Três demonstrações da irracionalidade de pi

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Universidade Estadual do Oeste do Paran´ a Curso de Licenciatura em Matem´ atica Trˆ es demonstra¸ oes da irracionalidade de π Mariana Uzeda Cildoz Foz do Igua¸ cu Outubro de 2008

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Page 1: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Universidade Estadual do Oeste do Parana

Curso de Licenciatura em Matematica

Tres demonstracoes dairracionalidade de π

Mariana Uzeda Cildoz

Foz do IguacuOutubro de 2008

Page 2: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Universidade Estadual do Oeste do Parana

Curso de Licenciatura em Matematica

Tres demonstracoes da irracionalidade de π

Monografia de graduacao apresentada adisciplina de Pratica de Ensino III doCurso de Matematica, sob a orientacaodo Prof. Dr. Claiton Petris Massarolo.

Mariana Uzeda CildozFoz do Iguacu

Outubro de 2008

ii

Page 3: Três demonstrações da irracionalidade de pi

As matematicas sao uma ginasticado espırito e uma preparacao paraa filosofia.

Socrates.

Page 4: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Agradecimentos

• A Deus.

• Ao meu orientador, Professor Claiton Petris Massarolo, pelo apoio e dedicacao

na conducao deste trabalho.

• A minha familia, pelo apoio de sempre.

• Aos meus professores, amigos e colegas.

Page 5: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Resumo

Este trabalho apresenta tres demonstracoes distintas da irracionalidade de π, uti-

lizando o Calculo Diferencial e Integral como principal ferramenta matematica no

desenvolvimento e estudo das tres provas.

Palavras-chave: numeros irracionais, numeros racionais e numero π.

i

Page 6: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Abstract

In this work we study three different proofs that π is irrational, using differential

and integral calculus as mainly tool in the proofs development.

Key words: Irrational numbers, rational numbers and number π.

ii

Page 7: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Conteudo

Resumo i

Abstract ii

Introducao 1

1 A demonstracao de Niven 5

2 A demonstracao de Cartwright 11

3 A demonstracao de Lambert 17

4 Consideracoes finais 26

Referencias 27

iii

Page 8: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Introducao

A razao entre a circunferencia e o diametro de um cırculo e um valor constante,

e esse valor e denominado como π (letra grega, inicial da palavra περιϕεια que

significa circunferencia). A denominacao π para este valor comecou a ser usada a

partir de 1736. [6]

Outros nomes dados a este valor sao: Constante circular, Constante de Ar-

quimedes e Numero de Ludolph.

Registros indicam que a historia do numero pi comecou ha cerca de 4000 anos

atras e foi conhecido por muitas civilizacoes, sendo dadas diferentes aproximacoes

para este valor, as quais foram se aprimorando ao longo do tempo. [4]

A primeira aproximacao considerada cientıfica foi a que Arquimedes desenvolveu

usando o Metodo de Exaustao e atraves de uma serie de polıgonos (inscritos e

circunscritos a um cırculo) ele mostrou que π esta contido entre 3 117

e 31071

. [6]

A ultima aproximacao para este valor foi feita por Yasumana Kanada, da Uni-

versidade de Tokio em 2002, conseguindo um valor com 1.241.100.000.000 (mais de

1 trilhao de) casas decimais, sendo realizada por metodos computacionais. [4]

A historia dos numeros irracionais emonta a epoca dos gregos. Os sofistas por

exemplo, eram uma escola filosofica grega que estudava o infinito, e Zenao que era

representante desta escola, manifestou uma ideia de numero irracional nos ”Para-

doxos de Zenao”.

Na mesma epoca, a escola Pitagorica depois de enunciar o ”Teorema de Pitagoras”,

descobriu que a diagonal do quadrado que nao tem medida comum a seu lado (ou

1

Page 9: Três demonstrações da irracionalidade de pi

INTRODUCAO 2

seja, a irracionalidade da diagonal de um quadrado em relacao ao seu lado). Esta

descoberta nao foi bem recebida pelos pitagoricos, ja que para eles o universo estava

dominado pelos numeros racionais. Assim, aos poucos foi marcado o declınio do

pitagorismo como sistema de filosofia natural.

