TRAB INFANTIL FOR€ADO BRASIL

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1 POLÍTICA E AÇÕES PARA O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL 1 INTRODUÇÃO A Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho foi adotada na Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho em 18 de junho de 1998, e desenvolve os direitos humanos compreendidos na área de sua competência. São quatro princípios que regem os direitos fundamentais, a saber: i) livre associação e reconhecimento do direito de negociação coletiva; ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; iii) efetiva abolição de trabalho infantil; iv) e a eliminação da discriminação com relação ao emprego e ocupação (2002). Esses princípios constituem uma base mínima universal de direitos do trabalho para todos os países membros, independente de sua ratificação das convenções pertinentes 2 , constituindo, adicionalmente, a pauta da Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesse sentido, a abolição do trabalho infantil insere-se tanto no debate sobre a introdução de padrões mínimos trabalhistas nas regras multilaterais de comércio, como nas ações de defesa dos direitos humanos coordenadas pela Organização das Nações Unidas, que neste campo, além da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), é integrado pela Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura (UNESCO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico (PNUD) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Os governos brasileiros, ao longo do século 20, vêm ratificando os pactos e declarações da ONU referentes aos direitos humanos e as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativas à proteção especial da criança. A partir da década de 1990, entretanto, a inserção e a atuação dos governos tornam-se mais intensas e consoantes com as diretrizes da política pública internacional neste campo. As diferentes administrações nesse período, entre outros, aderem ao Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1992 3 ; ratificam a Declaração de Cartagena, de 1997; e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de n os . 138, de 1973 e 182, de 1999. O trabalho das crianças e dos adolescentes não apenas fere os direitos fundamentais do homem restringindo o desenvolvimento das capacidades da parte mais vulnerável da sociedade, como pode vir a comprometer o processo de desenvolvimento econômico, impedindo que as pessoas atinjam seu máximo potencial. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) elenca as seguintes características, que, em conjunto ou isoladamente, tornam o trabalho precoce 1 Estudo efetuado no âmbito do convênio Ministério do Trabalho e Emprego e Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 2001. 2 Liberdade de associação e proteção ao direito de organização, 1948, n o .87; Direito de organização e de negociação coletiva, 1949, n o .98, Trabalho forçado, 1930, n.29 o ; Abolição do trabalho forçado, 1957, n o .105; Igualdade de remuneração, 1951, n o .100; Discriminação (emprego e ocupação), 1958, n o 111; Idade mínima (para o trabalho), 1973, n o 138; Piores formas de trabalho infantil, 1999, n o 182. 3 O IPEC, vinculado à Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi implantado no país em 1992 e prorrogado até o ano 2006. Este Programa é coordenado no âmbito do Ministério do Trabalho pela Secretaria de Fiscalização do Trabalho - SEFIT, desenvolvendo ações em parceria com órgãos governamentais e ONGs, centrais sindicais e entidades empresariais com o objetivo de prevenir, afastar, proteger ou reabilitar trabalhadores infantis.

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1

POLÍTICA E AÇÕES PARA O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL1

INTRODUÇÃO

A Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho foi adotada na

Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho em 18 de junho de

1998, e desenvolve os direitos humanos compreendidos na área de sua competência. São quatro

princípios que regem os direitos fundamentais, a saber: i) livre associação e reconhecimento do

direito de negociação coletiva; ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; iii) efetiva

abolição de trabalho infantil; iv) e a eliminação da discriminação com relação ao emprego e

ocupação (2002). Esses princípios constituem uma base mínima universal de direitos do trabalho

para todos os países membros, independente de sua ratificação das convenções pertinentes2,

constituindo, adicionalmente, a pauta da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Nesse sentido, a abolição do trabalho infantil insere-se tanto no debate sobre a introdução de

padrões mínimos trabalhistas nas regras multilaterais de comércio, como nas ações de defesa dos

direitos humanos coordenadas pela Organização das Nações Unidas, que neste campo, além da

própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), é integrado pela Organização das Nações

Unidas para Ciência, Educação e Cultura (UNESCO), Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento Econômico (PNUD) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Os governos brasileiros, ao longo do século 20, vêm ratificando os pactos e declarações da ONU

referentes aos direitos humanos e as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

relativas à proteção especial da criança. A partir da década de 1990, entretanto, a inserção e a

atuação dos governos tornam-se mais intensas e consoantes com as diretrizes da política pública

internacional neste campo. As diferentes administrações nesse período, entre outros, aderem ao

Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), em 1992 3; ratificam a Declaração de Cartagena, de 1997; e as Convenções da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) de nos

. 138, de 1973 e 182, de 1999.

O trabalho das crianças e dos adolescentes não apenas fere os direitos fundamentais do homem

restringindo o desenvolvimento das capacidades da parte mais vulnerável da sociedade, como

pode vir a comprometer o processo de desenvolvimento econômico, impedindo que as pessoas

atinjam seu máximo potencial. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) elenca as

seguintes características, que, em conjunto ou isoladamente, tornam o trabalho precoce

1 Estudo efetuado no âmbito do convênio Ministério do Trabalho e Emprego e Fundação Instituto de Pesquisas

Econômicas, 2001. 2 Liberdade de associação e proteção ao direito de organização, 1948, n

o.87; Direito de organização e de negociação

coletiva, 1949, no.98, Trabalho forçado, 1930, n.29

o; Abolição do trabalho forçado, 1957, n

o.105; Igualdade de

remuneração, 1951, no.100; Discriminação (emprego e ocupação), 1958, n

o111; Idade mínima (para o trabalho),

1973, no138; Piores formas de trabalho infantil, 1999, n

o 182.

3 O IPEC, vinculado à Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi implantado no país em 1992 e prorrogado

até o ano 2006. Este Programa é coordenado no âmbito do Ministério do Trabalho pela Secretaria de Fiscalização do

Trabalho - SEFIT, desenvolvendo ações em parceria com órgãos governamentais e ONGs, centrais sindicais e

entidades empresariais com o objetivo de prevenir, afastar, proteger ou reabilitar trabalhadores infantis.

2

prejudicial ao desenvolvimento educacional e biopsicossocial das crianças: 1) realizado em

tempo integral, em idade muito jovem; 2) por meio de longas jornadas; 3) conduza a situações de

estresse físico, social ou psicológico, ou prejudicial ao pleno desenvolvimento psicossocial; 4)

exercido nas ruas em condições de risco para a saúde e a integridade física e moral das crianças;

5) incompatível com a freqüência à escola; 6) exija responsabilidades excessivas para a idade; 7)

comprometa e ameace a dignidade e a auto-estima da criança, em particular quando relacionado

com trabalho forçado e com exploração sexual; e 8) sub-remunerados. (UNICEF, 1997).

Os relatórios de seguimento elaborados pelos governos, representantes dos trabalhadores e

empregadores enviados à Organização Internacional do Trabalho (OIT), no âmbito dos

procedimentos para implementar os Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, indicam que

o trabalho infantil persiste em todas as regiões do globo. Nos países industrializados, ele pode ser

detectado junto ao trabalho dos imigrantes clandestinos ou de grupos étnicos discriminados; na

África, Ásia e América Latina ele é encontrado em atividades como: agricultura - comercial e de

subsistência; pequenos empreendimentos da indústria manufatureira; produção de artesanato;

serviço doméstico; comércio de rua; prostituição; e servindo em conflitos armados. Uma boa

parte dessas atividades são consideradas como de risco. No âmbito do IPEC, a Organização

Internacional do Trabalho (OIT) faz distinção entre as atividades laborais de risco imediato e as

de risco no longo prazo. As últimas comprometem o desenvolvimento físico, psicossocial, ético

ou moral e afetam o futuro da criança; enquanto entre as primeiras podem ser citadas: agricultura,

utilizando maquinas e produtos químicos; indústrias de vidros, construção e tecelagem; nas ruas,

como catadores de lixo, vendedores ambulantes sob a ameaça de gangues e da prostituição.

A maior parte das crianças e dos jovens trabalha na informalidade4, e sua presença é sub-

registrada. Essa inserção representa um desafio para a política pública, tendo em vista a

dificuldade de implementar mecanismos para a execução do cumprimento da legislação ou ações

para a contenção do uso desse tipo de trabalho. O setor informal, além disso, apresenta entre suas

4 Estabelece-se neste ponto um conjunto de definições. Definimos setor informal de acordo com a Organização

Internacional do Trabalho, sendo este conceito adotado pela maioria dos Sistemas Nacionais de Estatísticas, e

estabelecido a partir da forma de organização das unidades produtivas. Considera-se, portanto o setor informal como

o conjunto das empresas familiares operadas pelos proprietários e seus familiares, ou em sociedade com outros

indivíduos. São unidades produtivas que não são constituídas como entidades legais separadas de seus proprietários

que não dispõem de registros contábeis padrão. O setor informal, sob a ótica da ocupação, é definido como o

conjunto de trabalhadores inseridos nessa forma de organização da produção que inclui proprietários, mão-de-obra

familiar e ajudantes assalariados. Mercado de trabalho informal é definido como lócus de compra e venda de

serviços de mão-de-obra sem registro em carteira de trabalho, ou seja, sem vínculo com a seguridade social pública.

Trabalho informal é definido como qualquer forma de trabalho exercido sem a contribuição à seguridade social

pública. E, finalmente Processo de Informalidade é conceituado como o processo de mudanças institucionais que

deriva das transformações estruturais na produção e no emprego, que são impulsionadas pela liberalização do

comércio, pela maior integração das economias à economia mundial e pela revolução tecnológica em andamento. Na

dimensão do mercado de trabalho, o processo de informalidade se revela por meio da destruição, adaptação e

redefinição de um conjunto de instituições, normas e regras – estabelecidas juridicamente ou por meio de práticas

consuetudinárias, envolvendo os seguintes aspectos: as relações entre as empresas para organizar a produção e sua

distribuição; os processos de produção e de trabalho; as formas de inserção de trabalho; as relações de trabalho; e os

conteúdos das ocupações. Essas alterações se mostram por meio de um duplo um duplo efeito. De um lado, são os

processos de corrosão de determinadas práticas ou instituições que se tornam inadequadas pela perda de sua eficácia

e/ou de sua legitimidade política ou por envolver custos diretos ou indiretos elevados. Por outro lado, constituem os

processos que definem ou adaptam normas, práticas, procedimentos e instituições às necessidades e interesses da

sociedade contemporânea.

3

características a invisibilidade e a atomização das unidades produtivas, o que dificulta e onera a

ação de fiscalização do poder público, não sendo alvo de atenção adequada.

