Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro.

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Tecnologia e Ciências Escola Superior de Desenho Industrial Vinicius Freitas da Silva Guimarães Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2011

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Dissertação de mestrado de Vinicius Guimarães, realizado na Escola Superior de Desenho Industrial em 2011.

Transcript of Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro.

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Tecnologia e Ciências

Escola Superior de Desenho Industrial

Vinicius Freitas da Silva Guimarães

Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

2011

Vinicius Freitas da Silva Guimarães

Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Design, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Dr. Washington Dias Lessa

Rio de Janeiro

2011

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CTC/G

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

dissertação, desde que citada a fonte.

_______________________________________ _____________________

Assinatura Data

G963 Guimarães, Vinicius Freitas da Silva. Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro / Vinicius Freitas da Silva

Guimarães. - 2012. 152 f. : il. Orientador: Washington Dias Lessa. Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Escola Superior de Desenho Industrial. 1. Tipografia – Rio de Janeiro - Teses. 2. Design vernacular - Teses. 3.

Pintor de letras - Teses. 4. Letristas – Teses. I. Lessa, Washington Dias. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Escola Superior de Desenho Industrial. III. Título.

CDU 655(815.3)

Vinicius Freitas da Silva Guimarães

Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Design, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 9 de setembro de 2011.

Banca Examinadora:

_____________________________________________Prof. Dr. Washington Dias Lessa (Orientador)

Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ

_____________________________________________

Prof. Dr. Marcos André Franco Martins

Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ

_____________________________________________

Prof.ª Dra. Suzana Valladares Fonseca

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

2011

DEDICATÓRIA

Para Cacá e Maria Helena, meus doutores da alegria.

AGRADECIMENTOS

À minha família pelo apoio e torcida incondicionais, neste como em todos os passos

da minha vida;

À Camila Augusta, pela compreensão quanto ao tempo do namoro “roubado” pelo

trabalho, e pela preciosa companhia nos momentos em que era preciso esquecê-lo um pouco;

Ao professor Washington Dias Lessa, por acreditar na idéia do projeto, pela crítica

rígida e bem embasada que transmitiu segurança quanto aos resultados alcançados, por dividir

o seu conhecimento e superar as dificuldades que surgiram durante a pesquisa;

A Marcos Martins e Suzana Fonseca, por terem formado uma banca com

contribuições tão valiosas;

Aos professores e funcionários da Esdi, pela acolhida e dedicação que fazem da escola

um lugar especial;

Aos colegas de turma, pelo ótimo ambiente proporcionado, tornando as aulas tão

agradáveis quanto produtivas;

A Marcus Dohmann, Pedro Moura, Ricardo Esteves, Fátima Finizola e Alexandre

Salomon, por toda ajuda, com dicas, materiais ou idéias trocadas durante a caminhada que me

trouxe até aqui;

E a Borges, Edu, Jaime, Manuel, Masach, Michel, Tonny e Zanata, pela disposição em

participar da pesquisa através de seus relatos, sem os quais este trabalho perderia muito de seu

valor.

The printer is limited to the use of existing types; the designer of letters is bound only

by the limits of his own imagination.

William Heyny

RESUMO

GUIMARÃES, Vinicius Freitas da Silva. Tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro. 2011. 152 f. Dissertação. (Mestrado em Design) – Escola Superior de Desenho Industrial, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a tipografia pintada no centro da cidade do Rio de Janeiro. A escolha da área de pesquisa busca mensurar a importância da pintura manual como técnica de produção de elementos tipográficos na paisagem urbana de um bairro central de uma grande cidade, bem como a situação atual do ofício dos pintores de letras, principais responsáveis pela sua produção. Foi realizado um levantamento fotográfico extensivo por toda área, assim como uma série de entrevistas com os pintores. Uma revisão bibliográfica buscou identificar onde outros trabalhos dessa natureza são contextualizados à luz da teoria do design, principalmente através da investigação do vernacular como categoria analítica. Foram buscadas referências históricas relacionadas ao ofício da pintura de letras, a fim de comparações com o discurso dos pintores atuais, do qual foram apropriados elementos que, juntamente com a teoria do design e da tipografia, foram utilizados para a construção de um sistema de análise, que incluiu entre suas diretrizes a produção de dados quantitativos que permitam identificar os recursos mais recorrentes que constituem a linguagem gráfica pesquisada.

Palavras-chave: Tipografia. Vernacular. Pintores de letras.

ABSTRACT

This research aims to analyze the hand painted typography in uptown Rio de Janeiro city. One of the aims in choosing this area for analysis was to measure the importance of hand painting as a technique for producing typographic elements in the urban landscape of a central neighborhood of a big city. Another aim was to analyze the current state of the letter painters’ craft, who are mainly responsible for producing these elements. An extensive photographic survey sought out to identify where other works of this nature were contextualized in design theory, mainly through the investigation of the vernacular as analytical category. Historic references related to the craft of letter painting were collected for the purpose of comparison with what the current painters have to say. From these ‘speeches’, elements were taken and considered alongside design and typography theories, and used to build an analysis system. Among the guidelines of this analysis system is the production of quantitative data that enable to identify the most recurrent resources that comprise the graphic language investigated.

Keywords: Typography. Vernacular. Letter painters.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 -

Figura 2 -

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Escrita cursiva romana antiga (University of Michigan Papyrus

Collection) ……………………………………………………………....

Escrita rústica sobre mural em Pompéia (http://lila.sns.it/mnamon) ........

Escrita rústica utilizada em livro (http://www.mmdc.nl) .........................

Fotografia de John Baeder (BAEDER, 1996, p.42) .................................

Pintura de John Baeder (disponível em http://www.johnbaeder.com) .....

Centro do Rio de Janeiro (ilustração do autor a partir de imagem do

Google) .....................................................................................................

Área de pesquisa (ilustração do autor a partir de imagem do Google) ....

Quantidades de exemplos registras em cada subárea (ilustração do autor

a partir de imagem do Google) .................................................................

Telefone com sete algarismos (fotografia do autor) .................................

Exemplo de grafite (fotografia do autor) ..................................................

Grafite comercial (fotografia do autor) ....................................................

Trabalho de cartazista (fotografia do autor) .............................................

Detalhe de fotografia do Largo da Carioca tirada em 1891 (Acervo

Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro) ...........................................

Letreiro com linguagem historicizante (fotografia do autor) ...................

Trabalho de Alfredo Genovese (GENOVESE, 2008, p.98) .....................

John Downer pintando letras ....................................................................

Trabalho da New Bohemia Signs (http://www.newbohemiasigns.com) .

Fonte Bickham Script, projeto de Richard Lipton (ilustração do autor) ..

Trabalho de pintor de letras com referência em fonte tipográfica

(Helvetica Bold Condensed) (fotografia e ilustração do autor) ...............

Fonte Balloon, projeto de Max R. Kaufmann (ilustração do autor) .........

Fonte Brush Script, projeto de Robert E. Smith (ilustração do autor) .....

Fonte Dom, projeto de Peter Dombrezian (ilustração do autor) ..............

Cartaz impresso simulando produção artesanal (BELLON; BELLON,

2010, p.8) ..................................................................................................

Fonte Tomate, projeto de Ramiro Espinoza (http://www.re-type.com) ...

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Figura 53 -

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Figura 55 -

Fonte Calgary Script, projeto de Alejandro Paul

(http://typographica.org) ...........................................................................

Fonte Plastilina, de Miguel Cabrera (CARDINALI, 2010, p.73) ............

Placa pintada por Tonny (fotografia do autor) .........................................

Balcão pintado por Tonny (fotografia do autor) ......................................

Painel pintado por Edu (fotografia do autor) ............................................

Pintura a ouro feita por Zanata (fotografia do autor) ...............................

Pintura a ouro feita por Zanata (fotografia do autor) ...............................

Pintura a ouro feita por Zanata (fotografia do autor) ...............................

Trabalho de Jaime (fotografia do autor) ...................................................

Placa pintada por Borges (fotografia do autor) ........................................

Barraca de Borges (fotografia do autor) ...................................................

Pintura de Borges (fotografia do autor) ....................................................

Entrada do ateliê da família Silva (fotografia do autor) ...........................

Material de trabalho da família Silva (fotografia do autor) ......................

Placa da família Silva (fotografia do autor) .............................................

Trabalhos de Masach (fotografia do autor) ..............................................

Esboço do pintor Masach (fotografia do autor) ........................................

Marcação diferente da pintura final (fotografia do autor) ........................

Marcação diferente da pintura final (fotografia do autor) ........................

Sistema de trabalho dos pintores (ilustração do autor) .............................

Técnicas de pintura de letras (ilustração do autor) ...................................

Letras produzidas através de traço único (fotografia do autor) ................

Letras sendo preenchidas pelo pintor Jaime (fotografia do autor) ...........

Letras sendo produzidas através do traço composto pelo pintor Masach

(fotografia do autor) .................................................................................

Processo de pintura de letras (HUSSEY, 1916, p.10) ..............................

Modelo de plain letter (MATTHEWS, 1920, p.7) ……………………...

Modelo de plain letter (HUSSEY, 1916, p.6) …………………………..

Modelo de plain letter (HEYNY, 1913, p.69) …………………………..

Variação com serifas da plain letter (HEYNY, 1913, p.71) .....................

Alfabeto construído sobre grid (CROMWELL, 1890, p.2) .....................

"Monograma" para construção das letras O, C, G, Q, P, B, D, J, U, R e

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S (MILLER; THOMPSON, 1911, p.40) ..................................................

Modelo de base geométrica (MATTHEWS, 1920, p.11) .........................

Modelo geométrico em negativo (HUSSEY, 1916, p.19) ........................

Modelo de plain letter realizado com traço único (THOMPSON, 1909,

p.54) ..........................................................................................................

Modelo de "letra de arquiteto" (HEYNY, 1913, p.83) .............................

Esquema com contornos das letras (HUSSEY, 1916, p.19) ....................

Esquema com contornos das letras (MILLER; THOMPSON, 1911,

p.60) ..........................................................................................................

Unidade autônoma (fotografia do autor) ..................................................

Ambiente com diversas unidades .............................................................

Unidades de um mesmo sistema (fotografia do autor) .............................

Influência da função nos aspectos formais (fotografia do autor) .............

Influência da função nos aspectos formais (fotografia do autor) .............

Elementos arquitetônicos (fotografia do autor) ........................................

Elementos móveis (fotografia do autor) ...................................................

Elementos volantes (fotografia do autor) .................................................

Panorama dos elementos extra-tipográficos (ilustração do autor) ...........

Elementos decorativos (fotografias do autor) ..........................................

Elementos estruturais (fotografias do autor) ............................................

Elementos iconográficos (fotografias do autor) .......................................

Terminologia utilizada (ilustração do autor) ............................................

Alinhamento dos textos (ilustração do autor) ...........................................

Ocupação de todo espaço pela palavra (fotografia do autor) ...................

Linhas com condensações diferentes (fotografia do autor) ......................

Desordem visual (fotografia do autor) .....................................................

Trajeto de leitura vertical não usual (fotografia do autor) ........................

Trajetos de leitura (ilustração do autor) ...................................................

Diferentes tipos de distorção (ilustração do autor) ...................................

Exemplos de distorções (fotografias do autor) .........................................

Panorama cronológico do sistema de Dixon (DIXON, 2009, p.28) .........

Atributos formais da letra comercial (ilustração do autor) .......................

Exemplo de letra comercial (fotografia do autor) ....................................

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Exemplo de letra comercial (fotografia do autor) .................................... Exemplo de letra comercial (fotografia do autor) .................................... Atributos formais da letra manuscrita (ilustração do autor) ..................... Exemplo de letra manuscrita (fotografia do autor) ..................................

Exemplo de letra manuscrita (fotografia do autor) ..................................

Exemplo de letra manuscrita (fotografia do autor) ..................................

Atributos formais da letra geométrica (ilustração do autor) .....................

Exemplo de letra geométrica (fotografia do autor) .................................. Exemplo de letra geométrica (fotografia do autor) .................................. Exemplo de letra geométrica (fotografia do autor) .................................. Atributos formais da letra corrida (ilustração do autor) ........................... Exemplo de letra corrida (fotografia do autor) ......................................... Exemplo de letra corrida (fotografia do autor) ......................................... Exemplo de letra corrida (fotografia do autor) ......................................... Modelo de um manual (THOMPSON, 1909, p.11) ................................. Artefato de pintor atual (fotografia do autor) ........................................... Panorama de adornos (ilustração do autor) ..............................................Exemplos dos adornos encontrados (fotografias do autor) ...................... Combinações de adornos (fotografias do autor) .......................................

Letra comercial de Masach (fotografias do autor) ...................................

Letra comercial com caixa baixa (fotografias do autor) ...........................

Letra corrida de Masach (fotografias do autor) ........................................ Variação da letra corrida (fotografia do autor) .........................................Alternância de alfabetos diferentes (fotografias do autor) .......................Letra geométrica de Masach (fotografias do autor) .................................

Utilização de contornos externos (fotografias do autor) .......................... Trabalhos do pintor Masach (fotografias do autor) ..................................Letra comercial de Jaime (fotografias do autor) ......................................

Variação da letra comercial (fotografia do autor) .................................... Versão não desenhada da letra comercial (fotografias do autor) .............

Alfabeto em caixa baixa e com ligaturas (fotografias do autor) ..............

Letra geométrica de Jaime (fotografias do autor) ....................................

Letra geométrica de Jaime (fotografia do autor) ......................................

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Centralização e trajeto circular (fotografias do autor) ..............................

Utilização de distorções (fotografias do autor) ........................................

Ilustração de Jaime (fotografias do autor) ................................................

Trabalhos do pintor Jaime (fotografias do autor) .....................................

Letra comercial de Índio (fotografias do autor) .......................................

Letra comercial com terminações arredondadas (fotografias do autor) ...

Letras com serifa (fotografias do autor) ...................................................

Letra corrida de Índio (fotografias do autor) ............................................

Letras em caixa baixa (fotografias do autor) ............................................

Artefatos com grandes dimensões (fotografias do autor) .........................

Trabalhos do pintor Índio .........................................................................

Letra comercial de Edu (fotografias do autor) .........................................

Letra comercial em traço único (fotografias do autor) .............................

Regularidade formal (fotografias do autor) ..............................................

Letra corrida de Edu (fotografias do autor) ..............................................

Centralização de textos (fotografia do autor) ...........................................

Destaques com boxes e sombras externas (fotografias do autor) .............

Motivos recorrentes de ilustrações (fotografias do autor) ........................

Ilustração com intenção de realismo (fotografia do autor) .......................

Ilustração sintética (fotografia do autor) ..................................................

Principal estilo de ilustração de Edu (fotografias do autor) .....................

Trabalhos do pintor Edu (fotografias do autor) ........................................

Letra comercial de Sérgio (fotografias do autor) .....................................

Letra comercial em traço único (fotografias do autor) .............................

Alfabeto criado por Sérgio (fotografias do autor) ....................................

Letra corrida de Sérgio (fotografias do autor) ..........................................

Alfabeto semelhante a modelos caligráficos (fotografias do autor) .........

Alfabeto de modelo-base tipográfico, com terminações round ................

Utilização de faixas (fotografias do autor) ...............................................

Trabalhos do pintor Sérgio (fotografias do autor) ....................................

Letra comercial de Jairo (fotografias do autor) ........................................

Alfabeto criado por Jairo (fotografias do autor) .......................................

Letra manuscrita de Jairo (fotografias do autor) ......................................

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Figura 178 -

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Figura 181 -

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Figura 183 -

Trabalhos do pintor Jairo (fotografias do autor) ......................................

Tipografia pintada analisado pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisado pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Tipografia pintada analisada pela pesquisa (fotografia do autor) ............

Compensação ótica realizada pelo pintor Jaime, com formas redondas

indo além das linhas de base e de topo (fotografia do autor) ...................

Tiradentes/MG ..........................................................................................

Placa com linguagem de filete porteño ....................................................

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 -

Gráfico 2 -

Gráfico 3 -

Gráfico 4 -

Gráfico 5 -

Gráfico 6 -

Gráfico 7 -

Gráfico 8 -

Gráfico 9 -

Gráfico 10 -

Gráfico 11 -

Gráfico 12 -

Gráfico 13 -

Gráfico 14 -

Gráfico 15 -

Gráfico 16 -

Gráfico 17 -

Gráfico 18 -

Gráfico 19 -

Quadro 1 -

Faixa etária dos pintores ...........................................................................

Tempo de profissão dos pintores ..............................................................

Formação profissional dos pintores ..........................................................

Principais locais de trabalho dos pintores ................................................

Clientes dos pintores de letras ..................................................................

Funções da tipografia analisada ...............................................................

Natureza dos suportes ...............................................................................

Suportes mais recorrentes .........................................................................

Quantidade de cores por artefato ..............................................................

Cores de fundo ..........................................................................................

Cores sobre fundo amarelo .......................................................................

Cores sobre fundo branco .........................................................................

Cores sobre fundo azul .............................................................................

Cores sobre fundo verde ...........................................................................

Cores sobre fundo vermelho .....................................................................

Elementos extra-tipográficos ....................................................................

Modelos-base dos alfabetos ......................................................................

Presença de adornos .................................................................................

Incidência dos adornos .............................................................................

Alfabetos utilizados por cada pintor .........................................................

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SUMÁRIO

1

1.1

1.2

1.2.1

1.2.2

1.2.3

2

2.1

2.2

2.3

2.4

2.5

3

3.1

3.1.1

3.1.2

3.2

3.3

3.3.1

3.3.2

3.4

4

4.1

4.2

4.3

4.4

4.5

4.6

4.7

INTRODUÇÃO ................................................................................................. GRÁFICA URBANA E TIPOGRAFIA PINTADA ......................................

Categorias e terminologias ...............................................................................O vernacular: origens e significados para o design .......................................

Origens e apropriações do termo “vernacular” ...................................................Diversidade de significados do vernacular para o design gráfico ....................... Design e artesanato .............................................................................................

METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO ..................................................

Determinação do corpus de análise ................................................................. Levantamento fotográfico ................................................................................

Categorias e termos de análise ......................................................................... Parâmetros analíticos .......................................................................................

Entrevistas com os pintores de letras ..............................................................OS PINTORES DE LETRAS ..........................................................................

O pintor de letras como categoria profissional ..............................................

Registros do passado anterior ao design ............................................................. Mudanças com o surgimento do design moderno ............................................... Motivações do design de tipos a partir da pintura de letras .........................Entrevistas com os pintores de letras ..............................................................Pintores entrevistados .........................................................................................

Análise dos resultados das entrevistas ................................................................ Referências da atividade de pintura ................................................................ A TIPOGRAFIA PINTADA NO RIO DE JANEIRO ................................... O Centro do Rio de Janeiro e caracterização da área pesquisada ...............Tipos de ocorrências .........................................................................................

Função ................................................................................................................ Suportes ..............................................................................................................

Uso das cores ......................................................................................................

Elementos extra-tipográficos ...........................................................................

Análise tipográfica ............................................................................................

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95

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4.7.1

4.7.2

4.8

5

Disposição no espaço .......................................................................................... Análise das formas tipográficas .......................................................................... Análise dos principais pintores ........................................................................CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... REFERÊNCIAS ................................................................................................

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141

148

17

INTRODUÇÃO

O design gráfico, assim como outros campos do conhecimento, há muito deixou de

considerar válidas apenas referências produzidas por sua esfera canônica. O olhar do designer

gráfico para a cidade na pós-modernidade encontra uma infinidade de caminhos e lições para

quem busca uma comunicação visual efetiva e atraente. A tipografia, um dos pilares

fundamentais da teoria e da prática do design gráfico, encontra na anarquia visual das ruas

soluções no desenho e na utilização das letras que não se inscrevem no cânone do design. E

uma observação mais atenta das diferentes inscrições presentes na paisagem urbana pode

levar ao achado de refinamento e apuro técnico onde se presumia haver apenas improviso e

desleixo.

A história deste trabalho tem origem em minha graduação em design, realizada na

Escola de Belas Artes da UFRJ, durante a qual tive os primeiros contatos com a tipografia. A

necessidade inicial em buscar diretrizes sobre a escolha das fontes mais adequadas para os

primeiros projetos acadêmicos evoluiu para o interesse nas formas de cada letra, levando a um

mundo, compartilhado por muitos designers, que extravasa os limites do design gráfico, ao

incluir campos como a caligrafia clássica ou o grafite. Meu projeto final da graduação foi uma

consequência dessa primeira fase de aprendizagem da teoria formal, acompanhada do

despertar do olhar para as letras que nos cercam nas cidades. Vi nos lugares por onde passava,

no trajeto entre minha casa em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, e o

campus da universidade, na Ilha do Fundão, um sem-número de referências no chamado

vernacular que me motivaram a aventurar-me no design de tipos, repetindo uma mistura que

havia dado ótimos resultados nas mãos de outros designers. Além de observar mais

atentamente as características formais de todas aquelas letras, pude também ter um primeiro

contato com seus autores, os pintores de letras, que além de mais numerosos do que o

esperado, detinham algumas vezes um saber relacionado aos desenhos das letras superior ao

de muitos colegas meus de faculdade.

O olhar para a tipografia vernacular, termo consagrado no design brasileiro para se

referir aos exemplos de letras cujos autores não pertencem à esfera culta, geralmente

produzidas manualmente, aponta para uma série de aspectos diferentes, sendo o pitoresco da

linguagem gráfica popular e os inesperados resultados da imperícia técnica (muitas vezes

atrelado ao precário domínio da escrita e da língua) os que mais despertam interesse. Ocorre,

porém, que uma grande quantidade de exemplos que compõem o vernacular não se enquadra

18

exatamente nesses grupos. São artefatos cujos autores têm o domínio da técnica de produção e

cujos trabalhos, por motivos locais ou de mercado, não têm no naif seu aspecto predominante,

embora este possa se fazer presente. São os pintores de letras, personagens cuja atividade

possui uma longa tradição histórica, modificada por sucessivos avanços tecnológicos e cada

vez mais rara, pelo menos de acordo com uma impressão geral – cuja veracidade a presente

pesquisa se propõe a investigar. A escolha da área foi motivada por outra impressão

recorrente, a de que o decréscimo do número de pintores de letras teria ocorrido de maneira

mais incisiva (ou até mesmo que esses não poderiam ser encontrados) em regiões centrais e

nobres das grandes cidades, sendo apenas subúrbios afastados e cidades do interior os

cenários para sua atividade nos tempos atuais.

Ao se falar sobre o objeto-tema deste trabalho, é preciso levar em conta a ausência de

uma identidade gráfica local reconhecida relacionada ao campo profissional de seus autores,

conforme ocorre na mesma região, embora relacionada a uma produção individual, aos

artefatos do profeta Gentileza que fazem parte de sua paisagem urbana. São os aspectos

formais das letras produzidas nessa realidade urbana, cercada de produtos dos meios

tecnológicos e sem uma referência local que as una, o interesse desta pesquisa, aspectos esses

raramente investigados de maneira sistematizada, por não fazerem parte, em sua maioria, da

face mais celebrada do vernacular. Quais são, em termos quantitativos, os recursos mais

utilizados, como se dá o processo de trabalho de seus autores, o que os desenhos das letras

trazem de reflexo da técnica pela qual foram produzidos (e por isso a escolha de uma única

técnica – a pintura) são algumas das questões a serem investigadas.

A presente pesquisa tem como tema a análise de elementos tipográficos encontrados

no ambiente urbano da cidade do Rio de Janeiro, produzidos através da pintura manual

realizada por especialistas. Por estes, entenda-se profissionais que tenham como atividade

exclusiva (ou ao menos entre as principais) a pintura manual de peças de comunicação visual,

nas quais a mensagem textual tenha destaque, de tal maneira que determinadas técnicas de

confecção dos caracteres, adquiridas ou desenvolvidas empiricamente, sejam necessárias para

realização regular e satisfatória deste tipo de trabalho.

A pesquisa deu-se em quatro etapas, com eventuais superposições e alternâncias, a

partir das quais estão definidos os capítulos da dissertação. A primeira correspondeu a uma

contextualização teórica através de revisão bibliográfica sobre o objeto de estudo, a tipografia

pintada, situando entre diferentes abordagens aquelas que serviram de referência para a

dissertação (capítulo 1). A segunda, baseada em experiências com trabalhos anteriores, onde

foi delimitada a área de pesquisa e ocorreram a documentação fotográfica e o levantamento de

19

pintores de letras nela atuantes (capítulo 2). A terceira, de caráter antropológico, teve os

pintores de letras como tema principal, através tanto da busca por referências históricas como

de uma descrição da situação do campo profissional atual, esta última tendo como base

depoimentos dos próprios profissionais (capítulo 3). Na quarta parte foi feita uma análise das

ocorrências buscando incorporar categorias utilizadas pelos pintores de letras a parâmetros

analíticos correntes na área do design (capítulo 4).

Para o levantamento fotográfico, optou-se por utilizar, na etapa exploratória, trajetos a

serem percorridos, conforme feito nas pesquisas semelhantes de Baines (2002) e Finizola

(2010). Já o levantamento definitivo foi realizado de maneira extensiva na área determinada.

Todas as ocorrências encontradas que fizessem parte do tema desta dissertação foram

registradas no intuito de serem analisadas.

Na parte da pesquisa que trata sobre os pintores de letras, a categoria profissional é

objeto de análises diacrônica e sincrônica, sendo a última mais aprofundada dada a maior

quantidade de informações identificáveis nas entrevistas. Se por um lado há interesse em

verificar as transformações sofridas pela atividade profissional ao longo dos anos, migrando

majoritariamente da dita esfera culta para a popular ou vernacular, cabe também uma

comparação da situação real dos pintores de letras com a idéia, que beira o senso comum, de

se tratar de uma atividade em vias de extinção. A motivação das entrevistas, portanto, está não

somente na busca pelos aspectos que levam os pintores a tomarem determinadas decisões

formais em relação aos artefatos produzidos, mas também na identificação de um perfil do

pintor de letras no Rio de Janeiro de hoje.

