turismo rual

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 Reinventar o Reinventar o Reinventar o Reinventar o Turismo Rural em Turismo Rural em Turismo Rural em Turismo Rural em Portugal Portugal Portugal Portugal Cocriação de experiências turísticas sustentáveis Coordenação: Coordenação: Coordenação: Coordenação: Elisabeth Kastenhol z Elisabeth Kastenholz Elisabeth Kastenhol z Elisabeth Kastenholz Celeste Eusébio Celeste Eusébio Celeste Eusébio Celeste Eusébio Elisabete Figueiredo Elisabete Figueiredo Elisabete Figueiredo Elisabete Figueiredo Maria João Carneiro Maria João Carneiro Maria João Carneiro Maria João Carneiro Joana Lima Joana Lima Joana Lima Joana Lima

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turismo rual

Transcript of turismo rual

  • Reinventar o Reinventar o Reinventar o Reinventar o

    Turismo Rural em Turismo Rural em Turismo Rural em Turismo Rural em

    Portugal Portugal Portugal Portugal

    Cocriao de experincias

    tursticas sustentveis

    Coordenao:Coordenao:Coordenao:Coordenao:

    Elisabeth KastenholzElisabeth KastenholzElisabeth KastenholzElisabeth Kastenholz

    Celeste EusbioCeleste EusbioCeleste EusbioCeleste Eusbio

    Elisabete Figueiredo Elisabete Figueiredo Elisabete Figueiredo Elisabete Figueiredo

    Maria Joo Carneiro Maria Joo Carneiro Maria Joo Carneiro Maria Joo Carneiro

    Joana LimaJoana LimaJoana LimaJoana Lima

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    Reinventar o turismo rural em Portugal

    cocriao de experincias tursticas sustentveis

    Coordenadoras:

    Elisabeth Kastenholz

    Celeste Eusbio

    Elisabete Figueiredo

    Maria Joo Carneiro

    Joana Lima

    1 Este livro foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa

  • Ficha Tcnica

    Ttulo

    Reinventar o turismo rural em Portugal - cocriao de experincias tursticas sustentveis

    Coordenadoras

    Elisabeth Kastenholz

    Celeste Eusbio

    Elisabete Figueiredo

    Maria Joo Carneiro

    Joana Lima

    Edio

    UA Editora - Universidade de Aveiro, Servios de Biblioteca, Informao Documental e Museologia

    ISBN: 978-972-789-395-9

    Tiragem

    500 exemplares

    Impresso

    Minerva Tipografia Minerva Central, lda.

    Catalogao recomendada

    Reinventar o turismo rural em Portugal : cocriao de experincias tursticas sustentveis / coord. Elisabeth Kastenholz...[et al.]. - Aveiro : UA Editora, 2014. - 172 p.

    ISBN 978-972-789-395-9 (brochado)

    Turismo rural - Portugal // Desenvolvimento do turismo // Desenvolvimento rural // Desenvolvimento sustentvel

    CDU 338.48:33

  • Notas biogrficas sobre os autores

    Coordenadoras:

    Elisabeth Kastenholz licenciada em Administrao Pblica/ Negcios Estrangeiros, pelo Instituto Superior de Administrao Pblica do Ministrio dos Negcios Estrangeiros Alemo/ Bona, licenciada em Gesto e Planeamento em Turismo, pela Universidade de Aveiro, mestre em Gesto de Empresas, pela Escola de Gesto do Porto (MBA) e Doutorada pela Universidade de Aveiro, na rea de Turismo, sob a orientao do Prof. Doutor Gordon Paul, da University of Central Florida. Atualmente Professora Associada e coordena a rea do Turismo da Universidade de Aveiro, tendo anteriormente dirigido

    tanto a licenciatura como o mestrado em Gesto e Planeamento em Turismo da mesma Universidade e tendo sido Vice-Diretora do 3 Ciclo conjunto em Marketing e Estratgia (Universidade de Aveiro, Universidade do Minho e Universidade da Beira Interior). Leciona disciplinas sobretudo da rea do Marketing, Comportamento do Consumidor, Marketing Turstico e Turismo Rural e de Natureza, orienta vrios projetos de doutoramento e mestrado, tendo participado em diversos projetos de investigao nacionais e internacionais, relacionados com o turismo em reas rurais, colaborao transfronteiria em turismo, turismo acessvel e turismo snior, destacando-se a posio de investigadora principal no projeto "A experincia integral de turismo em meio rural e o desenvolvimento sustentvel das comunidades" (ORTE), financiado pela FCT. As suas publicaes centram-se em revistas cientficas e em livros coletivos das reas do turismo, do marketing e do desenvolvimento rural.

    Celeste Eusbio licenciada em Gesto e Planeamento em Turismo, pela Universidade de Aveiro, mestre em Economia, pela Universidade de Coimbra, e Doutorada em Turismo, pela Universidade de Aveiro. Professora Auxiliar no Departamento de Economia, Gesto e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro e Investigadora da Unidade de Investigao GOVCOPP em Governana, Competitividade e Polticas Pblicas (GOVCOPP) da Universidade de Aveiro. Esteve e est envolvida em vrios projetos de investigao e autora e coautora de vrias publicaes em revistas, livros e atas de conferncias, nacionais e internacionais. Os seus atuais interesses de investigao so nas reas de economia do turismo, gesto da atividade turstica, impactes do turismo, previso do comportamento do consumidor em turismo e turismo social.

  • Elisabete Figueiredo Sociloga (ISCTE-IUL) e doutorada em Cincias Aplicadas ao Ambiente (Universidade de Aveiro). Professora Auxiliar do Departamento de Cincias Sociais, Polticas e do Territrio e Investigadora da Unidade de Investigao em Governana, Competitividade e Polticas Pblicas (GOVCOPP) da Universidade de Aveiro. Esteve e est envolvida em vrios projetos de investigao, financiados pela Unio Europeia e pela FCT. Presentemente coordena o projeto de investigao Rural Matters Meanings of the Rural in

    Portugal: between social representations, consumptions and development strategies (PTDC/CS-GEO/117967/2010). Presidente da SPER Sociedade Portuguesa de Estudos Rurais. Editou recentemente dois livros internacionais: Shaping Rural Areas in Europe - Perceptions and Outcomes on the Present and the Future, (London, Springer, 2013), com Lus Silva e Fertile Links? Connections between tourism activities, socioeconomic contexts and local development in European rural areas (Florence, Florence University Press, 2013) com Antonio Raschi. autora e coautora de mais de 100 publicaes em revistas, livros e atas de conferncias, nacionais e internacionais.

    Maria Joo Carneiro licenciada em Gesto e Planeamento em Turismo, pela Universidade de Aveiro, mestre em Gesto de Empresas, pela Universidade Nova de Lisboa e Doutorada em Turismo pela Universidade de Aveiro. Professora Auxiliar no Departamento de Economia, Gesto e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro e Investigadora da Unidade de Investigao em Governana, Competitividade e Polticas Pblicas (GOVCOPP) da Universidade de Aveiro. tambm, atualmente, Diretora da Licenciatura em Turismo na Universidade de Aveiro. Tem participado em projetos de investigao da FCT e em projetos com organizaes com responsabilidades no mbito do turismo. coautora de vrios artigos publicados em revistas cientficas internacionais, de artigos publicados em atas de conferncias nacionais e internacionais e, tambm, de vrios captulos de livros. As publicaes cientficas de que coautora inserem-se no mbito do comportamento do consumidor em turismo, da gesto de recursos tursticos e do marketing turstico, estando relacionadas com temticas como a experincia turstica, tcnicas de gesto de visitantes em atraes tursticas, o posicionamento competitivo de destinos tursticos e a promoo de destinos tursticos.

