Tomo IV - Exercício Jurídico

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo

Tomo IV Exerccio Jurdico

A legitimidade

Exerccio Jurdico Exerccio jurdico em sentido amplo corresponde a uma actuao humana relevante para o direito (ficam abrangidos os actos jurdicos, lcitos e ilcitos, incluindo as prticas comerciais). Exerccio jurdico em sentido estrito traduz a concretizao, por uma pessoa de uma situao, activa ou passiva, que lhe tenha sido conferida pelo direito.

O exerccio jurdico implica uma deciso do agente.

Modalidades e delimitaes Atendendo posio activa em causa, podemos distinguir:

Exerccio de direitos e cumprimento de obrigaes:

- Exerccio de direitos actuaes possibilitadas pela permisso especifica de aproveitamento do bem em causa. - Cumprimento de obrigaes concretizao da conduta a que o agente estava adstrito.

Exerccio de liberdades gerais (permisses genricas); Exerccio de outras posies (exemplo: acto de posse, uma faculdade).

De acordo com o tipo de actividade envolvida no exerccio, temos:

Exerccio puramente jurdico: - Condutas significativas para o campo do Direito (exemplo: aceitao de uma proposta. H sempre um mnimo de materialidade subjacente, por exemplo a declarao).

Exerccio material: 1

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo - Implica modificaes de tipo fsico (exemplo: acto de consumo alimentar; edificao).

Em consonncia com a efectivao dos actos envolvidos, podemos distinguir:

Exerccio directo: - Exerccio levado a cabo pelo prprio agente interessado;

Exerccio indirecto: - Ele opera atravs da colaborao de uma outra pessoa (exemplo: representante, gestor).

O exerccio processa-se ao abrigo de situaes preexistentes. Em relao natureza da juridicidade destas relaes temos: Exerccios legais; Exerccios contratuais.

Fala-se em exerccio de direitos, mas est sempre em jogo todo e qualquer direito.

Legitimidade Definio a qualidade de um sujeito que o habilite a agir no mbito de uma situao jurdica considerada.

As liberdades podem, em princpio ser exercidas por todos. As situaes jurdicas s so actuveis por quem tenha legitimidade. Carnelutti diz que existe capacidade judiciria (legitimidade processual).

No Cdigo Civil temos casos de legitimidade processual e legitimidade substantiva. Titularidade: qualidade de sujeito enquanto beneficirio de uma situao jurdica activa (mas o sujeito pode carecer de legitimidade). Adstrio: equivalente passivo da titularidade (o sujeito vinculado a uma obrigao pode no tem a liberdade de a cumprir, exemplo: menoridade).

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Capacidade: a legitimidade equivalente a uma realidade especfica; enquanto que a capacidade de gozo genrica (exemplo: falta de titularidade). Distines possveis Legitimidade directa e indirecta; Legitimidade activa e passiva: - 1 desencadear de uma conduta e 2 beneficiar dessa conduta. Legitimidade jurdica e material: - A possibilidade de desencadear puramente exerccios jurdicos (exemplo: vender) ou materiais (exemplo: construir). Legitimidade inicial e superveniente: - Inicial: quando o agente esteja no momento em que comea o exerccio, habilitado para ele. - Superveniente: quando na falta de habilitao, o exerccio decorra a descoberto, s subsequentemente se verificando a legitimao. Legitimidade processual e civil: Processual: traduzem a aptido para perante certa aco, esto em juzo. Civil: susceptibilidade de concretizar exerccios extrajudiciais de posies civis. Legitimidade negocial, obrigacional, real, familiar ou sucessria.

Factos legitimadores Factos positivos: conferem legitimidade a certos beneficirios (exemplo: titularidade); Factos negativos: retiram a legitimidade a quem de outro modo a teria (exemplo: sentena de interdio); O facto legitimador por excelncia a titularidade, nas situaes activas. O titular de uma posio tem legitimidade para desencadear os diversos exerccios que ela faculte. Havendo legitimidade poder falar a legitimidade, merc por exemplo da falta de autorizao. A autorizao pode ser necessria: - Para proteco do prprio agente para proteco da contraparte ou de terceiros - Perante a pluralidade de interessados. A autorizao em regra prvia ao acto de modo a conferir ao seu autor a necessria legitimidade. Sendo subsequente, pode ser confirmao, ratificao, consentimento, etc.

Regime 3

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Regra bsica resulta do artigo 892, quanto venda de bens alheios (nulidade. Esta aplicvel aos restantes contrato onerosos (art. 939) e doao (art. 956, n 1). Assim a falta de legitimidade conduz nulidade, quando esteja em causa a transmisso de bens. No esquecer que a falta de legitimidade pode ser suprida, prvia ou subsequentemente.

Papel da legitimidade A legitimidade complementa, no plano do exerccio, as esferas de liberdade representadas pelas situaes jurdicas. Ela exprime a delimitao de mbitos de autodeterminao privada; prolonga a ideia de permisso especfica. A base da legitimidade residir na autonomizao das esferas jurdicas.

Construo dogmtica Para uns (Castro Mendes) a legitimidade seria uma qualidade da pessoa Prof. Menezes Cordeiro no concorda. Titular tem essa qualidade mas o no titular tambm a pode ter. Para outros (Carvalho Fernandes) a legitimidade a relao entre a pessoa e o Direito. J mais acertado. Mas Menezes Cordeiro vai mais longe: atendendo ao artigo 892 pode o vendedor no ser titular da coisa, mas ter, todavia, legitimidade para a venda; a relao ser assim entre o prprio sujeito e o titular e no entre ele e a coisa. portanto a relao entre uma pessoa e determinado exerccio que seja considerada suficiente pelo sistema jurdico.

Representao

Representao actuao de uma pessoa em nome e no interesse de outra, ao abrigo de poderes para tal. Pode ainda ser vista: direito potestativo funcional de actuar em nome e no interesse de outrem. um direito funcional: o representante no livre dentro da permisso bsica que lhe assiste. Antes se enquadra numa funo, devendo prosseguir o interesse e as instrues do dominus.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Em suma: a representao decorre da presena, na esfera do representante de um direito potestativo funcional de agir em nome e por conta do dominus ou representado, fazendo surgir na esfera deste, o produto dos negcios celebrados. Exemplo: Antnio, imigrante em Frana, pretende comprar uma casa em Portugal. Pede ao Bernardo para fazer isso para ele. O Outro aceita; Antnio confere-lhe o poder.

Requisitos A representao uma actividade jurdica e humana (logo livre, requer autonomia e margens de deciso por parte do representante). A representao no ocorre apenas a propsito de uma declarao de vontade. Inclui os necessrios preliminares. Trs requisitos: Uma actuao jurdica em nome de outrem; Por conta dessa mesma pessoa; E dispondo o representante de poderes para o fazer.

1. Como j vimos, o representante aquele que alm de celebrar os negcios oriente a fase dos preliminares (negociaes). O representante declarar que actua para que os efeitos da sua aco surjam na esfera jurdica do representado. Tem de invocar expressamente isso: nomine alieno Princpio da notoriedade. Razes: - A representao um direito ainda que funcional (o representante poder ou no exerccio em causa para o ser tem de ser exteriorizado, no momento prprio); - O terceiro com quem se contrate tem todo o direito de conhecer a outra parte; Artigo 259 - pela teoria do dono do negcio, apenas a vontade do representado teria relevncia (Savigny: representante seria apenas o porta-voz do representado); pela representao, contraria to-s a vontade do representante. (Cdigo Civil combinou as duas): - O erro do representante relevante. Se estiver em erro o negcio anulvel (a no ser que o representante tenha seguido instrues do representado). - Parte-se pois da teoria da representao, todavia admitindo-se que a vontade do representado possa ter contribudo para o resultado final.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo N 2 a boa f do representante no apaga a m do representado. M f est aqui aplicada em termos muito amplos de modo a exprimir o conhecimento, desconhecimento culposo e em geral prtica de quaisquer ilcitos. 2. A representao visa a esfera jurdica do representado. O representante age no mbito da autonomia privada do representado. Havendo contemplatio domnio, isto , invocando o representante que est a agir em nome do representado, fica implcito que o faz por conta deste, mas no chega. A repercusso dos negcios na esfera do representado tem duas caractersticas: - Imediata independentemente de quaisquer circunstncias, ela opera no preciso momento em que o negcio ocorra; - Automtica ou directa no exige qualquer outro evento para que ela ocorra. O poder de disposio mantm-se na esfera de origem, sob pena de ilegitimidade: simplesmente, ele vai ser actuado pelo representante. O Prof. Menezes Cordeiro no concorda com a expresso do interesse de. difcil saber qual o interesse.

3. O representante deve, por fim, ter poderes para actuar eficazmente em nome do dominus, tambm dito principal ou representado: os poderes de representao. Destinatrio da conduta tem o direito, nos termos do artigo 260, n 1 de exigir que o representante, dentre de prazo razovel, faa prova dos seus poderes.

De onde vem os poderes para actuar e por conta de? Poderes so conferidos por um negcio jurdico a procurao.

