular não pode prescindir dessas organizações e de suas experiências.

Defesa

O Brasil tem atualmente três documentos importantes na área de defesa: a Estratégia Nacional de Defesa, a Política Nacional de Defesa e o Livro Branco. Neles, por exemplo, foi ressaltada a importância do desenvolvimento nacional, da integração das três forças sob o comando do Ministério da Defesa, da necessidade de um complexo industrial-militar de defesa, da dedicação a três áreas específicas – nuclear, cibernética e aeroespacial, assim como o desenho dos “três espaços geopolíticos prioritários” para o Brasil: América do Sul, Atlântico Sul e os BRICS.

Entre as limitações dos documentos, podemos citar a baixa participação da sociedade civil (mesmo através do parlamento), a heterogeneidade entre as três forças armadas, o baixo poder (ou desejo/capacidade de exercício de poder) político-civil sobre as forças armadas e, uma questão especialmente importante para o campo popular, a possibilidade de emprego das forças armadas em questões internas foi mantida e até ampliada.

Considerando que o Brasil não é parte ativa de nenhum conflito internacional, a atuação das forças armadas vem se concentrando em duas frentes. A primeira é a manutenção da ordem interna e a segunda é a atuação nas fronteiras, com foco no combate a delitos transnacionais e na política de guerra às drogas – como no Projeto Calha Norte (Amazônia), no Sistema Integrado de Controle de Fronteiras (Sisfrom) e nas Operações Ágata (maior atividade brasileira, que mobiliza 30 mil militares). Nessa frente, situa-se também a delicada questão dos refugiados, cujo primeiro contato com o Estado Brasileiro são as forças armadas. As duas frentes refletem uma influência doutrinária estadunidense.

Isso leva à questão da necessidade de uma perspectiva regional na defesa nacional, buscando possibilidades de fortalecimento da tecnologia, da ciência e da afirmação de autonomia. Houve um movimento nessa direção, mas as instituições criadas não chegaram a se consolidar (Unasul, CDS, Celac, Esude).

Entre 2003 e 2016, houve medidas de reforço à base industrial de defesa, ao orçamento e reequipamento das forças armadas, e à cooperação regional, como a criação do Conselho Sul-americano de Defesa. Por outro lado, alguns temas causaram atritos entre o governo civil e as forças armadas, com destaque para o positivismo (forças armadas

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como “reserva moral do país”, acima das ideologias), o Levante de 1935, a Guerra Fria, a Luta Armada e, principalmente, a Comissão Nacional da Verdade.

Com a crise de 2008, a ascensão mundial de um modelo multilateralista, a descoberta do Pré-Sal e o aprofundamento da integração regional, observamos o aumento do assédio doutrinário dos Estados Unidos aos militares brasileiros. Para os estadunidenses, desde a Guerra Fria o papel das forças armadas latino-americanas é de contenção do inimigo interno. Por influência dos americanos, as forças armadas são, por exemplo, mais pró-americanas que pró latino-americanas. Isso é facilmente observável na missão de paz do Haiti, que serviu como escola para o posterior engajamento das tropas brasileiras nas favelas cariocas.

A crescente demanda por segurança por parte dos cidadãos, que se veem acuados tanto pelo aumento da criminalidade quanto pela violência policial, redundou no cada vez mais frequente uso das forças armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem. Previstas na Constituição (artigo 142 da Constituição Federal de 1988), reguladas por leis complementares e portarias, as GLO são instrumento constante de segurança interna – houve 133 operações entre 1992 e 2008, em movimento ascendente desde o segundo governo Lula (2007-2010).

Existe uma crença de que as forças armadas são nacionalistas. No entanto, há diferentes definições de nacionalismo e também de pátria. Os militares que estão no poder confundem pátria com território, sem a nação e seu povo. Os documentos que regulam a ordem interna e o emprego das forças armadas definem como “forças oponentes”, os “agentes da perturbação da ordem pública”. A lei define um inimigo interno que, se na década de 1960 eram os comunistas ou mesmo os democratas, hoje podem ser os movimentos populares ou algum outro inimigo de ocasião.

PROPOSTAS

Conselho Nacional de Política Externa - Escolhas e decisões do Estado brasileiro em política externa não devem ficar restritas a diplomatas e altos escalões do governo. Propomos a criação de um Conselho aberto à participação de estados, municípios, sindicatos, movimentos sociais, intelectuais, estudantes, empresários e representantes de instituições estatais. O Conselho deve garantir processos decisórios mais transparentes, legítimos e democráticos, além de assegurar que as iniciativas tomadas estejam em consonância com o projeto soberano de desenvolvimento nacional. Estados e municípios, de acordo com suas demandas e especificidades, também podem criar seus conselhos.

