tributacaoequidadefinancgastosocial

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  n. 8 – Janeiro a Agosto de 2008 ISSN 1980-5144 INSTITUTO DE ECONOMIA DA UNICAMP Diretor Mariano Francisco Laplane Diretor Associado Claudio Schüller Maciel Diretor Executivo do CESIT Paulo Eduardo de Andrade Baltar  Conselho Editorial Carlos Alonso Barbosa de Oliveira José Carlos Braga Márcio Percival Alves Pinto Paulo Eduardo de Andrade Baltar Organizador Eduardo Fagnani  Equipe do CESIT Alexandre Gori Maia Amilton José Moretto Anselmo Luis dos Santos  Carlos Alonso Barbosa de Oliveira  Cláudio Salvadori Dedecca Davi Antunes Denis Maracci Gimenez Eduardo Fagnani Eugênia Troncoso Leone Jorge Eduardo Levi Mattoso (Licenciado) José Dari Krein Marcelo W. Proni Marcio Pochmann Marco Antônio de Oliveira (Licenciado) Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Paulo Eduardo de Andrade Baltar Sônia Tomazini Waldir José de Quadros (Licenciado) Walter Barelli (Licenciado) Wilnês Henrique (Licenciada) Apoio Administrativo Licério Siqueira Susete R. C. Ribeiro Projeto Visual e Editoração Eletrônica Célia Maria Passarelli Edição de Texto Caia Fittipaldi CESIT – Instituto de Economia da Unicamp Cidade Universitária Zeferino Vaz Caixa Postal 613 5 – Cep 13.083-970 Campinas – São Paulo – SP Tel: (19) 352 1-5720 E-mail: <[email protected]>. <http://www.eco.unicamp.br/cesit >. Instituto de Economia Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho  T T T EM A E M A EM A E M A : R R R R EFORMA EFORMA EFORMA EFORMA T T T RIBUTÁRIA  RIBUTÁRIA  RIBUTÁRIA  RIBUTÁRIA  , E , E , E , E QUIDADE E QUIDADE E QUIDADE E QUIDADE E  F INANCIAMENTO DO INANCIAMENTO DO INANCIAMENTO DO INANCIAMENTO DO G A STO  A S T O  A STO  A S T O S OCIAL OCIAL OCIAL OCIAL  S S S S UMÁRIO UMÁRIO UMÁRIO UMÁRIO  Apresentação Eduardo Fagnani Tributação, Equidade e Financiamento do Gasto Social  – Nota Introdutória ..........................................................................................  1 Marcio Pochmann Tributação que Aprofunda a Desigualdade ................................................  5 Amir Khair Prioridade à Justiça Tributária ....................................................................  10 Evilásio Salvador Reforma Tributária Desmonta o Financiamento das Políticas Sociais ....................................................................................  20 Guilherme Delgado Reforma Tributária e suas Implicações para os Direitos Sociais – Seguridade Social .......................................................................  27 Flávio José Tonelli Vaz Longe do Ideário de Justiça Tributária: Simplificação com Riscos para a Seguridade Social ............................................................... 33 Paulo Sena A Educação e a Reforma Tributária ..........................................................  40 José Celso Cardoso Jr . e Carolina Veríssimo Barbieri  Reforma Tributária e o Financiamento das Políticas de Trabalho e Renda no Brasil ........................................................................  42 José Aparecido Carlos Ribeiro Mais Recursos para a Saúde Pública São Necessários ........................  51 José Roberto Rodriguez Afonso Uma Visão Geral da Reforma Tributária e o Custeio dos Gastos Sociais .............................................................................................. 57

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tributação e equidade do gasto social

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  • n. 8 Janeiro a Agosto de 2008

    ISSN 1980-5144 INSTITUTO DE ECONOMIA DA UNICAMP Diretor Mariano Francisco Laplane Diretor Associado Claudio Schller Maciel Diretor Executivo do CESIT Paulo Eduardo de Andrade Baltar Conselho Editorial Carlos Alonso Barbosa de Oliveira Jos Carlos Braga Mrcio Percival Alves Pinto Paulo Eduardo de Andrade Baltar Organizador Eduardo Fagnani Equipe do CESIT Alexandre Gori Maia Amilton Jos Moretto Anselmo Luis dos Santos Carlos Alonso Barbosa de Oliveira Cludio Salvadori Dedecca Davi Antunes Denis Maracci Gimenez Eduardo Fagnani Eugnia Troncoso Leone Jorge Eduardo Levi Mattoso (Licenciado) Jos Dari Krein Marcelo W. Proni Marcio Pochmann Marco Antnio de Oliveira (Licenciado) Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Paulo Eduardo de Andrade Baltar Snia Tomazini Waldir Jos de Quadros (Licenciado) Walter Barelli (Licenciado) Wilns Henrique (Licenciada) Apoio Administrativo Licrio Siqueira Susete R. C. Ribeiro Projeto Visual e Editorao Eletrnica Clia Maria Passarelli Edio de Texto Caia Fittipaldi CESIT Instituto de Economia da Unicamp Cidade Universitria Zeferino Vaz Caixa Postal 6135 Cep 13.083-970 Campinas So Paulo SP Tel: (19) 3521-5720 E-mail: . .

    Instituto de Economia

    Centro de Estudos

    Sindicais e de

    Economia do Trabalho

    TTTT EM AEM AEM AEM A ::::

    RRRR E FO RM A E FO RM A E FO RM A E FO RM A TTTT R I B U T R I AR I B U T R I AR I B U T R I AR I B U T R I A , E, E, E, EQU I D A D E EQU I D A D E EQU I D A D E EQU I D A D E E

    FFFF I N A NC I AM EN TO DO I N A NC I AM EN TO DO I N A NC I AM EN TO DO I N A NC I AM EN TO DO GGGG A S TO A S TO A S TO A S TO SSSSOC I A LOC I A LOC I A LOC I A L

    SSSS UM R I OUM R I OUM R I OUM R I O

    Apresentao Eduardo Fagnani Tributao, Equidade e Financiamento do Gasto Social Nota Introdutria .......................................................................................... 1

    Marcio Pochmann Tributao que Aprofunda a Desigualdade ................................................ 5

    Amir Khair Prioridade Justia Tributria .................................................................... 10

    Evilsio Salvador Reforma Tributria Desmonta o Financiamento das Polticas Sociais .................................................................................... 20

    Guilherme Delgado Reforma Tributria e suas Implicaes para os Direitos Sociais Seguridade Social ....................................................................... 27

    Flvio Jos Tonelli Vaz Longe do Iderio de Justia Tributria: Simplificao com Riscos para a Seguridade Social ............................................................... 33

    Paulo Sena A Educao e a Reforma Tributria .......................................................... 40

    Jos Celso Cardoso Jr. e Carolina Verssimo Barbieri Reforma Tributria e o Financiamento das Polticas de Trabalho e Renda no Brasil ........................................................................ 42

    Jos Aparecido Carlos Ribeiro Mais Recursos para a Sade Pblica So Necessrios ........................ 51

    Jos Roberto Rodriguez Afonso Uma Viso Geral da Reforma Tributria e o Custeio dos Gastos Sociais .............................................................................................. 57

  • CESIT Carta Social e do Trabalho, n. 8 jan./ago. 2008.

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    A P R E S E N T A O

    T R I B U T A O , E Q U I D A D E E F I N A N C I A M E N T O D A P O L T I C A S O C I A L N O T A I N T R O D U T R I A

    Eduardo Fagnani Organizador

    Em 2008 abriu-se uma nova perspectiva de alterao do sistema tributrio nacional. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233/2008 formulada pelo Ministrio da Fazenda, que tramita na Cmara dos Deputados, visa, em ltima instncia, simplificar a estrutura fiscal, extinguindo-se tributos e reduzindo-se cobranas cumulativas em diversas etapas de produo e circulao das mercadorias. Em termos sintticos ela prev:

    a criao de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extino de quatro tributos federais: Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); a contribuio para o Programa de Integrao Social (PIS); a Contribuio de Interveno no Domnio Econmico incidente sobre a Importao e a Comercializao de Combustveis (Cide); e a Contribuio Social do Salrio-educao;

    a extino da Contribuio Social do Lucro Lquido (CSLL), incorporada ao Imposto de Renda das Pessoas Jurdicas (IRPJ);

    a destinao de percentuais da arrecadao do IVA-F e as do IR e IPI para as aes de governo antes atendidas pelas contribuies definindo a emenda 38,5% para seguridade social e 6% para o amparo ao trabalhador e, enquanto no editada Lei Complementar, 2,5% para o ensino fundamental;

    a desonerao gradativa da folha de contribuio dos empregadores para previdncia social;

    a unificao nacional da legislao do Imposto sobre Circulao de Mercadoria e Servios (ICMS), eliminando-se a guerra fiscal.

    A simplificao da estrutura tributria, eliminando-se tributos e trazendo maior racionalidade alvissareira. Todavia, h dois pontos cruciais que gostaramos de assinalar e submeter a uma apreciao mais ampla:

    primeiro, a ausncia de objetivos voltados para a justia fiscal, na medida em que a proposta no sinaliza a construo de um sistema tributrio menos regressivo, pautado pela tributao da renda e do patrimnio;

    segundo, a ameaa latente de desmonte das bases de financiamento das polticas sociais conquistadas pela Constituio de 1988.

    A injustia do sistema tributrio brasileiro objeto do artigo de Marcio Pochmann (Tributao que Aprofunda a Desigualdade). No ano de 2003, por exemplo, o peso da tributao sobre o rendimento das famlias com at dois salrios mnimos mensais alcanou quase 49% enquanto uma famlia com rendimento

  • Carta Social e do Trabalho, n. 8 jan./ago. 2008.

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    superior a trinta salrios mnimos mensais comprometia menos de 27% com tributao. Esses nmeros revelam a natureza fortemente regressiva do sistema tributrio nacional, caracterizada pela predominncia dos tributos indiretos, afirma Pochmann.

    Amir Khair (Prioridade Justia Tributria) assinala que esta mazela crnica no enfrentada pela PEC 233/08. A proposta, ao eliminar um conjunto de contribuies (Cofins, PIS, Cide e Salrio-educao) e criar, em seu lugar, o IVA, no altera a atual regressividade desses tributos, afirma o autor. Alm da regulamentao do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), Khair sugere e detalha um conjunto de medidas que caminhariam na direo da correo da injustia fiscal, com destaque para: ampliar a progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Fsica; elevar a alquota do imposto sobre heranas; desonerar a cesta bsica; estabelecer alquotas do ISS entre 2% e 3%; eliminar o teto de contribuio do INSS com desonerao no INSS das empresas; e estabelecer a alquota padro do IVA Estadual em 15% e a mxima em 20%.

    O segundo ponto que nos preocupa so as ameaas implcitas na PEC 233/08 de desmonte das bases de financiamento das polticas sociais conquistadas pela Constituio de 1988. Observe-se que por detrs da simplificao e racionalizao da estrutura tributria esconde-se o fim das vinculaes, a desonerao da folha de contribuio dos empregadores para previdncia social a extino de fontes de financiamento das polticas sociais (COFINS; PIS; Contribuio Social do Salrio-educao; e CSLL). A concretizao dessas mudanas sem a garantia constitucional de vinculao de recursos num patamar adequado para fazer frente aos gastos fragiliza o financiamento da educao e sepulta o Oramento da Seguridade Social (artigo 196 da Constituio Federal). Essa ltima conseqncia traz indefinies na sustentao dos gastos nos setores da Previdncia Social (INSS urbano e Previdncia Rural), Assistncia Social, Sade, Seguro-desemprego e demais programas de gerao de emprego e capacitao profissional financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

    Este fato preocupante se consideramos as inmeras tentativas da rea econmica que tm sido empreendidas desde o final dos anos 80 para desmontar a base de recursos constitucionalmente vinculados ao financiamento do gasto social, com destaque para a captura de parcela dos recursos do Oramento da Seguridade Social e a Desvinculao de Recursos da Unio (DRU).