Os gregos demonstraram a irracionalidade de varios numeros e embora eles te-

nham presumido a irracionalidade de π, nao conseguiram demonstra-la. [5]

O π foi um numero que na matematica grega acabou gerando um dos mais

famosos problemas conhecido como a quadratura do cırculo. Este problema con-

siste em dado um cırculo, construir um quadrado de tal maneira que ambas figuras

possuam a mesma area, num numero finito de passos. [5] e [12]

Em 1761, Lambert mostrou que π e um numero irracional, e alguns anos depois

M. Legendre mostrou que ele nao e raiz de uma equacao quadratica com coefi-

cientes racionais. Com esses fatos se evidenciou a impossibilidade de resolucao da

quadratura do cırculo. Ou seja, o problema e nao construtıvel.

Logo, em 1873 Charles Hermite elaborou um metodo para provar a transcendencia

do numero e. Dada a conexao entre π e e, Ferdinand Von Lindemann usou uma

variacao do metodo desenvolvido por Hermite para provar a transcendencia de π em

1882. Assim π nao e raiz de nenhuma equacao polinomial com coeficientes inteiros.

Com isto descreveu-se ainda mais a natureza de π [5] e [2]

A demonstracao da irracionalidade de π se faz por reducao ao absurdo. A maioria

das demonstracoes de irracionalidade do numero π sao usuais, e estas evitam o uso de

fracoes contınuas (1), para o qual sao desenvolvidas variantes do metodo de Hermite

(prova da transcendentalidade de e), estas variantes afirmam: ”Se π e racional,

entao certas somas ou integrais sao numeros inteiros, contradizendo estimativas

mostrando que esses valores situam-se entre zero e um.

Page 10: Três demonstrações da irracionalidade de pi

INTRODUCAO 3

A demonstracao de Lambert nao e do tipo usual. Primeiro ele prova que

(1) tanx =x

1− x2

3− x2

5− x2

...

Ee afiram que se x6=0 e racional, entao tanx e irracional. Logo, como tan π4

= 1 e

racional, entao π e irracional. [9]

As tres demonstracoes da irracionalidade de π apresentadas neste trabalho sao

modernas.

No capıtulo I, a demonstracao e de autoria do matematico canadense Ivan Morton

Niven, e foi publicada em 1947 [10]. A prova e do tipo usual e sao utilizadas nocoes

elementares de Calculo Integral. A ideia da demonstracao consiste em provar que

uma identidade integral e um numero inteiro e tambem situado entre 0 e 1, levando

a um absurdo.

No capıtulo II, a demonstracao foi apresentada pela matematica de origem

canadense Mary Cartwright. Em 1945 ela colocou a prova para examinacao no

Mathematics Preliminary Examination, mas nao chegou a publica-la. A prova de

Cartwright esta reproduzida no apendice do livro Scientific Inference de Harold

Jeffreys [8] e usa tambem a ideia de Hermite.

No capıtulo III, a demonstracao foi publicada pelo matematico Miklos Laczkovich

em 1997, no American Mathematical Montly [9]. Laczkovich simplificou os calculos

em (1) usando equacoes funcionais de Gauss, e isto deu uma simples prova da irra-

cionalidade de tanx (e tambem para uma vasta classe de outras funcoes) sempre e

quando x 6=0 e racional.

Os caculos de Lambert para provar (1) foram algo tedioso, ele dividiu as series

de potencias de sinx pelas de cosx usando a versao do Algoritmo de Euclides, e

determinando os quocientes e restos. Este calculo foi simplificado por Gauss, quem

determinou as expansoes das fracoes contınuas das series hipergeometricas usando

Page 11: Três demonstrações da irracionalidade de pi

INTRODUCAO 4

suas equacoes funcionais. E sera este ultimo calculo o utilizado na demonstracao de

Laczkovich, substituindo a funcao tan x utilizada na demonstracao de Lambert por

uma equacao funcional. [9]

Existe ainda uma quarta prova da irracionalidade de π, nao abordada neste

trabalho, de autoria de Robert Breusch e que pode ser encontrada em [3].

Page 12: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Capıtulo 1

A demonstracao de Niven

Neste capıtulo, demonstraremos a irracionalidade de π, baseado no trabalho de

[10].

Defina a funcao:

fn(x) =1

n!xn(1− x)n.

Claramente, fn(x) e um polinomio de grau 2n na variavel x. Assim, fn(x) pode

ser escrita como:

(1.1) fn(x) =1

n!

2n∑j=n

cjxj =

1

n!