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Reestabelecer as parcerias estratégicas nas relações Sul-Sul - Atuar em parceria com Estados da América Latina, África e Ásia nos fóruns e organismos internacionais, como no Conselho de Segurança da ONU, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da OMC.

Integração regional autônoma na América do Sul - A integração regional deve compreender iniciativas nos campos político, econômico, produtivo, infraestrutura, social e cultural, buscando a cooperação e a complementaridade, inclusive na área de defesa. Ampliar a solidariedade entre os povos do nosso continente, principalmente em territórios em situação de conflitos domésticos, catástrofes naturais e intervenções externas. É preciso rechaçar a ingerência, o desrespeito à autodeterminação, o imperialismo e o uso desnecessário da força, segundo a tradição diplomática brasileira. Devemos criar mecanismos de atuação conjunta, se necessários, e fortalecer os já existentes, como Unasul e Mercosul, por exemplo.

Fomentar a integração regional e a participação social

- Os dois objetivos se encontram na realização de eleições diretas para o Parlamento do Mercosul e na melhoria dos canais de participação social regional. É preciso abrir espaços permanentes para os movimentos populares e garantir a construção de redes, reuniões especializadas e campanhas regionais.

Migração e combate à xenofobia - O Estado brasileiro deve promover políticas públicas que garantam condições dignas de vida a imigrantes e refugiados, incluindo o combate ativo à xenofobia. A Lei de Migração, de 2017, traz avanços em relação à legislação anterior (Estatuto do Estrangeiro), mas ainda precisa de regulamentação para ser efetivamente implementado. Propomos a criação de uma Autoridade Nacional Migratória, que substitua a Polícia Federal no trato com os imigrantes.

Forças Armadas a serviço do povo e sua soberania - Criar mecanismos civis de controle sobre as forças armadas: o Estado brasileiro deve excluir qualquer possibilidade de intervenção ou tutela política das forças armadas sobre os demais poderes e impedir ações de intervenções domésticas. - Revisar a formação das forças armadas brasileiras: sendo um campo privilegiado para a produção e reprodução de doutrinas, a formação deve valorizar a garantia da autonomia do Estado face às forças externas e o apreço pela democracia, abandonando a lógica do “inimigo interno”. - Retirar a Garantia da Lei e da Ordem como função dos militares: a atuação das forças armadas deve estar voltada exclusivamente para fora das fronteiras nacionais.

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Outra política de combate às drogas - A atual política de guerra às drogas, impulsionada pelos EUA e com aval da ONU, tem se mostrado ineficaz e intensificado o processo de militarização das sociedades, gerando inúmeros impactos sociais. O combate ao tráfico internacional de drogas deve ser feito por meio da cooperação regional autônoma na América do Sul, sem a interferência de Estados e exércitos externos.

Contra ingerências e intervenções imperialistas

- O Estado brasileiro deve respeitar a soberania e a autodeterminação dos povos, sem jamais permitir intervenções externas em outros países, muito menos deve atuar neste tipo de ação. Os direitos humanos não podem ser utilizados como uma justificativa política para a intervenção das potências imperiais contra outros países. As crises humanitárias são graves e sérias, criadas pelos próprios atores hegemônicos das relações internacionais, que depois utilizam essa situação para intervir na realidade dos países que lhes interessam. O Brasil precisa atuar respeitando sua tradição pacífica e diplomática, posicionando-se como mediador em busca da estabilidade e da resolução negociada dos conflitos.

Reverter as medidas nocivas à soberania nacional - Dentre as concessões de campos de exploração de recursos estratégicos (minas, petróleo) e a concessão da utilização da Base de Alcântara (MA) por forças armadas estrangeiras. Empresas nacionais devem ser explorar os recursos estratégicos e gerir fundos soberanos para investimentos em políticas públicas de saúde e educação, respeitando o meio ambiente e as comunidades impactadas pelos projetos.

Desenvolvimento de uma sólida Base Industrial de Defesa (BID) - O desenvolvimento de novas tecnologias de defesa deve ser parte da estratégia e política de Ciência, Tecnologia e Inovação. O Brasil deve priorizar o desenvolvimento de uma sólida Base Industrial de Defesa (BID), condicionando parcerias externas que incluam transferência de tecnologias, preferencialmente aquelas que permitam o uso dual (militar e civil). Deve-se buscar a cooperação regional no desenvolvimento e produção de produtos de defesa, em consonância com o interesse na integração regional. Devem ter protagonismo as iniciativas que visem o reequipamento das forças armadas, o desenvolvimento de tecnologias do setor aeroespacial e de monitoramento espacial, assim como a defesa do ambiente cibernético e informacional.