    Dentre os gastos sociais federais h claramente uma diviso entre os setores protegidos por direitos e fontes de financiamento asseguradas pela Constituio nos quais a rea econmica no tem margens para arbitrar sobre o patamar de gastos e os setores no protegidos, livres para a discrio das autoridades monetrias.

    No primeiro caso, esto a Previdncia Social e a Assistncia Social. Observe-se que entre 1995 e 2005, esses gastos setoriais como proporo do PIB passaram, respectivamente, de 4,9% para 7,0% e de 0,08% para 0,83%. 1 Essa trajetria foi diversa nos setores no protegidos por direitos e constitucionais. Observe-se que o percentual do gasto federal como proporo do PIB em cinco setores nos quais o Brasil acumula srios problemas estruturais (Saneamento, Habitao e Urbanismo, Desenvolvimento Agrrio, Emprego e Defesa do Trabalhador e Alimentao e Nutrio) totalizava irrisrio 1,31% em 2005. Em situao

    _______________

    1 CASTRO, Jorge Abraho; RIBEIRO, Jos Aparecido; CARVALHO, B. Gasto social e poltica macroeconmica: trajetrias e tenses no

    perodo 1995-2005. Texto apresentado no Congresso Anual da Sociedade de Economia Poltica realizado em So Paulo, jun. 2007.

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    intermediria, os gastos federais como proporo do PIB em Educao e Sade declinaram (de 0,95% para 0,77%; e de 1,79% para 1,59%, respectivamente) entre 1995 e 2005.

    Eliminar a vinculao constitucional de fontes de financiamento das polticas sociais amplifica o poder discricionrio da rea econmica. Sabemos todos que nos momentos de aperto fiscal os gastos sociais so os mais penalizados. A trajetria recente demonstra esse ponto exausto. Note-se que, entre 1995 e 2003, a participao do gasto social federal na despesa total da Unio declinou 8 pontos percentuais (de 59% para 51%), enquanto a participao das despesas financeiras cresceu 14 pontos percentuais (de 20% para 34%). Em igual perodo, o gasto social federal como proporo do PIB cresceu 1,5 ponto percentual (de 11,2% para 12,7%), enquanto a despesa financeira cresceu 4,8 pontos (de 3,7% para 8,5%).

    A maior parte dos especialistas reunidos nesta Carta comunga dessa apreenso. Evilsio Salvador (Reforma Tributria Desmonta o Financiamento das Polticas Sociais) apresenta uma abordagem abrangente dos impactos da proposta de reforma tributria no financiamento das polticas sociais no Brasil, especialmente a seguridade social e a polticas de educao e trabalho.

    Os artigos de Guilherme Delgado (Reforma Tributria e suas Implicaes para os Direitos Sociais Seguridade Social) e de Flvio Jos Tonelli Vaz (Longe do Iderio de Justia Tributria: Simplificao com Riscos para a Seguridade Social) aprofundam este debate, abordando o caso especfico da Seguridade Social. Ambos reiteram que, de maneira sub-reptcia, o texto do Projeto de Reforma desestrutura o perfil das finanas sociais construdo desde a Constituio de 1988 no tocante ao Oramento da Seguridade Social, deixando um legado de indefinies e incertezas.

    Paulo Sena (A Educao e a Reforma Tributria) assinala que a PEC atinge os pilares que sustentam o financiamento da Educao brasileira: a receita de impostos vinculada manuteno e desenvolvimento do ensino (MDE), a contribuio social do Salrio-educao e o ICMS. O autor tambm aponta os riscos para a Educao Nacional decorrentes da extino da vinculao constitucional do patamar mnimo de 18% da receita de impostos para a Unio e de 25% para os estados e municpios, implcitas na proposta em debate.

    Jos Celso Cardoso Jr. e Carolina Verssimo Barbieri (Reforma Tributria e o Financiamento das Polticas de Trabalho e Renda no Brasil) debatem os impactos da extino do PIS sobre o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), principal fonte de financiamento do Seguro-desemprego e as demais polticas de gerao de emprego e renda. Assinalam o avano desta medida, fruto da Constituio de 1988, para o desenvolvimento de um sistema pblico de emprego, trabalho e renda no pas. Isso porque se assegura ao fundo a receita de um tributo especfico (a contribuio PIS/Pasep), o que lhe permite acumular ativos que so remunerados fato que seria alterado pela PEC 233/2008.

    Jos Aparecido Carlos Ribeiro (Mais Recursos para a Sade Pblica So Necessrios) ressalta, inicialmente, que o gasto pblico em sade como proporo do PIB no Brasil est bastante atrs no apenas de pases europeus, como Alemanha, Inglaterra e Frana, mas tambm de latino-americanos como Argentina e Colmbia. Alm da necessidade de ampliar o patamar de gastos com Sade, h o desafio de garantir a uma base financeira sustentada para a consolidao do Sistema nico de Sade. Aps o fracasso da CPMF, as esperanas do setor repousam na plena vigncia da Emenda Constitucional n. 29/2000, que vincula recursos oramentrios das trs esferas de governo com aplicaes na rea da sade. No parecem claro quais as conseqncias que a PEC 233/2008 poder vir a ter na consolidao da EC 29.

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    Finalmente, Jos Roberto Rodriguez Afonso (Uma Viso Geral da Reforma Tributria e o Custeio dos Gastos Sociais) apresenta um texto instigante e provocativo que polemiza com as principais idias defendidas pelos autores aqui reunidos a includo o organizador desta Carta. Afonso argumenta que a reforma tributria representa uma oportunidade para se para enfrentar o desafio de integrar adequadamente polticas sociais e econmicas. Inserir a reforma tributria numa agenda mais ampla para transformaes econmicas e sociais deveria ser uma grande aposta do pensamento progressista.

    Boa Leitura!

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    T R I B U T A O Q U E A P R O F U N D A A D E S I G U A L D A D E

    Marcio Pochmann 1

    No final do sculo 19, com o nascimento da Repblica no Brasil, havia uma importante expectativa em torno da transformao do sentido da tributao originria do perodo Imperial. Naquela oportunidade, a principal fonte da tributao assentava-se essencialmente nos impostos indiretos, o que terminava por fazer com que os pobres tivessem justamente que sustentar a mquina do Estado liberal.

    Quase duas dcadas depois da instalao da Repblica, j era evidente o descompasso entre o desejo de tornar progressivo o sistema tributrio republicano e a realidade de manter a regressividade dos impostos. Tanto assim que, no ano de 1905, Manuel Bonfim lanou o livro Amrica Latina, em que destacava a iniqidade tributria vigente, responsvel por tornar os pobres e desfavorecidos do limiar do sculo 20 o segmento social com maior parcela da renda deslocada para a receita pblica: 77% de toda a arrecadao tributria provinha dos impostos indiretos.

    Um sculo depois, constata-se que a situao permanece praticamente a mesma. No obstante as diversas modificaes implementadas ao longo do perodo no sistema tributrio brasileiro, os pobres e desfavorecidos continuam a compor o segmento visado para o maior pagamento proporcional de suas rendas com tributao. Em grande medida, a perpetuao da grave desigualdade no Brasil se deve incapacidade para alterar o sentido regressivo do sistema tributrio nacional.

    Grfico 1 Brasil Participao dos 10% mais ricos na riqueza total nacional e nas cidades e em anos selecionados (em %)

    Fonte: Campos et al. (2004, p. 28).

    _______________

    1 Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho licenciado, da

    Universidade Estadual de Campinas. Presidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea).

    68,762,9

    73,4 75,467,0

    0102030405060708090

    100

    fins do sculo XVIII f ins do sculo XX fins do sulo XX

    Rio de Janeiro Salvador So Paulo Brasil

  • Carta Social e do Trabalho, n. 8 jan./ago. 2008.

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    Como se sabe, a maior ou menor participao da tributao sobre o PIB (Carga Tributria Bruta) pode indicar o quanto o poder pblico pesa sobre a sociedade, mas no necessariamente que ele seja justo e adequado ao conjunto da populao. Em funo disso, o presente artigo trata dos principais traos do sistema tributrio atual, tendo em vista a sua contribuio inegvel para o aprofundamento da desigualdade de renda e riqueza no Brasil.

    Desigualdade pessoal e funcional da renda no Brasil

    A desigualdade extrema no Brasil pode ser observada pela repartio primria da renda e riqueza. Na repartio funcional da renda, que trata da participao da renda do trabalho em relao s demais rendas do patrimnio (lucros, juros, alugueis de imveis, renda da terra, dentre outras), pode-se observar de forma agregada o grau de desigualdade existente.

    Pode-se observar que a tendncia, desde a dcada de 1950, tem sido a menor participao do rendimento do trabalho na renda nacional. Atualmente, menos de 40% da renda nacional so apropriados pelos trabalhadores; no final da dcada de 1950, aproximava-se de quase 60%. Em contrapartida, os detentores de patrimnio assistem expanso contnua de seus rendimentos relativos renda nacional.

    Grfico 2 Brasil Evoluo da participao do rendimento do trabalho na renda nacional em anos selecionados (em %)

    39,1

    45,0

    50,052,0

    56,6

    30

    40

    50

    60

    1959/60 1969/70 1979/80 1989/90 2005

    Fonte: IBGE Contas Nacionais, elaborao prpria.

    Na repartio pessoal da renda, referente ao peso de cada indivduo com rendimento no total da renda, tambm se chega ao indicador de desigualdade. Nesse caso, dada a dificuldade para contabilizar as declaraes de rendimento dos proprietrios, termina-se fundamentalmente analisando-se o rendimento do trabalho, o que no necessariamente um problema estatstico nos pases em que o rendimento do trabalho supera a metade da renda nacional.

    No Brasil, as primeiras informaes oficiais disponveis derivam do Censo Demogrfico de 1960, o primeiro da srie a registrar o rendimento da populao. De l para c, percebe-se a pssima repartio da renda.

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    Grfico 3 Brasil Evoluo do ndice da desigualdade pessoal da renda, em anos selecionados (Gini)

    0,560,56

    0,50

    0,64

    0,59

    0,61

    0,580,59

    0,63

    0,58

    0,60

    0,45

    0,55

    0,65

    1960

    1976

    1978

    1981

    1983

    1985

    1987

    1989

    1992

    1995

    1997

    1999

    2002

    2004

    2006

    Fonte: IBGE. Censo Demogrfico e PNAD.

    Ainda que as investigaes tendam a captar fundamentalmente o rendimento do trabalho, o que torna subestimadas outras formas de renda como os ganhos obtidos pela propriedade (juros, lucros, aluguis e renda da terra), o indicador de desigualdade da distribuio pessoal registrado em 1960 jamais foi alcanado nos ltimos 46 anos de pesquisas do IBGE. Mesmo que no perodo recente o indicador de desigualdade (Gini) tenha apresentado uma inflexo, ele ainda encontra-se 12% acima do de 1960.2

    Tributao sobre os pobres

    A desigualdade no Brasil poderia ser perfeitamente inferior a apresentada atualmente, caso houvesse no pas um sistema tributrio justo, progressivo sobre a renda e riqueza. Como no essa a experincia nacional, compreende-se o quanto ele contribui para o aprofundamento da desigualdade.