Capacidade para praticar actos como representante (art. 263) O procurador no necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negcio que deva efectuar. Menor pode ser representante, dependendo das circunstncias do caso em concreto. Exemplo: Se esto em causa negociaes, poderes instrumentais, em principio no pode. Isto permitido porque os efeitos jurdicos no se repercutem na sua esfera. No o patrimnio do menor que esta em causa.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Artigo 263: tratada da capacidade do representante do procurador e artigos 122 e seguintes menor no pode dar procurao para assim actuar.

Negcio consigo mesmo O artigo 261 vem distinguir trs hipteses: - O negcio celebrado pelo representante consigo mesmo e em nome prprio; - O negcio celebrado pelo representante consigo mesmo mas em representao do terceiro; - O negcio celebrado por pessoa a quem o representante tivesse subestabelecido os seus poderes de representao com o prprio representante (art. 261, n 2). O legislador considera o negcio celebrado consigo mesmo anulvel

independentemente de ser ou no prejudicial - duas excepes: - Representado ter dado o seu assentimento; - Pode no haver conflito de interesses. Estando no domnio da autonomia privada, o representado poder assim, declarar especificamente que concorda com a celebrao no negcio pelo representante e com ele prprio. Outras hipteses de conflito de interesses: exemplo, pessoa surge como representante, em simultneo de duas pessoas que tenham interesses opostos. A boa f que acompanha as relaes em causa (art. 762, n 2) obrigar, de imediato, o procurador a dar conta, ao representado do conflito existente (aplica-se tambm o art. 335).

Representao orgnica Pessoas colectivas: - Teoria da representao pessoa colectiva seria incapaz de agir ficando numa situao similar dos menores, carecendo de ser representada; - Teoria orgnica no h qualquer incapacidade de exerccio. A pessoa colectiva traduz uma realidade autnoma, tendo vias prprias de actuao. Ela agiria atravs dos seus rgos. No h aqui uma verdadeira representao. A pessoa colectiva pode constituir representantes voluntrios.

Representao legal Diferena que os poderes representativos no so conferidos por negcio jurdico mas por lei ex lege. 7

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo As regras so prprias e muito diferentes das da representao voluntria (exemplo dos pais poderes funcionais).

Relaes internacionais Nas relaes internacionais (privadas) importncia da Conveno de Haia sobre a lei aplicvel aos contratos de mediao e representao. Importante tambm a Conveno de Genebra sobre a representao na venda internacional de mercadorias.

Evoluo histrica Ordenaes no faz ainda uso da ideia de representao; Cdigo de Seabra h subjacente uma ideia de representao ainda que no referida; Guilherme Moreira que divulga o termo de representao. O Cdigo Civil faz uma distino entre procurao fonte da representao e o mandato, modalidade de prestao de servio.

Procurao A representao voluntria dominada pela procurao. Procurao: - Acto pelo qual se confiram a algum poderes de representao; - Documento onde esse negcio tenha sido exarado. A procurao o acto constitutivo do tal direito potestativo funcional (diferente de documento; um negcio jurdico; no tem que ser um negcio formal). A procurao enquanto acto, um negcio jurdico unilateral (no necessria qualquer aceitao para que ela produza os seus efeitos, ou seja, basta a emisso de uma vontade para que os efeitos se produzam recebe-se o direito potestativo; no o dever). Pode existir renncia da procurao. Esta pode ser tcita, resultando de elementos que com toda a probabilidade a revelem. A procurao pode ter por objecto a prtica de quaisquer actos, salvo disposio em contrrio (exemplo: testamento). procurao aplicvel por exemplo aos artigos 280 e seguintes. Artigo 262, n 2 a procurao deve revestir a forma exigida para o negcio que o procurador possa realizar.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Nos casos em que o negocio a concluir exija escritura pblica, a procurao dever assumir uma das trs formas referidas no artigo 11, n 1 Cdigo Notarial: - Instrumentos pblico; - Documentos escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial de letra e de assinatura; - Documento autenticado (documento particular autenticado no cartrio). Em relao procurao distingue-se a que conceda poderes gerais da que confira poderes especiais: - A primeira permite ao representante a prtica duma actividade genrica, em nome e por conta do representado; - A segunda destina-se prtica de actos especficos. Artigo 264, n 1 admite a substituio do procurador em trs hipteses: - Se o representado o permitir mais se a faculdade de substituio resultar do contedo da procurao; - Se essa mesma faculdade resultar da relao jurdica que a determina.

Negcio base Procurao diferente de mandato: Procurao promove a concesso de poderes de representao; Mandato d azo a uma prestao de servio. A efectiva concretizao dos poderes implicados por uma procurao pressupe um negcio nos termos do qual eles sejam exercidos: o negcio-base. O negcio-base ser um contrato de mandato (unio entre procurao e mandato).

Cessao da procurao O artigo 265, ns 1 e 2 prev trs formas de extino da procurao: Renncia do procurador; Cessao do negcio-base; Revogao pelo representado. 1. Regra da livre renunciabilidade - Sem prejuzo desta regra, o procurador poder ter de indemnizar se causar danos e a sua responsabilidade emergir da relao base.

2. Cessao do negcio-base 9

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo - Em princpio a procurao no se mantm sem o negcio-base. - Mas a lei admite todavia, que a procurao subsista se outra for a vontade do representado. 3. Revogao - Pelo artigo 265, n 2 a revogao livre. - Havendo um mandato, os artigos 1179 e 1172 determinam um dever de indemnizar. - Artigo 265, n 3 prev a hiptese de uma procurao conferida tambm no interesse do procurador ou de terceiro irrevogvel. - Nestes casos, a revogao s pode operar havendo justa causa (fundamento que torna inexigvel a manuteno dos poderes conferidos. - Revogao eficaz quando chega ao conhecimento do procurador.

O artigo 267, n 1 refere a hiptese da procurao ter caducado. Temos a ideia de que a extino atinge o negcio subjacente, arrastando com isso a caducidade da procurao.

Mandato O Cdigo Civil fez a distino entre a procurao, fonte de representao (art. 262 e seguintes); e o mandato, modalidade de contrato de prestao de servio (art. 1157 e seguintes) o qual pode ser com ou sem representao. O mandato implica uma prestao de facto. Divide-se: - A prtica de um ou mais actos jurdicos; - Por conta de outra. Extenso do mandato art. 1159: - Mandato geral actos de administrao ordinria. supletiva admite-se pois que as partes possam concluir um mandato geral com poderes de disposio. - Mandato especial actos concretamente referidos no mandato. Pelas regras gerais, qualquer dos dois mandatos sempre abrangeria alm do dever de prestar principal, a execuo de todas as tarefas acessrias necessrias (art. 762, n 2). A pluralidade de mandatrios d lugar a tantos mandatos, quantas as pessoas designadas (art. 1160, n 1). Assim no ser quando o contrato exare que eles devam agir conjuntamente (art. 1160, 1 parte) situao de co-mandato. Pode existir mandato com representao ou sem representao:

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo - Mandato com representao o mandatrio representante deve agir no s por conta do mandante mas tambm em seu nome. (Contemplatio domini) a revogao e a renncia da procurao implicam revogao do mandato. - Mandato sem representao o exerccio em nome do mandatrio.

Caractersticas do contrato consensual a lei no o sujeita a nenhuma forma solene; um contrato sinalagmtico imperfeito (pelo menos quando gratuito as prestaes a que o mandante se encontre adstrito no equivalem s adscries do mandatrio). um contrato supletivamente gratuito (presumir-se- oneroso quando exercido no mbito da profisso do mandatrio).

Tutela de terceiros A solidez e a seriedade dos vnculos de representao no relevam apenas para o representado. Atravs da representao, o representante contrata com terceiros. Estes tm, no negcio celebrado tanto interesse quanto o prprio representado. Terceiros ficam envolvidos. O direito dispensa por tudo isto uma tutela aos terceiros (mas no o faz directamente atravs das regras da representao).

Proteco perante modificaes e a extino da procurao Tratando-se de modificaes ou revogao de procurao, estas devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idneos (da sua inobservncia apenas deriva uma inoponibilidade das modificaes ou da revogao). Exemplo: anncio no jornal.

Nos restantes casos de extino da procurao, elas no podem ser opostas ao terceiro de boa f. Diferena est no nus da prova: no primeiro caso, o representado ter de provar que os terceiros conheciam a revogao; no segundo a invocao da boa f caber aos terceiros. Aqui est a tutela da confiana na base da aparncia jurdica.

Procurao tolerada e procurao aparente 11

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Na procurao tolerada verifica-se que algum admite, repetidamente que um terceiro se arrogue seu representante. (no nega). Na procurao aparente algum arroga-se representante de outrem, sem conhecimento do representado, mas sendo uma situao que este poderia ter prevenido (negligncia). Tanto uma como outra no existem no direito portugus nada faculta a aplicao do artigo 266. No entanto o terceiro que seja colocado numa situao de acreditar justificadamente na existncia de uma procurao poder ser protegido. Abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium ou na vertente da surrectio.

Procurao institucional A partir do artigo 23, n 1 do Decreto-Lei n 178/86 de 3 de Julho, relativo ao contrato de agncia, pode-se retirar a ideia de procurao institucional (alargamento do artigo amparado pela boa f).

Requisitos: Actuao em nome alheio; Terceiro de boa f; Confiana justificada; Para a qual tenha contribudo o principal.