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BANDEIRAS

Respeito ao direito de autodeterminação dos povos e fim das ingerências e intervenções imperialistas nos países

Solidariedade entre os povos e integração regional autônoma na América do Sul

Retirada da Base Militar dos Estados Unidos no Brasil (Alcântara, MA)

Recolocar o Brasil como “país em desenvolvimento” na OMC

Contra o emprego das Forças Armadas em ações de Garantia da Lei e da Ordem

Democratização e reforma do Conselho de Segurança da ONU.

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SEGURANÇA PÚBLICA INTRODUÇÃO Pensar uma política de segurança pública compatível com os direitos humanos, com a democracia, e comprometida com o sistema de garantia de direitos em um projeto nacional soberano é desafiador. Para tal, defendemos um conjunto de princípios necessários para uma mudança de paradigma no qual as políticas públicas para a área tenham como prioridade o uso de instrumentos não violentos, e que o Estado busque formas de intervenção com o menor uso da violência possível.

Buscamos indicar alternativas baseadas na redução de danos e na minimização do sistema penal, apontando para uma transição a um novo modelo de justiça criminal no Brasil.

DIAGNÓSTICO

Temas vinculados à segurança pública como “criminalidade”, “violência” e “corrupção” ganharam uma posição central no debate político atual. As eleições presidenciais de 2018 reforçaram “soluções” ancoradas fortemente na tradição autoritária anterior à Constituição Federal de 1988. O populismo penal (mais repressão, leis penais mais duras, sentenças mais severas e execução penal sem benefícios) apresenta-se como “solução” nesse debate. Assim, reforça-se a tradição autoritária do Estado brasileiro, por meio de propostas que promovem a violação sistemática dos direitos, de garantias fundamentais e o abandono de valores centrais da vida democrática.

Não seria exagero afirmar que, atualmente, vive-se uma crise dos direitos humanos sem precedentes no período pós-redemocratização, estando os princípios da chamada Constituição Cidadã de 1988 sob constante ataque. No discurso e na prática, assiste-se, de um lado, à desproteção social crescente de grupos vulneráveis (pobres, moradores de favelas, idosos, mulheres, comunidade LGBT, afrodescendentes, quilombolas, militantes sociais, indígenas) e, de outro, à perseguição e criminalização seletiva contra esses mesmos grupos.

O discurso da maioria dos políticos e governantes, ecoado por parte dos meios de comunicação, sobre o combate à criminalidade legitima e mesmo enaltece os excessos e abusos cometidos pelo Estado, onde a tradição autoritária se faz presente, ignorando os parâmetros da legalidade democrática. Não foram formuladas políticas de segurança pública para além da exclusão ou eliminação de grupos indesejados, tampouco foram criados mecanismos significativos de prevenção da violência estrutural que caberia a esse mesmo Estado resolver. Assim, a desigualdade social e a pobreza são fatores que não têm lugar nas análises e nos discursos sobre segurança.

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Observa-se, portanto, a legitimação e intensificação do discurso repressivo, policialesco e punitivista que, apesar de ineficaz sob o ponto de vista científico, ganha cada vez mais espaço como “solução mágica”. As ações estatais e governamentais passam a visar cada vez mais determinados cidadãos do que de fato eventuais crimes cometidos e investigações perdem importância diante da seletividade e estigmatização sumária de minorias.

As “soluções mágicas”, junto com a naturalização da violência e a repressão são instrumentos do populismo penal para manipular a opinião pública. Determinados grupos sociais têm sido desumanizados a partir da falsa responsabilização pela crise política, social e econômica do país.

O tratamento de questões sociais como “caso de polícia” reduz a compreensão de conflitos sociais complexos que só poderiam ser devidamente abordados através da multidisciplinaridade e de redes institucionais de apoio que, embora muitas vezes existentes, não recebem os devidos investimentos para que efetivem a sua função constitucional.