  • Joana Lima licenciada em Economia, pela Universidade de Coimbra, mestre em Gesto e Desenvolvimento em Turismo, pela Universidade de Aveiro, e aluna de Doutoramento, na Universidade de Aveiro. Assistente Convidada no Departamento de Economia, Gesto e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro. bolseira de investigao na Universidade de Aveiro, desde 2008, em projetos de investigao relacionados com o impacte econmico e social do turismo snior, o turismo acessvel e o turismo rural, destacando-se a posio de

    bolseira principal no projeto "A experincia integral de turismo em meio rural e o desenvolvimento sustentvel das comunidades" (ORTE), financiado pela FCT. A sua investigao e, consequentemente, as suas publicaes, centram-se em revistas cientficas e livros coletivos das reas do turismo social, da experincia turstica, do turismo rural e do turismo e desenvolvimento econmico.

    Restantes Autores:

    Ana Joo Sousa licenciada em Biologia e mestre em Gesto e Planeamento em Turismo, pela Universidade de Aveiro. O envolvimento no projeto ORTE ocorreu durante a realizao da fase de estgio-projeto do Mestrado, bem como atravs do trabalho realizado como bolseira de investigao. Os seus interesses de investigao incluem o desenvolvimento sustentvel dos destinos, a experincia turstica, o turismo rural e de natureza, os impactes ambientais do turismo, o comportamento ambiental, as atraes naturais e culturais, e a botnica.

    Ana Lusa Figueiredo Lavrador da Silva licenciada em Geografia e mestre em Geografia Fsica e Ambiente, pelo Centro de Estudos Geogrficos, atual Instituto de Geografia e Ordenamento do Territrio (IGOT), Universidade de Lisboa. Doutorou-se em Artes e Tcnicas da Paisagem, na Universidade de vora, em 2008. professora e formadora de professores. O interesse pela temtica da paisagem, e o reconhecimento da sua importncia como valor identitrio e patrimonial, nomeadamente no mbito das regies vitivincolas, bem

    como a preocupao em dar um contributo til comunidade, explicam a colaborao em projetos de investigao, a participao em seminrios e conferncias e a publicao de livros e de artigos em revistas cientficas, nacionais e internacionais.

  • Ana Mota licenciada em Ecoturismo, pela Escola Superior Agrria do Instituto Politcnico de Coimbra, mestre em Gesto e Planeamento em Turismo e aluna do Programa Doutoral em Turismo na Universidade de Aveiro. Atualmente docente/formadora na EFTA Escola de Formao Profissional em Turismo de Aveiro, tendo anteriormente coordenado a Revista Turismo & Desenvolvimento, da Universidade de Aveiro. Colaborou, ainda, em algumas tarefas de investigao, no mbito do projeto ORTE. Os seus principais interesses de investigao centram-se nas temticas do turismo industrial, gnero em turismo, geografia econmica e do planeamento e desenvolvimento integrado de destinos tursticos.

    Catarina Capela licenciada em Gesto e mestre em Gesto e Planeamento em Turismo, pela Universidade de Aveiro. Finalizou o seu mestrado nos projetos de investigao Rural Matters e ORTE, devido ao seu grande interesse pelas reas rurais e tpicos associados, como o turismo. membro de outros projetos relacionados com o ambiente como o HortUA e a Quinta Ecolgica da Moita, e tambm membro voluntrio da Agora Aveiro, Organizao No Governamental que atua na rea da responsabilidade social.

    Conceio Cunha mestre em Cincia, Tecnologia e Inovao e aluna de Doutoramento na Universidade de Aveiro. Assistente no Departamento de Economia, Gesto e Engenharia Industrial e Investigadora da Unidade de Investigao em Governana, Competitividade e Polticas Pblicas (GOVCOPP) da Universidade de Aveiro. Os seus interesses de investigao centram-se nas reas de empreendedorismo e turismo.

    Carlos Peixeira Marques, licenciado em Sociologia, mestre e Doutorado em Gesto. Professor Auxiliar na Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro, onde dirige a licenciatura em Turismo. membro do Centro de Estudos Transdiciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), tendo participado em diversos projetos de investigao nacionais e internacionais, maioritariamente relacionados com o desenvolvimento de reas rurais. As suas publicaes centram-se em revistas e em livros coletivos das reas da gesto e do turismo.

  • Lcia Jesus licenciada em Engenharia Agrcola e mestre em Gesto do Desenvolvimento Rural, pela Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e doutorada em Turismo, pela Universidade de Aveiro. Professora Adjunta do Instituto Politcnico de Viseu Escola Superior Agrria e investigadora da Unidade de Investigao em Governana, Competitividade e Polticas Pblicas (GOVCOPP) da Universidade de Aveiro. Tem participado em vrios projetos de investigao e em conferncias nacionais e internacionais. Os seus interesses de investigao incluem o turismo rural, o empreendedorismo rural, o desenvolvimento rural e o marketing em reas rurais.

    Mariana Carvalho licenciada em Turismo, pela Universidade de Coimbra, mestre em Gesto e Planeamento em Turismo e aluna do Programa Doutoral em Turismo, na Universidade de Aveiro. Assistente Convidada na Escola Superior de Educao de Coimbra do Instituto Politcnico de Coimbra, lecionando diversas disciplinas na rea do turismo. O envolvimento no projeto ORTE ocorreu durante a realizao da fase de estgio-projeto do Mestrado. A sua investigao centra-se nas reas do turismo rural, atraes culturais, cultura criativa, cocriao e

    turismo de experincias.

    Sandra Maria Correia Loureiro Professora de Marketing no Instituto Universitrio de Lisboa (ISCTE-IUL) e investigadora no Business Research Unit (BRU/UNIDE) e no SOCIUS Research Center. O seu interesse em investigao centra-se no marketing turstico, turismo rural e na relao entre a marca e o consumidor. A sua investigao tem sido publicada em diversas revistas internacionais, como: International Journal of Hospitality Management, Journal of Travel and Tourism Marketing, Journal of Brand Management e Journal of service management. O seu trabalho tem sido apresentado em conferncias internacionais, como EMAC, ANZMAC, KAMS-GMC, INVTUR, tem feito reviso de artigos para revistas e conferncias internacionais e tem participado em diversos projetos de investigao financiados com fundos da Unio Europeia e FCT. Recentemente recebeu um prmio internacional para um artigo apresentado na Global Marketing Conference (rene EMAC, ANZMAC, KSMS e Japanese Association of Marketing), o 2012 Best Paper Premier Award.

  • Xerardo Pereiro licenciado em Geografia e Histria e doutor europeu em Antropologia Sociocultural, pela Universidade de Santiago de Compostela, com Agregao em Antropologia, pelo ISCTE e doutor internacional em Turismo, pela Universidade de La Laguna. Atualmente Professor Auxiliar com Agregao no Plo de Chaves da Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro (UTAD). investigador efetivo do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD) e membro do Departamento de Economia, Sociologia e Gesto da

    UTAD, alm de investigador colaborador do CEDTUR-ISMAI, tendo coordenado a licenciatura em Antropologia Aplicada da UTAD. Recebeu j diversas distines, entre as quais: prmio Vicente Risco de Cincias Sociais 1994, prmio FITUR 2007, prmio National Geographic Society 2007 (junto com Cebaldo de Len), finalista do prmio Angel Carril 2010 de antropologia, e prmio Sol-Meli 2011 de estudos tursticos, entre outras. A sua investigao recai sobre antropologia do turismo, relaes rural-urbanas e patrimnio cultural. Tem realizado trabalho de campo antropolgico nas Astrias, Galiza, Norte de Portugal e Panam. Foi Professor Convidado nas Universidades de Vigo, Corunha, Santiago de Compostela, Salamanca, Pablo Olavide (Sevilla), Panam, Costa Rica e Sevilla, entre outras. membro do conselho editorial e cientfico de vrias revistas cientficas de antropologia, turismo e patrimnio cultural, entre as que destaca a revista Pasos.

