Trabalho Prestadores Informais

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Prestadores de Cuidados Informais INTRODUÇÃO A família é ainda hoje desvalorizada como recurso terapêutico natural na doença, sendo que deste modo, muitas delas se sentem postas de parte, ou até mesmo esquecidas pelos serviços de saúde, no que concerne às suas próprias necessidades (Pereira & Mateos, 2006). Deste modo, falando especificamente na família como prestadora de cuidados a idosos com saúde mental deficitária, poder-se-á constatar que os danos causados nas mesmas se devem em grande escala às insuficiências de apoio. A população idosa em Portugal, população com idades compreendidas entre os 65 e mais anos, representa cerca de 14, 7% da população total, sendo que esta tem tendência a aumentar de ano para ano. Deste modo, é toda esta população que suscita maiores preocupações, nomeadamente no que dirá respeito à área dos cuidados de saúde. Assim, surge a problemática da prestação de cuidados a idosos, que na sua maioria recai sobre os seus familiares. Com efeito, cerca de 80% dos cuidados a idosos são prestados por familiares e vizinhos dos mesmos (Brito, 2002). Assim, este trabalho visa especificamente todo o processo de prestação de cuidados a idosos, bem como todos os aspectos que dizem respeito à saúde mental dos cuidadores, como consequência do cuidado prestado. O presente trabalho encontra-se estruturado de forma a tornar mais perceptível todo o processo que envolve a 4

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INTRODUÇÃO

A família é ainda hoje desvalorizada como recurso terapêutico natural na doença,

sendo que deste modo, muitas delas se sentem postas de parte, ou até mesmo esquecidas pelos

serviços de saúde, no que concerne às suas próprias necessidades (Pereira & Mateos, 2006).

Deste modo, falando especificamente na família como prestadora de cuidados a idosos

com saúde mental deficitária, poder-se-á constatar que os danos causados nas mesmas se

devem em grande escala às insuficiências de apoio.

A população idosa em Portugal, população com idades compreendidas entre os 65 e

mais anos, representa cerca de 14, 7% da população total, sendo que esta tem tendência a

aumentar de ano para ano. Deste modo, é toda esta população que suscita maiores

preocupações, nomeadamente no que dirá respeito à área dos cuidados de saúde. Assim, surge

a problemática da prestação de cuidados a idosos, que na sua maioria recai sobre os seus

familiares. Com efeito, cerca de 80% dos cuidados a idosos são prestados por familiares e

vizinhos dos mesmos (Brito, 2002).

Assim, este trabalho visa especificamente todo o processo de prestação de cuidados a

idosos, bem como todos os aspectos que dizem respeito à saúde mental dos cuidadores, como

consequência do cuidado prestado.

O presente trabalho encontra-se estruturado de forma a tornar mais perceptível todo o

processo que envolve a prestação informal de cuidados a idosos demenciados, tendo-se

iniciado com a definição de cuidador informal e diferentes tipos, seguindo-se o processo de

prestação de cuidados, a sobrecarga da mesma e por fim a saúde mental dos cuidadores

informais.

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1. CUIDADORES INFORMAIS: QUEM SÃO?

A palavra “cuidado” deriva do latim cogitare, que significa imaginar, pensar, reflectir,

ter cuidado consigo mesmo e com a sua saúde e aparência. Este termo refere-se à atenção,

protecção, preocupação, cautela, responsabilidade, bem como a atitudes e sentimentos que

podem conduzir a uma relação entre as pessoas, ou seja, a práticas e acções sociais,

comandadas por representações simbólicas acerca da solidariedade (Oliveira, 2005).

Segundo Honoré (2004) cuidar é a noção de se ocupar de alguém na situação em que

se encontra de acordo com uma certa ideia do que é melhor para ele. Traduz uma forma de se

ocupar por alguém, tendo em atenção o que é terminante para que ele realmente exista

segundo a sua própria natureza, ou seja, segundo as suas necessidades, desejos, os seus

projectos. Assim sendo, o autor designa o termo cuidar como dizendo respeito à preocupação

com aquilo que os homens têm necessidade para poder viver a sua vida, ou seja, para existir

na humanidade.

Deste modo, abordar-se-á a perspectiva do cuidado a idosos, nomeadamente em estado

demencial. Assim sendo, cuidar, na perspectiva de Costa (1998) consiste em descobrir com a

pessoa, especificamente os idosos, tendo em atenção as suas condições, vivências e

expectativas, a forma de realização das necessidades afectadas, a partir das suas capacidades e

recursos. No idoso demente, o cuidar consiste em definir junto do idoso, quais as condições e

critérios que lhe permitirão viver de um modo melhor e com a dignidade a que tem direito.

1.1. DEFINIÇÃO

A prestação de cuidados a idosos inclui muito mais do que os aspectos instrumentais e

físicos, como a alimentação, a higiene, a mobilidade e a medicação, que normalmente são

considerados e medidos. Brown & Stetz (1999, cit. por Brito, 2001) consideram que a

prestação de cuidados requer um esforço contínuo tanto ao nível cognitivo, como emocional

bem como físico que muitas vezes não é reconhecido e inadequadamente recompensado.

O conceito de cuidado informal tem vindo a ganhar relevo na literatura e na

Gerontologia. Este cuidado diz respeito a elementos da rede social do idoso, como os

familiares, amigos, vizinhos, entre outros, que lhes prestam cuidados regulares, não

remunerados, na ausência de um vínculo formal ou regulamentar. Este tipo de cuidadores

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merece um maior relevo na medida em que são cuidadores em grande número, assumindo um

papel a longo prazo e exercendo diversificados níveis/tipos de cuidado (Sousa, Figueiredo &

Cerqueira, 2004).