Tudo isso não é por acaso. A criminologia crítica aborda a relação entre o controle penal da força de trabalho e o capitalismo, como forma de pressionar as classes subalternas a aceitarem as condições impostas pela desigualdade econômica. Trata-se, então, do controle penal dos indesejáveis ao mercado, com a segurança pública transformada em um mecanismo que auxilia na regulação do sistema econômico, e com o governo a serviço do mercado e da reprodução da desigualdade social, ou seja, na “manutenção da ordem”, expressão utilizada com frequência pelos adeptos do populismo penal.

Esse ideal de segurança pública como política de restabelecimento da ordem criminaliza as mobilizações por transformação social, o que é um evidente retrocesso, considerando que os direitos sociais foram conquistados através de reivindicações e de lutas na arena democrática.

Umas das consequências de todas essas concepções aqui elencadas é a alta letalidade das forças de segurança pública no Brasil. A estrutura das instituições policiais favorece e encoraja o uso desmedido e abusivo da força policial. É comum que nos registros oficiais execuções sumárias sejam registradas como atos lícitos, amparadas pelo direito à legítima defesa (autos de resistência). No entanto, a desproporção entre óbitos de policiais e de suspeitos civis faz com que entidades de defesa dos direitos humanos denunciem a letalidade policial como parte do programa de política criminal. Aqui, é importante apontar que a maior parte das vítimas da violência policial são homens jovens e negros. Aliás, esse segmento da população é o que está menos seguro no Brasil. Segundo dados Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2016, das 60 mil mortes violentas no Brasil, 81% delas foram cometidos contra pessoas com idades entre 12 e 29 anos. Destas, 99% eram do sexo masculino e 76,2% negras. Uma pessoa negra no Brasil tem 30% mais chance de ser vítima de um homicídio que uma pessoa branca.

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Também a política prisional reflete o mesmo programa, e como último estágio da neutralização de grupos indesejados, faz com que o Brasil tenha a quarta população carcerária mundial. É também sintomático que a população negra tenha 18% mais chance de ser presa. Ressalta-se, ainda, as condições carcerárias subumanas, sobretudo no que se refere à cultura da tortura, à superpopulação, aos direitos à saúde (mais sensíveis no caso de mulheres encarceradas) e à infraestrutura compatível com a dignidade humana.

Mesmo com a ampliação dos direitos sociais nas últimas duas décadas – políticas públicas de inclusão social, através de programas de distribuição de renda, redução do desemprego e ampliação do acesso ao ensino – a população carcerária aumentou, revelando que as iniciativas ainda foram insuficientes para reverter uma tendência histórica que, agora, com a interrupção das políticas sociais, tende a aumentar ainda mais.

Uma última questão fundamental relacionada à segurança pública no Brasil é a atual adesão à “guerra às drogas”, mais letal que os danos pelo uso de entorpecentes. Esse modelo bélico se consolidou após o colapso da Guerra Fria, com a escolha de um novo inimigo para mobilizar a indústria bélica e manipular a opinião pública. A pobreza relacionada à maioria dos incriminados por condutas relacionadas às drogas - maior motivo de encarceramento, no Brasil -, revela o objetivo de criminalização da pobreza. À essa abordagem repressora se opõe, como alternativa, a abordagem preventiva, interdisciplinar e terapêutica, baseada na redução de danos, na qual a questão das drogas é deslocada para o âmbito da assistência social e da saúde pública.

A segurança pública é tratada como direito fundamental pela Constituição Federal. Mas, como alertam estudiosos do tema, ela é um direito secundário, pois sempre se refere a um direito primário, à garantia de um outro direito anterior, ou seja, a segurança não pode ser vista como um direito isolado de outros. A tendência da segurança ser tratada como um valor em si e independente dos outros direitos revela, em uma sociedade desigual, que apenas os grupos privilegiados são protegidos pelo aparato estatal, que revela a sua função na reprodução da sociedade de classes. A relação entre o neoliberalismo e autoritarismo é essencial para esse fenômeno, e sua problematização passa por resgatar a importância dos direitos fundamentais contra os retrocessos no sistema democrático de garantias fundado na Constituição Federal.

O maior exemplo de medidas que não fortalecem uma sociedade justa e igualitária, muito ao contrário, é o “pacote anticrime” de Moro, que amplia as hipóteses de interpretação da legítima defesa, especificamente a agentes policiais; consolida a prisão em segunda instância; suprime recursos de defesa; amplia a captação de material para o banco de perfis genéticos, contra a garantia constitucional de vedação à autoincriminação; autoriza a escuta de conversa telefônica do advogado, fragilizando o direito de defesa internacionalmente reconhecido; aumenta os poderes do delegado em relação aos do juiz; amplia as hipóteses de audiências por videoconferência, contra o

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direito do preso de estar na presença do juiz; dentre outras medidas que enfraquecem o sistema de garantias fundamentais da Constituição.