Na maior parte dos países onde o trabalho infantil apresenta altos índices de prevalência, os

governos estão publicizando a questão, dando andamento e ampliando programas objetivando sua

contenção. Entre os países da América Latina que apresentam incidência significativa de crianças e

jovens que trabalham, segundo relatório de peritos internacionais da Organização Internacional do

Trabalho (OIT) de 2001, alguns países se destacam: Brasil, por ter conseguido diminuir esse índice,

México pela quantidade de propostas para combater o fenômeno, e Peru por estar aprimorando a

base de informações sobre o tema.

Os programas governamentais de contenção ao trabalho infantil apresentam especificidades quanto

às suas disposições legais, arranjos institucionais, intervenções diretas e mecanismos para garantir a

execução das medidas e seu cumprimento, em virtude das características do país, sua legislação e

dos tipos de trabalho que as crianças exercem. Contudo, um conjunto de orientações pode ser

extraído dos programas e ações que estão obtendo sucesso: i) coordenação para evitar duplicação de

esforços e desperdício de recursos; ii) maior interação entre diferentes atores e parceiros sociais; iii)

concentração dos recursos nas atividades fins, minimizando despesas administrativas; iii) abordagem

integral, priorizando programas que atuam por meio da: prevenção, retirada, reabilitação, criação de

emprego adulto, assistência social, saúde e educação, nesta abordagem, o módulo educação é

fundamental. Além disso, as ações educacionais e a aplicação das leis trabalhistas devem ser

sincronizadas e complementares, reforçando-se mutuamente; e a educação universal de boa

qualidade é um elemento essencial para a efetiva abolição do trabalho infantil.

Este estudo encontra-se estruturado em três seções, além desta introdução e das considerações finais.

A primeira seção apresenta resenha analítica sobre os determinantes do trabalho infantil no Brasil,

especificando as variáveis relevantes da oferta e demanda de trabalho, bem como características do

sistema educacional e cultural que freiam as ações da política pública na prevenção e eliminação do

trabalho infantil. A segunda analisa o marco institucional que incentiva e circunscreve as ações

públicas sobre essa questão, enfatizando-se as leis promulgadas e as medidas assumidas pelos

governos brasileiros na década de 1990. A terceira seção apresenta as diretrizes, principais

programas e ações com os quais se está enfrentando e diminuindo a prevalência do trabalho infantil

no Brasil. Esta analise é realizada mediante a construção de quatro motivações principais que

norteiam as ações desenvolvidas. Por fim tecem-se as considerações finais que alertam para a

necessidade de fortalecer as ações públicas para erradicar o trabalho infantil tendo em vista as

sanções comerciais que o país poderá subir pela utilização de mão de obra infanto-juvenil, muitas

vezes sob regime de trabalho forçado, em atividades econômicas encadeadas com a produção para a

exportação.

1. DETERMINANTES DO TRABALHO INFANTIL

Na literatura especializada não há conformidade acerca dos distintos fatores que determinam a

entrada da criança no mercado de trabalho. Fenômeno social complexo e sujeito a múltiplos

condicionantes de distintas naturezas, ainda não há uma compreensão plena a seu respeito. O

problema está associado, embora não restrito, à pobreza, à desigualdade e à exclusão social.

4

Existem, no entanto, outros fatores, igualmente importantes, como aqueles relacionados à cultura,

características da família na qual a criança se insere, oferta educacional e estrutura do mercado de

trabalho. A investigação das dimensões do trabalho infantil deve, portanto, considerar, não

apenas os motivos que levam a entrada da criança no mercado de trabalho, mas os fatores que

estimulam a absorção da mão-de-obra infantil pelo mercado.

Os principais determinantes da oferta precoce do trabalho estão relacionados à situação de

pobreza; deficiência do setor educacional; e restrições impostas pela tradição. O fator econômico,

embora não apareça de forma isolada dos demais, é o que recebe maior destaque pela maior parte

dos estudos. Assim o trabalho infantil é abordado, por muitos autores, do ponto de vista da sua

importância enquanto estratégia de sobrevivência das famílias pobres que necessitam da renda ou

dos serviços prestados pelos seus filhos pequenos (NEPO/UNICAMP, 1998; KASSOUF, 1999;

CERVINI e BURGER, 1991; SILVEIRA, 2000).

O trabalho infantil, para além das necessidades econômicas, responde também aos padrões e

expectativas de comportamentos culturalmente estabelecidos, integrantes de uma ética do

trabalho, destacando o caráter pedagógico (disciplina, responsabilidade etc.) que seria atribuído

ao trabalho precoce por distintas camadas sociais (NEPO/UNICAMP, 1998). Em países como o

Brasil, não apenas o nível de pobreza das famílias e os condicionantes culturais, mas também os

problemas internos ao sistema escolar, têm papel decisivo na entrada precoce da criança no

mercado de trabalho. As próprias características do mercado de trabalho, além desses, são um

elemento importante na explicação de sua ocorrência. Dessa forma, do ponto de vista da demanda

da mão-de-obra infantil, destaca-se: a estrutura e a dinâmica do mercado de trabalho, que possui

espaços apropriados para a incorporação deste tipo de mão-de-obra e o aparato jurídico-

institucional encarregado de estabelecer e fazer cumprir as normas legais referentes ao trabalho

infantil (SILVEIRA, 2000). No que diz respeito à preferência pela contratação da mão-de-obra

infantil em detrimento daquela ofertada pelos adultos, o custo mais baixo desta força de trabalho,

sua incapacidade organizacional, seu pequeno poder de reivindicação, a especificidade da

atividade produtiva, e finalmente as próprias estratégias familiares de alocação da mão-de-obra

das crianças na ajuda a tarefas domésticas ou na colaboração com os demais membros da unidade

domiciliar no seu trabalho, são fatores determinantes.

Antes da apresentação da análise detalhada dos determinantes ou condicionantes do trabalho

infantil, é importante destacar alguns aspectos do problema da inserção das crianças no mercado

de trabalho, sua dimensão e características. Conforme os dados da Pesquisa nacional por

amostra de domicílios (PNAD) de 1999, o trabalho infantil assume na região Nordeste uma

dimensão significativamente maior que nas outras regiões. Assim, as maiores taxas de

participação5 para as crianças de 10 a 14 anos são verificadas para a região Nordeste (24,5%),

destacando-se a inserção das crianças nas áreas rurais do Brasil (38,0% contra 9,8% na área

urbana) e entre as famílias de menor renda. A menor participação verifica-se na região Sudeste

(9,4%), seguida do Centro-Oeste (16,2%), visto que os baixos índices de inserção na região Norte

devem-se principalmente, à não incorporação do setor rural na investigação. Dessa forma, os

Estados que apresentam as maiores taxas de incorporação da mão-de-obra infantil ao mercado de

trabalho são aqueles pertencentes ao Nordeste do Brasil, com destaque para os estados do

5 Consideramos: taxa de participação ou de atividade a razão entre a população economicamente ativa e a população

em idade ativa, no interior de cada coorte etária, ou para o total da população; taxa de ocupação é a razão entre o

total de ocupados e a população em idade ativa, no interior de cada coorte etária, ou para o total da população.

5

Maranhão, Piauí, Ceará e Bahia. No caso da região Centro-Oeste há uma distribuição mais

heterogênea do contingente de ocupados entre os estados com uma variação proporcionalmente

maior das taxas de atividade entre estes. O trabalho infantil assume uma dimensão bastante

superior à da maioria dos estados não pertencentes à região Nordeste no caso de Mato Grosso

(23,8%) e Mato Grosso do Sul (21,1%), ao mesmo tempo em que agrega um dos menores índices

do uso da mão-de-obra de crianças de 10 a 14 anos no Distrito Federal, cuja taxa de atividade é

de 4,3%. (Tabela 1)

Ainda com base nos dados da PNAD, observa-se uma redução do número de crianças

trabalhadoras na faixa de 10 a 14 anos. A comparação entre os anos de 1992 e 1999 revela uma

redução expressiva na taxa de atividade das crianças. As crianças inseridas no mercado de

trabalho, que em 1992 representavam 22,4% do total da população na faixa etária de 10 a 14

anos, têm sua participação reduzida para 16,6% no final da década. É interessante observar que

nos últimos dois anos da década não houve uma alteração significativa na dimensão do trabalho

infantil, uma vez que no Brasil 2,8 milhões de crianças entre 10 e 14 anos continuam envolvidas

com o mercado de trabalho (Tabelas 1 e 2).

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TABELA 1

TAXA DE ATIVIDADE DE CRIANÇAS - 10 A 14 ANOS (%)

Brasil ANO

Regiões e Ufs 1992 1995 1999

Brasil (1) 22,4 20,4 16,6

Norte (2) 16,5 16,1 16,0

Rondônia 14,1 13,7 9,8

Acre 13,7 16,4 8,7

Amazonas 13,5 14,7 9,6

Roraima 5,8 7,1 4,5

Pará 18,0 18,3 18,1

Amapá 6,8 6,5 9,4

Tocantins 30,6 29,2 32,9

Nordeste 29,2 27,7 24,5

Maranhão 36,7 37,4 35,8

Piauí 29,1 32,3 31,0

Ceará 29,2 28,7 24,6

R. G. do Norte 23,3 22,5 13,3

Paraíba 31,9 27,5 21,4

Pernambuco 30,1 25,4 22,1

Alagoas 22,5 21,9 14,3

Sergipe 19,4 21,7 20,3

Bahia 28,5 26,2 24,0

Sudeste 15,6 13,0 9,4

Minas Gerais 24,6 21,1 17,0

Espírito Santo 26,3 20,6 16,4

Rio de Janeiro 9,1 5,8 4,1

São Paulo 12,4 10,7 6,5

Sul 26,8 25,8 18,4

Paraná 27,9 27,3 18,7

Santa Catarina 26 27,6 17,4

R. G. do Sul 26,1 23,2 18,6

Centro-Oeste 24,1 20,6 16,2

M.G. do Sul 23,6 22,6 21,1

Mato Grosso 26,3 23,6 23,8

Goiás 28,3 23,6 14,6

Distrito Federal 11,2 6,7 4,3

Fonte: UNICEF/IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Nota: 1)

Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá 2) Exclusive

a população rural.

