Trilhas Educativas

27

description

Análise de trilhas educativas

Transcript of Trilhas Educativas

  • Aos Educadores e Gestores

    Caras educadoras e educadores, que, no seu trabalho

    cotidiano em salas de aula, na gesto escolar ou na liderana

    comunitria, vm buscando novas prticas para superar os

    desafios que a tarefa da educao nos impe hoje e agora.

    O conceito de educao comunitria pode ser adotado por todos:

    pais, alunos, professores, diretores, coordenadores, gestores pblicos

    e lderes comunitrios. Vale destacar que a educao comunitria

    representa a descoberta de um novo olhar da educao, que visa a

    transformar toda a comunidade em espaos de aprendizagem. A educao

    comunitria amplia as reas de trocas de saberes e de contedos.

    Ao adotar essas prticas, o educador ter oportunidade de

    trazer elementos do dia-a-dia da comunidade para dentro da

    escola. O cotidiano ento sempre ser contemplado, pois o

    aprendizado precisa estar vinculado vida das pessoas.

    O principal animador deste processo

    o educador comunitrio, que

    faz a ponte entre a escola e a comunid

    ade. Estamos falando de pessoas

    comprometidas que desejam mobilizar a

    escola e capazes de gerar

    transformaes. O educador comunitrio

    um articulador que coloca as

    pessoas em contato, um empreendedor co

    munitrio com viso educacional.

    Ns, da Cidade Escola Aprendiz, buscam

    os trazer o conjunto de aes

    e procedimentos de educao comunitri

    a no como algo novo, mas sim

    como prticas que so constantes na hi

    stria da humanidade .Este

    livro apresenta conceitos e trilhas po

    ssveis para o fortalecimento

    dos vnculos entre a escola, a famlia

    e a comunidade.

    Por isso fazemos este convite: para qu

    e voc adote a educao

    comunitria em seu cotidiano e nas sua

    s prticas educacionais.

    Centro de Formao da Associao Cidad

    e Escola Aprendiz

  • CAPTULO 1

    A Histria e as Estrias da Cidade Escola Aprendiz Contextualizando a ExperinciaBairro-escola

    CAPTULO 2

    Educao Comunitria Redes de Relaes e Teias de ConhecimentosOs PensadoresRosa Maria Torres Jaqueline MollJohn Dewey Ansio TeixeiraPaulo FreirePrincpios da Educao ComunitriaEfeitos de uma Educao Compartilhada

    CAPTULO 3

    Educao Comunitria: PrticasMapeamento de Potenciais e OportunidadesMapeamento InternoMapeamento ExternoMobilizaoSensibilizao da Comunidade EscolarArticulao e Efetivao de ParceriasGesto de Trilhas Educativas

    CAPTULO 4O Educador ComunitrioFunes do Educador ComunitrioGestor Professor Lder Comunitrio

    CASOSExperincias de Educao ComunitriaO Centro pode ser uma sala de aula- Olga Arruda Vizinhos Parceiros- Ivete MiticoO Pedagogo Comunitrio- Maura Lgia Costa RussoDerrubando as Paredes- Ana Elisa SiqueiraCaminhada da Paz- Bras Nogueira RodriguesA Escola que d Samba- Waldir Romero

    SAIBA MAISCursos de Formao em Educao Comunitria

    Bibliografia e Sites Sobre os tericos e os conceitos que influenciam a educao comunitria

    Ficha Tcnica

    09 34

    Agradecemos a todos os parceiros e apoiadores da Associao Cidade Escola Aprendiz e, em especial, equipe de educadores e colaboradores

    que, atravs de seus projetos e sonhos, aprimoram no dia-a-dia a prtica e os conceitos de Educao Comunitria.

    0912

    1517

    18

    2123

    2727

    31

    32

    35

    36

    46

    48

    50

  • CAPTULO 1

    A HISTRIA E AS ESTRIAS dA CIdAdE ESCOLA APREndIz

    COnTExTUALIzAndO A ExPERInCIA

    A SEMEnTE dA CIdAdE ESCOLA APREndIz germinou em 1997, a partir de um projeto experimental realizado pelo jornalista Gilberto Dimenstein no laboratrio de informtica do conceituado Colgio Bandeirantes.

    Rapidamente a iniciativa ganhou as ruas e passou a nutrir o sonho de revolucionar a educao, transformando o bairro da Vila Madalena em uma grande escola a cu aberto.

    Em 1998, j constituda como uma organizao no-governamental, a Cidade Escola Aprendiz ganhou o endereo prprio ao instalar-se em uma antiga oficina de cermica localizada na rua Belmiro Braga, no corao da Vila Madalena, em frente a um beco e uma praa abandonados, construdos sobre um crrego canalizado, cheio de lixo e vtima fcil de enchentes. No bastassem essas caractersticas, a regio era um dos endereos mais freqentados por traficantes e moradores de rua, portanto evitada pelos demais moradores do bairro.

    A respeito do nome escolhido, Gilberto dimenstein afirma: O Projeto de descoberta da rua est resumindo nosso nome, inspirado na histria paulistana.

    Todas essas adversidades surtiram efeito contrrio entre os envolvidos no Aprendiz. Em vez de desnimo, o desafio da transformao. Foi assim que a ONG comeou a desenvolver seus primeiros projetos de comunicao e arte-educao, os quais comearam a modificar radicalmente a vida das crianas e dos jovens que dele participavam, juntamente com todo o seu entorno.

    Um dos primeiros desafios assumidos pela Cidade Escola foi embelezar e recuperar os espaos deteriorados da Vila Madalena, a comear pelas ruas e praas prximas a sua sede. Nos muros, comearam a ser montados grandes mosaicos com azulejos e bolas de gude, criados por artistas plsticos de grande talento. As intervenes, apesar de muito bonitas, no sobreviveram por muito tempo, depredadas pela comunidade, provavelmente como uma forma de protesto por no ter participado daquela construo.

    A Vila Madalena nem sempre foi o bairro da moda que atualmente, visitado por bomios, artistas e estudantes. No passado, era conhecido como Risca Faca, freqentado por pessoas nada amigveis e tinha, ainda, o seu comrcio dominado por botecos. Mas aquele cenrio mudou: a Vila Madalena hoje tambm conhecida como o bairro da Cidade Escola Aprendiz.

    O projeto consistia em um amplo programa de educao para cidadania, que estimulava os alunos a extrapolar os muros da escola e a assumir responsabilidades comunitrias.

  • 11

    Como quem ensina tambm aprende, logo depois, a Cidade Escola Aprendiz comeou a envolver as crianas e os adolescentes da comunidade no plano de recuperao dos espaos deteriorados do bairro. Os mesmos elementos voltaram a ser utilizados, s que, dessa vez, a partir de criaes coletivas realizadas com a participao dos moradores. O dilogo com a comunidade surtiu os efeitos esperados, e os mosaicos e as bolas de gude colocados a partir de ento continuam estampados nos muros e equipamentos pblicos. Hoje, graas a esse envolvimento, impossvel caminhar pela Vila Madalena sem reparar nas inmeras intervenes de arte, que transformaram o bairro em um verdadeiro caleidoscpio urbano.

    Nesse processo de educao e re-significao dos espaos pblicos, diversos atores locais se envolveram fortemente e muitos espaos comerciais passaram a abrir suas portas para a comunidade, transformando-se em verdadeiras salas de aula.

    Com todos esses acontecimentos, a Belmiro Braga j no era mais a mesma. Totalmente revitalizada, cada vez ficava mais bonita e atraente, passando a abrigar o Caf Aprendiz, a Praa Aprendiz das Letras e o Beco-Escola, com seus imensos painis de grafite. A rua, alm de espao de aprendizagem, transformou-se em carto postal da cidade, demonstrando que So Paulo tambm pode ser bonita e acolhedora.

    O Caf Aprendiz, alm de espao

    gastronmico, cuja renda reverte-se

    para a instituio, tambm um laboratrio de

    experincias educativas. Muitos dos programas da

    ONG acontecem ali, traduzindo mais

    uma vez a filosofia da Cidade Escola

    Aprendiz, que leva a educao para alm

    dos limites da escola.

    10

  • 1312

    Ao longo dos anos, os educadores e as prprias crianas e os jovens foram expandindo suas aes pelo bairro e construindo trilhas educativas. As aulas passaram a acontecer nos mais diferentes lugares, alguns mais convencionais, como uma oficina de inveno de brinquedos, uma escola de circo e outra de teatro; outros bastante improvveis, como bufs, atelis de artesos, estdios e restaurantes. Alm disso, tambm foram feitos acordos com mdicos e

    terapeutas que passaram a acompanhar o desempenho das crianas.

    Seguindo sua prpria trilha, a Cidade Escola Aprendiz foi desenvolvendo o conceito de bairro-escola, um novo

    modelo de gesto de potencialidades educativas, que trana o aprendizado vida cotidiana.

    Aps implantar o conceito do bairro-escola na Vila Madalena, a Cidade Escola Aprendiz passou a formular a seguinte questo: como multiplicar a experincia desenvolvida em outras comunidades?

    A opo foi transformar os espaos revitalizados e as trilhas j construdas em centros de formao, a fim de capacitar educadores comunitrios, identificados entre professores e lideranas comunitrias, comprometidos, reconhecidos pelo bairro, com olhar educativo e com fora para mobilizar os potenciais locais e construir as trilhas educativas,

    unindo poder pblico, privado e comunidade.

    Nessa perspectiva, a escola , inquestionavelmente, o ponto catalisador dessa multiplicao, uma vez que

    tem vocao educativa e possui papel preponderante na comunidade. O desafio fazer com que essas

    instituies incorporem a educao comunitria como parte dos seus princpios e processos pedaggicos e gerenciais.

    A Cidade Escola Aprendiz atua, portanto, no sentido de criar uma nova cultura do educar, que transcende a escola, mas se associa a ela na busca de explorar e desenvolver todos os potenciais educativos da comunidade.

    O educador comunitrio o ponto de partida para se implantar uma proposta de educao comunitria. tambm um animador educacional capaz de fazer a ponte entre a escola e o seu entorno, seja o bairro ou a cidade.

    O COnCEITO dE BAIRRO-ESCOLA BASEIA-SE EM dOIS PRESSUPOSTOS:

    1) O ato de aprender o ato de se conhecer e de intervir no seu meio.

    2) A educao deve acontecer por meio da gesto de parcerias, envolvendo escolas, famlias, poder pblico, empresrios, organizaes sociais e associaes de bairro,

    capazes de administrar as potencialidades educativas da comunidade.