Domínguez-Alcón (1997, p. 467, cit. por Imaginário, s/d, p. 76) define a prestação

informal de cuidados como “a assistência proporcionada pela família pelos amigos, ou pelos

vizinhos a pessoa com necessidade de cuidados instrumental, ou pessoal, nas actividades de

vida quotidiana […] trata-se de uma fonte de cuidados não remunerados, para que as

pessoas idosas em situação de fragilidade ou dependência, as pessoas incapacitadas ou

outros grupos continuem a viver no seu lar, ou na comunidade e não sejam

institucionalizados”.

O processo de prestação de cuidados será então um processo complexo e dinâmico,

caracterizado por constantes variações no tempo, de acordo com as necessidades e

sentimentos do idoso e do seu cuidador, em função da própria evolução da doença e da

situação de dependência, do contexto familiar e da fase do ciclo familiar, das redes de apoio

social, dos sistemas de crenças e, fundamentalmente, de como o prestador de cuidados

percepciona todos esses factores (Nolan et al., 1996, cit. por Brito, 2001).

1.1.1. Conceito de Família

A família não é meramente uma soma dos seus elementos constituintes, esta implica

um conjunto de interacções, normas, regras e papeis, dependendo contudo, do tipo de

sociedade em que se encontra inserida. Assim sendo, a família constitui-se como um grupo

com valores, crenças, papéis e normas devidamente estruturados. Esta deve então assumir a

responsabilidade pelo apoio físico, emocional e social dos seus elementos constituintes

(Martinez, 1997).

De acordo com Sampaio & Gameiro (1985), a família é um grupo institucionalizado,

relativamente estável, que constitui uma importante base social. A família designa o conjunto

de elementos emocionalmente ligados, que compreende no mínimo três gerações. Os mesmos

autores consideram que podem fazer parte da mesma família os elementos não ligados por

laços sanguíneos, mas que no entanto são significativos no contexto relacional do indivíduo.

É na família que segundo Leme & Silva (2000, p. 93, cit. por Imaginário, 2002, p.72)

nasce e se partilha o compromisso, a estima, a comunicação, o convívio, a plenitude espiritual

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e a capacidade de enfrentar as tensões e crises, “em família valemos de modo incondicional

[…] independente da minha utilidade ou rentabilidade social, política, económica,

profissional…”. Através da convivência familiar, segundo o mesmo autor, aprende-se e

encontram-se os apoios para satisfazer as necessidades e dar resposta aos problemas.

Em suma, a família é definida como sendo o que reúne as condições de segurança

necessárias ao desenvolvimento ou à sobrevivência física e psíquica do indivíduo que entrou

em perda (Charazac, 2001).

A família é em Portugal e nos países do sul da Europa, o suporte a todos os que

necessitam de cuidados, sejam eles crianças, jovens, adultos ou idosos. A tradição portuguesa

atribui à família, e em especial aos elementos do sexo feminino, a responsabilidade de cuidar

dos elementos mais idosos e com laços mais próximos. Assim sendo, cuidar dos idosos surge

como sendo uma extensão dos papéis normais da família, o que adicionado à hostilidade

criada em torno das instituições, pressiona a família no sentido de manter esse papel (Gallo,

Busby-Withehead, Rabins, Silliman & Murphy, 2001).

1.2. A FAMÍLIA PRESTADORA DE CUIDADOS INFORMAIS

Com o aumento da esperança média de vida e o consequente aumento do número de

idosos, embora a maioria destes não seja doente nem dependente, o que é certo é que o

avançar da idade conduz à perda de autonomia o que faz com que parte deles necessite da

ajuda de terceiros para satisfazer as suas necessidades básicas. De acordo com Silva & Costa

(2000, p.15, cit. por Imaginário, s/d) “muitos dos idosos em função dos seus próprios

percursos de vida e de condição económica deficitária não dispõe de autonomia suficiente”

estando cada vez mais dependentes da prestação de cuidados que provém do seio familiar.

Segundo o mesmo autor durante longos anos, a prestação de cuidados não era vista

como uma profissão, esta dizia apenas respeito a qualquer pessoa que ajudava outra nas suas

necessidades mais básicas. Esta prestação centrava-se apenas e só, num acto de reciprocidade

em que as pessoas prestavam cuidados a outra preservando tudo no sentido de assegurar a

continuidade da vida dos homens. A necessidade de cuidados tem acompanhado a evolução

da humanidade e criado laços de interdependência entre as pessoas, sendo que a família é o

mais antigo e ainda o mais utilizado serviço de assistência à saúde no mundo.

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Desde sempre as famílias são reconhecidas como o principal contexto para a

promoção e manutenção da independência e da saúde dos seus membros, como a principal

entidade prestadora de cuidados em situações de dependência dos seus familiares e como a

instituição fundamental onde se desenrola a vida das pessoas que expressam e satisfazem a

maioria dos seus direitos, obrigações e necessidades, desde o nascimento até à morte. A

família foi e ainda continua a ser parte integrante da intervenção em saúde de todos os

contextos de assistência (Lage, 2005).

Na maior parte dos casos, os familiares encontram-se na primeira linha da prestação de

cuidados a idosos. Contudo, do conjunto de elementos da rede de apoio familiar, destaca-se

habitualmente uma pessoa, sobre a qual recaem as maiores responsabilidades e o maior

número de tarefas de apoio, a quem os Anglo-saxónicos designam de “carigiver”(Brito,

2001).