Ou seja, uma situao de agencia aparentemente completa para a qual contribuam o agente e o principal e da qual seja razovel esperar a decorrncia de poderes de representao. Para o Professor Menezes Cordeiro temos ento uma procurao institucional: surge quando uma pessoa de boa f contrate com uma organizao em cujo nome actue um agente em termos tais que de acordo com os dados sociolgicos-culturais vigentes e visto a sua insero orgnica seja tranquila a existncia de poderes de representao.

Procurao post mortem - A morte do representado no implica necessariamente a caducidade da procurao.

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Representao sem poderes Artigo 268 acto praticado em nome e por conta de outra pessoa sem que para tanto existam os necessrios poderes de representao. partida o acto devia ser nulo por falta de legitimidade mas tal no acontece. ineficaz pode ser ratificado. A ratificao um acto jurdico em sentido restrito pelo qual o representado acolhe o negcio em causa na sua esfera jurdica. Ratificao diferente da aprovao da conduta (indemnizao). Exemplo: Antnio tem jias. Bento vende em nome de Antnio, com lucro (Antnio pode ratificar e aceita o dinheiro. Mas no pode aprovar). Terceiro no pode ficar na incerteza espera de ratificao. Pode, por analogia com o artigo 411 pedir judicialmente um prazo. Se terceiro no conhecer a falta de poderes pode revogar o negcio (quase-negcio) declarando extinto.

Abuso de representao (art. 269) Traduz a situao na qual os poderes efectivamente existentes sejam superados pelo acto praticado. Exemplo: vender por um preo inferior ao valor de mercado demonstra-se defraudada a funo em que o representante havia investido como tambm se gera uma situao objectiva que o terceiro adquirente conhecia ou devia conhecer.

Figuras distintas: - Actuao em nome da pessoa; - Actuao por conta prpria e em nome alheio; - Gesto de negcios; - Contrato para pessoa a nomear testa de ferro; - Nncio (no tem liberdade de estipulao); - Ratificao; - Aprovao; - Consentimento.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo raro ser um negocio per se, pura. Podes, Peo-te proposta de mandato, prestao de servios. - Temos portanto um mandato com procurao (d-se o poder em funo do servio que se espera do outro). um contrato. Tem de ser cumprido. Artigo 261 Regime Fiscal das procuraes.

Repercusso do tempo nas situaes jurdicas

O Direito civil ocupa-se da estabilidade das situaes jurdicas. Estas so virtualmente imortais. A prpria precariedade da vida humana transcendida: as situaes pessoais cessam; as patrimoniais transmitem-se. Funo distributiva do tempo. O tempo age sobre as fontes do Direito mas no o tempo que age: antes se verificam modificaes sucessivas nas fontes, mas que apelam ideia de transitoriedade e de sequencia realidade em permanente mutao.

Condicionalismos histrico-culturais Direito tem uma natureza histrico-cultural isto vai-se reflectir na evoluo das regras.

Vrios institutos O artigo 298 menciona trs figuras: Prescrio esto-lhe sujeitos pelo no exerccio durante o lapso de tempo previsto na lei; os direitos disponveis ou que no fossem, por lei declarados isentos da prescrio. Caducidade um direito deva ser exercido dentro de certo prazo. No-uso. Contagem dos prazos Prazo perodo de tempo. O tempo contado de acordo com as unidades prprias. Exemplo: ano, ms, dia. Existem dois dias de prazos: prazos civis (substantivos) artigo 279 do Cdigo Civil e os prazos processuais (adjectivos) artigo 144 do Cdigo de Processo Civil (suspende-se em frias judiciais). 14

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Regras em relao aos prazos civis: - Na contagem de qualquer prazo no se inclui o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo comea a correr. - O prazo termina s 24 horas do dia a que corresponda essa data. Prescrio Ideia do usus no Direito Romano controlo material de uma coisa (posse). No Direito Romano, a transmisso de propriedade de uma coisa no operava automaticamente por contrato mas pelo o usus. Figuras foram acolhidas nas diversas codificaes.

Evoluo portuguesa Lei de Afonso II, segundo a qual a prescrio no poderia correr entre irmos; Lei de D. Dinis, fixa em 10 anos o prazo da prescrio; D. Afonso V fixaria o prazo geral da prescrio em 30 anos. Cdigo de Seabra: a aquisio de coisas ou direitos era a prescrio positiva; a desonerao de obrigaes a negativa.

Direito vigente Prescries so inderrogveis. Tem natureza imperativa o que se justificaria na base das razoes de interesse e ordem pblica. Dois tipos de fundamento: - Fundamentos atinentes ao devedor (importncia da prova o devedor nunca ficaria seguro de ter deixado de o ser, ficando numa posio permanentemente fragilizada). - Fundamentos de ordem geral (escopos de paz e segurana jurdica. Prof. Menezes Cordeiro no concorda porque o tribunal no pode conhecer oficiosamente a prescrio).

Verdadeiramente, o Direito Civil sabe quo fcil dar-se o que no se tem. Por isso defende as pessoas limitando a autonomia privada. Importncia da rigidez dos prazos (no excepcionais, so fixos. No admitem nem analogia nem reduo teleolgica).

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo A prescrio no pode ser dificultada ou excluda. Depois de ter decorrido o seu prazo e de se ter constitudo o direito potestativo de a invocar, o artigo 302, n 1 admite a renncia. A renncia ser uma declarao unilateral recipienda visando a extino do direito potestativo de invocar a prescrio. A renncia prescrio operativa quando o devedor conhecesse ou devesse conhecer o decurso do seu prazo. Pode haver renncia tcita. Exemplo. Renncia prescrio quem, depois de decorrido o prazo prescricional, reconhea a dvida exequenda, obrigando-se a pag-la.

Quem pode invocar O artigo 301 determina a invocao aproveite a todos os que dela possam tirar benefcio sem excepo dos incapazes. Para a prescrio ser eficaz deve ser invocada judicial ou extrajudicialmente (representantes do Ministrio Pblico no caso dos incapazes). Em relao ao incio do prazo, temos de ter em conta 2 sistemas:

a) Sistema objectivo prazo comea a correr assim que o direito possa ser exercido independentemente do conhecimento que disso tenha o respectivo credor. b) Sistema subjectivo incio d-se quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito.

Acessio temporis (art. 308) A prescrio reporta-se a situaes jurdicas independentemente de: - Crdito de transmitir para um credor diverso do inicial; - dbito de transmitir para um novo devedor.

Efeitos S com a invocao da prescrio que esta produz efeitos. A prescrio prescrita mas cuja prescrio no tenha sido invocada uma prestao comum. Sendo cumprida no h que falar em prescrio, uma vez que o tribunal no pode aplicar de oficio. A invocao da prescrio tem a consequncia de fazer passar o dbito prescrito categoria de obrigao natural (art. 403, n 1). 16

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Prazos da prescrio Segundo o artigo 309, o prazo ordinrio das prescries de 20 anos. Para o Prof. Menezes Cordeiro longo demais. Existem prazos especiais mais reduzidos. Exemplo, no artigo 310, a prescrio de 5 anos.

Prescries presuntivas Definio: prescries cujo prazo inferior a 5 anos e que se sujeitam a um regime diferenciado. Vem do Cdigo de Napoleo: dada a natureza especfica das dvidas a em causas, a lei parte do princpio de que se no forem rapidamente exigidas porque esto pagas.

Em Portugal: As prescries presuntivas baseiam-se numa presuno de que as dvidas visadas foram pagas (presuno de cumprimento). Regra geral so casos de dbitos marcados pela oralidade ou prprios do dia-a-dia. Se fosse prescrio extintiva tnhamos duas consequncias: - Contribuiria para um ambiente de laxismo e de desateno; - Conduziria a um aumento de litigiosidade. Esta presuno ilidvel artigo 313 s por confisso (est pode ser tcita). Artigo 316 prev a prescrio de 6 meses, exemplo de crditos de estabelecimentos de alojamento, comidas. Artigo 317 prev prescries de 2 anos. O elenco das presunes presuntivas taxativo? Uma prescrio de prazo curto, quando nada se diga uma prescrio extintiva ou presuntiva? - Havia a ideia de que a regra era da prescrio extintiva, sendo a presuno excepo (errado pensar assim!). - Atendendo ao elevado nmero de excepes, vemos que mais raro uma hipottica prescrio extintiva de curto prazo do que uma prescrio presuntiva desse mesmo prazo. - Assim uma prescrio de curto prazo quando nada se diga poder ser presuntiva (soluo mais prxima do padro-base).

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Suspenso da prescrio Trs tipos de causas: Causas bilaterais implicam uma suspenso da prescrio entre duas pessoas particularmente relacionadas. Exemplo: cnjuges (art. 318). Causas subjectivas suspenso favorvel a pessoas que se encontrem em situaes que o direito tutela. Exemplo: militares na guerra (art.319). Causas objectivas derivam de situaes jurdicas sensveis. Exemplo: um caso de fora maior; hiptese de dolo do obrigado.

Artigo 319 ter aplicao apenas nos casos de guerra constitucionalmente declarada ou por todos reconhecida. Outra causa subjectiva est prevista no artigo 320, relativa a menores, interditos ou inabilitados. Motivo de fora maior: paralelismo com o artigo 790 - h suspenso nos ltimos trs meses do prazo, quando o titular estiver impossibilitado, por causa que lhe no seja imputvel, de fazer valer o seu direito. A hiptese de dolo do obrigado, artigo 321, n 2, destina-se a evitar que este possa tirar partido do ilcito prprio, invocando a prescrio que provocou.