    OS PASSOS UTILIzAdOS PELO APREndIz PARA IMPLEMEnTAR UM BAIRRO-ESCOLA SO:

    1) apostar nas riquezas comunitrias, fortalecendo o que j existe, atravs de um trabalho de mapeamento investigativo e conhecimento constante;

    2) identificar um foco espacial delimitado e revitalizar constantemente o espao pblico, demonstrando que uma nova cidade se torna possvel atravs da educao;

    3) avaliar e sistematizar constantemente o modelo de gesto, tornando-o mais eficiente;

    4) perseguir sempre as alianas nos seus mais variados nveis, incluindo artesos, lojistas, professores, secretrios municipais

    e estaduais, subprefeituras, indivduos, associaes no governamentais e, principalmente, os jovens e as

    crianas, agentes e beneficirios dessas mudanas;

    5) aprender junto com os professores e desenvolver inovaes pedaggicas, formando um grande consrcio de vontades;

    6) enfatizar a importncia da educao no papel da formao de indivduos autnomos e solidrios e da escola como parte de um

    processo de aprendizagem que eterno, para o resto da vida;

    7) sensibilizar as lideranas comunitrias e desenvolver um olhar educativo, atendendo s demandas do aprendizado permanente.

    BAIRRO-ESCOLATrilhas educativas so extenses da sala de aula, formadas por praas, parques, atelis, becos, estdios, oficinas, empresas, museus, teatros, cinemas, parques de diverso, centros esportivos, bibliotecas, livrarias, etc. Um conceito criado pela Cidade Escola Aprendiz, com o pressuposto de que todo espao espao para o aprendizado.

  • 15

    CAPTULO 2EdUCAO COMUnITRIA

    IMAGInE UMA ESCOLA SEM MUROS, aberta comunidade, que beneficie a todos e tambm seja cuidada por todos. Uma escola imensa, com quadras de esporte, praas e parquinhos, cinemas, teatros, museus, atelis, entre muitas outras oportunidades. Uma escola em que o saber acadmico tenha tanto valor quanto o saber popular e em que o currculo seja uma grande trilha, ao longo da qual se vivenciem experincias e descobertas.

    Muitos de vocs devem estar pensando que toda esta descrio no passa de fantasia. Um delrio de quem nunca viveu o dia-a-dia de uma instituio de ensino. Afinal, como ter segurana e controle, se no temos muros? Como viabilizar toda essa infra-estrutura, se os recursos so finitos? Como proporcionar experincias, se h tanto contedo a ser passado? Diretores e professores no so mgicos, diriam os mais cticos.

    Outros podem ter acreditado que a descrio que abre este captulo seja, na verdade, uma grande metfora. Uma aluso escola da vida, ou seja, aos processos pelos quais passamos ao longo da nossa existncia, que nos ensinam a lidar com os desafios, as alegrias e os dramas cotidianos. Mas tambm no disso que estamos falando.

    A escola que descrevemos tem origem na percepo de que a educao, enquanto processo complexo e contnuo, prescinde de muito mais recursos e oportunidades do que uma instituio educativa convencional capaz de oferecer. As exigncias nessa rea so crescentes. As famlias querem que os professores cuidem de seus filhos e os disciplinem e preparem para a vida. O mercado de trabalho demanda profissionais cada vez mais qualificados. A sociedade necessita de cidados mais conscientes e participativos.

    As escolas so pressionadas a oferecer todas essas respostas, mas no conseguem dar conta nem das suas funes mais elementares, em parte por conta de problemas passveis de serem resolvidos se o nosso pas levasse mais a srio a educao, em parte por exigirmos que um nico ator social assuma uma responsabilidade que cabe a todos ns.

    A Constituio Brasileira, em seu artigo 227, diz que dever da famlia, do Estado e da sociedade cuidar de suas crianas e seus adolescentes

  • 16 17

    com absoluta prioridade, garantindo-lhes acesso a seus direitos fundamentais, inclusive educao. Somos todos, portanto, co-responsveis por essa misso. Sob essa perspectiva, fica claro que, ainda que isso fosse possvel, no cabe apenas escola a tarefa de educar.

    A escola que descrevemos deixa de ser sonho quando toda a comunidade se transforma numa grande sala de aula. Quando os alunos passam a aprender fsica na oficina mecnica, literatura na biblioteca do bairro, qumica na cozinha de um restaurante, histria nos museus e monumentos,

    artes nos teatros e cinemas da cidade.

    A Educao Comunitria acontece neste momento, quando os processos formativos extrapolam o contexto escolar e tomam conta das ruas, adentrando espaos pblicos, estabelecimentos comerciais, associaes e centros culturais. Uma invaso consentida e planejada, articulada pela escola em estreita parceria com toda a comunidade.

    Trata-se de uma nova cultura, forjada a partir desse novo olhar sobre a educao, em que a escola deixa de ser o nico espao educativo para se tornar catalisadora e articuladora de muitas outras oportunidades de formao. Uma nova forma de pensar e fazer educao, a partir de processos

    geridos com a participao da prpria comunidade, envolvendo mltiplos espaos e atores, com o propsito de desenvolver o capital humano e fortalecer o capital social de um bairro, uma regio ou toda uma cidade.

    Entendemos por capital humano a capacidade que cada indivduo tem de superar as adversidades e aproveitar as oportunidades com as quais se depara ao longo da sua existncia. Capacidades estas principalmente associadas ao seu nvel educacional e s suas condies de sade e bem-estar. O capital social, por sua vez, diz respeito qualidade das relaes existentes entre as pessoas e as instituies que fazem parte de uma determinada comunidade. Relaes baseadas na confiana, no compartilhamento e na solidariedade tendem a gerar grupos sociais mais coesos, organizados, participativos e inclusivos, ou seja, mais aptos a enfrentar seus desafios

    coletivos e a promover benefcios para todos os seus concidados.

    neste sentido que podemos afirmar que a Educao Comunitria atua simultaneamente no mbito do capital humano e do capital social, uma vez que desenvolve o potencial dos indivduos ao mesmo tempo em que estreita os vnculos e promove a sinergia entre os atores locais.

    REdES dE RELAES E TEIAS dE COnHECIMEnTOS

    A especialista Rosa Maria Torres defende que a educao deixe de ser vista como funo da comunidade escolar para tornar-se responsabilidade da Comunidade de Aprendizagem. Ou seja, de toda uma comunidade humana, formada por alunos, professores, pais e demais cidados locais, que juntos constroem um projeto educativo e cultural prprio, para educar a si, suas crianas, seus jovens e adultos, graas a um esforo interno, cooperativo e solidrio, baseado no diagnstico de suas carncias e, principalmente, no reconhecimento das foras de que dispe para superar essas dificuldades.

    Outros pesquisadores, como a doutora em educao Jaqueline Moll, expandem ainda mais esse conceito e disseminam a proposta de que as cidades, sejam elas pequenas ou grandes, assumam e exeram funes pedaggicas. As Cidades Educadoras seriam aquelas dispostas a identificar suas inmeras possibilidades educacionais e a priorizar a formao permanente da sua populao.

    Seguindo essa mesma tendncia, as escolas que incorporam a Educao Comunitria no seu projeto poltico-pedaggico encaram o desafio primordial de construir uma ampla rede de relaes com a qual mapeia os potenciais da comunidade e planeja trilhas educativas. A proposta fazer com que educadores e educandos extrapolem os limites da sala de aula convencional e passem a circular pelo seu entorno, freqentando diversos espaos da cidade, nos quais podem observar, experimentar e interagir com distintos interlocutores. Essas vivncias tm a funo de disparar e contextualizar o processo de construo de conhecimentos, permitindo

  • 1

    que o currculo escolar se articule organicamente com a vida cotidiana.

    Nesse aspecto, a Educao Comunitria encontra-se com o pensamento do filsofo americano John dewey, que, no final do sculo XIX, j baseava suas propostas educacionais na idia de que a escola a vida e no apenas uma preparao para ela. Ao idealizar a Pedagogia de Projetos, o pensador buscou entrelaar o aprender ao fazer, acreditando que o pensamento estimulado quando as pessoas tm a oportunidade de agir concretamente para resolver um problema ou uma questo. Dewey propunha que os contedos escolares fossem abordados de forma menos acadmica e mais centrada nas situaes do cotidiano, principalmente por acreditar que as potencialidades individuais s se desenvolvem realmente quando em contato com a sociedade.

    Inspirado por essas idias, o brasileiro Ansio Teixeira concebeu a proposta da Escola Parque, com o propsito de que as instituies educacionais deixassem de ser lugar somente de letras e de iniciao intelectual para promover o desenvolvimento do pensar, fazer, trabalhar, conviver e participar. Ansio tambm acreditava que a educao precisava ser regionalizada, de maneira que sua gesto e seus programas respeitassem as caractersticas de cada localidade onde fosse realizada, alm de valorizar essa especificidade local. o que atualmente chamamos de agir local, pensar global. Se cada pequeno pedao est bem nutrido de seus saberes - saberes que ali nascem e so reconhecidos - no seria este pas uma totalidade de riquezas? Como no mosaico, cada detalhe bem cuidado forma a composio do todo.

    Profundamente impregnada por esses ideais, a Educao Comunitria prev que a escola, ao criar suas redes de relaes, seja capaz de utilizar todo o potencial disponvel na comunidade para acessar as mais diversas teias do conhecimento humano, de forma a promover o desenvolvimento integral de seus alunos, lidando no apenas com os aspectos cognitivos, mas tambm com a formao de valores, habilidades e atitudes. Mais do que isso, a Educao Comunitria conecta indivduo e sociedade de tal maneira que o desenvolvimento do primeiro tem impacto profundo e imediato no segundo e vice-versa.

    Rosa Maria TorresConforme a concepo de Rosa Maria Torres, na comunidade de aprendizagem, todos so educadores e todos so aprendizes. Desaparecem, ento, as barreiras entre edu-cao formal e informal, educao escolar e extra-escolar. Deste modo, tambm, todos os rgos do Governo (e no apenas o Ministrio da Educao) so responsveis pela apren-dizagem, e os projetos tm cunho associativo e de construo de alianas, fazendo com que as inovaes se propaguem em rede.

    A construo de uma comunidade de apren-dizagem implica rever a distino convencional entre escola e comunidade, como tambm entre educao formal, no-formal e informal. Rosa Maria Torres defende que a escola parte da comunidade, deve-se a ela, existe em funo dela, assim, docentes e alunos so ao mesmo tempo agentes escolares e agentes comunitrios. Acreditando que a educao no se restringe escola, a autora defende o desenvolvimento dos potenciais educativos das mais diversas instituies que uma comunidade possui.

    Segundo Rosa Maria Torres, os fatores necessrios organizao de uma co-munidade de aprendizagem so:

    concentrao em torno de um territrio determinado;

    crianas e jovens como beneficirios e atores principais;

    processos associativos e construo de alianas;

    processos participativos na formulao,

    execuo e avaliao do plano educativo;

    orientao no sentido da aprendizagem e nfase na inovao pedaggica;

    revitalizao e renovao do sistema escolar pblico;

    prioridade para as pessoas e desenvolvi-mento dos recursos humanos;

    sistematizao, avaliao e difuso da experincia;

    continuidade e sustentabilidade dos esforos.

    Jaqueline Moll se destaca no Brasil pela especializao no tema das cidades educa-doras. O pressuposto bsico desse conceito consiste na cidade ad-

    mitir e exercer funes pedaggicas que vo alm das suas tarefas econmicas, sociais e polticas tradicionais e prope a construo da comunidade de aprendizagem na qual professores, pais, alunos e demais membros se tornem protagonistas nas decises acerca das trajetrias que os alunos percorrero na escola.