20

1 GRÁFICA URBANA E A TIPOGRAFIA PINTADA

A gráfica urbana

As relações cognitivas por parte das pessoas quanto aos ambientes urbanos onde estão

inseridas ocorrem não apenas a partir das edificações, equipamentos urbanos ou estruturas de

um modo geral que constituem as cidades, mas também dos diferentes elementos gráficos que

utilizam aqueles como suportes. Podemos considerar, conforme apontado por Guimarães,

Lessa e Cavalcanti (2010), imagens figurativas, grafismos abstratos, cores, materiais, texturas,

elementos tipográficos, etc., relacionadas ao exterior de edificações (ou que participem da

visualidade mesmo estando em seus interiores) como constituintes de uma gráfica

arquitetônica, que por seu turno possui uma autonomia dada pela associação dos traços

externos à arquitetura interna. As unidades arquitetônicas também podem ser compreendidas

no contexto de uma gráfica urbana, por estabelecerem redes de inteligibilidade no espaço

urbano através de elementos não apenas arquitetônicos, seja através de ocorrências dispersas

neste espaço de um padrão funcional/visual, seja em relações de contiguidade definindo tipos

de ambientes urbanos geograficamente delimitados. Carlos Moreno faz uso da mesma

expressão em seu artigo “A gráfica urbana” (1982), no qual retrata a evolução histórica dos

marcos da cidade de São Paulo que, de arquitetônicos, passam a ser representados por

elemento de comunicação visual externa, como o “M” do McDonald’s ou o relógio do Itaú na

Avenida Paulista (NOGUEIRA, 2006).

Os diferentes elementos que compõem a gráfica urbana podem ser investigados de

maneira isolada, através de recortes que estabeleçam subconjuntos específicos. As ocorrências

tipográficas na paisagem urbana podem ser, por exemplo, compreendidas, segundo Gouveia,

Pereira, Farias, Barreiro (2007), como paisagem tipográfica. Os exemplos que compõem a

paisagem tipográfica têm como principal característica, que os diferencia sob certos aspectos

de outras funções de representação da escrita, fazerem parte de uma comunicação visual no

espaço público. Os artefatos aqui analisados podem ser inseridos nesse contexto, o que se

reflete em suportes que têm por objetivo a leitura simultânea por parte de um grande número

de pessoas a partir de distâncias médias ou longas (ao contrário de textos voltados para leitura

individual a curta distância).

De qualquer modo o tema dessa pesquisa pede algumas especificações categoriais

tendo em vista o universo dos elementos tipográficos. E isto levando em consideração tanto a

21

morfologia das ocorrências, quanto a sua caracterização antropológica, que aponta para o

confronto entre o canônico e o que é normalmente referido como vernacular.

1.1 Categorias e terminologias

Considerando a variedade de elementos tipográficos integrando a gráfica urbana, deve

ser discutido como se situa a tipografia pintada em relação às categorias referentes à

tipografia em geral e às terminologias correspondentes. Isto se impõe pelo uso distinto que

autores diferentes fazem de um mesmo termo, além de eventuais divergências quanto às

categorias e à maneira como denominá-las. A falta de tradição do que podemos chamar de

teoria tipográfica em língua portuguesa é um dos fatores que contribuem para essa dispersão

terminológica, agravada pelo fato de que mesmo tradições mais consolidadas, como a

francesa ou inglesa, não aplicam da mesma maneira termos equivalentes em suas respectivas

línguas. Posições mais radicais costumam gerar polêmicas entre partidários da simples

importação de termos e significados oriundos de outras línguas e os que já identificam certo

grau de consolidação da terminologia no Brasil a ser considerada.

Começamos pelo conceito de escrita, que neste trabalho é entendida como

representação visual de mensagens verbais através de sistemas codificados de elementos

gráficos, ou seja, com significado genérico o mais abrangente possível. Os termos que

definem as suas diferentes formas de produção, e que serão colocados a seguir, são

importantes como referência para análise, com a ressalva de que muitas vezes o limite entre as

categorias se dá não de maneira estanque, e sim através de superposições ou transições

graduais.

Das formas de escrita onde o gesto da mão humana é indispensável para a reprodução,

temos a escrita manual (handwriting, em inglês) para definir o produto de manuscritos de

um modo geral, onde o cuidado formal não representa necessariamente um aspecto relevante.

Quando tais questões passam a ser consideradas, utiliza-se o termo caligrafia, que possui uma

tradição baseada em modelos e instrumentos próprios. A tradução literal dos radicais gregos

kallós e graphein traz a idéia de “bela escrita”, e a proximidade com a escrita manual é

evidente. O grau de importância dado a cuidado e parâmetros formais por parte do executor

da escrita é o que diferencia a caligrafia da escrita manual, e isto costuma estar diretamente

relacionado com a função do artefato produzido. É possível identificar essa distinção mesmo

22

em tempos anteriores ao advento da impressão com tipos

móveis de metal, através da oposição de documentos

oficiais ou livros, cuja importância e perenidade

demandavam a utilização da caligrafia, a escrituras

corriqueiras de caráter mais informal, como determinadas

cartas e registros contábeis, realizadas de maneira rápida e

sem muito esmero. A partir desses conceitos seria possível

a diferenciação de modelos desde o advento do alfabeto

latino, ainda na Roma Antiga, como os chamados por

Gray (1986, pp. 17-8) de cursiva romana antiga (“old

Roman cursive”), cuja informalidade torna claro seu

caráter de escrita manual, e de escrita rústica, feita à pena

(“formal rustic script”, originalmente realizada com

pincel sobre murais, como nos exemplos encontrados em

Pompéia) na confecção de livros, podendo ser reconhecida

como modelo caligráfico.

Uma terceira categoria, semelhante à caligrafia

pela importância dada ao cuidado e elaboração formais, é

a do letreiramento, termo proposto por Farias (2004)

como tradução do inglês lettering. De um modo geral,

pode ser entendido como produção de caracteres

individuais únicos e/ou o modo como estes são arranjados

entre si. A principal discordância na aplicação do termo, que ocorre não apenas no Brasil, está

na consideração exclusiva ou não do processo manual de produção. A definição de Farias

(“processo manual para obtenção de letras únicas, a partir de desenhos”) segue a linha de

McLean (1997, p.50), que define lettering como desenho de letras à mão (“drawing of letters

by hand”) e salienta a dificuldade de estabelecer qualquer diferença real de significado entre

aquele e a caligrafia, termos frequentemente utilizados como sinônimos. De acordo com

Baines e Haslam (2005, p.90) o termo implica o uso das mãos e de uma ferramenta como

cinzel, lápis ou pincel, mas recentemente passou a incluir também o uso de programas de

computador. Ainda segundo os autores, o que distingue o letreiramento da tipografia

(categoria tratada a seguir) seria a criação de letras que, projetadas para serem ou não

reproduzidas, são essencialmente especiais e feitas para um determinado propósito; enquanto

a tipografia é desde seu início projetada para duplicação, e suas unidades (letras individuais)

23

podiam ser montadas para formar uma mensagem, desmontadas e reutilizadas para criar

outras mensagens. Quando o termo lettering é aplicado com seu sentido mais amplo, como

em “Lettering on Buildings” de Nicolete Gray (1960), passa a incluir não apenas letras de

toda natureza (esculpidas, mosaicos, forjadas em metal, utilizando néon, etc.), mas também a

combinação de letras pré-fabricadas industrialmente, lógica aplicável também ao meio digital.

No inglês ocorre a expressão handlettering, como subcategoria ligada ao processo manual.

Já o termo tipografia, no Brasil, é tradicionalmente utilizado na área do design

segundo duas acepções: referindo-se à tecnologia desenvolvida por Gutemberg e suas

sucessivas atualizações tecnológicas, chegando às fontes digitais dos dias atuais; ou de um

modo geral, como organização visual da linguagem escrita, relacionada à maneira como as

letras são usadas e organizadas visualmente num determinado espaço, independentemente de

como são produzidas (WALKER, 2001). Farias (2004) se refere ao primeiro sentido ao definir

tipografia como “conjunto de práticas e processos envolvidos na criação e utilização de

símbolos visíveis relacionados aos caracteres ortográficos (letras) e para-ortográficos

(números, sinais de pontuação, etc.) para fins de reprodução”; já a expressão “paisagem

tipográfica” refere-se à segunda acepção, conforme mostra o trecho abaixo:

Tipografia, neste contexto, deve ser entendida em um sentido mais amplo, que inclui caracteres obtidos através de processos que seriam mais bem classificados como letreiramento (pintura, gravação, fundição, etc.) (Farias, 2000), e não apenas aqueles obtidos através dos processos automatizados ou mecânicos. (GOUVEIA, PEREIRA, FARIAS, BARREIRO, 2007, p.2)

O projeto “Paisagens tipográficas – leitura do ambiente urbano através do

letreiramento e da tipografia”, desenvolvido pelo Centro Universitário Senac junto à Unicamp

do qual participam os autores da definição supracitada, ao aplicar o termo tipografia para

classificar os diversos tipos de inscrições encontradas no ambiente urbano (tipografia

memorial para inscrições de lápides em igrejas e cemitérios, tipografia acidental para grafites

a pichações, etc.) reproduz a significação mais genérica com a qual o termo consagrou-se

entre os designers no Brasil.

Ao optarmos pelo termo tipografia pintada, adotamos esta acepção genérica de

tipografia. Porém, diferentemente de pesquisas similares a esta – como a de Finizola (2010),

que se refere aos letreiramentos pintados na cidade do Recife como “populares” e “tipografia

vernacular urbana”, ou a de Bellon e Bellon (2010) que, segundo a mesma ênfase

antropológica, dão o titulo de “Typography for the people” ao livro sobre letreiros pintados

artesanalmente pelo mundo – optamos por destacar a técnica, embora não ignorando a questão

24

do caráter popular da maioria dos letreiramentos pintados, conforme desenvolvido no item

1.2.

No que diz respeito a pesquisas com enfoque em letreiramentos, destaca-se a tradição

britânica que teve como maior expoente Nicolete Gray, da qual fazem parte nomes como

Nicholas Biddulph, Jock Kinneir e Alan Bartram, tendo atualmente Phil Baines e Catherine

Dixon como principais pesquisadores. Além de considerável produção de títulos sobre o tema,

essas pesquisas resultaram no Central Lettering Record (CLR) da Central Saint Martins

College of Art & Design, em Londres, uma coleção de mais de 10.000 fotografias e 3.000

slides (BAINES, 1994) de letreiramentos. Nos Estados Unidos, vale citar a obra do pintor

foto-realista John Baeder, que vem fotografando e pesquisando a “sinalização das ruas como

arte popular” (“street signs as folk art”, BAEDER, 1996) desde os anos 60 e também

publicou títulos sobre o assunto.

Figuras 4 e 5: fotografia e pintura de John Baeder.

No Brasil, inicialmente apenas algumas iniciativas isoladas registraram diferentes

elementos que compõem a paisagem tipográfica, como o trabalho de graduação de Vera

Bernardes na Esdi em 1973, pesquisa pioneira sobre letreiramentos pintados no país; e o livro

“A tipografia na arquitetura do Rio de Janeiro”, de 1986, que relaciona as inscrições

registradas com a história da arquitetura e do urbanismo na cidade, e onde há clara influência

da tradição inglesa, já que um dos autores, Carlos Horcades, teve parte de sua formação no

Central Saint Martins College of Art & Design, onde lecionavam muitos dos nomes já

citados. Mais recentemente, em 2003, foram publicados “O Brasil das Placas: viagem a um

país ao pé da letra”, onde fotos de José Eduardo Camargo com exemplos pitorescos (mais

pelo conteúdo textual do que por aspectos formais, embora estes também se destaquem em

muitos dos artefatos registrados) de inscrições de toda natureza encontradas em beiras de

estrada são complementadas por texto em forma de cordel de L. Soares; e “Memórias

Tipográficas: das Laranjeiras, Flamengo, Largo do Machado, Catete e Adjacências”, do

25

designer Bruno Porto, que reúne fotografias de letreiramentos urbanos selecionados a partir de

sua relevância afetiva do ponto de vista pessoal do autor. Estas últimas obras não tiveram

como proposta uma análise sistematizada do material nelas reunido.

Nas últimas décadas, o crescimento do número de cursos de graduação em design,

assim como o surgimento de programas de pós-graduação específicos na área, resultou em um

substancial aumento de pesquisas acadêmicas ligadas à tipografia em suas mais diversas

faces. Atualmente, o já citado “Paisagens Tipográficas – leituras do ambiente urbano através

do letreiramento e da tipografia” (PAT) tem resultado em trabalhos com diferentes enfoques

em cidades brasileiras, como “Tipografia Arquitetônica Paulista”, sobre epigrafia

arquitetônica paulistana, e “Tipografia Arquitetônica Nominativa Carioca”, sobre portadas de

edifícios do centro histórico do Rio de Janeiro. Pesquisas que passam pela temática do

chamado vernacular constituem uma parte significativa da produção acadêmica no Brasil

sobre o assunto. Definindo as categorias analisadas como “tipografia vernacular”, “tipografia

popular”, ou “letreiramento popular”, se assemelham em diferentes níveis com a presente

dissertação: as definições dos objetos de estudo variam bastante, podendo incluir desde

exemplos de escrita manual e inscrições feitas por não especialistas onde a imperícia é a

característica mais marcante; ou tratar de obras também de especialistas, sendo estes restritos

a classes sociais menos favorecidas e/ou atuantes em segmentos de mercado que não serão

aqui tratados, como o cartazismo.

A atividade da pintura de letras é exercida majoritariamente por pessoas reconhecidas

como não pertencentes à dita esfera culta, principalmente pela ausência de formação em áreas

como design, tipografia ou caligrafia. Por isso, geralmente é incluída, do ponto de vista dos

designers, em uma categoria que se convencionou chamar de vernacular. Apesar das

ressalvas que devem ser feitas quanto à utilização analítica desse termo, conforme será tratado

a seguir, seus exemplos costumam despertar atenção por não utilizarem como referência

normas presentes na teoria culta, o que pode resultar em características distintas, que variam

entre o naif, o pitoresco ou uma grande vitalidade formal.

1.2 O vernacular: origens e significados para o design

Renunciando a muitos dos preceitos modernistas, que enxergavam na formação de

uma elite intelectual a constituição de uma classe capacitada para ditar diretrizes na

26

construção de uma nova visualidade, em diversas áreas ocorre uma aproximação por parte de

grupos dessa elite ao que é produzido por pessoas não pertencentes a ela. Na arquitetura,

enquanto a exposição do Moma “Architecture Without Architects” e o livro homônimo de

Bernars Rodofsky (1987) analisam o exótico ao olhar modernista, como construções de

antigas civilizações ou de tradições locais no oriente, “Learning from Las Vegas”

(VENTURI, BROWN, IZENOUR, 1972) trata da arquitetura do exagero típica de Las Vegas.

No design gráfico, artigos publicados na revista “Tipographica” (SPENCER, 1949-67) tinham

como foco elementos gráficos comuns encontrados no cotidiano das ruas em grandes cidades.

Essas e outras reações ao modernismo ajudaram a consolidar o vernacular enquanto categoria,

no início relacionado a tudo aquilo que era dissonante ao discurso modernista, mas com o

passar do tempo agregou novas conotações. De um modo geral, no entanto, predomina a idéia

do vernacular como aquilo que se opõe a uma saber culto, ou um “outro” em relação a este,

oposição essa marcada principalmente por não ser algo institucionalizado, embora haja de

alguma maneira uma sistematização do que é produzido.

1.2.1 Origens e apropriações do termo “vernacular”

O termo vernacular tem sua origem no latim verna, vernaculus ou vernacullum, que de

acordo com o filólogo Chester Starr (apud FARIAS, 2009) eram expressões que designavam

nativo, nativo de uma determinada localidade, romano ou, mais especificamente, escravo

nascido na casa de seu senhor. Ao longo da história, ganhou novos significados e aplicações

específicas para diferentes ramos do conhecimento. Há o caso das línguas ditas vernaculares,

entendidas como expressões de origem ou prática locais que se opõem a uma língua oficial

dominante, como na relação entre os idiomas espanhol, francês ou italiano com o oficial

latim, tanto no contexto do Império Romano quanto no da liturgia da Igreja Católica.

Por mais que ocorram variações no significado do termo vernacular em teorias de

diferentes áreas, a ligação semântica com sua origem etimológica persiste, mantendo certo

grau de coesão em suas aplicações. Na sociolinguística, os estudos de Willian Labov iniciados

nos anos 60 definem o vernacular como “o estilo [de fala] no qual o mínimo de atenção é

dado para o monitoramento do discurso” (LABOV, 1972, p.208). Em outras palavras, o

vernacular ocorre na ausência de qualquer tipo de pressão do ambiente, como situações que

exigem maior formalidade ou geram alguma forma de insegurança, o que possibilitaria um

27

discurso o mais espontâneo possível. Não por acaso, nos trabalhos de Labov a questão do

método de realização das entrevistas, cujos resultados são o objeto de estudo, é tratada

detalhadamente. O objetivo é criar condições para que se possa extrair dos entrevistados a

linguagem por eles utilizada no cotidiano, cuja observação propiciaria os dados mais

sistemáticos para uma análise da estrutura linguística.

No contexto das linguagens projetuais, Darron Dean (1994, p.153) indica que o

primeiro autor a utilizar o termo foi George Gilbert Scott, em “Remarks on Secular &

Domestic Architecture: present and future”, de 1857. Ao fazer referências a construções

realizadas por camadas sociais inferiores, tanto dos subúrbios quanto de zonas rurais da

Inglaterra, Scott recorria a expressões como vernacular house-building of the million ou

vernacular cottage-buildings (SCOTT, 2005, p.6). De acordo com Dean (1994, p.153),

quando a palavra vernacular passou a ser utilizada como um termo descritivo, no final do

século XIX, havia se tornado quase sinônimo do que se conhece como mito rural inglês

(“English rural myth”), conotação essa que teria se mantido praticamente intacta na Inglaterra

até os dias atuais.

Também no campo da arquitetura, Bernard Rudofsky contribuiu significativamente

para as discussões sobre a temática vernacular, principalmente se levarmos em conta a

relevância então dada aos ideais modernistas. Foi sua a curadoria da exposição “Architecture

Without Architects”, realizada no MoMA de Nova Iorque em 1964, assim como a autoria do

livro homônimo lançado no mesmo ano. Ainda no prefácio ele justifica a adoção do termo,

recorrente ao longo de todo o texto.

Architecture Without Architects attempts to break down our narrow concepts of the art of building by introducing the unfamiliar world of nonpedigreed architecture. It is so little known that we don’t even have a name for it. For want of a generic label, we shall call it vernacular, anonymous, spontaneous, indigenous, rural, as the case may be. (RUDOFSKY, 1964, p.3) 1

A metodologia é um fator importante na definição do vernacular para a arquitetura.

Segundo Thomas Hubka, os princípios fundamentais da arquitetura vernacular ou popular são

baseados na tradição. No artigo “Just Folks Designing: vernacular and the generation of

form”, de 1979, ele contesta o que chama de determinismo naturalista identificado em obras

que analisam a arquitetura vernacular (como as de Rudofsky), nas quais haveria uma noção

1 Arquitetura sem arquitetos tenta fazer com que enxerguemos além dos nossos conceitos restritos da arte da edificação através da introdução do mundo desconhecido da arquitetura sem pedigree. É algo tão pouco conhecido que nós nem mesmo temos um nome para isso. Devido à carência de um rótulo genérico, nós podemos chamar isso de vernacular, anônimo, espontâneo, nativo, rural, de acordo com o caso.

28

exagerada de metodologias intuitivas (ou quase “divinas”) valorizadas como causas místicas,

em detrimento a idéia de pessoas reais tomando decisões. Para Hubka, em comparação com

metodologias de projeto modernas, o vernacular se diferencia pela utilização de um campo

limitado de idéias e signos, estruturado pelo mundo físico e condicionado pela tradição local,

enquanto o projeto moderno é feito a partir de um campo infinito de idéias e conceitos

abstratos com capacidade ilimitada de suportar novas formas e idéias.

Enquanto Rodofsky fez uso do termo vernacular para classificar exemplos

arquitetônicos exóticos ao olhar ocidental, por se tratarem de soluções locais em regiões

desconhecidas pelo grande público, como cata-ventos para climatização no Paquistão ou

estruturas de palha do sul do Iraque, Venturi, Brown e Izenour tratam de uma paisagem

urbana típica dos Estados Unidos, ignorada ou criticada pelo modernismo, em “Learning from

Las Vegas”, de 1972.

A introdução do vernacular como categoria no contexto do design industrial é

creditada por Herwin Schaefer, em “Nineteenth Century Modern” de 1970, a John A.

Kouwenhoven, em “Made in América: The Arts in Modern Civilization”, de 1948. O

vernacular é tratado por Kouwenhoven como as especificidades da indústria estadunidense em

seus mais diversos aspectos, que se fazem mais evidentes quando na comparação com

similares britânicos. Fatores sócio-econômicos, como a formação mais empírica do que

teórica dos construtores de barcos a vapor, ou geográficos, como os terrenos acidentados e os

longínquos trajetos percorridos pelas linhas férreas (condições antagônicas às encontradas na

ex-metrópole, e para as quais suas locomotivas não haviam sido planejadas), influiriam

diretamente na forma final dos produtos da indústria local. Na introdução ao capítulo “What

is vernacular?”, Kouwenhovem faz colocações visando tornar clara a categoria à qual do

termo se referia.

They represent the unself-conscious efforts of common people, in America and elsewhere, to create satisfying patterns out of the elements of a new and culturally unassimilated environment; but this patternmaking is something altogether different from the folk arts which in recent years have been collected and studied with such enthusiasm. It has nothing in common with the balladry of the Kentucky mountaineers or the decorative crafts of the Pennsylvania Dutch. Unlike these, it is the art of sovereign, even if uncultivated, people rather than of groups cut off from the main currents of contemporary life. (KOUWENHOVEM, 1948, cap.2) 2

2 Eles representam os esforços não-deliberados das pessoas comuns, na América e em qualquer outro lugar, de criar padrões satisfatórios a partir dos elementos de um ambiente novo e não assimilado culturalmente; mas essa criação de padrões é algo deveras diferente das artes populares tradicionais que em anos recentes têm sido colecionadas a estudadas com tanto entusiasmo. Isso não tem nada em comum com o cancioneiro dos montanhistas do Kentucky ou o artesanato decorativo dos Pennsylvania Dutch. Ao contrário desses, isso é a arte de pessoas soberanas, mesmo que sem educação formal, ao invés de grupos isolados das principais correntes da vida contemporânea.

29

Victor Papanek, autor de trabalhos importantes sobre o papel social do design, trata do

vernacular em suas obras. Em “Design for the real world”, o termo é utilizado para descrever

o trätofflor, tamanco típico da Suécia, feito de couro, madeira e borracha, definido pelo autor

como “exemplo magnífico de design racional, vernacular” (PAPANEK, 1972, p.243). O

exemplo do trätofflor é citado para criticar a utilização de design como um fator que favorece

a estratificação da sociedade, através de produtos projetados e consumidos motivados pela

expressão de um status social. O tamanco sueco, que era vendido a preços módicos no país,

estaria sendo incluído nesse processo.

They have a life expectancy of at least four years, can be worn in every kind of weather and, being nearly identical, cut completely across social and income classes, conveying no idea of status. (It is interesting to note in this connection that, of late, trätofflor are being made in a variety of textures, colours, and artificial materials. This makes them tend to wear out faster; repairs are more difficult and sometimes impossible) They constitute, in their original form, a superb example of indigenous, non-manipulated design. Several brands of trätofflor have recently become popular in the United States where they became known as ‘Swedish clogs’ and sold at higher prices. (PAPANEK, 1972, p.243, grifos do autor) 3

Outra de suas obras, “The green imperative”, possui um capítulo intitulado “The

lessons of vernacular architecture”, no qual contesta todas as conotações do vernacular

(tratadas pelo autor como “falácias”) utilizadas na teoria da arquitetura, onde é interpretado,

entre outros sentidos, como algo histórico, exótico ou ligado à cultura popular. No lugar da

configuração do vernacular como categoria com um único significado, definido por conceitos

simples, é proposta uma rede dinâmica, onde ocorre a interação de uma série de componentes,

denominada de “matriz vernacular” (“vernacular matrix”, PAPANEK, 1995, p.136).

Na fotografia, o vernacular é entendido como a produção realizada por pessoas

comuns, em oposição tanto à fotografia artística quanto a trabalhos profissionais. Essa

distinção, segundo Liz Wills (1996, p.250), simplifica demais uma história complexa, apesar

de sua utilidade para fins acadêmicos ou na catalogação de acervos. Ao analisarmos o século

XIX, os chamados fotógrafos comerciais como o americano Henry M. Beach (1863-1943),

cuja obra é analisada por Robert Bogdan em “Adirondack vernacular: the photography of

Henry M. Beach” (2003), eram então vistos como realizadores de uma atividade menor,

caracterizada por formatos baratos, grandes tiragens e voltada para um consumo massificado.

3 Eles possuem uma vida útil de no mínimo quatro anos, podem ser usados em todo tipo de clima e, sendo praticamente idênticos, atravessam completamente classes sociais e de renda, sem transmitir nenhuma idéia de status. (É interessante notar sobre isso que, ultimamente, trätofflor têm sido produzidos com variedades de textura, cores e materiais sintéticos. Isso faz com que eles tendam a se desgastar mais rápido; reparos são mais difíceis e algumas vezes impossíveis) Eles constituem, em sua forma original, um esplêndido exemplo de design nativo, não-manipulado. Diversas marcas de trätofflor têm se tornado populares nos Estados Unidos recentemente, onde eles se tornaram conhecidos como “tamancos suecos” e vendidos por preços mais altos.

30

O reconhecimento tardio do apuro técnico e de um valor artístico em casos como o de Beach

que ocorre atualmente evidencia a diversidade de faces do significado da fotografia

vernacular, quando encontramos a mesma expressão fazendo referência a fotografias

amadoras (e que por isso não trazem agregadas o pedigree do autor) de temas cotidianos,

produzidas desde a popularização das câmaras fotográficas até os dias atuais, em obras como

“In the vernacular: photography of the everyday” (CUTSHAW, BARRETT, HERMAN,

KAPLAN, 2008), ou no artigo “Lost Worlds” (WILLIAMS, 2005).