    Zlia Breda licenciada em Gesto e Planeamento em Turismo, mestre em Estudos Chineses (na vertente de Negcios e Relaes Internacionais) e doutorada em Turismo, pela Universidade de Aveiro. Professora Auxiliar Convidada, no Departamento de Economia, Gesto e Engenharia Industrial, Diretora do Mestrado em Gesto e Planeamento em Turismo e Coordenadora de mobilidade internacional para a rea de turismo da Universidade de Aveiro. membro da Unidade de Investigao Governana, Competitividade e Polticas Pblicas (GOVCOPP) e do Centro de Estudos Asiticos da Universidade de Aveiro, e membro fundador do Observatrio da China e do Instituto Portugus de Sinologia. Faz parte dos conselhos editorial e cientfico de algumas revistas acadmicas nacionais e internacionais, bem como membro das comisses organizadora e cientfica de conferncias internacionais na rea do turismo. autora e coautora de diversos trabalhos e comunicaes, nacionais e internacionais, sobre o desenvolvimento do turismo, redes, turismo na China e Goa (ndia), as questes de gnero no turismo, e a internacionalizao da economia do turismo. Tem tambm participado em vrios projetos de investigao na rea do turismo, tanto como membro da equipa como consultora.

  • NDICE

    Lista de Abreviaturas i

    Parte I Introduo

    Captulo 1. Turismo rural reinventar para sustentar? . 1 Elisabeth Kastenholz

    Parte II Projeto ORTE: A experincia global em turismo rural e desenvolvimento sustentvel de comunidades locais

    Captulo 2. Projeto ORTE: objetivos e mbito ..... 7 Elisabeth Kastenholz & Joana Lima

    Captulo 3. Projeto ORTE: Os destinos rurais em estudo 13 Joana Lima, Ana Joo Sousa, Mariana Carvalho, Ana Lavrador Silva, Elisabete Figueiredo, Catarina Capela &

    Ana Cludia Mota

    Parte III Conceitos

    Captulo 4. A experincia turstica no espao rural ... 43 Elisabeth Kastenholz, Maria Joo Carneiro, Carlos Marques, Sandra Loureiro, Elisabete Figueiredo & Xerardo

    Pereiro

    Captulo 5. Desenvolvimento sustentvel de destinos rurais ... 51 Celeste Eusbio & Elisabete Figueiredo

    Captulo 6. O papel das redes no desenvolvimento de destinos rurais .. 59 Zlia Breda & Lcia Pato

    Parte IV A experincia turstica rural: perspetivas dos diferentes atores

    Captulo 7. Experincia turstica rural vivida e cocriada pelos visitantes ... 71 Maria Joo Carneiro, Elisabeth Kastenholz & Carlos Marques

    Captulo 8. Experincia turstica rural vivida e cocriada pela populao local... 89 Elisabete Figueiredo & Celeste Eusbio

    Captulo 9. Experincia turstica rural vivida e cocriada pelos agentes da oferta e de planeamento .. 107 Lcia Pato, Zlia Breda, Conceio Cunha & Elisabeth Kastenholz

  • Parte V Concluses e implicaes

    Captulo 10. Desafios para a cocriao de experincias tursticas rurais sustentveis 125 Elisabeth Kastenholz, Celeste Eusbio, Ana Joo Sousa, Mariana Carvalho, Joana Lima, Maria Joo Carneiro,

    Elisabete Figueiredo, Lcia Pato, Zlia Breda, Conceio Cunha, Carlos Marques, Sandra Loureiro, Ana Cludia

    Mota, Ana Lavrador Silva, Xerardo Pereiro & Catarina Capela

    Referncias Bibliogrficas 143

  • i

    Lista de Abreviaturas

    ACRRU - rea Crtica de Recuperao e Reconverso Urbanstica

    ADERES - Associao de Desenvolvimento Rural Estrela-Sul

    ADTAHP - Associao de Desenvolvimento Turstico das Aldeias Histricas de Portugal

    ADXTUR - Agncia para o Desenvolvimento Turstico das Aldeias do Xisto

    AHP - Aldeias Histricas de Portugal

    ANAFRE Associao nacional de Freguesias

    BTT Bicicleta Todo-o-Terreno

    CCDRC Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional do Centro

    CCDRN Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional do Norte

    CMA Cmara Municipal de Alij

    CMCB Cmara Municipal de Celorico da Beira

    CMF - Cmara Municipal do Fundo

    FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

    F Favaios

    ICN Instituto da Conservao da Natureza

    ICNF - Instituto da Conservao da Natureza e das Florestas

    IGESPAR - Instituto de Gesto do Patrimnio Arquitectnico e Arqueolgico

    IGT - Instrumentos de Gesto Territorial

    INE Instituto Nacional de Estatstica

    JC Janeiro de Cima

    LB Linhares da Beira

    MO Municpio de Oleiros

    MS - Municpio de Sabrosa

    NUT Nomenclatura de Unidade Territorial

    OECD ou OCDE Organizao para a Cooperao Econmica e para o Desenvolvimento

    ORTE The Overall Rural Tourism Experience

    PDM - Plano Diretor Municipal

    PP - Planos de Pormenor

    PPRU - Plano de Pormenor de Reabilitao Urbana

    PRAHP - Programa de Recuperao das Aldeias Histricas de Portugal

    PROVERE - Programa de Valorizao Econmica de Recursos Endgenos

    PU - Planos de Urbanizao

    PV - Pinus Verde

    RDD - Regio Demarcada do Douro

    SGP - Servios Geolgicos de Portugal

    TER Turismo em Espao Rural

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    Parte I Introduo

    Captulo 1. Turismo rural reinventar para sustentar?

    Elisabeth Kastenholz

    O mundo rural tem sofrido, em Portugal e em muitas regies da Europa uma multiplicidade de alteraes nas ltimas dcadas. Muitas destas alteraes esto relacionadas com o declnio da sua funo principal, a agricultura, na sequncia das quais o espao rural passou de espao de produo a espao multifuncional e at, em muitos casos, a espao de consumo, mais especificamente satisfazendo as necessidades e desejos de turismo e lazer das populaes urbanas (Cavaco, 1995; Figueiredo, 2008; Ilbery & Bowler, 1998; Oliveira Baptista, 2006).

    Pode, assim, afirmar-se que a evoluo do espao rural est estritamente associada s procuras das populaes urbanas que, no atual cenrio ps-moderno e globalizante, se tm tornado claramente dominantes, tanto em nmero como em potencial de determinao da evoluo das sociedades modernas. no espao urbano que se tendem a concentrar os centros de poder poltico, econmico, social e cultural, os servios, as grandes infraestruturas e equipamentos mais relevantes, em muitos pases. geralmente no espao urbano que a escala, concentrao, qualidade e variedade dos recursos e competncias mais valorizados e proveitosos para o processo de desenvolvimento econmico e social contemporneo, levam a vantagens de contexto indutoras de um crculo virtuoso de atrao de investimentos e pessoas, de criao contnua de novas oportunidades e vantagens competitivas.

    Ao contrrio, muitas das reas rurais em Portugal vivem um crculo vicioso de desvalorizao da sua funo produtiva tradicional, pelo declnio da agricultura, de uma consequente perda de populaes e envelhecimento das comunidades que permanecem, observando-se uma ausncia de investimentos relevantes, e at um desinvestimento em servios e equipamentos pblicos e privados, tambm devido a uma falta de aposta pblica de discriminao positiva contrariando o efeito da desertificao do espao rural (Oliveira Baptista, 2006).

    Contudo, sobretudo mais recentemente e tambm por incentivos vindos de fundos Europeus que apostam no desenvolvimento rural, os atores do espao rural portugus tm procurado ativamente alternativas s atividades em declnio, que passam, por um lado, por novas prticas agrcolas e produes associadas e por apostas em nichos de mercado neste sector (como no mercado de produtos de agricultura biolgica, especializao em culturas raras ou de grande valor acrescentado, como no caso de ervas aromticas ou do vinho), mas tambm pela aposta em servios de turismo e lazer, por vezes como atividades complementares s tradicionais atividades agrcolas (Figueiredo, Kastenholz, Eusbio, Gomes, Carneiro, Batista, & Valente, 2011; Kastenholz, 1997; OCDE,1994; Ribeiro & Marques, 2002; Sharpley & Vass, 2006).