    Hoje mais do que nunca as cidades grandes ou pequenas dispem de incontveis possi-bilidades educacionais. De uma forma ou de outra, elas possuem em si mesmas elementos importantes para uma formao integral. A cidade educadora um sistema complexo, em constante evoluo, e pode ter expresses

    OS PEnSAdORES

    Jaqueline Moll

    TORRES, Rosa Maria. Comunidade de Aprendizagem:

    A educao em funo do

    desenvolvimento local e da

    Aprendizagem.

  • 21

    Assim como valoriza os saberes da comunidade, esse novo olhar sobre a educao tambm considera o repertrio cultural de cada aluno. Busca-se, nesse caso, no a contraposio, mas a complementao entre os conhecimentos acadmicos e os saberes populares. A proposta tem eco em Paulo Freire, que em sua Pedagogia Libertria compreende o educando como sujeito ativo, cuja cultura e subjetividade devem ser respeitadas.

    Freire condenava as prticas autoritrias de ensino e pregava que a relao entre professores e alunos deveria ser complementar e nunca entre superiores e inferiores. Ao reconhecer o educando e desenvolver a sua liberdade com responsabilidade, o professor estaria, ao mesmo tempo, conquistando o seu prprio espao como impulsionador do processo educativo. O Educador Comunitrio tambm percebido como um grande mobilizador de potenciais e oportunidades, com os quais ensina e aprende simultaneamente. ele que constri e anima a rede de relaes, que tece a teia do conhecimento.

    PRInCPIOS dA EdUCAO COMUnITRIA

    A Educao Comunitria baseia-se em princpios que a definem e a distinguem dos processos educativos convencionais. Mais do que as aes que prope, so esses valores que identificam o tipo de processo formativo que busca desenvolver.

    Transcendncia Educao a vida toda, a todo momento e em todo lugar. A Educao Comunitria transcende a escola junto com a prpria comunidade escolar. As fronteiras se expandem, o tempo se alarga. No existe mais um nico lugar, nem uma hora determinada para que as pessoas entrem em contato com o conhecimento. A educao toma conta das ruas e do cotidiano das pessoas. A qualquer instante, um espao aparentemente inusitado pode se transformar em sala de aula, a partir de um processo cada vez mais orgnico, ainda que intencional e organizado.

    Permeabilidade Os processos e projetos pedaggicos passam a fazer parte da cultura, da agenda e da rotina de todos os envolvidos. A educao incorporada pela comunidade como direito, dever, mas principalmente como um valor construtivo, que a ela pertence.

    Co-responsabilidade Diretores, professores, alunos, familiares e conselhos escolares aliam-se a diferentes atores e organizaes da sociedade e assumem, todos juntos, o desafio de promover a formao de crianas, jovens e adultos de uma determinada comunidade. A escola ganha importncia cada

    diversas; porm sempre dar prioridade absoluta a um investimento cultural e formao permanente de sua populao.

    Carta das Cidades Educadoras, de-clarao de Barcelona, 1990.

    Moll afirma que tanto o conceito de comuni-dade de aprendizagem quanto o de cidades educadoras so ampliadores da concepo tradicional de educao, pois ambos permitem a reinveno da escola, da comunidade e da cidade. Essas perspectivas procuram enxergar a educao para alm da escola, fazendo com que todos (pais, professores, alunos, mem-bros da comunidade) se co-responsabilizem pela educao das crianas e dos jovens.

    Para que o objetivo de transformar todas as pes-soas que vivem nas cidades educadoras em edu-cadores seja alcanado, Jaqueline Moll destaca al-gumas aes que precisam ser postas em prtica:

    grande interlocuo com a comunidade mediada pela escola;

    forte grau de identidade entre o projeto pedaggico da escola e as pessoas que vivem na comunidade;

    bom e real conhecimento da escola de todos os espaos de convivncia e das lide-ranas da sua comunidade;

    freqncia de pais de alunos escola, assim como freqncia de alunos e profes-sores comunidade.

    A autora destaca que o conceito das escolas educadoras tem a capacidade de retirar a escola de uma invisibilidade, dando a opor-tunidade aos indivduos de (re)aprenderem a cidade e todas as suas possibilidades.

    Jonh Dewey um dos mais importantes referenciais na Pedagogia de Projetos, que tem como premissa unir o aprender ao fazer.

    Formulou a filosofia da educao e defendeu o contnuo movimento de reviso e reconstruo do processo educa-tivo. Para ele, o indivduo s cresce e se de-senvolve quando realiza amplamente todas as suas potencialidades, processo possvel apenas quando inserido no contexto social. Logo, concluiu que o desenvolvimento coletivo impulsiona tambm o crescimento individual.

    A concepo de que a escola a vida e no uma preparao para a vida leva Dewey a considerar fundamental a escolarizao uni-versal, propondo uma escola centrada nos interesses atuais das crianas no como sub-terfgio para gerar motivao, mas como uma forma de ensinar a relao essencial entre conhecimento humano e experincia social.

    Para o autor, o pensamento estimulado quando h um problema cuja soluo demanda atos a serem executados por vontade prpria. Dessa forma, a escola tradicional, com suas discipli-nas, deveria deixar de existir para dar lugar a um ensino a partir de ocupaes construtivas, que envolvesse o aluno, despertando sua curiosidade. O aperfeioamento dos mtodos de ensino-aprendizagem deve se orientar por condies que estimulem, promovam e ponham prova a reflexo e o pensamento.

    MOLL, Jaqueline. Reinventar a escola

    dialogando com a comunidade

    e com a cidade: Novos Itinerrios

    Educativos.

    John dewey

  • 22

    vez maior ao tornar-se propositora e articuladora de parceiros, com os quais passa a compartilhar e a responder melhor s suas inmeras atribuies.

    Conectividade A educao, transformada em objetivo comum e superior, aproxima as pessoas e instituies. Gera vnculos, promove a formao de redes de articulao e cooperao, a produo e partilha de conhecimentos, a concepo e implementao de solues coletivas. Alia-se o desenvolvimento do capital humano ao fortalecimento do capital social.

    Re-significncia A Educao Comunitria confere um novo significado educao, que passa a ter um sentido muito mais profundo para a vida das pessoas e uma ligao mais estreita com o seu cotidiano.

    EFEITOS dE UMA EdUCAO COMPARTILHAdA

    A Educao Comunitria provoca impactos em diversos nveis. O mais imediato ocorre na prpria escola, que abre suas portas para o mundo e se transforma em uma grande co-articuladora de redes externas, formadas pelos mais diversos atores sociais - empresas, entidades, centros culturais, artistas, lideranas, profissionais -, que passam a assumir funes pedaggicas. Esse novo papel expande as tradicionais atribuies das instituies de ensino e fortalece a sua importncia como promotora do desenvolvimento das pessoas e da comunidade.

    Vale ressaltar que essa transformao s ocorre quando acompanhada por um reposicionamento efetivo. Existem muitas escolas que organizam passeios e atividades externas para os seus alunos. Tais aes so muito louvveis, mas no significam necessariamente que a populao est se co-responsabilizando pela formao dos seus cidados. A mudana de papel acontece de fato quando escola e comunidade firmam uma estreita parceria e comeam a planejar, executar e avaliar conjuntamente os processos educativos dirigidos a seus alunos.

    Dewey prope que a apresentao de qualquer matria seja o menos acadmica ou escolstica possvel, trazendo situaes do cotidiano no para validar os interesses da criana, ou das matrias escolares na construo do currculo, mas para garantir a compreenso e o desen-volvimento contnuo das experincias asso-ciadas entre si. O educador deve ento criar as condies para estimular o pensamento, a cons-truo da soluo de problemas com o aluno.

    Logo, a funo da escola em relao dimen-so mental dos alunos a de desenvolver a capacidade de pensar, pautada pelo aumento da capacidade de agir e de apreender os significados do que se processa com as pessoas e com o mundo. Seguindo por este raciocnio, pode-se concluir que aqueles que adquirem aptides irrefletidamente se tornam indivduos merc da rotina enfadonha e do autoritarismo alheio. Para Dewey, pensar o mtodo de se aprender inteligentemente.

    Ansio Teixeira defendia um autntico sistema de educao pblica, mudando a concepo de educao no pas. Defendia que era preciso que o Governo, para ser verdadeiramente democrtico, pensasse na educao comum, oferecendo uma escola primria capaz de dar ao povo brasileiro a formao fundamental para o trabalho, uma escola mdia atenta variedade de aptides e ocupaes e uma escola superior capaz de promover a mais alta cultura e maior especializao.

    Portanto, nada de se restringir s letras ou ini-ciao intelectual, mas ser, sobretudo, um espao de iniciao ao trabalho, de formao de hbitos de pensar, agir, trabalhar, conviver e de partici-pao em uma sociedade democrtica, cujo soberano fosse o prprio cidado. A escola seria, ento, a prpria vida da comunidade, com o seu trabalho, as suas tradies, suas caractersticas.

    Alm de prtica e em tempo integral, Ansio de-fendia que a escola primria fosse regionalizada, atendendo s especificaes de cada regio. A municipalizao da escola, com administrao local, programa local e professor local seria fun-damental para o processo de descentralizao da educao brasileira proposto por Ansio. Ele ressaltava sempre, porm, a necessidade de que a escola fosse assistida e aconselhada tecnica-mente pelos quadros estaduais e federais.

    A aplicabilidade de muitos aspectos da poltica educacional que Ansio propunha pde ser verificada na experincia que desenvolveu na Bahia, na Escola Parque.

    A Escola Parque

    Em 1947, Ansio Teixeira idealizou na Bahia o primeiro Centro de Educao Primria, que seria formado por quatro escolas-classe para mil alunos cada e uma escola-parque para os quatro mil alunos. A idia era que as escolas funcionassem em dois turnos conjugados, com o objetivo de tornar integral o perodo de permanncia dos alunos nas escolas.

    O sonho de Ansio Teixeira era muito inovador e corajoso porque apresentava uma transforma-o total na forma de educar. Metade do tempo os alunos estariam nas escolas-classe, que eram organizadas pelos graus convencionais e

    DEWEY, John. O ato de pensar

    e a educao e A natureza do Mtodo.

    Ansio Teixeira

  • 24 25

    a outra metade, na escola-parque, estruturada de maneira completamente distinta da escola tradicional, com cerca de apenas 20 alunos por sala, agrupados por idades e aptides.

    Sendo assim, todos se envolviam em atividades de trabalho, artsticas e sociais, praticavam educao fsica e ainda freqentavam a biblio-teca, formando um conjunto rico e diversificado de experincias e desenvolvendo a capacidade de imaginar, planejar e elaborar projetos.

    Para Ansio Teixeira, o aluno deveria se sentir o estudante na escola-classe, o trabalhador nas oficinas de atividades industriais, o ci-dado nas atividades sociais, o esportista no ginsio e o artista no teatro e nas demais atividades de arte, pois todas essas atividades podiam e deviam ser desenvolvidas partindo da experincia atual das crianas.