[cnx

n + cn+1xn+1 + ...+ c2nx

2n]

onde os coeficientes cj, n ≤ j ≤ 2n, sao inteiros, pois os coeficientes binomiais

tambem sao inteiros. De fato:

5

Page 13: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 1. A DEMONSTRACAO DE NIVEN 6

fn(x) =1

n!xn(1− x)n

=1

n!xn

n∑j=0

(n

j

)(−1)jxj

=1

n!

n∑j=0

(n

j

)(−1)jxn+j

=1

n!

2n∑j=n

(n

j − n

)(−1)j−nxj

=1

n!

2n∑j=n

cjxj

logo, cj =(nj−n

)(−1)j−n ∈ Z.

Lema 1.1. f (k)(0) e f (k)(1) sao inteiros para todo k natural.

Demonstracao. Derivando sucessivamente a expressao (1.1), obtemos:

f (k)n (x) =

1

n!

2n∑j=n

cjj!

(j − k)!xj−k, se k < n

f (n)n (x) =

1

n!

[cnn! + cn+1(n+ 1)!x+

cn+2(n+ 2)!x2

2!+cn+3(n+ 3)!x3

3!+ . . .

. . .+c2n−1(2n− 1)!x(n−1)

(n− 1)!+c2n(2n)!x(n)

(n)!

]f (n+1)n (x) =

1

n!

[cn+1(n+ 1)! + cn+2(n+ 2)!x+

cn+3(n+ 3)!x2

2!+ . . .

. . .+c2n−1(2n− 1)!x(n−2)

(n− 2)!+c2n(2n)!x(n−1)

(n− 1)!

]...

...

f (2n−1)(x) =1

n![c2n−1(2n− 1)! + c2n(2n)!x]

f (2n)(x) =1

n![c2n(2n)!]

f (k)n (x) = 0, se k > 2n.

Page 14: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 1. A DEMONSTRACAO DE NIVEN 7

Logo, substituindo f (k)(x) em x = 0, obtemos

f (k)n (0) =

0, k < n

ck·k!n!

, n ≤ k ≤ 2n

0, k > 2n

portanto, f (k)(0) e um inteiro.

Agora, da relacao fn(x) = fn(1− x), obtemos

f (k)n (x) = (−1)kf (k)

n (1− x).

Assim, para todo k natural

f (k)n (1) = (−1)kf (k)

n (0)

tambem e um numero inteiro.

Teorema 1.1. O numero π2 e irracional.

Demonstracao. Suponha π2 racional, assim

π2 =p

q

para algum inteiro positivo p e q, onde a fracao pq

e irredutıvel.

Seja

(1.2) F (x) = qn[π2nfn(x)− π2n−2f (2)

n (x) + π2n−4f (4)n (x)− ...+ (−1)nf (2n)

n

]Note que cada um dos fatores

Page 15: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 1. A DEMONSTRACAO DE NIVEN 8

qnπ2n−2k = qn(π2)n−k = qn(p

q

)n−k= pn−kqk

e um inteiro.

Pelo lema 1.1, como f(k)n (0) e f

(k)n (1) sao inteiros, entao F (0) e F (1) tambem sao

inteiros.

Derivando a funcao F duas vezes, obtemos:

(1.3) F ′′(x) = qn[π2nf (2)

n (x)− π2n−2f (4)n (x) + ...+ (−1)nf (2n+2)

n (x)]

sendo que o termo (−1)nf(2n+2)n (x) e igual a zero, pois f e um polinomio de grau

menor ou igual a 2n.

Agora, somando as expressoes (1.2) e (1.3) temos:

(1.4) F ′′(x) + π2F (x) = qnπ2n+2fn(x) = π2pnfn(x).

Seja

G(x) = F ′(x)senπx− πF (x) cosπx.

Derivando a funcao G(x) temos:

G′(x) = πF ′(x) cosπx+ F ′′(x)senπx− πF ′(x) cosπx+ π2F (x)senπx

=[F ′′(x) + π2F (x)

]senπx

Page 16: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 1. A DEMONSTRACAO DE NIVEN 9

logo, por (1.4)

(1.5) G′(x) = π2pnfn(x)senπx.

Aplicando-se o Teorema Fundamental do Calculo em (1.5), obtemos

π2

∫ 1

0

pnfn(x)senπxdx = G(1)−G(0) = π[F (1) + F (0)].