    Ora, esta aposta crescente no turismo e lazer est, naturalmente, relacionada com uma revalorizao do rural no contexto das sociedades ps-modernas, nomeadamente das suas

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    populaes urbanas, que, em alguns pases (sobretudo nos pases do Norte da Europa, em alguns estados Norte Americanos e na Austrlia), tem levado a movimentos de retorno ao rural induzindo, inclusivamente, novas presses urbanas nestes espaos - movimento designado na literatura anglo-saxnica de counterurbanization (Halfacree, 2013).

    Efetivamente, o espao rural tem sido idealizado, em muitos discursos, desde a literatura aos media e redes sociais, via relatos de infncia, de experincias de viagem, e produes artsticas de vria ordem, representaes e imaginaes pessoais e sociais, com mais ou menos fundamento em experincias e conhecimentos de facto, sendo estas idealizaes certamente determinantes para grande parte da atratividade atual do mundo rural para fins de turismo. O rural apresenta-se assim como um espao pintado em tons de verde, azul e cor-de-rosa, como espao de fuga, por excelncia, de tudo o que o cidado contemporneo condena no seu habitat urbano - o mundo moderno global, estandardizado, massificado, artificial, annimo, poludo, congestionado, de beto, meio social e fsico stressante (Figueiredo, 2008; McCarthy, 2008; Silva, 2007), fuga essa, decerto, transitria, pois as vantagens da cidade ainda se percecionam como superiores s suas desvantagens na escolha da residncia, local de vida e trabalho dirio (Figueiredo, Kastenholz, & Lima, 2013). Contudo, para viver estas recuperadoras experincias num espao distinto do habitual, o turista ps-moderno, j bastante experiente ao nvel de consumos tursticos e procura de experincias novas, variadas e autnticas, o espao rural e os seus agentes tero que saber apresentar contextos de destino, produtos e servios, ou melhor; contextos de experincias (experience settings), adaptados aos desejos destes mercados, que se apresentam como heterogneos nos seus interesses e nas suas preferncias (Kastenholz, Carneiro, & Marques, 2012a).

    No , por isso, difcil vislumbrar uma oportunidade para os territrios rurais de atrarem novas procuras das gentes urbanas, desde que as suas comunidades sejam capazes e tenham interesse em criar e garantir experincias tursticas apelativas e satisfatrias, dirigidas aos diversos segmentos, com base nos recursos e nas competncias existentes e por desenvolver (Kastenholz, 1997). Infelizmente, sobretudo os recursos financeiros e humanos, to necessrios para tal aposta, no abundam na maioria das reas rurais. Para conseguir algum sucesso econmico da atividade turstica, tal fragilidade do espao rural e dos seus atores (geralmente empreendimentos de pequena dimenso e natureza familiar) requer uma concentrao de esforos num sector de atividade, aparentemente de fcil entrada, mas de difcil atuao, sendo um sector de concorrncia internacional, um sector em crescimento e confrontado com exigncias cada vez maiores por parte dos mercados.

    Neste mbito, vrios autores apontam para o facto de nem todas as reas rurais terem a mesma capacidade de atrair e satisfazer visitantes (Kastenholz, 2004; Ribeiro & Marques, 2002; Sharpley & Vass, 2006), sendo a localizao na proximidade de atraes tursticas muito importante (Walford, 2001), bem como a existncia de um destino global que apresente um conjunto suficientemente apelativo de oportunidades/ benefcios ao visitante (Gannon, 1994). Esta massa crtica de vantagens do lugar ser idealmente explorada em rede, para uma atuao integrada e articulada, mais eficaz perante o mercado, indutora de inovao, aprendizagem contnua, partilhada entre stakeholders, assente numa viso estratgica comum

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    (Breda, Costa, & Costa, 2006; Cai, 2002; Gibson, Lynch, & Morrison, 2005; Novelli, Schmitz, & Spencer, 2006; Sharpley, 2005). A necessidade de investimentos poder ultrapassar a capacidade dos agentes locais investirem, sobretudo face a um retorno que pode ser bastante dilatado no tempo, que no garantido e que requer investimentos contnuos ao nvel de gesto e marketing (Embacher, 1994; Sharpley & Vass, 2006). A este nvel, podero ser necessrios apoios pblicos, tanto para o prprio investimento inicial (por exemplo, em alojamento de qualidade), como para a gesto contnua eficaz do negcio (Fleischer & Felsenstein, 2000), sendo, por outro lado, estruturas associativas bastante interessantes para ultrapassar algumas das fragilidades dos atores individuais (Embacher, 1994; Sharpley & Vass, 2006). Seja como for, deve ser tida em conta no s a capacidade, mas tambm a prpria vontade das comunidades rurais e dos agentes individuais em apostarem na atividade turstica, pois esta poder ser percebida como ameaadora da sua prpria identidade, das suas estruturas e vivncias sociais e culturais (Figueiredo et al., 2013; Sharpley & Vass, 2006).

    Assim, no so de negligenciar os riscos associados explorao das oportunidades de apostar no turismo rural, na medida em que se podero gerar impactes negativos nos respetivos territrios e nas suas comunidades, requerendo por isso uma perspetiva de apostas num desenvolvimento sustentvel destas experincias tursticas. Tambm esta preocupao com a sustentabilidade do turismo rural torna a colaborao entre atores (de diferentes sectores da economia, cultura, sociedade) uma aposta adequada e at necessria, de modo a acautelar a integrao e valorizao possvel das diversas componentes da experincia turstica e a obteno de benefcios para o maior nmero de stakeholders possvel, no longo prazo (Saxena, Clark, Oliver, & Ilbery, 2007).

    neste panorama que o presente livro procura debater a possvel renovao do turismo rural em Portugal atravs da cocriao de experincias sustentveis, tendo como base o trabalho desenvolvido durante trs anos no mbito do projeto de investigao A experincia global em turismo rural e desenvolvimento sustentvel de comunidades locais (em ingls The Overall Rural Tourism Experience and sustainable local community development identificado pela sigla ORTE), projeto financiado pela Fundao da Cincia e Tecnologia (Ref: PTDC/CS-GEO/104894/2008), com cofinanciamento comunitrio (COMPETE/QREN/FEDER), coordenado pela Universidade de Aveiro, mais precisamente pela investigadora responsvel, Elisabeth Kastenholz.

    Este projeto ser apresentado em maior pormenor na Parte II, nomeadamente nos captulos dois e trs, dedicando-se o segundo captulo apresentao geral dos objetivos e do mbito do projeto ORTE e o terceiro captulo apresentao do contexto das experincias analisadas, ou seja, das Aldeias estudadas - Janeiro de Cima, Linhares da Beira e Favaios, e do seu contexto socioeconmico, geogrfico e cultural.

    Nos trs captulos seguintes, que constituem a Parte III, sero apresentadas reflexes sobre os conceitos centrais das anlises aqui apresentadas, mais precisamente procurar-se- debater, de modo resumido, a natureza e o significado da experincia turstica em meio rural, far-se- uma reflexo sobre as exigncias do desenvolvimento sustentvel de destinos tursticos rurais e uma anlise do papel das redes para o desenvolvimento dos destinos rurais.

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    Na Parte IV apresentar-se-o, de modo igualmente resumido e procurando uma focalizao em alguns aspetos centrais para uma melhor compreenso do fenmeno estudado e para uma mais fcil identificao de vias possveis de desenvolvimento futuro, os resultados do trabalho de campo nas trs Aldeias. Estes resultados so divididos em trs captulos, com base na perspetiva central analisada: i) dos visitantes, ii) das populaes e iii) dos agentes da oferta e planeamento (incluindo a perspetiva das redes).

    No dcimo e ltimo captulo, discutir-se-o algumas concluses que so possveis de retirar destes resultados, numa perspetiva integrada, e com vista a indicar caminhos de desenvolvimento futuro que visem o desenvolvimento sustentvel dos territrios estudados e das suas comunidades. Atravs de exemplos concretos procurar-se-o, assim, ilustrar possveis formas de reinventar o turismo rural em Portugal, tendo simultaneamente em conta, a evoluo geral do mercado, as tendncias ao nvel do planeamento, gesto e marketing turstico, bem como os requisitos do desenvolvimento sustentvel.