Caractersticas da suspenso Imprescritibilidade: a situao suspensa est sujeita a prescrio; esta todavia no prossegue durante certo perodo. No inicio: art. 306 Impossibilidade Interrupo: marca o fim de certo processo prescricional incompleto, sem qualquer eficcia. A suspenso da prescrio faz deter o prazo em curso, mas no inutiliza o prazo j decorrido; cessando a suspenso, o prazo anteriormente decorrido aproveita-se, somando-se ao que decorra depois.

Tipos de suspenso 1. Suspenso inicial diferente do no incio uma vez que nesta verifica-se a causa suspensiva;

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo 2. Suspenso intercalar a prescrio j se tinha iniciado quando ocorre a causa suspensiva; 3. Suspenso final o facto suspensivo, alm de paralisar o decurso do tempo garante um mnimo de tempo final para o exerccio do direito.

A suspenso no uma mera delimitao do contedo funciona como objecto de um direito potestativo de deter o funcionamento da prescrio, suspendendo o contedo do respectivo prazo. Uma vez invocada a suspenso tem eficcia retroactiva.

Interrupo da prescrio Definio: acto ou efeito de pr termo ao processo prescricional. Assim, na normalidade dos casos, a prescrio no segue o seu curso: interrompida pela execuo ou pelo acatamento da obrigao em jogo. Ao contrrio da suspenso, a interrupo inutiliza todo o prazo anterior, obrigando a nova contagem a partir do zero. a ausncia sbdita do processo de prescrio. Segundo o artigo 325, n 1 a prescrio interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular, por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

Prescries especiais 1. Prescrio de 3 anos restituio do enriquecimento e indemnizao (artigo 482 e 498); 2. Prescrio de 6 meses servios pblicos essenciais - Esta por ser de 6 meses, pela lgica do Direito portugus, uma prescrio presuntiva.

Caducidade Definio em sentido amplo: extino de uma situao jurdica pela verificao de um facto com eficcia extintiva. Exemplo: extino de mandato por morte/interdio do mandante ou do mandatrio. Exemplo: extino do contrato de trabalho para a reforma do trabalhador.

Parece ligar-se a situaes jurdicas duradouras bem como aparentemente obrigacionais. 19

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Em jeito de sistematizao: - Verificao de um termo; - Impossibilidade superveniente de prestaes, seja por razoes subjectivas, seja pr razoes objectivas; - Ilegitimidade superveniente. Definio em sentido estrito: cessao de situaes jurdicas pelo decurso de um prazo a que estejam sujeitas.

Caducidade em sentido estrito Dois grandes grupos: Caducidade simples a lei limita-se a prever ou a referir a cessao de uma situao jurdica pelo decurso de certo prazo. Caducidade punitiva o Direito impe a cessao de uma posio jurdica como reaco ao seu no-exerccio, no prazo fixado.

Evoluo em Portugal Prazo equivalia enfiteuse. Esta podia ser perptua/temporria (o mais frequente era a temporria, a que ficou associada o prazo). Enfiteuse direito real que permite a uma pessoa aproveitar a coisa sem ser sua proprietria.

Como se pode saber se um prazo de prescrio ou de caducidade? Pelo artigo 298, n 2, diz-se que a menos que a lei indique expressamente a prescrio, segue-se o regime da caducidade. Ateno que isto no faz da caducidade regra geral! O princpio bsico o da prescrio. Pelo artigo 298, n 1 a ela esto sujeitos todos os direitos disponveis que a lei no declare isentos de prescrio. No silncio da lei, esta norma tem aplicao. Quando houver uma norma que imponha um prazo que estaremos em princpio perante a caducidade. Prazo substantivo ou judicial? Em princpio substantivo (art. 279) impe-se pela natureza substantiva do tipo de situao atingida.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Tipos de caducidade A caducidade pode ser legal ou convencional (art. 330, n 1). A caducidade pode ser relativa a matria disponvel ou indisponvel. No primeiro caso as partes podem alterar o regime legal. Estando perante direitos disponveis surge o reconhecimento como factor impeditivo. So indisponveis as situaes jurdicas de natureza no patrimonial, nas reas de direitos de personalidade e de famlia ou ainda as posies de tipo pblico. A caducidade pode ser relativa: actos substantivos precludem direitos extrajudiciais; aces judiciais reportam-se ao direito de propor certa aco em juzo.

Inicio e suspenso O prazo comea a correr no momento em que o direito puder legitimamente ser exercido artigo 329. No domnio das caducidades no se aplicam as regras sobre a suspenso e interrupo do prazo, que funcionam perante a prescrio (art. 328). A caducidade declarada pela entidade competente para reconhecer o direito envolvido. Perante matrias indisponveis a caducidade de conhecimento oficioso, podendo ser alegada em qualquer fase do processo. Ficam abrangidas pela regra da no oficiosidade: - as caducidades impostas por lei mas relativas a direitos oponveis (por norma de natureza patrimonial); - as caducidades fixadas por conveno entre as partes.

Natureza e eficcia da caducidade A caducidade distingue-se da prescrio por exigir ao contrrio desta, especificas previses. Em regra a caducidade para direitos potestativos e a prescrio para as obrigaes. A prescrio imune vontade das partes (art. 300). A caducidade, em matria disponvel, pode ser modelada pela autonomia privada. A caducidade tem prazos em regra curtos (exemplo 10 ou 15 dias), ao contrrio da prescrio cuja regra 20 anos. Mais duas diferenas j vistas: possibilidade de suspenso e interrupo bem como o conhecimento oficioso. 21

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo

Efeitos Efeito da prescrio converter obrigaes civis em naturais (modificativa). Efeito da caducidade a caducidade eficaz extintiva.

A pessoa que cumpra um direito caducado pode sempre pedir a devoluo do pagamento, pelo artigo 476: cumprimento de uma obrigao inexistente. Se o tiver feito de modo consciente, poder haver, por exemplo, uma proposta de doao. Em relao sua natureza: em relao a posies indisponveis traduz uma delimitao temporal s situaes envolvidas (atingido o prazo, elas cessam); em relao a posies disponveis , confere ao beneficirio, um direito potestativo (invocar a caducidade).

No-Uso

No-Uso aplica-se taxativamente s situaes previstas no artigo 298, n 3 (direitos reais de gozo). O no-uso equivale ao no exerccio do direito real em jogo. No fundo existe uma taxatividade das formas de repercusso do tempo nas situaes jurdicas. E a supressio ex bona fide? (supresso por exigncia da boa f) Perde a sua posio jurdica a pessoa que no a exera por um perodo de tempo e em circunstncias tais que no seja mais de qualquer exerccio. Complementa a prescrio e a caducidade. Abuso de direito

Especificaes em relao ao artigo 334: - Ilegtimo no est aqui a ser usado com o seu sentido tcnico. Quer dizer ilcito, no permitido. - Direito aqui entendido num sentido amplo, de modo a abranger o exerccio de quaisquer posies jurdicas, incluindo as passivas. - O artigo resultou do artigo 281 do Cdigo Civil Grego.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo - Diz-se que preciso exceder manifestamente os limites (j no faz sentido esta criptojustificao da proibio do uso). - Os limites impostos pela boa f tm que visar a boa f objectiva. - Os limites impostos pelos bons costumes remetem-nos para as regras da moral social (art. 280 CC).

Apenas a cincia do direito pode concretizar o disposto neste artigo ( fruto de toda uma evoluo histrico-juridica). Importante da frase: O abuso de direito transversal: - Qualquer norma tem de ser sistematicamente ponderada em relao a todo o sistema, nomeadamente luz do abuso de direito; - No se aplica apenas s normas permissivas mas tambm s proibitivas e perceptivas. No enquanto normas que constituem deveres mas enquanto atendendo ao facto que um direito implicitamente constitudo pelo dever correspondente. Exemplo: Pagar propinas exigir propinas assim, dever tocado indirectamente.

Fases de implantao jurisprudencial fase pr-cientifica (anterior a 1966); fase exegtico-pontual (1967-1984); -surgem numerosas decises que ponderam o abuso do direito, mas sem o aplicar (poucos casos). Fase da implantao (1985-1990); Fase de expanso (1991-2000); - o abuso de direito apreciado e ponderado correntemente (mais de 250 acrdos); - Esta expanso coloca a jurisprudncia portuguesa ao nvel da alem, no que toca concretizao da boa f e das condutas inadmissveis; - permite ainda isolar algumas linhas de fora; Fase do afinamento (2001 em diante).

Concluso, qualquer processo que se sujeita hoje a uma sindicncia do sistema feita pelo crivo do abuso de direito.

Posturas mental e metodolgica

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Importante do facto de lidarmos com matria jurdico-cientfica. O abuso do direito deve ser estudado no terreno atravs do conhecimento da literatura que o desenvolveu e da ponderao das decises que o concretizam. O abuso do direito traduz um espao de remisso para uma Cincia do direito cabal, sistemtica e assente em experimentada evoluo histrica (permanente necessidade de actualizao). Evoluo histrica No Direito romano no existia a figura do abuso do direito. Mas existiam situaes que se podiam considerar abusivas: - aemulatio (actos emulativos) Exerccio de um direito sem utilidade prpria, com a inteno de prejudicar outrem; - exceptio doli mais temeritas processual (pr aco s para chatear o outro Hoje litigncia de m f). Importante da jurisprudncia francesa, dois casos ficaram para a histria.