Logo, a integral

(1.6) π

∫ 1

0

pnfn(x)senπxdx

e um inteiro, desde que F (0) e F (1) sao inteiros.

Alem, disso como 0 < fn(x) < 1n!

para 0 < x < 1, entao

0 < πpnfn(x)senπx <πpnsenπx

n!para 0 < x < 1.

Consequentemente,

(1.7) 0 < π

∫ 1

0

pnfn(x)senπxdx <2πpn

n!.

Analisemos agora a convergencia da serie

(1.8)∞∑n=0

2πpn

n!.

Page 17: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 1. A DEMONSTRACAO DE NIVEN 10

Aplicando o teste da razao em (1.8) temos:

limn→∞

∣∣∣∣∣2πpn+1

(n+1)!

2πpn

n!

∣∣∣∣∣ = limn→∞

p

n+ 1= 0.

Assim, a serie (1.8) e convergente e portanto o termo geral converge a zero, isto

e,

(1.9) limn→∞

2πpn

n!= 0.

Logo, de (1.9) podemos encontrar um n ∈ N suficientemente grande, de modo

que

(1.10)2πpn

n!< 1

Com este valor de n, concluımos de (1.7) e (1.10) que

0 < π

∫ 1

0

pnfn(x)senπdx < 1.

Mas isto e um absurdo, pois por (1.6) a integral e um inteiro e nao existe

nenhum numero inteiro entre 0 e 1. Portanto, a suposicao inicial que π2 e racional

e falsa.

Corolario 1.1. π e irracional.

Demonstracao. Se π fosse racional entao π2 tambem seria racional, pois o quadrado

de um numero racional e sempre racional, mas isto contradiz o teorema.

Page 18: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Capıtulo 2

A demonstracao de Cartwright

Neste capıtulo, demonstraremos a irracionalidade de π, baseado no trabalho de

Mary Cartwright, ver [8].

Considere a sequencia de integrais:

(2.1) In =

∫ 1

−1

(1− x2)n cosαxdx, com α 6= 0

Integrando por partes em (2.1) temos,

In = (1− x2)nsenαx

α

∣∣∣1−1

+

∫ 1

−1

2nx(1− x2)n−1 senαx

αdx

= 0 +

∫ 1

−1

2nx(1− x2)n−1 senαx

αdx(2.2)

=2n

α

∫ 1

−1

x(1− x2)n−1senαxdx.

Integrando por partes novamente a expressao (2.2) temos,

11

Page 19: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 2. A DEMONSTRACAO DE CARTWRIGHT 12

In =2n

α

∫ 1

−1

[(1− x2

)n−1 − 2(n− 1)x2(1− x2

)n−2] cosαx

αdx

=2n

α2

{∫ 1

−1

(1− x2

)n−1cosαxdx− 2(n− 1)

∫ 1

−1

x2(1− x2

)n−2cosαxdx

}=

2n

α2

{In−1 − 2(n− 1)

∫ 1

−1

(1− 1 + x2

) (1− x2

)n−2cosαxdx

}=

2n

α2

{In−1 − 2(n− 1)

∫ 1

−1

[1 +

(−1 + x2

)] (1− x2

)n−2cosαxdx

}=

2n

α2

{In−1 − 2(n− 1)

∫ 1

−1

[(1− x2

)n−2cosαx−

(1− x2

)n−1cosαx

]dx

}=

2n

α2{In−1 − 2(n− 1)In−2 + 2(n− 1)In−1} .

Logo,

(2.3) In =2n(2n− 1)

α2In−1 −

4n(n− 1)

α2In−2

Definindo

(2.4) Jn = α2n+1In

e substituindo a expressao (2.3) em (2.4) obtemos

Jn = α2n+1

{2n(2n− 1)

α2In−1 −

4n(n− 1)

α2In−2

}= 2n(2n− 1)α2(n−1)+1In−1︸ ︷︷ ︸

Jn−1

−4n(n− 1)α2 α2(n−2)+1In−2︸ ︷︷ ︸Jn−2

portanto,

(2.5) Jn = 2n (2n− 1) Jn−1 − 4n (n− 1)α2Jn−2.

Page 20: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 2. A DEMONSTRACAO DE CARTWRIGHT 13

Lema 2.1.