7

TABELA 2

TAXA DE OCUPAÇÃO DE CRIANÇAS - 10 A 14 ANOS (%)

Brasil, ANO

Regiões e Ufs 1992 1995 1999

Brasil (1) 20,4 18,7 14,9

Norte (2) 14,9 13,7 14,4

Rondônia 12,7 9,8 8,0

Acre 12,0 12,5 7,9

Amazonas 11,7 13,1 7,9

Roraima 3,8 3,5 4,5

Pará 2,5 16,4 16,7

Amapá 5,1 4,3 7,9

Tocantins 27,8 26,1 31,8

Nordeste 27,7 26,7 23,4

Maranhão 35,8 36,9 35,4

Piauí 28,4 32,3 30,2

Ceará 28,3 27,2 23,9

R. G. do Norte 22,3 21,2 11,5

Paraíba 31,4 27,4 20,6

Pernambuco 28,5 24,9 20,7

Alagoas 21,2 20,9 12,7

Sergipe 18,7 21,4 19,3

Bahia 25,6 24,3 22,6

Sudeste 13,6 11,0 7,6

Minas Gerais 22,4 19,0 15,4

Espírito Santo 24,7 19,2 15,4

Rio de Janeiro 7,8 4,7 2,7

São Paulo 10,0 8,3 4,4

Sul 24,8 24,1 16,2

Paraná 25,3 25,2 16,2

Santa Catarina 24,9 26,1 15,5

R. G. do Sul 24,1 21,7 16,5

Centro-Oeste 21,2 17,6 13,3

M.G. do Sul 20,1 19,2 16,9

Mato Grosso 24 20,6 21,4

Goiás 25,1 20,1 11,2

Distrito Federal 9,5 5,2 3,3

Fonte: UNICEF/IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Nota: 1)

Exclusive a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá 2) Exclusive

a população rural.

8

A relação entre o baixo nível de renda familiar per capita e a maior incidência de trabalho infantil

é investigada a partir das informações da PNAD 1999 apresentados na tabela 3. O estudo é feito

com base na relação entre as variáveis taxas de ocupação das crianças de 10 a 14 anos,

rendimento médio mensal das famílias, taxa de escolaridade das crianças de 7 a 14 anos e

proporção de meninas de 10 a 14 anos empregadas domésticas. Os coeficientes de correlação

calculados mostram o grau de associação positiva/direta ou negativa/inversa entre as variáveis, de

onde obtemos:

As variáveis taxa de ocupação das crianças de 10 a 14 anos e rendimento médio mensal das

famílias estão negativamente correlacionadas, isto é, a taxa de ocupação das crianças tende a cair

quando o rendimento médio mensal das famílias aumenta. Estas informações ratificam as

afirmações anteriores que relacionam o baixo rendimento familiar com a maior entrada de

crianças no mercado de trabalho. No que diz respeito à correlação entre a taxa de ocupação das

crianças e taxa de escolaridade observa-se a incompatibilidade entre a necessidade de trabalhar e

a freqüência à escola, visto que os resultados obtidos sugerem que a taxa de escolaridade tende a

cair com o crescimento da taxa de ocupação, resultado da redução do tempo disponível para a

dedicação aos estudos. Cabe ressaltar, no entanto, que o coeficiente de correlação entre essas

variáveis é menos significativo do que aquele encontrado para as variáveis renda e taxa de

ocupação, onde a relação inversa é mais clara.

Por fim, verifica-se um grau de associação direta entre as variáveis rendimento médio mensal das

famílias e a taxa de escolaridade das crianças, o que denota que a taxa de escolarização das

crianças tende a aumentar com o maior nível de rendimento médio mensal das famílias.

Ressalte-se que, embora a pobreza seja a base de todo o processo da exploração do trabalho

infantil outros fatores merecem estudo, conforme exporemos nas subseções seguintes. Por outro

lado, o resultado entre as variáveis renda média das famílias e proporção de empregadas

domésticas sugere que a elasticidade renda pode ser positiva para essa categoria de trabalhadores

da prestação de serviços, não tendo sido assimilada pela sociedade restrições com relação à idade.

Entretanto, essa questão merece ser mais bem pesquisada (Tabela 3).

9

TABELA 3

TRABALHO INFANTIL, SEGUNDO TAXA DE OCUPAÇÃO, RENDIMENTO MÉDIO DA

FAMÍLIA, TAXA DE ESCOLARIDADE E MENINAS NO TRABALHO DOMÉSTICO, 1999.

Brasil, regiões

e Ufs

Taxa de ocupação

de crianças 10 a 14

anos (%) (1)

Rendimento

médio

mensal das

famílias (R$) (2)

Taxa de escolaridade

de crianças de

7 a 14 anos (%) (3)

Proporção de

meninas (10 a 14 anos)

empregadas domésticas

(4)

Brasil (1) 14,9 876,0 95,7 14,5

Norte (2) 14,4 728,0 95,5 26,9

Rondônia 8,0 948,0 96,9 33,3

Acre 7,9 940,0 92,2 0,0

Amazonas 7,9 688,0 95,4 36,3

Roraima 4,5 970,0 98,3 100,0

Pará 16,7 674,0 95,1 28,6

Amapá 7,9 762,0 96,9 50,0

Tocantins 31,8 512,0 93,7 23,5

Nordeste 23,4 522,0 94,1 9,7

Maranhão 35,4 449,0 94,7 6,7

Piauí 30,2 435,0 95,1 6,0

Ceará 23,9 503,0 94,8 14,4

R. G. do Norte 11,5 587,0 95,3 10,0

Paraíba 20,6 692,0 95,7 21,6

Pernambuco 20,7 545,0 92,1 6,1

Alagoas 12,7 498,0 88,1 30,4

Sergipe 19,3 592,0 93,6 5,7

Bahia 22,6 503,0 95,0 8,9

Sudeste 7,6 1070,0 96,7 22,6

Minas Gerais 15,4 775,0 96,1 24,1

Espírito Santo 15,4 817,0 94,7 20,0

Rio de Janeiro 2,7 1064,0 96,8 56,0

São Paulo 4,4 1231,0 97,3 17,3

Sul 16,2 949,0 96,5 10,4

Paraná 16,2 909,0 95,3 11,8

Santa Catarina 15,5 958,0 97,3 8,5

R. G. do Sul 16,5 981,0 97,2 10,1

Centro-Oeste 13,3 918,0 96,0 26,7

M.G. do Sul 16,9 787,0 95,0 15,2

Mato Grosso 21,4 782,0 93,5 20,9

Goiás 11,2 741,0 97,0 36,4

Distrito

Federal 3,3 1668,0 97,9 58,3

10

Continuação tabela 3...

Correlações

Taxa de ocupação

de crianças 10 a 14

anos (%) (1)

Rendimento

médio mensal

das famílias

(R$) (2)

Taxa de

escolaridade

de crianças de

7 a 14 anos (%) (3)

Proporção de

meninas (10 a 14 anos)

empregadas domésticas (4)

Taxa de ocupação

de crianças 10 a

14 1,0000 -0,7277 -0,3810 -0,5712

anos (%) (1)

Rendimento

médio

mensal das 1,0000 0,5857 0,4052

famílias (R$) (2)

Taxa de

escolaridade

de crianças de 1,0000 0,4124

7 a 14 anos (%)

(3)

1.1. Condicionantes da Oferta: Pobreza, Sistema Educacional, Cultura e Características da

Família

Pobreza

Existe consenso a respeito do papel preponderante da pobreza como determinante do trabalho

infantil. Estatisticamente, a relação entre o baixo nível de renda familiar per capita e a maior

incidência do trabalho infantil pode ser confirmada pelas informações da PNAD. Diversos

autores afirmam que o nível de renda familiar tem influência irrefutável na participação das

crianças na força de trabalho. Estudos recentes indicam também, a importância do rendimento da

criança para a renda familiar. KASSOUF (1999) destaca que em muitos casos a renda gerada pela

criança trabalhadora é crucial para a sobrevivência das famílias e, a não ser que estas sejam

assistidas, proibir o trabalho das crianças pode exacerbar-lhes a pobreza. Entretanto, nesse

estudo, a autora verifica que apesar da pobreza e do trabalho infantil estarem intimamente

relacionados, existem evidências a respeito de crianças inseridas em famílias com níveis mais

altos de renda querendo trabalhar, seja por decisão familiar, ligada a fatores que serão analisados

posteriormente, ou por decisão individual, representada pela necessidade de adquirir

independência econômica, e até pela preferência do trabalho em detrimento ao estudo. Esses

resultados permitem colocar em discussão algumas das afirmações decorrentes do senso comum

sobre os determinantes do trabalho infantil, e de modo particular a relação direta e imediata entre

a sua ocorrência e a pobreza. Constata-se, então, que a incidência do trabalho infantil - embora

11

mais freqüente nas famílias de mais baixa renda familiar per capita - não guarda com esta uma

relação condicionante única. Em suma, a pobreza é uma das causas importantes do trabalho

infantil, não constituindo, entretanto, seu único determinante.

Esta conclusão fica menos evidente no caso dos adolescentes, cuja inserção no mercado de

trabalho encontra-se mais associada aos fatores de atração do mercado de trabalho. A decisão

sobre quem estuda, trabalha ou ajuda na casa e quanto tempo será destinado a cada uma destas

tarefas são tomadas no contexto da unidade familiar. No que se refere aos adolescentes, esta

precedência da unidade familiar perde força relativa, porque as empresas demandam este tipo de

mão de obra (AZÊVEDO, 2000: 28).

Em resumo, a literatura especializada mostra que, enquanto a inserção da criança no mercado de

trabalho está mais condicionada à decisão familiar diante de fatores, tais como, pobreza,

impossibilidade de acesso ou ineficiência do sistema educacional, valores e tradições; os fatores

que determinam a incorporação dos adolescentes ao mercado de trabalho, estão mais associados

aos mecanismos de atração deste mercado. Cabe ressaltar que, embora em menor proporção, os

determinantes do trabalho da criança também atingem os jovens, principalmente quando os

mercados de trabalho urbano e rural são analisados de forma desagregada.

Sistema educacional

A má qualidade do sistema educacional brasileiro constitui outro importante condicionante do

trabalho precoce, pois apresenta como resultados altas taxas de repetência, evasão e abandono.

De acordo com CERVINI e BURGER (1991), entre os principais fatores que determinam e

condicionam a decisão familiar para inserção, ou não, da criança no mercado de trabalho estão a

acessibilidade, a qualidade e os custos da educação. O acesso a um sistema escolar de boa

qualidade é considerado na literatura especializado brasileira e internacional como um dos fatores

mais relevantes para a erradicação do trabalho infantil. Essa matéria, no Brasil, tornou-se parte do

problema, pois freqüentemente a concepção e a abordagem do ensino são de baixa qualidade, e o

ensino é mal ministrado e pouco estimulante para a criança. A expressão da relação entre escola,

trabalho e inadequação da estrutura educacional se configura, especialmente nas camadas

populares, nas trajetórias erráticas da criança, conjugando evasão e retorno ao sistema escolar,

sucessivas reprovações, atraso etário com relação à série cursada, e muitas vezes abandono definitivo

dos estudos.