A doutrina alem desenvolveu uma ideia de abuso do direito semelhante francesa. Apelou-se excepo do dolo, chicana ou aos actos contrrios aos bons costumes. Chicana exerccio de um direito para prejudicar outrem (sem interesse prprio). O abuso de direito acabaria por se desenvolver na Alemanha por grandes grupos de casos tpicos: exceptio doli, venire contra factum proprium, suppressio e surrectio, inalegalidades formais, tu quoque e outros. Tudo foi reconduzido boa f. O instituto desenvolveu-se assim na periferia, perante questes concretas.

Recepo em Portugal Igual ao artigo grego. O abuso do direito do Cdigo grego o produto da doutrina germnica. O abuso do direito na verso germnica, induz-se de uma srie de regulaes tpicas de comportamentos abusivos (que veremos).

Tipos de actos abusivos 1. Exceptio doli (excepo do dolo): Traduz o poder reconhecido a uma pessoa de paralisar a pretenso de certo agente, quando este pretendesse prevalecer-se de sugestes ou de artifcios no permitidos pelo Direito. 24

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Aspectos metodolgicos: contrariedade boa f ou aos bons costumes. Grande abstraco. Aspectos tcnico-jurdicos: excepo do direito material? Uma possvel definio faculdade potestativa de paralisar o exerccio do direito de outrem? uma figura residual. 2. Venire contra factum proprium: Ideia de contradizer o seu prprio comportamento Definio exerccio de uma posio jurdica em contradio com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente (s acontece se no tiver nenhum factor que o justifique). Surgiu na cincia jurdica pela mo de Erwin Riezler. O sucesso da figura ficou a dever-se impressiva musicalidade da frmula latina (mas no se imps enquanto ideia central). O venire postula duas condutas da mesma pessoa, licitas em si e diferidas no tempo. A primeira (factum proprium) contrariada pela segunda. s se considera como venire a contradio directa entre a situao jurdica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor. Temos ento: Venire positivo uma pessoa manifesta uma inteno ou gera uma convico de que no ir praticar certo acto e depois pratica-o mesmo. - Exerccio de direitos potestativos; - Exerccio de direitos comuns (exemplo: algum deixa colocar botijas de gs no estabelecimento, e depois manda retir-las); - Actuaes no mbito de liberdades gerais 8exemplo, quando se prometa vender uma fraco e depois se venda a terceiros o prdio todo).

Venire negativo o agente em causa demonstra ir desenvolver certa conduta e depois nega-a. - Situao tpica: reside em algum prevalecer-se de nulidades quando, conhecendo-as, tivesse em momento prvio mostrado a inteno de agir em execuo do negcio viciado.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Proibio do venire traduz a vocao tica, psicolgica e social da regra pacta sunt servanda. - Quatro doutrinas: a) Doutrina da boa f (vago) b) Doutrina da Confiana - A primeira atitude suscita. A segunda atitude quebra-a. c) Doutrina dos negcios jurdicos - Algum quando adopta uma atitude est como que a celebrar um negcio jurdico. Se agir em contrrio, est a viol-lo. d) Doutrina da dissoluo do venire - Consiste em reconduzir as diversas manifestaes que o preencham a distintos institutos.

Posio adoptada: tutela da confiana: - Base legal residir no artigo 334 e na boa f objectiva a sua aplicao passa porm pela confiana. - Suscita um critrio de deciso: um comportamento no pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiana das pessoas. - Na concretizao da confiana podemos trabalhar com um modelo de quatro proposies:

Situao de confiana; Justificao para essa confiana (crena plausvel); Investimento da confiana; Imputao da situao de confiana criada pessoa que vai ser atingida pela proteco dada ao confiante.

- Importante nos sistemas mveis.

3. Inalegabilidades Formais: Definio - situao em que a nulidade derivada da falta de forma legal de determinado negcio no possa ser alegada sob pena de se verificar um abuso de direito, contrrio boa f.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Quando h um vcio de forma, o negcio nulo. Mas h casos em que um sujeito se aproveita da forma, mas arguir a nulidade; engana. No se aplicariam aqui as normas formais? Ignorariam-se as razoes de prova, reflexo e publicidade que estiveram na sua origem? A doutrina entendeu que no. Tal actuaria como uma reduo teleolgica. Ora isso no possvel. As normas formais so auto-suficientes, valendo por si prprias em nome da segurana jurdica. Havendo dolo ou procedimento similar por uma das partes, com uma nulidade formal poder-se-ia quando muito chegar a uma indemnizao a arbitrar ao prejudicado, seja por culpa in contrahendo seja por prtica delitual, atentatria, eventualmente dos bons costumes.

Importncia da: 1. Doutrina da confiana: - Doloso provoca na outra parte a impresso de que o negcio eficaz e assume, assim, a confiana desta: deve responder pois pela situao de confiana obtida. 2. Sadas negociais (est errada) 3. Natureza das normas formais.

- Reduo teleolgica - operao interpretativa que permite restringir o alcance de uma norma quando se verifique que o fim por ela visado j foi alcanado. - As normas formais no tm fins claros. Elas valem por si e pela segurana que assumem. So normas plenas, no admitindo portanto reduo teleolgica. - no seria ento possvel paralisar ou dispensar normas formais, recorrendo sua reduo teleolgica.

Posio adoptada A jurisprudncia confrontada com a realidade de situaes injustas e contrrias lgica do sistema tende a admitir as inalegabilidades formais, divergindo assim da doutrina. Professor Menezes Cordeiro, perante a persistncia da jurisprudncia reviu a sua posio. - Em casos bem vincados, admite que as prprias normas formais cedam perante o sistema, de tal modo que as nulidades derivadas das suas inobservncias se tornem verdadeiramente inalegveis. 27

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Partindo da tutela de confiana, a inalegabilidade aproxima-se do venire requerendo: a) Situao de confiana; b) Justificao para a confiana; c) Investimento; d) Nexo de causalidade

Todavia, tratando-se de inalegabilidades formais, h que acrescentar mais trs requisitos: Devem estar em jogo apenas os interesses das partes envolvidas (nunca de terceiros de boa f); A situao de confiana deve ser censuravelmente imputvel pessoa a responsabilizar; O investimento de confiana apresentar-se- sensvel, sendo dificilmente assegurado por outra via.

4. Suppressio (supresso): Definio a posio de qualquer situao jurdica que no tendo sido exercida em determinadas circunstancias e por um certo lapso de tempo, no mais possa s-lo por de outro modo se contrariar a boa f: Tem origem jurisprudencial; Teorias que permitem conhecer a sua evoluo: - Teorias negativistas; - Teoria da renncia a suppressio seria a renncia ao direito por parte do exercente. - Teoria da boa f: Exceptio doli Venire - Titular do direito abstendo-se do exerccio durante certo tempo criaria na contraparte a representao de que esse direito no seria mais actuado; quando viesse a agir, entraria em contradio. Remisso directa para a boa f.

A suppressio apresentada como um instituto totalmente objectivo: no requer qualquer culpa do titular atingindo, mas apenas o facto da sua inaco.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo A suppressio uma figura autnoma do venire. A sua particularidade a extino de um direito. ainda vista como um remdio subsidirio. Existem dois caminhos:

Prolongamento da repercusso do tempo nas situaes jurdicas - Errado. A suppressio no pode ser apenas uma questo de decurso de tempo, sob pena de atingir sem vantagens a natureza plena da caducidade e da prescrio.

Confiana (boa f) - Certo. A suppressio no fundo uma forma de tutela da confiana do beneficirio, perante a inaco do titular do direito. No se pode reconduzir ao venire porque este , por definio uma actuao positiva: no uma omisso. Em suma, temos os seguintes requisitos: Um exerccio no prolongado; Uma situao de confiana; Uma justificao para essa confiana; Um investimento de confiana; A uma imputao de confiana ao no exercente.

5. Surrectio (o contrrio): A surrectio o surgimento de um direito que se contrape extino de outro. Vejamos: se Antnio tem suppressio, Bento tem surrectio no h um sem o outro.

6. Tu quoque: Uma pessoa que viole uma norma jurdica no pode depois, sem abuso: Prevalecer-se da situao da decorrente; Exercer a posio violada pelo prprio; Exigir a outrem o acatamento da situao j violada.

Vrias vias explicativas: - Retaliao (faz mal a quem mal fez impensvel!);

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo - Regra da integridade (o titular exercente faltoso devia actuado de modo integro. Assim . Mas e a outra parte?); - Recusa da proteco jurdica; - Compensao de culpas; - Recurso ao prprio no direito; - Comportamentos contraditrios; - Renncia a sanes; - Proporcionalidade;

Posio adoptada principio da materialidade subjacente: - A actuao de posies jurdicas indevidamente obtidas tem sido com unanimidade considerada contrria boa f. - Cometida a violao pelo prprio, apenas formalmente tudo parece idntico. A materialidade subjacente porm j outra. Distingue-se do venire uma vez que o acto anteriormente praticado um acto ilcito. (Venire na sua gnese tem apenas um acto que suscita confiana) Tu quoque pode ser visto como uma figura especial relativamente ao venire. Exemplo: Inquilino, obras.