    Este livro resultado de um esforo conjunto de vrios autores, todos eles envolvidos no projeto ORTE. Cada captulo resultado da coautoria de vrios destes autores, como identificado em cada um. As reflexes aqui apresentadas resultam no somente de um esforo conjunto destes autores, mas tambm da colaborao de muitas pessoas e entidades ao longo da realizao do projeto, que facilitaram a recolha de muitos dos dados que so o sustento das anlises e reflexes produzidas no mbito deste projeto.

    Em primeiro lugar, merece destaque a prpria equipa multidisciplinar de investigadores envolvidos neste projeto, nas suas diversas fases e temticas analisadas, e que se apresenta na Figura 1. 1. Para alm dos 12 investigadores doutorados de diversas instituies portuguesas de Ensino Superior (principalmente da UA, mas tambm da UTAD, do Instituto Politcnico de Viseu e do e-GEO/ Universidade Nova de Lisboa), o projeto recebeu o valioso contributo de quatro bolseiras de investigao, das quais se destaca a bolseira principal de investigao, Joana Lima, que colaborou a tempo inteiro durante todo o perodo do projeto, e integrou, temporariamente, seis alunos de mestrado que realizaram o seu estgio-projeto no mbito deste projeto de investigao, e trs alunas de doutoramento, que associaram as suas investigaes ao estudo desenvolvido no mbito do ORTE. Salienta-se a diversidade dos perfis cientficos reunidos nesta equipa, desde a antropologia, sociologia, geografia, economia, gesto e marketing at ao planeamento, tendo alguns dos investigadores j uma experincia de investigao rica em torno do turismo em reas rurais, estudos de impacte turstico, marketing de servios e destinos tursticos, antropologia em comunidades rurais, planeamento e desenvolvimento rural.

    Destaca-se, igualmente, o apoio valioso que o projeto tem recebido do seu consultor externo, um especialista reconhecido internacionalmente na rea do turismo rural, o Professor Doutor Bernard Lane. Este apoio concretizou-se desde a conceptualizao do projeto, pela disponibilidade contnua em refletir sobre os resultados parciais obtidos e o seu significado,

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    sobretudo na interpretao do potencial de desenvolvimento do turismo rural nas trs Aldeias1, e mesmo ao nvel da divulgao internacional dos resultados e da mobilizao de redes cientficas internacionais.

    Legenda: * Unidade de Investigao GOVCOPP; ** Unidade de Investigao CETRAD Figura 1. 1 Equipa ORTE

    Um dos resultados visveis do projeto foi a realizao de uma conferncia internacional sobre a temtica da experincia turstica em meio rural. Nesta conferncia internacional, ORTE 2013 Re-inventing rural tourism and the rural tourism experience Conserving, innovating and co-

    creating for sustainability, participaram e trocaram experincias e ideias 85 investigadores de 23 pases (ver livro de resumos: Kastenholz, Carneiro, Eusbio, Figueiredo, Breda, Lima, Cunha, Pinho & Sousa, 20132). Desta conferncia resultaram trs edies especiais de revistas cientficas e um livro de circulao internacional, para alm de um conjunto de contactos que

    1 Ao longo deste texto utilizaremos o termo Aldeias, com letra maiscula, para distinguir as 3 localidades objeto da nossa investigao. Embora uma delas, Favaios, em rigor no seja aldeia, mas vila, ser aqui assim designada por pertencer rede de Aldeias Vinhateiras do Douro.

    2 Disponvel em: https://www.researchgate.net/publication/259027361_Book_of_abstracts_and_Programme_of_the_International_Conference_on_Rural_Tourism_ORTE_2013_Re-inventing_rural_tourism_and_the_rural_tourism_experience__Conserving_innovating_and_co-creating_for_sustainability

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    possibilitam a continuidade da investigao sobre as experincias do turismo rural, num mbito internacional.

    A equipa deve, naturalmente, um agradecimento especial aos residentes das trs Aldeias em estudo, Janeiro de Cima, Linhares da Beira e Favaios, s Juntas de Freguesia, que estiveram sempre disponveis em todas as fases de desenvolvimento do trabalho de campo, Cmaras Municipais de Celorico da Beira, do Fundo e de Alij, aos tcnicos das CCDRC e CCDRN, aos representantes da Agncia para o Desenvolvimento Turstico das Aldeias do Xisto (ADXTUR), da Associao para o Desenvolvimento Turstico das Aldeias Histricas de Portugal e da Associao das Aldeias Vinhateiras, s Entidades Regionais de Turismo (Turismo do Centro e Turismo do Douro) e a todos os agentes da oferta das trs Aldeias que colaboraram com o Projeto, particularmente aqueles cujo contacto foi mais constante ao longo de todo o desenrolar do Projeto. Agradecemos particularmente todo o apoio dado em todas as deslocaes que a equipa fez s Aldeias, Snia Cortes, de Janeiro de Cima, D. Maria do Rosrio Pires e D. Carmo Cunha, de Linhares, ao Dr. Joo Morgado, de Celorico da Beira, e ao Lus Barros, de Favaios.

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    Parte II Projeto ORTE: A experincia global em turismo rural e

    desenvolvimento sustentvel de comunidades locais

    Captulo 2. O Projeto ORTE: objetivos e mbito

    Elisabeth Kastenholz & Joana Lima

    O presente livro procura resumir o essencial dos resultados do projeto ORTE (da designao

    em ingls Overall Rural Tourism Experience), projeto de investigao com durao de trs anos

    (de 2010 a 2013), cujo ttulo extenso mais ilustrativo da sua complexidade e ambio: A

    experincia global em turismo rural e desenvolvimento sustentvel de comunidades locais". O

    projeto obteve, via concurso pblico, financiamento pela Fundao da Cincia e Tecnologia

    (Ref: PTDC/CS-GEO/104894/2008) e cofinanciamento comunitrio (COMPETE/QREN/FEDER).

    A entidade proponente foi a Universidade de Aveiro (UA) e a investigadora responsvel,

    Elisabeth Kastenholz, mentora e coordenadora do projeto e da sua equipa. Envolveram-se,

    ainda, como instituies parceiras, outras duas instituies de ensino superior, localizadas mais

    prximo das reas rurais em anlise, nomeadamente a Universidade de Trs-os-Montes e Alto

    Douro (UTAD) e o Instituto Politcnico de Viseu (IPV).

    O projeto procura analisar, de forma holstica e interdisciplinar, a experincia de turismo rural

    vivida em e oferecida por trs Aldeias portuguesas, do Interior Centro e Norte do pas, sendo

    esta experincia condicionada por particulares contextos geogrficos, culturais, sociais, polticos

    e econmicos. A experincia estudada do ponto de vista dos visitantes (turistas e

    excursionistas), da comunidade local, dos atores da oferta turstica e dos acima referidos

    contextos. O objetivo do projeto , assim, uma melhor compreenso da natureza e dinmica

    desta experincia, das suas partes integrantes e essenciais, bem como das suas determinantes

    e condicionantes, do ponto de vista de todos os envolvidos na sua cocriao, considerando

    ainda o potencial do seu desenvolvimento, num contexto socioeconmico, cultural e geogrfico

    particular. O projeto pretende, ainda, identificar conflitos de interesse e/ ou lacunas de

    perceo, interpretao e compreenso, bem como diferenas entre a experincia turstica real

    e a experincia potencial em cada Aldeia. Tem como ltima ambio o contributo, atravs da

    reflexo participada sobre os resultados obtidos, para o desenvolvimento de estratgias e aes

    de desenvolvimento sustentvel do turismo nas Aldeias (ver Figura 2. 1).