Dessa forma, a relação entre a necessidade de trabalhar e a freqüência à escola resulta na redução

da dedicação aos estudos, determinada não apenas pela natureza do trabalho infantil e as jornadas

longas a que estão sujeitas as crianças em muitas regiões do país, mas também pela precariedade

do ensino oferecido aos mais pobres, condenando estes meninos e meninas a uma situação ainda

mais desvantajosa do ponto de vista dos conhecimentos que podem ser adquiridos no sistema

educacional, prejudicando a sua futura trajetória profissional e de cidadão. Em resumo, um sistema

educacional mal estruturado e de baixa qualidade destinado aos segmentos mais pobres da

população valorizam-lhes a opção pelo trabalho precoce, e suas escolhas pela escola da vida, ao

invés da educação formal6.

6 Os mais pobres tendem a valorizar a renda presente em detrimento futuro, mesmo que potencialmente maior. Do

ponto de vista técnico, nas decisões familiares e individuais sobre investimento em capital humano, esta opção é

configurada por uma taxa de desconto elevada.

12

Cultura

A inserção das crianças no mercado de trabalho apresenta especificidades, segundo padrões

culturais definidos pela condição econômica que a família ocupa na estrutura social. No país, de

forma regionalmente diferenciada, valoriza-se a inserção de crianças, e especialmente

adolescentes, na força de trabalho como forma de retirá-las da rua, e afastá-las da marginalidade e

da delinqüência. Nessa medida, o trabalho infantil tem sido tolerado pela sociedade e até mesmo

incentivado (BRASIL - Presidência da República, 1998; SILVEIRA, 2000; AZÊVEDO, 2000).

Os padrões culturais e comportamentais estabelecidos nas diferentes classes sociais levam à

construção de uma representação positiva no imaginário social do trabalho de crianças, com o

objetivo de fornecer-lhes a disciplina e a responsabilidade necessárias ao seu desempenho futuro

no mercado de trabalho. O trabalho precoce é, desta forma, considerado como um espaço de

socialização, onde as crianças estariam protegidas do ócio, da permanência nas ruas e da

marginalidade (SILVEIRA, 2000). No momento presente, na sociedade brasileira, os limites entre

o trabalhar, o ajudar e o educar mediante o trabalho encontram-se mal definidos. Assim, nas

famílias de menor renda a opção entre trabalhar e estar nas ruas valoriza a opção pelo trabalho

(AZÊVEDO, 2000).

Estrutura familiar tamanho da família e características da família

A análise da inserção da criança no mercado de trabalho deve ser feita ainda considerando a

estrutura familiar e a posição que estas e sua família ocupam na estrutura social (CERVINI e

BURGER, 1991). Segundo os autores a criança tem o seu tempo distribuído entre a escola, as

atividades domésticas e o trabalho, de acordo com o tamanho e a estrutura da família, a

produtividade da criança e dos pais e o grau de substituição entre eles. Estudos recentes

mencionam como um dos determinantes do crescimento da oferta de trabalho das crianças, os

impactos resultantes das mudanças na estrutura familiar, com destaque para aquelas que são

chefiadas por um único adulto, seja o pai, ou principalmente a mãe. As famílias chefiadas por

mulher tendem a ter mais crianças economicamente ativas, concentrando-se nos segmentos de

menor renda e com piores condições de ascensão social (AZÊVEDO, 2000:34). Deve-se destacar,

no entanto, que a totalidade dessa força de trabalho infantil não deve ser explicada pela

desagregação familiar em si mesma. A desestruturação familiar deve ser analisada do ponto de

vista da pobreza, sendo esta a causa última da inserção das crianças no mercado de trabalho

(CERVINI e BURGER, 1991: 32).

Outro condicionante da oferta de trabalho das crianças está relacionado com o tamanho da

família. Diversos estudos destacam um intenso debate sobre a relação entre o tamanho e a oferta

de trabalho das crianças (KASSOUF, 1999; BARROS, 1990; AZÊVEDO, 2000). Nas famílias

nucleares, em que os seus membros adultos já se encontram empregados, havendo redução de

seus rendimento, há maior probabilidade da criança inserir-se no mercado de trabalho. Outros

autores afirmam, ao contrário, que as famílias extensas tendem a ter mais crianças trabalhando. A

última afirmação é particularmente relevante quando a família é composta por crianças e jovens,

e simultaneamente o acesso aos equipamentos sociais destinados à criança é limitado ou não se

encontra disponível.

Existem evidências para a área rural de que famílias pobres e de tamanho grande requerem mais

trabalho infantil, provavelmente como forma de ter um pouco mais de renda para a sobrevivência

13

de seus membros. Por fim, a decisão dos pais de enviar seus filhos ao trabalho é muito mais

predominante na área rural do que na urbana. A maior participação de crianças nas atividades

econômicas rurais deve-se às formas vigentes de organização da produção agrícola, que ainda

utilizam em larga escala a mão-de-obra familiar, fazendo com que a criança comece cedo a

colaborar com os demais membros da unidade doméstica de produção, seja para a subsistência ou

para o mercado, de tal forma a ampliar renda familiar. Nesse caso, não apenas a participação da

mão-de-obra infantil é mais intensa, como também diminui a idade na qual as crianças passam a

ser incorporadas.

KASSOUF, ao correlacionar o número de irmãos mais novos na família, trabalho e freqüência à

escola chegou à conclusão que o número de irmãos mais novos aumenta a probabilidade da

criança trabalhar e diminui a probabilidade de estudar. Assim sendo, quanto maior o número de

irmãos mais jovens, maior é a probabilidade da criança trabalhar. Entretanto, a autora conclui que

no Brasil não é evidente que a presença do irmão mais velho diminua a probabilidade de crianças

mais jovens trabalharem, ou seja, irmãos mais velhos não agem como substitutos de mão-de-obra

dos irmãos e irmãs mais novos (KASSOUF, 1999). Esta afirmação, contudo, não foi constatada

para o meio urbano. Segundo estudo recente, a presença de maiores de 15 anos na unidade

doméstica diminui a probabilidade das crianças de 7 a 14 anos deixarem a escola. Dessa maneira,

irmãos maiores de 15 anos determinam a não entrada dos menores no mercado de trabalho, os

meninos por contribuírem para a renda familiar, as meninas por dedicarem-se às atividades

domésticas (BARROS, 1990).

Cabe ressaltar, portanto, que o efeito do tamanho do domicílio no trabalho infantil muda

substancialmente dependendo do meio rural ou urbano, do nível de renda da família, da

composição etária da família, e do emprego dos adultos. Os gastos dos Estados com programas

sociais e sua adequada focalização ao meio podem vir a alterar a cultura familiar e a alocação do

tempo de seus membros, preservando uma trajetória mais promissora para as crianças no

mercado de trabalho.

14

Características dos pais e da criança

Há várias evidências sobre correlação negativa entre a escolaridade dos pais e a taxa de atividade

das crianças. A relevância da educação dos pais na decisão familiar da inserção da criança no

mercado de trabalho está estreitamente relacionada aos níveis de renda destes, visto que a

educação de adultos e os níveis de renda estão fortemente correlacionados, além de maiores

níveis educacionais afetar a preferência dos pais pela maior escolarização dos filhos.

KASSOUF (1999) em seu estudo afirma que quanto maior a escolaridade do pai e da mãe, menor

é a probabilidade das crianças trabalharem, comprovando esse fato pela relação negativa entre a

escolaridade dos pais e o trabalho das crianças, e positiva entre a escolaridade dos pais e a

freqüência das crianças à escola, ressaltando que as magnitudes dos efeitos marginais são maiores

no meio rural. Outro fator relevante destacado pela autora é que enquanto a escolaridade do pai

tem maior impacto em reduzir a participação do filho na força de trabalho com relação à da mãe,

a escolaridade do pai e da mãe tem efeito semelhante em reduzir a participação da filha na força

de trabalho (KASSOUF, 1999:53).

Finalmente, é interessante observar que, como destaca CERVINI e BURGER (1991), o

diferencial entre as taxas de atividade das crianças nos extremos da escala educacional dos pais é

maior do que para os adolescentes, ou seja, a sensibilidade do trabalho das crianças e

adolescentes em relação à educação dos pais é diferente. O nível de participação das crianças e

adolescentes no mercado de trabalho está inversamente correlacionado com a educação dos pais

com maiores efeitos marginais para as crianças, visto que a decisão familiar é um dos principais

determinantes da sua inserção.

É importante registrar que a taxa de participação das crianças na produção cresce com a idade,

acompanhando o movimento dos adultos, sendo maior entre os meninos do que entre as meninas.

No entanto, esta condição muda ao ser incorporada às estatísticas a parcela da população que se

dedica exclusivamente aos afazeres domésticos, a partir de onde, as diferenças entre gênero

diminuem. O trabalho das meninas é, portanto, subestimado, pois não se contemplam as

atividades domésticas não remuneradas e de curta jornada que viabilizam a inserção no mercado

de trabalho de outros membros da família. E, por fim, essa participação é maior entre as crianças

de cor negra ou parda, e ocorre mais cedo que nos demais grupos (CERVINI e BURGER, 1991;

SILVEIRA, 2000; AZEVEDO, 2000). No que diz respeito à inserção segundo a cor da pele,

AZÊVEDO (2000) destaca que as questões étnicas e raciais devem ser ressaltadas como

importantes determinantes do trabalho das crianças e adolescentes, à medida que estes são mais

atingidos pelas desigualdades sócio-econômicas que se escondem atrás das diferenças raciais.

Do ponto de vista dos condicionantes mais gerais da participação das crianças e adolescentes no

mercado de trabalho, como os analisados anteriormente, no caso das primeiras, a relação com a

renda é bastante linear e inversa: trabalham bem mais as crianças mais pobres. Entre os

adolescentes, sua concentração nos estratos de baixa renda é menor, havendo uma enorme

dispersão pelas diferentes situações sócio-econômicas. CERVINI e BURGER (1991) afirmam,

ainda, que as taxas de atividade das crianças são relativamente similares em diferentes contextos

urbanos, enquanto esse indicador para os adolescentes varia fortemente, de acordo com a

15

estrutura do mercado de trabalho em diversas regiões do país. Cabe ressaltar ainda que, a taxa de

participação dos menores é mais elevada na área rural do que na urbana.

