Trabalho de Literatura Brasileira Cruz e Sousa
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCODEPARTAMENTO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANASLICENCIATURA PLENA EM LETRAS PORTUGUÊS-ESPANHOL
LITERATURA BRASILEIRA E MODERNIDADE DO SÉC. XIX AO MODERNISMO
Débora Almeida de Morais
Análise do poema Antífona, do escritor simbolista Cruz e Sousa
Recife/PE
2014
O presente texto tem por objetivo principal analisar interpretativamente o poema
Antífona, do poeta simbolista Cruz e Sousa. No intento de tornar a análise mais
consistente, um breve panorama da estética simbolista será apresentado, bem como uma
também breve apresentação do autor em si.
Por volta da década de 80 do século XIX, floresceu na França o que viria a
chamar-se Simbolismo – inicialmente, decadentismo, mas também já intitulado
impressionismo e nefelibatismo – que comumente é ligado à estética/escola Romântica
(devido a retomada de algumas elementos de sua tradição, sobretudo da segunda fase).
O Simbolismo gerou-se, tal e qual diz Afrânio Coutinho, “como uma reação contra a
fórmula estética parnasiana, que dominara a cena literária durante a década de 1870, ao
lado do Realismo e do Naturalismo, defendendo o impessoal, o objetivo, o gosto do
detalhe e da precisa representação da natureza [...]” (COUTINHO, 1980, p. 214), dessa
forma, o Simbolismo, devido a essa reação contraria, não possuía em si um método
fechado, estreitamente determinado, suas características, seu “credo estético” (como diz
Coutinho), foram o subjetivismo, a profusão de metáforas, comparações, aliterações,
assonâncias e sinestesias, a presença do místico e do religioso, o obsessivo interesse
pela mente humana, pela loucura, o pessimismo, o pessoal em lugar do impessoal
parnasiano, a sugestão e o vago ao objetivo, o misterioso e o ilógico. E, é claro, o
profundo interesse pela morte. “Como pregava Mallarmé, não se devia dar nome ao
objeto, nem mostrá-lo diretamente, mas sugeri-lo, evoca-lo pouco a pouco, processo
encantatório que caracteriza o símbolo.” (COUTINHO, 1980, p. ?). Charles Baudelaire
foi considerado o pai do simbolismo, somente a título de exemplificação do simbolismo
francês (muito mais por gosto pessoal) transcrevo trechos de uma de suas poesias:
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
E que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
Charlatão familiar das humanas insânias,
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
[...]
Pai adotivo que és dos que, furioso, o Mestre
O deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
ORAÇÃO
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
Do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
Seus ramos como um Templo novo se estender!
As Litanias de Satã – Charles Baudelaire.
Por se tratar de uma tradução, não é possível compreender o poema em toda sua
amplitude – parafraseando: não será possível estudar o original. Entrementes, como o
objetivo desse trabalho é analisar Antífona, e não As Litanias de Satã, não haverá
problemas. Ainda assim, é interessante observar no poema transcrito de Baudelaire
algumas das características supracitadas, como a ostensiva repetição de “Tem piedade, ó
Satã, desta longa miséria!” e as aliterações, com cada último fonema da última palavra
de cada verso sendo repetido no último fonema da última palavra do verso seguinte.
No Brasil, o Simbolismo tomou forma na década de 90 do mesmo século, XIX.
O público leitor era mínimo, uma vez que o analfabetismo fosse quase total. Não
existiam, à época, muitas editoras, e suas tiragens eram módicas, em geral publicando
autores já conhecidos. Eram nos jornais que as obras literárias tinham seu principal
meio de circulação, de acesso muito mais fácil e preço muito mais acessível. Despontou
aí, no jornal Folha Popular, o simbolismo, encabeçado por Cruz e Sousa. A estética
simbolista encontrou bastante oposição no Brasil, mas escritores como Emiliano
Perneta, Bernardino Lopes e Oscar Rosas, influenciados por estrangeiros como
Stéphane Mallarmé, Antônio Nobre, Camilo Pessanha e o supracitado Charles
Baudelaire, publicavam em periódicos cariocas, tal qual Cruz e Sousa, que foi o
responsável por, em 1893, publicar “Missal”, livro de poemas e prosa, e “Broquéis”,
poemas em versos, que iniciou de fato o movimento simbolista brasileiro.
É bom salientar que esse brevíssimo – e não totalmente esclarecedor – do
simbolismo, não totaliza o todo do movimento, sendo somente um modo de
contextualizar “Cruz e Sousa” e seu poema, “Antífona”, ao seu estilo. Passemos ao
autor.
João da Cruz e Sousa, catarinense de Florianópolis, era filho de escravos libertos
– negro, portanto – e foi amparado por uma família da aristocracia de Santa Catarina,
que lhe ajudaram nos estudos, recebendo esmerada formação secundária, aprendendo
francês, inglês, latim, grego, matemática e ciências naturais – era, à época, e também
hoje, o que se chama “negro-branco”, ou seja, indivíduos fecham os olhos para a cor,
então sinônimo de inferioridade. O racismo puro mascarado pela posição do indivíduo.
Com a morte de seu “padrinho”, larga os estudos e inicia trabalhos na imprensa
catarinense, onde publica textos pró-abolicionismo. Publica, em 1877, seus primeiros
versos. Cruz e Sousa realizou diversas conferências abolicionistas pelo Brasil, até o ano
de 1883. Chegou a ser nomeador promotor, no ano de 1884, mas não pôde assumir o
cargo em virtude de não ter sido aceito pelos políticos, pois era negro. Em 1890 passa a
residir no Rio de Janeiro, onde colabora em diversos periódicos, sobrevivendo disto.