Jn = α2n+1In = n! (Pnsenα +Qn cosα)

onde Pn, Qn sao polinomios em α de grau menor ou igual a 2n e com coeficientes

inteiros dependendo de n.

Demonstracao. Por inducao sobre n, para n = 0 temos:

J0 = αI0 = α

∫ 1

−1

cosαxdx = αsenαx

α|1−1 = senαx− sen(−αx) = 2senαx

Assim:

P0(α) = 2 e Q0(α) = 0.

com o grau de P0 e Q0 igual a zero.

Para n = 1 temos:

J1 = α3I1 = α

∫ 1

−1

(1− x2) cosαxdx

= 2α2

∫ 1

−1

xsenαxdx = 2α2

[x(−cosαx

α

)∣∣∣1−1−∫ 1

−1

(− cosαx

α

)dx

]= 2α2

[(−cosα

α

)+

(−cos−α

α

)+

1

α

∫ 1

−1

cosαxdx

]= 2α

[(− cosα)− cos(−α) + senαx|1−1

]= 2α [− cosα− cosα + senα− sen(−α)]

= 2α [−2 cosα + senα + senα)]

= 2α [−2 cosα + 2senα]

= −4α cosα + 4αsenα.

Page 21: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 2. A DEMONSTRACAO DE CARTWRIGHT 14

Assim:

P1(α) = 4 e Q1(α) = −4α

Com o grau de P1 igual a zero e o grau de Q1 igual a um.

Suponha, por hipotese de inducao que,

Jn−2 = (n− 2)! (Pn−2senα +Qn−2 cosα) e(2.6)

Jn−1 = (n− 1)! (Pn−1senα +Qn−1 cosα)(2.7)

para algum polinomio Pn−1, Pn−2, Qn−1 e Qn−2, com coeficientes inteiros; onde Pn−1

e Qn−1 possuem grau menor ou igual a 2(n− 1) e Pn−2 e Qn−2 possuem grau menor

ou igual a 2(n− 2). Entao da relacao (2.5) e usando a hipotese de inducao (2.6) e

(2.7) temos:

para n ≥ 2

Jn = 2n(2n− 1)(n− 1)! [Pn−1senα +Qn−1 cosα]

−4n(n− 1)α2(n− 2)![Pn−2senα +Qn−2 cosα]

= n! [2(2n− 1)Pn−1senα + 2(2n− 1)Qn−1 cosα]

+n![−4α2Pn−2senα− 4α2Qn−2 cosα]

= n![Pnsenα +Qn cosα]

onde

Pn = 2(2n− 1)Pn−1 − 4α2Pn−2 e

Qn = 2(2n− 1)Qn−1 − 4α2Qn−2

Page 22: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 2. A DEMONSTRACAO DE CARTWRIGHT 15

sao polinomios em α com coeficientes inteiros. Alem disso, o grau de Pn ≤ 2n e o

grau de Qn ≤ 2n.

Teorema 2.1. π e irracional

Demonstracao. Tome α = π2

e suponha que

π

2=a

b

onde a e b sao inteiros, sendo a fracao ab

irredutıvel.

Entao de (2.5) e do Lema (3.1) obtemos,

(2.8)a2n+1

n!In = Pnb

2n+1.

Agora, o lado direito de (2.8) e um numero inteiro. De fato, como o grau de

Pn ≤ 2n, entao,

Pn(α) =2n∑i=0

ciαi

onde ci, 0 ≤ i ≤ 2n sao inteiros.

Logo,

b2n+1Pn(π

2) = b2n+1Pn(

a

b)

=2n∑i=0

ciaib2n+1

bi

=2n∑i=0

ciaib2n+1−i ∈ Z

Agora, como

Page 23: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 2. A DEMONSTRACAO DE CARTWRIGHT 16

0 < (1− x2) cos(πx

2) ≤ 1 para − 1 < x < 1

concluımos de (2.1) que,

∫ 1

−1

0dx <

∫ 1

−1

(1− x2)n cos(πx

2)dx ≤

∫ 1

−1

dx

isto e,

0 < In ≤ 2. para todo n natural.

Assim In e uma sequencia limitada. Alem disso,

limn→∞

a2n+1

n!= 0.

De fato, aplicado o teste da razao na serie

∞∑n=0

a2n+1

n!

concluımos que e convergente e assim o seu termo geral a2n+1

n!converge para zero

quando o n tende para o infinito.