1.2. Condicionantes da Demanda

A configuração da demanda de trabalho influencia a participação das crianças na força de

trabalho que, a despeito dos direitos que lhes assegura a legislação, continuam à margem quer na

esfera dos direitos humanos, quer na esfera social e trabalhista. No que diz respeito à estrutura do

mercado de trabalho, são várias as razões que explicam a preferência pela contratação da mão-de-

obra infantil e adolescente, em detrimento daquela ofertada pelos adultos. O custo mais baixo

desta força de trabalho é o maior atrativo para sua contratação vindo acompanhado de outros

fatores, tais como: incapacidade organizacional; baixo poder de reivindicação; e habilidades para

determinadas tarefas que lhes são atribuídas.

Dessa forma, a decisão de trabalhar e abandonar a escola, principalmente no meio urbano, parece

ser influenciada não só pela escassez dos recursos econômicos da família, mas, também, pelos

fatores de atração do mercado de trabalho onde estão inseridos. Nesse sentido o tamanho do setor

informal em geral pode estar associado à maior utilização de trabalho infantil, indicando a

importância da legislação e sua fiscalização como mecanismos que detém a utilização de crianças

como força de trabalho. Em relação ao trabalho doméstico, a demanda está associada fortemente

aos níveis de renda das famílias, que utilizam o trabalho infantil, como estratégia de liberação de

tempo para a oferta de trabalho adulta da família. (AZÊVEDO, 2000:41).

Há ainda o destaque para necessidades específicas do empregador. O perfil da mão-de-obra

infantil apresentando destreza, tamanho das mãos, docilidade, altura, etc. pode constituir-se num

importante determinante para sua utilização, além da disposição das crianças para receber

rendimentos menores do que os adultos, o que reduz os custos de produção para os

empregadores. Nesse sentido a distribuição da força de trabalho da criança e do adolescente

segundo o tipo de atividade desempenhada no mercado de trabalho varia conforme diferentes

contextos. A literatura em geral destaca a impossibilidade de definição de uma imagem

homogênea acerca das características do trabalho da criança para o conjunto dos estados

brasileiros. Apesar das variações regionais quanto à prevalência de incorporação de criança e

adolescentes ao mercado de trabalho, esta modalidade de trabalho pode ser encontrada, segundo

informações das Delegacias Regionais do Trabalho, nas atividades rurais e urbanas, destacadas a

seguir:

Meio rural: fornos de carvão, extração de pedras, garimpo, agricultura de subsistência,

beneficiamento do sisal, erva mate, quebra de coco, agroindústria canavieira, extração de

sal, colheita de agave, algodão, extrativismo vegetal, fumo, horticultura, casas de farinha,

citricultura, pesca, e atividades relacionadas à extração e corte de madeira;

Meio urbano: no setor informal, como lixões, comércio de rua (feiras, ambulante,

flanelinha, distribuição de jornais etc.), prestação de serviços na construção civil; e em

algumas atividades industriais como fogos de artifícios, calçados, tecelagem, confecção,

alimentos, móveis, laminação de madeira, tijolos/telhas e cerâmicas. Além disso, crianças

também participam de atividades ilegais e anti-sociais de alto risco, como prostituição e

tráfico de drogas, muitas vezes envolvidas em trabalho forçado ( AZEVEDO, 2002).

16

Deve-se atentar para o fato de que, assim como em outros países, há subregistro do trabalho da

criança e do adolescente nas estatísticas disponíveis, seja na agricultura, no serviço doméstico ou

no setor informal urbano. Com relação às atividades exercidas no âmbito familiar, identificadas

em geral como não remuneradas, também costumam haver imprecisões. O trabalho doméstico,

por exemplo, é uma das formas de exploração infantil mais difundidas e menos pesquisadas, e

envolve muitos riscos para a criança. Outra atividade a ser destacada, sobretudo para as meninas,

é o trabalho no domicílio.

2. LEIS, NORMAS E ESPAÇOS INSTITUCIONAIS

A legislação trabalhista brasileira proíbe o trabalho de indivíduos com menos de 16 anos de

idade, a não ser na condição de aprendiz a partir de 14 anos (Lei 10.097, de 19/12/2000, oriunda

do Projeto de Lei n.º 2.845/2000, encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo), e

impede o exercício do trabalho em locais ou serviços perigosos ou insalubres para indivíduos

com menos de 18 anos de idade (Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de

Inspeção do Trabalho e Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho n.º 6, de 5 de fevereiro

de 2001). Esses limites, aprovados recentemente, substituem os dispositivos originais da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, decreto-lei no 5.452, de 1º de maio de 1943), vêm de

encontro às recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e avança com

relação aos dispositivos enunciados na Constituição Brasileira de 1988 e no Estatuto da Criança e

Adolescentes.

A regulamentação disposta na CLT, sob o Título III - Capítulo IV - Da Proteção do Trabalho do

Menor7, influenciou por quase 50 anos, a legislação sobre os limites de idade e as condições sob

as quais o trabalho das crianças e adolescentes pode ser exercido, embora as normas e

recomendações internacionais restringissem essa prática no mercado de trabalho, de uma forma

crescente, desde o final de 1960. Assim, a Constituição Brasileira de 1988 e o Estatuto da

Criança e Adolescente (Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990), consoantes com a CLT,

determinam a idade mínima de 14 anos para a admissão ao trabalho, proibindo o trabalho

noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 14

anos, salvo na condição de aprendiz. A Constituição não determina a idade mínima para o

trabalho em regime de aprendizagem, enquanto o Estatuto da Criança e Adolescente fixa-a em 12

anos. Esses limites de idade contrariam a Recomendação, 146 de 1973 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) que solicita que a idade mínima para o trabalho seja

gradualmente elevada para 16 anos. Assim, a Emenda Constitucional n.º 20, de 16/1 2/1998, que

altera o sistema de previdência social, dentre outras disposições, proíbe qualquer trabalho a

menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14, além de ratificar o

impedimento do trabalho noturno, perigoso, ou insalubre a menores de 18 anos.

A Constituição Brasileira de 1988 (Arts. 203, 208 e 227), assegura à criança e ao adolescente

direito fundamentais determinando ao Estado a função de promotor de programas de educação -

7 A CLT, no referido capítulo, proíbe o trabalho para as pessoas abaixo de 12 anos, cria a categoria de menor

trabalhador para jovens de 14 a 18 anos (Artigo 402), e estabelece restrições para o exercício do trabalho (Arts. 403 a

405). Os indivíduos com menos de 14 anos de idade podem trabalhar apenas mediante garantia de freqüência à

escola que assegure sua formação ao menos em nível primário; e em serviços de natureza leve, que não sejam

nocivos à sua saúde e ao seu desenvolvimento normal. Aos indivíduos com menos de 18 anos não é permitido o

trabalho noturno, em locais ou serviços perigosos, insalubres ou prejudiciais à sua moralidade.

17

pré-escolar e fundamental - e de saúde com assistência integral, outorgando as ONGs

participação nessas ações. A regulamentação referente à assistência integral no campo da

educação se aprofunda com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei n.º

9.394 de 1996) que estabelece: a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino

fundamental para o regime de escolas em tempo integral (Artigo87); e a articulação do ensino

profissional com o ensino regular, ou por meio de diferentes estratégias de educação continuada,

em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho (Artigo40). O Artigo 40 da LDB

corrobora as disposições do Estatuto da Criança e Adolescente que prevê a garantia de uma

bolsa-aprendizagem ao adolescente de até 14 anos e a extensão dos direitos trabalhistas e

previdenciários ao adolescente-aprendiz, maior de 14 anos.

A proteção aos grupos mais vulneráveis da população foi regulamentada pela Lei Orgânica de

Assistência Social (LOAS, Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993) por meio de benefícios,

serviços, programas e projetos, entre outros objetivos estabelece a proteção à família, à infância e

à adolescência; e o amparo às crianças e adolescentes carentes. A Secretaria de Estado de

Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência coordena o Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, desde 1992 que teve nova diretriz e normas aprovadas

pelo Conselho Nacional de Assistência Social, para o período compreendido entre 2000 e 2006,

por meio da Resolução n.º 5, de 15/02/2000, em seu Artigo 1º.

Na esfera jurídica e institucional, o Ministério da Justiça promulga lei em 1991 estabelecendo o

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente (CONANDA, Lei no 8242) que tem

como função determinar diretrizes para ações nas áreas de saúde, educação, assistência social e

garantia de direitos, para os três níveis de governo. No campo do trabalho, as diretrizes centram-

se em ratificar as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promover ações

de fiscalização e estimular programas de geração de trabalho e renda. A disseminação das

diretrizes, e sua consistência, podem ser alcançadas por meio da criação de espaços institucionais

de mediação entre a sociedade civil e o estado, e no âmbito das Delegacias Regionais do

Trabalho. Quanto ao primeiro campo, o Estatuto da Criança e Adolescente estabelece dois

espaços: Conselho Tutelar (Artigo 131), em nível municipal, e Conselho de Direitos da Criança e

do Adolescente (Artigo 86), em nível estadual. O objetivo do primeiro órgão é investigar todos

os casos de violação dos direitos da criança e adolescentes, enquanto o segundo tem como

objetivos principais: deliberar e formular uma política de proteção integral da infância e da

juventude; e articular os diversos órgãos públicos com a iniciativa privada, com vistas a instituir

um sistema de proteção integral. Estas instâncias criadas por leis municipais e estaduais são

autônomas, uma vez que não se subordinam ao poder público nem a outro conselho, e

representam instituições inseridas nos princípios de descentralização político-administrativa e que

propiciam maior envolvimento da sociedade civil neste campo da política social.

Quanto ao segundo, as Delegacias Regionais do Ministério do Trabalho e Emprego, em 1995,

definem as Comissões Estaduais contra o Trabalho Infantil, em todos os estados da federação,

recentemente transformadas em Núcleos de Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao

Trabalho do Adolescente. O objetivo desse Núcleo é identificar, em nível local, todas as

atividades econômicas que utilizam o trabalho infantil, selecionar atividades de risco e reforçar

ações para poder eliminá-lo. Nesse mesmo ano, o Governo Federal institui o Grupo Executivo de

Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF), composto por vários Ministérios, sob a

coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego, para promover a integração das ações do

18

Governo Federal. Para implementar as decisões desse Grupo, foi criado o Grupo Móvel de

Fiscalização que tem por finalidade a repressão ao uso do trabalho infantil e do trabalho forçado

(AZEVEDO, 2002).