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    Figura 2. 1 Modelo da Experincia Turstica Integral em meio rural

    Fonte: Elaborado com base em Kastenholz et al. (2012)

    Trs Aldeias foram escolhidas para esta anlise no terreno, tendo como denominador comum o

    facto de terem beneficiado de investimento pblico na preservao do patrimnio e respetiva

    aposta no desenvolvimento turstico: Janeiro de Cima, pertencente rede das Aldeias do Xisto;

    Linhares da Beira, integrada na rede das Aldeias Histricas de Portugal; e Favaios, integrante

    da rede das Aldeias Vinhateiras (ver captulo trs). Estas trs Aldeias, escolhidas pela equipa

    aps definio de alguns critrios1 para a sua possvel integrao no estudo, aps auscultao

    de tcnicos das Comisses de Coordenao Regional e de investigadores experientes na

    anlise das redes temticas das Aldeias, e aps visita prvia, foram consideradas estudos de

    caso pertinentes, na medida em que permitiam um estudo adequado de todos os atores

    envolvidos no desenvolvimento e na vivncia de experincias tursticas, refletiam j um certo

    desenvolvimento do turismo rural, permitiam compreender o efeito da integrao em redes

    temticas e poderiam, assim, constituir-se como exemplos de outras aldeias com caractersticas

    semelhantes.

    Em concreto, pretendeu-se identificar o perfil, comportamentos, motivaes, percees e

    atitudes dos atores que condicionam a experincia e refletem a forma como esta est a ser

    vivida e avaliada, nas suas diversas facetas (como explicado em maior pormenor no captulo

    1 Localizao no Centro e Norte de Portugal; existncia de servios tursticos e atraes; existncia de populao local original; existncia de alguns fluxos tursticos; vontade da populao local em participar (nmero reduzido de estudos anteriores); integrao numa Marca turstica; entre outros.

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    quatro). Tambm importou identificar conflitos de interesse ou diferenas de perceo,

    interpretao e compreenso, bem como diferenas entre a experincia turstica real e a

    experincia potencial em cada Aldeia.

    A metodologia escolhida para a abordagem realizada no projeto ORTE procurou refletir a

    complexidade subjacente anlise dessas temticas (Figura 2. 2). Numa primeira fase,

    construiu-se o quadro conceptual que constitui a base para a anlise da experincia do turismo

    rural, tendo em conta as diversas abordagens tericas e empricas acerca desta temtica.

    Figura 2. 2 Fases da metodologia utilizada no projeto ORTE

    Fonte: Elaborao prpria

    Depois de definidas as Aldeias a estudar, deu-se incio fase qualitativa (exploratria) do

    Projeto, que visava analisar vrias dimenses da experincia turstica rural, nomeadamente, os

    recursos tursticos, a experincia turstica vivida por visitantes, por residentes e por agentes da

    oferta turstica, bem como o contexto institucional que condiciona o desenvolvimento turstico.

    Para identificar e caracterizar os recursos tursticos e parte do contexto institucional que

    condiciona o desenvolvimento turstico optou-se pela observao in loco (no local) e anlise

    documental (anlise de relatrios, livros, material promocional, pginas da internet e outros

    documentos relevantes sobre as Aldeias). Para a anlise da experincia turstica vivida e

    condicionada por diferentes atores (visitantes, populao, agentes da oferta turstica e

    instituies), especificamente suas opes de comportamento, pensamentos, emoes e

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    atitudes, a entrevista semiestruturada foi considerada o mtodo mais adequado (Quivy & Van

    Campenhoudt, 1998). Os guies das entrevistas foram elaborados com base numa reviso da

    literatura e refinados em discusses de grupo entre os investigadores integrados no Projeto.

    Nesta fase, entre dezembro de 2010 e novembro de 2012, o grupo de investigadores realizou

    187 entrevistas semiestruturadas aos diversos tipos de entrevistados acima identificados: 23

    agentes de planeamento e desenvolvimento das Aldeias (presidentes das Junta de Freguesias,

    representantes dos Municpios, representantes de associaes de desenvolvimento

    local/regional e organismos de desenvolvimento do turismo a nvel local/regional), 31 agentes

    da oferta turstica local, 50 residentes e 84 visitantes das trs Aldeias, procurando-se no ltimo

    grupo incluir diferentes tipos de visitantes (excursionistas, turistas, portugueses e estrangeiros,

    turistas residenciais). Assim, nesta primeira fase exploratria do projeto, foi recolhida

    informao atravs de mltiplas fontes de dados, o que envolveu um trabalho de campo

    intensivo, tendo os investigadores despendido um volume de tempo significativo nas Aldeias em

    estudo. Isto permitiu, por um lado, compreender melhor a realidade vivida em cada localidade

    atravs de uma observao in loco e, em alguns casos, observao participante. Por outro lado,

    ajudou a obter o apoio dos residentes na consecuo da investigao e na realizao dos

    fruns de debate que se previam para uma constante validao dos resultados por parte dos

    atores locais. Neste sentido, procurou-se implementar uma investigao orientada pela ao,

    visando uma possvel ao futura nas Aldeias, incentivada pelo projeto, mas a ser realizada

    pelos atores locais (Reason & Bradbury, 2008). Todas as entrevistas foram gravadas,

    transcritas e sujeitas a anlise de contedo (para mais detalhe sobre esta fase do Projeto,

    consultar Kastenholz, Lima, & Sousa, 2012).

    Estas duas primeiras fases permitiram a preparao da abordagem quantitativa, na terceira fase

    do projeto, que tinha como objetivo confirmar e generalizar os resultados obtidos na fase

    qualitativa, bem como analisar algumas dimenses que tivessem ficado pouco claras. Foram

    administrados pessoalmente questionrios, na prpria comunidade rural, aos residentes,

    agentes da oferta, agentes de planeamento e visitantes das trs comunidades, tendo os

    questionrios destinados aos visitantes sido administrados ao longo de um ano (dezembro de

    2011 a janeiro de 2013). No total foram inquiridos 847 visitantes, 274 residentes locais2, 27

    agentes da oferta e 9 agentes de planeamento (este tipo de agentes foram questionados

    apenas sobre a temtica das redes) (ver Tabela 2. 1). Para analisar os questionrios, recorreu-

    se a diversos testes estatsticos, utilizando softwares especficos para o efeito (como por

    exemplo, o SPSS Statistical Package for Social Sciences, verso 19, e o Gephi).

    2 Em cada comunidade rural os residentes locais foram selecionados atravs de uma amostragem por quotas com base na idade, considerando a populao residente nas freguesias com idade superior a 15 anos data dos Censos 2011. Assim, questionou-se 30% da populao com idade superior a 15 anos residente na freguesia de Linhares da Beira, 37%, em Janeiro de Cima e 11%, em Favaios.

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    Tabela 2. 1 Nmero de questionrios vlidos obtidos, por Aldeia e por tipo de stakeholder inquirido

    Linhares da Beira Janeiro de Cima Favaios TOTAL

    Visitantes: Turistas 188 183 79 450

    Excursionistas 147 35 130 312

    Turistas Residenciais 18 47 20 85

    TOTAL 353 265 229 847

    Residentes 70 100 104 274

    Agentes da Oferta 7 6 14 27

    Agentes de Planeamento 3 4 2 9

    Fonte: Elaborao prpria

    Com base numa anlise holstica, comparativa e integrada dos diferentes resultados obtidos e

    recorrendo ao conhecimento, terico e prtico, dos investigadores integrados na equipa, nos

    domnios do planeamento, gesto e marketing de destinos, foram propostas medidas para

    rentabilizar o potencial das Aldeias em anlise e formas de superar os conflitos e lacunas

    identificados, no sentido de potenciar o desenvolvimento sustentvel das Aldeias. Nesta matria

    foram, ainda, consideradas as sensibilidades dos residentes, atores e responsveis pelo

    planeamento das Aldeias, mais uma vez, numa perspetiva de investigao orientada pela

    ao: apresentaram-se os resultados parciais das diversas fases em cada uma das Aldeias em

    sesses participativas, sendo estes resultados objeto de discusso e reflexo conjunta, tendo-

    se procurado, nos ltimos fruns de discusso, uma participao ativa dos atores locais na

    identificao de algumas aes concretas de desenvolvimento turstico. As propostas

    apresentadas neste livro refletem, ainda, as sensibilidades e experincia dos seus autores

    acerca dos possveis impactes destas propostas.