1.2.2 Diversidade de significados do vernacular para o design gráfico

No âmbito do design gráfico, o vernacular passa a ser valorizado no contexto do pós-

modernismo, definido por Philip Meggs (2009, p.601) como o rompimento com o Estilo

Internacional dominante desde a Bauhaus. Para Lupton (1994, p.158), um dos princípios

fundadores do modernismo, movimento no qual o Estilo Internacional estava inserido, era a

crença em um distanciamento entre o design e a vida cotidiana, criando uma divisão entre a

cultura de consumo e uma vanguarda crítica. Essa divisão tornou-se um dogma acadêmico a

partir dos anos 50, com universidades e museus assumindo o papel de críticos de produtos

baratos e do grafismo das ruas. A importância do já citado “Learning from Las Vegas” está

na contestação dessa visão, propondo a inclusão da paisagem existente ao invés de um

reformismo elitista.

Em um primeiro momento, portanto, é possível entender o vernacular como sendo

tudo aquilo que não pertence ao discurso modernista (ou ao Estilo Internacional). Jeffery

Keedy (1994, p.101) diz que essa visão é fruto do enfraquecimento do modernismo como

discurso oficial, do qual os designers gráficos seriam tão dependentes que o pós-modernismo

teria causado uma crise de identidade. Segundo o autor, quando há dificuldades em se definir

alguma coisa geralmente é mais fácil definir o que essa coisa não é, por isso a definição de

vernacular para tudo aquilo que os designers gráficos não são. Essa visão do vernacular é

identificável na dicotomia presente nas expressões low culture e high culture, onde a relação

espacial hierárquica implícita é combinada com julgamentos de valores, como afirma Lupton

(1996, p.157). Os designers pertenceriam à instância superior, conforme retratado na

exposição “High and Low: Modern Art and Popular Culture”, realizada no MoMA em 1990,

onde jornais, propagandas e embalagens eram tratados como temas para os artistas modernos,

31

da mesma forma que paisagens, vasos de frutas e damas nuas o foram para os artistas

clássicos.

A contestação, por parte de designers gráficos, de muitos dos pontos do programa

modernista resultou em uma aproximação de referências por este rechaçadas: elementos

históricos e a grande massa de produtos realizados sem o seu aporte teórico encontrados nas

ruas. Meggs (2009, p.617) coloca que o design vernacular está estreitamente ligado ao

chamado design retrô, e a linha que separa os dois torna-se mais tênue quando o autor indica

entre os significados do vernacular algo típico de determinado período histórico. Dessa forma,

produtos de épocas anteriores à fundação de escolas de design se enquadrariam na categoria

vernacular tanto pelo caráter histórico quanto pela ausência de paradigmas modernistas.

A categoria do vernacular para o design gráfico surgiu trazendo consigo as conotações

de localidade e de oposição a uma linguagem dominante, presentes no termo original. A

resposta ao hegemônico Estilo Internacional, que de acordo com Meggs (2009, p.462) entre

outras características defendia uma grid matematicamente construída, fotografia objetiva e

texto que apresentassem informações visuais e verbais de maneira clara, livre dos apelos

exagerados da propaganda e publicidade comercial, assim como uma abordagem mais

universal e científica ao invés da expressão pessoal e soluções excêntricas, estaria em

linguagens que por não terem sofrido influência de seus dogmas universalistas mantinham

vivos traços de tradições locais. O designer americano Art Chantry (apud HELLER e

THOMPSON, 2000, p.17), referia-se às linguagens por ele apropriadas (catálogos de peças

industriais e outros objetos gráficos produzidos por artesãos ou artistas naif) como a

verdadeira arte popular estadunidense, enquanto Meggs (2009, p.599) aponta para um

fenômeno ocorrido no final do século XX em países ditos “em desenvolvimento” do oriente

Médio, América Latina, Ásia e África. Com um rápido crescimento econômico,

profissionalização do design gráfico e declínio de influências coloniais, passou a ser realizada

nesses locais uma combinação de tecnologias avançadas e tendências do design internacional

com formas vernaculares contemporâneas, buscando o desenvolvimento de uma identidade

cultural própria.

Com a gradativa importância adquirida pelo pós-modernismo, de tal forma que os

antes predominantes ideais modernistas passaram a se comportar também como signos

históricos, o vernacular passou a ser entendido não somente como as diversas linguagens não

consoantes com o discurso oficial, e sim como diferentes dialetos, que se constituem como tal

por razões históricas, regionais ou de qualquer outro tipo. Dessa forma, o próprio

modernismo, antes tido como pertencente a uma instância superior, tornou-se passível de ser

32

compreendido como uma forma de vernacular, ou, como descreve Lupton (1994, p.159), um

dialeto entre tantos outros, ao invés de uma gramática padrão. Jeffery Keedy (1994, p.102) dá

o exemplo da leitura da linguagem do design corporativo ou de embalagem dos anos setenta e

oitenta (realizados por “designers profissionais”) como uma forma de vernacular a ser

apropriada, recurso típico da produção dos chamados rave graphics (material impresso

produzido para divulgação de festas rave quando estas começaram a se popularizar, entre o

final da década de 80 e o início da de 90 – LUPTON, 1996, p.97) e questiona se designers

“inspirando-se” em revistas como Print ou Emigre também não estariam utilizando o

vernacular. A partir dessa conotação de “dialeto”, expressões como “vernacular primitivo”,

“vernacular comercial” ou “vernacular corporativo” fizeram-se necessárias em alguns casos

para caracterizar determinados tipos de linguagens.

No Brasil, o vernacular é compreendido para o design gráfico por uma gama mais

restrita de significados, em comparação com a literatura em língua inglesa, principalmente

tendo como referência a produção acadêmica no país. Não se trata de um termo técnico

“importado” de outras línguas, e sim de um vocábulo da língua portuguesa utilizado já no

século XIX (com o registro mais remoto de 1881, segundo CUNHA, 1986) semanticamente

ligado a tudo aquilo que é próprio de um país, nação ou região (HOUAISS, 2001). E é com

esse sentido que o termo é utilizado no Brasil por um teórico do design, no registro mais

remoto encontrado durante esta pesquisa, no caso Edna Cunha Lima em 1994:

Há os que vêem no design vernáculo, nas vertentes populares ou elitizadas (como produção da propaganda), uma tendência que beneficia a procura de uma identidade brasileira. (LIMA, 1994, p.25)

No entanto, o termo em questão acabou consagrando-se com uma conotação mais

ligada ao popular (no sentido de antônimo de erudito, conforme aponta FARIAS, 2009, p.3)

onde por isso o pertencimento a baixas classes sociais costuma ser uma característica de seus

produtores. Dessa maneira, trabalhos sobre a categoria dificilmente têm por objeto, para citar

exemplos do “vernacular comercial”, impressos banais realizados fora da instância do design

canônico, apesar dessa linguagem muitas vezes servir de referência, por parte de designers,

para a construção de um pop ou cult urbano. A faceta particular do vernacular no país foi

tema de trabalhos como “Os pintores de letras: um olhar etnográfico sobre as inscrições

vernaculares urbanas”, tese de doutorado de Marcus Dohmann (2005), ou na dissertação de

mestrado “Design gráfico vernacular: a arte dos letristas”, de Fernanda Cardoso (2003).

Sintomaticamente, pesquisas sobre temas bastante semelhantes preferem adotar o termo

33

“popular”, como o livro “Tipografia Popular: potências do ilegível na experiência do

cotidiano”, de Bruno Guimarães Martins (2007), a dissertação de mestrado “Panorama

tipográfico dos letreiramentos populares: um estudo de caso na cidade do Recife”, de Fátima

Finizola (2010), e a monografia “Letras que flutuam”, de Fernanda Martins (2008).

No artigo “Brazilian ‘vernacular’ type design and digital technologies” (2009), Farias

aponta que enquanto nos Estados Unidos e na Europa a tendência vernacular pode ser

interpretada como uma contestação ou rebelião contra o status quo de uma tradição, no caso

brasileiro esta é contemporânea ao nascimento de tal tradição. No texto sobre as fontes

digitais identificadas como “vernaculares” no livro “Fontes Digitais Brasileiras: de 1989 a

2001” (2003), a mesma autora coloca:

O design vernacular possui duas acepções: o design praticado antes da existência de escolas ou diplomas de design, e o design popular, informal, não acadêmico. Nas páginas a seguir, temos exemplos apenas dessa última acepção. (FARIAS, 2003, p.125)

Tal ressalva pode ser um indício de que a forma como o vernacular é compreendido

pelo design gráfico brasileiro seja reflexo daquelas que, entre todas as linguagens não

pertencentes ao design culto, foram consagradas pela constante apropriação por partes dos

designers no país.

É possível reunir as definições do vernacular em dois grandes grupos, um tendo as

idéias modernistas como referências e outro em um contexto pós-moderno. No primeiro, o

vernacular seria caracterizado por tudo aquilo que não seguisse o programa modernista. Tal

negação pode se manifestar motivada por razões históricas (em períodos anteriores à

construção do discurso modernista), através de elementos regionais (em oposição ao

universalismo modernista) ou pela ausência da metodologia modernista (que no lugar de uma

ausência total de metodologia pode ser mais corretamente definida como presença de uma

forma distinta de metodologia). Como reflexo desta última, teríamos a questão do anonimato

da autoria, já que pela ausência da figura do autor moderno os produtos seriam resultados de

uma realidade maior, apenas reproduzida inconscientemente por quem os realiza. Essa idéia

parte do fato de que embora seja visto como algo espontâneo e intuitivo, é comum a

identificação de modelos recorrentes.

Já no contexto pós-moderno, qualquer tipo de linguagem, constituída por razões

históricas ou regionais, inclusive produzida pelos próprios designers, pode ser compreendida

como uma forma de vernacular.

34

Não é apenas um de todos os significados do vernacular que costuma motivar a

inclusão da tipografia pintada nessa categoria. Primeiramente, a vertente popular da pintura de

letras (ou seja, realizada por pessoas que não pertencem à esfera culta) coloca-se como

periférica frente a uma linguagem oficial e dominante. E isto tanto no que diz respeito às

novas tecnologias, quanto aos responsáveis pelos trabalhos através delas executados. Estes,

sejam ou não designers formados, são considerados como pertencentes a uma instância

superior à dos pintores de letras. Por outro lado, considerar os pintores de letras como

portadores de uma linguagem local, teoricamente menos influenciada por um eventual

processo de uniformização internacional causado pela globalização, possibilita elevá-los ao

papel de portadores de uma identidade regional, outra vertente do vernacular, muito pertinente

para designers que buscam refletir em seus trabalhos referências locais, conforme será

analisado no item 2.2.

1.2.3 Design e Artesanato

A categoria do vernacular, dependendo do significado a ela atribuído, pode englobar

produtos do artesanato – que passa a ser relevante para este trabalho na medida em que os

trabalhos dos pintores de letras são produzidos artesanalmente. Por sinal, o artesanato está

entre as atividades que possuem um limite difícil de ser estabelecido rigidamente, em alguns

aspectos, com o próprio design. Fred Smeijers cita uma definição de Alexander Verberne que

se propõe definitiva:

If you think out something and make it yourself, then you are a craftsman. If you have to make specifications for it, for someone else to execute your plans, then you are a designer. (SMEIJERS, 2003, p.20) 4

A partir dessa idéia, Smeijers considera que fontes tipográficas do século XV eram na

verdade produtos de artesanato, categoria cujos autores podem apresentar grande destreza

técnica e até desenvolver uma assinatura pessoal, mas que geralmente não trabalham com um

conceito – que mesmo quando presente seria ligado a uma tradição, passível de poucas

alterações. O autor ressalta não haver estranhamento da utilização do termo design (no

4 Se você pensa em alguma coisa e a faz você mesmo, então você é um artesão. Se você precisa fazer especificações para isso, para que alguém mais execute seus projetos, então você é um designer.

35

sentindo de projeto, lembrando tratar-se se uma tradução para língua inglesa de um texto

originalmente em holandês) ao se tratar de arte pelo fato de criador, planejador e executor

serem a mesma e única pessoa (como na relação de Michelangelo com seus afrescos na capela

Sistina), aspectos não relacionados às conotações da palavra artesão. Enquanto presume-se

que o trabalho de um pintor terá variações, através de diferentes novas composições, o do

artesão estaria restrito à feitura de um mesmo tipo de produto repetidamente.

O design brasileiro tem sua relação com o artesanato discutida desde a época da

abertura de seus primeiro cursos superiores. Aloísio Magalhães (1985) não via no Brasil a

existência de artesanato propriamente dito, dentro do um conceito ortodoxo, pela ausência de

tradições profundas de cristalização de trato de matéria-prima que constitui formas artesanais

clássicas. Ele via sim uma disponibilidade imensa para criação de objetos, e entendia

trabalhos com características de artesanato como formas iniciais de uma atividade que quer

evoluir na direção de uma maior elaboração, caracterizada pelo alto índice de invenção em

uma atitude pré-design. O artesão brasileiro, por isso, seria basicamente um designer em

potencial, muito mais do que propriamente um artesão no sentido clássico. Já Lina Bo Bardi

tentou reproduzir em 1962 alguns princípios da Bauhaus, adaptados para terem como base o

artesanato nordestino, no projeto de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato a ser

instalada em Salvador, que nunca foi realizada (FARIA, 2008).

Atualmente, há uma nova e já consolidada área do design voltada para a produção

artesanal. Características econômicas e geográficas do Brasil, onde muitas comunidades

isoladas possuem um artesanato rico e tradicional, apesar de muitas vezes apresentarem

graves problemas sociais, levaram à utilização de ferramentas do design para melhoria da

realidade, ações essas que se enquadram no chamado design social. Nestes casos, o design

atua não através da simples apropriação de formas ou materiais, e sim como agente de

adequação dos produtos de artesanatos locais a um mercado consumidor globalizado, sempre

levando em conta a manutenção de seus valores tradicionais, através de iniciativas

empreendedoras que geram dividendos para seus autores. O Programa Sebrae de Artesanato

(2004) trata o design como um setor-chave, capaz de contribuir no que diz respeito à inovação

sem descaracterização dos produtos, baseado na compreensão dos contextos nos quais são

inseridos. No mesmo documento, a descrição do que caracteriza o artesanato, e o diferencia

das categorias arte popular e trabalhos manuais, torna possível entender a contextualização

da pintura de letras como um de seus exemplos.

36

A partir do conceito proposto pelo Conselho Mundial do Artesanato, define-se como artesanato toda atividade produtiva que resulte em objetos e produtos acabados, feitos manualmente ou com a utilização de meios tradicionais ou rudimentares, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade. (SEBRAE, 2004, p.21)

O mesmo ocorre com outras características comparativas citadas: produção de

pequenas séries com regularidade; produtos semelhantes, porém diferenciados entre si;

compromisso com o mercado; fruto da necessidade.

O entendimento da figura do pintor de letras atual como um artesão valida muitas das

colocações de Smeijers, principalmente em comparação com a atividade do design gráfico.

Apesar de o método de trabalho do pintor de letras incluir certo grau de planejamento (o que

talvez seja a principal característica que o diferencie de pintores incidentais, ou seja, os que

exercem a atividade esporadicamente e cuja imperícia é facilmente identificável no que é por

eles produzido), a utilização do termo projeto, da mesma maneira que o conceito citado por

Smeijers em relação ao artesanato, não se mostra adequada.

37

2 METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO

2.1 Determinação do corpus de análise

Para que a pesquisa tivesse início, era necessária a identificação de uma área que

oferecesse razoável quantidade de exemplos do tema de estudo. Observações anteriores já

indicavam o Centro da cidade do Rio de Janeiro como detentor de tais características, e por

isso um primeiro levantamento fotográfico exploratório foi realizado naquela área. Quem vive

ou trabalha na cidade trata informalmente como Centro uma área de limites pouco precisos,

pela existência de micro-regiões ou sub-bairros igualmente inexatos, como Cinelândia ou

Lapa, o que levou à utilização da regulamentação oficial como referência. Para esta pesquisa,

portanto, entenda-se por Centro do Rio de Janeiro a área definida pelo Instituto Municipal de

Urbanismo Pereira Passos como Região Administrativa (RA) II da Área de Planejamento

(AP) 1 (figura 6). Como parte dessa região havia sido percorrida durante uma pesquisa

anterior (que resultou no artigo “Comunicação visual de fachadas de lojas de suco no Centro

do Rio de Janeiro”, GUIMARÃES, LESSA, CAVALCANTI, 2010), já estava constatada uma

baixa concentração de tipografia pintada em determinadas áreas, que foram excluídas antes

mesmo do levantamento inicial.

Figura 6: Centro do Rio de Janeiro

38

O levantamento fotográfico exploratório foi realizado em trajetos previamente

planejados, definidos com a intenção de cobrirem todas as partes do Centro, excluindo as

áreas já citadas. A quantidade de ocorrências comprovou a viabilidade da pesquisa, e o alto

índice de assaltos e furtos levou à exclusão também das cercanias da estação ferroviária da

Central do Brasil. A configuração final da área de pesquisa pode ser vista na figura 7.

Figura 7: área de pesquisa

Para fins práticos visando o processo do levantamento fotográfico, foram delimitadas

subáreas tendo como critério somente a divisão da área total em partes com dimensões

semelhantes. Como nenhuma questão urbanística foi levada em conta, a divisão resultante não

é a mais apropriada para uma análise que busque incorporar a variável urbanística. No

entanto, é possível identificar preliminarmente algumas relações entre a quantidade de

exemplos de tipografia pintada e determinas regiões da área pesquisada, como no caso da

subárea denominada “Saara”, nome pelo qual é conhecido um grande centro de comércio

popular nela localizado, caracterizado pela altíssima concentração de estabelecimentos e pelo

intenso fluxo de pedestres, onde foi encontrada uma quantidade de artefatos muito superior ao

de qualquer outra subárea (figura 8).

39

Figura 8: quantidades de exemplos registradas em cada subárea

2.2 Levantamento fotográfico

Após essas primeiras definições, foi realizado um levantamento fotográfico mais

sistematizado, que tinha por objetivo tanto o registro de tipografia pintada quanto a busca

pelos pintores de letras. Não foi pretensão desta etapa esgotar absolutamente todos os

exemplos existentes, o que seria inviável pela característica de alguns suportes: placas móveis

que não são necessariamente sempre expostas, portas retráteis que só podem ser vistas quando

os estabelecimentos estão fechados, etc.

Devido à grande quantidade de material a ser coletado, além de outros fatores como

donos ou funcionários de estabelecimentos que se mostram hostis ao perceberem que estes

estão tendo suas fachadas fotografadas, ou a constante preocupação com a segurança, as fotos

foram realizadas da maneira mais rápida e discreta possível, sem maiores preocupações além

de registros com qualidade suficiente para a análise. O material bruto dessa etapa totalizou

1260 fotos, com a ressalva de que esse número não possui relação direta com a quantidade de

artefatos encontrados, já que mais de uma foto foi tirada de um mesmo local, assim como uma

única foto poderia incluir mais de um exemplo a ser analisado. Esse total foi depurado,

descartando as fotografias prejudicadas por questões técnicas, como baixa luminosidade ou

40

demasiada distância; descartando também os exemplos que em um segundo momento foram

identificados como não pertencentes ao tema da pesquisa, pela técnica ou pela autoria, ou

ainda que se encontrassem em estado precário que impedisse uma observação mais detalhada;

agrupando fotos diferentes que por ventura haviam sido tiradas de um mesmo artefato. Após

essas medidas, chegou-se ao total de 1230 fotografias.

Estabelecido o número de fotografias, foi necessário definir novos critérios relativos à

análise. Uma primeira decisão diz respeito aos artefatos que possuem mais de uma face, como

cavaletes ou placas pintadas nos dois lados. Optamos por considerar artefatos com faces

idênticas ou com diferenças mínimas (como a inversão de uma seta) como um exemplo a ser

analisado; enquanto que em casos de artefatos com faces distintas cada uma foi contabilizada

como um exemplo. Esse critério parte do princípio de que as soluções gráficas utilizadas são

mais relevantes para a pesquisa do que a simples quantidade de artefatos encontrados, mesma

premissa do critério de contabilizar como uma única unidade casos em que uma mesma

solução fosse encontrada em diversos artefatos. Segundo esses critérios, foram contabilizados

884 artefatos a serem analisados.

O conjunto de fotografias analisadas encontra-se reunido no Anexo, na forma de

arquivos digitais. Os arquivos estão numerados de 001 a 914. No caso de diferentes fotos de

um mesmo artefato, foi adicionada uma letra após a numeração (001a, 001b, etc.). Os

números que dão nome aos arquivos (914) extrapolam a quantidade de artefatos analisados

(840) porque durante a análise foram identificadas fotografias diferentes de um mesmo

artefato, por isso arquivos foram renomeados para serem identificados como fotografia

alternativa de um artefato já registrado. Por essa razão, alguns números do intervalo de 001 a

914 encontram-se suprimidos.

2.3 Categorias e termos da análise

Durante a revisão bibliográfica, foram identificadas pesquisas que se relacionavam em

diferentes níveis com o tema da tipografia pintada, que serviram de base para o sistema de

análise dos artefatos. Pelas especificidades do objeto de estudo do presente trabalho, tais

sistemas foram adaptados, com a criação de novas categorias necessárias ou exclusão de

outras que não se mostraram relevantes.

41

Quanto à terminologia utilizada neste trabalho, a intenção inicial era incorporar à

análise, sempre que possível, termos identificados no discurso dos pintores. O formato de

entrevistas únicas dificilmente provocaria a exposição de todos os termos por eles utilizados,

assim como provavelmente estes guardem certas limitações quanto a aspectos formais mais

detalhados dos artefatos, como as estruturas das letras. Por essa razão, foram reproduzidos

termos encontrados em outras pesquisas ligadas aos artefatos dos pintores de que tenham se

mostrado adequados também ao conjunto aqui analisado, principalmente as de autoria de

Abreu (2003) e Finizola (2010). Seguindo o mesmo princípio, recorremos a termos

tradicionais da tipografia, do design de tipos e da caligrafia clássica quando necessário.

Especificidades do conjunto analisado demandaram a criação de novos termos, cujos

conceitos são descritos ao longo do trabalho.

Foi utilizada também uma outra fonte de referência, além das já citadas, que merece

uma análise à parte. Trata-se de uma série de manuais voltados para a pintura de letras,

publicados nos Estados Unidos, datados entre o final do século XIX e as primeiras décadas do

século XX. Sua relevância para essa pesquisa se dá em muitos aspectos: além de se tratarem

de teorias (mesmo que com um viés mais prático típico dos manuais) voltadas

especificamente para essa atividade, assim como utilizarem uma terminologia a ser

considerada, mostraram-se uma importante referência para comparação com os resultados

obtidos nas entrevistas, relacionados a aspectos tanto técnicos quanto antropológicos.

2.4 Parâmetros analíticos

A opção pelo levantamento extensivo, assim como limitações de tempo e

possibilidades, inviabilizou um maior detalhamento analítico, tornando impraticáveis a

consideração de alguns aspectos, como a localização exata, as dimensões ou os materiais que

compõem cada artefato, ou a observação de diferenças mais refinadas quanto a detalhes

formais das letras. Por outro lado, porém, foi possível uma análise com sólidas bases

quantitativas. Tomando como exemplo a análise tipográfica, foram considerados, dentre a

vasta gama de aspectos formais tratados pelas diferentes referências teóricas, aqueles

identificados durante a observação dos artefatos como sendo mais importantes no tocante à

caracterização dos alfabetos produzidos pelos pintores. Informações sobre tais aspectos, ao

42

serem convertidas em dados quantitativos, constituem um retrato fiel de sua relevância em

relação ao total analisado.

A partir dos critérios utilizados na análise do total de artefatos registrados no

levantamento fotográfico, foi realizada uma segunda análise mais aprofundada, dessa vez

tendo como objeto a produção individual dos pintores mais importantes, no que diz respeito à

quantidade de artefatos encontrados, no Centro do Rio de Janeiro.

2.5 Entrevistas com os pintores de letras

O levantamento dos pintores foi realizado simultaneamente aos registros fotográficos,

através da identificação de assinaturas encontradas nos artefatos (já que alguns destes

profissionais têm por hábito deixar inclusive o número de seu telefone), por alguma eventual

forma de propaganda de seus serviços, ou por indicação de seus clientes. Desta maneira, a

presença de um local de trabalho fixo na área pesquisada, como uma loja ou oficina, não foi

considerada como fator fundamental para inclusão dos profissionais nesta pesquisa, e sim a

autoria de elementos gráficos que compõem o ambiente urbano registrado.

As entrevistas tiveram por objetivo conhecer o perfil dos pintores de letras, em

especial a sua formação e atuação no mercado, assim como identificar as influências que os

levam a tomar determinadas decisões em seus processos de trabalho. A metodologia utilizada

foi a de entrevistas estruturadas (GIL, 1999), onde se buscou preencher o mesmo modelo de

formulário a partir das respostas de todos os entrevistados, o que possibilita um tratamento

quantitativo dos dados. Devido às idiossincrasias dos pintores, perguntas sobre questões mais

específicas foram feitas quando necessário. O formulário foi desenvolvido tendo como

diretriz a obtenção das informações de interesse desta pesquisa da maneira mais objetiva

possível, sem demandar muito tempo do entrevistado e tornando assim prática sua aplicação.

As perguntas formuladas podem ser divididas em quatro partes. Na primeira, são

coletados dados pessoais e informações sobre a relação do entrevistado com o ofício da

pintura de letras. Na segunda, são abordadas questões referentes ao que é por eles produzido:

material, técnica e processo criativo. A terceira parte se concentra na tipografia, enquanto a

quarta tem como tema a situação do mercado no qual os entrevistados atuam.

43

I. dados pessoais e histórico

01. Nome e idade

Nome da profissão e há quanto tempo a exerce

Trabalha exclusivamente com isso?