    Isso ocorre fundamentalmente porque so os mais pobres que terminam pagando mais tributos no pas. No ano de 2003, por exemplo, o peso da tributao sobre o rendimento das famlias com at dois salrios mnimos mensais (menos de 830 reais de 2008), alcana quase 49%. Ou seja, a cada dois reais que recebe, a famlia transfere quase um real aos cofres pblicos na forma de tributos. J uma famlia com rendimento superior a trinta salrios mnimos mensais (acima de 13,5 mil reais de 2008) comprometia menos de 27% com tributao.

    _______________

    2 Destaca-se que o ndice de Gini mede a desigualdade pessoal da renda, variando de 0 a 1. Quanto mais prximo de 1, pior a

    desigualdade. Pases com ndice de Gini acima de 0,45 expressam grau primitivo de sociedade. A Alemanha, por exemplo, registra o Gini em 0,28; a Sucia, 0,25; a Noruega, 025; Canad, 0,31, dentre outros. No ndice de Gini, o Brasil encontra-se acompanhado de pases como Lesotho, 0,56; Zimbabwe, 0,57; Guin Bissau, 0,56, dentre outros.

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    Grfico 4 Brasil Evoluo da carga tributria na renda familiar, segundo faixas de renda e variao entre 1995/06 e 2002/03 (em %)

    28,221,0 17,4 15,1 14,9 14,8

    48,9

    35,9 31,8 30,5 28,5 28,7 26,317,9

    46,9

    93,991,2101,9

    82,971,973,4

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    120

    at 2 sm 2 a 5 sm 5 a 10 sm 10 a 15 sm 15 a 20 sm 20 a 30 sm mais de 30 sm

    CT 1996 CT 2003 Variao 1996 - 2003

    Fonte: IBGE POF, 1995/96 e 2002/03, elaborao Ipea.

    Para piorar, contata-se tambm que entre 1996 e 2003, momentos de realizao da Pesquisa de Oramento Familiar do IBGE, a carga tributria sobre a renda das famlias cresceu mais para os pobres do que para as famlias ricas. O aumento foi de mais de 73% para as famlias de at 2 salrios mnimos mensais e de menos de 47% para aquelas de mais de 30 salrios mnimos mensais. A classe mdia, entretanto, teve maior adicional de tributao no mesmo perodo de tempo, mesmo que a carga tributria seja ainda 1/3 inferior das famlias pobres no Brasil.

    Grfico 5 Brasil Carga tributria indireta na renda familiar, segundo dcimos da renda familiar per capita em 2003/03 (em %)

    32,8

    22,723,424,123,323,323,2

    23,924,827,0

    3,7 2,8 4,1 4,5 4,9 5,76,9 7,7

    8,8

    12,0

    10,7

    14,616,416,417,618,3

    19,420,7

    24,2

    29,1

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    Primeiro Segundo Terceiro Quarto Quinto Sexto Stimo Oitavo Novo Dcimo

    Carga total Carga Direta Carga tributria indireta

    Fonte: IBGE POF, 1995/96 e 2002/03, elaborao Disoc/Ipea a partir de Silveira (2008).

    A principal razo pela qual os pobres pagam mais impostos do que os ricos se deve natureza fortemente regressiva do sistema tributrio nacional. Ou seja, a forte predominncia dos chamados tributos indiretos, geralmente embutidos no preo final dos bens e servios, muitos dos quais atendem ao consumo dos pobres.

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    Por outro lado, a tributao direta, geralmente atrelada renda e patrimnio, tem reduzida importncia na arrecadao do pas. Ademais de pouco atuarem progressivamente sobre os ricos, inexistem tributos sobre diversas formas de riqueza, com o imposto sobre grandes fortunas, conforme experincia dos pases desenvolvidos.

    Nesse sentido, os 10% mais pobres do pas, cuja renda mdia foi de 73 reais mensais em 2006, transferiam na forma de tributos quase 33% do rendimento. J os 10% mais ricos do pas, com renda mdia de quase 4 mil reais mensais, contribuam com menos de 23% da renda com o sistema tributrio.

    Por conta disso, a desigualdade entre o rendimento mdio bruto dos 10% mais ricos e o dos 10% mais pobres foi de 54 vezes em 2006. J a desigualdade entre o rendimento mdio lquido (aps o efeito da tributao) dos 10% mais ricos e o dos 10% mais pobres foi de 80,5 vezes em 2006. Nesse mesmo ano, o aumento na desigualdade entre os rendimentos mdios (bruto e lquido) dos extremos da distribuio pessoal da renda no Brasil em 49,1% se deveu ao papel regressivo do sistema tributrio nacional.

    Grfico 6 Brasil Evoluo do rendimento mdio mensal real bruto e lquido (aps a carga tributria) dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres entre 1996 e 2003 (em %)

    114

    91

    56

    38

    4620

    3904

    3616

    2795

    0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000

    Rendimento mdio bruto em1996

    Rendimento mdio lquido em1996

    Rendimento mdio bruto em2003

    Rendimento mdio lquido em2003

    10% mais pobres 10% mais ricos

    Fonte: IBGE POF, 1995/96 e 2002/03 e PNAD de 1996 e 2003, elaborao prpria.

    Isso se torna ainda mais evidente, quando se compara a evoluo do grau de desigualdade entre o rendimento mdio bruto e lquido dos 10% mais ricos e o dos 10% mais pobres. Em 2003, por exemplo, a desigualdade entre os rendimentos mdios brutos dos dois decis extremos era de 65,6 vezes e de 73,6 vezes entre os rendimentos mdios lquidos, enquanto em 1996 foi de 40,5 vezes (rendimento mdio bruto) e de 42,9 vezes (rendimento lquido).

    Ademais da constatao do crescimento da desigualdade a partir da identificao do papel do sistema tributrio no Brasil, percebe-se como o aumento da carga tributria terminou contribuindo para agravar ainda mais a desigual repartio da renda e riqueza. Em sntese, o aumento desproporcional da carga tributria entre os diferentes nveis de renda dos brasileiros terminou por agravar ainda mais o grau de desigualdade verificado durante os anos de 1996 e 2003.

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    P R I O R I D A D E J U S T I A T R I B U T R I A

    Amir Khair 1

    A justia tributria, ou seja, quem paga a conta pblica aspecto relevante de um sistema tributrio ainda no est em debate. O Brasil possui um sistema tributrio altamente regressivo, alm de ser campeo mundial das taxas de juros e ter uma das piores posies na distribuio da renda e da riqueza. Quem ganha at dois salrios mnimos paga 49% dos seus rendimentos em tributos; mas quem ganha acima de trinta, apenas 26%. Isso ocorre porque, na comparao internacional, se tributa em excesso o consumo; e o contrrio, para o patrimnio e a renda. Seria necessrio inverter essa ordem que, alm de injusta, no favorece o crescimento do pas.

    Para assegurar um desenvolvimento sustentvel, o Brasil necessita de um mercado interno forte e em expanso. A m distribuio tributria e de renda restringe o potencial econmico e social que o pas possui.

    Cabe ao Estado induzir a poltica distributiva. Na receita, ao fazer com que quem ganha mais pague proporcionalmente mais do que quem ganha menos; e na despesa, ao destinar maior parcela do oramento para as necessidades bsicas da populao.

    A justia tributria ocorreria com a reduo da carga tributria, da regressividade dos tributos e a eliminao deles para a cesta bsica. A reduo da carga tributria permitiria maior competitividade interna e externa aos nossos produtos e gerao de empregos, reduo da inflao e induo do crescimento econmico.

    A diminuio da regressividade se faria pela reduo do ICMS, PIS e Cofins, que representam em mdia 38% dos preos no consumo final. O ICMS responde por 70% dessa elevao. Com relao a esses tributos, a proposta de reforma tributria enviada ao C0ngresso Nacional elimina a Cofins, PIS, Cide e salrio-educao e cria em seu lugar o Imposto sobre o Valor Adicionado Federal. Isso no altera a atual

    regressividade desses tributos e cria um problema tcnico, ao exigir uma elevao em cerca de 75% das atuais alquotas do ICMS, ampliando a sonegao e informalidade. Nesse caso, uma alternativa seria a diminuio da carga tributria que incide sobre o valor adicionado, compensando-a parcialmente com a elevao da tributao sobre o patrimnio e a renda.

    _______________

    1 Mestre em Finanas Pblicas pela Fundao Getlio Vargas (FGV) e consultor.

  • Carta Social e do Trabalho, n. 8 jan./ago. 2008.

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    Como resultado da reduo da carga tributria sobre o consumo, todos acabam ganhando. A populao de mdia e baixa renda, pela melhoria no seu poder aquisitivo. A classe mdia alta e de maior renda, pelos frutos do desenvolvimento econmico e social, quando so gerados ganhos econmicos e financeiros, novas oportunidades e expanso da oferta de empregos.

    Por outro lado, a substituio dos tributos indiretos que atinge o fluxo econmico por tributos que incidem sobre o estoque da riqueza, tem o mrito de criar maior desenvolvimento econmico. Isso ocorre porque permite maior nvel de consumo e produo, gerando lucros maiores, que compensam a tributao sobre a riqueza. o caso dos tributos sobre os bens, especialmente o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Assim, ao contrrio do que alguns propalam (que uma tributao mais intensa sobre o patrimnio afugentaria as empresas), a dinmica econmica mais abrangente, ao criar maior nvel de desenvolvimento e, conseqentemente de ganhos para as empresas.

    O desenvolvimento econmico amplia a arrecadao pblica, proporcionando maiores recursos para investimentos em polticas sociais e em infra-estrutura, e cria maior atratividade para os investimentos nas empresas como decorrncia do maior poder aquisitivo da populao.

    Regressividade

    Uma das caractersticas do sistema tributrio brasileiro a alta regressividade, ou seja, tributa-se mais quem ganha menos e menos quem ganha mais. A regressividade existe devido elevada participao dos tributos indiretos, que so os que no dependem da condio econmica do contribuinte.

  • Carta Social e do Trabalho, n. 8 jan./ago. 2008.

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    Em 2004, quem tinha renda familiar de at dois salrios mnimos pagou 48,9% dela em tributos; 26,3%, para quem tinha mais de 30. Isso agrava a situao da m distribuio de renda e reduz o consumo das classes de renda mdia e baixa, indo na contramo do crescimento sustentvel do pas.

    O quadro a seguir apresenta a evoluo da participao dos tributos diretos e indiretos na arrecadao tributria bruta do pas. A participao dos tributos indiretos tem-se mantido estvel, em torno de 60% desde 1991.