PROPOSTAS

Uma política democrática de segurança pública deve se pautar pelo “direito penal mínimo, direito social máximo”. De acordo com essa visão, a reforma do sistema penal deve ser acompanhada pela redução da desigualdade social; o direito penal deve ser baseado nos direitos humanos e obedecer ao princípio da intervenção mínima, segundo o qual a resposta penal deve ser o último recurso do Estado para situações conflituosas. Algumas referências para uma política democrática da segurança pública são:

Descriminalização de condutas: - legalização e regulamentação do comércio e uso de drogas, para que passe a ser assunto de saúde pública e não de combate criminal; - descriminalização de contravenções penais, da maioria dos crimes punidos com detenção, a revisão das penas dos crimes de perigo abstrato e a ampliação de hipóteses de pena pecuniária ou restritiva de direitos; - descriminalização dos crimes sem vítima, como o aborto. - ampliação de casos de ação penal pública condicionada à representação, bem como de ações privadas, a fim de aumentar os casos de iniciativa da vítima para ação penal; - aumento relativo de ilícitos administrativos e civis substituindo alguns crimes. - superação da criminalização das opressões (homofobia, racismo, etc), por compreender que o Direito Penal não serve adequadamente à tutela dos Direitos Humanos. Despenalização de condutas: - desenvolvimento da justiça restaurativa (conforme as diretrizes do PL 7.006/2006) em comparação com o modelo punitivo; - abolição do sistema de penas mínimas; - redução das penas máximas, inspiradas na falsa ideia de que a prevenção é proporcional a pena; - ampliação dos substitutivos penais em alternativa ao encarceramento (suspensão condicional da pena, suspensão condicional do processo, livramento condicional, conciliação e transação penal), e das hipóteses de extinção da punibilidade; - indulto para crimes patrimoniais sem violência; - para os crimes patrimoniais comuns não violentos, permitir o ressarcimento do dano ou restituição da coisa; - exclusão da agravante da reincidência, com aumento das respostas alternativas à prisão.

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Descarcerização: - restrição das penas privativas de liberdade em caso de crime sem violência; - admissão da prisão provisória apenas para casos de grave ameaça ou de violência contra a pessoa; - restrição dos fundamentos (sobretudo a garantia da ordem pública e econômica) da prisão preventiva; - redução do tempo de pena para fazer jus ao livramento condicional, e a exclusão dos pressupostos gerais subjetivos; - que a remição penal seja de um dia de trabalho para um dia de pena; - ampliação das hipóteses de regime aberto (que o limite de pena para o benefício seja maior que quatro anos); - aceleração da progressão de regime na execução de pena; - implementação da progressão per saltum na hipótese de inexistência de vagas para o regime ao qual o condenado tem direito; - vedação da pena privativa de liberdade e da prisão provisória às gestantes e lactantes; - prisão albergue domiciliar e monitoramento eletrônico em caso de superlotação da prisão. Redução de danos do sistema penitenciário: - reforma prisional no que se refere às possibilidades de instrução, de trabalho e de serviços médicos; - revogação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD); - combate à cultura da tortura mediante a criação de mecanismos efetivos de fiscalização; - fiscalização humanitária efetiva das condições do cumprimento de pena; - efetiva separação dos detentos de acordo com idade, situação processual e natureza do delito; - investimento em programas profissionalizantes e de emprego de presos e egressos; (g) vedação à privatização do sistema penitenciário. Política criminal judiciária: - aumento das penas alternativas à prisão; - valorização das audiências de custódia; - que a impossibilidade de aplicação das medidas cautelares alternativas à privação de liberdade seja sempre motivada; - fortalecimento da defensoria pública em todos os Estados da Federação; (e) a vedação aos mandados de busca e apreensão genéricos. Política criminal policial: - reformulação da carreira policial, com gratificação por respeito aos direitos humanos; - investimento nas Ouvidorias e na independência de sua estrutura; - desmilitarização, incluindo investimento em armas não letais e em tecnologia preventiva em lugar da ostensiva.