Desequilbrio no exerccio

Trs subhipteses: Exerccio danoso intil titular actua no mbito formal da permisso normativa que constitui o seu direito. Porm no retira qualquer benefcio pessoal, antes causando um dano considervel a outrem (figura histrica). Dolo agit valorao relativa ao comportamento da pessoa que exige o que de seguida ter de restituir. Desproporo o mais aplicado.

Exemplo: Problema das preferncias em negcios simulados que permitiram ao preferente adquirir imveis por uma pequena fraco do seu valor.

Exerccio inadmissvel de posies jurdicas

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Ter sempre presente que o abuso do direito um instituto surgido em diversas manifestaes perifricas por resolver problemas concretos. Dois tipos de teorias: Teorias internas; Teorias externas. Teorias internas: Para as teorias internas, a soluo do abuso de direito estaria no prprio contedo de cada direito subjectivo; Este teria limites intrnsecos. Era a desconsiderao dos limites internos que daria lugar ao abuso.

1. Doutrina dos actos emulativos manda computar no exerccio jurdico-subjectivo a concreta inteno do titular. Se esta fosse uma inteno malfica de causar prejuzos, surgiria o abuso.

2. Doutrinas funcionais os direitos subjectivos so concedidos com uma determinada funo. O abuso ocorreria com o desrespeito por ela.

3. Doutrinas interpretativas desde que se depreenda um limite interno, caso a caso tudo redunda num problema de interpretao.

4. Axiologismo formal (Castanheira Neves) norma permite exercer mas no qualquer direito subjectivo implicaria uma inteno axiolgico-normativa suportada e traduzida pela sua estrutura formal (depende da interpretao). Afirmados valores inerentes aos direitos subjectivos do, quando violados, lugar ao abuso de direito.

Para o Prof. Menezes Cordeiro as teorias internas so de rejeitar. Todas partem de um desenvolvimento terico central, operado a partir da ideia de abuso de forma a alcanar, na prtica, um problema de interpretao das normas que instituam o direito subjectivo de cujo abuso se discuta. Ligado sistemtica central.

Teorias externas: O abuso adviria do desrespeito de normas jurdicas alheias ao prprio direito subjectivo, mas que o titular deveria acatar. 31

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Vrias doutrinas:

1. Doutrina das normas especficas existem certas regras dirigidas aos titulares de direitos subjectivos que deixando estes inclumes, todavia determinariam algumas proibies de exerccio a estaria o abuso. 2. Doutrina da contraposio entre lei e o Direito pretende que no abuso, o exercente respeite a primeira mas viole o segundo.

- Estas duas doutrinas conduzem ao negativismo.

3. Doutrina da remisso para ordens extra-jurdicas h abuso quando no exerccio dos direitos subjectivos, o Direito fosse respeitado mas tais ordens se mostrassem violadas (relaes entre o Direito e a moral).

Posio adoptada disfuncionalidade intra-subjectiva e o papel do sistema. Existem efectivas limitaes ao exerccio de posies jurdico-subjectivas. Estas limitaes: S so determinveis em concreto; Correspondem a exigncias que se projectam em exerccios precisos. Ordenam-se em funo de princpios gerais como o da tutela e o de primazia da materialidade subjacente; Equivalem a uma regra de conduta segundo a boa f.

O sistema tem exigncias perifricas que se projectam no interior dos direitos subjectivos. o desrespeito por essas exigncias que d azo ao abuso de direito. A conduta contrria ao sistema disfuncional. A disfuncionalidade intra-subjectiva constitui a base ontolgica do abuso de direito. Sistema jurdico conjunto de normas e princpios de Direito, ordenado em funo de um ou mais pontos de vista. O no acatamento das imposies e o ultrapassar do mbito posto s permisses contraria: h disfuno.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Existncia de zonas no funcionais (irrelevantes para o Direito; situam-se fora do espao jurdico). Permisso normativa especfica de aproveitamento: - Os comportamentos so funcionais, porquanto conformes com a permisso; - Do exterior eles no so funcionais: irrelevante para o Direito que o exerccio se processe desta ou daquela maneira. - Quando o exerccio do direito contradite o sistema, embora conforme com normas jurdicas, disfuncional.

Assim, abuso de direito: disfuncionalidade de comportamentos jurdico-subjectivos, por embora consentneos com normas jurdicas, no conflurem no sistema em que estas se integrem. Tem elementos das teorias internas e elementos das teorias externas.

Abuso como concretizao da boa f: Boa f valores fundamentais do sistema. Abuso de direito no exerccio dos direitos, devem-se observar os vectores fundamentais do sistema.

Boa f: Utilizao dos princpios mediantes de tutela da confiana e da primazia da materialidade subjacente;

Enquadramento nos grupos tpicos de actuaes abusivas, com relevo para o venire, suppressio, tu quoque e o desequilbrio no exerccio.

O abuso de direito de conhecimento oficioso: verificados os seus pressupostos, o abuso constatado pelo Tribunal, mesmo quando o interessado no o tenha expressamente mencionado. O abuso de direito um instituto objectivo. Exemplo: no necessrio a verificao de culpa. Consequncias do abuso de direito: Supresso do direito (suppressio);

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Cessao do concreto exerccio abusivo, mantendo-se, todavia o direito, Dever de restituir; Dever de indemnizar.

O abuso de direito um ptimo instituto. Mas deve ser utilizado apenas a ttulo excepcional. Se no, l se vai a segurana. Coliso de direitos

A coliso de direitos logrou uma concretizao no Cdigo Vaz Serra. Para efeitos de exegese interessa reter o teor exacto do preceito: artigo 335, epigrafado coliso de direitos.

O artigo 335, n 1 prev a hiptese de coliso de direitos. H coliso em sentido prprio quando dois ou mais direitos subjectivos assegurem aos seus titulares, permisses incompatveis entre si. A coliso de direitos pressupe deste modo um concurso real de normas.

Da coliso de direitos devem distinguir-se outras figuras que obedeam a regras diferentes: Coliso aparente; Conflitos de sobreposio; Conflitos de vizinhana; Concurso de credores.

O Cdigo refere direitos iguais ou da mesma espcie. Direitos iguais so os que derivem das mesmas normas por exemplo, ambos so direitos vida, sade ou de propriedade; da mesma espcie sero os provenientes de normas que contemplem o mesmo tipo de bens por exemplo, ambos so direitos de personalidade ou reais. A igualdade referida -o em termos qualitativos: no perturbada pelo facto, possvel nos direitos patrimoniais, de haver desigualdade quantitativa: por exemplo, na compropriedade, poder um dos contitulares ter uma quota de 2/3 e a outra de 1/3.

Verificados os referidos pressupostos manda o legislador:

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Que os titulares cedam na medida do necessrio; Para que todos produzam igualmente o seu efeito; Sem maior detrimento para qualquer das partes.

No fundo h comando de cedncias mtuas guiado por um princpio de igual tratamento: seja nas vantagens, seja nos prejuzos. As cedncias mtuas so negativamente delimitadas pelo artigo 335, n 2 segundo o qual na falta dos indicados pressupostos portanto: se os direitos forem desiguais ou de espcie diferente prevalece o que deva considerar-se superior.

Aparentemente claro, o princpio do igual tratamento levanta na prtica as maiores dvidas. Para esclarecer haver que partir da hiptese da desigualdade dos direitos.

Critrios de deciso Direitos diferentes; critrios: Havendo conflito de direitos uma das sadas possveis a da opo pela prevalncia de um deles. Efectivamente se os direitos forem desiguais ou de espcie diferente, prevalece o que se deva considerar-se superior. Essa desigualdade deve ser constatada em abstracto. Ou seja: perante vrios direitos colidentes haver diferena quando um seja de propriedade e outro de crdito, por exemplo. J o juzo de superioridade, que nos dar a chave da prevalncia deve ser formulado em concreto.

Exemplo: numa coliso entre um direito de personalidade e um direito de propriedade, temos direitos de espcie diferente; teoricamente o direito de personalidade seria sempre superior, mas em concreto, poder ser superior o de propriedade: pense-se numa unidade fabril licenciada e h muito em laborao, que o recm-instalado construtor de uma casa pretenda fazer parar, invocando o direito ao repouso.

Pergunta-se se haver critrios para em concreto fazer prevalecer os direitos uns sobre os outros, na hiptese de coliso. A matria delicada uma vez que qualquer critrio poder, in concreto, ser inadequado. Assim: 35

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo A antiguidade relativa; Os danos pelo no-exerccio; Os lucros do exerccio; A prevalncia em abstracto; O igual sacrifcio; A composio aleatria equilibrada; A composio aleatria.

Trs primeiros critrios so normais; os quatro ltimos de recurso.

O primeiro e inevitvel critrio dado pelo brocardo prior tempore, potior iure: o direito primeiro constitudo tender a prevalecer, no seu exerccio sobre os direitos igualmente vlidos mas s depois formados. Embora algo pesado este critrio d corpo a vectores de estabilidade que dominam nas sociedades humanas desde a sedentarizao; alm disso acolhe igualmente o princpio da confiana, muito importante nos nossos dias.