    O grande orgulho do educador consistia no fato da experincia ter sido desenvolvida exclusivamente por professores brasileiros, sem nenhum tipo de apoio estrangeiro.

    Educador pernambucano, Paulo Freire ficou co-nhecido no mundo todo por seus ideais huma-nistas e socialistas. Freire cr que a educao um ato poltico porque a escola est sempre in-serida em um jogo de relaes polticas e sociais.

    Sua concepo centrou-se na pedagogia libertria, a qual defendia o respeito di-versidade e colocava educador e educando como eternos aprendizes, ambos produzindo conhecimento num processo de ensino e

    aprendizagem recproco e coletivo. A pedago-gia libertria rejeita a tese de que o conheci-mento e a escola so neutros e que, portanto, os professores devam ter uma atitude neutra. Tambm condena as prticas autoritrias de ensino e prega que o educador tambm precisa ser educado. Contudo no se trata de um processo anrquico, sem lideranas. O professor assume o papel de conhecer o grupo ao qual dar aulas a fim de conquistar o seu espao e impulsionar o processo educativo.

    Os sujeitos envolvidos na relao educativa no vivenciam necessariamente uma relao de iguais, mas de complementares, jamais superiores e inferiores. O estmulo autono-mia do aluno papel do professor, que deve ensinar a liberdade com responsabilidade, sem jamais fazer com que a sua autoridade sufoque a liberdade do educando. Seu esforo consiste em aceitar os alunos como sujeitos ativos, que possuem capitais culturais e sub-jetividades que devem ser respeitadas.

    Neste contexto, a pedagogia libertria defende o respeito ao saber do educando, de forma que ele tenha condies de apreender o discurso legitimado pela cultura dominante a partir da sua prpria linguagem. Essa uma tentativa de no desprezar o currculo oculto, ou seja, no precisar fazer com que o aluno negue todos os seus saberes, vindos da famlia, da sua comunidade e da sua regio para poder aprender os contedos do currculo escolar.

    Paulo Freire

    SILVA, Oza. Pedagogia Libertria e Pedagogia Crtica.

    TEIXEIRA, Ansio. Educao no

    privilgio e A Escola Parque da Bahia.

    Como exemplos, podemos citar quando o monitor da biblioteca e o professor planejam juntos, dialogam antes de uma trilha educativa acontecer ou quando ocorrem Fruns da APM para deliberar sobre a efetiva participao de todos em programas da escola.

    A Educao Comunitria tambm tem impactos sobre o contexto social. Quando a populao encontra oportunidades efetivas de incluso e participao, acaba por desenvolver uma nova percepo e uma relao muito mais profunda com a escola que est ao seu lado. Passa a valorizar ainda mais o conhecimento e aqueles que o disseminam. Sentem que a escola lhes pertence e que eles tambm pertencem escola. E os educadores, atualmente desprestigiados, podem ganhar um novo status social, uma vez que os cidados compreendem a relevncia da sua profisso e o valor que a educao tem na sociedade.

    Se por um lado a comunidade cria um sentimento de pertencimento em relao escola, por outro os alunos passam a se sentir mais integrados prpria comunidade. Esse envolvimento e articulao entre a educao e a vida cotidiana fazem com que os educandos se apropriem dos processos de aprendizagem, participem deles e os aproveitem mais intensamente. Os contedos ganham novo sentido, uma vez que sua utilidade se torna mais perceptvel. As experimentaes ampliam seu repertrio cultural, sua capacidade de empreender iniciativas e de resolver os mais variados tipos de problemas.

    Por conta disso, a Educao Comunitria acaba contribuindo fortemente para que os alunos sejam mais autnomos e empreendedores. Tambm desenvolve o senso de responsabilidade, ampliando a capacidade dos indivduos se relacionarem de forma positiva consigo mesmo, com o seu futuro, com as pessoas sua volta e com a comunidade em que esto inseridos.

    Outro grande diferencial dessa nova proposta educacional est na percepo da indissolubilidade entre capital humano e capital social. Ao desenvolver o potencial das pessoas, a Educao Comunitria fortalece a comunidade. Por outro lado, ao articular e mobilizar a participao da comunidade, cria novas oportunidades para promover a formao das pessoas. O processo gera um amplo crculo virtuoso com grande poder de irradiao.

  • 27

    CAPTULO 3EdUCAO COMUnITRIA: PRTICAS

    A EdUCAO COMUnITRIA ACOnTECE nO MOMEnTO em que a escola e a comunidade verdadeiramente se encontram, se fundem e se confundem. Quando os limites entre esses dois mundos, antes muito apartados, j no so to visveis. Objetivos comuns, complementao de papis, confluncia de identidade. O encontro tem carter transformador. A educao torna-se comunitria e a comunidade torna-se educadora. Os temas que mobilizam a comunidade transformam o currculo e tornam-se objeto de estudo na sala de aula. As aes pedaggicas articuladas pela escola transformam o cotidiano e so incorporadas pela comunidade.

    A interao acontece de diversas maneiras, porque depende fundamentalmente do que cada um dos atores envolvidos traz para o processo. No existe um jeito certo, nem um nico modo de faz-la acontecer. Cada escola-comunidade descobre a sua prpria forma de se articular. Existem, no entanto, algumas etapas que, como uma espcie de roteiro, podem orientar aqueles que desejam se inserir no caminho da Educao Comunitria:

    1. Mapeamento de Potenciais e Oportunidades;

    2. Mobilizao;

    3. Gesto de Trilhas.

    MAPEAMEnTO dE POTEnCIAIS E OPORTUnIdAdES

    O mapeamento a etapa em que escola e comunidade lanam um novo olhar sobre si mesmas para identificar potenciais e oportunidades pedaggicos ainda no reconhecidos. O desenvolvimento dessa atividade pressupe trs habilidades especficas: observao, registro e reflexo.

    A observao acontece enquanto andamos, olhamos, cheiramos e sentimos a comunidade. Ou seja, precisamos aguar nossas percepes com relao a lugares, pessoas e equipamentos pblicos, que passam despercebidos pelo nosso dia-a-dia. Alm disso, temos que conversar e entrevistar pessoas e pesquisar em livros e na internet.

    O registro materializa os processos de mapeamento externos e internos,

  • 28 2

    dando origem a um produto prtico. No existem formatos obrigatrios ou estabelecidos para construo deste material. Cada grupo deve dar vida ao seu a partir das suas aptides e referncias pessoais. Dessa maneira, o mapa pode assumir a forma de um relato, um lbum de fotos, um vdeo, um diagrama, uma tabela, um mapa cartogrfico ou geogrfico, entre outras possibilidades. O mais importante que o documento faa sentido para quem o produz e para todos aqueles aos quais se destina.

    A reflexo pressupe a re-significao dos temas, locais e atores mapeados, o que s acontece quando incorporamos uma nova cultura do educar, que percebe e valoriza todos os potenciais de aprendizagem que a comunidade oferece.

    Mapeamento Interno

    A primeira fase do mapeamento tem como foco o universo interno da escola e de seus integrantes e pode ser realizada com apoio de trs iniciativas:

    Identificao dos Atores da Comunidade Escolar

    Um dos desafios da Educao Comunitria disseminar essa nova cultura entre os diversos atores que compem a comunidade escolar, a fim de que todos se envolvam e participem. Para tanto, torna-se indispensvel identificar quem so as pessoas e os grupos que integram esse universo, qual a sua atitude diante da escola e do seu entorno, como se organizam, que papel desempenham, que tipo de liderana exercem. Vale a pena lembrar que alguns deles podem se transformar em importantes aliados, como o conselho escolar, a associao de pais e mestres e o grmio estudantil.

    Construo de Mapas Pessoais

    Todas as pessoas tm um mapa pessoal, e a partir dele que tudo comea. Ao elencar suas percepes, seus contatos e suas referncias, os atores envolvidos com a Educao Comunitria apontam uma srie de possibilidades educativas, muitas das quais ainda no consideradas. Diretores, professores, alunos, familiares e lideranas comunitrias, por possurem pontos de vista e experincias pessoais bastante diversificados, contribuem com a montagem de

    um caleidoscpio de alternativas. Uma av que borda, um amigo que constri pipas, um vizinho que constri casas, um conhecido que d aulas de informtica, um poeta, um grupo de teatro, uma grande loja, um parque pblico e a escola de samba do bairro so alguns dos muitos ativos que j existem na comunidade e podem se transformar em oportunidades de aprendizagem.

    Para estimular a elaborao dos mapas pessoais, pode-se solicitar que cada um dos atores refaa mentalmente o trajeto que percorre de sua casa at a escola, desta vez com uma nova perspectiva. Algumas perguntas talvez ajudem nesse processo: que lugares e personagens interessantes existem pelo caminho? Sobre o que as pessoas conversam nas ruas? O que chama a ateno de quem passa?

    Construo do Mapa das Relaes entre Escola e Comunidade

    Uma anlise superficial ou apressada pode concluir que a escola possui pouca integrao com a comunidade. Prestando-se um pouco mais de ateno, no entanto, observa-se que essa troca praticamente inevitvel. Acontece que alguns vnculos se constroem de maneira to natural, que nem ao menos so registrados. s vezes, o encanador que atende escola mora no bairro, a padaria vizinha fornece po para a merenda escolar ou o empresrio da regio contribui com a festa de fim de ano.

    Por conta das mltiplas possibilidades de interao, a elaborao deste mapa de relaes demanda um trabalho um pouco mais intenso de pesquisa, principalmente junto a diretores, professores, alunos e conselho escolar. O levantamento pode ser realizado por um grupo de voluntrios com disponibilidade para conversar com esses interlocutores, obter as informaes necessrias e organiz-las em forma de cadastro, com o registro, por exemplo, do nome das pessoas, empresas ou organizaes identificadas, seus contatos e as atividades que j realizam em conjunto com a escola. A elaborao desse material pode se tornar o primeiro passo rumo mobilizao de uma futura rede de parceiros.

    VILA MAdALEnA

    PInH

    EIRO

    S

  • 30 31

    Mapeamento Externo

    A segunda fase do mapeamento busca identificar potenciais educativos externos, ou seja, aqueles que extrapolam os limites da escola. Para realiz-lo, sugerimos duas atividades:

    Identificao de Caractersticas e Atrativos da Comunidade

    A descoberta do potencial educativo de uma comunidade s acontece quando a conhecemos em profundidade e compreendemos suas vocaes e peculiaridades. Para tanto, h que se identificar sua origem, seus costumes e suas tradies, bem como suas histrias e seus personagens. As aes pedaggicas resultantes da interao entre a escola e o seu contexto so mais vastas e profundas quanto mais afinadas se mostram com essas caractersticas.