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O fortalecimento de mecanismos inibidores do uso da força pelos agentes do Estado, e a menor ingerência possível sobre os direitos fundamentais. A primazia de instrumentos não violentos de intervenção estatal, baseada na redução de danos do sistema penal. A desmilitarização das polícias e o fortalecimento da capacidade e da independência investigativas (principalmente no caso da Polícia Federal, que tem papel preponderante contra crimes do poder político e econômico). O investimento na formação humanitária dos policiais, com políticas de incentivo a condutas de respeito aos direitos humanos. O investimento na pesquisa de dados para a formulação de políticas públicas baseadas em estudos de causa dos conflitos que antecedem o cometimento de um crime. A criação de mecanismos mais efetivos de investigação e de responsabilização em casos de abusos por agentes do Estado. O investimento para a melhoria das condições do cumprimento de pena, com a valorização de aspectos humanitários. BANDEIRAS

Desmilitarização das polícias

Direito penal mínimo, direito social máximo: mais direitos e menos cadeias.

O fortalecimento da rede de denúncias contra abusos policiais, e o acompanhamento de sua investigação.

Fim do genocídio da juventude negra.

Tortura é Crime! O fortalecimento da rede de denúncias de abusos cometidos contra os presos.

Lutar é um direito: não à criminalização dos movimentos sociais.

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SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO

INTRODUÇÃO

A partir de uma análise que coloca os meios de comunicação como eixo central da estrutura política, econômica e cultural da sociedade capitalista, procuramos identificar quem são os detentores desses meios, como e a serviço de quais valores operam. Em contrapartida, formulamos propostas que apontem para o exercício da comunicação como direito e como um serviço público que demanda regulamentações que garantam ao conjunto da sociedade acesso à pluralidade de informações, ajudando a aprofundar a democracia.

DIAGNÓSTICO

Os chamados meios de comunicação (conjunto de jornais, revistas, emissoras de televisão, rádio, provedores de conteúdo via internet, plataformas de entretenimento digital etc.) respondem por cerca de 6 a 7% do PIB, tanto brasileiro como mundial. Apesar de deterem uma fatia considerável de rendimentos, a totalidade da produção, transmissão e distribuição de conteúdo está concentrada nas mãos de poucas corporações. Essa concentração impede que a população tenha acesso a fontes variadas de informação e entretenimento, impondo valores hegemônicos voltados à perpetuação de um ciclo de consumo. Além disso, a diversidade e pluralidade de culturas, identidades, etnias, crenças que compõem a humanidade não são contempladas.

No Brasil, existem cinco grupos empresariais que detém mais da metade de todos os meios de comunicação em operação. O modelo de negócios, focado em explorar ao máximo a capacidade comercial do tempo de TV, e na disseminação de conteúdos a partir das chamadas “cabeças de rede” - emissoras líderes de rádio ou TV - faz com que as transmissões brasileiras de rádio e televisão carreguem uma narrativa única, baseada nos interesses de classe, gênero e etnia das pessoas que são as proprietárias desses meios.

É comum que esses meios sejam controlados por grupos políticos vinculados às elites locais – que utilizam seus veículos como mais uma forma de exercer e perpetuar seu poder. São frequentes também ilegalidades como a chamada propriedade cruzada dos meios de comunicação – empresas que possuem veículos de diferentes naturezas – jornais, revistas, portais de Internet, distribuidoras de TV por assinatura, produtoras de cinema. Outra irregularidade é o arrendamento da programação, ou seja, a venda de parte de espaço de transmissão a terceiros, ultrapassando o limite de 25% que pode ser

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destinado à publicidade, conforme estabelece o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT, art. 124).

Entretanto, como sabemos, a forma como hoje as pessoas consomem produtos midiáticos (notícias, vídeos, filmes etc.), vem mudando radicalmente. Mesmo os meios mais tradicionais (TV, revistas, jornais) têm tido, cada vez mais, seu conteúdo acessado via internet, seja pelo computador, televisão ou celular, conforme a demanda de cada usuário. Vem daí a tentativa de fomentar a televisão segmentada (canais exclusivos de filmes, esportes, notícias, variedades, infantis, femininos etc). Uma parcela importante da população já prefere os canais do YouTube aos programas de televisão; baixar música no SpotiFy a comprar CDs; assistir filmes no Netflix às salas de cinema ou mesmo aos canais lineares de filmes na TV paga. A mesma rede que, quando começou a se expandir, poderia vir a ser uma rede aberta, livre, colaborativa, está sob o controle do capital financeiro, por meio do Google, Facebook (dono também do Instagram e WhatsApp), Amazon, Netflix etc.