    Procurou-se, deste modo, contribuir para a identificao de potencialidades e limites de

    desenvolvimento de um turismo rural nas Aldeias objeto de estudo, numa perspetiva de um

    desenvolvimento sustentvel dos respetivos territrios e das suas comunidades. Espera-se

    tambm, com base nestes estudos de caso, que tm alguns pontos em comum, mas que

    igualmente diferem em vrios aspetos, poder contribuir para uma melhor compreenso da

    natureza da experincia turstica em meio rural, no geral, ilustrar metodologias teis de estudo

    que podem ser replicadas em outros contextos e apresentar sugestes pertinentes para o

    debate sobre possveis vias de inovao do turismo em meio rural em Portugal, visando o

    desenvolvimento sustentvel tanto da prpria atividade turstica como do seu suporte territorial

    e social (Kastenholz, 2006), em linha com o que Saxena, Clark, Oliver e Ilbery (2007)

    denominam de Turismo Rural Integrado.

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    O projeto ORTE procurou, assim, ultrapassar a habitual perspetiva fragmentada na anlise do

    fenmeno da experincia turstica rural - estudos que geralmente se concentram ou no mercado

    turstico ou na comunidade/destino. Os captulos que se seguem pretendem transmitir em maior

    detalhe esta anlise multifacetada, que, no nosso entender, constitui um ponto de partida

    relevante para a definio de estratgias de desenvolvimento integrado e sustentvel dos

    destinos, algumas delas propostas no captulo final deste livro.

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    Captulo 3. Projeto ORTE: Os destinos rurais em estudo

    Joana Lima, Ana Joo Sousa, Mariana Carvalho, Ana Lavrador Silva, Elisabete Figueiredo, Catarina Capela & Ana Cludia Mota

    3.1. Introduo

    A experincia turstica em meio rural, entendida como uma experincia global do destino, vivida pelos visitantes de territrios rurais, envolve uma grande quantidade e variedade de recursos, atraes, servios, pessoas e ambientes, nem todos desenhados especificamente para utilizao turstica, mas que condicionam a experincia vivida e so alvo de procura turstica. Assim, o potencial da experincia turstica nestes destinos rurais est muito dependente dos recursos e do patrimnio (material e imaterial) existentes nas Aldeias e no territrio envolvente.

    Considerando essa realidade, e com base na anlise documental e observao in loco levada a cabo pela equipa ORTE, este captulo pretende descrever de forma sumria os contextos das experincias tursticas analisadas. Mais especificamente, descrever-se-o as diversas dimenses do contexto das trs Aldeias analisadas no Projeto ORTE, que tm como denominador comum o facto de terem beneficiado de investimento pblico para a preservao do seu patrimnio e para o reforo da sua atratividade turstica: Janeiro de Cima, pertencente rede das Aldeias do Xisto; Linhares da Beira, integrada na rede das Aldeias Histricas de Portugal, e Favaios, que integra a rede das Aldeias Vinhateiras (Figura 3. 1).

    Figura 3. 1 Localizao das Aldeias analisadas

    Fonte: adaptado de ANAFRE (2010)

    Assim, acerca de cada Aldeia, realizada uma caracterizao do seu contexto geogrfico e natural, que inclui a sua localizao, caractersticas genricas da sua paisagem e descrio dos

    Favaios

    Linhares da Beira

    Janeiro de Cima

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    principais recursos naturais. De seguida apresentar-se-, de forma sinttica, o contexto histrico e cultural, com especial nfase nos recursos culturais. Para descrever cada Aldeia em termos do seu contexto sociodemogrfico e econmico recorrer-se- a informao sobre a evoluo da sua populao residente, bem como das atividades econmicas que empregam mais residentes das Aldeias.

    Considerando o objeto de estudo do projeto ORTE torna-se essencial, ainda, compreender duas dimenses do contexto de cada Aldeia: o planeamento e gesto do territrio (e o lugar que o turismo ocupa nesse planeamento e gesto), assim como a caracterizao da atividade turstica.

    A descrio do contexto de planeamento e gesto do territrio integra as orientaes fornecidas pelos diversos planos de desenvolvimento regionais/locais e tambm instrumentos de gesto territorial (IGT) existentes e, consequentemente, a sua influncia na forma como a atividade turstica oferecida e consumida pelos diversos intervenientes do sistema visitantes, populao local e agentes do setor. No que concerne compreenso das orientaes fornecidas pelos IGT para o turismo, os que apresentam maior relevo no contexto do projeto ORTE so os de mbito municipal, ou seja, os Planos Diretores Municipais (PDM), Planos de Urbanizao (PU) e Planos de Pormenor (PP), caso existam. Estes IGT, usualmente, abordam o turismo de uma forma genrica, fornecendo orientaes, essencialmente, relativas a questes de construo e reabilitao de imveis, bem como do seu zonamento. No entanto, em termos concretos, so os documentos estratgicos elaborados pelas autarquias e/ou por associaes de desenvolvimento local, aqueles que realizam estudos de maior profundidade e incidncia acerca do turismo, da que tenham tambm sido analisados diversos planos de desenvolvimento regionais/locais, especficos e no especficos do turismo.

    Para a caracterizao da atividade turstica procurou analisar-se a oferta e a procura turstica de cada Aldeia. Concretamente, a nvel da oferta turstica, apresenta-se um levantamento dos diversos servios tursticos existentes na Aldeia, do calendrio de animao e, ainda, uma anlise dos materiais promocionais de cada Aldeia. Esta ltima anlise realizada com o intuito de identificar as principais representaes, imagens e smbolos do rural, contidos nos materiais promocionais relativos s trs Aldeias1. A caracterizao da procura turstica de cada Aldeia foi mais difcil, uma vez que no prtica comum a todas as Aldeias o controlo do nmero e caractersticas dos seus visitantes.

    1 Utilizou-se uma abordagem qualitativa para analisar o contedo das componentes visuais dos materiais promocionais recolhidos (fotografias, cartes-de-visita, postais, folhetos, cartazes) sobre as trs Aldeias. No mbito do projeto Rural Matters (Projeto PTDC/CS-GEO/117967/2010, financiado pela Fundao para a Cincia e Tecnologia, cofinanciado pelo COMPETE, QREN e FEDER e coordenado por Elisabete Figueiredo) e com base numa reviso exaustiva da literatura essencialmente relativa a representaes do espao rural (por exemplo, Choi, Lehto & Morrison, 2007; Figueiredo & Raschi, 2011), criou-se uma grelha de anlise especfica para a anlise dos materiais promocionais, baseada nas seguintes categorias: Natureza e paisagem, Gastronomia, Patrimnio e cultura, Produtos tursticos, Arquitetura, Habitantes locais, Infraestruturas, Atividades tursticas, Sentimentos e comportamentos e Aspetos formais. A cada categoria foram associados valores ou atributos que permitiram depois a pesquisa de palavras e a pesquisa da associao entre palavras. Para mais informao relativa a esta anlise, consultar Capela (2013).

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    3.2. As Aldeias ORTE

    3.2.1. Janeiro de Cima

    3.2.1.1. Contexto geogrfico

    A freguesia de Janeiro de Cima pertence ao concelho do Fundo, distrito de Castelo Branco, situando-se na NUT III Cova da Beira (constituda pelos concelhos de Covilh, Belmonte e Fundo) (Figura 3. 1). Est localizada numa posio central, prxima do eixo de desenvolvimento marcado pelos trs polos mais importantes do interior da Regio Centro: Guarda, Covilh e Castelo Branco.

    Sob o ponto de vista geomorfolgico, Janeiro de Cima situa-se, ainda, numa regio montanhosa entre as serras da Estrela e Aor, a noroeste, e da Gardunha, a sudeste, talhada entre grabens e horsts de origem Alpina, cuja movimentao continua a manifestar-se por processos de neotectnica (Daveau, Birot, & Ribeiro, 1986). Na regio, as altitudes variam entre os 350m e os 1418m, na Serra da Cebola, e predominam formaes metamorfizadas que pertencem ao Complexo Xisto-Grauvquico das Beiras, que se insere no Macio Hisprico (Cabral, 1995). A Aldeia marginada, a Poente, pelo rio Zzere, instalado numa falha bem desenvolvida, que limita, na margem direita, uma rea mais elevada, de orientao noroeste-sudeste, resultante da presena de quartzitos Ordovcicos, particularmente resistentes.