    Mapeamento de Locais e de Aliados da Aprendizagem

    Toda comunidade possui recursos que so facilmente percebidos como educativos, a exemplo de uma biblioteca, um teatro ou um museu. Chamamos

    essas descobertas de mapas do visvel. Um dos desafios propostos pela Educao Comunitria fazer com que os atores que esto dentro e fora da escola extrapolem esse limite e consigam tambm construir os mapas do invisvel, que incluem possibilidades pedaggicas mais inusitadas. Ao direcionarmos um novo olhar sobre uma praa abandonada, por exemplo, havemos de visualiz-la como um espao a ser recuperado com a ajuda dos prprios alunos. Um aposentado transforma-se em contador de histrias, e at mesmo uma oficina mecnica passa a ser vista como laboratrio de fsica.

    Cabe Educao Comunitria visualizar, mas tambm estimular os potenciais pedaggicos da escola e da comunidade que ainda no se manifestaram. No caso de lugares ou atores que ainda no se reconhecem como educadores, h que se despertar o desejo e aprofundar a sua capacidade de acolher, educar e realizar trocas, a fim de que possam utilizar seus saberes prprios para oferecer oportunidades de observao e experimentao para os alunos.

    interessante que os lugares de aprendizagem estimulem a aquisio de habilidades prticas e que as pessoas tenham ou desenvolvam motivao, disponibilidade, interatividade e repertrio para educar. Ou seja, para oferecer alternativas que complementem e enriqueam o contedo escolar

    j disponibilizado para crianas, jovens e adultos da regio, os aliados da educao precisam se apropriar do papel de educador ou mediador da aprendizagem, a fim de que se tornem co-responsveis pelo desenvolvimento do outro.

    Por fim, precisamos incorporar ao processo de aprendizagem os temas e a motivao que so caros a cada comunidade. Da a importncia de se mapear a cultura local, as referncias mais significativas para as pessoas do lugar e, principalmente, observar o que faz mais sentido e o que mais oportuno para aquela populao.

    MOBILIzAO

    A fase de mobilizao tem como objetivo estruturar a rede de relaes que tece a teia do conhecimento. Para tanto, preciso mostrar s pessoas a importncia da Educao Comunitria e convenc-las a se apropriar dessa nova forma de ensinar e aprender.

    Sensibilizao da Comunidade Escolar

    A sensibilizao interna um momento extremamente estratgico no processo de mobilizao. Os atores que j fazem parte da escola tm que compreender a importncia e os ganhos promovidos pela Educao Comunitria, percebendo que a parceria com a comunidade no substitui, nem diminui o seu papel, mas complementa a sua atuao. Se a proposta no for apresentada de maneira clara e contundente, h uma grande possibilidade de ser ignorada ou mal compreendida, o que certamente comprometer a intensidade e qualidade do envolvimento.

    Cabe a cada escola descobrir os melhores meios para mobilizar seus integrantes. Campanhas e eventos de divulgao so muito bem-vindos, mas devem ser acompanhados por encontros de esclarecimento, capazes de solucionar dvidas. Mais fundamental ainda garantir que todos tenham a possibilidade de participar do planejamento e da realizao de aes conjuntas, assumindo

  • 32 33

    responsabilidades e aprendendo na prtica a atuar de forma articulada com a comunidade sem deixar de levar em conta a sua identidade e autonomia.

    Articulao e Efetivao de Parcerias

    A formao da rede de relaes externas depende da construo de objetivos comuns e da existncia de oportunidades que permitam aos lderes comunitrios realmente participar do cotidiano da escola. Se a populao no se conscientizar do seu papel pedaggico e no

    perceber os benefcios que essa nova atitude pode trazer para cada um e, principalmente, para os alunos e para a comunidade, dificilmente se conseguir alcanar um nvel de comprometimento significativo.

    Por outro lado, h que se lembrar que a Educao Comunitria no acontece sem a articulao de parcerias efetivas e duradouras. importante, portanto, trazer o parceiro para dentro da escola, a fim de que, provocado pelo mapeamento, identifique a melhor forma de participar, desenvolva seu potencial de aprendizagem e envolva-se intensamente na elaborao e execuo do projeto em que decidir se engajar.

    O processo de construo de parcerias, quando bem realizado, tende a gerar a articulao de uma rede de aliados da escola e, conseqentemente, da educao. Um movimento que, embasado pelos objetivos comuns j construdos e materializado pelas aes conjuntas em curso, pode repercutir no desenvolvimento de iniciativas mais amplas e expressivas, com maior capacidade de impacto, inclusive sobre as polticas e o sistema pblico de ensino.

    GESTO dE TRILHAS EdUCATIVAS

    As trilhas educativas nascem com a proposta de conferir mais movimento, contextualizao e organicidade ao currculo escolar, justamente a partir da sua interao com a comunidade. A idia deslocar o processo de ensino-aprendizagem de uma perspectiva linear e unidirecional e oferecer alternativas para que professores e alunos possam dispor de diversos pontos de encontro e vrias formas de promover a construo de conhecimentos.

    Concretamente, estamos dizendo que, nesta etapa, as possibilidades de aprendizagem identificadas atravs do mapeamento e articuladas durante a mobilizao transformam-se em trilhas educativas. Tome-se como exemplo um grupo de professores que decide trabalhar os contedos curriculares de uma determinada srie a partir da histria da cidade. Analisando o mapeamento, eles percebem que podem lanar mo de: museus e monumentos para abordar os eventos histricos; grupos de idosos para relatar os costumes e o contexto social da poca; a antiga sede da bolsa de valores para lidar com a matemtica; um fotgrafo para falar sobre processos qumicos.

    A Educao Comunitria prev que professores e alunos criem suas prprias trilhas educativas, definindo conjuntamente os espaos para onde querem ir, as pessoas com quem desejam interagir e quando cada um desses encontros acontecer. Em seguida, cabe ao Educador Comunitrio a funo de gerenciar o processo, a fim de que tudo se desenrole conforme o planejado. A gesto inclui, principalmente, a mediao das relaes entre parceiros e comunidade escolar e a organizao das aes educativas a serem realizadas.

    interessante que o Educador Comunitrio tambm envolva todos os participantes na avaliao das trilhas educativas, a fim de que sejam aprimorados, registrados em um banco de casos, socializados e utilizados por outros grupos de professores e alunos.

    Vale lembrar que uma trilha educativa, para funcionar a contento, deve ter o mximo de convergncia possvel com o plano pedaggico da escola e com as caractersticas e vocaes da comunidade. Tambm precisa ser incorporada ao processo de ensino-aprendizagem, no como uma atividade extra-classe, mas como base sobre a qual o currculo trabalhado.

  • 35

    FUnES dO EdUCAdOR COMUnITRIO

    Gestor O grupo dos gestores inclui aqueles que exercem algum cargo de liderana no

    sistema pblico de ensino, como secretrios, subprefeitos ou assessores, ou na escola, como diretores e coordenadores/supervisores pedaggicos. Deve ter como principal caracterstica o esprito de liderana e exercer o papel de facilitador. Suas funes so:

    Criar ambincia para que a Educao Comunitria ocorra

    Mobilizar os agentes internos e externos

    Construir pontes entre a escola e a comunidade

    Integrar as aes

    Consolidar a rede de relaes

    Professor Os professores so fundamentais no processo de implementao da Educao

    Comunitria e, por essa razo, precisam dispor de tempo para se dedicar a essa funo. O docente que assume esse desafio deve ter como principal caracterstica a criatividade e exercer o papel de empreendedor. Esto entre suas atribuies:

    Coordenar o mapeamento interno e externo, levantando demandas e oportunidades

    Articular os atores em torno da realizao de aes conjuntas

    Liderar o processo de construo das trilhas educativas

    Empreender os processos formativos

    Integrar a sala de aula com a comunidade

    Lder Comunitrio

    Os lderes comunitrios devem ter como caracterstica o esprito educativo e atuar fundamentalmente como mediador, exercendo as funes de:

    Criar ambincia na comunidade para que a Educao Comunitria ocorra

    Identificar demandas e possibilidades pedaggicas na comunidade

    Propor oportunidades educativas escola

    Apoiar a interface entre os diversos setores (sociedade civil, empresas, governo), para que possam colaborar de forma articulada com a escola

    Intermediar a relao entre a escola e a comunidade

    CAPTULO 3 O EdUCAdOR COMUnITRIO

    O Educador Comunitrio tem o papel de criar pontes entre a escola e a comunidade e construir redes de relaes entre esses dois universos, atuando junto a ncleos internos (grmios, conselhos escolares, alunos, familiares, professores e direo) e grupos externos (empresas, rgo pblicos, organizaes da sociedade civil e cidados). Seu principal desafio mobilizar esses atores, coloc-los em contato e facilitar a interatividade entre eles, para que possam trabalhar conjuntamente visando a identificar e promover novas oportunidades de aprendizagem.

    Para cumprir a funo de mediar relacionamentos e iniciativas geradas por segmentos to diversos, recomenda-se que o Educador Comunitrio mostre-se aberto, disponvel, gregrio e flexvel, mas sempre firme em sua inteno de gerar transformaes que elevem a qualidade da educao pblica. Sugere-se ainda que essa atribuio seja compartilhada por diferentes integrantes da escola e da comunidade, principalmente gestores, professores e lderes comunitrios, a fim de que cada um assuma um conjunto especfico de responsabilidades, conforme seu cargo, suas caractersticas e aptides.

    Os mais observadores podem contribuir identificando oportunidades educacionais ainda no reveladas. Os sensveis contribuem reconhecendo e valorizando o potencial e a motivao dos envolvidos. Os comunicadores devem utilizar sua habilidade para articular e manter as parcerias.

    Os empreendedores, para fazer as coisas acontecerem, e os lderes, para integrar e conduzir todo esse processo.

    Seja qual for sua caracterstica ou atribuio especfica, todo Educador Comunitrio deve ter como atributos

    essenciais um profundo compromisso com o desenvolvimento das pessoas e da comunidade, a humildade para saber

    que jamais conseguir alcanar seu intento sozinho e a tenacidade para fomentar a promoo de mudanas de cultura

    e comportamento que levam tempo para acontecer.

  • CASOS - Experincias de Educao Comunitria

    Quando iniciamos o projeto O centro pode ser uma sala de aula, a nossa maior preocupao era no reduzir todo o nosso esforo a um mero passeio, pois o nosso objetivo era bem maior: fazer do centro uma sala de aula. Ao realizar atividades educativas fora da escola, percebemos que o professor precisava se planejar antes de conduzir as sadas e animar debates e discusses na sala de aula.

    Como no podemos fazer com que todas as classes participem de todas as ativida-des educativas, ns estimulamos a troca entre elas. Por exemplo, uma turma vai ao Teatro Municipal e outra vai at a Sala So Paulo e, quando esses alunos retornam escola, ns proporcionamos momentos de troca dessas experincias. Esta inicia-tiva gerou uma maior integrao entre alunos de diferentes classes da escola.