Portanto, podemos encontrar um n suficientemente grande de modo que

0 <a2n+1Inn!

< 1

Isso significa que, por (2.8),

0 < b2n+1Pn < 1

que e um absurdo, pois nao existe nenhum numero inteiro entre 0 e 1.

Page 24: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Capıtulo 3

A demonstracao de Lambert

Neste capıtulo, demonstraremos a irracionalidade de π, baseado no trabalho de

Miklos Laczkovich, ver [9].

Considere a serie,

fk(x) = 1 +∞∑j=1

(−1)jx2j

j!∏j−1

i=0 (k + i)

= 1 +∞∑j=1

(−1)jx2j

j!k(k + 1) . . . (k + j − 1)(3.1)

= 1− x2

k+

x4

2!k(k + 1)− x6

3!k(k + 1)(k + 2)+ . . .

definida para todo x ∈ R e para todo k 6= 0,−1,−2, . . .

Lema 3.1. fk(x) converge para todo x ∈ R e para todo k 6= 0,−1,−2, . . .

17

Page 25: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 18

Demonstracao. Aplicando o teste da razao na serie (1), temos:

limn→∞

∣∣∣∣∣∣(−1)n+1x2(n+1)

(n+1)!∏n

i=0(k+i)

(−1)nx2n

n!∏n−1

i=0 (k+i)

∣∣∣∣∣∣ = limn→∞

∣∣∣∣ x2(k + n− 1) . . . k

(n+ 1)(k + n)(k + n− 1) . . . k

∣∣∣∣= x2 lim

n→∞

1

|(n+ 1)(k + n)|= 0

Lema 3.2. f 12(x) = cos(2x) e f 3

2(x) = sin(2x)

2x

Demonstracao. Observe que,

1

2· 3

2· 5

2· . . . · (2j − 1)j!

2=

1

2j· [1 · 2 · 3 · . . . (2j − 1)(2j)] j!

2 · 4 · 6 · . . . · (2j)

=1

2j· 1

2j· (2j)!j!

j!

=(2j)!

4j

logo,

f 12(x) = 1 +

∞∑j=1

(−1)jx2j

j!(12· 3

2· 5

2· . . . · 2j−1

2)

= 1 +∞∑j=1

(−1)jx2j

(2j)!4j

= 1 +∞∑j=1

(−1)j(2x)2j

(2j)!

= cos 2x

pois, a serie de Taylor de cosx =∞∑j=0

(−1)jx2j

(2j)!

Page 26: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 19

Lema 3.3. x2

k(k+1)fk+2(x) = fk+1(x)− fk(x)

Demonstracao.

fk+1(x)− fk(x) = 1 +∞∑j=1

(−1)jx2j

j!∏j−1

i=0 (k + 1− i)− 1−

∞∑j=1

(−1)jx2j

j!∏j−1

i=0 (k + i)

=∞∑j=1

(−1)jx2j

j!

[1

(k + 1)(k + 2) . . . (k + j − 1)(k + j)−

− 1

k(k + 1) . . . (k + j − 2)(k + j − 1)

]=

∞∑j=1

(−1)jx2j

j!k(k + 1) . . . (k + j − 1)

[k

k + j− 1

]

=∞∑j=1

(−1)jx2j(−j)j!∏j−1

i=0 (k + i)(k + j)

=∞∑j=1

(−1)j−1x2j

(j − 1)!∏j

i=0(k + i)

=x2

k(k + 1)+∞∑j=2

(−1)j−1x2j

(j − 1)!∏j

i=0(k + i)

Fazendo a mudanca de variavel m = j − 1, temos

(3.2) fk+1(x)− fk(x) =x2

k(k + 1)+∞∑m=1

(−1)m

m!

x2m+2

(k + i)

Agora,

m+1∏i=0

(k + i) = k(k + 1)(k + 2) . . . (k +m− 1)(k +m)(k +m+ 1)

= k(k + 1)m−1∏i=0

(k + 2 + i)(3.3)

Page 27: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 20

Substituindo (3.3) em (3.2) obtemos,

fk+1(x)− fk(x) =x2

k(k + 1)+

x2

k(k + 1)

∞∑m=1

(−1)m

m!

x2∏m−1i=0 (k + 2 + i)

=x2

k(k + 1)fk+1(x)

Lema 3.4. limk→∞ fk(x) = 1

Demonstracao. Pelo teste da razao, a serie

∞∑j=0

x2j

j!

e convergente, e portanto podemos concluir que,

limj→∞

x2j

j!= 0

Assim, a sequencia do termo geral da serie{x2j

j!