02. Início na pintura de letras e formação profissional.

03. Já ensinou o ofício a alguém?

04. Residência e local de trabalho.

II. técnica e processo criativo

05. Principais tipos de suportes

06. Materiais e ferramentas utilizados

07. Descrição do processo criativo

08. Utiliza o computador para os trabalhos?

III. tipografia

09. Quais os principais tipos de letras utilizados?

10. Quais as referências para desenhar as letras?

11. O que influencia na escolha dos tipos de letra?

12. Costuma usar sempre os mesmo tipos de letras ou cria novos para novos trabalhos?

13. Desenha ilustrações?

IV. mercado de trabalho

16. Faz trabalhos em outros bairros/cidades?

17. Situação do mercado atual: alguma mudança com a popularização dos computadores?

Dentre todos os profissionais cujos contatos foram

conseguidos, foi dada prioridade durante a seleção aos que

tiveram o maior número de artefatos registrados, além da

inclusão de autores que, mesmo sem possuir grande

produção na área de pesquisa, representassem a

diversidade do que pode ser definido por “estilos” encontrados. Com esses critérios, buscou-

se a constituição de um conjunto de entrevistados que refletisse dentro do possível o universo

dos exemplos encontrados durante a pesquisa, com a intenção de evitar eventuais distorções

resultantes de critérios subjetivos. Apesar do grande número de autores identificados, houve

dificuldade em conseguir realizar as entrevistas na maioria dos casos. Muitas vezes, não foi

conseguida nenhuma informação além do nome do autor assinado nos artefatos (alguns dos

quais incluindo números de telefones para contato ainda com sete algarismos, como no caso

44

da figura 9, o que evidencia serem artefatos mais antigos). Em outros casos, o contato dos

clientes com os pintores se dava exclusivamente através de visitas destes, e as diversas idas

aos estabelecimentos se mostraram infrutíferas. Sobre alguns dos pintores, foram conseguidas

informações relativas apenas aos seus locais de trabalho, sendo que mesmo assim houve

dificuldade em encontrá-los, já que não possuíam um horário estabelecido de serviço. Entre os

profissionais cujos contatos telefônicos foram conseguidos, houve casos em que os horários e

locais disponíveis tornaram inviável o contato pessoal, além de outros em que a profissão de

pintor havia sido abandonada ou era exercida como atividade secundária, e ainda um caso de

falecimento do pintor. Ao final do levantamento, foram conseguidas entrevistas com oito

pintores de letras.

A tentativa inicial de realizar as entrevistas nos locais de trabalho dos pintores, de

preferência durante a execução de algum serviço, mostrou-se na prática possível apenas em

alguns casos. Todas as entrevistas foram presenciais e com pelo menos um exemplo de

artefato do pintor, pronto ou sendo realizado, em mãos (se não um original, uma fotografia),

para que este pudesse fazer referência quando necessário. Foram realizadas gravações em

áudio de todas as conversas e registros fotográficos quando pertinente. Uma entrevista piloto

foi realizada visando verificar a eficiência da metodologia adotada, da tal maneira que

correções e melhorias pudessem ser feitas para as demais entrevistas. Como as alterações em

relação ao seu formato final foram mínimas, o material coletado nesta primeira etapa pôde ser

considerado válido para a pesquisa.

45

3 OS PINTORES DE LETRAS

3.1 O pintor de letras como categoria profissional

Conforme já foi colocado, esta pesquisa tem como objetivo principal o registro e a

análise de exemplos de tipografia pintada existentes nos dias atuais. Em um primeiro

momento, o único fator relevante em relação à autoria era esta estar ligada aos especialistas,

detentores de técnicas de execução de artefatos de comunicação visual. Apesar do

pertencimento às esferas culta ou vernacular não ter sido considerado, é notório que a técnica

tema desta pesquisa traz consigo conotações sociais que a fazem ser encarada como algo que

foge do design canônico, e que por isso fatalmente encontraríamos o personagem do pintor de

letras. Se a diluição da tipografia pintada na gráfica urbana pode dar uma impressão

subestimada da quantidade de exemplos que nos cercam, fenômeno análogo ocorre em

relação àquele profissional, principal responsável por sua confecção. Fez-se necessária então

uma investigação desta categoria, que nos dias atuais resiste como alternativa para produção

de artefatos de comunicação visual, encontrando espaço entre os meios de produção

possibilitados pelas tecnologias digitais.

Para boa compreensão do perfil desse profissional,

cabe uma comparação com outros produtores de

elementos tipográficos pintados. Por um lado temos os

grafiteiros, produtores do grafite, que faz parte da

chamada cultura Hip Hop e cuja técnica típica para pintura

é a aerografia. Originalmente, produzem inscrições onde a

expressividade é o valor principal, geralmente

ultrapassando os limites de legibilidade, compondo nomes

de seus autores, de grupos ou mensagens políticas. No

entanto, podem ocorrer variações comerciais dessa

linguagem, menos caracterizadas visualmente por

pertencerem a um contexto comercial onde a legibilidade é

fundamental. Em algumas situações grafiteiros e pintores

de letras podem disputar os mesmos clientes.

46

Outro perfil profissional, este mais próximo do pintor de letras, é o do cartazista. A

distinção entre os dois grupos não se dá de maneira absoluta, até porque há quem exerça

ambos os papeis simultaneamente, mas mostrou-se como uma questão importante detectada

em entrevistas com pintores de letras do município de São Gonçalo, realizadas em uma

pesquisa anterior, assim como pela existência de cursos distintos no Senac. Enquanto no

trabalho do pintor de letras há certa variação de suportes, mensagens e clientes, com a

produção de peças únicas que por isso demandam também novas soluções para cada trabalho

realizado, o cartazista trabalha no mesmo suporte (cartaz) com mensagens semelhantes

(preços e pequenos textos) com menor variação de soluções e para clientes que precisam de

seu serviço regularmente. Se para o pintor de letras a qualidade do acabamento é um fator a

ser considerado, para o cartazista a velocidade de execução do serviço chega a ser mais

importante. Quanto à delimitação da técnica pesquisada, a pintura de letras é aqui entendida

como realização da escrita de maneira direta, utilizando determinada ferramenta (pincel, rolo,

etc.) cujo formato influencie, ao lado do gestual de quem a

manipula, aspectos formais do seu produto. Ficam assim

excluídas do campo de análise técnicas como serigrafia ou

stencil, que apesar de utilizarem materiais e ferramentas

comuns à pintura de letras, possuem como característica a

reprodução em série de formas pré-concebidas.

Dentre os diferentes termos encontrados para designar o profissional aqui analisado,

pintor de letras mostrou-se mais adequado, dada a gama de outros significados que a

denominação letrista traz consigo, sendo encontrada em outros campos, como o da música,

assim como estar ligada ao profissional que “abria letras” em layouts de agências de

publicidade em épocas anteriores às impressões digitais, conforme apontado por Brandão

(2006, p.51).

3.1.1 Registros do passado anterior ao design

A procura por uma tradição no que diz respeito à atividade de pintura de letras em

escala arquitetônica encontra no século XIX um marco fundamental. As transformações

trazidas pela Revolução Industrial afetaram a gráfica urbana em diversos níveis, dos suportes

de comunicação visual ao desenho dos caracteres tipográficos. Conforme aponta Meggs,

47

O ritmo mais rápido e as necessidades de comunicação de massa de uma sociedade cada vez mais urbana e industrializada produziram uma expansão rápida de impressores de material publicitário, anúncios e cartazes. Maior escala, mais impacto visual e novos caracteres acessíveis e expressivos eram necessários, e a tipografia de livros, que lentamente evoluíra da caligrafia, não atendia a essas necessidades. (MEGGS, 2007, p.175-6)

Inscrições tipográficas comerciais buscavam não somente atender às novas relações

entre a grande concentração populacional e os crescentes aglomerados urbanos, mas também

passaram a competir com chamativos elementos de comunicação visual de finalidade

publicitária. Se os novos impressos de dimensões cada vez maiores eram possibilitados pela

tecnologia de impressão com grandes tipos móveis de madeira, a produção de peças únicas

que serviam para identificar edificações de toda sorte se dava através de processos artesanais,

com destaque para a pintura. No Brasil, é possível encontrar provas disso nos almanaques do

século XIX, indicados por Cardoso (2009, p.121) como capazes de fornecer uma verdadeira

radiografia da sociedade da época, por serem publicações anuais de grande circulação. O

“Almanak Laemmert”, publicado de 1844 a 1889 e cuja fama até hoje se destaca das dos

demais, trazia em suas páginas de 1875 uma seção dedicada aos “Pintores de casas, taboletas,

letreiros, etc.”, dentre os quais F. Tribiani, que em um anúncio com tipos especiais destacava

sua “Especialidade em Taboletas” e ainda de se tratar de um profissional que “Encarrega-se

de qualquer pintura por mais dificultosa que seja.”; ou da pintora Michele Costa, “Especialista

de taboletas sobre vidro”. Uma análise mais profunda dos diversos números dessa publicação

pode revelar informações como mudanças do mercado, perfil dos profissionais ou

terminologia utilizada. Sobre o início do século XX, temos o relato de João do Rio, que

chegou a escrever uma crônica intitulada “Tabuletas”. Publicado em seu livro “A alma

encantadora das ruas”, que em 1908 reuniu crônicas escritas entre 1904 e 1907 para “A

Gazeta de Notícias” e a revista “Kosmos”, o texto traz importantes informações sobre

exemplos de tabuletas cariocas por ele observados e até da relação de seus pintores com os

clientes. Com o advento da fotografia ainda no século XIX, registros suplantaram a

efemeridade dos artefatos e chegaram aos nossos dias (figura 13).

A investigação de registros históricos desse período no Brasil, durante o qual ocorreu

uma razoável consolidação do campo profissional da pintura de letras, mesmo levando em

conta tratar-se de uma atividade já exercida anteriormente em menor escala, difere da situação

atual em certos aspectos. Como a técnica da pintura manual tinha na época o status de

principal meio para produção de artefatos de comunicação visual, o profissional que a detinha

não estava restrito a uma esfera popular. Os anúncios nos almanaques por si só indicam

tratarem-se de especialistas mais bem remunerados, pertencentes a instâncias mais elevadas.

48

Não foram encontradas referências quanto à formação específica desses profissionais, que no

“Almanaque Laemmert” podiam dividir uma mesma seção com pintores de casas ou serem

incluídos entre “Pintores scenographos e decoradores”, para citar dois exemplos. O quadro de

matérias ministradas no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, criado em 1856 para

oferecer educação profissional técnica para adultos, visando capacitá-los para atender

necessidades da cidade em campos como comércio e construção civil, oferecia um

ferramental teórico útil para eventual aplicação na atividade em questão. Entre as matérias

ministradas durante o curso profissional em 1882, havia Desenho Elementar, Desenho de

Ornatos, Desenho de Figura, Desenho Linear Geométrico, Caligrafia, Geometria Plana,

Geometria no Espaço e Geometria Descritiva (BARROS, 1956, pp.241-3).

Figura 13: detalhe de fotografia do Largo da Carioca tirada em 1891

O contexto pré-industrial, sem uma distinção clara das atividades de projetar e fazer,

não impossibilitava uma diferenciação entre profissionais das esferas culta e popular. Essa

ocorria, senão pela legitimação através da formação dos profissionais, ao menos pelo espaço

ocupado no mercado, principalmente em relação aos tipos de clientes atendidos. Tal distinção

provavelmente era refletida nos artefatos produzidos, conforme sinalizou João do Rio:

Mas as tabuletas extravagantes são as do pequeno comércio, sem a influência de Paris, a importação direta e caixeiros elegantes de lenço no punho: as vendas, esta criação nacional, os botequins baratos, os açougues, os bazares, as hospedarias...

49

3.1.2 Mudanças com o surgimento do design moderno

Da mesma maneira que o artesanato, com seu conceito atual, surge apenas depois da

Revolução Industrial, o advento de novas tecnologias que passaram a substituir a pintura

como meio de produção, assim como possibilitaram a separação entre projeto, enquanto

atividade do designer, e produção, resultou em uma nova configuração da atividade de pintura

de letras. Tal qual tantas outras tecnologias artesanais pré-industriais, ocorreu não uma

extinção, e sim o deslocamento para duas instâncias antagônicas: a popular, onde custos mais

reduzidos mantêm o produto competitivo em relação aos frutos de tecnologias mais

modernas; e a canônica, onde o atrativo está na obtenção de um tipo de qualidade inatingível

através da produção em série, possível somente em tiragens pequenas ou mesmo na

exclusividade de peças únicas.

No caso da pintura de letras nos dias atuais, o pertencimento à esfera culta pode ser

identificado de maneira análoga ao design, ou seja, através da formação de nível superior ou

reconhecimento do mercado (do design, das artes plásticas ou de um modo geral, sendo a

diferenciação dada pelo tipo de clientes e trabalhos). No Centro do Rio de Janeiro foi

encontrado apenas um profissional que se aproximasse de tal perfil (o pintor Zanata, ver

página 58), assim como em poucas das ocorrências registradas a utilização da pintura em

detrimento aos meios modernos de produção aparentemente se deu não pelos custos reduzidos

(já que não se tratam de comércios populares) e sim como opção visando uma integração com

a linguagem historicizante presente na arquitetura e decoração interna dos estabelecimentos

(figura 14). Para fins comparativos, vale citar como referência os casos de Alfredo Genovese,

argentino formado na Escola de Belas Artes Prilidiano Pueyrredón especialista na realização

do tradicional fileteado porteño em diversos tipos de suportes (figura 15); John Downer,

estadunidense formado em pintura pela Washington State University e renomado designer de

tipos (figura 16); e da também estadunidense New Bohemia Signs, empresa formada por

designers e especialista na pintura manual de letreiros (figura 17).

50

Figura 14: letreiro com linguagem historicizante

Figura 15: trabalho de Alfredo Genovese

Figura 16: John Downer pintando letras

Figura 17: trabalho da New Bohemia Signs

O fim da educação formal do pintor de letras, que durante um longo período era

oferecida em cursos técnicos livres em instituições como o Senac, ao que parece foi uma das

51

consequências do surgimento das tecnologias digitais. A popularização dos computadores

pessoais e de seus periféricos, possibilitando a produção de artefatos de comunicação visual

bem acabados e de preços acessíveis, aparentemente diminuiu significativamente o mercado

da pintura de letras, e consequentemente a procura por cursos de formação. Assim sendo, se

atualmente ainda estão em atividade profissionais com formação específica dessa atividade,

com o fim dos cursos o perfil autodidata tende a tornar-se regra, com todas as implicâncias

que isso pode acarretar.

3.2 Motivações do design de tipos a partir da pintura de letras

Apesar da intrincada relação com o design gráfico, que em determinados aspectos

dificulta eventuais tentativas de dissociação, a tipografia pode ser encarada como um campo

do saber por si só, com teoria e história próprias. O trabalho dos pintores de letras dialoga

com conhecimentos e produtos gerados nesse campo. Essa relação ocorre, de certa maneira,

através do compartilhamento de referências repertoriais, enquanto o principal fator de

diferenciação são os métodos distintos utilizados por cada atividade. O repertório comum

possibilita que conceitos de origem na tipografia sejam utilizados para análise de

letreiramentos artesanais, como no presente trabalho, sofrendo adaptações ou sendo

complementados quando necessário.

Aos conjuntos de letras desenvolvidos e aplicados em letreiramentos podemos nos

referir como alfabetos. Mesmo não sendo alfabetos completos, a partir dos glifos existentes no

letreiramento, os outros necessários ao fechamento de um alfabeto completo podem, em

princípio, ser deduzidos (assim como a fonte Gill Sans foi projetada pelo próprio Eric Gill

com base em um letreiramento pintado de sua lavra). O conceito de alfabeto para o design é,

na realidade, disposto pela tecnologia tipográfica, e eventualmente se confunde com o de

fonte. Esta corresponde ao conjunto completo de letras, números e outros sinais em um corpo

determinado (no caso da tipografia tradicional) ou válido para vários corpos (no caso da

maioria da tipografia digital). Em relação às fontes, Farias (2004) lembra que caracterizam-se

como conjuntos para os quais foram determinados não apenas os desenhos de suas faces, mas

também as características métricas e de espaçamento que determinam a relação entre estes e

outros glifos.

52

A distinção técnica entre a tipografia e a escrita manual, caligrafia e letreiramento,

porém, se relativiza no cotejo entre formas, pois um modelo desenvolvido para uma

tecnologia de escrita pode servir como referência para as demais. Assim como a família

tipográfica Gill Sans utiliza como modelo um letreiramento, um modelo caligráfico pode

servir de inspiração para uma fonte tipográfica, como no caso da Bickham Script, projetada

por Richard Lipton no ano 2000 a partir do modelo de escrita Copperplate de George

Bickham (figura 18). De modo similar, em certos artefatos produzidos pelos pintores de letras

a referência a alfabetos tipográficos é evidente (figura 19).

Figura 18: fonte Bickham Script, projeto de Richard Lipton

Figura 19: trabalho de pintor de letras com referência em fonte tipográfica (Helvetica Bold Condensed)

A tecnologia digital abriu novos horizontes para o design de tipos enquanto simulação

das outras categorias, possibilidade elevada a outro patamar após o desenvolvimento da

linguagem opentype, o que não quer dizer que antes de seu advento não houvesse projetos

53

com essa diretriz. A busca por comunicar através da tipografia aspectos inerentes a outros

meios de produção encontra na pintura de letras uma importante referência, utilizada ainda em

tempos de tipos de metal. Desta época, e bastante difundidas atualmente em versões digitais,

são as fontes Balloon (figura 20), projetada em 1939 por Max R. Kaufmann, e a Brush Script

(figura 21), projeto de Robert E. Smith em 1942. Dez anos mais tarde foi lançada, pela mesma

American Type Founders que comercializava as duas anteriores, a fonte Dom, de Peter

Dombrezian (figura 22). Apesar das limitações tecnológicas e das poucas semelhanças entre

si, todas buscam tornar evidente em suas formas a utilização do pincel como ferramenta,

assim como ressaltar características típicas da produção artesanal.

Figura 20: fonte Balloon, projeto de Max R. Kaufmann

Figura 21: fonte Brush Script, projeto de Robert E. Smith

54

Figura 22: fonte Dom, projeto de Peter Dombrezian

Na fonte Balloon, o desenho busca transmitir um caráter informal e despretensioso,

onde o hipotético pincel largo é utilizado sem grande apuro técnico: não é mantida uma

angulação constante que resultaria em uma variação da espessura do traço; as junções de

traços perpendiculares hora ocorrem de maneira incompleta, com um dos traços sendo

interrompido antes do fechamento da forma, hora criando serifas através do cruzamento dos

traços; e em formas arredondadas também não há um fechamento perfeito (com exceção no

número 0), tornando inteligível o trajeto percorrido pelo pincel. A fonte Brush Script possui

influência de um modelo de escrita manual, embora a referência na utilização do pincel a

afaste dessa origem. Diferentemente da fonte Balloon, ocorre variação na espessura dos

traços, embora não de maneira racional, o que contribui para a maior sinuosidade presente nos

caracteres. Outro diferencial é o aspecto cursivo contínuo presente na caixa baixa, algo

extremamente difícil de ser reproduzido em tipos de metal; e algumas terminações onde

ocorrem pequenos prolongamentos além das estruturas dos caracteres, funcionando como

marcas deixadas pela inexatidão do gesto informal. Na fonte Dom, a ferramenta é sugerida de

maneira mais sutil, através das terminações e da variação nas espessuras dos traços. Apesar da

ausência de inclinação, pequenas irregularidades em relação às linhas de base, altura-x e das

ascendentes, assim como em determinadas junções, contribuem para o aspecto de uma escrita

executada com habilidade, apenas com irregularidades inerentes ao processo artesanal.

A apropriação de uma linguagem artesanal pode ocorrer de maneiras bastante

heterogêneas, com resultados variando entre formas onde apenas determinados aspectos do

original são utilizados, até a busca por uma perfeita simulação, imperceptível aos olhos do

receptor da mensagem. Esta última atitude traz consigo questões que podem beirar o limite da

ética, dependendo do contexto. Um caso típico, relatado por Bellon e Bellon (2010, p.8),

55

ocorreu durante as eleições presidenciais de 2008 nos Estados Unidos, onde diversos relatos

denunciavam que cartazes presentes em comícios políticos, aparentemente produzidos

artesanalmente, na verdade haviam sido impressos em massa por meios convencionais (figura

23). Muitos ficaram chocados com o que consideraram uma prática desonesta, que mostra

porém um dos valores que a produção artesanal pode agregar a um artefato, no caso o suposto

envolvimento ideológico que leva pessoas a se manifestarem através de artefatos produzidos

pessoalmente por elas. Outra aplicação menos

questionável é exemplificada por Spiekermann (1993,

p.151), em relação às associações feitas pelas pessoas

entre certas fontes e determinados produtos: mercadorias

frescas, como frutas e legumes, demandariam mensagens

com visual improvisado e artesanal, o que motivaria a

utilização de fontes que emulem esse modo de produção.

Os muitos exemplos de projetos tipográficos que transmitem, através de aspectos

formais, a idéia de resultados do trabalho artesanal não devem ser compreendidos como fruto

de uma relação absoluta entre a técnica utilizada e as formas resultantes. Se por um lado

determinadas características encontradas nos exemplos das fontes analisadas anteriormente

conseguem se fazer entendidas como produzidas através da pintura, a heterogeneidade

presente nos artefatos dos pintores de letras leva a crer que os resultados não são sempre

condicionados pela técnica.

As letras pintadas podem ser reconhecidas não apenas por seus aspectos pessoais, mas

também pela representatividade de um coletivo. A dualidade existente entre profissionais

especialistas na técnica de pintura de letras das esferas cultas e populares persiste de certo

modo em relação ao que produzem. Enquanto os da primeira são vistos como agentes que se

apropriam de uma tradição histórica e/ou local, os pintores de letras geralmente são encarados

como expressão dessa tradição.

Através da busca pela construção de identidades locais a partir do vernacular, é

comum enxergar na pintura de letras não apenas uma técnica que consegue resistir em tempos

de novos meios de produção, e sim um foco de resistência de culturas locais frente a uma

globalização que tenta impor seus próprios valores. Particularmente na América Latina, a

ausência de uma tradição histórica do design de tipos leva à identificação dos pintores de

letras como portadores de uma linguagem local, cuja apropriação contribuiria para a

construção de uma identidade própria. A partir desse quadro surgiram projetos relacionados à

chamada tipografia vernacular, como os brasileiros “Tipos do Brasil”, “Crimes Tipográficos”

56

e “Tipografia Artesanal Urbana”, o chileno “Tipografía Urbano-Populares” e o argentino

“Santotipo”. Para se ter noção da importância dessa vertente do design de tipos nesses países,

no Tipos Latinos de 2010, bienal de tipografia latino-americana, das 25 fontes digitais

selecionadas para a categoria “título”, quatro têm referência na pintura de letras: Tomate, de

Ramiro Espinoza (figura 24); Modelia, de Carlos Guerrero; Calgary Script, de Alejandro Paul

(figura 25); e Plastilina, de Miguel Cabrera (figura 26).

Figura 24: fonte Tomate, projeto de Ramiro Espinoza

Figura 25: fonte Calgary Script, projeto de Alejandro Paul

Figura 26: fonte Plastilina, de Miguel Cabrera

57

3.3 Entrevistas com pintores de letras

Assim como a quantidade de ocorrências encontradas durante o levantamento

fotográfico superou em muito as expectativas anteriores à sua realização, também

surpreendeu a quantidade de pintores levantados exercendo a profissão atualmente. Perto de

três dezenas de contatos de profissionais foram conseguidos, apesar da grande dificuldade em

alguns casos, pois muitas vezes os artefatos não são assinados e nem os próprios clientes têm

maiores informações, já que os serviços são oferecidos durante visitas esporádicas aos

estabelecimentos. Em alguns casos não se sabia nem mesmo o nome do pintor.