1.3. PADRÕES INFORMAIS DE CUIDADO

Tennstedt, Crawford & Mckinlay (1993) concebem o padrão de cuidado em termos da

compreensão sobre quem são as pessoas responsáveis pelo mesmo, quem recebe estes

cuidados e em que condições o mesmo se realiza. Os cuidadores informais enquanto pessoas

que desenvolvem as tarefas de cuidado, têm sido tradicionalmente identificados como um

grupo que se poderia caracterizar por abranger dois tipos diferentes de pessoas, de acordo com

o cuidado que prestam: cuidadores primários e secundários (Martín, 2005).

1.3.1. O Cuidado Informal Primário

O cuidador primário é designadamente o cuidador que realiza praticamente todo o

cuidado informal recebido pelo idoso dependente, tanto ao nível do transporte, como das lides

domésticas, à preparação da alimentação, lavagem das roupas, bem como cuidados pessoais e

financeiros. As ligações pessoais não explicam suficientemente a razão pela qual alguns

membros da família ocupam o papel de cuidador mais frequentemente que outros. Esta

selecção irá depender da experiência de vida e da estrutura das relações familiares. Contudo,

estudos demonstram que a coabitação é o factor mais importante que explica o padrão de

cuidado (Paúl, 2005).

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De acordo com Cooley (1989, cit. por Martín, 2005) os grupos primários

caracterizam-se pelos contactos cara-a-cara, pela continuidade da relação, pela afectividade, e

pelas relações não instrumentais e de papéis difusos. Cada tipo de grupo primário, seja ele

constituído pela família, vizinhos ou amigos, reveste-se de uma ou mais características

estruturais, que facilitam a resposta de ajuda a pessoas que dela necessitam para determinados

tipos de tarefas.

Neste tipo de cuidado primário é necessário ter em conta dois tipos de cuidado: o

emocional e o instrumental. O cuidado informal é influenciado pela relação familiar,

coabitação e necessidades da pessoa idosa. Assim, as exigências e as obrigações de cuidado

aumentam pela coabitação, enquanto que a qualidade da relação se vai deteriorando,

verificando-se deste modo, uma menor capacidade para o cuidado emocional (Martín, 2005).

1.3.2. O Cuidado Informal Secundário

O cuidador secundário é definido como sendo o cuidador que não tem a seu cargo, as

responsabilidades principais no cuidado, podendo identificar-se vários cuidados secundários

para uma mesma pessoa receptora dos mesmos. Estes apenas incrementam o tipo ou a

quantidade de ajuda que a pessoa dependente recebe (Martín, 2005).

Num estudo realizado por Tennstedt et col. (1989, cit. por Paúl, 2005) verificou-se que

os cuidadores secundários são na sua maioria do sexo feminino, embora com uma tendência

menos marcada, sendo mais novos, solteiros e empregados, havendo uma maior probabilidade

de encontrar genros, noras e netos a desempenhar o papel de cuidadores secundários.

Contudo, e no que diz respeito ao tipo de tarefas desempenhadas, verifica-se que estes

proporcionam a maior parte da ajuda nas tarefas menos instrumentais e intensivas, como o

apoio emocional, compras e transporte, e ainda ajudas menores relativas ao cuidado pessoal,

desempenhando uma menor quantidade de trabalho comparativamente aos cuidadores

primários. As motivações dos cuidadores secundários são derivadas do afecto e do sentido de

responsabilidade para com o cuidador primário e para com a pessoa dependente (Martín,

2005).

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2. TORNAR-SE CUIDADOR

A disposição e capacidade da família para assumir a responsabilidade a longo prazo

por familiares idosos depende de um conjunto de circunstâncias e motivações, sendo que

contudo, dentro da família, a prestação de cuidados não se reparte equitativamente por todos

os membros, uma vez que terá de existir um cuidador principal (Lage, 2005).

De acordo com estudos realizados pelo INSERSO (1995, cit. por Martín, 2005) sobre

o facto de se tornar cuidador, estes revelam que existe a percepção de que o cuidado constitui

um dever ou uma obrigação moral, independentemente da existência de um reconhecimento

moral, pelos serviços prestados ou de um agradecimento pessoal da pessoa beneficiada.

Deste modo, a iniciação no papel de cuidador familiar de um idoso, invulgarmente

decorrerá de um processo consciente e de livre escolha. Contudo, quando as alternativas ao

cuidado são escassas, o processo familiar que conduz à assunção do papel de cuidador

familiar surge através de um processo sub-reptício ou na sequência de uma acontecimento

inesperado. O primeiro deve-se a uma progressiva perda de autonomia, onde o cuidador inicia

o seu processo de prestação de cuidados mesmo sem se dar conta, e o segundo poderá

decorrer de uma doença ou acidente, resultando na aquisição de incapacidades repentinas,

viuvez ou abandono/morte do seu antigo cuidador (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 2004).

De acordo com Paúl & Fonseca (2005) a entrada na situação de apoio é um processo

mais progressivo sendo que o apoio se estabelece e vai aumentando com o decorrer do tempo,

consoante vai progredindo o nível de dependência do idoso cuidado.

As pessoas são habitualmente capazes de referir há quanto tempo começaram a cuidar

do seu familiar, mas já não conseguem estabelecer facilmente o momento em que elas

próprias pensam em si como cuidadoras, ou seja, a entrada subjectiva no papel de cuidador

pode ter um tempo diferente do começo objectivo da prestação de cuidados (Lages, 2005).

As motivações que levam um membro da família a tornar-se cuidador de um outro,

são para uns a crença de que se trata de uma responsabilidade moral, assumindo não quererem

sentir-se culpados um dia mais tarde, para outros, o cuidar de um familiar significa um

sentimento de dever cumprido, um acto de reciprocidade e para outros o reconhecimento

social e familiar (Imaginário, s/d).