    Participao dos tributos diretos e indiretos

    % da arrecadao 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007INDIRETA 59,1 60,8 59,3 63,0 59,0 58,8 58,4 55,1 57,2 59,6 59,0 61,3 60,3 61,2 60,9 60,2 60,0 CONSUMO ( 1 ) 48,7 46,8 45,7 46,8 45,6 46,0 42,6 39,7 42,5 43,6 43,8 43,7 43,1 44,4 43,3 42,7 41,2 LUCRO ( 2 ) 4,6 8,4 7,2 7,4 7,8 8,5 7,7 6,8 6,3 7,1 6,2 9,5 8,8 8,8 10,1 10,0 11,3 MOVIMENTAO FINANCEIRA ( 3 ) 2,5 2,5 3,5 6,0 1,8 1,3 4,2 4,3 4,1 4,9 5,1 5,2 5,1 5,0 4,9 4,9 4,8 COMRCIO EXTERIOR ( 4 ) 1,8 1,6 1,8 1,8 2,6 1,9 2,0 2,4 2,5 2,4 2,2 1,7 1,5 1,5 1,2 1,2 1,3 OUTROS ( 5 ) 1,4 1,5 1,1 1,0 1,2 1,0 1,8 1,9 1,7 1,7 1,7 1,2 1,7 1,4 1,4 1,4 1,4DIRETA 40,9 39,2 40,7 37,0 41,0 41,2 41,6 44,9 42,8 40,4 41,0 38,7 39,7 38,8 39,1 39,8 40,0 MO DE OBRA ( 6 ) 38,1 36,9 39,3 35,3 37,7 38,1 38,0 41,1 39,5 37,2 37,8 35,4 36,3 35,6 35,9 36,6 36,8 PROPRIEDADE ( 7 ) 2,8 2,3 1,4 1,7 3,3 3,1 3,6 3,7 3,3 3,2 3,2 3,3 3,4 3,2 3,2 3,2 3,2Fonte: Receita Federal do Brasil - elaborao: Amir Khair( 1 ) - IPI, Cofins, PIS, PASEP, CIDE, Outras Contribuies Econmicas da Unio, ICMS e ISS( 2 ) - Imposto de Renda Pessoa Jurdica e CSLL.( 3 ) - Imposto sobre Movimentao Financeira (IMF), CPMF e IOF.( 4 ) - Imposto de Importao e Imposto de Exportao( 5 ) - Taxas e Outros Tributos( 6 ) - Imposto de Renda Pessoas Fsicas e na Fonte, INSS, Seguridade Servidores, Outras Contribuies Sociais da Unio e FGTS.( 7 ) - IPTU, ITBI, ITR, ITCMD

    Participao dos Tributos Diretos e Indiretos

    A elevada participao da carga tributria indireta devida fundamentalmente aos impostos sobre o consumo, com destaque para o ICMS, responsvel por cerca da metade dela. Assim, reduzir a tributao sobre o consumo significa menores alquotas do ICMS, Cofins e PIS. Efeito mais importante ainda isentar plenamente os produtos da cesta bsica. Isso requer compensao de outro tributo de carter direto, para no reduzir a arrecadao da Unio e dos estados, que tm no ICMS 83%, em mdia, das suas receitas totais. Como veremos adiante, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) poderia contribuir nessa direo.

    Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)

    O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) previsto pela primeira vez na Constituio Federal de 1988 como de competncia da Unio, demanda lei complementar para a sua regulamentao que no foi aprovada at hoje. Ele poderia ser cobrado de forma progressiva, com um nvel mnimo de iseno, e alquota reduzida sobre o valor do patrimnio declarado no Imposto de Renda do final do exerccio de pessoas fsicas e jurdicas, que exceder o valor da iseno.

    A proposta de reforma tributria do governo facilita sua aprovao, pois 51,6% dele iro para os estados e municpios. Assim, governadores, prefeitos e potenciais candidatos a esses postos no Congresso teriam todo interesse em aprovar esta nova fonte de recursos.

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    Estudo Tributrio feito pela Receita Federal do Brasil com base na declarao de Imposto de Renda de 2000 revela que em 2000 o valor dos bens equivalia a 1,9 vezes o PIB; mas se estima2 que a riqueza mundial atinja US$ 190 trilhes e o PIB, US$ 48 trilhes, ou seja, a riqueza quatro vezes o PIB. Como o Brasil apresenta h dcadas uma das piores distribuies de renda do mundo, provvel que essa relao seja superior. Assim, uma alquota mdia de 1% aplicada sobre o valor dos bens atualizados poder, aps os aperfeioamentos necessrios de controle, permitir uma arrecadao superior a 4% do PIB. Esse nvel superaria o conjunto de tributos indiretos: IPI, PIS, ISS, Cide e Imposto de Importao e equivaleria Cofins.

    Justia tributria: algumas sugestes

    O sistema tributrio, para atender o desenvolvimento econmico e social, deveria contemplar: a) reduo da carga tributria; b) elevao da progressividade; c) elevao da participao dos tributos diretos; e d) desonerao dos tributos indiretos de consumo popular. Seguem dez sugestes, que podem contribuir para isso:

    Queda da carga tributria Autorizar a progressividade para qualquer tributo Regulamentao do IGF com desonerao no INSS empresas Desonerao total da cesta bsica Passar o ITR e ITCD aos municpios Elevar a alquota do imposto sobre heranas Estabelecer alquotas do ISS entre 2% e 3% Ampliar a progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Fsica (IRPF) Eliminar o teto de contribuio do INSS com desonerao no INSS das empresas Estabelecer a alquota padro do IVA Estadual em 15% e a mxima em 20%

    1 Queda da Carga Tributria (CT)

    Uma reduo da CT d maior competitividade s empresas no confronto com as do exterior e eleva o poder aquisitivo de todos, especialmente os de menor renda. A CT obtida pela diviso da arrecadao de tributos pelo Produto Interno Bruto (PIB). Se a arrecadao crescer menos que o PIB, ocorre reduo da CT. O grfico a seguir apresenta a evoluo da CT desde 1991, segundo a metodologia oficial de clculo da Receita Federal do Brasil.

    _______________

    2 Fonte: FMI - Global Stability Report, p. 139, table 3, Sept. 2007.

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    24,5 25,0

    29,1

    26,6

    30,4 31,331,9

    33,434,6

    35,9

    29,0

    23,3

    32,231,5

    27,826,925,9

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

    Realizado Reta de Regresso% do PIB

    Carga Tributria = Arrecadao dividida pelo PIB

    Fonte: Receita Federal do Brasil - elaborao: Amir Khair estim.

    Crescimento de 0,70 ponto percentual ao ano de 1991 a 2007

    De 1970 at 1993, a CT se manteve estvel em cerca de 25% do PIB; mas de 1991 a 2007 tem-se uma tendncia de elevao de 0,7 ponto percentual a cada ano.

    Ocorre uma elevao da CT em perodos de crescimento econmico, pois a arrecadao acompanha o crescimento do PIB e vai alm, devido maior eficincia com a informatizao, que permite controle amplo sobre os contribuintes.

    Outros fatores contribuem para o crescimento da CT. Os lucros e a massa salarial crescem acima do PIB e a arrecadao diretamente proporcional a essas evolues. Por outro lado, o crescimento das importaes faz crescer o imposto de importao (no numerador da CT) e decresce o PIB (no denominador).

    O que faz cair a CT no a simplificao do sistema tributrio, mas a reduo de alquotas. Enquanto permanecer o atual sistema tributrio, com crescimento da economia e melhoria da fiscalizao, s com uma reduo de alquotas ou eliminao de tributos, como no caso da CPMF, ser possvel reduzir a CT.

    2 Autorizar a progressividade para qualquer tributo

    A Constituio Federal no 1 do artigo 145 estabelece que Sempre que possvel, os impostos tero carter pessoal e sero graduados segundo a capacidade econmica do contribuinte, facultado administrao tributria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimnio, os rendimentos e as atividades econmicas do contribuinte.

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    Embora esse texto seja claro, algumas decises legislativas e judiciais tm impedido que seja aplicado. necessrio deixar isso ainda mais explcito. A sugesto acrescentar ao artigo 145 um pargrafo: Os tributos podero sempre, em qualquer caso, ser progressivos, nos termos da lei que os criar ou alterar.

    3 Regulamentao do IGF com desonerao no INSS empresas

    A novidade na proposta da reforma tributria do governo que 51,6% do IGF iro para os estados e municpios, o que poder viabilizar sua aprovao. o tributo com maior nvel de partilha, pois o imposto de renda, IPI e o IVA federal partilham apenas 28,7%.

    Vimos que uma alquota mdia de 1% aplicada sobre o valor dos bens poder permitir uma arrecadao superior a 4% do PIB. Esse nvel corresponde a todo o INSS pago pelas empresas; parte dele podendo ser usado para desonerar a folha de pagamento.

    4 Desonerao total da cesta bsica

    Os produtos da cesta bsica devero ficar isentos de tributao, na Constituio. Os estados que fossem prejudicados podem ser compensados pelo Fundo de Equalizao de Receitas e pela adequao de alquotas do IVA estadual, perante suas assemblias legislativas.

    5 Passar o ITR e ITCD aos municpios

    O ITR e ITCD so receitas marginais para a Unio e estados, respectivamente. Juntos, representam s 0,01% do PIB. Ao passarem para a competncia municipal, podero, dentro de regras a serem estabelecidas por Lei Complementar, apresentar evoluo significativa, dada a possibilidade de maior controle e fiscalizao.

    6 Elevar a alquota do imposto sobre heranas

    A herana tributada com alquota de 4%. Esse nvel baixo, na comparao internacional. Assim, conjugando progressividade com elevao de alquota, ser possvel ampliar sua arrecadao,

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    contribuindo para reduzir a regressividade e gerando importante fonte de recursos para os municpios, se lhes couber a competncia, como proposto.

    7 Estabelecer alquotas do ISS entre 2% e 3%

    Os municpios foram beneficiados com a Lei Complementar n 116 de 31 de julho de 2003, que ampliou a lista de servios tributados pelo ISS, e que passaria a ser cobrado no destino, para acabar com a guerra fiscal. Esse ltimo objetivo s foi parcialmente alcanado, pois suas alquotas elevadas favorecem o descumprimento dessa legislao.

    As alquotas do ISS variam de 2% a 5%, sendo mais comum essa ltima. Com a reforma tributria proposta pelo governo, a Unio passaria a cobrar tambm os servios, elevando ainda mais a informalidade e sonegao. A proposta manter s a tributao municipal com alquotas entre 2% e 3%. No ocorreria perda de arrecadao, pois seriam reduzidas a informalidade, a sonegao e a guerra fiscal. Alm disso, haveria reduo da cumulatividade tributria.

    8 Ampliar a progressividade do IRPF

    O IRPF ser tanto mais progressivo quanto maior for o valor da iseno, e mais elevada a alquota mxima. Historicamente, o que se deu foi o oposto. De 1983 a 1985, a tabela para seu clculo tinha 13 faixas de renda e alquotas que variavam de 0% a 60%, com intervalo de 5%. Em 1989, passaram a duas, 10% e 25%. Em 1995, passaram a trs, que variavam de 15% a 35%; e a partir de 1998, s duas, 15% e 27,5%.

    Comparativamente ao padro internacional, o imposto sobre a renda e a Contribuio Social sobre o Lucro Lquido (CSLL) atingem 7,4% do PIB, enquanto na mdia dos pases da OCDE so 13,6% do PIB.

    O quadro ao lado apresenta a comparao internacional.

    A mdia aritmtica, a despeito de suas limitaes, mostra que normalmente se opera com cinco faixas, que teriam como extremos 13% e 42%. Assim, se poderia propor uma iseno no pagamento do IR de R$ 2.000 (base abril de 2008), valor prximo ao salrio mnimo do Dieese, com cinco faixas de 10% a 42%, com intervalos de 8%: 10%, 18%, 26%, 34% e 42%. O valor das faixas deveria ser calibrado, de forma a permitir uma arrecadao superior atual de 3,6% do PIB, considerando inclusive o total arrecadado na fonte.