Essas corporações conseguem identificar e analisar tendências estéticas, culturais e políticas de seus usuários, ao passo que também as molda por meio da coleta indiscriminada e do tratamento massivo de dados pessoais. Essa configuração facilita significativamente o direcionamento e manipulação da propaganda política, prática que impacta profundamente a democracia. Empresas especializadas em garimpar dados passaram a vender influência sobre escolhas de opinião pública num cenário de ausência de regulamentação específica.

Em nosso país, os serviços de telecomunicação também estão altamente concentrados: três grandes companhias controlam 94% da banda larga fixa, 94% da telefonia fixa e 81% da telefonia móvel. O impacto dessa concentração para a oferta do serviço de acesso à Internet é brutal. Segundo a PNAD 2017, pelo menos 30% da população brasileira não possui acesso à Internet. Dados divulgados pelo CETIC – departamento relacionado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (2016) revelam que, nas classes mais baixas (46% da classe C e 76% das classes D e E) a internet é acessada exclusivamente pela rede móvel, por meio de pacotes de dados extremamente reduzidos, mas que permitem acesso livre a aplicativos como Facebook e WhatsApp, reforçando o poder dessas mídias.

Uma tentativa de proteção dos direitos civis na internet (liberdade de expressão, privacidade etc.) em âmbito nacional foi a lei denominada Marco Civil da Internet (MCI), de 2014. O MCI reflete a disputa capitalista entre o “novo capital” informacional-digital (Google, Facebook etc.) e o “velho capital” das operadoras de rede que controlam a infraestrutura de telecomunicações, disputa essa expressa no debate sobre a “neutralidade de rede”.

Este embate está colocado não somente em nosso país, mas nos principais centros capitalistas do mundo, e suas definições estão sujeitas às repactuações no interior do próprio capital midiático-financeiro. Dessa forma, é mais que urgente construir um

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programa de regulação e de políticas públicas para as comunicações que garantam um mínimo de diversidade e pluralidade aos conteúdos, coloquem em prática os dispositivos constitucionais que entendem a comunicação como direito e bem público, além de proteger a democracia e os cidadãos da captação indevida de dados para fins de manipulação política.

PROPOSTAS

Regulamentar os artigos da Constituição Brasileira relacionados à Comunicação -Tais como os artigos que vetam o monopólio e o oligopólio na radiodifusão (incluindo aí medidas para limitar a concentração em redes) e o que estabelece a complementaridade dos sistemas públicos, privado e estatal.

Regular os serviços de comunicação por camadas - Separar tecnológica e comercialmente todos os segmentos de comunicação social eletroeletrônica, entre a camada de rede (infraestrutura) e a camada de conteúdos. Isso implica em estender, para a radiodifusão aberta, a legislação já adotada na radiodifusão paga (Lei 12.485/2011), na qual empresas produtoras/programadoras não podem deter controle de redes de acesso e vice-versa.

Elaborar lei regulatória para o conjunto dos serviços de comunicação social eletrônica nos termos da Constituição, em especial o Artº 221 combinado com o Artº 222, § 3º, independentemente das condições econômicas e/ou tecnológicas de acesso. Esta lei, entre outros aspectos, deve: - reservar 33% do espectro de radiofrequência ao sistema público, garantindo espaço para os veículos comunitários e estruturando um sistema de fato autônomo em relação ao governo de plantão e que chegue ao conjunto da população brasileira, com o restabelecimento dos mecanismos de autonomia excluídos da lei que criou a EBC (Empresa Brasil de Comunicação). A sustentabilidade desses meios deve ser garantida pelo Fundo Nacional de Comunicação Pública; - acabar com a renovação automática das concessões, garantindo um processo submetido a amplo debate e impedir a venda e o arrendamento da grade de programação das emissoras; - limitar a propriedade cruzada dos meios e proibir que igrejas e políticos eleitos (ou parentes próximos) sejam proprietários diretos ou indiretos de canais de rádio e TV; - coibir manifestações discriminatórias e preconceituosas de todas as naturezas que possam induzir à violência contra qualquer ser humano, promovidas por corporações midiático-financeiras globais, da internet e de videojogos; - proteger crianças e adolescentes, adotando a classificação etária indicativa também nos conteúdos online e coibindo a publicidade direcionada a crianças de até 12 anos; - instituir um Conselho Nacional de Comunicações, com participação de representantes eleitos da sociedade civil, dotado de poderes políticos e regulatórios para formular e, uma vez adotadas pelos poderes Executivo ou Legislativo, fazer executar ou fiscalizar,

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políticas de comunicações, incluindo as camadas de conteúdo, a internet e as telecomunicações.