}j≥1

, e uma sequencia limi-

tada.

Por tanto existe uma constante c > 0 tal que

∣∣∣∣x2j

j!

∣∣∣∣ < c para todo j ∈ N.

Agora, dado ε > 0, tome k0 > 1 + cε.

Se k > k0 temos,

Page 28: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 21

|fk(x)− 1| =

∣∣∣∣∣∞∑j=1

(−1)jx2j

j!k(k + 1) . . . (k + j − 1)

∣∣∣∣∣≤ c

∞∑j=1

∣∣∣∣x2j

j!

∣∣∣∣ 1

kj

≤ c∞∑j=1

1

kj=

c

k − 1<

c

k0 − 1< ε

Teorema 3.1. Se x e um numero real nao nulo e x2e racional, entao fk(x) 6= 0 e

fk+1(x)

fk(x)e irracional para todo k 6= 0,−1,−2, . . .

Demonstracao. Seja x 6= 0 tal que x2 ∈ Q e k ∈ Q, k 6= 0,−1,−2, . . ., fixado e

suponha ainda que,

fk(x) = 0 oufk+1(x)

fk(x)racional.

Entao fk(x) e fk+1(x) sao multiplos inteiros de um mesmo valor, isto e

fk(x) = ay(3.4)

fk+1(x) = by(3.5)

onde y e um numero real nao nulo, a e b sao inteiros.

As quantidades a e b podem assumir valor nulo, mas y nao pode ser zero. De

fato, se y = 0, segue do Lema 3.3 que,

Page 29: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 22

x2

k(k + 1)fk+2(x) = fk+1(x)− fk(x) = 0 ⇒ fk+2(x) = 0

x2

k(k + 1)fk+3(x) = fk+2(x)− fk+1(x) = 0 ⇒ fk+3(x) = 0

...

fk+n(x) = 0, para todo n ∈ N.

Logo,

(3.6) limn→∞

fk+n(x) = 0

Mas (3.6) e uma contradicao do Lema 3.4.

Seja q um inteiro positivo talque,

(3.7)bq

k,kq

x2eq

x2sao inteiros.

e defina a sequencia,

G0 = fk(x)(3.8)

Gn =qn

k(k + 1) . . . (k + n− 1)fk+n(x)n = 1, 2, . . .(3.9)

Entao, segue de (3.4) e (3.8) respectivamente, de (3.5) e (3.9) que,

Page 30: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 23

(3.10)

G0 = ay

G1 = bqky

Ainda, pelo Lema 3.3

Gn+2 =qn+2

k(k + 1)πfk+n+2(x)

=qn+2

k(k + 1) . . . (k + n− 1)

(k + n))(k + n+ 1)

x2

(x2

(k + 1)(k + n+ 1)fk+n+2(x)

)=

qn+2

k(k + 1) . . . (k + n− 1)

1

x2[fk+n+1(x)− fk+n(x)]

=qn+1

k(k + 1) . . . (k + n)fk+n+1(x)

((k + n)q

x2

)− qn

k(k + 1)(k + n− 1)fk+n(x)

(q2

x2

)= Gn+1

(kq

x2+nq

x2

)−Gn

(q2

x2

)

Por tanto,

(3.11) Gn+2 =

(kq

x2+qn

x2

)Gn+1 −

(q2

x2

)Gn

para todo n ∈ N.

Por (3.7) os coeficientes em (3.11) sao inteiros, logo segue de (3.10) que a

sequencia {Gn}n∈N e um multiplo inteiro de y, para todo n natural.

Page 31: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 24

Agora,

(3.12) limn→∞

Gn = limn→∞

[qn

k(k + 1) . . . (k + n− 1)

]limn→∞

fk+n(x)

mas

(3.13) limn→∞

[qn

k(k + 1) . . . (k + n− 1)

]= 0

desde que a serie

∞∑n=0

qn

k(k + 1) . . . (k + n− 1)

e convergente, pelo teste da razao.