Exemplo: na base deste critrio, a fbrica em laborao no pode parar pela construo de novas residncias cujos proprietrios invoquem o direito ao repouso. Mas j no poderia instalar-se, ex novo, tal fbrica junto de um bairro residencial preexistente.

O segundo critrio remonta aos clssicos: o da minimizao dos danos. De facto, o direito subjectivo antes de mais uma vantagem para o titular: h que interpret-lo e que concretiz-lo de modo a que no se converta em prejuzo. Perante uma coliso haver sempre que perguntar pelas consequncias do no-exerccio ou do no-exerccio pleno por parte de cada um dos envolvidos. Feita essa operao dar-se- prevalncia quele cujo no-exerccio acarrete maiores danos. O dano aqui, deve ser considerado em termos sociais e humanos: no meramente economtricos.

Exemplo: numa coliso entre o direito de iniciativa econmica (a construo de uma linha de metropolitano) e o direito ao repouso do morador poder ceder este ltimo se se verificar que com uma pequena despesa o morador poder ser provisoriamente

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo realojado enquanto a paragem nocturna das obras acarretaria um prejuzo astronmico: claro est: o morador poderia ser indemnizado; quando dimenso social do dano: haver que ponderar quando se mande parar uma unidade fabril a perda de postos de trabalho ou os prejuzos para a exportao. Tambm aqui intervm os danos no-patrimoniais. Assim na coliso de direitos de usar um automvel, prevalece o do titular que pretenda levar o filho ao hospital, sobre o do que queira ir passear: o dano do no-exerccio no primeiro caso superior ao do segundo.

O terceiro critrio prende-se com os lucros. O lucro tem uma dimenso individual: a lgica da subjectivao jurdica que dobra ela prpria a da apropriao privada. Todavia ele tem ainda um papel social que interessa a toda a sociedade e que o Direito valoriza. Numa coliso de direitos este factor deve ser usado: se o exerccio de um direito d ao seu titular um bom lucro, ele prevalecer sobre outro exerccio igualmente legtimo mas sem tais consequncias. Resta acrescentar que lucro no aqui apenas facturao; releva antes uma dimenso social ampla.

Exemplo: na utilizao de uma casinha, num certo fim-de-semana prevalece o exerccio do contitular que tenha sete filhos sobre o de um outro que, tendo alternativas, l v solo; do mesmo modo a utilizao produtiva de um recinto leva a melhor sobre a sua manuteno devoluta. Admitimos aqui que tudo isto seja possvel no mbito de direitos diferentes, tratando-se apenas in concreto de determinar o prevalente.

Os trs apontados critrios prevalecem pela ordem indicada uns sobre os outros. Mas no fatalmente: pode acontecer que um critrio partida menos ponderoso assuma, in concreto, tais dimenses que deva passar frente dos restantes. Para tanto faremos apelo ideia de sistema mvel: um conjunto articulado de proposies intermutveis em funo dos valores que representam e das solicitaes exteriores.

Pode suceder que o recurso aos trs critrios no permita qualquer concluso. Nessa altura recorremos ao quarto critrio: a ponderao abstracta. Sendo os direitos desiguais ou de espcie diferente, poderemos concluir que um deles seja, em abstracto mais ponderoso. Uma vez que o exerccio concreto no permite concluses impe-se recorrer ponderao abstracta. Como exclumos do mbito da 37

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo coliso os casos dotados de regimes explcitos por exemplo: direitos reais versus direitos de crdito ficam-nos situaes de tal modo diversas que no foram, objecto de especficas solues. Pense-se na coliso entre direitos indisponveis e direitos disponveis: prevalecem os primeiros.

No sendo possvel tambm por esta via, fazer uma destrina concreta teremos de concluir que apesar de diferentes os dois direitos acabam empatados. Ser ento de recorrer ao critrio previsto para direitos iguais ou da mesma espcie (art. 335, n 1): devem os titulares ceder na medida do necessrio para que todos produzam igualmente o seu efeito sem maior detrimento para qualquer das partes. Evidentemente: essa cedncia mtua postula que no concreto se trate de direitos que comportem exerccios parcelares. o critrio do igual sacrifcio.

Se nenhum dos critrios operar e no sendo possvel resolver o problema pelo igual exerccio temos segundo a lio dos clssicos:

- ou ambos os direitos se anulam, nenhum podendo ser exercido; - ou se recorre a composies aleatrias.

A primeira hiptese teria a seu favor a manuteno de uma certa paz social. Todavia parece-nos pouco razovel pois redundar no desperdcio de riqueza. Por isso a ttulo de ltima sada ficam-nos as composies aleatrias: equilibrada, se possvel ou pura, na hiptese contrria.

Exemplo: se uma pessoa tem o direito de levar um automvel para uma discoteca e a outra para um local diferente de diverso, na falta de outro critrio uma das suas: ou combinam que uma vai num fim-de-semana e outra no outro, escolha ou sorte ou, se for sada nica, sorteiam quem sai.

evidente que o Direito reconhece que j no tem critrios cientficos para oferecer. O problema poderia ser encarado com regras de cortesia ou de trato social: essenciais mas no jurdicas.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Direitos iguais Na hiptese de os direitos serem iguais ou da mesma espcie a lei determina a prevalncia do princpio do igual tratamento: devem os titulares ceder na medida do necessrio para que todos produzam igualmente o seu efeito sem maior detrimento para qualquer das partes, nas palavras do artigo 335, n 1, 2 parte.

A consequncia da cedncia mtua postula que os direitos sejam por natureza susceptveis de exerccios parcelares. Alm disso, a cedncia mtua parte ainda do principio de que possvel uma repartio por igual das vantagens do direito e ainda, uma igualizao de detrimentos. E se o no for?

A igualdade ou a pertena mesma espcie so constatveis em abstracto. Na hiptese de a coliso no poder ser resolvida com recurso ao princpio do igual tratamento temos uma lacuna. No oferece dvidas quer pela analogia manifesta, quer pela proximidade sistemtica fazer ento apelo ao artigo 335, n 2: verificando em concreto se alguns dos tais direitos iguais ou da mesma espcie deve considerar-se superior no seu exerccio. Camos nos trs primeiros critrios enunciados a articular nos termos de um sistema mvel: a antiguidade relativa, o menos dano e o maior prejuzo.

Se nenhum desses critrios ou todos em conjunto se mostrar operacional temos um problema: no se pode apelar prevalncia em abstracto uma vez que estamos perante direitos iguais nem ao igual sacrifcio que j vimos ser impossvel. Ficam-nos nessa altura as composies aleatrias: ou com equilbrio ou puras.

Tendncias gerais As decises judiciais sobre a matria concentram-se nos seguintes eixos: Colises entre o direito sade e ao repouso e os direitos de propriedade e iniciativa econmica; Colises entre o direito ao bom-nome e intimidade da vida privada e a liberdade de expresso.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo No primeiro caso prevalece o direito sade e ao repouso; no segundo, o direito ao bom-nome e intimidade. Surge como uma opo clara que corresponde sensibilidade consensualmente dominante nos nossos dias, devidamente interpretada pelos tribunais. Trata-se apenas de uma soluo de princpio. Algumas decises explicitam que essa produo deve passar em concreto por uma ponderao com vista a compatibilizar luz da proporcionalidade os direitos em presena. Digamos que se transferiu para aqui alguma da clssica problemtica do abuso do direito. A compatibilizao por vezes prosseguida atravs de esquemas distintos.

Sob as diversas decises que do primazia aos direitos mais directamente ligados dignidade humana o direito ao repouso e o direito ao bom-nome esconde-se outra realidade, que consideramos de relevo: a primazia dos direitos mais antigos. De facto as decises examinadas relatam invariavelmente situaes de pessoas que estavam tranquilas e que de modo superveniente vm a ser perturbadas no seu sossego ou na sua honra. Vimos como este critrio era importante para dirimir colises de direitos. Ainda que sob criptojustificaes, essa importncia mantm-se. E a propsito da compatibilizao razovel, a nossa jurisprudncia valida os critrios do menor prejuzo.

Por fim: os critrios da coliso de direitos so teis para enfrentar outras situaes de concurso. Desde logo: concursos de princpios como sucede por exemplo quando est em jogo a liberdade de expresso e de informao. E sobretudo: conflitos de deveres. Trata-se de um tema que pertencendo embora ao Direito das obrigaes encontra a sua soluo luz do artigo 335.

Tutela privada

Causas de justificao: factos que delimitam negativamente a ilicitude, tornando lcitos actos que no o seriam. Est enquadrada na parte geral percebe-se. A legtima defesa, o estado de necessidade e a aco directa correspondem a formais gerais de exerccio de direitos (mais historicamente est ligado ao direito da responsabilidade civil e no Direito penal).

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Tutela dos direitos: conjunto dos institutos destinados a prevenir, a conter e a remediar a violao dos direitos subjectivos ou das posies jurdicas reconhecidas pelo ordenamento.