Uso do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para estimular a universalização do acesso ao conteúdo audiovisual nacional e a diversidade temática, estética, de gênero, étnica, e regional na produção, privilegiando pequenos produtores.

Estruturar políticas de comunicação local e comunitária em equipamentos públicos, como escolas e centros culturais; e buscar a inclusão de disciplinas de educomunicação e educação para a mídia nas escolas.

Garantir a universalização do acesso à rede e uma internet mais justa, mais barata, mais segura e democrática por meio de: - Fortalecimento da Telebras; - Descontingenciamento do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e sua aplicação em políticas públicas inovadoras, que garantam o acesso em todas as escolas, bibliotecas, órgãos e postos de saúde; que estimulem a construção de redes comunitárias, sem fins lucrativos, por parte da própria população; e que articulem os receptores de TV digital já distribuídos às famílias mais pobres junto a dispositivos de compartilhamento de Internet.

Reconhecer a internet como uma infraestrutura técnico-econômica distinta comercialmente da rede técnica de telecomunicações que lhe dá suporte e também dos serviços e "plataformas", sobretudo os de natureza comercial, fornecidos sobre ela. Tais serviços, que empregam a tecnologia da internet como provedores de conteúdos, devem estar necessariamente submetidos à Constituição e leis nacionais, considerando suas especificidades: - Serviços audiovisuais: serviços de streaming que funcionam como produtores ou distribuidores de conteúdos audiovisuais, seja distribuindo material de catálogo (Netflix, SpotiFy), seja funcionando como canais de rádio ou televisão (YouTube), que serão reconhecidos como tais para efeito de cumprimento da Constituição brasileira (Arts. 220-223) e, portanto, submetidos à legislação regulatória apropriada; - Serviços de mensageria: serviços de transmissão de mensagens, em princípio neutros quanto aos conteúdos (WhatsApp, Telegram, Skype etc.), similares pois aos Correios ou à telefonia, que serão reconhecidos como tais para efeito de cumprimento da Constituição brasileira (Art 21-XI) e, portanto, submetidos a legislação regulatória apropriada; - Serviços de interação social e outros remunerados basicamente pelos dados do usuário: são serviços de fato nascidos das potencialidades tecnológicas e econômicas da Internet, a exemplo das plataformas Facebook ou Google, que evoluíram para se tornarem corporações mundialmente poderosas em termos econômicos e políticos intervindo e afetando distintos ramos da comunicação social e da produção cultural (jornalismo, espetáculos, publicidade, biblioteconomia, vivência cotidiana etc., etc.), dificilmente classificável nos termos da legislação histórica, por isto estando a exigir

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tratamento regulatório específico no que tange à soberania e segurança nacionais, liberdade de expressão, direito à privacidade, combate a monopólios econômicos, entre outros tópicos; -Muitos outros serviços apoiados na internet não passam, realmente, de renovados negócios privados tradicionais explorando as possibilidades tecnológicas da rede, logo não precisariam de regulação, além da ordinária, a exemplo do comércio eletrônico, do táxi privativo etc.

Garantir a diversidade e pluralidade nas redes – incluindo mecanismos que evitem a concentração de conteúdo hoje constatada em plataformas como Google e Facebook – e fortalecer a participação popular na governança da Internet brasileira, por meio da estabilidade institucional do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Garantir a plena implementação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - Criação de uma Autoridade de Proteção de Dados independente do governo, dotada de mecanismos para o efetivo cumprimento da lei pelos poderes públicos e a iniciativa privada e gerida com participação social.

Recuperação do princípio da soberania nacional nas redes e infraestrutura de comunicação, implicando, particularmente na Internet: - na defesa de transferência para agência especializada tutelada pela ONU, da governança da internet, agência que deveria ser criada e que promoveria a elaboração e observância de tratados políticos, econômicos e técnicos internacionais (intranacionais) similares, guardadas as devidas diferenças, aos estabelecidos para as telecomunicações e radiodifusão quando essas tecnologias eram também nascentes nas primeiras décadas do século XX; - manutenção, no Brasil, de servidores de corporações globais que contenham e tratem dados de cidadãos e empresas brasileiras. BANDEIRAS Comunicação social como Direito e Serviço público.

Internet de qualidade e acessível para todos

Pluralidade e diversidade nas redes.

Defesa e estímulo à produção de conteúdo nacional, local e comunitário.

Defesa da comunicação pública e da autonomia da EBC (Empresa Brasil de Comunicações).

Anistia aos radiodifusores comunitários que respondem a processos judiciais.

Em defesa da comunicação comunitária.