Logo, do Lema 3.4 e de (3.13), concluımos em (3.12) que

(3.14) limn→∞

Gn = 0

Agora, pelo Lema 3.4, concluımos de (3.9) que

Gn > 0

para n suficientemente grande. Mas, inteiros positivos multiplos de y n ao podem

convergir para zero. A contradicao significa que fk(x) e fk+1(x) nao podem ser

multiplos inteiros de uma mesma quantidade.

Page 32: Três demonstrações da irracionalidade de pi

CAPITULO 3. A DEMONSTRACAO DE LAMBERT 25

Corolario 3.1. π e irracional.

Demonstracao. Suponha que π2 seja racional. Fazendo x = π2

16∈ Q e k = 1

2, pelo

teorema 3.1 temos,

f 12(π

4) 6= 0.

Por outro lado, aplicando o Lema 3.2 temos,

f 12

(π4

)= cos

π

2= 0.

Absurdo. Assim, π2 e racional e portanto π tambem e irracional.

Corolario 3.2. Se x 6= 0 e racional, entao tanx e irracional.

Demonstracao. Como(x2

)2 6= 0 e racional, entao pelo Lema 3.2

f 32(x

2)

f 12(x

2)

=sinx

x cosx=

tanx

x

e irracional. Logo, tanx e irracional.

Corolario 3.3. π e irracional.

Demonstracao. Suponha π racional. Entao π4

tambem e racional. Agora,

tan(π4

)= 1, contradizendo o corolario 3.2

Page 33: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Capıtulo 4

Consideracoes finais

Neste trabalho tive a oportunidade de conhecer e estudar em profundidade tres

demonstracoes que levam ao mesmo resultado, e ver que com elementos simples de

calculo e possıvel demonstrar afirmacoes fortes como neste caso foi a irracionalidade

de π.

De fato as demonstracoes precisam de outras demonstracoes anteriores, havendo

uma evolucao nas tecnicas de argumentacao ao longo do tempo.

O relato dos acontecimentos historicos pode ir mudando com novas descobertas,

mas a logica empregada nas deducoes matematicas desde a epoca dos gregos perdura

atraves do tempo. As conclusoes emitidas podem mudar ou nao, e o raciocınio ser

realizado com instrumentos matematicos mais ou menos desenvolvidos, mas a logica

seguira sendo a mesma.

Um fato que particularmente me chamou a atencao foi que todas as demon-

stracoes usaram funcoes trigonometricas em algum ponto do desenvolvimento, isto

porque os valores de ditas funcoes quando aplicadas em π sao conhecidos.

26

Page 34: Três demonstrações da irracionalidade de pi

Referencias

[1] BARCO, Luıs. Dois mais dois sem regua e compasso, Escola de comunicacao e

arte de Sao Paulo.

[2] BOYER, Carl B. Historia da Matematica, 2da edicao, Trad. Elza Gomeide,

Editorial Edgard Blucher Ltda.

[3] BREUSCH, Robert. A proof of the irrationality of π. American Mathematical

Monthly, Vol. 61, p. 631-632,1954.

[4] DA SILVA, Uziel. A transcendencia do numero π FAMAT em Revista, No. 04,

p. 69, Universidade Federal de Uberlandia, 2005.

[5] DANTZIG, Tobias. O inexprimıvel Numero: A linguagem da Ciencia, Trad.

Sergio Goes de Paula, 4ta. Edicao, Zahar editores.

[6] EVES, Howard. Introducao a historia da Matematica. Traduzido por Hygino

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[7] FIGUEIREDO, Djairo Guedes. Numeros Irracionais e Transcendentes, Colecao

Fundamentos da Matematica Elementar, SBM, 1985.

[8] JEFFREYS, Harold. Scientific Inference, 3o Edicao, Cambridge University

Press, p. 268, 1973.

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Page 35: Três demonstrações da irracionalidade de pi

REFERENCIAS 28

[9] LACZKOVICH, Miklos. On Lambert’s proof of the irrationality of π American

Mathematical Monthly, Vol. 104,No. 5, p. 439-443, 1997.

[10] NIVEN, Ivan Morton. A simple proof that π is irrational Bulletin of the Ame-

rican Mathematical Society,Vol.53, No. 6,p. 509, 1947.

[11] NIVEN, Ivan Morton. Numeros: Racionais e Irracionais, p. 15, Colecao Fun-

damentos da Matematica Elementar, SBM, 1984.

[12] STRUIK, Dirk J. Historia Concisa das Matematicas, Colecao Ciencia Aberta,

Editorial Gradiva.