    Os nossos professores que esto sendo ca-pacitados pela ONG Cidade Escola Aprendiz iniciaram um processo que chamamos de mapeamento da regio. Eles esto analisan-do todas as potencialidades educativas do centro para que possam inclu-las nas nos-sas trilhas educativas. Eles tambm fazem visitas monitoradas para conhecer os locais antes de levar os alunos, assim se sentem mais preparados ao acompanhar as crian-as. No processo de mapeamento, nossos professores chegaram a lugares conhecidos, como o Ptio do Colgio, Teatro Municipal, a Igreja da S, entre outros, alm de tambm

    descobrirem espaos pouco percebidos, como o Museu do culos, o Museu da Energia e at mesmo o Cemitrio da Con-solao. Ns nos orgulhamos de dizer que transformamos um cemitrio em uma escola a cu aberto (risos). Levamos os alunos ao cemitrio e estudamos com eles as diversas obras de arte que compem o cenrio local.

    Todas as visitas so gratuitas, a maioria das nossas sadas feita no turno oposto ao que o aluno est matriculado na escola, pois o nosso objetivo fazer com que ele vivencie cada vez mais atividades esco-lares internas e externas, aumentando o seu tempo de ligao com a escola. Geralmente, os nossos alunos assistem s aulas no perodo da manh, almoam na escola e tarde partem para as atividades culturais. Os alunos no so obrigados a ir s sadas educativas, mas a maioria comparece e gosta muito da iniciativa.

    O perfil do educador comunitrio pre-cisa ser o de uma pessoa dinmica e que goste de se relacionar com os outros. Na verdade, ele um multiplicador, articu-lador e mobilizador. Segundo as nossas diretrizes, o professor que tem vontade de se tornar um educador comunitrio precisa fazer um projeto e ser aprovado pela escola. Cada escola tem uma m-dia de dois professores comunitrios.

    J conseguimos enxergar alguns reflexos trazidos por esse projeto. Notamos que os alunos esto mais curiosos, dispostos e

    O CEnTRO POdE SER UMA SALA dE AULAdepoimento de Olga Arruda, Assessora Especial da Subprefeitura da S/SP.

    Eu sou professora da Prefeitura de So Paulo e j fui coordenadora e diretora de escola. Ao tornar-me supervisora escolar, pude entrar em contato com vrias escolas, o que me proporcionou uma viso mais integrada da relao escola-comunidade. A partir disso, comecei a perceber que, se a escola no trabalha com o seu entorno e no o envolve, no tem condies de sobreviver e de avanar no seu trabalho.

    Em janeiro de 2005, fui nomeada coorde-nadora das escolas da regio central da cidade de So Paulo e passei a trabalhar com cerca de 30 escolas. Nesse perodo, o Subprefeito da regio da S me procurou com a idia de fazer com que as crianas das escolas da regio central ocupassem e vivessem sistematicamente todos os espaos culturais que o centro oferecia.

    Comprei a idia e fiquei muito feliz em receber esse apoio. A partir de fevereiro de 2005, escrevemos e colocamos em prtica o projeto: O centro pode ser uma sala de aula. No comeo, a Subprefeitura disponibilizou alguns nibus para fazer o translado das crianas das escolas at os espaos cul-turais do centro. Com o passar do tempo, percebemos que apenas disponibilizar

    nibus no era suficiente, pois precisva-mos entrar em contato com as instituies e fazer com que elas se preparassem para receber os nossos alunos e os desejassem. Era necessrio, ento, construir algumas trilhas dentro do centro de So Paulo.

    Inicialmente no foi fcil convencer as ins-tituies da comunidade a receberem os nossos alunos. Constatamos que a escola se fecha para o seu entorno e vice-versa. Ns, porm, no desistimos, defendemos o projeto e, aos poucos, fomos seduzindo algumas instituies culturais. Hoje j temos cerca de 80 instituies parceiras. Passamos a nos reunir sistematicamente com as parcerias institucionais para pen-sar formas educativas e criativas para que elas recebessem os nossos alunos medida que as fomos conquistando.

    Ento buscamos um patrocinador, que atualmente nos fornece os nibus para o deslocamento dos alunos. Outra preocupa-o nossa era com a formao do educador comunitrio, pea chave para impulsionar todo esse processo. Para resolver essa questo, firmamos uma parceria com a ONG Cidade Escola Aprendiz, que ficou responsvel por toda a formao dos nos-sos professores e gestores e, atualmente, atende capacitao de um grupo de 50 professores. Nas capacitaes, eles discu-tem o papel do educador comunitrio e entendem um pouco mais sobre o conceito de educao comunitria e bairro-escola.

    36 37

  • motivados. Procuramos sempre envolver os pais nessas atividades. Alguns chegam a acompanhar os seus filhos nas visitas, mui-tos deles foram ONG Cidade Escola Apren-diz, na Cmara Municipal e em parques da cidade. Os alunos e os pais comearam a perceber que o centro tambm um bairro. Eles passam a ter uma outra viso sobre o lugar onde moram e estudam.

    VIzInHOS PARCEIROS depoimento de Ivete Mitico, diretora da Escola Estadual Rodrigues Alves.

    A Escola Estadual Rodrigues Alves muito tradicional e procurada, por esse mo-tivo enfrentamos um srio problema de ex-cesso de alunos. A demanda muito grande e o nmero de alunos por classe sempre maior do que o aconselhvel. No diurno, a escola funciona de primeira a oitava srie e, no noturno, temos o ensino fundamental e mdio para jovens e adultos. Atualmente, so mais ou menos 2.400 alunos divididos nos trs perodos e oitenta professores.

    Eu fui para essa escola em 1990 e, com o decorrer dos anos, fui percebendo que ensinar os alunos a aprender a ler e contar no era o suficiente. Observei que a motiva-o dos professores no vinha apenas de um trabalho bem executado, ela vinha tambm a partir de um desafio. Foi a que eu descobri que, quanto mais autonomia voc delega aos professores e aos alunos, mais eles produzem.

    No ano de 1998, quando a Secretaria da Educao do Estado trouxe a proposta para a escola trabalhar com voluntrios, abrimos nossas portas para a comunidade. Muita gente boa se aproximou. Hoje temos volun-trios que do aula de ingls e informtica. A escola est sempre aberta a propostas, o voluntrio vem com um projeto, ns o apoiamos e o trabalho desenvolvido. Alm do voluntariado, desenvolvemos uma srie de parcerias com empresas privadas.

    nossos Parceiros

    Estamos localizados na Avenida Paulista, por isso, geograficamente perto de empresas im-portantes, como exemplo o Ita Cultural, nos-so vizinho e parceiro. Todo o equipamento do Ita Cultural disponibilizado para a escola. Antes de uma exposio geral, os monitores do Ita fazem uma capacitao com os nossos professores sobre a temtica abordada na exposio. Os professores acompanham em seguida os seus alunos exposio e multipli-cam com eles tudo o que aprenderam, temati-zando em classe o que descobriram juntos.

    Outro vizinho parceiro o Hospital Santa Catarina. Tudo comeou quando um senhor de 70 anos chegou escola com vontade de contribuir. Ns ficamos sabendo que nesse hospital, em frente escola, existe um museu, para o qual o senhor levou as crianas em vi-sita. Depois disso, no paramos mais de fazer projetos e parcerias com o Santa Catarina.

    Outro projeto em parceria com esse mesmo hospital se chama Contador de Histrias.

    Os nossos alunos vo para a pediatria contar histrias para as crianas interna-das. Depois que demos o primeiro passo, os funcionrios comearam a perceber que poderiam se aproximar da escola e hoje quem organiza o coral dos alunos, de primeira a quarta srie, um voluntrio, funcionrio do Hospital Santa Catarina.

    Ns tambm temos uma parceria com a ONG Paulista Viva, que desenvolve cursos de in-formtica para os nossos alunos. Alm disso, existe uma grande parceria com o Banco Real que, alm de participar ativamente da vida da escola h quatro anos, est preparando todo um projeto de restauro do prdio.

    O objetivo de todas as parcerias que estamos desenvolvendo ampliar o currculo escolar. A nossa idia foi levar os alunos para outros ambientes e aprender nesses lugares. As parcerias no foram planejadas. Elas foram surgindo, as pessoas comearam a nos pro-curar e passamos, conseqentemente, a tecer as nossas trilhas.

    O que temos de mais precioso na escola so as pessoas voluntrias: pais, professores e alunos com vontade de contribuir e doar o seu tempo. Hoje percebemos que tanto a comunidade procura a escola quanto a escola procura as potencialidades educati-vas da comunidade. O professor j comea a perceber que necessrio ampliar os espaos de aprendizagem, pois o aluno j est muito cansado da sala de aula.

    O perfil dos educadores que participam de experincias como essas o de pro-fessores que gostam de ser expoentes e de sua atividade. Um professor que entra num processo desses ganha em troca muito trabalho e a recompensa gratificante de um trabalho bem feito!

    Percebemos que cada vez mais os alunos gostam da escola e sentem paixo pelas atividades. J os professores envolvidos apresentam uma melhora na sua auto- estima. Hoje metade dos nossos professores j est envolvida com a educao comu-nitria. Os pais tambm esto muito mais participativos. Recentemente, ns fizemos uma aula com os alunos no Play Center para que eles pudessem aprender cincia no parque de diverses. E essa uma iniciativa do prprio parque, mas que tambm interes-sou muitos pais e mes que compareceram com seus filhos para aprender Cincias. Outro ganho foi a maior interao dos alunos com a Avenida Paulista. Graas s nossas cons-tantes sadas para estudo e aprendizagem, muitos alunos passaram a levar os seus pais para a Avenida no fim-de-semana.

    Acredito que o nosso maior desafio o de mostrar que a escola no desne-cessria e que apenas as visitas culturais no so suficientes para a formao dos alunos. Estes precisam perceber que a escola ainda muito importante e o que ns estamos tentando fazer adequar o currculo escolar comunidade.

    38 3

  • O PEdAGOGO COMUnITRIOdepoimento de Maura Lgia Costa Russo, Secretria de Educao do Municpio de Praia Grande.

    O municpio de Praia Grande bem novo, por isso a prefeitura s implantou o ensino fundamental no ano de 1996. Percebemos, contudo, altos ndices de reteno e comeamos a investigar as causas para buscar solues. Constatamos que a ausncia da famlia na vida escolar estava associada repetncia das crianas.

    Este cenrio nos fez pensar na criao do cargo do pedagogo comunitrio, respon-svel por fomentar um elo entre a comu-nidade e a escola. Em 2005, o municpio criou uma poltica pblica que visava a incluir o pedagogo comunitrio nas esco-las da rede. Temos 52 escolas municipais e cada uma elegeu o seu educador.

    Para ser um pedagogo comunitrio, o profissional precisa atender a dois cri-trios: ser formado em pedagogia e ser professor titular de escola. Durante todo o ano de 2005, os pedagogos comuni-trios freqentaram um curso sobre educao comunitria, para em 2006 iniciarem efetivamente as suas aes.

    H alguns anos, a proposta pedaggica da escola era passada pela Secretaria de Educao, mas percebemos que esse no era o caminho, pois cada escola precisa-va discutir a sua prpria proposta.