Somando esforços na mesma direção, foi assinado, em 1996, protocolo denominado de

Compromisso para Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente no Trabalho,

com a participação dos governos estaduais, confederações nacionais de empregadores, centrais

sindicais, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Programa Comunidade

Solidária e várias ONGs. E, instala-se em novembro de 1994, o Fórum Nacional para a

Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, coordenado pelo Ministério do Trabalho, com o

apoio da UNICEF e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), compreendendo ONGs. O

Fórum tem o objetivo de articular diversas organizações governamentais e não-governamentais

capazes de atuar na área da eliminação do trabalho infantil, tendo a responsabilidade de traçar as

diretrizes para o combate ao trabalho infantil e integrar as ações do governo com as da sociedade

civil. O Fórum Nacional atualmente é integrado por 42 entidades, com composição multipartite –

governo, trabalhadores, empregadores e ONGs, contando ainda com a participação do Ministério

Público. Uma das principais contribuições do Fórum, consubstanciada no ano de 2000, consistiu

na elaboração de documento para subsidiar diretrizes para a formulação de uma política nacional

de combate ao trabalho infantil, a partir de um amplo processo de discussão e incorporação de

sugestões, fundamentado nas experiências desenvolvidas ao longo dos últimos anos.

3. AÇÕES E PROGRAMAS PARA A ELIMINAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

A partir da década de 1990, especialmente no seu segundo lustro, conforme mencionado

anteriormente, cria-se uma ampla gama de ações específicas para eliminar o trabalho infantil e

proteger o trabalho do adolescente. Ó acúmulo de experiências e o sucesso de algumas ações

integram a formulação das estratégias do Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação do

Trabalho Infantil em 2000. O Fórum é responsável por traçar as diretrizes para o combate ao

trabalho infantil, além de representar um maior esforço para integrar as ações do governo com as da

sociedade, configurando um espaço privilegiado de coordenação de ações e de mobilização e

articulação institucional. Sua criação formal é recente - 1994 - mas o inicio das articulações se deu

em 1992, com a implantação do IPEC - OIT/Brasil.

O Fórum define as ações que devem ser efetivadas pelo Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil - PETI, elencando as prioridades, as responsabilidades dos parceiros, o cronograma de

execução e as formas de articulação com as instituições e entidades participantes, a partir da

identificação das causas e conseqüências do trabalho infantil.

De acordo com as diretrizes do Fórum, os principais eixos que vêm norteando as intervenções

institucionais em favor da erradicação do trabalho infantil no Brasil são: sensibilização e

mobilização social para a questão do trabalho infantil; integração e sistematização de dados

sobre trabalho infantil, deslocando o foco de interesse dos estudos exploratórios e descritivos

para a análise das intervenções capazes de provocar mudanças; promoção da articulação

institucional quadripartite (governo, organizações de trabalhadores e de empregadores e

organizações não-governamentais); fiscalização e denúncia contra a exploração da mão-de-obra

19

infantil, incluindo a participação da sociedade civil na fiscalização do trabalho infantil e na

formulação de políticas sociais; garantia de escola pública de qualidade, associada a atividades

de educação básica e ações complementares à escola; incremento da renda, implementando ações

sócio-educativas junto às famílias e promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável.

Tendo como referência algumas dessas diretrizes, e a partir das fontes e informações disponíveis,

realizamos um levantamento com o objetivo de identificar os principais programas, dentre aqueles

que disponibilizam informações. Posteriormente, a partir de critérios apontados pela literatura

especializada e pelo próprio Fórum, elaboramos tipologia que compreende quatro tipos de ações.

Sensibilização e Mobilização

Este tipo de ação objetiva desenvolver campanhas de conscientização para mudar a cultura com

relação ao trabalho infantil, contando com o envolvimento de instituições e entidades da

sociedade civil com capacidade de intervir na erradicação do trabalho infantil. As ações de

sensibilização e mobilização social constituem elemento chave da maioria das ações em curso

com destaque para a Marcha Global contra o Trabalho Infantil e a atuação do IPEC – Programa

Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil. Neste campo podemos destacar ainda: a

Campanha Criança no Lixo, Nunca Mais, criada pelo Fórum Nacional Lixo & Cidadania;

Seminário Crianças no Campo: educação, direito e trabalho; Evento Itinerante sobre Trabalho

Infantil na Agricultura Brasileira; Capacitação de Agentes Sociais como Mobilizadores na

Prevenção do Trabalho Infantil Precoce, uma iniciativa do MOC (Movimento de Organização

Comunitária) no âmbito do IPEC/Organização Internacional do Trabalho (OIT); Projeto

Sensibilização e Mobilização dos Conselhos Tutelares, desenvolvido pelo IBAM em conjunto

com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no âmbito do IPEC; Prêmio Criança da

FUNDAÇÃO ABRINQ. Por fim a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) vem

atuando a serviço da conscientização e mobilização social contra o uso do trabalho infantil por

meio do acompanhamento dos artigos sobre trabalho infantil veiculados na imprensa.

Estas ações são iniciativas de sensibilização da sociedade para a questão da erradicação do

trabalho infantil em diversos segmentos, com destaque para a exploração das crianças em lixões e

na zona rural onde o desafio é analisar em profundidade os aspectos relacionados à infância,

informar e aproximar a opinião pública urbana dessa problemática e formar novas posturas acerca

do trabalho infantil, além de contribuir para o fortalecimento e sistematização de iniciativas que

possam ser referencias na elaboração de políticas públicas. Busca-se, dessa forma, contribuir para

o combate e deslegitimação da visão do trabalho como a única saída da criança pobre e como

atividade educativa e disciplinadora.

Ações de Restrição à Oferta - Reforços à Educação Básica e Ações Complementares à

Escola

Esta vertente de iniciativas tem como foco de ação a garantia de uma escola pública de qualidade

para todas as crianças e adolescentes, incluindo atividades de educação básica e ações

complementares à escola. Desta forma a educação assume a centralidade da política de combate

ao trabalho infantil. Associada à oferta educacional, destacam-se um conjunto de subsídios

diretamente vinculados à permanência e sucesso das crianças na escola, como a complementação

da renda familiar e a implantação e desenvolvimento de programas sócio-educativos no período

complementar à jornada escolar, além da adequação da escola às realidades e interesses locais.

20

Como exemplo deste eixo de ações podemos destacar: Projeto Axé, Salvador/Bahia; Projeto do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina/Pernambuco, no atendimento a crianças que

trabalhavam na produção de frutas; Pacto de Minas pela Educação/MG como iniciativas na área

de educação para o combate ao trabalho infantil (IPEC, 1998). Adicionalmente os projetos

Curumim Comunidade, uma iniciativa do Serviço Social do Comércio – SESC – Interlagos/SP;

Projeto Criança do Futuro, iniciativa da Usina Diamante de Açúcar e Álcool da cidade de Jaú –

SP; e o Programa Crer Para Ver da FUNDAÇÃO ABRINQ, reúnem esforços em torno da

garantia do ingresso, regresso, permanência e o sucesso das crianças na escola, além de

desenvolver ações complementares na área de educação das crianças, contribuindo para estimular

e apoiar a criança, aumentando suas possibilidades de pleno desenvolvimento social e intelectual.

Além das atividades complementares à escola, alguns projetos buscam uma extensão dos serviços

junto à família da criança que está inserida ao programa.

Ações de Restrição à Demanda – Fiscalização, Denuncia e Incentivos para a Atuação contra

o Trabalho Infantil

Este grupo de ações visa o engajamento da sociedade, do poder público, e, em particular, das

empresas no esforço de prevenir e erradicar o trabalho infantil, a partir de ações de denúncia dos

casos de exploração de crianças. Tem difundido a consciência de que o lugar de criança e na

escola, enfatizando o direito e o valor da educação e reivindicando o cumprimento das

disposições legais sobre a idade mínima para o trabalho. Como iniciativas que merecem destaque

nesta área listam-se: a Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança, que tem como objetivo

promover os direitos elementares de cidadania de crianças e adolescentes, destacando-se dois

programas principais: Empresa Amiga da Criança, que tem como proposta motivar empresários a

não explorarem o trabalho infantil e, ao mesmo tempo, incentivar iniciativas que contribuam para

a formação das crianças; Programa Prefeito Amigo da Criança, que tem como proposta

mobilizar e engajar os prefeitos de todo o território nacional no compromisso de priorizar a

infância em suas gestões.

As organizações de empregadores também vêm assumindo o compromisso para a erradicação do

trabalho infantil. Destacam-se as Associações Brasileiras da Indústria de Calçados (Abicalçados)

e de Exportadores de Cítricos (Abecitrus) que comprometeram-se a colaborar com o

desenvolvimento de ações e campanhas que busquem a eliminação do trabalho infantil na cadeia

de produção, promovam a permanência das crianças na escola e a capacitação profissional dos

adolescentes. Do lado dos trabalhadores, a partir das ações de conscientização e inclusão de

cláusulas específicas sobre proteção e direitos da criança nos acordos coletivos de trabalho, os

sindicatos buscam a prevenção e eliminação do trabalho infantil. Outro espaço utilizado pelo

movimento sindical para a discussão e denuncia das condições intoleráveis de trabalho infantil

são os congressos nacionais promovidos pelas Centrais Sindicais.

21

Ações de Restrição à Oferta - Incremento da Renda Familiar

Este tipo de ação é constituído por programas que propõem a adoção imediata de medidas

eficazes de atendimento às necessidades básicas das famílias que mostram ocorrência do trabalho

infantil. Além disso, os programas salientam que as ações públicas devem estar relacionadas a

processos político-sociais mais amplos, em detrimento de ações pontuais de atendimento a um

determinado número de crianças e adolescentes. Destacam-se como eixos de ação o incremento

da renda, ações sócio-educativas e de qualificação profissional junto às famílias e promoção do

desenvolvimento local. Cabem neste tipo de ação, os seguintes programas: Programa Nacional

de Geração de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza – PRONAGER. Objetiva gerar ocupações

produtivas e renda, potencializando todos os recursos e vocações econômicas da comunidade, a

partir da capacitação massiva de trabalhadores desempregados e/ou subempregados para a sua

organização autogestionária em empresas, associações e cooperativas de produção de bens e/ou

serviços, com competitividade no mercado. Este Programa realizado em parceria com o

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) deve permitir prioridade de acesso às

famílias com crianças e adolescentes; Programa Nacional de Qualificação Profissional

(PLANFOR), que prioriza ações de formação e qualificação profissional nas famílias e áreas

onde há registro de trabalho infantil; Programas de complementação da renda familiar associados

à contrapartida da retirada da criança do mercado de trabalho e da sua manutenção na escola,

além de iniciativas na área educacional - jornada complementar – e de assistência social as

famílias. Ações dessa modalidade podem ser representadas pelo Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI), Programas Municipais e Estaduais de Bolsa-Escola e Programas de

Garantia de Renda Mínima Familiar.