    Pas Faixas Mnima MximaAlemanha 3 22,9 53,0Argentina 7 9,0 35,0Austrlia 4 7,0 47,0ustria 5 2,0 50,0Azerbaijo 6 12,0 35,0Barbados 2 25,0 40,0Blgica 7 5,0 55,0Bolvia 5 15,0 30,0Brasil 2 15,0 27,5Bulgria 4 16,0 38,0Canad 4 5,0 29,0Chile 6 5,0 45,0China 9 15,0 45,0Espanha 6 15,0 39,6Estados Unidos 5 15,0 39,6Frana 12 5,0 57,0Grcia 5 5,0 42,5Holanda 4 6,2 60,0Israel 5 10,0 50,0Itlia 5 18,0 45,0Japo 4 10,0 37,0Nova Zelndia 3 19,5 39,0Peru 2 15,0 20,0Portugal 6 12,0 40,0Reino Unido 3 20,0 40,0Sua 3 31,0 57,0

    Mdia Aritmtica 5 12,9 42,2

    Fonte: Price Waterhouse & Coopers - Tax Individual, 2002

    Elaborao: Assessoria Econmica do Unafisco Sindical

    IRPF de pases selecionados Alquotas (%)

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    9 Eliminar o teto de contribuio do INSS com desonerao nas empresas

    Existe forte regressividade para os que ganham acima do teto de contribuio. O grfico a seguir apresenta as alquotas que efetivamente incidem sobre os rendimentos.

    Na mdia, os que ganham at o teto contribuem com uma alquota de 8,9% sobre o seu rendimento. Acima do teto, essa mdia cai para 5,2%. Rendimentos de R$ 10.000 pagam 3,2%; e de R$ 20.000 pagam 1,6%.

    O sistema previdencirio pelo regime de repartio e supe solidariedade entre participantes. Isso ocorre abaixo do teto. Acima dele, a solidariedade se inverte.

    Nossa proposta eliminar o teto como limite de contribuio, mas no de benefcio, tornando o sistema mais solidrio. Isso permitir uma maior arrecadao, que compensaria a desonerao das empresas. O quadro a seguir apresenta por faixa salarial o nmero de trabalhadores e respectivas remuneraes. A partir desses dados, se calculam as contribuies por faixa salarial, conforme as regras em vigor em setembro de 2007.

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    Apenas 5,8% dos trabalhadores ganhavam acima do teto, mas detinham 33,2% dos rendimentos. Caso passassem a contribuir com 11% dos vencimentos, seria possvel desonerar em 2,3 pontos percentuais na alquota das empresas, conforme quadro ao lado.

    Essa desonerao contribuiria para reduzir a informalidade, gerando maior nmero de contribuintes de empresas e de assalariados.

    10 Estabelecer a alquota padro do IVA Estadual em 15% e a mxima em 20%

    O ICMS o maior responsvel pela regressividade. o tributo de maior arrecadao no pas, atingindo 7,3% do PIB, metade da carga tributria que incide sobre o consumo.

    Pela proposta do Governo, compete ao Senado definir as alquotas do IVA; e ao Conselho a ser constitudo pelos Secretrios de Fazenda dos Estados, classificar os bens nessas alquotas, cabendo ao Senado aceit-las ou rejeit-las, mas no modific-las.

    Isso cria o risco de uma elevao da carga tributria do atual ICMS, com a passagem para o IVA estadual. Como sugesto, a alquota-padro, atualmente de 18%, passaria a 15%; e a mxima, para 20%, sendo impedida a alquota do novo IVA de superar a correspondente do atual ICMS para cada bem ou servio.

    Os Estados no perdero recursos, pois a reforma tributria: a) estabelece o fim da guerra fiscal; b) cria o Fundo de Equalizao de Receitas (FER); c) torna obrigatria a modernizao fiscal para terem

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    direito aos recursos do FER; d) prev a possibilidade de alterar algumas alquotas do IVA estadual nas Assemblias Legislativas; e) reduz a sonegao e informalidade pelas menores alquotas; e f) estimula o crescimento econmico.

    O horizonte da justia fiscal encontrar sem dvidas barreiras e interesses divergentes. Alm de esbarrar no conflito federativo pela disputa de receitas, a reforma do sistema tributrio deve avanar para reparar a injustia fiscal e permitir um maior desenvolvimento econmico e social ao pas. O governo federal deu um passo importante, ao fazer sua proposta, e est disposto a negoci-la. Cabe agora ao Congresso Nacional aperfeio-la, vencer a resistncia de alguns governadores e vot-la sem protelaes.

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    R E F O R M A T R I B U T R I A D E S M O N T A O F I N A N C I A M E N T O D A S P O L T I C A S S O C I A I S

    Evilsio Salvador 1

    Introduo

    Encontra-se em tramitao na Cmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233/2008, tambm conhecida como a proposta de reforma tributria, trazendo graves conseqncias ao financiamento das polticas sociais no Brasil. A reforma altera de forma substancial a vinculao das fontes de financiamento exclusivas das polticas da seguridade social (previdncia, sade e assistncia social), educao e trabalho.

    A proposta de reforma tributria d prosseguimento s medidas econmicas constante do Programa de Acelerao Econmica (PAC) lanado em 2007. Naquela oportunidade, o governo anunciou que iria retomar a discusso sobre a reforma tributria com os governadores, prefeitos, empresrios, representantes dos consumidores e parlamentares, tendo como objetivo o aprimoramento do sistema tributrio nacional.2 Chama ateno que agenda no inclui o debate com as entidades representativas da sociedade civil, organizaes populares, movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores.

    De fato, a construo da proposta de reforma tributria, ao longo dos ltimos 12 meses, incluiu uma ativa agenda de reunies com os setores representativos do empresariado nacional, alm de encontros com os governadores e prefeitos. O dilogo com o movimento social e sindical limitou-se s reunies realizadas no mbito do Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social (CDES), que trataram da reforma tributria. Assim, a proposta de reforma tributria um reflexo do diversos interesses do setor empresarial e das questes federativas pautadas pelos governadores e prefeitos.

    Com isso, a PEC da reforma tributria limita seus objetivos a simplificar, eliminar tributos e pr fim guerra fiscal entre os estados.3 O nico princpio tributrio no qual a PEC 233/2008 foi baseada o da neutralidade, esquecendo-se os demais princpios tributrios e constitucionais, especialmente os princpios da capacidade contributiva, da isonomia e da progressividade. O princpio tributrio da neutralidade fundamentado na concepo neoclssica, segundo a qual o sistema tributrio no pode romper o equilbrio de mercado e, portanto, os impostos no podem afetar as decises dos agentes econmicos na alocao dos recursos nas economias, o que afetaria a eficincia. Assim como os tributos no devem alterar a estrutura de distribuio de renda, pois esta, no modelo neoclssico4, considera tima, antes da incidncia dos impostos (Oliveira, 2001).

    _______________

    1 Economista, Mestre e Doutorando em Poltica Social na Universidade de Braslia (UnB). Assessor de Poltica Fiscal e Oramentria do

    Instituto de Estudos Socioeconmicos (Inesc). Contato: [email protected] 2 Vide http://www.brasil.gov.br/pac/economicas/economicas/desoneracao/

    3 Lembrando que a PEC 41da Reforma Tributria proposta em 2003, destacava em sua exposio de motivos entre os objetivos da

    reforma promover a justia social, desonerando as pessoas de menor renda e ampliando a progressividade do sistema (p. 13). 4 Para compreenso da discusso e dos aportes tericos fornecidos pelas diferentes escolas do pensamento econmico sobre a

    questo tributria, ver Santos (2001).

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    Contudo, o debate sobre a reforma tributria deveria ser pautado pela retomada dos princpios da eqidade, da progressividade e da capacidade contributiva, no caminho da justia fiscal e social, priorizando a redistribuio da renda (Hickmann; Salvador, 2006). As tributaes da renda e do patrimnio nunca ocuparam lugar de destaque na agenda nacional e nos projetos de reformas tributrias aps a Constituio de 1988. Assim, mais do que oportuno recuperarem-se os princpios constitucionais basilares da justia fiscal (eqidade, capacidade contributiva e progressividade). A tributao um dos melhores instrumentos de erradicao da pobreza e da reduo das desigualdades sociais, que constituem objetivos essenciais da Repblica, esculpidos na Carta Magna.

    Este breve artigo tem por objetivo analisar a proposta de reforma tributria, no mbito da PEC 233/2008, destacando as implicaes para o financiamento das polticas sociais no Brasil, especialmente a seguridade social e a polticas de educao e trabalho.

    A construo do Estado de Bem-Estar Social nos pases desenvolvidos privilegiou a redistribuio da renda gerada por meio oramento, com tributao sobre os mais ricos e transferncias dos recursos dos fundos pblicos, para os mais pobres. Nos pases desenvolvidos foram realizadas reformas no segundo ps-guerra, como a tributria, a social e a trabalhista. Pela primeira vez, os ricos passaram a pagar impostos, especialmente com o mecanismo da progressividade sobre a renda e patrimnio. Construiu-se uma nova estrutura de redistribuio da renda, que veio a se sobrepor estrutura capitalista distributiva primria constituda (lucros, juros, aluguis de imveis, salrios e remuneraes). Como isso, os mais ricos passaram a ser tributados consideravelmente com impostos sobre a renda, patrimnio e herana, permitindo a criao de fundos pblicos para financiar a transferncia de renda para a populao de menor renda, combatendo a pobreza, o desemprego e a desigualdade social nos pases desenvolvidos (Pochmann, 2004).

    O Brasil, com base na experincia internacional e com objetivo de erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e construir uma sociedade mais justa, deveria utilizar o sistema tributrio como instrumento de distribuio de renda e riqueza, no caminho inverso do construdo nas ltimas dcadas.

    O nosso pas encontra-se entre as dez economias mais ricas do mundo (World Bank, 2007), no entanto, possui uma das maiores concentraes de renda do planeta (PNUD, 2006). Apesar da melhoria no coeficiente de Gini, no perodo de 1995 a 2005, de 0,601 para 0,569, a concentrao de renda do nosso pas equiparvel de alguns pases da frica Subsaariana, uma das regies mais miserveis do mundo. Os dados que so utilizados no clculo do Coeficiente de Gini so baseados na Pesquisa por Amostra de Domiclios (Pnad) do IBGE, que subestimam a renda do capital: juros, lucros e aluguis.

    A questo relevante a distribuio funcional da renda, que colabora para averiguar a desigualdades entre as diferentes classes sociais. Nesse sentido, o Sistema de Contas Nacionais (SCN) do IBGE apresenta informaes protuberantes para anlise da iniqidade social no Brasil. Os dados revisados do SCN pelo IBGE (2007) revelam a iniqidade em vigor no pas: em 2000, os salrios representavam 32,1% do PIB, reduzindo-se para 31,7%, em 2005; enquanto os lucros, mensurados a partir do excedente operacional bruto, aumentaram sua participao na renda nacional de 34% (2000) para 35,2%, em 2005.

    O sistema tributrio brasileiro no colabora para reverter essa situao. Ao contrrio, tem sido um instrumento a favor da concentrao de renda, agravando o nus fiscal dos mais pobres e aliviando o das classes mais ricas. O Imposto de Renda (IR) tem sido utilizado como instrumento de renncias fiscais e favorecido a eliso e o planejamento tributrio (Salvador, 2007). Alm do tratamento mais gravoso dos

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    rendimentos do trabalho e isentando os rendimentos do capital, como a distribuio do lucro. O que torna necessria uma profunda reviso do IR com objetivo de restabelecer o seu verdadeiro significado, contribuindo para assegurar a eqidade horizontal e vertical na tributao (Dain, 2006).