Quando se trata de cônjuges verifica-se que a motivação para o cuidado passa pela

solidariedade conjugal vitalícia. O valor da solidariedade é igualmente relevante nos laços

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filiais, a gratidão sincera para com os pais sem envolver a noção de troca. A esta motivação

está fortemente associado o impacto do cristianismo nas raízes europeias. Existe contudo,

uma motivação, raramente assumida: a recompensa material, em que o cuidado surge como o

vislumbre de possíveis heranças. Uma outra motivação que surge como causa para a prestação

de cuidados informais prende-se com a preocupação de não recorrer a uma

institucionalização, pois existe maioritariamente uma depreciação generalizada em relação

aos lares, sendo esta a última e derradeira opção para muitas famílias (Sousa et al., 2004).

2.1. PROCESSO DE INICIAÇÃO

Bowers (1987, cit. por Imaginário, 2002) afirma que muito do trabalho de prestar

cuidados, uma vez que não manifesta comportamentos observáveis, não é visível até mesmo

para quem recebe esses cuidados. A prestação de cuidados inclui um conjunto de

componentes que visam a gestão do quotidiano e factores de ordem afectiva a fim de

contribuir para o nível de qualidade de vida do idoso dependente.

No processo de prestação de cuidados a familiares idosos há uma distinção do cuidar

destes, para o cuidar de crianças ou de pessoas mais jovens, uma vez que a pessoa que cuida

está consciente da situação de contínuo agravamento e degeneração do idoso, muitas vezes

antevendo o seu próprio futuro. A relação prévia com o idoso e a inversão de papéis que

frequentemente ocorre aumentam a probabilidade de conflitos. Raramente a responsabilidade

da prestação de cuidados é partilhada e invulgarmente esta decisão da prestação de cuidados é

uma escolha assumida (Paúl, 1997).

Também o facto de o começo do cuidado ser abrupto ou gradual, acontecer

paulatinamente à medida que idoso vai requerendo cuidados ou acontecer num estado mais

avançado da doença, parece condicionar decisivamente a identificação subjectiva do cuidador

com a aquisição do papel. Após o início do processo degenerativo do familiar idoso, o futuro

prestador de cuidados não tem consciência de que é o membro da família sobre o qual irá

recair o maior encargo, nem que essa situação se pode arrastar por muitos anos e que,

provavelmente, irá implicar um aumento progressivo da sua atenção (Lage, 2005).

De acordo com determinados autores, no momento de se definir quem assegurará a

prestação de cuidados, ocorrem dois movimentos simultâneos: um de envolvimento e um de

não-envolvimento, sendo que o compromisso com cada um desses lados irá depender da

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prevalência de outros dois factores: a proximidade física e a afectiva. Deste modo, a definição

do cuidador surge na relação dialéctica com a eleição dos não-cuidadores. Ao mesmo tempo

que um membro da família assume a responsabilidade da prestação de cuidados, os restantes

descartam-se. Assim, quanto mais o cuidador se envolve, mais os não-cuidadores se afastam,

levando a supor que, uma vez assumido, o cuidado é intransferível. Contudo, a

responsabilidade pelos cuidados não é uma opção, uma vez que o cuidador não toma essa

decisão, mas resvala nessa direcção (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 2004).

2.2. PERFIL DO CUIDADOR

Havendo ou não possibilidade de decidir acerca da assunção de cuidados a um idoso,

há um conjunto de factores que determinam as regras desse processo. Deste modo, quem terá

mais probabilidade de se tornar cuidador informal é: ao nível do parentesco, o cônjuge e os

filhos; em termos de género, os elementos do sexo feminino; segundo a proximidade física,

quem vive com a pessoa que requer os cuidados; de acordo com a proximidade afectiva, os

elementos com quem se mantém uma relação conjugal ou filial (Sousa, Figueiredo &

Cerqueira, 2004).

De acordo com investigações realizadas por Chappell et col.(1991, cit. por Martín,

2005) no que diz respeito ao apoio nas Actividades Instrumentais de Vida Diária, de entre os

indivíduos que estão casados, é o esposo o cuidador primário, enquanto nos que não estão

esse papel cabe à sua descendência, nomeadamente às filhas, cerca de 3,22 vezes mais e só

depois aos filhos. Depois dos filhos, em linha de prestação de cuidados surgem os

amigos/vizinhos que desempenham as funções de cuidadores, caso o idoso viva sozinho.

Contudo, caso estes não vivam sós, são geralmente os irmãos e as pessoas com quem

coabitam as que prestam a assistência.

Os esposos são os que estão mais adaptados ao papel de cuidador informal, devido às

características da sua relação, sendo que as razões que o conduzem ao cuidado se prendem

por: frequente contacto cara-a-cara; existência de laços maritais; um grau de afectividade

associado com a escolha do companheiro; a existência de um não limitado número de

comportamentos não instrumentais e de assistência e um modo difuso de orientação, que

envolve uma alta obrigação moral (Martín, 2005).

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No que diz respeito ao género, a preponderância do género feminino para o cuidado

informal pode ser explicada pelos factores sociodemográficos das populações cuidadas e por

uma tendência para obter consistência no género. Verifica-se também uma tendência dos pais

dependentes para serem assistidos por filhos do mesmo sexo, facto este, que se deve a uma

maior ligação intergeracional entre mães e filhas, já que as mães preferem que sejam as filhas

a cuidar delas porque têm uma história de relações mais íntimas e intensas. Contudo, se os

cuidadores forem varões há uma maior probabilidade de assistência aos pais que às mães

(Paúl, 2005).