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI

Este Programa, implantado no país desde 1992, e prorrogado até o ano 2006, constitui a linha

mestra do governo federal para determinar diretrizes e orientar as ações de prevenção e contenção

ao trabalho precoce. Este Programa é coordenado no âmbito do Ministério do Trabalho pela

Secretaria de Fiscalização do Trabalho - SEFIT, desenvolvendo ações em parceria com órgãos

governamentais, ONGs, centrais sindicais e entidades empresariais. O Programa de Erradicação

do Trabalho Infantil da Secretaria de Assistência Social / MPAS, teve início em 1996, com a

primeira experiência piloto nas carvoarias do Mato Grosso do Sul. Após a implantação inicial do

Programa no Estado do Mato Grosso do Sul, foram contemplados outros 11 estados por meio de

diversas atividades laborais nas zonas rurais8, além de ser estendido para atender crianças e

adolescentes residentes nas áreas urbanas, prioritariamente as que trabalham nos lixões.

(BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social/Secretaria de Estado de Assistência

Social, 2000)

8 Em 1997, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) foi implantado nos canaviais de Pernambuco e na

região sisaleira do Estado da Bahia. Em 1998, foi estendido para a região citrícola de Sergipe, para o garimpo Bom

Futuro, no município de Ariquemes no Estado de Rondônia e para os canaviais do litoral fluminense no Rio de

Janeiro. Em 1999, o Programa foi implantado em diversas atividades nos Estados do Pará, Santa Catarina, Rio

Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Espírito Santo e foi expandido nos Estados de Pernambuco, Bahia e Mato

Grosso do Sul.

22

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) tem o objetivo de apoiar e fomentar

iniciativas governamentais e não-governamentais neste campo, em particular na zona rural.

Focaliza famílias com renda per capita de até ½ salário mínimo, com crianças e adolescentes de

7 a 14 anos trabalhando em atividades consideradas perigosas, insalubres, penosas, ou perigosas,

residentes em áreas urbana ou rural. A intervenção é priorizada, visando restringir a oferta de

trabalhadores infantis, por meio de ações educacionais, entre as quais destacam-se: i)

complementação da renda familiar através de bolsa de estudo mensal (Bolsa Criança Cidadã), a

fim de possibilitar o acesso, a permanência e o êxito na escola de crianças e adolescentes; e ii)

realização de atividades complementares à jornada de ensino regular (Jornada Ampliada). Além

disso, comporta o tipo de ação Sensibilização e Mobilização, fomentando o envolvimento das

famílias beneficiadas com a comunidade e com a escola, e aplica embrionariamente a abordagem

integral promovendo também o emprego adulto por meio de iniciativas de qualificação

profissional e de geração de trabalho e renda. O período de duração do benefício é de 2 anos,

podendo ser renovado, no máximo, por mais 2, contados a partir do acesso da família aos

programas de geração de trabalho e renda. Os critérios de permanência da família no programa

são: retirada de todos os filhos menores de 16 anos de atividades laborais; manutenção de todos

os filhos da faixa etária de 7 a 14 anos na escola; apoio à manutenção dos filhos nas atividades da

jornada ampliada; participação nas atividades sócio-educativas; e participação nos programas e

projetos de qualificação profissional e de geração de trabalho e renda.

As linhas de ações do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) são definidas a partir

do PAI - Plano de Ações Integradas, documento que determina as prioridades, responsabilidades

dos parceiros, cronograma de execução e formas de articulação com as instituições e entidades

participantes, a partir da identificação das causas e conseqüências do trabalho infantil. As etapas

de desenvolvimento dos projetos no âmbito deste Programa compreendem a operacionalização

dos critérios para selecionar as famílias e dos mecanismos de controle e de desembolso.

Conforme informações disponibilizadas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social a

partir do ano de 1998 há uma expansão considerável do número de municípios atendidos assim

como diversificação das atividades econômicas focalizadas para o combate do trabalho infantil.

No segundo semestre de 2000 há uma reformulação do programa com vistas à expansão do

atendimento a crianças e adolescentes nos estados já contemplados além da inclusão dos

municípios mais pobres objeto da ação do Projeto Alvorada no combate a pobreza. No final de

2001 o número de municípios atendidos pelo programa era de 2.152, perfazendo um total de

441.233 crianças e adolescentes atendidas. Há uma forte concentração dos recursos e, portanto,

do público atendido nos estados do nordeste brasileiro. Do total de municípios atendidos 76,0%

estavam no nordeste, consumindo 60,9% dos recursos destinados à Bolsa Escola e a Jornada

Ampliada. Quanto à distribuição do público segundo os estados, Bahia e Pernambuco congregam

214.353 crianças, ou 48,6% do total dos meninos e meninas atendidas pelo Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil (Tabelas de 4 a 6).

23

TABELA 4

ATENDIMENTO DO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

ANO Nº MUNICÍPIOS Nº CRIANÇAS E ADOLESCENTES

1996 17 3.710

1997 48 37.025

1998 140 117.200

1999 166 130.431

FONTE: SEAS/MPAS

24

TABELA 5

ATENDIMENTO DO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL - 1996 - 1999

ESTADOS ANO ATIVIDADES Nº

MUNICÍPIOS

Nº CRIANÇAS E

ADOLESCENTES

Mato Grosso do Sul

1996 Carvoarias e Erva Mate 14 1.500

1997 Carvoarias e Erva Mate 30 2.100

1998

Carvoarias, Erva Mate, Olarias, Serrarias,

Colheita de Algodão e Braquiária, Catador

de Iscas e "Lixo"

49 5.315

1999

Carvoarias, Erva Mate, Olarias, Serrarias,

Colheita de Algodão e Braquiária, Catador

de Iscas e "Lixo"

48 5.315

Pernambuco

1996 Canaviais 3 2.210

1997 Canaviais 13 26.649

1998 Canaviais 50 68.872

1999 Canaviais, Casas de Farinha e

Hortifruticultura 66 73.126

Bahia

1997 Pedreiras e Beneficiamento de Sisal 5 8.276

1998 Pedreiras e Beneficiamento de Sisal 17 30.000

1999 Pedreiras e Beneficiamento de Sisal 17 30.000

Sergipe 1998 Citricultura e Pedreiras 14 8.000

1999 Citricultura e Pedreiras 14 8.200

Paraíba 1999 Canaviais e Beneficiamento de Sisal 4 3.000

Rondônia (Ariquemes) 1998 Garimpo 1 263

1999 Garimpo 1 263

Rio de Janeiro 1998 Canaviais, Citricultura e Olericultura 8 4.450

1999 Canaviais, Citricultura e Olericultura 8 4.450

São Paulo (Franca) 1998 Manufatura de Calçados 1 300

Pará (Abaetetuba) 1999 Olarias 1 1.109

Maranhão 1999

Quebra de Coco, Garimpo, Olaria,

Cerâmica, Carvoaria, Corte de Cana e

Seringueiro e Serraria

3 2.000

Alagoas (Arapiraca) 1999 Cultura Fumageira 1 2.268

Rio Grande do Norte 1999 Casas de Farinha e Tecelagem 3 700

25

TABELA 6

ATENDIMENTO DO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL - 2001

UF

Nº de

Municípios Proj.

Alv.

Nº de crianças

Proj.Alv.

Total Bolsa

Mensal (R$)

Total Jornada

Mensal (R$) Total Geral

AL 90 23.194 590.350 456.880 1.047.230

BA 75 113.205 3.536.500 2.567.950 6.104.450

CE 49 9.282 240.675 186.600 427.275

MA 127 50.809 1.539.040 1.128.030 2.667.070

PB 33 17.280 504.025 342.720 846.745

PE 116 101.148 3.041.175 2.382.140 5.423.315

PI 186 17.638 492.450 349.960 842.410

RN 126 31.177 1.149.625 720.940 1.870.565

SE 72 33.410 1.128.520 645.020 1.773.540

Total NE 874 397.143 12.222.360 8.780.240 21.002.600

Total 1.150 441.233 20.852.775 13.611.480 34.464.255

FONTE: SEAS/MPAS

Apesar do significativo incremento do número de municípios contemplados pelo Programa De

Erradicação Do Trabalho Infantil (PETI) entre os anos de 1996 e 2001 verifica-se que os

programas de combate ao trabalho infantil vêm atacando basicamente as suas formas mais

perversas com grande concentração no meio rural. Ainda que a prioridade de erradicação das

formas de trabalho penosas, degradantes e/ou perigosas seja indiscutível, o programa deixa

implícita a aceitação de que existem formas de trabalho toleráveis para as crianças e adolescentes.

Desta forma faz-se urgente a necessidade de ampliação de políticas sociais para todos as crianças

e adolescentes na situação de trabalho, estendo a ação governamental para as áreas urbanas, onde

as iniciativas orientadas para o combate ao trabalho infantil ainda possuem um caráter restrito.

Outro fator de destaque é o descompasso entre a legislação, que proíbe o trabalho para

adolescentes com menos de 16 anos, e o limite de idade da criança (14 anos) para a sua inclusão

no programa.

Bolsa-Escola Federal

Este é um programa de complementação da renda familiar associado à manutenção da criança na

escola e surge como um desdobramento do Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM)

implantado em 1998. Com início em 13 de fevereiro de 2001 através da Medida Provisória Nº

2.1409 tem como base as experiências registradas em Campinas (SP), Distrito Federal (DF) e

Ribeirão Preto (SP). O Programa é gerenciado, no âmbito do Ministério da Educação, pela

9 A MP que criou o Bolsa-Escola foi sancionada pelo presidente da República por meio da Lei Nº 10.219, de 11 de

abril de 2001.

26

Secretaria do Programa Nacional de Bolsa Escola (SPNBE), com recursos provenientes do Fundo

de Combate e Erradicação da Pobreza.