    Ento a direo comeou a sentar com os pais, com a comunidade e com os alunos para buscar a proposta que melhor se adaptasse a cada escola. Em seguida, uma comisso formada por pais e mestres convoca a Secretaria de Educao que vai at a escola ver a apresentao da proposta pedaggica. Com a implantao do pedagogo comunitrio, manteremos esse mesmo modelo participativo.

    Os professores e a escola esto aceitando muito bem todo esse novo processo que se inicia no municpio. O que buscamos com essa poltica : fazer com que as crianas melhorem o seu desempenho; diminuir a repetncia; ampliar o tempo de permann-cia do aluno na escola e aproximar famlia e comunidade do ambiente escolar.

    Em 2006, inicialmente ser traado um perfil do bairro e do entorno da escola. Faremos um mapeamento e depois cada pedagogo ter a liberdade para construir as suas prprias trilhas. O grande desafio, para ns, trazer a famlia para perto da escola em face sua tendncia atual de ser omissa em relao educao dos seus filhos. Teremos que fazer um grande processo de seduo. Todas as aes sero relacionadas com o currculo escolar. Sabemos que no existe receita e apenas com a prtica poderemos perceber a amplitude e os impactos dessas aes.

    dERRUBAndO AS PAREdESdepoimento de Ana Elisa Siqueira, diretora da Escola Municipal Amorim Lima.

    Apesar de ser formada por institui-es particulares sempre trabalhei em escolas pblicas. uma questo poltica: preciso estar onde est a maioria. A pers-pectiva no espao pblico muito maior, e essa foi a minha opo desde sempre. No s trabalho, ideal de vida.

    Quando cheguei escola Amorim Lima, a minha primeira providncia foi estimular e fortalecer o conselho escolar. Passei a convocar todos (pais, funcionrios da escola, direo, coordenao e os professores) a participarem das reunies do conselho. Hoje tudo pensado, feito e planejado com apoio do conselho escolar. Atualmente, posso dizer que todos os seus membros j se apropriaram da vida escolar e esto muito mobilizados a produzir transformaes.

    Em funo da articulao gerada pelo for-talecimento do conselho, os pais passaram a se aproximar cada vez mais da escola. Montaram um grupo para discutir e mapear os seus problemas. Isso gerou a realizao de vrias aes conduzidas pelos prprios pais e nos trouxe tambm vrias demandas.

    Para melhorar os processos da escola, resolvemos aplicar uma verba anual do MEC na formao da comunidade escolar. Contratamos ento uma assessoria especia-

    lizada que vinha a cada dois meses discutir educao com toda a escola. Todo mundo participava, desde os funcionrios de limpeza at a diretora. Um dia essa assessoria nos trouxe um vdeo apresentando a experin-cia da Escola da Ponte, de Portugal. Os pais ficaram encantados com aquela proposta e passaram a desejar a construo de um novo projeto pedaggico baseado nessa escola.

    Para implantar esse sonho, os pais se reuni-ram e foram at a Secretaria de Educao do Municpio pedir apoio para a implantao desse novo projeto pedaggico. A Secretria de Educao se sensibilizou com essa forte mobilizao, resolveu ir conhecer a Escola Amorim Lima e logo comprou a idia. Ento a Secretaria pagou uma assessoria que ajudou a escola a montar e implementar o projeto.

    E em fevereiro de 2004, ns demos incio a esse ousado projeto. Conheci pessoalmente a Escola de Portugal e fiquei encantada. Ela refora a natureza democrtica do conhe-cimento. As crianas sabem o que tm que fazer, cada uma responsvel por seu pro-jeto. Foge da idia de uma educao pautada no resultado.

    O pressuposto do projeto a busca de apren- dizado pessoal dentro de um processo e de um espao coletivos. Para concretizar a teoria, o primeiro passo foi derrubar as paredes entre as classes. Dentro desse esprito, os professores tambm precisavam ficar juntos, para compartilhar experincias e poder discuti-las.

    40 41

  • porta convocando as pessoas para partici-parem da vida escolar. Eu dizia para todos que sem educao no existia soluo!

    As comisses foram fundamentais e os resultados foram muito bonitos. A Comisso de Reivindicao no se rene sistematica-mente, mas extremamente mobilizada. Se a gente precisar de 50 pessoas para fazer uma reivindicao de um dia para o outro, a Comisso consegue articular e mobilizar essas pessoas. A Comisso de Cultura, Esporte e Lazer organiza uma mostra cultural anual. Na escola tem Karat, Capoeira, grupo de Teatro. A Comisso de Limpeza, Conservao e Manuteno do Prdio Escolar lidera a pintura da escola.

    Com o surgimento das comisses e com a entrada da comunidade e dos pais de alunos na escola, percebemos que a vio-lncia dentro da escola diminuiu bastante. Hoje, por exemplo, j no mais comum encontrar alunos brigando nos corredores da escola. No entanto, a violncia no bairro ainda continua. Em 1999, foi assassinada uma aluna que tinha 16 anos e estudava no perodo noturno. Aquilo me revoltou pro-fundamente. E depois de refletir com alguns colegas sobre o acontecido, decidimos fazer uma caminhada pela paz na comunidade.

    No comeo, existia um medo que paralisava a todos da comunidade e da escola. Mas aos poucos, atravs das lideranas locais e do boca-a-boca, ns fomos mobilizando as pessoas. A UNAS (Unio dos Ncleos Asso-

    ciaes e Sociedades do Helipolis) apoiou totalmente a iniciativa da caminhada. E assim realizamos a primeira Passeata da Paz de Helipolis, onde mais de cinco mil pessoas estiveram presentes. A partir da, a passeata se tornou anual e esse ano ns j estamos na stima edio. Hoje em dia a Passeata da Paz um dos principais eventos da comunidade.

    Uma conquista da caminhada que eu consigo enxergar a quebra do medo que paralisava as pessoas. No ano de 2000, eu perguntei como a comisso organizadora estava se sentindo, se existia alguma espcie de medo etc. Um aluno da escola, que na poca devia ter uns treze ou quatorze anos, falou: Eu queria dizer para todos vocs que eu no tenho medo nenhum porque eu aprendi na primeira caminhada que tenho medo quando caminho sozinho, quando eu caminho com milhares de pessoas o meu medo se transforma em coragem.

    Com relao aos resultados dessa caminha-da, pudemos observar uma diminuio con-sidervel na violncia praticada no bairro. O jornalista Gilberto Dimenstein escreveu um artigo recentemente dizendo que o nmero de assassinatos nos ltimos trs anos, no bairro de Helipolis, diminuiu em 60%.

    Inicialmente, foi difcil conseguir o en-volvimento dos professores da escola, pois muitos estavam desmotivados, eles no tinham o hbito de construir as coisas por si, sempre esperando da Prefeitura ou do Estado a soluo para os seus pro-

    O segundo passo foi inserir oficinas de ingls, arte, educao fsica, teatro, capoeira, leitura, informtica e educao ambiental na grade curricular. Cada uma dessas sries piloto foi dividida em 21 grupos de 5 estudantes, que revezam as atividades entre a classe e as ofici-nas. Em geral, ficam 25 alunos na sala de aula.

    Os alunos sempre trabalham coletivamente e em atividades pessoais e podem pedir ajuda aos colegas; compartilham oficinas, mas as tarefas so individuais. Eles tra-balham por objetivos, dentro das reas propostas pelos professores. Uma vez por semana, h a tutoria, quando a ficha de organizao semanal de cada aluno dis-cutida e tambm o progresso da semana.

    J notamos alguns resultados positivos, um deles que a presena simultnea de vrios educadores ameniza conflitos entre aluno e professor, pois a terceira pessoa faz um con-traponto. importante frisar que a escola est totalmente de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases. Isso tambm elimina um dos problemas crnicos da escola pblica: aulas vagas devido falta de professores. Mesmo com dois au-sentes, um dar conta da sala com 25 alunos.

    Em 2005, as nicas sries que ficaram de fora desse novo projeto pedaggico foram a quarta e oitava, mas elas sero includas no ano de 2006. Assim, teremos todas as sries inseridas no processo e mais paredes sero derrubadas. Vimos que no d para ter duas escolas em funcionamento ao mesmo tempo. Ou para todos, ou no para ningum.

    CAMInHAdA dA PAz

    depoimento de Bras nogueira Rodrigues, Escola Estadual Campos Salles

    O Trabalho que desenvolvemos comeou com base em duas idias: a primeira que tudo passa pela educao, o que no quer dizer que tudo passe pela escola, pois a cidade deve ser a escola; a segunda idia que a escola s vai fazer bem a sua parte se ela se aproximar da comunidade, pois a escola tem que ser o centro de liderana na comunidade em que atua, sendo necessria a aproxima-o com as lideranas comunitrias.

    Em novembro de 1995, eu cheguei Escola Estadual Campos Salles, localizada no bairro de Helipolis, de 120 mil habitantes, na periferia de So Paulo, com essas idias na cabea e no abri mo delas nem um minuto. O trabalho que desenvolvo hoje na Escola Campos Sales a continuao de muitos anos de experimentaes.

    A partir de encontros que montamos com os pais de alunos e as lideranas da comu-nidade, nasceram quatro comisses. Estas eram formadas pelos pais, alunos, ex-alu-nos e pelas lideranas da comunidade. De todas, a que mais se destacou foi a Comisso Relao Escola Comunidade. Antes dessa Comisso se formar, era eu quem fazia esse papel, colocava um short e ia correndo pela comunidade, batendo de porta em

    42 43

  • Comeamos a desenvolver um trabalho que envolve educao, cidadania e carnaval. Fizemos ensaios de escolas de samba dentro da Garcia Dvila, eleio da rainha da bateria, e a escola passou a virar um point do samba. A comunidade passou a tomar para si a escola, e a partir do samba ns transformamos a comunidade em um espao de aprendizagem.

    Ns temos um trabalho aqui que busca fazer uma reconstituio da histria do bairro a partir das trajetrias das escolas de samba da regio. Para esse trabalho, utilizamos como referncia o livro A evoluo do Parque Peiruche e sua gente, escrito por um autor aqui da comunidade. O autor foi na escola e entrou em contato com nossos professores, pais e alunos. Foi uma experincia muito rica para todos. Depois de estudarmos e entender-mos a nossa histria, comeamos a fazer um trabalho de mapeamento do bairro junto com os alunos.

    A partir de 2003, passamos a organizar a festa de aniversrio do bairro em uma perspectiva comunitria: chamamos todo mundo para par-ticipar: a igreja, a me de santo, os moradores, as escolas particulares. Um outro evento que fazemos o Folia da Cidadania, um desfile no qual os jovens e adolescentes aprendem como se faz um enredo, como se desenha uma fantasia e como se cria um samba. No sbado anterior ao sete de setembro, ns fazemos um grande desfile aqui pelas ruas do bairro. Hoje a escola o centro poltico do bairro e todos esses processos so liderados por ela.