    Reforma tributria afeta o financiamento das polticas sociais

    A PEC da reforma tributria no aponta para a construo de um sistema tributrio progressivo, pautado pela tributao da renda e do patrimnio. Alm disso, as modificaes propostas afetam a estrutura de financiamento das polticas sociais, particularmente, os recursos vinculados ao custeio da seguridade social, educao e trabalho. Os principais pontos da reforma tributria so:

    a) a criao de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extino de quatro tributos federais (Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social Cofins; a contribuio para o Programa de Integrao Social PIS; a Contribuio de Interveno no Domnio Econmico incidente sobre a importao e a comercializao de combustveis Cide; e a contribuio social do Salrio-educao);

    b) a incorporao da Contribuio Social do Lucro Lquido (CSLL) ao Imposto de Renda das Pessoas Jurdicas (IRPJ);

    c) a reduo gradativa da contribuio dos empregadores para previdncia social, a ser realizada nos anos subseqentes da reforma, por meio do envio de um projeto de lei no prazo de at 90 dias da promulgao da PEC;

    d) a unificao da legislao do Imposto sobre Circulao de Mercadoria e Servios (ICMS), a ser realizada por meio de lei nica nacional e no mais por 27 leis das unidades da federao;

    e) a criao de um Fundo de Equalizao de Receitas (FER) para compensar eventuais perdas de receita do ICMS por parte dos estados; e

    f) a instituio de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), permitindo a coordenao da aplicao dos recursos da poltica de desenvolvimento regional.

    O principal objetivo da reforma a simplificao da legislao tributria, tanto por meio da reduo das legislaes do ICMS, quanto pela eliminao de tributos, trazendo maior racionalidade econmica e reduzindo as obrigaes acessrias das empresas com custos de apurao e recolhimento de impostos. Alm disso, a cobrana do ICMS no Estado de destino da mercadoria dever eliminar a guerra fiscal.

    A criao do IVA-F vai reduzir a cumulatividade do sistema tributrio. Hoje, a Cide-Combustveis e parte da arrecadao da Cofins e da Contribuio do PIS so cobradas diversas vezes sobre um mesmo produto, isto , em todas as etapas de produo e circulao da mercadoria. O IVA-F vai tributar apenas o valor adicionado em cada estgio da produo e da distribuio. Assim, o valor do tributo poder ser definido pela diferena entre o preo de venda do produto e o custo da aquisio, nas diversas etapas da cadeia produtiva. Contudo, em ambos os modelos, o tributo repassado ao preo de venda do bem e do servio, sendo pago, portanto, pago pelo consumidor final.

    Alis, o governo deveria aproveitar a oportunidade para regulamentar o Art. 150, 5, da CF A lei determinar medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e servios, assegurando maior transparncia na arrecadao dos tributos.

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    A proposta de reforma traz avanos para as empresas, com a simplificao do recolhimento tributrio, que poder at resultar no aumento da eficincia econmica e da produtividade. Porm, a PEC no modifica a estrutura regressiva do sistema tributrio brasileiro. O que ocorre a alterao da regulao dos tributos indiretos, do regime cumulativo para a incidncia sobre o valor adicionado. A marca principal do sistema tributrio brasileiro, que a sua enorme regressividade, permanece indelvel.

    Apesar da insignificante arrecadao dos impostos que tm incidncia sobre o patrimnio, que responderam, por exemplo, em 2007, por apenas 3,3% do montante arrecadado em tributos, a proposta de reforma tributria silenciou sobre o assunto. Convm lembrar que as 5 mil famlias mais ricas do Brasil tm em patrimnio algo em torno de 40% do PIB brasileiro (Pochmann, 2004).

    A implicao mais importante da reforma tributria diz respeito ao financiamento da seguridade social, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da educao bsica (Salrio-educao). Os trs tributos mais relevantes que financiam a seguridade social no Brasil sero modificados. A Cofins e a CSLL sero extintas e haver desonerao da contribuio patronal sobre a folha de pagamento, por meio de legislao especfica, aps as mudanas constitucionais. Para a seguridade social passam a ser destinados 38,8% do produto da arrecadao dos impostos sobre renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operaes com bens e prestaes de servios (IVA-F). Esse percentual equivalente a proporo entre a arrecadao da Cofins e da CSLL e a receita arrecadada, em 2006, com IR, CSLL, Cofins, PIS, Cide, Salrio-educao e IPI.

    Essa modificao o sepultamento da diversidade das bases de financiamento da seguridade social inscrita no Artigo 195 da Constituio de Federal (CF) de 1988, que ampliou o financiamento da previdncia, sade e assistncia social para alm da folha de salrios, incluindo, a receita, o faturamento e lucro. A partir da reforma, restar inscrito no Art. 195 da CF, como base de financiamento da seguridade social, a contribuio sobre a folha de salrios, a contribuio do trabalhador para a previdncia social e a receita de concursos e prognsticos, sendo que a contribuio sobre folha de pagamento dever ser reduzida ao longo dos prximos anos. Portanto, a idia de oramento de seguridade social diversificado em fontes de financiamentos retroagir a situao anterior a da CF. Com isso, haver perda da exclusividade de recursos para a seguridade social, que poder ficar fragilizada em seu financiamento, dependendo de uma partilha do IVA-F e da arrecadao das contribuies previdencirias.

    Alm disso, a desonerao da folha de pagamento via a reduo da contribuio patronal para a previdncia social, conforme Projeto Lei a ser envidado 90 dias aps aprovao da PEC, vai significar uma perda de R$ 24 bilhes para previdncia social. No existe nenhuma previso de substituio desta contribuio por outro tributo no financiamento da previdncia. Alm do enfraquecimento da solidariedade no financiamento da previdncia social, um compromisso historicamente construdo no Brasil.

    Convm lembrar que um dos maiores avanos dessa Constituio, em termos de poltica social, foi a adoo do conceito de seguridade social, englobando em um mesmo sistema as polticas de sade, previdncia e assistncia social. Para tanto a CF apontou entre os princpios da seguridade social a diversidade da base de financiamento. Com isso, o artigo 195 da CF estabeleceu que alm das contribuies dos empregados e empregadores, os recursos provenientes das contribuies sociais sobre o lucro, a receita, o faturamento, do importador de bens e servios do exterior e a receita de concursos de prognsticos.

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    Mesmo que seja garantido um repasse seguridade social com base em parte do oramento fiscal, vai deixar de existir as receitas prprias da seguridade social prevista em oramento exclusivo, como determina a CF. Com o tempo, a noo de separao da seguridade social vai-se desvanecer. As polticas sociais da sade, assistncia social e previdncia tero que disputar recursos e enfrentar presses no mbito do oramento fiscal, com os governadores e prefeitos, pois a base tributria ser a mesma que partilhada com os estados e municpios. Alm da histrica presso dos empresrios por desonerao tributria e pelo destino de mais verbas oramentrias para os investimentos.

    O governo prope na reforma tributria a desonerao da folha de pagamento, mediante a substituio da contribuio social do Salrio-educao por uma destinao da arrecadao federal. O Salrio- Educao a contribuio social prevista no Artigo 212, 5 da Constituio Federal: o ensino fundamental pblico ter como fonte adicional de financiamento a contribuio social do Salrio-educao, recolhida pelas empresas na forma da lei.

    A reforma tributria acaba com esta contribuio social especfica para o financiamento da educao bsica. No seu lugar, a PEC da reforma tributria prev que em uma Lei Complementar ser definido o percentual a ser destinado para o financiamento da educao bsica, enquanto isso vai ocorrer uma destinao de 2,3% da arrecadao dos impostos sobre renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operaes com bens e prestaes de servios (IVA-F). Esse percentual equivalente a proporo entre a arrecadao da Contribuio Social do Salrio-educao e a receita arrecadada, em 2006, com IR, CSLL, Cofins, PIS, Cide, Salrio-educao e IPI.

    Em termos polticos, a mudana grave. Um dos avanos da Constituio, em termos de polticas sociais foi a vinculao de recursos como uma das formas de enfrentar a perversa tradio fiscal existente no Brasil, cuja aplicao dos recursos do oramento pblico sempre priorizou a acumulao do capital, submetendo as polticas sociais lgica econmica. Vincular recursos significa, portanto, amenizar esta prtica, assegurando que parte da receita seja obrigatoriamente destinada e exclusiva para o financiamento da rea social. O objetivo universalizar os direitos sociais: educao, previdncia, sade e trabalho. Mesmo que seja garantido um repasse educao bsica, com base em parte do oramento fiscal, deixaro de existir as receitas prprias da educao.

    O fim da fonte de recursos exclusiva para a educao bsica poder ter conseqncia para o Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), que tem a educao bsica de qualidade como a prioridade, assim como, para o Plano Nacional de Educao (PNE) que tem entre outros objetivos, a elevao global do nvel de escolaridade da populao e a melhoria da qualidade do ensino em todos os nveis. Pois, a reforma tributria vai enfraquecer o financiamento da educao bsica, fragilizando o aporte dos recursos necessrios para o alcance da metas e dos objetivos estabelecidos nesses planos.

    O PNE diz que a questo do financiamento da Educao, o requisito para o exerccio pleno da cidadania, para o desenvolvimento humano e para a melhoria da qualidade de vida da populao. Contudo este ideal colocado em xeque com a reforma tributria, pois a reforma pode inviabilizar os recursos vinculados aos fundos sociais. O Salrio-educao um dos recursos geridos pelo FNDE, representando 37% dos recursos do Fundo, em 2008. A arrecadao tem tambm uma quota que repassada aos estados e municpios.

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    Os fundos sociais foram criados em um modelo em que os recursos reservados para executar certas polticas fossem administrados por conselhos de composio paritria. Neles, representantes governamentais e no-governamentais somam-se para acompanhar e fiscalizar polticas pblicas. Por terem recursos originados na cobrana de taxas ou contribuies especialmente criadas para aliment-los, estes fundos so formados por fluxos financeiros como lucros, receitas brutas, faturamentos, folhas de pagamentos (Rocha, 2002). Eles tm em comum uma relativa estabilidade na captao de recursos, deixando de depender de recursos do oramento fiscal. Com a reforma tributria, a educao passar a depender da disputa pelos recursos do oramento fiscal, que nem sempre tem como prioridade os gastos nas reas sociais, fragilizando com isso o futuro do PDE e do PNE.

    No mesmo sentido, a PEC da reforma tributria, ao extinguir a contribuio social para o Programa de Integrao Social (PIS), acabar como uma fonte importante de financiamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) cujos recursos so direcionados ao custeio do Programa do Seguro-desemprego, do Abono Salarial e, pelo menos 40%, ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econmico a cargo do BNDES. No seu lugar passam a ser destinados 6,7% do produto da arrecadao dos impostos sobre renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operaes com bens e prestaes de servios (IVA-F).

    Os tributos que sero extintos com a reforma tributria devero alcanar o montante de R$ 153,8 bilhes, neste ano, conforme a previso de receitas do Oramento de 2008. Neste montante foi considerada a incidncia da Desvinculao de Recursos da Unio (DRU), conforme demonstrado na Tabela 1. Essas receitas so vinculadas exclusivamente para fundos sociais que financiam as polticas da seguridade social (assistncia social, previdncia e sade), educao e trabalho. A sua extino significa o desmonte do financiamento da poltica social, conforme a estrutura de receitas exclusivas definida na Constituio, desde 1988. Os recursos para essas polticas sero repassados pelo oramento fiscal, colocando a rea social no mago da disputa de receitas com os governadores, prefeitos e empresrios. Isso vai ocorrer por dois motivos: primeiro, porque ser a mesma base de partilha de tributos dos estados e municpios; segundo, h uma forte presso de setores empresariais pelo aumento dos gastos oramentrios com investimento e por maior desonerao tributria.