Política nacional de combate à pobreza, o Bolsa-Escola tem como objetivo aliar renda mínima à

melhoria educacional, incentivando famílias de baixa renda a manter seus filhos na escola,

diminuindo a repetência e evasão escolar. O público alvo do programa são as famílias com renda

mensal per capita inferior a meio salário mínimo, com filhos ou dependentes entre 6 e 15 anos. O

Programa Bolsa-Escola consiste no pagamento de até R$ 45,00 a cada família carente que

mantiver suas crianças matriculadas na escola. A família recebe R$ 15,00 por mês para cada

filho, podendo ser atendidas até 3 crianças de uma mesma família. O pagamento da Bolsa-Escola

às famílias está condicionado a uma freqüência mínima de 85% às aulas, que é avaliada a cada

três meses. Cabe ressaltar que não são contempladas pelo programa as crianças já inscritas no

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

Participam do programa os municípios que têm os mais baixos Índices de Desenvolvimento

Humano – IDH - e que são objeto das ações do Programa de Distribuição de Cestas Básicas do

Comunidade Solidária e do Projeto Alvorada que tem como objetivo promover ações de apoio

aos membros adultos das famílias das crianças. Para se habilitar a prefeitura interessada tem que

formalizar a adesão ao Bolsa-Escola, após o cadastramento das famílias residentes no município

que tenham direito ao benefício segundo os critérios acima identificados. Conforme as

informações disponibilizadas pelo Ministério da Educação, em 2001, O Bolsa –Escola já foi

implantado em 98% dos municípios brasileiros, ou cerca de 5.470 municípios. Os Estados do

Ceará, Espírito Santo, Goiás, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, têm

cobertura total do programa.O Programa oferece benefícios para 8,3 milhões de crianças, ou 4,8

milhões de famílias. E ao longo do exercício foram transferidos R$ 409.860.400,00 em

benefícios (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2001).

O Bolsa-Escola destina-se a famílias vulnerabilizadas pela pobreza e exclusão social e adota

como estratégia a concessão de uma complementação do rendimento daquelas famílias que

mantiverem suas crianças matriculadas na escola, buscando, desta forma, compensar a perda

financeira decorrente da retirada da criança do trabalho. A análise mais aprofundada da

concepção e diretrizes do Programa Bolsa-Escola sugere, no entanto, alguns caminhos

adaptativos das ações até então adotadas. Inicialmente deve-se destacar que a maior freqüência a

escola não resulta necessariamente na retirada da criança do mercado de trabalho. Diversos

estudos sobre trabalho infantil ressaltam que o exercício de atividades remuneradas ou não,

dentro ou fora do domicílio, convivem com a freqüência das crianças a escola, tendo como

principal resultado a inadequação entre faixa etária e nível de escolaridade para as crianças que

trabalham e estudam. Nesse sentido, os esforços de erradicação do trabalho infantil devem estar

associados a políticas mais amplas de acompanhamento das famílias atendidas pelo Bolsa-Escola,

com avaliação da qualidade e resultados da formação das crianças, estimulando ações que visem

não apenas a freqüência, mas o sucesso escolar.

Por outro lado, apesar do crescimento da matricula no ensino fundamental e da melhoria de

alguns indicadores do desempenho escolar das crianças, a precariedade do serviço de educação

oferecido aos mais pobres se reflete negativamente nas taxas de aprovação, reprovação e

abandono escolar. O crescimento da demanda pela escola colocou em evidência as suas precárias

condições, mostrando a urgência do aumento do número de estabelecimentos e vagas e de uma

melhoria da qualidade do ensino. Considerando que a evasão escolar e a opção pelo trabalho

estão em grande medida relacionadas à não acessibilidade e a deterioração dos serviços públicos

27

de educação no Brasil, ao programa falta articulação com ações efetivas de melhoria das

condições de acesso e permanência na escola das camadas sociais mais afetadas pela pobreza. A

queda da atratividade da escola deve-se tanto a defasagem e inadequação dos currículos

escolares, quanto a insatisfação ou à desilusão com o sistema educacional, constituindo um dos

fatores determinantes do abandono escolar, principalmente entre os jovens acima de 16 anos, que

na ausência de outras alternativas tendem a voltar ao exercício de atividades precárias no

mercado de trabalho. Dessa forma, a inserção no mercado de trabalho está também associada a

um sistema educacional mal estruturado e de baixa qualidade, situação determinada dentre outros

fatores pelos recursos materiais reduzidos, profissionais despreparados e desmotivados, baixos

salários e pouco ou nenhum investimento em treinamento. A ampliação e a melhoria do sistema

educacional com uma construção de uma proposta pedagógica adequada configura-se, portanto,

em uma das alternativas mais eficazes para conter o fluxo de crianças ao mercado de trabalho.

Além da educação formal de boa qualidade é importante atentar para a necessidade de articular

programas sócio-educativos complementares à escola, orientados para a socialização e aceleração

da aprendizagem das crianças.

Adicionalmente, as fraquezas do programa estão relacionadas ao baixo valor do benefício frente

aos ganhos das crianças, quando inseridas no mercado de trabalho, além da limitada capacidade

de atendimento. O que o programa paga (R$15 por criança) é considerado pouco, visto que as

crianças, quando remuneradas, conseguem mais do que isso ao trabalhar o mês inteiro. Conforme

os dados da PNAD para o ano de 1999, no Brasil, o rendimento médio mensal individual das

crianças de 10 a 14 anos era de R$ 43. Considerando apenas o nordeste do Brasil este rendimento

cai par R$ 28, maior, no entanto, que o valor disponibilizado para as famílias cadastradas no

Bolsa Escola. Cabe ressaltar, no entanto, que 41,2% das crianças ocupadas não possuem

rendimento, o que sugere a sua inserção em atividades realizadas pelo grupo familiar,

principalmente no meio rural. Aliado a inexistência de instrumentos de controle e fiscalização,

junto às famílias, da efetiva retirada da criança da atividade laboral, o que provavelmente irá

prejudicar o seu desempenho escolar, estes são elementos que dificultam a realização dos

objetivos.

Por fim, não há vinculação do Bolsa-Escola Federal com programas de geração de oportunidades

ocupacionais para os demais membros da família. Uma das alternativas seria aproveitar o

cadastramento no Bolsa-Escola, para automaticamente inscrever as famílias nos programas de

geração de emprego e renda disponíveis em cada município. Diante da pobreza das famílias que

ocupam as suas crianças em atividades precárias e de baixo nível de remuneração, o combate ao

trabalho infantil passa necessariamente pela viabilização da sobrevivência das famílias a partir da

implementação e expansão de ações e experiências voltadas para a geração de trabalho e renda,

possibilitando a maior autonomia e emancipação destas, sem a qual dificilmente poderão

prescindir da colaboração dos seus filhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diretrizes e programas para a formação profissional foram tradicionalmente os principais

instrumentos da política pública brasileira para tratar o fenômeno do trabalho precoce no Brasil.

Essa formulação e suas ações respondiam aos padrões culturais e de comportamentos no país que

constroem, conforme exposto anteriormente, uma representação no imaginário social positiva acerca

28

do trabalho de crianças e adolescentes. A partir da década de 1980, adicionou-se aos programas de

política pública, programas de geração de emprego e renda visando o fortalecimento econômico

das famílias mais pobres e a contenção do trabalho infantil. Mais recentemente, a partir da

década de 1990, erradicar o trabalho infantil e proteger o trabalho do adolescente alcançaram

maior prioridade na agenda das políticas públicas em todos os níveis de governo. As mudanças

observadas são aderentes às diretrizes internacionais suscitadas pelas experiências da política

pública neste campo em diferentes países. Ademais, essas novas práticas são consoantes com as

convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o país e

membro e signatário de todas as convenções relacionadas ao tema.

A contenção e a proteção ao trabalho infantil e do adolescente estão sendo abordadas no Brasil

sob vários ângulos: pobreza das famílias, formas de trabalho da criança e do adolescente,

seguridade social e ampliação e reformulação do sistema educacional. Esse enfoque foi

corroborado por mudanças jurídicas por meio da aprovação de leis e pela criação de espaços

institucionais de mediação entre a sociedade civil e o estado, assim como, os programas e as

ações foram formulados de maneira mais integrada e com maior participação da sociedade civil,

observando-se, no entanto, necessidade de maior controle e fiscalização do cumprimento dos

dispositivos legais sobre trabalho infantil e uma responsabilização jurídica efetiva dos infratores:

das atividades econômicas que empregam trabalho infanto-juvenil e daquelas que adquirem

produtos ou serviços produzidos com essa modalidade de mão-de-obra.

As políticas de erradicação do trabalho infantil no Brasil focam principalmente as suas formas

perigosas, insalubres, penosas ou degradantes, ou aqueles que retiram da criança e do adolescente

a oportunidade de se desenvolverem de forma integral, de estudarem e de exercerem sua

cidadania. O trabalho infantil de alto risco, conforme visto anteriormente, distribui-se em todas as

regiões do Brasil, com maior intensidade naquelas mais pobres. De acordo com a atuação do

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), as ações centram-se, nas atividades que

foram diagnosticadas como maior absorvedoras desta mão-de-obra. Destaca-se, desta forma, a

insuficiência de políticas para o combate ao trabalho infantil que vem atacando basicamente as

suas formas mais perversas concentradas nas áreas rurais. É urgente amplia-los e estende-los às

áreas urbanas onde as iniciativas orientadas para este combate têm um caráter restrito, a exemplo

dos programas de renda mínima e bolsa-escola. Por outro lado, no que tange ao Programa Bolsa-

Escola, verifica-se a necessidade de ampliação da educação formal de qualidade, que atenda às

necessidades efetivas das crianças mais pobres e a oferta de programas sócio-educativos

articulados e complementares à escola. A ampliação da jornada escolar para período integral, ou

para um período mínimo de 06 horas, inibiria o trabalho infantil e promoveria maiores

oportunidades para o desenvolvimento das crianças e jovens. Além disso, a efetivação de projetos

de desenvolvimento local, em sintonia com o sistema público de emprego, que promovam

oportunidade de emprego e renda para as famílias em áreas economicamente deprimidas e/ou

com alta prevalência de desemprego pode vir a criar mudanças de comportamento para as futuras

gerações.

Por fim é importante destacar dois fatos. O primeiro é que em vários setores econômicos onde há

incidência de trabalho infantil, essa utilização de mão-de-obra também pode ser caracterizada

como trabalho forçado, infringindo dois Princípios dos Direitos Fundamentais no Trabalho. O

segundo é que essas atividades econômicas, muitas vezes encontram-se encadeados com

atividades exportadoras, o que pode promover no médio prazo restrições às exportações

29

brasileiras, seja por parte dos consumidores dos países industrializados, como decorrentes de

acordos multilaterais e/ou bilaterais de comércio. A agroindústria – canaviais, citricultura,

hortifruticultura em geral e fumo, a indústria manufatureira – couro em geral, e calçados em

particular, cerâmica, vidro e móveis – encontram-se entre as atividades econômicas que utilizam

mão-de-obra infanto-juvenil. Assim, a construção de uma economia competidora em nível

mundial exige a manutenção de medidas políticas, econômicas e sociais consistentes e seu

aperfeiçoamento contínuo, de tal forma a superar o desafio de erradicar o trabalho infantil no

Brasil.

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