3.3.1 Pintores entrevistados

Foram realizadas sete entrevistas, sendo que seis individuais e uma em dupla,

totalizando os oito pintores de letras que compõem o grupo analisado. A entrevista em dupla

foi realizada por tratar-se do caso de dois pintores que, além de serem pai e filho, possuem a

relação de mestre e aprendiz, e trabalham juntos em um mesmo local. Além dos nomes, foram

identificados, entre parênteses, eventuais apelidos pelos quais os pintores são conhecidos

pelos clientes e assinam seus artefatos, e por isso serão assim tratados também ao longo do

texto.

a) Antônio Carlos da Luz (Tonny Designer)

Uma série de placas pintadas pelo pintor Tonny,

colocadas na fachada de um estacionamento,

motivou a busca por informações sobre ele junto aos

funcionários do local. Pouco foi conseguido além do

nome do pintor, que segundo relatado prestava

serviços em troca da utilização de um espaço para guardar seu material (mas não era um local

de trabalho propriamente dito), o qual visitava frequentemente, mas sem horário certo. Apesar

disso, foi dito que seria fácil encontrá-lo, por estar sempre nas proximidades do local, sendo

conhecido por “todo mundo”. Na verdade, o contato com o pintor foi dificílimo, só sendo

58

conseguido ao deixar no local, após uma série de

visitas sem conseguir encontrá-lo, um bilhete

avisando do interesse em falar com ele, junto com

um número de telefone para resposta. Feito o

contato, a entrevista foi marcada e realizada no

estacionamento. Além de placas e sinalização de um

modo geral, Tonny pinta ilustrações de grande escala em murais, e por isso considera a

pintura letras apenas uma de suas habilidades.

b) Eduardo Lemos Cunha (Edu)

Um dos pintores com maior número de artefatos

registrados, a maior parte constituída por painéis

para bares e restaurantes, foi facilmente contactado,

já que tem por hábito assinar os artefatos junto com

seu número de telefone. Essa facilidade se deve pelo modo como atua no mercado, realizando

trabalhos em outras partes da cidade e indo de encontro aos clientes interessados pelo seu

serviço. A entrevista foi marcada em um dia que Edu estaria no Centro para comprar material,

e foi realizada em um bar próximo ao local de encontro. O pintor foi entrevistado por

Fernanda Cardoso para sua pesquisa, o que já havia sido percebido devido à identificação de

seus artefatos, que possuem uma linguagem bastante característica, nas fotografias e análises

feitas pela autora, tendo sido confirmado pelo pintor. Seu estilo enquanto referência do

vernacular o levou a ser contratado como ilustrador para uma das edições do guia “Rio

Botequim” da Editora Casa da Palavra. Seus artefatos são analisados no item 4.2.7.

c) Ilson Leodoro Muniz (Zanata)

O pintor Zanata é um caso à parte no grupo de

entrevistados, por ser especializado no ramo da

pintura de letras em ouro. Esse fato, por si só,

aparentemente exclui do seu trabalho qualquer

relação com o popular ou vernacular. As diferenças começam pelos custos do material

utilizado, a “folha de ouro de lei”, que segundo o pintor tem que ser importada da Itália, e

incluem o valor de seu serviço e os clientes que o contratam. Apesar do relatado encolhimento

do mercado para esse tipo de trabalho, ainda são prestados serviços para clientes como a rede

de lojas Mister Cat (inclusive em estabelecimentos localizados em shopping centers) e hotéis

59

de três estrelas. Entre trabalhos realizados no

passado, estão clientes como a Natan Jóias e a

Confederação Brasileira de Futebol, assim como

diversos outros que demandaram, segundo o pintor,

viagens para todas as capitais brasileiras. O destaque

em relação aos outros pintores fica evidente no

relato de que pinturas mais efêmeras, como painéis

de preços ou cartazes, trabalhos típicos dos outros

pintores, são feitos por cortesia ou para “tomar um

café”, dado o baixo valor do serviço em relação ao

seu trabalho usual. A entrevista foi realizada em um

restaurante no Centro.

d) Jani Antônio da Silva (Jaime)

Outro dos pintores com maior número de artefatos

registrados, Jaime é bastante conhecido nas

proximidades do seu local de trabalho, o

estacionamento de um hotel. Apesar de raramente

assinar seus trabalhos, a partir dos primeiros clientes

indagados que lhe indicaram como autor foi possível

identificar o restante dos artefatos por ele produzidos. Mesmo tendo obtido informações sobre

seu local de trabalho, o fato de o pintor não dispor de telefone fez da visita a única maneira de

encontrá-lo, o que foi conseguido após algumas tentativas frustradas. Seu trabalho se

concentra em painéis encomendados pelo comércio em geral, sendo sua clientela concentrada

próxima ao seu local de trabalho, (provisório, segundo o pintor) no qual dispõe de uma

estrutura bastante simplória. Seus artefatos são analisados no item 4.2.7.

e) Luciano Borges de Macedo (Borges, Baiano)

O profissional Borges se considera um pintor na

acepção mais generalista possível, do tipo que “faz

de tudo um pouco”. Na placa através da qual foram

conseguidos seus contatos (figura 34), se apresenta

tanto como pintor de letreiros, placas e faixas quanto

como pintor de aparamento, sala, etc. O local indicado para o encontro e onde foi realizada a

60

entrevista, no entanto, foi uma barraca onde pintava e expunha quadros seus, no Largo da

Carioca, mostrando outra face de suas atividades como pintor, apesar de não se considerar

artista plástico. O mesmo estilo do alfabeto encontrado na placa, e que motivou o interesse em

entrevista-lo, é utilizado em seus quadros artísticos.

Figuras 35 e 36: barraca e pintura de Borges

f) Manoel Fernandes da Silva e Michel Soares da Silva

Manoel e Michel fazem parte de uma família de pintores, que tem Manoel como patriarca e

mais quatro filhos seus que exercem o ofício. Além de Michel, outro irmão trabalha com

Manoel (que alega estar aposentado e apenas realizar serviços esporádicos) no mesmo espaço,

localizado entre as casas da família em uma rua próxima ao

Centro, na região da Praça Onze. Os outros dois filhos pintores

moram e trabalham em lugares diferentes da cidade. O local de

trabalho, tratado pelos pintores como ateliê, possui tamanho

razoável e boa estrutura para atividade, com mesa e grande

quantidade de ferramentas e materiais. Durante o levantamento

fotográfico houve uma vaga indicação de um pintor na região,

tendo como referência a Praza Onze. Chegando ao local, foi

encontrada uma placa com nomes, endereço e telefones para

contato, através dos quais foi marcada a entrevista (figura 39).

Marcos, o outro filho que trabalha no local, cuida dos serviços

ligados à impressão digital (também realizados pela família),

embora igualmente domine o ofício da pintura manual. Por essa

razão, passa a maior parte do dia fora do ateliê, o que dificultou

que fosse incluído na entrevista, que foi lá realizada.

61

Figuras 38 e 39: material de trabalho e placa da família Silva

g. Malaquias de Sá Chaves (Masach)

O pintor Masach de destaca tanto pela quantidade de artefatos de sua autoria encontrados,

estando entre os principais nesse quesito, quanto pela concentração geográfica destes. Seu

local de trabalho é um espaço cedido na sede da associação dos comerciantes da Rua

Uruguaiana (também chamada de “camelódromo”) que compõe com um conjunto vizinho de

ruas um grande centro de comércio popular, conhecido como Saara (já citado no item 2.1,

página 37). Vários desses clientes indicaram onde ele poderia ser encontrado, e como na

maior parte do dia ele lá permanece trabalhando, pôde ser facilmente contactado. Apesar de

não se tratar de um local reservado, sendo os trabalhos realizados à vista de todos que por ali

passam, há uma estrutura razoável, com cavalete e armários onde seu material é guardado.

Pinta geralmente faixas e painéis, principalmente para comerciantes da região, mas também

para pessoas de outros locais que conhecem seu trabalho. Alega ter entre suas atividades as

artes plásticas, pintando e vendendo obras, algumas figurativas e outras onde as letras são o

elemento principal, fazendo da rua onde trabalha o local para sua exposição (figura 40). Seus

artefatos são analisados no item 4.2.7.

Figura 40: trabalhos de Masach

62

3.3.2 Análise dos resultados das entrevistas

A partir da análise dos resultados das entrevistas buscou-se identificar aspectos

comuns a todos os profissionais, a fim de compreender o que caracteriza o perfil do pintor de

letras. Em relação à idade, a maior parte pertence às faixas etárias que vão dos 51 aos 60 e dos

61 aos 70 anos, onde se encontram cinco dos oito pintores. Além do caso único do pintor mais

velho, já com 75 anos, os outros dois encontram-se nas faixas que vão dos 21 aos 30 e na que

vai dos 31 aos 40 anos. Dessa maneira, fica caracterizada uma concentração em uma faixa

etária que vai dos 55 aos 65 anos, bem como a ausência de profissionais entre os 41 e 50 anos.

Gráfico 1: faixa etária dos pintores

Obviamente a idade do pintor está diretamente relacionada ao tempo em que atua na

profissão. Por isso a maioria tem entre 31 e 40 anos de atuação profissional, assim como

nenhum deles tem entre 21 e 30 anos de profissão.

Gráfico 2: tempo de profissão dos pintores

Quanto à formação profissional, não há um tipo predominante. Dois pintores se dizem

autodidatas, nunca tendo feito cursos ou alguém que lhes ensinasse o ofício. Outros dois

63

pintores tiveram sua formação exercendo o papel de aprendizes, ou seja, auxiliando

profissionais experientes que lhes transmitiram conhecimentos necessários para a atividade.

Cinco dos pintores realizaram cursos ligados direta ou indiretamente à pintura de letras, sendo

cursos de arte em geral, como pintura ou desenho, citado três vezes (uma delas por um ex-

aprendiz), e o curso de título “desenho artístico e publicitário” citado outras duas vezes.

Gráfico 3: formação profissional dos pintores

As instituições onde os cursos foram realizados são descritas como pequenas e de

alcance local, cujos nomes e situação atual (se ainda existem ou fecharam as portas) os

pintores não se lembram ou não têm ciência. A única instituição de grande porte citada foi o

Instituto Universal Brasileiro (IUB), que oferece cursos técnicos e profissionalizantes à

distância, sediado em São Paulo e com mais de 60 anos de história. O curso de “desenho

artístico e publicitário” ainda é oferecido pela instituição, e possui em seu programa o tópico

“desenho de letras”. Outra informação importante referente à formação profissional diz

respeito ao ensino da atividade, por parte dos entrevistados, a outras pessoas. Apenas três

pintores afirmaram terem sido responsáveis pela formação de outros pintores de letras, sendo

que dois deles o fizeram diversas vezes, enquanto o terceiro uma única vez.

Há um equilíbrio em relação à natureza dos locais onde os pintores realizam suas

atividades. Vale ressaltar que os trabalhos nos quais os pintores são especialistas influem

nesse dado, já que a pintura de painéis, por exemplo, requer um espaço próprio ou cedido,

pois demanda tarefas de marcenaria; da mesma maneira que, por exemplo, a pintura em vidro

é sempre necessariamente feita no local do cliente. Seis dos entrevistados trabalham

principalmente em locais voltados para o exercício de suas atividades (mesmo que com

estruturas mínimas), sendo que metade possui espaços próprios, como parte da casa ou ateliês,

enquanto a outra metade trabalha em espaços cedidos, como estacionamentos. A realização de

trabalhos em locais indicados pelos clientes foi citada como predominante por três pintores.

64

Gráfico 4: principais locais de trabalho dos pintores

Cinco dos pintores têm suas residências nas proximidades ou no próprio bairro do

Centro. Um único pintor mora também no Rio de Janeiro, mas no bairro de Vila Izabel,

pertencente à outra região da cidade. Os outros dois pintores vivem na Baixada Fluminense,

em Duque de Caxias e em Belford Roxo.

O processo de trabalho tem início no trato com os clientes, já que eventualmente

ocorrem consultas em relação ao conteúdo do texto a ser pintado, podendo a elaboração deste

em alguns casos ficar também a cargo dos pintores. O mais comum, no entanto, é o cliente já

ter o texto definido previamente. O mesmo ocorre quanto ao tipo de suporte, que caso o

cliente não conheça as possibilidades (tipos de placas, materiais, etc.) é definido sob

orientação do pintor.

A realização de layout a ser aprovado pelos clientes antes da pintura não ocorre de

maneira uniforme entre os profissionais entrevistados. Por três vezes tal aprovação foi citada

como regra; duas vezes foi citada como algo que ocorre apenas esporadicamente (quando

pedido pelo cliente); e nas outras duas sequer foi citada. A explicação do pintor Jaime ajuda a

entender a relevância do layout nesse tipo de trabalho.

Às vezes eu faço um [layout]. Quando eles [clientes] já me conhecem, eles não me pedem mais. Mas quando não me conhecem, eu mesmo chego e falo: "Olha, eu vou fazer um desenho no papel", aí eu faço um layout.

De um modo geral, os clientes não se preocupam com determinados aspectos formais

dos trabalhos encomendados, como cores ou desenho das letras – apenas um dos pintores

trabalha tendo a iniciativa de mostrar um catálogo de letras, para que seja acertado o alfabeto

a ser pintado. A preocupação está sim ligada à qualidade satisfatória do resultado, do mesmo

nível observado em trabalhos anteriores do pintor contratado (geralmente vistos in loco, já

que há apenas um caso de pintor que possui portfólio com fotografias, mostrado para

65

potenciais clientes). Possivelmente essa relação constitui um dos fatores que resultam na

ausência de necessidade de experimentações que fujam de estilos pessoais já estabelecidos.

Por isso em se tratando dos desenhos de letras, apesar da reprodução de qualquer modelo

pedido pelo cliente ser importante, principalmente em relação a marcas pré-existentes, o mais

comum é o pleno domínio de poucos alfabetos, que mesmo com pequenas variações (como

inclusão de serifas ou variações nas terminações) são pintados com grande agilidade,

diminuindo o tempo necessário para produção de casa peça. Foram identificados modelos

recorrentes de letras, aqui tratados como letra comercial (a mais utilizada), letra corrida, letra

geométrica e letra manuscrita, que são analisados detalhadamente no capítulo 4.

Das oportunidades em que foi possível

presenciar os pintores de letras realizando trabalhos

(pintores Masach, Jaime e Michel), em nenhuma a

pintura foi realizada de maneira direta, ou seja, sem

etapa alguma que precedesse a pintura propriamente

dita. Apenas um pintor havia feito um esboço (figura

41), sendo que este tratava somente do arranjo

espacial das informações, sem referência à utilização

de cores (com exceção da cor do material utilizado como suporte) ou desenhos de letras

utilizados (o texto no esboço foi feito com a escrita manual no pintor). Já o passo seguinte ao

esboço, que consiste na aplicação de marcações temporárias no suporte, foi realizado por

todos os pintores observados. Tais marcações são feitas a lápis ou giz, de maneira que sejam

facilmente apagadas no caso de correções ou após a pintura estar pronta (apesar de em alguns

casos serem mantidas, provavelmente por serem visíveis somente quando observadas de

muito perto). Podem ser divididas basicamente em linhas-guia, que marcam bordas, início e

final das linhas de texto, assim como base e altura das letras; as letras em si; e elementos

extra-tipográficos (como ilustrações). Quanto à marcação das letras, há uma variação de

acordo com a técnica de pintura a ser realizada (técnicas essas detalhadas a seguir). Assim

como podem ser definidos pontos-chave ou contornos exatos de cada letra, cabendo à etapa de

pintura somente seu preenchimento ou construção a partir de uma estrutura pronta, há o

recurso de utilizar marcações visando apenas uma referência da localização das letras, sem

nenhuma relação com suas formas no resultado final. Essa última técnica, se por um lado

demanda menos tempo para sua realização, por outro requer maior habilidade no manuseio do

pincel, já que as marcações não são seguidas de modo fiel, sendo tanto a forma das letras

quanto os espaços entre elas definidos durante a pintura. A observação do trabalho dos

66

pintores, assim como de artefatos que não tiveram suas marcações apagadas, mostrou como

essas podem ter uma função que se aproxima mais de esboços feitos diretamente nos suportes

do que de definição de formas finais do artefato, podendo não guardar qualquer relação com

as formas tipográficas produzidas.

Figuras 42 e 43: marcações diferentes da pintura final

O sistema através do qual os pintores de letras trabalham pode ser representado pela

figura 44. Nele, são representadas as duas maneiras como o processo de criação costuma

ocorrer. No fluxo A o conteúdo da mensagem, definido pelo cliente, é interpretado através do

repertório visual do pintor. Esse repertório é composto pelos recursos dominados pelo pintor,

desenvolvidos e consolidados na fase de aprendizagem do ofício, e incluem alfabetos,

combinações de cores, arranjo dos elementos no espaço, estilo de ilustrações, etc. A produção

do artefato em si é realizada através da técnica, composta pela habilidade no manuseio das

ferramentas e a existência de um método eficiente de trabalho. Os artefatos produzidos dessa

maneira reproduzem o estilo pessoal de seus autores. Já no fluxo B o conteúdo passa, antes da

fase de produção, pela influência de uma referência, que pode ser buscada tanto pelo cliente

quanto pelo pintor. A escolha de uma fonte digital ou em catálogos de fotoletras, uma

assinatura visual pré-existente ou uma ilustração de qualquer natureza configuram exemplos

de utilização de referências. Nesse caso, o repertório do pintor não participa do processo,

apenas a sua técnica relativa tanto à feitura do artefato quanto à reprodução da referência com

resultados satisfatórios. Artefatos produzidos integralmente dessa maneira, lembrando que

uma mesma unidade pode conter elementos resultantes dos dois processos, tornam mais

difícil a identificação de seus autores. Segundo os relatos dos pintores, o fluxo A corresponde

à maioria dos trabalhos.

67

Figura 44: sistema de trabalho dos pintores

No tocante aos elementos tipográficos propriamente ditos, durante a observação de

pintores executando seus trabalhos, foi possível fazer uma comparação entre as diferentes

maneiras como o pincel, único instrumento utilizado para esse fim, é manejado e os resultados

alcançados.

Assim sendo, foram identificadas durante as entrevistas três principais técnicas sendo

aplicadas. A primeira consiste na obtenção de cada traço através de apenas uma pincelada, o

chamado traço único, o que faz do pincel o definidor da espessura máxima dos traços

produzidos, sendo a variação de espessura conseguida através da mudança de angulação do

pincel, caso este possua formato achatado, ou da pressão aplicada ao mesmo (figuras 45.a e

46). Devido a essas características, é possível fazer uma analogia entre as letras obtidas

através do traço único e os modelos utilizados pela caligrafia clássica, tanto no que diz

respeito às técnicas utilizadas quanto ao ferramental teórico aplicado na análise de seus

resultados. As outras duas técnicas consistem na obtenção dos traços a partir de mais de uma

pincelada, e o fator principal que as diferencia é a delimitação prévia dos contornos dos

caracteres: enquanto na segunda, que podemos chamar de letra desenhada, a divisão entre

forma e contra-forma é traçada com lápis, giz ou com o próprio pincel, sendo os desenhos

posteriormente “preenchidos”, etapa na qual a direção das pinceladas nada interfere no

resultado (figuras 45.b e 47); na terceira as formas são realizadas diretamente com o pincel,

sendo aplicadas sucessivas pinceladas até a obtenção da espessura de traço desejada, o que

pode ser definido como traço composto, no qual o gesto das pinceladas mantêm relação com

as formas resultantes (figuras 45.c e 48). A escala das letras a serem pintadas influi

68

diretamente na escolha da técnica de execução, dadas as dificuldades e a pouca praticidade

tanto de desenhar contornos de letras menores quanto de manusear adequadamente pincéis

muito largos. No entanto, em tamanhos intermediários ambas as técnicas podem ser

utilizadas.

Figura 45: técnicas de pintura de letras

Figura 46: letras produzidas através de traço único

69

Figura 47: letras desenhadas sendo preenchidas pelo pintor Jaime

Figura 48: letras sendo produzidas através de traço composto pelo pintor Masach

Ficou comprovada a existência de uma demanda pelo trabalho dos pintores de letras

nos dias de hoje. De um modo geral, seus artefatos se posicionam como uma opção de menor

custo5 para comunicação visual, quando comparados a produtos de tecnologias digitais. Como

sinal de que as duas técnicas não são totalmente excludentes, dois pintores (Edu e Zanata)

realizam alguns serviços de tecnologia digital (que são terceirizados, já que não manuseiam

diretamente os computadores durante a elaboração dos artefatos, apesar de orientarem quem o

faz). Há ainda um terceiro caso, da família Silva, em que a empresa oferece tanto serviços de

pintura manual como de impressão digital, sendo que no último apenas a impressão é

terceirizada, já que o layout pode ser realizado pelos pintores mais jovens, que também

dominam programas digitais de design gráfico. O relato do pintor Michel dá a entender que,

ao mesmo tempo em que a maioria das encomendas está relacionada às tecnologias digitais,

que teriam preferência por oferecerem resultados de qualidade supostamente melhor, em

determinados trabalhos a opção da pintura manual ainda é a mais viável para os clientes. 5 Apesar não terem sido feitas perguntas aos pintores relacionadas especificamente ao preço de seus trabalhos, foi possível constatar a partir de seus relatos que a maior parte dos clientes paga valores módicos.

70

As pessoas tão pedindo mais coisa digital. Tipo assim, não pra fazer faixa assim, mas se a pessoa quiser alguma placa do seu estabelecimento, tá entendendo?, pra uma loja, ela vai querer na impressão digital do computador, que é mais bonito, né?

As principais razões que levam à opção pela pintura manual são os custos mais baixos

em relação aos meios de produção digitais, sendo que quanto maiores as dimensões do

suporte, maior a discrepância entre os custos; e a efemeridade do artefato a ser produzido, já

que uma faixa anunciando determinado evento não requer a mesma vida útil de uma placa na

fachada de um estabelecimento comercial. No gráfico 5, é possível visualizar a importância

dos diferentes tipos de clientes em relação aos artefatos registrados.

Gráfico 5: clientes dos pintores de letras

O advento dos computadores pessoais teve impacto no mercado para pintura de letras,

apesar de dois pintores afirmarem não ter ocorrido nenhuma diminuição no volume de

serviços. Segundo o pintor Jaime, dois outros pintores6 que também atuavam em sua área

haviam “sumido”, assim como autores de artefatos registrados e cujo contato foi conseguido

alegaram terem abandonado a atividade. O pintor Edu, pertencente a uma faixa etária abaixo

da média dos entrevistados, diz que essa a diminuição do número de profissionais no ramo

acaba abrindo novas oportunidades para ele.

6 Apesar de não se lembrar dos nomes, pela descrição de Jaime (ambos trabalhavam na rua) provavelmente são os pintores Neri e Sr. Help, entrevistados por Fernanda Cardoso em sua pesquisa de 2002. Não foi conseguido contato com esses pintores através dos telefones encontrados na dissertação da autora.

71

Tem muita gente que prefere pintura. Não é exceção não, mas assim, por exemplo, muitos pintores pararam de pintar, então acho que tá sobrando até bastante trabalho pra mim. Porque muita gente parou, só quer vender trabalho de gráfica, né?, trabalho em impressão digital. Aí pintores mesmo são poucos hoje.

Quanto ao processo de trabalho, aparentemente não houve incorporação de recursos

digitais. As raras vezes em que estes são utilizados devem-se a layouts impressos levados por

clientes, que servem de referência para a pintura; e a pesquisas de imagens visando a pintura

de elementos iconográficos, assim como de fontes digitais para servirem de modelos para

desenhos de letras (ou seja, cumprindo a função antes exercida pelos catálogos de fotoletras).

Para a compreensão do mercado da pintura de letras a partir das informações coletadas

nesta pesquisa, devem ser levadas em conta as especificidades da área pesquisada. Por tratar-

se de uma região central, essa é frequentada por um altíssimo número de pessoas de outros

bairros e cidades, o que pode resultar em maiores oportunidades para o profissional que passa

a ser conhecido na região, mas não necessariamente ocorre com a mesma intensidade em

outras localidades.

A realização de trabalhos em um local visível para os transeuntes foi citada por dois

pintores como importante para a captação de clientes, pois dessa maneira pessoas que

frequentam o local passam a tê-los como referência para execução de futuros serviços,

embora apenas um deles possa ser encontrado em um lugar com essas características. Cinco

dos entrevistados, além de outros com os quais o contato não foi possível, gozam de certo

reconhecimento entre comerciantes e outros frequentadores de certas localidades. Embora a

realização de trabalhos para pessoas de outros bairros tenha sido citada por todos os

entrevistados, três deles possuem a maioria dos clientes com origem na região próxima a seus

locais de trabalho. A atuação em um mercado concentrado geograficamente, no entanto, não

se mostrou uma regra, já que dois pintores dizem realizar igualmente trabalhos para outras

áreas da cidade, não havendo qualquer destaque do Centro quanto ao número de clientes.

3.4 Referências da atividade de pintura de letras

A busca por referências relacionadas ao ensino da pintura de letras não obteve sucesso

no que diz respeito ao material didático utilizado por cursos técnicos de instituições

brasileiras. Durante a revisão bibliográfica para esta pesquisa, porém, foi encontrado um

número considerável de manuais em língua inglesa, publicados entre 1890 e 1920, disponíveis

72

na internet. Após uma análise, boa parte mostrou-se útil quanto à função de referência teórica.

Os manuais utilizados, todos publicados nos Estados Unidos, foram os seguintes (por ordem

de ano de publicação):

A system of easy lettering, de J. Howard Cromwell, publicado em 1890. Modern show card lettering, designs and advertising phases, de W.A.Thompson, publicado em 1903 Druggists and dispensers practical show card instructor, de W.A.Thompson, publicado em 1909 How to make show cards, de Charles A. Miller e W.A.Thompson, publicado em 1911 Modern lettering: artistic and practical, de William Heyny, publicado em 1913 The sign painter: a complete system and set of lessons for beginners, de A.R.Hussey, publicado em 1916 How to paint signs and sho’ cards: a complete course of self-instruction containing 100 alphabets and designs, de E.C.Matthews, publicado em 1920

De um modo geral, os manuais prometem fornecer o conhecimento necessário para a

formação de um pintor de letras, tratando não apenas da técnica da pintura em si, mas também

de aspectos como a montagem de um local de trabalho (incluindo instruções sobre como

construir uma prancheta), ou custo do material utilizado nos trabalhos e quanto cobrar pelos

serviços. A pintura de letras, devido à época em que foram publicados, é tratada como uma

atividade mais abrangente, incluindo desde cartazes efêmeros para estabelecimentos

comerciais (show cards), passando pela sinalização, pela pintura em vidro e com folha de

ouro, com cada técnica sendo descrita separadamente. Apesar disso, é possível identificar uma

primeira semelhança relacionada ao modo de atuação dos profissionais da época dos manuais

e os entrevistados nesta pesquisa, tratando-se de prestadores de serviços que trabalham

individualmente.

Uma aparente estratificação dos diferentes tipos de pintura, identificada durante as

entrevistas, pelo menos no que diz respeito a um passado recente, também é colocada nos

manuais. A pintura de cartazes efêmeros é apresentada como a menos valorizada (quando

comparada à pintura de sinalização, por exemplo), o que influi sobre seus aspectos formais.

73

Show cards are sold for a very moderate price and consequently must be made more rapidly than permanent signs. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.30) 7

Já a pintura a ouro é vista como o ramo superior da pintura de letras, pertencendo a um

nível superior de valorização em relação a todos os demais.

Applying gold leaf to glass, wood or metal is known as gilding. It is the highest branch of the sign painter’s art and should not be attempted until you have mastered the others branches. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.52) 8

Em relação à técnica da pintura em si, a marcação é um elemento em comum, a ser

realizada com ferramentas como carvão ou giz, que possibilitam serem apagadas após a

pintura, ou permanecer no artefato, quando realizada de maneira sutil.

For making the layout, use a piece of soft charcoal stick and the lines can be dusted off when the work is finished. Some card writers use a very hard lead pencil and the light lines can be left on the card. (MATTHEWS, 1920, p.32) 9

Nos manuais, são apresentadas técnicas de marcações que visam facilitar a construção

das letras individualmente. Há a ressalva, porém, de que com o passar do tempo o pintor deve

adquirir a habilidade de produzir as letras sem a necessidade dessa primeira etapa.

Then draw the letters lightly with chalk. This is done to be sure to get the spacing and balance right, and as you become more experienced you will not need to draw the letters in detail for this kind of work. (MILLER; THOMPSON, 1911, pp. 36-7) 10

Uma marcação mais livre em relação às formas das letras, ou seja, com função não de

definição dos desenhos, mas apenas de esboçar seu arranjo espacial, não havendo necessidade

de ser seguida fielmente, também é citada.