    Tabela 1 Receitas Vinculadas as Polticas Sociais, em R$ milhes

    2006 2007 2008(1) Polticas/Receitas

    Sem DRU Com DRU Sem DRU Com DRU Sem DRU Com DRU Seguridade Social 119.096 95.277 136.874 109.499 155.639 124.511 COFINS 91.130 72.904 102463 81.970 114570 91.656 CSLL 27.966 22.373 34411 27.529 41069 32.855 Educao Bsica 6.925 6.925 7.089 7.089 8.762 8.762 Salrio-educao 6.925 6.925 7089 7.089 8762 8.762 FAT/Bndes 20.218 16.174 22.097 17.678 25.704 20.563 PIS 20.218 16.174 22097 17.678 25704 20.563 Total 146.239 118.376 166.060 134.266 190.105 153.836 Nota: Conforme estimativa de receitas da Lei Oramentria de 2008. Fonte: STN, SRFB e Siga Brasil, elaborao prpria.

    Por fim, a reforma tributria prope adequaes no art. 76 do Ato das Disposies Constitucionais, de modo a garantir a continuidade da DRU at 31/12/2011. A DRU desvinculao de 20% da arrecadao

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    de impostos e contribuies sociais. Hoje, a DRU transforma parte dos recursos que deveriam ser destinados ao financiamento da seguridade social em recursos fiscais para a composio do supervit primrio e, por conseqncia, a sua utilizao em pagamento de juros da dvida. Somente, em 2007, a DRU desviou R$ 38,6 do Oramento da Seguridade Social, conforme dados da Secretaria do Tesouro Nacional.5 Esses recursos deveriam ser destinados s aes de previdncia, sade e assistncia social, e poderiam ampliar os direitos relativos a estas polticas sociais, mas acabaram compondo o supervit primrio. A reforma tributria perde oportunidade de extinguir a DRU, pois no h mais razo da sua existncia, aps consecutivas superaes de metas de supervit primrio.

    Referncias bibliogrficas CARVALHO, Fernando Cardim. Entre a poltica econmica e a questo social. In: Observatrio da Cidadania: Relatrio 2005, Rio de Janeiro, IBASE, 2005.

    DAIN, Sulamis. A economia poltica da reforma tributria de 2003. In: PINTO, Mrcio. BIASOTO JR., Geraldo. Poltica fiscal e desenvolvimento no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 371-398.

    HICKMANN, Clair; SALVADOR, Evilsio (Org.). 10 anos de derrama: a distribuio da carga tributria no Brasil. Braslia: Unafisco Sindical, 2006.

    OLIVEIRA, Fabrcio. Economia e poltica das finanas pblicas: uma abordagem crtica da terica convencional, luz da economia brasileira. Belo Horizonte, 2001.

    PISCITELLI, Roberto. Reforma tributria: a unanimidade de cada. In: MORHY, Lauro (Org.). Reforma tributria em questo. Braslia: Editora da UnB, 2003, p. 83-90.

    POCHMANN, Marcio. Proteo social na periferia do capitalismo: consideraes sobre o Brasil. So Paulo em Perspectiva, So Paulo, v. 18, n. 2, p. 3-16, 2004.

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    WORLD BANK. World Development Indicators database 14 September 2007. Disponvel em: http://siteresources.worldbank.org/DATASTATISTICS/Resources/GDP_PPP.pdf

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    5 Disponvel em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/downloads/lei_responsabilidade/RROdez2007.pdf

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    R E F O R M A T R I B U T R I A E S U A S I M P L I C A E S P A R A O S D I R E I T O S S O C I A I S ( S E G U R I D A D E S O C I A L )

    Guilherme C Delgado 1

    Introduo

    Recente iniciativa do Poder Executivo junto ao Congresso Nacional d ensejo a um Projeto da Emenda Constitucional extenso (PEC 233/2008), com profundas alteraes no Sistema Tributrio Nacional, a ponto de ser definido pelos autores como uma reforma tributria ampla, a ser iniciada por esta PEC e sucedida por detalhada legislao infraconstitucional at 2015.

    Este texto tem o propsito explcito de averiguar as implicaes da reforma tributria ora em discusso sobre o sistema da seguridade social, que, diga-se de passagem, no objeto explcito da Reforma. A conseqncia desta, tem implicaes de tal gravidade sobre a seguridade, que nos obriga a fazer uma espcie de giro nos objetivos estratgicos declarados da Reforma; para falar sobre suas implicaes naquilo que se nos afigura essencial a segurana jurdica dos direitos sociais bsicos.

    Advirta-se desde logo que a Reforma declara-se neutra em relao seguridade social, e em nenhuma justificativa oficial (Exposio de Motivos do Ministrio da Fazenda) ou oficiosa (Posicionamentos do Relator ou Presidente da Comisso de Reforma na Cmara Federal) declaram-se objetivos de justia tributria ou equidade distributiva a esse Projeto.

    Ao contrrio, os objetivos explcitos e declarados do PEC 233/2008 so: a) simplificar e desburocratizar o sistema tributrio mediante uniformizao de regras tributrias

    (ICMS), e reduzir tributos federais eliminam-se vrias Contribuies Sociais, substitudas por um novo tributo, Imposto sobre Valor Adicionado.

    b) eliminar a guerra fiscal entre os entes federados; c) desonerar de tributos (parcialmente, a folha de salrio); d) eliminar distores da estrutura tributria, principalmente o vis da cumulatividade da taxao

    em diversas fases da produo e circulao de bens e servios; e

    e) aumentar a eficincia e a competitividade geral da economia, com o que se espera acelerar o crescimento econmico.

    1 Os efeitos da Reforma sobre o Oramento da Seguridade Social

    Para melhor entendimento dos efeitos da Reforma Tributria em cogitao, vamos enunciar genericamente como atualmente a estrutura de fontes e usos do sistema de seguridade (o oramento da

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    1 Professor da Universidade Federal de Uberlndia.

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    seguridade social), para em seguida verificar a mudana que se opera e, principalmente, as lacunas que se introduzem no atual ordenamento jurdico desse sistema.

    Vejamos como o quadro atual de garantia de recursos aos subsistemas da Seguridade Social (Sade, Previdncia, Assistncia Social e Seguro-desemprego), cujo princpio norteador bsico a diversidade da base de financiamento (art. 194, pargrafo nico, inciso VI da Constituio Federal).

    Tabela 1 Receitas da Seguridade Social

    Como Proporo do PIB (2005) Fontes Volume Lquido a Seguridade

    Social em % do PIB % individual % acumulado

    1. Contribuio de Empregadores e Trabalhadores

    5,4 42,52 42,52

    2. Cofins 3,4 26,77 69,29 3. Contribuio sobre Lucro Lquido 0,9 7,09 76,38 4. PIS-Pasep parcela vinculada ao Seguro-desemprego 0,4 3,15 79,53

    5. CPMF 0,5 3,93 83,46 6. Contribuio a Seguridade do Servidor Pblico 0,9 7,09 90,55

    7. Fundo de Combate e Erradicao da Pobreza

    0,2 1,57 92,12

    8.Recursos Ordinrios do Tesouro 0,7 5,51 97,63 9. Outras Fontes 0,3 2,36 100,0 Total 12,7 100,0 100,0

    Fonte: Polticas Sociais Acompanhamento e Anlise, Braslia: Ipea, n. 13, p. 37, ago. 2006.

    Essa estimativa de fontes de recursos Seguridade Social, que exceo da CPMF est integralmente em vigor, a base financeira sobre a qual repousam os quatro subsistemas de direitos sociais erigidos pela Constituio de 1988: o Sistema nico de Sade, os dois Sistemas de Previdncia Social (Regime Geral de Previdncia Social e Regime Prprio de Previdncia dos Servidores Pblicos da Unio), o Sistema nico de Assistncia Social e o Seguro-desemprego. O Fundo da Pobreza (fonte da Bolsa Famlia) tambm faz parte desse conjunto de fontes, mas pelo fato de no se configurar como direito social constitucionalizado, pode a qualquer momento ter destinao diversa daquele que ora apresenta, sem que isto afete a poltica social de Estado, o que no ocorre com a maior parte dos recursos destinados aos cinco sistemas citados anteriormente.

    Observe-se uma clusula fundamental que est implcita nessa estrutura de fontes, oriunda dos princpios da Seguridade Social (art. 194) e da sua regra de financiamento (art.195): haver sempre obrigao de o Estado, por meio de outras fontes, complementar o total dos recursos, se aquelas (fontes) vinculadas no forem suficientes para suportar financeiramente os direitos sociais lquidos e certos requeridos e deferidos no ano fiscal. Essa regra veio a ser positivada em 2000, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar), que estabeleceu em seu artigo 24, a garantia contra cortes das despesas vinculadas aos direitos da seguridade social, segundo os conceitos das despesas especficas (pagamento de benefcios e atendimento ao SUS explicitamente citados) Essa combinao de regras

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    pressupe o primado da precedncia e prioridade do direito social no oramento, ainda que algum teto oramentrio venha a ser atingido no ano fiscal.

    Tabela 2 Uso de Recursos Legalmente Vinculados Seguridade Social (2005) (Despesas como % do PIB)

    (Em % do PIB) Sistemas e Programas vinculados a

    Seguridade Social % do PIB % Individual % acumulado

    1. Regime Geral de Previdncia Social Pagamento de Benefcios 7,14 56,08 56,08

    2. Benefcios de Assistncia Social (Loas) 0,47 3,69 59,77 3. Seguro-desemprego (Benefcios) 0,44 3,46 63,23 4. Atendimento no SUS 0,87 6,83 70,06 5. Regime de Previdncias de Funcionrios da Unio 2,14 16,81 -

    - Subtotal 1 (1+2+3+4+5) 11,06 86,87 86,87 6. Outras aes e Programas da Previdncia Social 0,37 2,91 89,78

    7. Outras aes e Programas da Sade 0,88 6,91 96,69 8.Outras aes e Programas da Assistncia Social 0,09

    0,71

    97,40 Subtotal 2 (6+7+8) 1,34 10,53 - 9. Despesa com Programas Voluntrios do Governo (Bolsa Famlia) 0,33 2,59 100,0 Total 12,73 100 100,0

    A estrutura de usos (despesas) da seguridade social mostra uma concentrao muito alta de recursos nos benefcios pecunirios oferecidos pelo sistema itens 1, 2 e 3 da Tabela 2 que, somados ao item 4 (atendimento no SUS), correspondem a 70% das despesas do Oramento da Seguridade Social.

    Mas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal determinou a incluso tambm das despesas com a Previdncia dos servidores da Unio no Sistema, sobe para 86,9% o comprometimento de recursos com esses cinco sistemas. Essa categoria de benefcios goza atualmente de proteo jurdica e insusceptvel a cortes.

    Confrontando-se as Tabelas de fontes e usos (Receitas/Despesas), percebe-se que restam relativamente poucos recursos para todas as outras funes de prestao de servios Sade, Assistncia e Previdncia, que inclui toda a programao anual de cada Ministrio, incluindo investimentos novos e custeio da mquina administrativa.

    2 O que muda na Seguridade, com a Reforma

    A reforma ora em discusso afeta o sistema de Seguridade Social nos seguintes aspectos:

    Desonera-se a contribuio patronal Previdncia Social (RGPS) em 6 pontos percentuais, ao ritmo de hum ponto percentual ao ano, ficando a compensao dos recursos desonerados do RGPS para providncia posterior.