Três anos depois, o poeta consegue um emprego como arquivista do sistema ferroviário
Central do Brasil, obtendo finalmente rendimento regular, casa-se então com Gavita
Rosa Gonçalves, tão negra e pobre quanto ele, com quem tem quatro filhos, e que no
futuro vem a manifestar problemas mentais. Cruz e Sousa morre aos 36 anos, vítima de
tuberculose. Suas únicas obras publicadas em vida são Missal e Broquéis, já citados.
Nos dias de hoje, Cruz e Sousa é para o Brasil o que Charles Baudelaire é para o
mundo. Quero dizer: no Brasil, Cruz e Sousa é o mais importante representando do
simbolismo. Entretanto, não foi sempre assim, sendo reconhecido somente post mortem.
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...
Antífona – Cruz e Sousa
Pode parecer ruim revelar, mas a primeira coisa que fiz ao iniciar a análise deste
poema foi carregar meu pesado Dicionário Aurélio e iniciar a busca pelo significado da
palavra antífona. Transcrevo-a, portanto: “1. Curto versículo recitado ou cantado pelo
celebrante, antes e depois de um salmo, e ao qual respondem alternadamente duas
metades do coro [...]” (FERREIRA, 2004, p. 149). Inicio, assim, sua análise.
Antífona é o poema que abre um dos únicos dois livros que Cruz e Sousa teve
tempo de publicar: Broquéis. Após leitura do poema e de outros textos complementares,
consigo compreender o motivo da escolha do mesmo: Antífona tem tudo. Quando digo
tudo me refiro, é claro, as características simbolistas (algumas já aqui mencionadas),
tais quais a metáfora; a sinestesia, como nos versos “Que brilhe a correção dos
alabastros/Sonoramente, luminosamente”, onde os advérbios sonoramente e
luminosamente manifestam a música (audição) e a cor (visão), respectivamente – que
brilhe sonoramente e luminosamente a correção dos alabastros; o subjetivismo, as
aliterações e assonâncias, como nos versos iniciais “Ó Formas alvas, brancas, Formas
claras/De luares, de neves, de neblinas!/Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... /Incensos
dos turíbulos das aras”, na ostensiva repetição das vogais /a/, /e/ e /o/ e da consoantes
/s/, ocasionando a musicalidade por conta da repetição da sílaba final de cada palavra
/as/, /es/ e /os/, quase como se o poema estivesse em movimento, isso ocorre, é claro,
em todo o poema, e ele acaba apresentando essa sensação de movimento, como se as
palavras dançassem ao serem declamadas.
Também está presente a característica obsessão pelo branco, já na primeira
estrofe. No entanto, há em antífona uma sucessão de cores, as palavras vão surgindo
remetendo as cores ou apresentando-as já, o branco em “Ó Formas alvas, brancas,
Formas claras/De luares, de neves, de neblinas!”; azul em “Do Sonho as mais azuis
diafaneidades”; amarelo em “Que o pólen de ouro dos mais finos astros”; preto em
“Flores negras do tédio e flores vagas” (note-se aqui a menção ao spleen, ao tédio); e
vermelho em “Fundas vermelhidões de velhas chagas/Em sangue, abertas, escorrendo
em rios...”. Aliás, os versos “Flores negras do tédio e flores vagas/De amores vãos,
tantálicos, doentios.../Fundas vermelhidões de velhas chagas/Em sangue, abertas,
escorrendo em rios...” muito me apetecem, pois segundo meu ponto de vista, esse trecho
está profundamente associado ao ser negro, ao ser escravo. Para mim, é uma metáfora
ao negro escrevo, aos negros que são flores doentes, onde fundas vermelhidões de
velhas chagas (negro que apanhou no tronco) ainda são visíveis, ainda não estão curadas
e sangram sem tratamento adequado.
Tão interessante quanto, é a presença de outro poema dentro do poema, se forem
consideradas somente as palavras em maiúsculo. No projeto do enredo, vemos a
apresentação de elementos tais como a morte, a transcendência espiritual, o mistério,
atenção à cor branca, a escravidão e a angústia. Segundo meu ponto de vista, Antífona é
um belo poema quando compreendido, não pode de maneira alguma ser apresentado a
estudantes de ensino médio simplesmente como qualquer poema, pois pelo menos para
mim o entendimento inicial não foi de fácil acesso. Ademais, o reconhecimento da
presença do ser escravo, do ser negro, muito me fascina, pois muito me agrada – talvez,
é claro, por minha clara preferência ao romantismo.
Referências
Afrânio Coutinho. Introdução à literatura no Brasil. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
Simbolismo. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3841. Acesso em: 28/12/2013.
Simbolismo. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=definicoes_texto&cd_verbete=12154&lst_palavras=. Acesso em: 28/12/2013.
As Litanias de Satã. Disponível em: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/charles17.htm. Acesso em: 28/12/2013.
O Simbolismo no Brasil. Disponível em: http://linguaberta.blogspot.com.br/2011/11/o-simbolismo-no-brasil.html. Acesso em: 28/12/2013.
Sousa, Cruz e (1861 - 1898). Disnível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=biografias_texto&cd_verbete=5119&cd_item=35. Acesso em: 04/01/2014.
Antífona. Disponível em: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/antifona.htm. Acesso em: 04/01/2014.
ANTÍFONA E SONATA: POR UMA POÉTICA COMPOSICIONAL EM PAISAGEM SONORA. Disponível em: http://www.revistas.sp.senac.br/index.php/ic/article/viewFile/206/204. Acesso em: 04/01/2014.