The expert sign writer has little use for guide lines except those of a rough sketchy character intended to secure proper spacing and balance. These lines they seldom follow. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.15) 11

7 Cartazes são vendidos por preços bastante razoáveis e consequentemente devem ser produzidos mais rapidamente do que sinalizações permanentes. 8 A aplicação de folha de ouro sobre vidro, madeira ou metal é chamada de gilding. É o mais alto nível que se pode atingir quando se trata da arte da pintura de letreiros e não deve ser explorado até que você domine os outros ramos. 9 Para fazer o layout, use um pedaço de bastão de carvão macio e as linhas podem ser apagadas quando o trabalho estiver pronto. Alguns cartazistas usam um lead pencil muito duro e as linhas finas podem ser deixadas no cartaz. 10 Então desenhe a letras levemente com giz. Isso é feito para assegurar espacejamento e equilíbrio corretos, e conforme você se torne mais experiente não precisará desenhar as letras detalhadamente nesse tipo de trabalho. 11 O pintor de letreiros experiente tem pouca necessidade de linhas-guia exceto aquelas com caráter de esboço simples com intenção de assegurar espacejamento e equilíbrio adequados. Eles raramente seguem essas linhas.

74

A marcação das linhas de base e topo,

definindo tamanho e trajeto da leitura, é descrita

como um primeiro passo do processo, que deve ser

realizado mesmo quando já há o domínio da pintura,

de maneira direta, das letras individualmente. O

processo, incluindo a marcação livre das letras, é o

mesmo utilizado pela maioria dos pintores

entrevistados.

Two parallel lines denoting height of the letters are the only guide lines that should be used as soon as the eye has become trained. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.33) 12

A relevância dessas linhas guias pode ser medida pela presença, entre as ferramentas

recomendadas para exercer a atividade, da linha com giz (chalk line), produto utilizado ainda

hoje na construção civil para marcação de longas linhas retas.

First chalk your layout on the window, snapping the straight lines for top and bottom of each line of lettering with your chalk line. (MATTHEWS, 1920, p.36)

The chalk line is another almost indispensable tool, in the sign shop. (HUSSEY, 1916, p.30) 13

O sistema através do qual se configura o exercício da atividade é muito próximo ao

dos pintores atuais, no qual ocorre o domínio da produção de poucos alfabetos, que são

utilizados na maioria dos trabalhos.

One of the best sign painters I have ever met used three alphabets exclusively on nine-tenths of his work. (…) I have also known several fairly good painters who used only two alphabets, usually Egyptian and Script. (MATTHEWS, 1920, pp.16-8) 14

O final do texto supracitado leva a outra importante questão, referente aos modelos de

alfabetos utilizados. Muitos dos manuais fazem referência a um desenho básico e principal de

12 Duas linhas paralelas denotando altura da letra são as únicas linhas-guia que devem ser usadas assim que os olhos se tornem treinados. 13 Primeiro faça o layout a giz sobre a janela, marcando as linhas retas de topo e base de cada linha de letreiramento com sua chalk line. A chalk line é outra quase indispensável ferramenta, no local de trabalho de um pintor de letreiros. 14 Um dos melhores pintores de letreiros que eu já conheci usava exclusivamente três alfabetos diferentes em nove de cada dez trabalhos seus (...) Eu também conheci diversos bons pintores que usavam apenas dois alfabetos, geralmente Egyptian e Script.

75

letra, tratado como Egyptian (como na citação acima) ou, na maior parte dos casos, plain

letter. As motivações para a utilização deste alfabeto também se repetiram, sendo justificada

pala facilidade de execução, devido às formas simples, e pela fácil leitura proporcionada.

The Plain or Condensed, Round and Square, (plates 15 and 16) also called "Egyptian," "Gothic," "Sans serif," etc., have been designed for convenience and economy. These letters can be condensed to fit into the narrowest spaces, are at once plain to read and quickly and easily made, and do not at all look commonplace when correctly constructed. (HEYNY, 1913, 93, grifo nosso) 15

The Egyptian letter being very plain can be modified and stretched into many different shapes without becoming illegible. This and the fact that it can be made more rapidly than the spurred letters has made it a favorite style among sign painters and commercial artist. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.8, grifo nosso) 16

O mesmo William Heyny (1913, p.4), ainda na introdução do livro, defende o uso da

plain letter em relação a outros modelos. Além de considerar inadequada a utilização de letras

de construção geométrica, ou, como prefere o autor, de “desenho mecânico”, alegando que

seus resultados são “matematicamente corretos porém, consequentemente, rígidos, resultando

em letras duras, estranhas, desenhadas com cuidado meticuloso, mas que carecem de

harmonia e beleza”, também é usado um argumento encontrado no discurso dos pintores de

letras, que diz respeito à não utilização de alfabetos com desenhos extravagantes.

We are drifting into a craze for "fancy," "snappy" lettering called by representatives of this school "modern." While sometimes executed with no little skill, this style of lettering is of no practical value, because the average person cannot read it without difficulty. (grifo nosso) 17

As pranchas que ilustram a plain letter nos manuais comprovam que, apesar de

possuírem diferenças mesmo quando comparadas entre si, de um modo geral trata-se de um

modelo muito próximo ao desenho de letra mais utilizado pelos pintores, sem serifa e black

(figuras 50 a 52). A simplicidade desse modelo permite que sejam criadas variações a partir

15 A Plain ou Condensed, Round e Square, (pranchas 15 e 16) também chamadas “Egyptian”, “Gothic”, “Sans serif”, etc., foram projetadas de modo a serem convenientes e econômicas. Essas letras podem ser condensadas para caberem nos espaços mais estreitos, são ao mesmo tempo simples de ler e rápida e facilmente produzidas, e de modo algum parecem banais quando corretamente construídas. 16 A letra Egyptian sendo muito simples pode ser modificada e estendida em diferentes formatos sem se tornar ilegível. Isso e o fato de poder ser produzida mais rapidamente do que letras serifadas fez deste um dos estilos favoritos entre pintores de letreiros e artistas comerciais. 17 Nós caminhamos na direção de um modismo do letreiramento “extravagante”, “chamativo” tratado por representantes dessa escola como “moderno”. Apesar de algumas vezes ser executado com habilidade considerável, esse estilo não possui valor prático, porque a pessoa comum não consegue ler sem dificuldade.

76

dele, através da adição de serifas de diferentes formatos ou alterações nas terminações retas,

como em versões round (figura 53).

A técnica de construir letras a partir de uma base geométrica, cujo resultado pode ser

visto em um número relevante de artefatos registrados no levantamento fotográfico, também é

citada pelos manuais. Uma das obras, “A system of easy lettering”, tem formato de catálogo,

praticamente sem nenhum texto, trazendo uma série de 26 modelos de alfabetos desenhados

sobre uma malha ortogonal, que variam desde formas tradicionais até desenhos mais

extravagantes (figura 54). Em “How to make show cards”, há um capítulos dedicados à

geometria das letras, onde são propostos esquemas geométricos, chamados pelo autor de

monogramas (monograms), para construção das letras, sendo cada monograma apresentado

referente a um grupo diferente de letras (figura 55).

77

Os modelos resultantes dessa técnica não são tratados por termos específicos. No

único caso em que isso ocorre, o alfabeto é chamado de half block letters (figura 56).

The half block letters are used mostly for “Cut in” work, that is, where you paint around the letters, leaving the wording in white. (Matthews, 1920, p.11) 18

Figura 56: modelo de base geométrica

Em “The sign painter”, a ilustração mostra um modelo geométrico cumprindo a

mesma função de letras em negativo, apesar de o autor não fazer nenhuma recomendação

explícita nesse sentido (figura 57).

18 As letras half block são utilizadas geralmente em trabalhos “Cut in”, quer dizer, onde você pinta ao redor das letras, deixando o texto em branco.

78

Figura 57: modelo geométrico em negativo

Foi encontrada nos manuais a mesma diferenciação identificada nos trabalhos dos

pintores de letras, que diz respeito à utilização do traço único (single stroke) na pintura das

letras. Não se trata de um modelo em si, mas de uma categoria que engloba vários modelos

diferentes.

Alphabets known as single stroke should be used almost exclusively [in showcards]. Single stroke doesn’t mean that each letter is formed with a single brush stroke, but each letter is formed with the fewest possible strokes. (Matthews, 1920, p.30) 19

Considerar alfabetos dessa categoria os mais adequados para cartazes efêmeros,

conforme ocorre atualmente em grande parte de trabalhos dessa natureza, também é destacado

por Miller e Thompson.

Single stroke letters are mostly used where cards are frequently changed and by busy merchants who find rapidity essential. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.65) 20

Apesar dessa diferenciação relacionada à execução da pintura, os modelos

apresentados são muitos mais formais do que os produzidos pelos pintores entrevistados,

tendo referências tipográficas (a própria plain letter pode ser produzida através de traço único

– figura 58) ou caligráficas. Também são citados modelos comuns até o advento da

informática, chamados de architects' single stroke alphabets, conhecidos no Brasil como letra

de arquiteto (figura 59).

19 Alfabetos conhecidos como traço único devem ser usados quase exclusivamente [em cartazes]. Traço único não significa que cada letra é formada por uma única pincelada, mas que cada letra é formada pelo menor número possível de traços. 20 Letras de traço único são geralmente utilizadas onde cartazes são frequentemente trocados e por comerciantes que acham a rapidez essencial.

79

Figura 58: modelo de plain letter realizado com traço único

Figura 59: modelo de “letra de arquiteto”

Nos modelos que não pertencem a essa categoria, contorno e preenchimento são

considerados etapas distintas (figuras 60 e 61), conforme descrito por Miller e Thompson.

These letters are all “laid in” with the pen or the brush, as may be preferred, their outlines being drawn as carefully and skilfully as one’s ability may permit. They are then to be filled in with the flat brush and any imperfections corrected. (MILLER, THOMPSON, 1911, p.59) 21

Figuras 60 e 61: esquemas com contornos das letras

A identificação de tantos pontos em comum entre os textos aqui analisados e a

maneira como a pintura de letras é praticada nos dias atuais, levando em conta que a distância

21 Essas letras são todas definidas com a caneta ou o pincel, conforme a preferência, seus contornos sendo desenhados tão cuidadosamente e habilidosamente quanto a perícia da pessoa permitir. Elas então estão prontas para serem preenchidas com o pincel chato e ter quaisquer imperfeições corrigidas.

80

cronológica, geográfica e idiomática que separa aquela teoria dos pintores entrevistados,

configura a existência de um conhecimento tácito inerente à pintura de letras. Se por um lado

não foram encontradas maiores semelhanças em relação aos alfabetos utilizados (com exceção

do caso da ligação entre as plain letters e um alfabeto utilizado pelos pintores entrevistados, a

já citada letra comercial, além de resultados semelhantes devido à utilização de malhas

construtivas), o que seria improvável dada toda evolução da tipografia (campo do qual o

letreiramento sofre influência) ocorrida desde então, as técnicas e o sistema de trabalho

identificados em ambos os meios mostraram-se de uma constância até certo ponto

surpreendente.

81

4 A TIPOGRAFIA PINTADA NO RIO DE JANEIRO

4.1 O Centro do Rio de Janeiro e caracterização da área pesquisada

A região do atual Centro do Rio de Janeiro é uma das mais tradicionais da cidade, e

sua ocupação por parte dos europeus remonta ao primeiro século do Brasil colônia. Com a

consolidação do Rio como uma das mais importantes cidades do país, principalmente a partir

do grande salto de desenvolvimento urbano resultante da transferência da corte portuguesa em

1808, foram realizadas nessa área edificações que se mantiveram até os dias atuais, tornando-

a significativa do ponto de vista histórico. Ao longo do tempo, não deixou de cumprir o papel

de centro econômico, financeiro, administrativo e comercial, o que foi traduzido em um

constante crescimento imobiliário. Por isso a concentração de edifícios ocorre combinada com

uma grande diversidade de estilos arquitetônicos.

As maiores intervenções no espaço urbano do bairro ocorreram no século XX, entre as

quais estão as aberturas de suas duas principais avenidas: a Avenida Central (mais tarde

rebatizada Avenida Rio Branco) e a Avenida Presidente Vargas. A primeira possui em suas

margens as áreas mais valorizadas, principalmente do cruzamento com a Presidente Vargas

até o seu fim, na Avenida Beira Mar. Essa região, conforme justificado anteriormente, não foi

incluída neste trabalho.

A área onde foi realizada esta pesquisa pode ser entendida, se pensarmos no bairro do

Centro de forma isolada, como uma espécie de periferia, que se diferencia da região mais

nobre de maneiras e em níveis diferentes. Ao percorrê-la fica constatado, analisando de modo

generalizado, um cenário urbano menos verticalizado, assim como um menor fluxo no

trânsito de pedestres. Ainda em relação às características gerais, o aspecto comercial

predomina entre os imóveis, ao mesmo tempo que são raras as ocupações residenciais,

praticamente restritas a algumas ruas na região conhecida como Lapa. Tal condição, no

entanto, não significa uma uniformidade na gráfica urbana ali encontrada, já que

determinados pontos têm especificidades como pólos de comércio mais popular ou cercanias

de grandes equipamentos urbanos ou de praças, com poucos exemplos de elementos de

comunicação visual de qualquer natureza.

82

4.2 Tipos de ocorrências

Além do emprego da técnica da pintura, outra característica fundamental nos artefatos

aqui analisados é o seu caráter urbano, e mais especificamente a localização em uma região

central da cidade, o que influi diretamente em seus aspectos formais, conforme relatado por

pintores entrevistados. Os exemplos encontrados, apesar de formarem um grupo heterogêneo,

podem ser encarados como unidades comunicativas, que exercem diferentes funções na

gráfica urbana. Cada unidade é composta por um suporte e pelos elementos gráficos nele

encontrados, que no caso das ocorrências aqui registradas possuem como núcleos elementos

tipográficos. Além da tipografia, as cores compõem os elementos gráficos, assim como

elementos estruturais, iconográficos e decorativos, aqui tratados como elementos extra-

tipográficos.

As unidades podem ter um caráter autônomo, funcionando de maneira independente

(figura 62); ou pertencer a um sistema, quando integradas a outras unidades. Neste caso, a

integração pode se dar através da exposição de várias unidades em um mesmo local, sendo a

comunicação realizada pelo conjunto resultante, que constitui um ambiente (figura 63); ou

através da construção de uma identidade visual, quando as unidades de um mesmo sistema

são encontradas isoladas entre si (figura 64).

Figuras 62 e 63: unidade autônoma e ambiente com diversas unidades

83

Figura 64: unidades de um mesmo sistema

4.3 Função

Quanto à função das inscrições que constituem o tema deste trabalho, vale uma análise

tendo como referência a classificação utilizada pelo projeto “Paisagens Tipográficas”

(GOUVEIA, PEREIRA, FARIAS, BARREIROS, 2007), adaptada a partir da classificação

voltada para a epigrafia criada por Calderini em 1974, e mostrada a seguir.

1. Tipografia arquitetônica: inscrições perenes, tais como o nome e o número de um prédio,

geralmente planejadas e construídas junto com o edifício;

2. Tipografia honorífica: inscrições projetadas para homenagear personagens ou fatos históricos

relevantes tais como aquelas presentes em monumentos públicos em geral.

3. Tipografia memorial: inscrições fúnebres encontradas em espaços urbanos circunscritos, tais como

lápides em igrejas ou cemitérios.

4. Tipografia de registro: inscrições oficiais de empresas públicas ou privadas, tais como prestadoras

de serviços de telefonia e saneamento, geralmente localizadas em grades e tampas.

5. Tipografia artística: manifestações artísticas realizadas sob encomenda, que fazem uso da

tipografia, tais como pinturas e esculturas em formato de letras, presentes em algumas cidades.

6. Tipografia normativa: inscrições que configuram sistemas reguladores e informativos do tráfego

urbano, tais como sinais de trânsito e placas de logradouro;

7. Tipografia comercial: inscrições efêmeras, tais como aquelas presentes em pontos comerciais,

acrescentadas posteriormente aos edifícios, e, na maioria das vezes, substituída periodicamente;

8. Tipografia acidental: inscrições não-oficiais ou não-autorizadas, tais como grafites e pichações,

muitas vezes executadas sem planejamento e à revelia da vontade dos arquitetos, construtores e

proprietários dos edifícios.

84

A partir desses critérios é possível identificar entre os exemplos encontrados durante

esta pesquisa a predominância de uma tipografia comercial. Foram encontrados também

casos de tipografia normativa, apesar de os exemplos encontrados não possuírem caráter

oficial, com destaque para mensagens enfatizando a proibição de estacionamento em frente a

portões de garagem. Foi necessário criar uma nova categoria, para incluir um número

significativo de exemplos que não se enquadram em nenhum dos casos do sistema utilizado

como referência. Assim sendo, os casos que têm como função a identificação de determinada

edificação, como as igrejas, o colégio, o hospital, a escola de samba, o cartório, e o terminal

rodoviário, assim como as sedes de polícia, da Cruz Vermelha e do Sindicato dos empregados

no Comércio do Rio de Janeiro, foram caracterizados como tipografia institucional. Cinco

exemplos não se encaixaram na classificação aqui utilizada, tendo em comum uma motivação

política: duas faixas com reivindicações de uma classe de servidores; uma faixa identificando

a ocupação de uma construção por parte de um movimento popular; e uma faixa e uma

carrocinha referentes ao local onde se encontra um curioso personagem, ao mesmo tempo

vendedor ambulante e ativista político. Por não representarem um número significativo, não

foi criada uma nova categoria que os incluísse. A análise a partir desses critérios evidencia a

predominância da função comercial.

Gráfico 6: funções da tipografia analisada

Quanto ao conteúdo das mensagens, os mais comuns são: identificação do

estabelecimento, contatos do estabelecimento (telefones ou sites), descrição e chamadas de

serviços ou produtos, tabelas de preços, slogans, publicidade, referências de localidade. Há

85

uma evidente influência da função do artefato em relação à sua forma: letreiros principais de

identificação de estabelecimentos, dado a seu caráter não apenas informativo, e sim por vezes

de elemento de identidade visual, já que contêm inscrições com intenção de cumprir o papel

de marca, possuem uma maior caracterização tipográfica (figuras 65 e 66). Elementos como

chamadas de serviços ou tabelas de preços, por sua vez, tendem a trazer consigo formas

tipográficas mais convencionais, resultado da intenção de possibilitar uma leitura mais

imediata.

Figuras 65 e 66: influência da função nos aspectos formais

4.4 Suportes

A técnica da pintura de letras possibilita grande versatilidade quanto aos suportes onde

é aplicada, sendo que características problemáticas para outras técnicas ou tecnologias, como

superfícies ásperas e irregulares, não constituem empecilhos. Em uma classificação

superficial, há dois tipos de suportes para a pintura de letras: aqueles que são concebidos para

tal, tendo sido planejados e realizados tendo em vista seu funcionamento como objeto de

comunicação visual; e outros que não encontram na comunicação ou na informação sua

função primária, mas que após a pintura passam também a agregar esses valores. Em relação

ao primeiro grupo, vale destacar que o ofício da pintura de letras na maior parte dos casos

requer também o conhecimento necessário para produção dos suportes sobre os quais os

trabalhos são realizados. Ou seja, cabe ao pintor a realização total dos objetos, e não apenas

de uma das etapas de sua produção.

Os suportes de ocorrência da tipografia pintada podem ser divididos em três grupos

principais: elementos arquitetônicos, móveis e volantes. Compondo o primeiro temos balcões;

86

bandeiras de fachadas; edificações; equipamentos urbanos; muros; portas retráteis de aço;

portões; toldos; vitrines/portas de vidro; e sinalização perpendicular (figura 67). Pertencem ao

grupo dos elementos móveis banners; cartazes; cavaletes; cavaletes de trânsito; faixas;

painéis; painéis sustentáveis; placas; e placas de mão (figura 68). Compõem o grupo dos

volantes bicicletas/carrinhos de mão/carrocinhas; porta-entulhos; veículos automotivos; e

vestimentas (figura 69).

Figura 67: elementos arquitetônicos

Figura 68: elementos móveis

87

Figura 69: elementos volantes

Para tornar mais clara a maneira como as categorias de suporte foram entendidas nesta

pesquisa, assim como colocar eventuais ressalvas ou variações para as quais os exemplos

fotográficos podem não ser suficientes como ilustração, valem descrições e comentários

individuais:

Elementos arquitetônicos

balcões: foram incluídos apenas balcões próximos da entrada dos estabelecimentos, de

tal modo que participem da visualidade do ponto de vista das ruas.

bandeiras de fachada: elementos fixados sobre a fachada, geralmente acima da

entrada, identificando o estabelecimento, o que faz deste o elemento de comunicação

visual com maior destaque.

edificações: área externa de edificações, incluindo elementos perenes como portas e

janelas, visíveis a partir da rua.

equipamentos urbanos: bancas de jornal ou de outra natureza.

muros: qualquer elemento que separe a rua de um edifício ou terreno.

portas retráteis de aço: tipo específico de porta que além de permanecer totalmente

recolhido durante horário comercial requer técnica específica para pintura, por tratar-

se de uma superfície ondulada.

portões: caracterizados por guardarem entradas de grande escala, geralmente para

permitir a passagem de veículos.

88

toldos: foram considerados todos os tipos de cobertura, sendo que mesmo as que

encontravam-se recolhidas destacavam-se na fachada, por terem sido pintadas em suas

barras.

vitrines/portas de vidro: foi considerado vitrine qualquer elemento arquitetônico

composto por vidro, que possui como especificidade a possibilidade da pintura ser

realizada invertida a partir do interior dos estabelecimentos.

sinalização perpendicular: elemento fixado na fachada de maneira perpendicular,

podendo ter a mesma função da bandeira de fachada.

Elementos móveis

banners: feitos de materiais maleáveis, possuem barras inseridas em suas bordas

superiores ou inferiores, ou apenas da superior, que os mantêm estendidos e através

das quais são fixados.

cartazes: feitos de papel, com a ressalva de que não foram incluídos os de natureza

efêmera, como os que informam preços encontrados em mercados.

cavaletes: estruturas que conseguem manter-se em pé de maneira independente, sendo

os mais comuns compostos por dois painéis sustentáveis com laterais superiores

unidas através de dobradiças.

cavaletes de trânsito: estruturas cuja função primária é limitar o trânsito ou

estacionamento de veículos.

faixas: também caracterizadas pela maleabilidade de seu material, geralmente mas não

necessariamente de largura maior do que altura, podendo trazer barras inseridas em

suas bordas laterais.

painéis: tipo específico de placa, caracterizado por possuir uma moldura rígida sobre a

qual é fixado um material maleável, geralmente bagum; podem ser pendurados ou

apoiados.

painéis sustentáveis: variação de painéis com dois “pés” para sustentação, mas que

precisam de algum apoio para manterem-se em pé.

placas: caracterizadas pela rigidez de seu material.

placas de mão: tipo de placa fixada a uma longa barra vertical e mantida de pé por

uma pessoa.

89

Elementos volantes

Foram considerados elementos volantes as unidades comunicativas com grande

mobilidade no espaço urbano, e que frequentemente são vistas em movimento. No caso de

elementos móveis, como painéis ou cartazes, afixados em elementos volantes, como carros ou

bicicletas, os últimos foram considerados suportes principais.

veículos automotivos: carros, caminhões, etc.

bicicletas/carrinhos de mão/carrocinhas: utilizados como meio de transporte de

mercadorias, podendo funcionar também como local de venda destas.

porta-entulhos: presentes em proximidades de obras, são constantemente levados de

um local para outro.

vestimentas: toda estrutura pendurada ou vestida por pessoas.

Quanto à natureza dos elementos, a maior parte é composta por elementos móveis,

consequência do aspecto efêmero da maioria dos artefatos. Os elementos arquitetônicos, no

entanto, compõem uma parcela significativa do total de exemplos analisados.

Gráfico 7: natureza dos suportes

90

Considerando a classificação individual dos artefatos, o painel mostrou-se o suporte

mais recorrente, com 35% das ocorrências. Essa predominância comprovou a relevância de se

considerar os painéis como uma categoria à parte das placas de outra natureza, sendo estas

encontradas em apenas 8% dos casos. A junção dessas duas categorias não possibilitaria

mensurar devidamente o destaque do painel em relação aos demais suportes. As bandeiras de

fachada, que podem ser encaradas como tendo o mais nobre papel entre os artefatos de função

comercial, também são uma parcela importante em relação ao total, sendo responsável por

15% das ocorrências.

Gráfico 8: suportes mais recorrentes

Ao se observar os dados quantitativos relativos a cada suporte, é importante ressaltar

que também nesse quesito a área de pesquisa traz em si características que influenciam o

resultado. A normatização urbana foi identificada como o melhor exemplo nesse sentido. O

pintor Jaime alegou que certas normas em vigor limitam o tamanho das placas por ele

pintadas, assim como um dos proprietários aos quais foram feitos questionamentos colocou

ter sido advertido pela prefeitura, por ter fixado um placa demasiadamente grande em uma

fachada com valor histórico. Comparações com tipos de trabalhos realizados em outros

ambientes urbanos foram feitas por pintores entrevistados, citando subúrbios do Rio de

Janeiro e estradas como locais onde é possível encontrar mais facilmente suportes de grandes

dimensões. Os primeiros provavelmente por não terem as leis urbanas aplicadas com a mesma

rigidez quanto no Centro, enquanto a maneira como a comunicação visual ocorre em rodovias

demanda unidades de escala maior. Ainda durante o levantamento fotográfico, também foi

91

observada a baixa ocorrência de faixas, encontradas em grande número em outras cidades ou

bairros também do Rio de Janeiro pelo pesquisador.

4.5 Uso das cores

Os aspectos cromáticos dos artefatos foram analisados apenas em relação aos matizes.

Não foram igualmente observadas as propriedades brilho e saturação, já que as variações

nelas ocorridas raramente se devem à opção dos autores (como no caso da utilização de

diferentes tons de uma cor no mesmo artefato), sendo sim resultado da ação do tempo ou da

falta de manutenção. Os termos aqui utilizados para fazer referência às cores, portanto,

comportam grupos de tonalidades que guardam diferenças se comparadas entre si de modo

mais detalhado, o que não se mostrou necessário na maior parte desta pesquisa. Apenas para

exceções em que esse critério mostrou-se insuficiente foram utilizados outros parâmetros.