Contudo, deve ter-se em linha de conta também o estatuto laboral, na medida em que

se um dos filhos se encontra desempregado, este assume o papel de cuidador, ao passo que se

todos os filhos estiverem empregados, darão o seu contributo apenas em horário pós-laboral

(Sousa et al., 2004)

Ainda segundo Rodriguez & Castiello (1995, cit. por Brito, 2001) a maioria dos

prestadores de cuidados são pessoas casadas, com idades compreendidas entre os 45 e os 69

anos, com um baixo nível de escolaridade, sem emprego remunerado e coabitando com o

idoso dependente.

2.3. TAREFAS DESEMPENHADAS

A prestação informal de cuidados é maioritariamente exercida por familiares e define-

se com base nas interacções entre um membro da família que ajuda outro, de maneira regular

e não remunerada, a realizar tarefas que são imprescindíveis para viver a sua vida

condignamente. Estas incluem as actividades instrumentais, tais como o transporte, tarefas

domésticas, gestão do dinheiro, e as actividades de cuidados pessoais, como o vestir-se,

alimentar-se, a higiene, entre outras. Contudo, por norma, apenas estas últimas são encaradas

como verdadeira prestação familiar de cuidados, pois reflectem um cuidado extraordinário, já

que excedem os limites do que é normativo para as responsabilidades familiares (Brito, 2001).

Contudo, Paúl (1997, cit. por Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 2004) definiu cinco

categorias de cuidados: antecipatórios, que incluem comportamentos ou decisões baseados na

antevisão das necessidades dos receptores de cuidados; preventivos, no sentido de evitar a

doença e as deteriorações física e mental; de supervisão, que se referem a um envolvimento

directo e activo que é habitualmente reconhecido como o olhar pelo idoso; instrumentais, que

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têm a ver com o fazer por, ou assistir de modo a manter a integridade física e o estado de

saúde; e protectores, que se prendem com a protecção relativa ao que não pode ser evitado e

tem a ver com as ameaças à auto-imagem, identidade e bem-estar emocional.

Estudos têm demonstrado que homens e mulheres prestam diferentes tipos de cuidado,

sendo que as mulheres são quem mais presta o suporte emocional, referido frequentemente

como uma das actividades mais comuns, bem como as actividades instrumentais. As mulheres

prestam cuidados pessoais e tarefas domésticas, enquanto que os homens participam mais em

tarefas relacionadas com o transporte do idoso e/ou gestão do dinheiro (Lage, 2005).

Ainda segundo o autor supracitado, no que concerne ao cuidado informal, mas desta

vez prestado pelos amigos e vizinhos, as tarefas de prestação de cuidadores centram-se mais

na companhia, compras e ajuda pontual em situações de emergência, isto apenas quando este

cuidador não tem a total responsabilidade dos cuidados.

Contudo, a prestação de cuidados e o tipo de tarefas que cabem a cada tipo de cuidado,

irão depender de factores ligados ao idoso, como o tipo e grau de dependência, a idade e a

disponibilidade do cuidador e a história passada e actual da relação entre o idoso e o cuidador

(Paúl, 1997).

2.3.1. Quantidade e necessidade do cuidado

Logicamente que a quantidade de cuidado que cada idoso carece, irá depender do tipo

e características da sua doença, ou seja, do grau de dependência. A necessidade de assistência

irá assim depender da deterioração cognitiva do idoso, da existência, ou não, de

comportamentos problemáticos, da dependência nas actividades da vida quotidiana e da

resistência. A intensidade do cuidado irá assim depender do número e tipo de tarefas

desenvolvidas pelo cuidador, pelo total de horas extras utilizadas no cuidado e pelos itens

relativos à impossibilidade de se deixar o doente sozinho (Martín, 2005).

Cuidar de idosos, especialmente de idosos demenciados requer uma maior supervisão,

ainda que estes possam ser capazes fisicamente.

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3. A SOBRECARGA NO DESEMPENHO DO PAPEL DE CUIDADOR

A sobrecarga familiar advinda do cuidado a um idoso demente, é reconhecida como

um problema de saúde pública: há cada vez menos cuidadores jovens para cada vez mais

idosos doentes, e as insuficiências de suporte social são uma realidade, principalmente nos

meios urbanos. Deste modo, os problemas das famílias vão-se traduzir em custos pessoais e

sociais elevadíssimos (Pereira & Mateos, 2006).

3.1. SOBRECARGA DO CUIDADO

O conceito de sobrecarga e de stress são conceitos multidimensionais, uma vez que há

uma sobrecarga decorrente das tarefas de cuidar do idoso e outra relativa à deslocação criada

noutros domínios da vida da pessoa (Paúl, 1997).

De acordo com o que fora supra citado e indo de encontro ao facto de a maior

sobrecarga da prestação de cuidados ficar a cargo dos elementos do sexo feminino, Brody

(1981, cit. por Pereira et al., 2006) utilizou a expressão “mulheres divididas”, em conflitos de

papéis uma vez que estas, enquanto cuidadoras de idosos, têm de cuidar tanto dos mais velhos

como dos mais novos, mantendo ao mesmo tempo obrigações ao nível doméstico e

profissional.

O termo sobrecarga familiar compreende as consequências negativas da experiência

de cuidar, distinguindo-se um componente objectivo, que resulta da conjugação entre a

exigência dos cuidados prestados e as consequências nas várias áreas da vida do cuidador, e

um outro subjectivo, que deriva das atitudes e respostas emocionais do cuidador à tarefa de

cuidar, ou seja, evoca a percepção do cuidador acerca da repercussão emocional das

exigências ou problemas associados à prestação de cuidados. As consequências para os

familiares de pessoas com demência são múltiplas, podendo preponderar a necessidade de

ajuda nas actividades da vida diária (Pereira et al., 2006).