    Agora estamos projetando para daqui a dez anos a internacionalizao do Parque Peiruche. Queremos transform-lo em um plo de recepo de turismo voltado ao samba e ao carnaval. Queremos transformar o Parque Peiruche numa Vila Madalena da periferia, com casas de espetculos, restau-rantes e toda uma estrutura para receber turistas de So Paulo, do Brasil e do exterior. Esse projeto vai trazer valorizao, respeito, gerao de renda e emprego. A idia cons-truir, a partir da histria da comunidade, o seu futuro. Todos esses processos passam aqui pela escola, hoje em dia no temos mais a separao escola comunidade.

    Todas essas aes tambm so trabalhadas na escola como temas transversais. Fazemos reunies pedaggicas que visam a inserir esses temas no nosso currculo. Temos uma grande participao das famlias nas atividades. Entendemos que escola parte da sua realidade, da sua cidade e do seu bairro. E medida em que voc entende a sua comunidade, fica mais fcil entender a sua cidade, o seu estado, o seu pas e o mundo. Hoje em dia a nossa escola no tem mais nenhum problema com violncia, ela bem cuidada e as pessoas tm orgulho de estudar e trabalhar aqui. Percebemos que a violncia no bairro tambm diminuiu. Hoje a comunidade outra e todos reconhecem a nossa escola como lder nesse processo.

    blemas. Atualmente, o professor da Escola Campos Salles tem outro perfil. Hoje, 12 professores da escola fazem parte da Comisso Relao Escola Comunidade.

    H dois anos atrs, essa Comisso se trans-formou em um projeto oficial, significa que o professor pontuado e que tem o horrio determinado semanalmente, mas infelizmente, desde que essa Comisso foi oficializada, os pais e os alunos deixaram de participar. De outro lado, a oficializao da Comisso foi uma boa, pois os profes-sores esto muito mais motivados.

    A ESCOLA qUE d SAMBAdepoimento de Waldir Romero, diretor da Escola Municipal Garcia dvila

    Tenho 22 anos de funcionalismo pblico municipal e sou diretor da Garcia Dvila h 10 anos. A minha formao muito influenciada por Paulo Freire, no me preocupo apenas com a alfabetizao, mas tambm com a formao cidad. Posso dizer tambm que uma das bases da minha formao foi ter sido feirante e office boy. Essas duas experincias me possibilitaram conhecer as pessoas e lidar com elas.

    Quando eu cheguei aqui, encontrei uma escola muito feia e suja. Aqui dentro tinha dro-gas, violncia e at assassinatos. Para reverter essa situao, comecei a conversar com os meninos sobre tica e cidadania. No comeo, eles disseram: voc mais um que vem para

    ficar um tempo aqui e depois vai embora, a gente nem quer papo com voc. Tive que pensar em um projeto a longo prazo. A minha formao pessoal e profissional me mostrava que o projeto tinha que ser na escola. Se voc no fizer um projeto para o menino e para a comunidade, voc no vai para lugar nenhum.

    Contra tudo e contra todos, comeamos a abrir a escola no fim-de-semana. Nesse momento, s os adolescentes apostaram nessa idia, pois era a nica opo de lazer para eles. Realizamos diversos bailes e deu tudo certo, a turma dos apocalp-ticos dizia que foi sorte nossa e que das prximas vezes ia dar problema etc.

    No ano de 1997, a escola passou por uma grande reforma fsica, todos os espaos estavam em obra e mesmo assim no deixa-mos de dar aula e nem dispensamos nenhum aluno. Os professores tiveram que se virar para dar aula, utilizaram a quadra, o ptio e os corredores. Esse fato os obrigou a sarem dos seus mundinhos organizados, todos tiveram que abandonar a estrutura fabril da escola. Esse ano foi um caos produtivo.

    Depois dessa reforma, a escola tomou outra cara. Isso deu mais unio s pessoas. O nosso prximo passo foi estabelecer parcerias com a comunidade. Passei a ir conhecer as escolas de samba do bairro. medida que eu comecei a freqentar as quadras das escolas de samba da regio, me aproximei mais dos meus alunos e isso me fez perce-ber o potencial educativo desses espaos.

    44 45

  • CURSOS dE FORMAO Em Educao Comunitria

    USP Leste: Curso de Atualizao em Educao ComunitriaObjetivo do curso: formar dirigentes e docentes da rede pblica de ensino do municpio de So Paulo para o trabalho com a comunidade (bairro) onde as escolas pblicas esto inseridas, com o objetivo de auxiliar na formao de redes de ao educativa que integrem bairros e escolas e que tenham como meta a construo da cidadania e da democracia.Pblico Alvo: Docentes e dirigentes de escolas pblicas do municpio de So Paulo das regies Leste e Norte.durao: 120 horas/aula, divididas em 3 mdulos de 40 horas/aula. Contatos: Portal do Programa Educador Comunitrio http://educomunitario.incubadora.fapesp.br [email protected]

    UnICAMP: Curso de Especializao em Gesto EducacionalObjetivo do curso: pensar sobre as mltiplas dimenses das aes que os gestores realizam em suas escolas; ampliar os conhecimentos dos gestores de unidades escolares no que se refere aos mltiplos aspectos envolvidos no planejamento e gesto como processo de construo coletiva, estimulando a realizao e o aprofundamento de estudos na perspectiva de uma formao continuada; valorizar a prtica profissional concreta dos gestores de unidades escolares e incrementar o intercmbio de experincias sobre a gesto de projetos sociais.O curso composto por 12 mdulos, entre eles: A Escola e a Educao Comunitria.Pblico-Alvo: Diretores de Escolas Estaduais de So Paulo.durao: 390 horasContatos: http://www.gr.unicamp.br/ggpe/gestores UNICAMP: Coordenao Ps-graduao da Faculdade de Educao Fones: (19) 3788-5572 / 5634 / 5691

    O Centro Pode Ser uma Sala de Aula - Subprefeitura da SObjetivo do curso: formar educadores comunitrios nas escolas municipais do centro de SP que promovam a utilizao educativa dos recursos do centro da cidade e intensifiquem no currculo escolar as vivncias comunitrias, fortalecendo a noo de pertencimento ao bairro e cidade. Estes professores desenvolvem projetos que contemplam a comunidade como espao de aprendizado, envolvendo o aluno com a riqueza cultural do entorno e aproximando o cotidiano do currculo escolar.Pblico Alvo: Educadores da Rede Municipal de Ensino da cidade de So Paulo, das escolas da regio Centro.durao: 120 horasContatos: Coordenao de Projetos Subprefeitura da S/SME Fones: (11) 3329-8250 / 8149 / 8125

    Curso de Formao de Pedagogos Comunitrios no Municpio de Praia GrandeObjetivo do curso: Formao de pedagogos comunitrios nas escolas municipais de Praia Grande, um representante por escola. Criao do Projeto de Educao Comunitria do Municpio, pautado nas experincias de Bairro Escola, implementao das aes e projetos nas escolas.Pblico Alvo: Professores, coordenadores, diretores da rede pblica, equipe da Secretaria Municipal de Educao e Cultura, pais e comunidade em geral.durao: 120 horas Contatos: Secretaria Municipal de Educao de Praia Grande Fones: (13) 3473-1470 / 3496-2350

    SAIBA MAIS

    46 47

  • BIBLIOGRAFIA E SITES Sobre os tericos e os conceitos que influenciam a Educao Comunitria

    AnSIO TEIxEIRA

    Site: http://www.prossiga.br/anisioteixeiraArtigos: TEIXEIRA, Ansio. Educao no privilgio. Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos. Braslia, 70 (166): 435-462, 1989. TEIXEIRA, Ansio. A Escola Parque da Bahia. Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos. Rio de Janeiro, 47 (106): 246-253, abr./jun.1967.

    BAIRRO ESCOLA

    Livros: ALVES, Rubem. Aprendiz de mim, um bairro que virou escola. Campinas: Editora Papirus, 2004. PINSKI, Jaime (org). Prticas de Cidadania. So Paulo: Editora Contexto, 2004. Captulo: Bairro escola uma experincia de reaprendizado na rua Gilberto Dimenstein

    CIdAdES EdUCAdORAS

    Site: http://www.edcities.bcn.esLivro: GADOTTI, Moacir e CABEZUDO, Alicia. Cidade Educadora: princpios e experincias. So Paulo: Editora Cortez, 2004.

    ESCOLA dA POnTE

    Livros: ALVES, Rubem. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Editora Papirus. PACHECO, Jos. Quando eu for grande, quero ir primavera. Editora Didtica Suplegraf.

    PACHECO, Jos. Sozinhos na escola. Campinas: Editora Didtica Suplegraf.

    JAqUELInE MOLL

    Site: http://www.comunidadesdeaprendizaje.netTexto: MOLL, Jaqueline. Reinventar a escola dialogando com a comunidade e com a cidade: Novos Itinerrios Educativos. Revista Ptio. Porto Alegre: ARTMED. Ano VI, n. 24: 58-61, nov./2002 - jan./2003.

    JOHn dEWEy

    Site: http://cuip.uchicago.edu/jdsLivro: DEWEY, John. Democracia e Educao. Introduo Filosofia da Edu-cao. Traduo de Godofredo Rangel e Ansio Teixeira. 3 edio. Companhia Editora Nacional: So Paulo, 1959. - Captulos: O ato de pensar e a educao e A natureza do mtodo.

    MAdALEnA FREIRE

    Livro: FREIRE, Madalena. Observao, Registro, Reflexo - Instrumentos Me-todolgicos I. So Paulo: Publicaes Espao Pedaggico, 1998.

    PAULO FREIRE

    Sites: http://www.paulofreire.org http://www.espacoacademico.com.br Artigo: SILVA, Oza. Pedagogia Libertria e Pedagogia Crtica. Revista Es-pao Acadmico. Universidade Estadual de Maring (UEM), 42, nov./2004. ISSN 1519.6186.

    ROSA MARIA TORRES

    Site: http://www.fronesis.orgArtigo: TORRES, Rosa Maria. Comunidade de Aprendizagem: A educao em funo do desenvolvimento local e da Aprendizagem. Instituto Fronesis. (Consulta ao site em novembro de 2005)

    48 4

  • FICHA TCnICA

    Realizao: Associao Cidade Escola Aprendiz

    PresidenteMiguel Pereira Neto

    Vice-presidenteGilberto Dimenstein

    direoYael Sandberg Esquenazi

    Centro de Formao em Educao ComunitriaClaudia DonegJudith TerreiroMichel Metzger

    Apoio:

    UnESCOFundao Educar dPaschoal

    Sistematizao, Editorao e Projeto Grfico:CIP ProduesCoordenao: Nena Oliveira

    Sistematizao: Anna Penido e Camila Aragn

    Redao: Anna Penido e Alberto Freitas

    Reviso: Alena Cairo

    design e Ilustraes: Mauro YBarros

    Finalizao: Adriano Lorens

    Produo: Tereza Soares

    Capa: Renato IzabelaPedro Campos

    Impresso e Fotolito: MPC Artes GrficasEste material pode ser reproduzido com a prvia autorizao da

    Associao Cidade Escola Aprendiz.

    50