A tutela privada Tutela privada: defesa dos direitos conduzida elos particulares, nessa qualidade. ( muito abrangente): Iniciativas levadas a cabo no mbito da liberdade pessoal do prprio. Exemplo: aces publicitrias, iniciativas cvicas. Actuaes no crculo da autonomia privada ou de direitos subjectivos. Exemplo: construo de um muro, contratao de um guarda. Exerccio do direito de queixa e outras iniciativas. Exemplo: Queixa ao Ministrio Pblico. Exerccio do direito de aco judicial. Tutela privada em sentido estrito. um instituto excepcional: Ningum bom juiz em causa prpria; Uma sociedade jurdica no admite que seja a regra.

Legtima defesa

Definio acto destinado a afastar qualquer agresso actual e contrria lei. No Direito Romano era algo de natural no necessitava de condicionamentos. No Cristianismo a ideia era a da no retaliao.

Eficcia ou proporcionalidade Fernanda Paula - delimitao dos direitos Proporcionalidade. Amrico Taipa de Carvalho defesa do direito subjectivo Eficcia Legtima Defesa assenta nos vectores individualista e supra-individual. Assim, ela dever ser sensvel s realidades social a que se aplique. Importncia do actual momento histrico violncia conjugado com uma falta de proteco efectiva por parte do Estado.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Ao abandonar os cidados sorte o Estado ter pelo menos que lhes reconhecer o recurso autotutela.

Pressupostos da Legtima Defesa 1. Agresso: Conduta humana nunca um comportamento animal ou um evento natural. Agresso toda a conduta que venha contundir com valores tutelados pelo Direito. A conduta ter de ser voluntria. Exemplo: Sonmbulo (no legitima defesa art. 338). A conduta agressiva poder ser uma aco ou uma omisso. Exemplo: coagir um mdico que se recuse a tratar um paciente. A agresso tem de ser actual (na hiptese da agresso de prolongar no tempo e at que cesse por completo, pode haver legitima defesa). A agresso deve ser ilcita violao de normas destinadas a proteger o bem jurdico cuja defesa est em jogo. - Assim no h legtima defesa contra actos lcitos e designadamente: contra actos de legtima defesa. No necessria culpa (isso envolveria um juzo de direito). Basta que a conduta do agressor seja objectivamente ilcita. A agresso ter de viso: Direitos de personalidade, Direitos patrimoniais; Liberdades; Valores jurdicos que no dem lugar a direitos subjectivos.

2. Defesa necessria: um acto destinado a afastar uma agresso. Acto material, voluntariamente adoptado. O direito d uma indicao de proporcionalidade se necessrio a derivar do princpio da boa f (art. 334). Mas tudo depende das concretas hipteses presentes (pode at ser licito o uso de armas de fogo: em princpio s de aviso, se necessrio atingindo rgos no-vitais). A actuao do agente deve ser ditada pela necessidade. Dois tipos:

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Necessidade da defesa (quando no seja possvel recorrer aos meios normais. Meios pblicos. Exemplo: autoridades e meios privados. Exemplo: Fechar a porta, dissuadir o agressor). Necessidade do meio (no se exige que a vtima fuja. Tem o direito de ficar) Juzo que depende das circunstncias de cada caso. preciso animus defendendi? - Ao agente ter de exigir um comportamento defensivo e logo uma inteno de repelir a agresso. - Em causa esto muitas vezes bens disponveis de que o agente poder prescindir. Ser assim uma opo.

3. Pretensa necessidade: Pelo artigo 337, n 1, parece exigir-se proporcionalidade. A legtima defesa a resposta permitida pelo Direito a uma agresso ilcita. - O quantum da resposta ter de ser o necessrio para de todo (de vez) pr cobro agresso. Tem de ser eficaz. Se no pudesse existir superioridade dos danos no pode a defesa ser eficaz Deve dar-se os meios para a legtima defesa ser exercida efectivamente. Quanto mais fraca for a pessoa maior os meios a que pode recorrer. O artigo 32 do Cdigo penal no exige proporcionalidade. Em que ficamos? Pode a mesma conduta ser legtima defesa em termos penais e um ilcito em termos civis? Duplicidade pode provocar solues desconexas. - Soluo: o final do artigo 337, n 1 do Cdigo Civil foi revogado pelo artigo 32 do Cdigo Penal (Cdigo Penal posterior). A proporcionalidade assegurada pelos prprios pressupostos da legtima defesa.

Regime da legtima defesa O exerccio em legtima defesa deve respeitar os valores do sistema referenciados atravs da boa f. A legtima defesa faculta apenas repelir uma agresso ilcita e momentnea quando necessrio. Assim no h legtima defesa quando: Quando a agresso tenha sido provocada pelo agente abuso de direito. Quando a defesa no visa afastar a agresso mas qualquer outro objectivo.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo

Qual a bitola? Agente normal colocado na posio do concreto agente nas mesmas circunstncias.

O excesso e a legtima defesa putativa: O excesso de legtima defesa art. 337, n 2 diferente da legtima defesa putativa do art. 338. Excesso de legitima defesa: aco do defendente alonga-se para alm do que seria necessrio para deter eficazmente a agresso. Podemos distinguir: - Excesso intensivo: agente ultrapassa o que seria razoavelmente necessrio para a sua defesa. - Excesso extensivo o agente prolonga a aco depois de neutralizada a agresso.

Cdigo Civil estende a legitima defesa s hipteses de excesso desde que este se mostre devido a: perturbao; a medo no culposo.

Em relao ao artigo 338 no havendo culpa, no h dever de indemnizar (art. 483, n 2). A legtima defesa putativa justificante quando a aparncia justificativa no seja imputvel ao agente.

Armas de fogo O detentor de uma arma de fogo deve seguir em termos de legtima defesa, um cdigo de conduta bastante estrita. Algumas regras: - Deve avisar o agressor que est armado, em termos dissuasivos; - Deve disparar tiros de aviso; Deve apontar a zonas no vitais;

Consequncias da legitima defesa O agente no responde pelos danos que tenha causado: pessoais ou materiais. 44

Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Em relao natureza: ela visa a proteco das pessoas, mas sobretudo a defesa do ordenamento. Legtima defesa no um direito subjectivo. No podemos apontar um concreto bem cujo aproveitamento tenha sido previamente facultado ao agente. - uma permisso genrica.

Estado de necessidade

Definio: situao na qual uma pessoa se veja constrangida a destruir ou danificar uma coisa alheia, com o fim de remover o perigo de um dano manifestamente superior.

Pressupostos 1. Perigo actual; 2. Dano manifestamente superior; 3. Comportamento danoso destinado a remover esse perigo.

O dano poder ser patrimonial, pessoal ou moral. Pode ser um dano j em curso, mas minorvel ou um dano iminente impossibilidade de afastar o perigo, sem actuao em necessidade. Aqui existe a exigncia de proporcionalidade. A aco deve ser adequada remoo do dano. No se aplica somente a coisas mas a todo e qualquer bem, incluindo bens imateriais e bens de personalidade. Contra uma actuao em estado de necessidade no pode haver legtima defesa: falta o pressuposto bsico da agresso ilcita.

Regime Verificada a situao de necessidade a aco do agente ilcita dano no lhe pode ser imputado pelo artigo 483. Mas podem existir casos de responsabilidade por factos lcitos. A lei no contempla a hiptese de excesso de estado de necessidade - mas pode acontecer (so situaes de grande tenso). O tribunal poder depois refazer a justia possvel atravs do jogo das indemnizaes: por facto lcito.

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Em relao ao estado de necessidade putativo, o Prof. Menezes Cordeiro defende a aplicao do regime do artigo 338. Natureza: postulado de solidariedade entre as pessoas. (dever de suportao com o dever de cidadania institucional).

Aco directa

Definio - possibilidade de recorrer fora para realizar ou assegurar o prprio direito. preciso ter cautela, no pode ser tomado letra. Pressupostos 1. Necessidade de realizar ou assegurar o direito prprio: - Urgncia de modo a evitar a inutilizao prtica do direito em causa; - Impossibilidade de recorrer s autoridades.

A posio jurdica a defender dever ser susceptvel de coero jurdica. A necessidade pode ser ditada por facto humano ou natural (se for perigo, estado de necessidade; se agresso, legtima defesa).

2. Recurso prpria fora; 3. conteno nos meios usados

A aco directa pode dirigir-se contra coisas ou contra pessoas. Limites da aco directa: - no pode exceder o que for necessrio; - no deve sacrificar interesses superiores.

Consequncias A aco directa lcita. Verificados os seus pressupostos, o agente no tem qualquer dever de indemnizar os danos que dela decorram. O excesso ilcito, com as devidas consequncias. H aco directa putativa artigo 338. O juzo de desculpabilidade seguia (art. 487, n 2) a bitola do bnus pater famlias, colocado na concreta posio do agente. uma permisso genrica de actuao (no se restringe titularidade).

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Teoria Geral do Direito Civil II 2009/2010 Hugo H. Arajo Consentimento do lesado

Pela ndole do Direito Civil as pessoas so livres de abdicar da tutela que a lei lhes confere, em certos casos manifestao de liberdade subjacente tutela privada.

Pressupostos 1. Direito disponvel (art. 340, n 2); 2. Acto de consentimento (unilateral); 3. Acto lesivo (no poder ir alm do consentido). Havendo excesso ou ocorrendo um consentimento putativo, o agente ser responsvel pelos danos, salva a hiptese da falta de culpa.

Justificao e natureza Justificao: liberdade pressuposta pelos direitos subjectivos sendo direitos, no tm de ser exercidos.

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