Contudo, a sobrecarga nas famílias que prestam cuidados pressupõe dois momentos:

ao assumir o papel, a qualidade das relações passadas, a preparação, a avaliação e o apoio; e

no decurso da prestação dos cuidados a um idoso, devido às exigências imediatas da prestação

de cuidados e as exigências secundárias envolvendo os deslocamentos, os recursos pessoais e

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sociais para lidar com a situação, bem como a carga subjectiva, emocional, comportamental e

cognitiva (Paúl, 1997).

Proporcionar cuidados durante um longo período de tempo pode ser fisicamente

esgotante interferindo na saúde e bem-estar do cuidador. Nos cuidadores é frequente a

referência a cansaço físico e sensação de deterioração gradual do estado de saúde, que

descrevem como coincidindo com o início da “carreira” de cuidador. Estudos comprovam que

o sistema imunitário dos cuidadores é frágil comparando aos indivíduos não cuidadores.

Todavia, se o cuidador é idoso, provavelmente evidencia modificações inerentes ao processo

de senescência, sendo que os cônjuges que prestam cuidados se encontrem mais expostos a

problemas de saúde do que os descendentes (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 2004).

Relativamente à coabitação, esta variável de contexto frequentemente referenciada

como determinante no cuidado informal pode ser a causa ou consequência da ajuda.

Habitualmente, acresce o tempo de cuidado e restringe o tempo de lazer e vida social,

nomeadamente para as mulheres e filhos adultos residentes ainda na casa dos pais, bem como

para os cuidadores cônjuges (Lage, 2005).

No que diz respeito ao cuidador que tem uma actividade profissional, pode-se

considerar que o tempo despendido no trabalho pode acarretar efeitos benéficos, uma vez que

constitui um escape às tarefas de prestação de cuidado, ou efeitos nefastos, nomeadamente

pela dificuldade em conciliar obrigações inerentes aos cuidados e à actividade profissional.

Deste modo, ter uma profissão e prestar cuidados são actividades que podem entrar em

conflito directo, pois enquanto o cuidador se encontra no emprego preocupa-se com o bem-

estar dos seus familiares, por sua vez, as pressões relacionadas com o trabalho vão interferir

na prestação de cuidados. Estudos revelam que a tarefa de cuidar ao nível da actividade

profissional acarreta alterações como: alterações de horário de trabalho, sensação de

desempenho afectado, necessidade de falar, diminuição das horas de trabalho, interrupções,

atrasos, recusa de promoções e muitas vezes demissão. Esta situação traz também consigo

problemas ao nível financeiro, pelas despezas que o cuidado acarreta (Sousa et al., 2004).

As disrupções ao nível do clima familiar, são frequentemente o problema mais grave,

sobretudo se as capacidades da família em comunicar e se adaptar a sucessivos desafios,

forem insuficientes à partida. A deterioração da relação conjugal acompanha-se da sensação

de maior isolamento para o cuidador-marido ou mulher, pois o confidente habitual é ele

próprio fonte de mal-estar. O elemento cuidador deixa de ter tanto tempo e tanta

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Prestadores de Cuidados Informais

disponibilidade/atenção para os restantes elementos da família o que poderá conduzir a um

afastamento/isolamento e conflitos familiares (Pereira et al., 2006).

Cuidar de um idoso em situação de dependência exige muito tempo e dedicação,

acabando por se perder todo o espaço de lazer. O cuidador, geralmente deixa de ter tempo

para si, ou quando se decide a cuidar de si próprio ressurgem culpabilizações uma vez que

terá de deixar o idoso sem apoio. A redução do convívio social conduz a um decréscimo das

relações sociais e fragiliza as já existentes (Paúl, 1997).

Contudo além de todos os aspectos negativos existem também um conjunto de

aspectos positivos, como a gratificação, satisfação entre outros.

3.2. GRATIFICAÇÃO DO CUIDADO

Apesar das consequências negativas do cuidado, nem todos os cuidadores sofrem altos

níveis de stress. Embora exista uma clara evidência de que resultam benefícios do cuidado,

verifica-se contudo, que é uma área bem mais reduzida quando comparada com aquela que

descreve e caracteriza as consequências negativas. Estes benefícios passam pela recompensa,

gratificação, sentido de utilidade, satisfação, sentido de realização pessoal, desenvolvimento

de competências e habilidades para cuidar, benefícios para a família nas suas relações

familiares, expressões de apreciação e afecto, aprender com a experiência, amadurecimento e

crescimento pessoal (Lage, 2005).

Têm sido apontadas como as mais frequentes fontes de satisfação do prestador de

cuidados a manutenção da dignidade da pessoa idosa, ver a pessoa de quem se cuida bem

cuidada e feliz, bem como afastar a possibilidade de institucionalização. Estudos evidenciam

que uma melhoria do bem-estar do cuidador, um compromisso crescente com a relação de

cuidados, uma reduzida probabilidade de institucionalização, uma atitude positiva acerca do

futuro e estratégias de superação do stress, podem conduzir a uma maior satisfação e

consequente redução de stress no cuidador (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 2004).

3.3. NECESSIDADES DO CUIDADOR

Cuidar de um idoso que padece de demência tem sido reconhecido como a situação

mais difícil, uma vez que a pessoa vai perdendo a memória, a capacidade de raciocínio,

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Prestadores de Cuidados Informais

personalidade, autonomia e independência e retira à família um dos membros de forma

penosa. Para além das carências pessoais, sociais e médicas, a demência exige uma supervisão

constante das actividades diárias (Charazac, 2004).