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    Ficam extintas vrias das Contribuies Sociais vinculadas Seguridade Social listadas na Tabela 1 (Cofins, Contribuio sobre o Lucro Lquido e do PIS-Pasep), enquanto a CPMF no objeto desta Reforma, o que equivale a exclu-la formalmente da base financiadora do Sistema.

    Para compensar a perda das Contribuies, a Reforma cria um novo conceito de vinculao tributria seguridade social, que explicitamente admitida como sendo igual soma da Cofins, da Contribuio Sobre o Lucro Lquido, agregado parcela do PIS que financia o Seguro-desemprego, segundo seus valores apurados em um dado ano (2006). Essa massa de recursos seria a nova destinao, explicitamente atribuda Seguridade Social no novo texto constitucional. Essa nova vinculao correspondeu em 2005 a 37% do total das fontes federais financiadoras da despesa da seguridade social (Tabela 1). H a um limite quantitativo explcito no texto constitucional explicitamente para a seguridade social e o Seguro-desemprego, completamente estranho ao tamanho atual do Oramento da Seguridade Social.

    O novo texto da reforma mantm os recursos da folha de salrios vinculados Previdncia Social e anuncia que, no futuro, sero realizadas novas vinculaes de recursos para Previdncia Social, com incidncia na nova base fiscal criada (IVA + IPI + Imposto de Renda). Isto, pelo que se deduz, viria com legislao infraconstitucional, j que no se estabelece aqui o critrio quantitativo explcito e suficiente pra compensar o dficit de caixa de Previdncia Social, da desonerao criada pela Reforma e, ainda, o dficit de caixa do Regime Prprio dos Servidores Pblicos.

    O texto da reforma omisso com relao s demais fontes que complementariam nos nveis atuais o Oramento da Seguridade Social. Alm daquelas que so explicitamente mencionadas para serem intercambiadas Cofins, CSLL e PIS , a Folha de Salrio do Regime Geral de Previdncia sabidamente credora de compensaes, que estariam em estudo para posterior legislao.

    Isto posto, o texto reformado estaria, na melhor das hipteses e usando o exemplo do ano fiscal de 2005, recorrendo s fontes que supriram, no primeiro ano do perodo ps-reforma, cerca de 83,5% da despesa do sistema, nos nveis em que esta se deu em 2005 (sempre associada a propores do PIB).

    Isto significa, conforme o exemplo da Tabela 1, agregar todas as fontes (Cofins, CLSS, PIS e Contribuio Previdenciria). Mas, como nos anos subseqentes haver a desonerao parcial da Folha, esta proporo provavelmente diminuiria.

    Os recursos que faltam dentre os quais se destacam a CPMF, os Recursos Ordinrios e Outras Fontes pem sob srio risco a garantia jurdica de atendimento aos direitos sociais contemplados no Oramento da Seguridade.

    Observe-se ainda que, ao instituir no texto Constitucional, limites quantitativos explcitos daquilo que a reforma estabelece como teto de recursos para a Seguridade Social, muito aqum da base atual, sinaliza-se acentuado desconforto para a legislao infraconstitucional subseqente, no que tenha a ver com financiar direitos, segundo o estatuto jurdico atual. Deve-se temer que a falta de recursos venha a ser resolvida casuisticamente no tratamento anual do Oramento, ou que suscite uma garantia seletiva aos setores que consigam manter-se inclume aos cortes.

    Finalmente, deve-se observar que a Reforma Tributria ignora completamente o conceito constitucional do Oramento da Seguridade Social, tratando-o de forma parcial e fragmentria,

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    subestimando-o ou omitindo as necessidades de financiamento dos vrios sistemas e programas que integram o sistema.

    A conseqncia provvel das novas regras forte insegurana jurdica para os titulares de direitos nesse sistema. Ou, ainda, uma apropriao pelos grupos com maior capacidade de fazer prevalecer suas demandas.

    Por tudo isso, parece-nos de maior temeridade votar at o dia 20 de julho o texto da atual reforma, como apressadamente programam os dirigentes do Congresso, sob presso do Executivo, sem um debate mais transparente e aprofundado a respeito das conseqncias desse novo arranjo tributrio para a garantia dos direitos sociais institudos na Seguridade Social pela Constituio de 1988.

    Sntese e concluses

    O texto da proposta de reforma tributria ora em tramitao no Congresso Nacional, de autoria do Poder Executivo (PEC 233/2008), declara objetivos explcitos de simplificao, eficincia e desonerao tributria e assume forte poder de controle sobre o poder de tributar dos estados, em nome da eliminao da chamada guerra fiscal. Tais objetivos e os meios perseguidos para atingi-los mereceriam uma avaliao especfica, que contudo no objeto deste texto. A ausncia de objetivos de justia tributria ou equidade distributiva na Reforma, ou sua pretensa neutralidade neste campo, so desde logo motivos de preocupao, se se considera a reconhecida herana de desigualdade na captura das fontes e posterior utilizao dos recursos tributrios na economia e sociedade.

    Por outro lado, de maneira sub-reptcia, o texto do Projeto de Reforma desestrutura completamente o perfil das finanas sociais construdo desde a Constituio de 1988 no tocante ao Oramento da |Seguridade Social (Sade, Previdncia, Assistncia Social e Seguro-desemprego). Em contrapartida, criam-se novos limites e regras constitucionais claramente insuficientes e estranhos proteo dos direitos sociais bsicos nesse sistema, susceptveis de constranger, abafar ou negar a segurana jurdica dos titulares desses direitos.

    As mudanas propostas, se consagradas em texto constitucional, comandariam uma legislao infraconstitucional fortemente restritiva ao chamado gasto social federal. Deixariam ainda os direitos sociais ao abrigo do sistema atualmente garantidos pelo ordenamento jurdico, merc de ajustes casusticos na conjuntura dos oramentos anuais, sob forte disputa de interesses econmicos muito poderosos.

    sbia a regra constitucional original (arts. 194 e 195 da CF) que cuidou de conceder prioridade objetiva, vinculando alguns recursos ex-ante para garantir direitos sociais em determinadas situaes de risco ou atendimento de servios bsicos relacionados a direitos e explicitamente assumidos no sistema de seguridade social, tais como idade avanada, invalidez, viuvez, recluso, doena, proteo ao menor, desemprego involuntrio, atendimento dos servios de sade etc. Os frutos dessas regras so o principal legado distributivo da Constituio de 1988, contribuindo decisivamente para melhoria do bem-estar social dos grupos vulnerveis da sociedade, sendo provavelmente o seu lado crtico a amplitude da cobertura atingida, que longe est ainda de ser universal.

    No ocioso destacar que esse sistema de garantia de direito bsicos, cujo estatuto tico-normativo o da proteo social pblica, necessariamente exigente em recursos econmicos, parte dos

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    quais cobrada dos beneficirios diretos, sob o formato de contribuies securitrias, enquanto outra parte importante o sob a forma de tributos do conjunto da sociedade. Estes ltimos devem cumprir uma funo tipicamente re-distributiva destinados prioritariamente queles sem capacidade contributiva no seguro social ou a toda a sociedade, no caso dos servios universais de sade.

    Quando o sistema tributrio reformulado e afeta de maneira radical o sistema de proteo social, seria de se esperar, numa sociedade democrtica, um amplo debate sobre suas conseqncias sobre direitos sociais. Infelizmente, o debate pblico tem-se cingido aos aspectos de interesse do mundo empresarial. Os setores sociais afetados pelas potenciais mudanas esto de certa forma marginalizados do debate poltico, cooptados pelas presses oficiais ou simplesmente distanciados da esfera pblica pela enorme cortina de silncio com que a mdia encobre o tema. Mas os riscos de retrocesso institucional so fortes; podem contudo ser revertidos, se o argumento da legitimidade da reforma for levantado oportuna e significativamente.

    A advertncia para o risco da desestruturao dos direitos sociais foi oportunamente captada por vrias organizaes da sociedade civil, tendo a frente a CNBB, que se manifestou publicamente (meados de julho) sobre os efeitos negativos do Projeto, relativamente ao sistema de seguridade social, ponderando junto a Presidncia da Repblica e o Congresso Nacional sobre a necessidade de mudanas, como tambm de rumos ticos relacionados aos princpios de justia tributria, tambm ignorados na proposta de reforma.

  • CESIT Carta Social e do Trabalho, n. 8 jan./ago. 2008.

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    L O N G E D O I D E R I O D E J U S T I A T R I B U T R I A : S I M P L I F I C A O C O M R I S C O S P A R A A S E G U R I D A D E S O C I A L

    Flvio Jos Tonelli Vaz 1

    Introduo O sistema tributrio brasileiro apresenta inmeras distores. Estamos diante de um modelo no

    qual a maior parte das receitas advm de tributos indiretos, praticamente ignorando a grande propriedade e as rendas dela decorrentes. Mesmo tributos tipicamente diretos, numa clara inverso, podem ter como base de clculo o faturamento. O Imposto de Renda da Pessoa Jurdica (IRPJ), que busca alcanar o lucro operacional das empresas, teve, em 2007, quase 28% da sua arrecadao incidente sobre o faturamento dessas empresas. Essa parcela tem os mesmos efeitos de qualquer tributo indireto;2 que so facilmente incorporados aos preos.

    Inmeros estudos apontaram as injustias geradas pela concentrao de tributos dessa natureza, que penalizam os segmentos de menos poder aquisitivo e, portanto, menor capacidade contributiva. A maior distoro desse modelo ser incapaz de agir como um instrumento efetivo de combate aos desequilbrios econmicos e sociais.

    Ao construir a sua segunda proposta de reforma tributria, no entanto, o governo federal optou por priorizar alteraes voltadas para a simplificao do sistema, a desonerao da produo e a eliminao da chamada guerra fiscal entre os estados. Embora importantes, essas mudanas no resolvero as iniqidades dos tributos no Brasil, pois no esto acompanhadas de dispositivos voltados para a justia tributria, como a progressividade e a tributao da propriedade e da renda dela derivada, o combate fraude ou sonegao.

    Do ponto de vista do financiamento da seguridade social, a proposta acaba com a pluralidade de fontes de financiamento prevista na Constituio: deixaro de existir as contribuies sociais sobre o faturamento e o lucro. Como contribuies sociais pagas pelas empresas, remanescero to somente as contribuies previdencirias e, mesmo assim, com uma desonerao progressiva, que se pretende sem compensaes para a previdncia social.

    As mudanas simplificam por meio de uma consolidao, agregando as contribuies sociais extintas a impostos que possuem similaridade em sua base de incidncia. A proposta no pe fim ao Oramento da Seguridade Social, mas ele ser, basicamente, financiado com os recursos do Regime Geral de Previdncia Social e transferncias de recursos fiscais, determinados constitucionalmente.

    _______________

    1 Formado em direito pela UNB. assessor tcnico na Cmara dos Deputados atuando nas reas de oramentos, contas pblicas e

    seguridade social. 2 Pelos dados de 2007, dos R$ 69,859 bilhes arrecadados pelo IRPJ, apenas R$ 50,364 bilhes o foram pelo sistema de lucro real, os

    demais so relativos a lucro presumido e simples e outros calculados sobre o faturamento das empresas. Fonte: Receita Federal. Boletim de Anlise da Arrecadao das Receitas Federais, dezembro de 2007. Disponvel em: www.receita.fazenda.gov.br/arrecadacao/default.htm. Acesso em 10 jul. 2008

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