É possível aplicar as cores nos artefatos em três níveis: enquanto fundo, tanto em

relação à unidade como um todo quanto em boxes ou splashes, sendo que o primeiro caso

define qual será a cor principal; na tipografia e em elementos estruturais, que têm na relação

de contraste com o fundo um dos principais fatores que influencia sua legibilidade; e em

elementos iconográficos e decorativos, que pouco influenciam a compreensão da mensagem

textual.

Quanto ao número de cores encontrado em um mesmo artefato, foram considerados o

fundo e os elementos de toda natureza nele aplicados, com exceção das ilustrações, já que

estas podem resultar em grandes variações cromáticas em pequenas áreas, o que traria

distorções em uma análise sobre a percepção do artefato como um todo. O mais comum é a

utilização de três cores, identificada em quase metade dos artefatos, sendo a utilização de duas

e quatro cores recorrente em escalas menores, mas também relevantes.

92

Gráfico 9: quantidade de cores por artefato

Com o papel de cor de fundo, ou principal, amarelo e branco são as favoritas, sendo a

primeira encontrada em um número um pouco maior de artefatos, e juntas são responsáveis

por 76% do total analisado. Azul, verde e vermelho compõem a maioria do restante dos

artefatos.

Gráfico 10: cores de fundo

93

Foram identificadas também quais as cores mais utilizadas sobre os fundos mais

comuns, ou seja, que realizam contrastes que facilitem sua legibilidade. Foi considerado nessa

etapa o número de vezes em que as respectivas cores foram encontradas apenas em elementos

tipográficos, não tendo sido levados em conta outros elementos. Seguindo esses parâmetros,

foi identificada uma semelhança entre as cores mais utilizadas sobre fundos amarelos e

brancos. Nos primeiros, prevalece o vermelho, seguido por preto e azul. Em fundos brancos,

ocorre uma inversão entre as ocorrências de azul e preto, mas apesar disso as três cores

principais têm a mesma importância relativa que as utilizadas sobre fundo amarelo.

Gráfico 11: cores sobre fundo amarelo

Gráfico 12: cores sobre fundo branco

O branco é a cor mais utilizada sobre fundos azuis, verdes e vermelhos. No caso da

primeira cor, há uma diferença maior do uso do branco em relação às demais cores, estando

94

esse presente em praticamente 70% dos artefatos do grupo, além da particularidade de terem

sido encontrados elementos da mesma cor sobre ela aplicados, destacados por brilho ou

saturação distintos em relação ao fundo.

Gráfico 13: cores sobre fundo azul

Gráfico 14: cores sobre fundo verde

95

Gráfico 15: cores sobre fundo vermelho

Quanto às combinações cromáticas mais utilizadas, destacam-se sobre o fundo

amarelo: a combinação de preto e vermelho, utilizada em 104 artefatos; azul com vermelho

em 75; e apenas preto em 45. Sobre fundo branco, a combinação de azul com vermelho foi

encontrada em 84 casos; preto e vermelho em 47; e apenas vermelho também em 47.

4.6 Elementos extra-tipográficos

Além das onipresentes formas tipográficas, outros elementos são recorrentes em

diferentes graus na comunicação visual dos artefatos analisados. Estes são aqui referidos

como elementos extra-tipográficos, e podem ser divididos em elementos decorativos,

estruturais e iconográficos (figura 70).

96

Figura 70: panorama dos elementos extra-tipográficos

97

Elementos decorativos

Os elementos decorativos possuem uma importância secundária, e sua subtração não

traria prejuízos para organização e legibilidade das mensagens. Podem ser divididos em

ornamentos, que incluem brilhos, linhas sinuosas, arabescos, etc.; e símbolos não-alfabéticos,

grupo composto pelos exemplos de asterisco e jogo-da-velha (hashtag) (figura 71).

Figura 71: elementos decorativos

Elementos estruturais

Os elementos estruturais são utilizados na organização e hierarquização dos outros

elementos no espaço, através da delimitação de áreas ou destaque. Fazem parte desse grupo

molduras, fios, boxes, setas, faixas, splashes, texturas, barras e grafismos abstratos. As setas

possuem a particularidade de, além de serem utilizadas como boxes, transmitem por si só uma

informação, relativa à direção (figura 72).

98

Figura 72: elementos estruturais

99

Elementos iconográficos

Fazem parte dos elementos iconográficos: ilustrações, geralmente representando

produtos; ícones, que são ilustrações bastante sintetizadas utilizadas para substituir palavras,

principalmente no caso de telefones ao lado dos números de contato; marcas, que neste caso

são imagens que representam empresas, porém com função secundária no artefato, cumprindo

o papel de assinaturas; símbolos, considerados um elemento à parte quando a assinatura visual

é o conteúdo principal do artefato; personagens, tipo específico de ilustração que representa

seres animados; e sinais, quando são reproduzidos ícones utilizados em sistemas de trânsito,

ou variações a partir destes (figura 73).

Figura 73: elementos iconográficos

100

De todos os artefatos analisados, aproximadamente um terço (34%) não possui

nenhum elemento extra-tipográfico. Na maioria que utiliza desses recursos, foram

identificados como mais comuns as molduras, presentes em 152 artefatos; ilustrações, em

103; e boxes, encontrados 97 vezes. É possível identificar também uma preferência por

elementos estruturais.

Gráfico 16: elementos extra-tipográficos

4.7 Análise tipográfica

Para melhor entendimento da análise tipográfica, cabe ilustrar a terminologia nela

utilizada. Foram apropriados, em meio à grande quantidade de termos técnicos encontrados na

teoria do design e da tipografia, apenas aqueles que se mostraram necessários em relação à

metodologia da análise, assim como aos artefatos registrados, evitando a inclusão de termos

ligados a aspectos que não foram aqui considerados. Alguns dos termos tiveram seu

significado adaptado, e outros tiveram que ser criados, na falta de referências na bibliografia

consultada (figura 74).

101

Figura 74: terminologia utilizada

102

4.7.1 Disposição no espaço

A maneira como o termo tipografia é entendido neste trabalho, incluindo o que Walker

(2001, p.10) define como “organização visual da linguagem escrita”, ou seja, não apenas o

desenho das letras, mas o layout tipográfico, faz com que esse fator seja considerado relevante

para a análise, que por isso não se restringe às formas tipográficas em si.

Ainda com base nos estudos de Walker (idem), é possível identificar que qualquer

indivíduo que exerça a atividade da escrita tem contato com receitas, de diferentes origens,

sobre como essa deve ser arranjada espacialmente. Em se tratando de pessoas sem nenhum

tipo de formação voltada especificamente para essa atividade (o que portanto deve ser

relativizado em se tratando do pintor de letras profissional), as referências para exercê-la

podem ser regras relacionadas à escrita manual aprendidas ainda na escola; receitas

encontradas em livros de naturezas diversas (guias sobre determinada técnica, como os

citados no item 2.4, ou guias que trazem princípios básicos de design a serem aplicados em

programas de computador); assim como o ambiente visual onde os indivíduos estão inseridos

(placas, embalagens, fachadas, etc.). A utilização da técnica da pintura possibilita a aplicação

de referências de qualquer origem, principalmente quando comparada a outros meios de

produção da escrita, como impressão de tipos de metal, máquinas de escrever (que apesar da

pouca importância atual tiveram convenções próprias estabelecidas durante o longo período

em que foram utilizadas), ou mesmo de tecnologias digitais, como determinados programas

básicos, e por isso com recursos bastante limitados, de edição gráfica de ou texto.

A autora coloca a possibilidade de receitas que, apesar de não serem escritas ou

codificadas formalmente de alguma maneira, são seguidas na prática. Algumas normas que

nunca foram escritas, mas são seguidas por serem identificadas como parte de determinada

tradição (Walker, 2001, p.84).

Um primeiro fator a ser analisado diz respeito ao alinhamento do texto. No caso de

artefatos pintados, foi considerado como alinhamento a identificação de eventuais eixos de

referência para a maior parte dos elementos tipográficos. 324 artefatos (36,5%) apresentam

todos os seus elementos centralizados, ou seja, alinhados a partir de um eixo central, enquanto

em 39 (4,5%) exemplos o alinhamento à esquerda predomina, e em apenas cinco casos isso

ocorre em relação ao lado direito. Foram observados também 77 (9%) casos onde elementos

centralizados e alinhados à esquerda coexistem, sendo nestes casos a centralização geralmente

aplicada para destacar títulos ou tópicos do restante do texto, reproduzindo uma convenção da

103

tipografia tradicional. É importante ressaltar que a centralização de textos, facilmente aplicada

em textos compostos através de tecnologias digitais, não é produzida com a mesma agilidade

na técnica de pintura, já que o posicionamento do texto em relação ao eixo central demanda

um mínimo de planejamento, de acordo com o número de caracteres de cada linha.

Figura 75: alinhamento dos textos

Há também uma diretriz em relação ao arranjo dos elementos gráficos em determinada

área que não utiliza um eixo como referência, e sim parte do princípio de que a mancha

gráfica (para usar um termo do design) deve preencher o máximo de espaço possível,

guardando certa relação com a justificação de textos da tipografia tradicional. Esse recurso,

presente em 331 artefatos, pode ser utilizado de diferentes maneiras, de acordo com a

complexidade do conteúdo textual: no caso de uma única palavra, através da utilização de

letras com proporções que visam deixar o mínimo de espaço vazio necessário para uma boa

leitura, tanto entre as letras como em relação às bordas (figura 76); e em textos maiores um

mesmo alfabeto pode ser utilizado com variações no tamanho e nas proporções das letras,

buscando manter a mesma largura em linhas ou palavras com diferentes números de

caracteres (figura 77). Há ainda casos onde a ocupação do espaço aparentemente não se deu a

partir da idéia do artefato como um todo, e sim do preenchimento sucessivo de áreas,

resultando em conjuntos desordenados visualmente (figura 78).

104

A estrutura convencional da escrita latina, com trajeto de leitura horizontal no sentido

da esquerda pra direita e regularidade nas proporções das letras, como altura-x, pode ser

subvertida em letreiramentos de qualquer natureza. A maior parte dos artefatos analisados, em

um total de 788, não foge dessa tradição. O restante utiliza alterações nos trajetos de leitura,

sendo estes: vertical, encontrada em 107 casos; diagonal, presente em 93 artefatos; em arco,

em 61, além de 47 casos com presença do sentido sinuoso (figura 80). No caso específico da

escrita vertical, esta é realizada através da disposição das letras uma abaixo da outra (com

uma única exceção – figura 79), e não da simples rotação da escrita horizontal. Ainda sobre a

escrita vertical, foi possível constatar uma relação direta não apenas com o formato dos

suportes, bem mais altos de que largos, mas também com os locais onde esses são dispostos,

como laterais das entradas dos estabelecimentos ou postes.

Figura 79: trajeto de leitura vertical não usual

105

Figura 80: trajetos de leitura

Outros recursos vão além da simples mudança do trajeto de leitura, por influenciarem

os desenhos individuais das letras. Trata-se de distorções conseguidas através da manipulação

das linhas de base e topo, bem como da relação entre o ângulo dessas com o da estrutura das

letras, fugindo das tradicionais retas paralelas horizontais entre as quais as letras se colocam

de maneira perpendicular. As linhas podem deixar de ser paralelas, convergindo ou

divergindo a partir de um ponto, assim como terem forma de arcos de parábola ou de linhas

sinuosas, o que pode ser aplicado em apenas uma ou em ambas as linhas. É possível também

alterar o ângulo da linha que guia a estrutura principal das letras em relação às linhas de base

e de topo, resultando em letras com diferentes inclinações (figura 81). Todos esses recursos

podem ainda ser combinados entre si, do mesmo modo que com alterações no trajeto de

leitura (figura 82).

106

Figura 81: diferentes tipos de distorção

Figura 82: exemplos de distorções

107

4.7.2 Análise das formas tipográficas

Sistema de classificação

A análise dos artefatos que formam o principal objeto de estudo desta pesquisa

demanda a estruturação de um sistema de classificação. Esse sistema deve considerar como

aspectos mais relevantes os elementos tipográficos, tanto no que diz respeito aos desenhos das

letras em si quanto à maneira como são arranjadas em determinado espaço. Assim sendo, é

necessária uma revisão dos principais tipos de classificação tipográfica ou de letreiramentos, a

fim de identificar entre os diferentes métodos quais se aplicam de maneira mais eficaz ao

material do levantamento fotográfico.

O sistema resultante não possui a pretensão de funcionar como uma ferramenta

definitiva de análise, passível de ser aplicada de maneira indiscriminada em outras pesquisas

semelhantes. O modo como foi desenvolvido levou em consideração as especificidades do

conjunto aqui analisado, em relação não apenas a aspectos formais, como também a seu

volume considerável.

A classificação de fontes tipográficas é um tema inerente à atividade do design

gráfico, motivado tanto pelo campo teórico quanto pelas necessidades práticas de organização

e seleção de coleções de tipos. De acordo com Baines e Haslam (2005, p.50), a atividade teve

início durante o século XIX, durante o qual houve grande expansão da variedade de tipos

produzidos. Desde então diversos sistemas com essa finalidade foram desenvolvidos, sendo

que alguns coexistem até os dias atuais, dentre os quais o sistema Vox, desenvolvido pelo

francês Maximilien Vox em 1954-5, adotado pela Association Typographique Internationale

(ATypI) em 1962 e tendo servido de base para outros sistemas, como por exemplo o BS 2961,

utilizado pelo British Standart Institution desde 1967. Tais sistemas possuem suas vantagens

e limitações, seja por suas finalidades ou pela época em que foram desenvolvidos. A

dificuldade em aplicá-los a acervos que possuem não apenas fontes tipográficas, e sim

letreiramentos de diferentes naturezas, foi constatada por Catherine Dixon (2008), ao lidar

com a coleção do Central Lettering Record (CLR). A inadequação residia no fato de que um

sistema estruturado na simples categorização (como o BS 2961 utilizado inicialmente, que

possui como categorias humanist, garalde, transitional, didone, slab-serif, lineale, glyphic,

script e graphic) mostrou-se falho não apenas em determinadas partes, e sim em sua estrutura

como um todo. Distorções como a superconcentração em categorias genéricas como a graphic

108

não poderiam ser resolvidas somente através de criação sucessiva de novas categorias, o que

levaria a um número cada vez maior destas, contendo poucos exemplos cada uma. Por essa

razão um novo sistema foi desenvolvido pela pesquisadora, que teve como princípio não

considerar categorias fechadas como uma estratégia de descrição válida, e sim a combinação

de espécies de variáveis.

O sistema desenvolvido por Dixon pode ser entendido como uma classificação

tipográfica cruzada, por levar em consideração aspectos e características diferentes que uma

fonte pode assumir, criando formas de organização que privilegiam a pluralidade e a

abrangência (FARIAS e SILVA, 2004). Sua função é mais de descrição analítica do que de

categorização fechada dos letreiramentos, e é baseado em três componentes: origens

(sources), atributos formais (formal atributes), e padrões (pattern).

As origens descrevem as influências e referências genéricas que podem ser

identificadas nas formas dos tipos. São divididas em cinco amplas categorias.

manuscritas (handwritten): letras que seguem modelos caligráficos e de escrita

manual.

romanas (roman): letras que combinam as romanas capitulares com minúsculas

baseadas na escrita humanística.

vernaculares do século XIX (19th-century vernacular): letras inspiradas nos tipos

display oriundos da necessidade de impressos comerciais efêmeros durante a

industrialização daquele século, geralmente em grandes tamanhos e baseados em

interpretações de letreiramentos particulares de uma região.

decorativas/pictóricas (decorated/pictorial): letras decoradas ou que trazem

elementos pictóricos em sua própria estrutura ou anexados a esta.

origens adicionais (additional sources): letras que não possuem nenhuma das origens

anteriores.

Os atributos formais tratam de aspectos visuais da estruturas das letras, e são

divididos em oito categorias.

construção: avalia o modo de obtenção dos traços da letra, seja de maneira contínua;

quebrada ou interrompida; com referências a ferramentas; com referências a sets de

caracteres; ou outras abordagens.

109

forma: relativo ao tratamento dado aos elementos básicos das letras (curvas e linhas

retas), sendo observadas as variações de formas tradicionais; o tratamento das curvas;

os aspectos das curvas; os detalhes das curvas; hastes retas; e outros detalhes.

proporções: descreve as dimensões básicas das letras e o uso do espaço, a partir das

proporções relativas das capitulares; e das proporções relativas internas.

modulação: descreve a variação de espessura dos traços que compõem as letras,

analisando o contraste; o eixo de contraste; e o transição.

peso: mensura a espessura da letra como um todo, analisando a cor; e peso em relação

à família.

terminais: descreve a maneira como se apresentam os terminais das letras, observando

os terminais da linha de base; terminais das ascendentes; e terminais de caracteres

específicos.

caracteres-chave: observa os caracteres cujo tratamento é significante para distinguir

uma fonte de outra.

decoração: além de poder ser considerada uma origem, a decoração também pode ser

entendida como um atributo formal, no caso de tratamentos adicionados a letras já

existentes.

Os padrões constituem o terceiro componente, e segundo Dixon foi criado para evitar

que o sistema se tornasse restrito a micro aspectos das letras, já que a não utilização de

categorias formais impossibilitava a localização de determinado exemplo em relação ao

contexto da prática do design de tipos como um todo. Por essa razão, foram identificadas e

listadas as principais configurações recorrentes de origens e atributos formais, que passaram a

constituir os padrões. Assim sendo, na origem vernaculares do século XIX foram

identificados padrões como Fat face, Egyptian e Claredon/Ionic, enquanto nas origens

manuscritas, padrões como Textura e Rotunda. No caso de tendências demasiadamente

genéricas para configurar, através da listagem de atributos formais, um padrão propriamente

dito, há o recurso de utilizar referências a sumários. No caso das origens manuscritas, por

exemplo, foi incluída uma referência a um sumário denominado bastarda (figura 83).

110

Figura 83: panorama cronológico do sistema de Dixon

A versatilidade do sistema de Dixon faz este bastante eficaz quando aplicado a

letreiramentos, principalmente se comparado com outros sistemas de categorização

tipográfica simples. O fato de seu desenvolvimento ter se dado tendo como referência um

acervo tão variado como o do CLR, não se restringido a fontes tipográficas disponíveis no

mercado, fez com que sua estrutura fosse considerada a mais adequada para a análise dos

elementos tipográficos desta pesquisa. Como os letreiramentos analisados foram produzidos

exclusivamente através da pintura, um sistema que tem por objetivo possibilitar a descrição de

tipos de qualquer natureza requer adaptações. Sem que essas sejam feitas, determinadas partes

que para o objeto desta pesquisa podem mostrar-se de pouca relevância fariam do sistema

mais extenso do que o necessário, assim como características que merecem maior atenção

poderiam não ser consideradas com o devido destaque. A análise da tipografia pintada foi

feita utilizando os mesmos três componentes do sistema de Dixon, a partir dos quais foram

realizadas as adaptações necessárias.

111

Modelo-base

O quesito origem foi adaptado, por dizer respeito à evolução das formas tipográficas

em um nível bastante detalhado, agregando também aspectos de genealogia histórica que não

são levados em consideração na análise da tipografia pintada. Em seu lugar, é utilizado o

quesito modelo-base, que possui um significado mais geral do que o seu equivalente do

sistema original, relacionado à identificação das referências para produção da letra pintada.

Foram identificadas quatro possíveis modelos-bases: escrita manual, quando a

referência é um modelo geral, como os utilizados durante a alfabetização no sistema de

ensino, ou pessoal, quando mantém idiossincrasias da escrita manual de um indivíduo;

caligrafia, quando são reproduzidos modelos da caligrafia clássica, como a escrita

cooperplate ou as variações do estilo gótico; fontes tipográficas, quando as referências são

formas projetadas originalmente para serem fontes, independente da tecnologia utilizada

(tipos de metal, fontes digitais, etc.); e letreiramentos, quando se utiliza estilos

desenvolvidos a partir da própria técnica de pintura, geralmente pelo próprio autor. Os

modelos-bases escrita manual e caligrafia foram unidas em uma única categoria, dado o baixo

número de exemplos encontrados e a semelhança entre os conceitos.

Conforme ressalvas colocadas no item 3.2, a questão dos modelos-bases dos alfabetos

deve ser relativizada, já que um mesmo desenho pode possuir mais de uma origem possível,

como certos estilos de caligrafia que serviram de referência para fontes tipográficas. Sendo

assim, os modelos-bases foram identificados sem considerar o meio através do qual o alfabeto

que serviu de inspiração para o pintor foi reproduzido. Ou seja, mesmo que o modelo-base

para uma pintura tenha sido uma fonte tipográfica que reproduzisse a escrita chancelaresca, a

origem considerada como tal é a caligrafia. Isso posto, vale ressaltar a influência de modelos-

bases de toda natureza que, ao serem apropriados pelo design de tipos, foram largamente

difundidos, até tempos recentes por catálogos de fotoletras, e atualmente pelos meios digitais.

Do conjunto de alfabetos aqui analisados (que supera o número de artefatos, já que um

mesmo exemplo pode conter diversos desenhos de alfabetos diferentes) os modelos-bases

mais comuns são relacionados ao letreiramento e, principalmente, à tipografia.

112

Gráfico 17: modelos-bases dos alfabetos

Atributos formais

Os atributos formais utilizados pelo sistema de Dixon se mostraram eficazes também

para descrição dos artefatos aqui analisados. Foram necessárias algumas adaptações, dadas as

especificidades das letras pintadas em relação ao universo para o qual o sistema original está

voltado, das fontes tipográficas. Uma primeira adaptação diz respeito à análise dos atributos

formais, na qual não seria adequada uma simples aplicação de parâmetros do design de tipos,

como a definição dos limites a partir dos quais uma letra é considerada condensada ou

expandida, ou o que separa o peso médio do black. Em relação aos pesos, a escala e o tipo de

suporte alteram a percepção, conforme apontado por Gray (1960, p.25) ao dizer que, em se

tratando da utilização de fontes tipográfica em escala arquitetônica, é o peso bold [black] que

parece normal, enquanto o peso normal [médio] parece light. Nos casos aqui analisados há

também os limites da produção artesanal, que levam à consideração de tais atributos não na

escala refinada da tipografia, e sim quando esses se mostram evidentes mesmo para um olhar

menos minucioso. Apesar de terem sido adotados os mesmos termos para designar os

atributos formais, ressalvas pontuais devem ser feitas em relação a eventuais diferenças

quanto aos seus significados no sistema original:

113

construção: está ligado à execução da letra, levando em conta se as formas resultantes

trazem em si referências à ferramenta utilizada – no caso do universo analisado, ao

formato do pincel.

forma: observa características das formas básicas que compõem as letras, como retas

e curvas.

modulação: observa a presença de variação na espessura dos traços e a maneira como

esta ocorre.

peso: relativo à “cor” resultante da espessura dos traços das letras como um todo,

podendo ser light, médio ou black.

terminações: observa como se dá a interrupção dos traços, como a presença ou não de

serifas.

proporções: referente às relações entre dimensões básicas das letras e como essas

ocupam o espaço, observando aspectos como altura-x, linhas das ascendentes e

descendentes, assim como se há condensação ou expansão.

caracteres-chave: são tratadas aqui como letras que se destacam por não seguirem

formas convencionais do caractere que representam, o que facilita e identificação de

determinado padrão ou do estilo de um pintor.

Do sistema original, não é utilizado o atributo decoração, o que será justificado e

tratado mais a frente. Houve necessidade da inclusão do quesito outros aspectos, para que

fossem consideradas características não apenas formais, mas também relacionadas a maneiras

recorrentes de utilização do alfabeto, como o uso de caixa alta e caixa baixa, ou a presença de

inclinação.

Padrões

O grande número de artefatos registrados possibilita a utilização do componente

padrões, presente no sistema de Dixon. A identificação destes se deu igualmente pela

recorrência de determinados aspectos formais, tanto através da observação dos artefatos

quanto pela maneira como os pintores descreveram seus processos de trabalho. Os padrões

mostram-se relevantes também por tornarem possível situar determinado artefato em relação

ao contexto ao qual pertencem, aferindo o quão particular ou recorrente é determinado

aspecto. Vale salientar que a proximidade com os padrões estabelecidos não está diretamente

114

relacionada à qualidade dos artefatos, podendo essa se dar tanto através da originalidade de

aspectos formais quanto pela execução com maestria de algum padrão. Ao contrário do

sistema de Dixon, não há aqui a intenção de traçar nenhuma genealogia ou contextualização

histórica dos padrões identificados. Um mesmo atributo de determinado padrão pode ter mais

de uma característica considerada (como diferentes pesos), caso todas tenham sido

encontradas em número relevante de exemplos.

Primeiramente, foi identificado um padrão de alfabeto muito mais utilizado do que os

demais, embora não haja consenso entre os pintores sobre como denominá-lo. Suas formas

remetem a um modelo-base da tipografia, mais especificamente de fontes sem serifas, apesar

de não utilizar como referência uma fonte tipográfica em particular. Os pintores se referem a

este alfabeto como “letra comercial” ou “letra comum”, termos citados em duas entrevistas,

assim como “letra de forma” e “letra de imprensa”, termos utilizados por um pintor cada.

Letra Comercial

modelo-base: tipografia

construção: sem referência ao formato do pincel

forma: hastes com bordas paralelas; bojos ligeiramente quadrados

modulação: sem modulação

peso: médio ou black

terminações: sem serifa; terminações retas ou arredondadas

proporções: frequentemente condensadas

caracteres-chave: sem caracteres-chave

outros aspectos: uso predominante de caixa alta

Figura 84: atributos formais da letra comercial

115

Figuras 85, 86 e 87: exemplos de letra comercial

Um segundo padrão, encontrado em menor número e citado por três pintores, é

representado pela “letra manuscrita”. Apesar de haver variâncias em seus aspectos formais, os

exemplos desse padrão possuem em comum modelos-bases relacionados à escrita manual,

sendo geralmente encontrados em artefatos que utilizam também a letra comercial, resultando

em composições com contraste no que diz respeito às formas tipográficas. O mais comum, em

se tratando da hierarquização dos elementos da mensagem, é a presença da letra manuscrita

em informações secundárias, cabendo à letra comercial o texto principal.