Os cuidadores apresentam uma série de necessidades: materiais, como os recursos

financeiros, ajudas técnicas, utilização de serviços; emocionais, suporte emocional, grupos de

apoio; informativas, como realizar o cuidado, adaptações ambientais e arquitectónicas do

doente, entre outras. Contudo, as necessidades dos cuidadores vão depender do tipo e grau de

dependência, do seu estado de saúde, apoio no cuidado, situação de coabitação, poder

económico, isolamento social, entre outras (Sousa, Figueiredo, Cerqueira, 2004).

O cuidador informal necessita de apoios como os cuidados domiciliários de

enfermagem e higiene, apoio nas tarefas domésticas, bem como de material técnico adequado

como a cadeira de rodas, andarilho, a cama de hospital, entre outras que facilitam

consideravelmente as tarefas do cuidador. Tem igualmente necessidades económicas

nomeadamente para os cuidadores provenientes de camadas socio-económicas mais frágeis,

uma vez que toda a medicação e prestação de cuidado acarreta despesas elevadas, juntando ao

facto de a maioria dos idosos ter pensões deveras diminutas (Paúl, 1997).

De acordo com Sousa et al. (2004) os cuidadores revelam repetidamente carecer de

alguém com quem falar acerca das experiências, dificuldades e preocupações resultantes da

prestação de cuidados, deste modo, grupos de apoio poderiam assumir um papel

preponderante. Destaca-se também a necessidade de recompensa, isto é, a pessoa que dá e se

dedica precisa de se sentir valorizada e apreciada. Uma outra necessidade do cuidador

familiar, passa pela possibilidade de poder ser temporariamente dispensado das suas tarefas e

responsabilidades, adquirindo um espaço para cuidar de si. Contudo, e principalmente em

cuidadores que têm a seu cargo idosos demenciados, a necessidade passa por obter mais

informação acerca dos serviços disponíveis, subsídios, direitos, bem como necessidades de

formação e conhecimentos acerca da doença e da dependência.

3.4. IMPACTO DO CUIDADO NO IDOSO

A pessoa que recebe cuidados de um familiar, por norma, tende a ser do sexo

feminino, casada ou viúva e com filhos. Embora as mulheres tenham uma longevidade maior,

estas tornam-se mais susceptíveis de sofrer de doenças crónicas sendo estas as principais

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Prestadores de Cuidados Informais

causas de morte e incapacidade das mesmas. Relativamente à idade, a média de idade das

pessoas a necessitar de cuidados está entre os 67 e os 77, sendo que a maioria dos idosos

tendem a ser familiares próximos do cuidador (cônjuge, pai/mãe, sogro) (Sousa, Figueiredo &

Cerqueira, 2004).

Todavia, todos os estudos se têm debruçado particularmente sobre o impacto da

prestação de cuidados no cuidador, negligenciando a percepção do próprio idoso acerca da

qualidade dos cuidados recebidos. Na verdade, os benefícios psicológicos e em termos de

saúde, bem como os potenciais malefícios da recepção de cuidados têm merecido pouca

importância. Contudo, investigações têm demonstrado que 40 a 60% dos idosos fisicamente

dependentes reagem negativamente a alguns cuidados que lhe são prestados e que essas

reacções poderão revestir-se de consequências psicológicas significativas (Brito, 2001).

De acordo com um estudo efectuado por Thomas (1993, Sousa et al., 2004) os

problemas mais frequentemente referidos pelos idosos dependentes da prestação de cuidados

dos filhos, foram a ajuda prestada de modo insatisfatório (35%), conselhos insensatos (33%) e

preocupação com o facto de serem um peso para os filhos (32%).

Contudo, e ainda segundo o mesmo autor, um outro problema consiste na resolução de

tarefas pelo idoso, mesmo quando este ainda é capaz de as fazer. Deste modo, acaba por

retirar ao idoso a independência que ainda lhe restava. Acontece também o facto de quando o

idoso se mostra capaz numa determinada actividade, o cuidador repreende-o ou critica-o,

privando-se o idoso de praticar comportamentos ou actividades para as quais ainda está

capacitado conduzindo deste modo à dependência total do idoso.

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Prestadores de Cuidados Informais

4. SAÚDE MENTAL DOS CUIDADORES INFORMAIS

Cuidar de um familiar idoso é uma experiência cada vez mais normativa que obriga as

famílias a definir e redefinir as relações. Obrigações e capacidades, podendo constituir uma

experiência física e emocionalmente stressante, tanto para o cuidador como para toda a

família. Talvez por isso cuidar um familiar idoso seja, de acordo com Wullschlegger, Lund,

Caserta & Wright (1996, cit. por Lage, 2005), um dos acontecimentos potencialmente mais

perturbadores na vida das pessoas.

Estudos comprovam que o facto de pessoas desempenharem o papel de cuidador de

idosos em estado dependente, durante longos períodos de tempo, sofrem frequentemente,

alterações adversas em várias e importantes áreas da sua vida, como: alterações ao nível

familiar, social, problemas económicos e laborais, cansaço e desgaste prolongados tanto ao

nível físico como psíquico. Todas estas alterações, frequentemente vivenciadas num

complexo contexto de preocupação constante, de conflito, perda, luto, raiva culpa e

ressentimento, rapidamente conduz a situações de morbilidade. Contudo, é sobretudo na área

da saúde mental que os efeitos da prestação de cuidados a familiares mais se fazem notar, com

níveis de depressão e ansiedade superiores aos da população em geral (Brito, 2001).