Letra manuscrita

modelo-base: escrita manual

construção: referência ao formato do pincel

forma: bojos arredondados

modulação: frequente, de maneira sistemática ou não

peso: médio

terminações: arredondadas

proporções: grande altura-x

caracteres-chave: sem caracteres-chave

outros aspectos: presença de letras encadeadas, inclinação frequente

116

Figura 88: atributos formais da letra manuscrita

Figuras 89, 90 e 91: exemplos de letra manuscrita

Como mais um dado referente às letras comercial e manuscrita, vale colocar que em

uma pesquisa semelhante realizada com pintores de letras de São Gonçalo (não publicada) foi

constatado serem esses os principais modelos utilizados pelos profissionais. A predominância

do que aqui é tratado como letra comercial se refletia na terminologia dos pintores, que além

de fazerem uso da expressão “letra comum”, conforme alguns entrevistados deste trabalho,

tratavam tal modelo também como “letra padrão”.

Foi identificado durante a observação dos artefatos um terceiro padrão, apesar de não

ter sido tratado pelos pintores. Esse é composto por letras aqui denominadas geométricas,

cujos aspectos formais possuem como modelo-base as possibilidades e limites presentes na

produção de letreiramentos. Nesse caso, as letras são estruturadas a partir de malhas

geométricas, que influenciam fortemente os resultados formais.

117

Letra geométrica

modelo-base: letreiramento

construção: sem referência ao formato do pincel

forma: hastes com bordas paralelas; bojos quadrados

modulação: sem modulação

peso: black

terminações: sem serifas; terminações retas

proporções: largura variável

caracteres-chave: A, O e U quadrados, S de traços retos

outros aspectos: letras geralmente monoespacejadas

Figura 92: atributos formais da letra geométrica

Figuras 93, 94 e 95: exemplos de letra geométrica

Também tendo modelo-base do letreiramento, foi identificado um quarto padrão, que

possui como principal característica uma aparente informalidade nos traços, resultando em

letras que, apesar de possuírem estruturas que não fogem às convencionais, trazem junções e

vértices executados sem intenção de reproduzir a exatidão das formas tipográficas. O pintor

Edu fez um relato sobre esse padrão, chamado por ele de “letra corrida”.

118

Às vezes quando eu tô com preguiça eu faço uma letra corrida. (...) Você faz na caída do pincel, sem precisar ficar acertando a letra. Faz onde o pincel cair, vai fazendo, vai escrevendo na mão livre assim.

Aparentemente esse é o padrão de execução menos trabalhosa para os profissionais, e

seus aspectos formais o aproximam de alfabetos utilizados pelos cartazistas. Apesar de outros

pintores não terem citado este padrão, letras a ele pertencentes foram identificadas em um

número considerável de artefatos.

Letra corrida

modelo-base: letreiramento

construção: com referência ao formato do pincel

forma: bojos quadrados; traços sinuosos

modulação: pouca ou nenhuma modulação

peso: variável

terminações: sem serifas; terminações variáveis

proporções: frequentemente condensadas

caracteres-chave: S sinuoso

outros aspectos: letras inclinadas, junções e vértices incompletos ou transpassados

Figura 96: atributos formais da letra corrida

119

Figuras 97, 98 e 99: exemplos de letra corrida

A incidência dos padrões identificados em relação ao total das obras analisadas, em

valores aproximados, é a seguinte: a letra comercial está presente em 75% dos artefatos, a

letra corrida em 22,5%, a letra geométrica em 10,5%, e a letra manuscrita em 8%.

Ao compararmos os principais padrões utilizados pelos pintores de letras atuais com

os modelos hegemônicos dos antigos manuais analisados no item 3.4, é possível perceber

alguns pontos em comum. Um alfabeto sem serifa, condensado e black configura o principal

modelo, com poucas variações dos atributos formais, seja nas plain letters dos manuais ou na

letra comercial dos pintores. A construção puramente geométrica das letras é outro aspecto

comum às duas realidades, e os resultados conseguidos através das malhas construtivas dos

manuais são muito próximos aos da letra geométrica dos pintores. Os padrões atuais das letras

corrida e manuscrita, apesar de não guardarem estreitas relações formais com modelos dos

manuais, encontram neles exemplos análogos quanto à função no sistema dos pintores, que

diz respeito à diferenciação dos outros modelos através da sinuosidade de sua construção,

fruto do registro do gesto da pintura. Se os pintores atuais recorrem a modelos da escrita

manual ou das possibilidades do pincel para o desenvolvimento de alfabetos com essa função,

os antigos manuais recorrem a modelos mais próximos à caligrafia (figura 100), onde a

aplicação de modulação nos traços é a principal diretriz (também foram encontrados alfabetos

semelhantes entre os artefatos aqui analisados, como o da figura 101, embora em um número

pouco significativo). É possível supor que seja importante, no sistema de produção de

artefatos de comunicação visual através da pintura de letras, a existência de algum alfabeto

com contraste formal em relação aos traços retos e uniformes dos padrões comercial/plain

letter e geométrico.

120

Figuras 100 e 101: modelo de um manual e artefato de pintor atual

A análise das formas tipográficas em relação aos artefatos registrados para esta

pesquisa procurou situar as unidades quanto aos padrões nelas encontrados. Apesar de o

sistema descritivo possibilitar uma análise mais individualizada dos aspectos formais, essa

pareceu ser necessária apenas no item 3.2.7.

Adornos

O atributo decoração, do sistema de Dixon, não se mostrou adequado para descrição

dos alfabetos analisados. Comparada à sua conotação original (onde inclui características

inerentes à estrutura das letras, como a presença de elementos pictóricos em sua superfície ou

de aspectos típicos da técnica de estêncil), a relação entre os elementos tratados e as letras

ocorre de modo diferente. Nos artefatos dos pintores, os elementos análogos são aplicados em

etapa posterior à da pintura das formas básicas das letras, e por isso independem do modelo de

alfabeto utilizado. Por essa razão, tais recursos foram analisados separadamente, e são

tratados como adornos. A maioria dos artefatos registrados não possui alfabetos com adornos,

mas tal recurso está presente em uma parte significativa em relação ao total analisado.

Gráfico 18: presença de adornos

121

Levando em conta o sistema através do qual ocorre a aplicação dos adornos, em etapa

posterior à pintura de uma letra básica (sem nenhum adorno), é possível dividi-los em

internos, quando aplicados na forma das letras; e externos, quando realizados ao redor de seus

traços, ou seja, na contra-forma. O recurso contorno é um caso à parte, já que pode ser

aplicado tanto sobre a forma quanto sobre a contra-forma (separada ou simultaneamente).

Figura 102: panorama dos adornos

Com função de adornos externos, foram encontradas sombras externas, sublinhas,

contornos externos, combinações de sub e sobrelinhas, e perspectivas. Tanto sombras quanto

perspectivas podem ser aplicadas de diferentes maneiras, alterando direção, tamanho e outros

aspectos em relação à letra básica. A análise, porém, não incluiu essas subdivisões,

pertinentes também a outros elementos. Os contornos externos têm como característica, que

os diferencia dos fios que circulam palavras ou frases, seguirem de maneira fiel as formas das

letras, guardando certa distância em relação a essas.

Com função de adornos internos, foram encontrados brilhos, sombras internas, além

de outros elementos com essa função. A distinção entre brilhos e sombras internas foi feita

não através das cores utilizadas, e sim de sua posição em relação às letras, que podem

predominar em áreas superiores (definindo o brilho) ou inferiores (definindo a sombra) de

suas partes (figura 103).

122

Figura 103: exemplos dos adornos encontrados

123

Foi contabilizada a ocorrência individual dos adornos, que podem ser combinados

entre si, embora isso não ocorra com muita frequência (figura 104). Com esses critérios, a

sombra externa foi identificada como o elemento mais utilizado, seguido por contornos e

sublinhados, com um número bastante inferior de ocorrências.

Gráfico 19: incidência dos adornos

Figura 104: combinações de adornos

4.8 Análise dos principais pintores

A compreensão dos processos de trabalho dos pintores passa pela análise de seus

discursos, conforme realizado no item 3.3, mas também encontra na observação de conjuntos

de artefatos de um mesmo profissional uma importante referência. O extenso levantamento

fotográfico, aliado às entrevistas, possibilitou a identificação dos pintores com maior destaque

em termos quantitativos na área de pesquisa. Por ter sido encontrado um razoável conjunto de

artefatos produzidos por cada um deles (o com menor número teve registrados 22 artefatos),

124

se pode através destes identificar e comparar as especificidades dos seus trabalhos, assim

como localizar eventuais características em comum. A descrição de repertórios gráficos

particulares torna possível a identificação dos autores de artefatos em locais fora da área de

pesquisa, além de constituir um panorama que pode servir de referência para futuras

pesquisas.

A identificação da autoria dos artefatos ocorreu não apenas através da assinatura

destes, já que nem todos têm por costume incluir nome e contato em alguma parte das peças.

O reconhecimento de certos aspectos característicos dos estilos pessoais possibilitou que

muitas peças pudessem ter a autoria atribuída a determinados pintores, com a ressalva sobre a

eventual existência, em meio ao conjunto total de artefatos analisados nesta pesquisa, de

outros trabalhos dos pintores aqui tratados, que por fugirem de suas linguagens individuais

não puderam ter seus autores identificados.

a. Masach (64 artefatos)

O pintor Masach alterna dois desenhos de alfabetos para pintar a maioria das

mensagens. Um dentro do padrão de letra comercial, com grandes variações de largura e de

peso (figura 105), e que inclui também caracteres em caixa baixa, apesar de raramente usados,

caracterizados pela largura condensada, assim como pequena altura-x e grandes hastes

ascendentes (figura 106). Aparentemente esse alfabeto é executado através de traços

compostos, resultando em variações não sistematizadas na largura dos traços de uma mesma

letra ou de peso das letras em uma mesma palavra. O segundo alfabeto principal segue o

padrão de letra corrida, normalmente realizada também com pinceladas compostas, que possui

pequena inclinação, largura condensada, modulação dos traços, bojos quadrados e junções

discretamente incompletas (figura 107). Em alguns artefatos, uma ou mais dessas

características são realizadas de maneira mais radical, tornando-as mais explícitas (figura

108). Ocorre também a alternância de caracteres desses dois alfabetos na mesma palavra,

assim como desenhos com atributos formais de ambos (figura 109).

125

Também é possível identificar um terceiro alfabeto, de padrão geométrico, que possui

a particularidade de ser utilizado quase que exclusivamente em negativo, inserido em boxes e

setas, reproduzindo uma orientação encontrada em alguns dos manuais analisados no item 3.4

(figura 110). Outra marca pessoal do pintor é a utilização de contornos externos como adornos

(figura 111).

126

Figura 112: trabalhos do pintor Masach

b. Jaime (55 artefatos)

O pintor Jaime utiliza basicamente dois alfabetos, um pertence ao padrão comercial,

enquanto o outro segue o geométrico. A versão desenhada do alfabeto comercial, apesar do

predomínio de proporções condensadas, é realizada em todas as larguras, até versões

127

expandidas e passando pela normal (figura 113), e possui uma versão com variações de alguns

caracteres, como as letras V e A com vértices arredondados (figura 114). Utiliza também uma

versão não desenhada (traço único ou composto) para letras de tamanhos menores,

caracterizadas pela presença de incisões em determinados ápices e junções (figura 115). Um

alfabeto com a maioria dos atributos formais da letra comercial, apesar de ligaturas não usuais

unindo m ou n (que por vezes seguem o padrão manuscrito) a outras letras, é utilizado em

caixa baixa apenas para preposições e abreviações (figura 116).

128

O alfabeto geométrico também sofre variações no que diz respeito ao nível de

condensação. Na maior parte das vezes é aplicado seguindo o trajeto vertical de leitura, com

letras monoespasejadas que têm como principal característica a presença de junções angulares

em relação ao interior e arredondadas em relação ao exterior (figuras 117 e 118).

Figura 117: letra geométrica de Jaime

Figura 118: letra geométrica de Jaime

Jaime possui uma boa técnica em relação ao arranjo espacial, com habilidade para

centralizar textos e fazer uso do trajeto circular de leitura, sendo a combinação desses dois

recursos uma constante entre seus artefatos (figura 119). A distorção também é utilizada, de

modo menos frequente (figura 120). Apesar de incluir ilustrações em poucos trabalhos, o

pintor possui habilidade para executá-las em diferentes linguagens, conforme pode ser

constatado nos exemplos encontrados (figura 121).

129

Figura 122: trabalhos do pintor Jaime

130

c. Índio (57 artefatos)

O pintor conhecido entre seus clientes como “Índio” utiliza dois alfabetos principais,

um com padrão de letra comercial e outro de letra corrida. Sua letra comercial pode ter

terminações tanto retas (figuras 123) como arredondadas (figura 124), além de servir de base

para o desenho de alfabetos com serifas (o que os afasta do padrão da letra comercial),

variando também os formatos destas (figura 125). O alfabeto de letra corrida se destaca pelas

terminações retas que, assim como outros aspectos, persistem mesmo quando não são

produtos do traço único (figura 126).

131

Outra particularidade é o uso da caixa baixa, o que é feito com qualquer um dos

alfabetos, e ocorre com maior frequência do que nos artefatos dos outros pintores (figura

127). As grandes dimensões dos artefatos também chamam atenção (figura 128), assim como

a total ausência de ilustrações, a não ser no caso de símbolo do estabelecimento.

Figura 129: trabalhos do pintor Índio

132

d. Edu (40 artefatos)

Edu praticamente utiliza apenas o seu desenho de alfabeto comercial, com versões

desenhadas e de traço único. Apesar das duas versões guardarem semelhanças em muitos

aspectos, a primeira costuma ser aplicada com peso variando de médio ao black (figura 130),

enquanto a segunda, do médio ao light (figura 131). Um dos aspectos em comum é a

utilização, na maioria dos casos, de letras com inclinação. A versão em traço único

caracteriza-se por possuir variação não sistematizada da espessura dos traços, o que, no

entanto, não impede uma regularidade formal na mancha de texto (figura 132). O pintor

também possui um alfabeto com padrão de letra corrida, embora pouco frequente, usado

apenas para informações auxiliares, e raramente em todo o artefato (figura 133).

133

A centralização dos textos, mesmo quando longos, é realizada de maneira eficaz

(figura 134), e títulos costumam ser destacados através do uso de boxes e/ou sombras externas

e brilhos como adornos (figura 135). Ilustrações são feitas frequentemente, e embora haja a

recorrência de certos motivos, como o copo de refresco, o salgado e o coco (figura 136),

também são feitas outras imagens, que podem flertar com o realismo (figura 137) ou ser

sintéticas (figura 138). A maior parte, no entanto, é produzida através de um estilo cartoon

(figura 139). A linguagem utilizada nas imagens feitas pelo pintor, conforme dito no item

3.3.1, motivou sua contratação pata ilustrar um guia de bares da cidade.

134

Figura 139: principal estilo de ilustração de Edu

Figura 140: trabalhos do pintor Edu

135

e. Sérgio (31 artefatos)

Sérgio é o mais versátil dos pintores aqui analisados, de tal maneira que caso não

tivesse por hábito assinar a maioria de seus trabalhos, dificilmente esses teriam sido

considerados como sendo do um único autor. Foram identificados, em seus artefatos, cerca de

seis alfabetos diferentes, número que aumentaria se fossem levados em conta aspectos formais

em um nível mais detalhado. Aparentemente, Sérgio costuma alterar alguns atributos formais

dos alfabetos de seu repertório em cada artefato, de maneira que, por exemplo, dois alfabetos

considerados segundo os critérios desta pesquisa como pertencentes ao padrão comercial

podem ter desenhos diferentes (figura 141).

Figura 141: letra comercial de Sérgio

Além da letra comercial, que possui também uma versão de traço único, condensada e

light (figura 142), foram identificados: um alfabeto de modelo-base do letreiramento,

caracterizado por bojos quadrados e traços curvos, côncavos em relação ao exterior da letra

136

(figura 143); um alfabeto com padrão de letra corrida, inclinado, com terminações

arredondadas e traços ligeiramente curvos (figura 144); um segundo alfabeto com modelo-

base do letreiramento, cuja presença de modulação com grande contraste o aproxima de

modelos caligráficos (figura 145); além de um alfabeto de modelo-base da tipografia,

terminações round e junções transpassadas (figura 146), assim como outros desenhos de

modelos-bases da tipografia.

137

Elementos extra-tipográficos estruturais são bastante comuns nos artefatos do pintor,

com destaque para faixas e fios.

138

Figura 147: utilização de faixas

Figura 148: trabalhos do pintor Sérgio

f. Jairo (22 artefatos)

Foram encontrados três desenhos de alfabetos nos artefatos de autoria do pintor de

nome Jairo. Um dos dois principais possui formas que seguem o padrão comercial, variando a

condensação e o peso, que vai do médio ao black. Seu desenho convencional o torna bastante

eficiente quanto à sua neutralidade, na típica intenção de não despertar atenção para algo além

do conteúdo textual da mensagem (figura 148). Esta caracterização se opõe à do outro

alfabeto mais utilizado, com modelo-base do letreiramento. Trata-se aparentemente de uma

evolução do desenho de letra comercial (alguns caracteres se mantêm bastante semelhantes),

com a inclusão de serifas, junções incompletas ou transpassadas, alongamento de traços até

além da linha de base, exagero de bojos, sinuosidade de traços e presença de modulação. Esse

alfabeto de aspectos tão particulares facilita muito a identificação dos artefatos produzidos por

139

Jairo, um dos poucos casos de pintor que possui em seu repertório um alfabeto de modelo-

base do letreiramento que não segue o padrão da letra corrida (figura 150). Um terceiro

alfabeto, raramente utilizado, segue o padrão manuscrito (figura 151).

140

De um modo geral, Jairo busca preencher todo espaço dos suportes com a pintura das

letras, sendo seus artefatos bastante caracterizados visualmente. Todos os três alfabetos na

maior parte das vezes apresentam um peso black, o que encontra eco nos elementos extra-

tipográficos: molduras, barras (com função de fios), setas ou grafismos abstratos. Tudo isso,

somado à utilização de poucas cores (geralmente preto e vermelho sobre amarelo) resulta em

um estilo com grande vitalidade formal (figura 152). Raramente são encontradas ilustrações.

Figura 152: trabalhos do pintor Jairo

Através da reunião dos dados relativos aos alfabetos utilizados pelos pintores

analisados, é possível mensurar a importância de cada padrão identificado nesta pesquisa,

assim como comparar os diferentes sistemas utilizados pelos profissionais (quadro 1).

Quadro 1: alfabetos utilizados por cada pintor

141

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Queremos aqui destacar tópicos que foram se evidenciando no decorrer da pesquisa:

a) A presença da tipografia pintada no Centro do Rio de Janeiro é maior do que se

supunha. A quantidade de exemplos encontrados leva à identificação da tipografia pintada

como um elemento com forte presença na gráfica urbana do Centro do Rio de Janeiro. Apesar

de não ter sido feita nenhuma comparação em termos quantitativos com exemplos não

pintados que também compõem a paisagem tipográfica, podemos mensurar essa importância

ao compararmos o total de área pesquisado, com cerca de 2.520.826 m², e o número de

artefatos encontrados, que chega a 944 (somando aos 884 aqui analisados aqueles que não

foram considerados por serem duplicados ou cujos registros fotográficos não foram

satisfatórios), o que resulta em um número aproximado de 50 artefatos por 137.273 m² – área

equivalente à da Praça da República.

b) O ofício de pintor de letras “popular” ainda resiste, apesar das transformações no

mercado. A busca pelos principais responsáveis pela produção de tipografia pintada levou ao

encontro do ofício do pintor de letras. Apesar da evidente diminuição do número de

profissionais atuantes na região, incluindo o emblemático caso do pintor Zanata, não

pertencente à esfera popular, foram encontrados pintores com fluxo regular de trabalhos. Os

meios digitais de impressão, apesar de terem diminuído o mercado para a atividade, além de

gozarem da preferência por parte dos clientes, não se mostraram como um fator determinante

para uma extinção gradual e irreversível da utilização da pintura manual. Um mercado

voltado para artefatos de custos reduzidos, funções menos nobres e durabilidade efêmera

persiste, oferecendo oportunidades para quem domina a técnica da pintura de letras.

c) O ensino do ofício de pintor de letras não é institucionalizado, e apresenta técnicas

recorrentes. Apesar de já ter havido o ensino formal técnico voltado para a pintura de letras

até um passado recente, aparentemente não houve reflexos relacionados à classe dos pintores

como um todo. O perfil do pintor de letras está ligado a uma formação mais genérica, voltada

ao desenho e à pintura, na qual a execução de formas tipográficas é facilitada pelo domínio da

técnica de pintura como um todo. A ausência de contato com uma teoria tipográfica, mesmo

que básica, somada ao fato de ser uma atividade exercida predominantemente de maneira

142

individual, que não demanda um trato verbal técnico em relação aos artefatos ou ao processo

de trabalho, com outros pintores ou com clientes, resulta na ausência de uma terminologia

específica dos pintores de letras, cuja identificação era uma das propostas deste trabalho.

Apesar da ausência de uma formação voltada para a pintura de letras, foram encontradas

similitudes relacionadas ao processo de trabalho de diferentes pintores, que quando

comparadas aos antigos manuais analisados possibilitam a construção de um modelo geral

inerente à atividade. Foi possível identificar uma cultura própria da pintura de letras, mesmo

que seu saber emane da experiência, de maneira empírica, produzindo um conhecimento

tácito que independente do tempo ou da região onde é praticada.

d) Os pintores de letras possuem repertório estável, com poucos modelos tipográficos,

os quais não são utilizados apenas esporadicamente. Foi possível identificar certa diversidade

de aspectos formais durante a observação dos artefatos dos pintores de letras, quando estes

são considerados, de maneira conjunta, um dos componentes da gráfica urbana. A análise

individual da produção dos pintores, porém, trouxe à luz um sistema de trabalho caracterizado

pela utilização de poucos modelos de alfabetos, cujo domínio é conseguido durante a fase de

aprendizado ou desenvolvimento da técnica, que são utilizados na maior parte dos trabalhos.

e) O modelo tipográfico predominante é o comercial. A função da maioria dos

artefatos produzidos pela pintura manual, com caráter mais funcional do que decorativo, tem

como consequência a predominância do modelo de alfabeto de origem tipográfica,

identificado como letra comercial. O fato da pesquisa ter se concentrado na produção de

pintores profissionais deve ser levado em conta quando se observa o percentual de soluções

mais convencionais ou burocráticas encontradas, sendo possível supor que, ao estender a

análise a outros elementos da gráfica urbana, haveria maior diversidade nos resultados.

f) Como em qualquer tipo de produção visual, podem ser destacados artefatos com

maior qualidade gráfica. Apesar da recorrência dos sistemas de trabalho identificados, as

linguagens desenvolvidas pelos pintores podem ser bastante heterogêneas quando comparadas

entre si, sendo possível atingir igualmente distintos níveis de qualidade gráfica. Em meio à

grande quantidade de artefatos registrados durante essa pesquisa, características geralmente

vinculadas ao vernacular e detalhes tipográficos podem ser encontradas em uma mesma peça.

Uma tipografia tradicional pode ser envolta pelo pitoresco e historicizante; a vitalidade na

combinação das cores ser aplicada a letras impecáveis ou com desvios só percebíveis a

143

olhares mais atentos, que no lugar de perturbarem dão um sabor espacial ao resultado; a

liberdade do pincel pode ser celebrada em letras construídas a partir da própria pincelada,

tratadas como superfícies e serem decoradas ou arranjadas livres de limites técnicos; e a

tipografia pode ser o suficiente para despertar o interesse, trazendo em si sutilezas como

compensações óticas, que encerram o aprendizado quase sempre empírico de seus autores

(figuras 153 a 180).

Figuras 153 a 161: tipografia pintada analisada pela pesquisa

144

Figuras 162 a 170: tipografia pintada analisada pela pesquisa

145

Figuras 171 a 178: tipografia pintada analisada pela pesquisa

146

g) A tipografia pintada de determinado local é influenciada por diferentes aspectos da

região onde se encontra inserida. No caso deste trabalho, o fato da área pesquisada ser o

bairro central de uma grande cidade, caracterizado pela grande concentração de comércio e de

serviços, e consequentemente de diversos elementos de comunicação visual na gráfica urbana,

resulta em certa regularidade de aspectos formais da tipografia pintada, na qual predominam

modelos de alfabetos voltados para uma leitura rápida, e por isso com formas regulares sobre

as quais são utilizados poucos adornos. Observações informais de lugares com outras

características tornam evidente tal relação, como nos casos de Tiradentes/MG, cidade

histórica com vocação turística (figura 182), ou de Buenos Aires, onde ocorre a existência de

uma linguagem gráfica reconhecida como tradição local, a do filete porteño (a ponto de ter

sido encontrado durante esta pesquisa um exemplo de artefato com tal linguagem, motivado

pelo nome e a nacionalidade do ex-dono do estabelecimento – figura 183).

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Finalizando, temos o fato de que as características da tipografia pintada do Centro do

Rio de Janeiro ficam mais evidentes quando os resultados dessa pesquisa são comparados aos

de outros trabalhos sistematizados, mesmo que estes não se traduzam em termos quantitativos

conforme aqui realizado. Na pesquisa de Fernanda Cardoso, que incluiu outros bairros

cariocas além do Centro, além de ter utilizado outra metodologia, predomina nos artefatos

reunidos o caráter naif do vernacular. Já na pesquisa de Fátima Finizola, realizada em

diferentes bairros da cidade do Recife, é possível constatar uma maior diversidade no que diz

respeito à quantidade de modelos de alfabetos encontrados, tendo sido identificados padrões

recorrentes, assim como elementos de adorno, que não encontram o mesmo nível de

incidência na área aqui pesquisada. É importante constatar que a confluência das pesquisas

faz avançar o conhecimento sobre esta área, que se situa à margem do design canônico. A

atenção para com a diferença e a diversidade, que se desenvolve com a relativização dos

parâmetros modernistas, leva a diálogos e trocas entre o culto e o vernacular-popular, o qual

também participa, assim como o design, da visualidade contemporânea.

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