A depressão e a ansiedade são dois problemas significativos para a maioria dos

cuidadores, sendo que estudos têm demonstrado a presença de sintomas depressivos como

sentimentos de tristeza, desespero, frustração, inquietação, associados à progressiva

dependência do idoso, à redução do tempo livre, ou à ausência de apoio. Surgem igualmente

sentimentos de ansiedade e preocupação pela saúde do familiar, pela própria saúde, pelos

conflitos familiares, bem como pela falta de tempo. Os sentimentos de culpa encontram-se

muitas vezes presentes, tanto por se sentir saturado da pessoa de quem cuida, por se pensar

que não se faz tudo o que se pode, por desejar a morte do familiar, de modo a acabar com o

seu sofrimento ou mesmo para se libertar dessa situação de cuidador, e até por descurar de

outras obrigações (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 2004).

De acordo com Brito (2002) a depressão ocorre normalmente manifestando-se no

prazo de um ano após o inicio do processo de prestação de cuidados. No que concerne,

especificamente aos prestadores de cuidados a familiares afectados com a doença do tipo

Alzheimer, vários estudos apontam para o facto de cerca de metade destes prestadores

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Prestadores de Cuidados Informais

estarem clinicamente deprimidos, sobretudo devido ao isolamento social e ao stress constante

em que estes vivem.

Estudos demonstram que os cuidadores experimentam diferentes graus de exposição

ao stress à medida que o tempo passa. Walker, Martin & Jones (1992, cit, por Lages, 2005)

consideram que o factor de duração do tempo de cuidado parece ser determinante, na medida

em que, quanto menor é o período de tempo, mais a experiência do cuidado se repercute

negativamente na percepção da sobrecarga.

Paul (1997, cit. por Brito, 2002) menciona que estatisticamente a taxa de depressão em

prestadores de cuidados a idosos dependentes, varia entre 43 a 46%, ou seja, três vezes

superiores às taxas da população representativa de idosos e de indivíduos de meia-idade (14 a

16%). Contudo, a depressão e a situação de exaustão do prestador de cuidados são apontadas

como causas comuns para a interrupção dos cuidados no seio familiar.

Num outro estudo, desta vez efectuado por Takahashi, Tanaka & Miyaoka (2005)

verificou-se que os níveis de depressão são mais elevados em cuidadores informais do que em

formais, sendo que os primeiros sentem uma carga mais elevada do cuidado, experimentam

uma qualidade de vida mais baixa e um índice mais elevado de depressão, sendo que 50% dos

prestadores de cuidados informais pertencentes ao estudo apresentam um estado depressivo.

Por conseguinte, um outro factor que se deverá ter em linha de conta centra-se nas

preocupações que o cuidador poderá evidenciar ao conviver diariamente com um idoso

demenciado. Estas preocupações focalizam-se nas consequências imediatas e distintas da

doença, ou seja, com a sua imprevisibilidade de progressão, nas dúvidas acerca da demências

e como lidar com esta, na antecipação receosa de um futuro em que o próprio cuidador pode

adoecer ou morrer primeiro, ou a culpabilidade face à necessidade de descansar, deixar a casa

ou pensar na hipótese de uma institucionalização. Os cuidadores encontram-se sob risco

elevado de morbilidade e até mortalidade, especialmente os cuidadores também eles idosos

(Firmino, 2006).

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Prestadores de Cuidados Informais

CONCLUSÃO

Com a realização do presente trabalho foi possível o aprofundamento de

conhecimentos relativos aos prestadores de cuidados informais. Revelou-se fulcral, na medida

em que habitualmente, apenas se fazem avaliações e intervenções no que toca à população

idosa e ao que estes sentem ao nível dos cuidados que lhes são prestados, em detrimento de

todo o processo pelo qual qualquer prestador de cuidados informal vivencia, mesmo sem ter

consciência do papel que desempenha.

O interesse específico deste tema no âmbito da cadeira de Gerontopsicologia

verificou-se pertinente, pois a temática apela a um ponto de vista dedicado àqueles que mais

directamente prestam apoio aos seus familiares e amigos idosos demenciados. Tentou-se

perceber todas as suas intenções, as formas de intervenção, as suas maiores dificuldades, e

especificamente no que se refere à sua saúde mental, em prol da repercussão que todo um

trabalho mais exaustivo possa desencadear.

Em suma, apela-se para uma maior sensibilidade e apoio a todos os prestadores de

cuidados, uma vez que estes encaram o papel sem sequer ter formação para tal, atravessando

frequentemente dificuldades diversas, que cabe a todos nós poder colmatar.

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Prestadores de Cuidados Informais

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Brito, L. (2001). A Saúde Mental dos prestadores de cuidados a familiares idosos. Coimbra: Quarteto Editora

Costa, M. (1998). Enfermeiros. – Dos percursos da formação à produção de cuidados. Lisboa: Edições Fim de Século.

Firmino, H. (2006). Psicogeriatria. Coimbra: Psiquiatria Clínica

Honoré, B. (2004). Cuidar. Persistir em conjunto na existência. Camarate: Lusociência

Imaginário, C. (2002). O Idoso Dependente em contexto familiar. Coimbra: Edição Formasau

Oliveira, J. (2005). Psicologia do Envelhecimento e do Idoso. Porto: Livpsic – Psicologia

Paúl, C. & Fonseca, A. (2005). Envelhecer em Portugal. Psicologia, Saúde e Prestação de Cuidados. Lisboa: Climepsi Editores

Paúl, M. (1997). Lá para o fim da vida. Idosos, Família e Meio Ambiente. Coimbra: Livraria Almedina.

Sousa, L., Figueiredo, D. & Cerqueira, M. (2004). Envelhecer em família – Cuidados familiares na velhice. Porto: Âmbar

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