    O elemento natural mais emblemtico da Aldeia o rio Zzere, uma das mais significativas linhas de gua do centro do pas e com grande relevncia em termos de atrao turstica, como o so, genericamente, os cursos de gua mais importantes (Aranzabal, Schmitz, & Pineda, 2009; Mgica & De Lucio, 1996; Prez, 2002). O substrato de xisto e a presena de importantes sistemas de falha conferem um traado particularmente rgido e sinuoso ao vale deste rio, marcado pela presena de meandros bem encaixados. A Aldeia est instalada na parte terminal de um meandro abandonado, num troo em que o vale fortemente assimtrico, tendo o leito de cheia uma largura considervel na margem esquerda onde se situa a Aldeia, o que permite o desenvolvimento de uma praia fluvial de importantes dimenses. Esta circunstncia morfolgica tem sido bem explorada nas ltimas dcadas, quer sob o ponto de vista turstico no vero, quer no plano do ordenamento territorial, uma vez que o leito de cheia ocupado fundamentalmente com apoios de praia e equipamentos de lazer. Acresce que nesta regio os veres so quentes, com uma temperatura mdia do ms mais quente entre os 29C e os 32C (Ferreira, 2005), o que acrescenta significado a esta potencialidade natural da Aldeia (Figura 3. 2). O ambiente trmico invernal fresco, entre 15 a 30 dias com temperaturas abaixo dos 0C e entre 50 a 100 dias com temperaturas mdias abaixo dos 5C. A diversidade pisccola nos habitats fluviais deste territrio favorece a prtica da pesca desportiva (MO, 2012). Para alm desta atividade ainda possvel, por exemplo, a prtica de canoagem, de rafting, natao nas praias fluviais, passeios de gaivotas ou, em Janeiro de Cima, passeios rio acima numa das tradicionais barcas (ver seco 3.2.1.2) (ADXTUR, 2008).

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    Figura 3. 2 Rio Zzere e moinho de gua em Janeiro de Cima

    Fonte: Autores (2010)

    As caractersticas dos recursos endgenos deste territrio (nomeadamente a existncia de xisto e de pedras do rio) influenciaram fortemente o tipo de construo presente na Aldeia e como refere Ribeiro (1995, p. 442): a casa de habitao est, como em toda a parte, em estreita dependncia dos materiais: de xisto, de granito, de leitos alternados de xisto e calhaus rolados, situao particularmente evidente no ncleo habitacional mais antigo da Aldeia (ver seco 3.2.1.2).

    J a cerca de 12 km de Janeiro de Cima, na freguesia de Orvalho (concelho de Oleiros), de salientar a presena de um elemento natural singular, a cascata de gua DAlta (Abreu, Correia, & Oliveira, 2004), atualmente considerada um geomonumento do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional, no qual 50 metros de desnvel [so] vencidos por uma sucesso de trs vus de gua turbulentos e crepitantes (Geopark Naturtejo, 2012). O recurso a audes e represas permitiu igualmente a construo de moinhos de gua um pouco por toda a regio, inclusive em Janeiro de Cima, onde pode ser observada, mas s na poca do vero, uma rplica da antiga roda do moinho de gua (Figura 3. 2), servindo para mostrar, aos visitantes, uma atividade muito comum em tempos de outrora.

    Atualmente, nas serranias de xisto deste territrio abundam os matos de pinheiro-bravo, originando uma mancha florestal quase contnua (Silva, 2007), reveladora do esforo de florestao efetuado entre a dcada de 30 e de 60, do sculo XX (Aguiar, Rodrigues, Azevedo, & Domingos, 2009). Contudo, esta homogeneidade florestal est na base de uma paisagem uniforme devido cor verde constante ao longo do ano, dada a presena das mesmas espcies florestais de folha persistente e generalizada falta de movimento e fraca diversidade sonora, sendo fortemente marcada pelo efeito dos constantes incndios florestais que vo devastando a floresta (Abreu et al., 2004, p. 195). Mas, para alm das monoculturas de pinheiro-bravo e de eucalipto, na envolvente de Janeiro de Cima ainda possvel encontrar elementos florsticos de influncia mediterrnica, caso do medronheiro (com vrios exemplares visveis junto ao miradouro da Sarnadela), a par com outros de influncia atlntica, caso do carvalho-roble (Abreu et al., 2004), bem como vestgios de uma Laurissilva (floresta do passado subtropical). Nas zonas de mato possvel observar a presena de tojos, urzes, estevas, rosmaninhos e giestas, enquanto a vegetao ripcola existente ao longo das linhas de gua constituda essencialmente por freixos, choupos, amieiros e salgueiros (Abreu et al., 2004).

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    Neste territrio pratica-se uma agricultura de subsistncia, complementada pela caprinicultura (Silveira, 2007; PS, 2012), com tendncia a ser substituda pela silvicultura. A apicultura e a produo de mel tambm complementam o rendimento das populaes, derivado da abundante florao das urzes, entre outros elementos da vegetao serrana (Silveira, 2007, p. 27). A aposta na criao da Casa do Mel, em Bogas de Cima (a cerca de 11 km de Janeiro de Cima), revela a importncia desta atividade na regio (Pinus Verde, 2010a). A planta do linho foi outrora uma das culturas importantes no vale do Zzere, estando na base de tradies locais ligadas ao tecer e ao fabrico de peas de linho, o que levou criao, em 2005, da Casa das Tecedeiras, em Janeiro de Cima (ADXTUR, 2008).

    Relativamente riqueza faunstica da regio, apesar dos recursos pisccolas serem significativos no vale do Zzere, registando-se a presena de barbos, bogas, bordalos, enguias, trutas (Abreu et al., 2004), mas tambm de espcies exticas como o achig e a carpa (MO, 2012), de um modo geral, a paisagem deste territrio no parece ter uma especial diversidade faunstica e florstica, no havendo referncias presena de espcies raras ou de elevado valor para a conservao (Abreu et al., 2004, p. 210), exceto nos locais classificados como Stios de Interesse Comunitrio, caso da Serra da Gardunha ou do Complexo do Aor(ICNF, 2012), ou no vale junto Fraga de gua DAlta (Rodrigues, Carvalho, & Metodiev, 2009).

    J as serranias de xisto podem ser aproveitadas para a prtica de caminhadas pedestres ou de atividades de BTT, como demonstra a existncia dos vrios percursos sinalizados (especialmente dentro do concelho da Pampilhosa da Serra) - em Janeiro de Cima de salientar o Caminho do Xisto da Barca, inaugurado em julho de 2011 (ADXTUR, 2008).

    Sob o ponto de vista fsico, tambm de salientar que a Aldeia est situada no limite SW da regio do Couto Mineiro da Panasqueira, uma das maiores jazidas de volfrmio e estanho a nvel mundial, em resultado de uma mineralizao filoniana, acompanhada por processos metassomticos, que corresponde greisenizao da rocha grantica subjacente aos xistos encaixantes (Gonalves & Ribeiro, 2013). A histria centenria de explorao mineira daquelas jazidas confere importantes potencialidades ao desenvolvimento de um turismo de nicho, o qual ainda se encontra numa fase embrionria na regio (Rota do Volfrmio). Na aldeia vizinha, Barroca (a cerca de 14 km, no sentido do Fundo), a existncia de uma rota do mineiro que integra o Caminho de Xisto da Barroca, permite conhecer o papel que as exploraes mineiras, nomeadamente as Minas da Panasqueira, tm tido nesta regio (ADXTUR, 2008). Contudo, de salientar que, apesar da sua importncia econmica para as comunidades locais, a atividade do complexo mineiro das Minas da Panasqueira resulta em fortes impactes negativos a nvel ambiental e paisagstico (Gonalves, 2010; Valente, Figueiredo, & Coelho, 2008), bem como em eventuais efeitos negativos na experincia turstica de quem visita esta regio.

    3.2.1.2. Contexto histrico e cultural

    A riqueza cultural de Janeiro de Cima um dos atrativos-chave desta Aldeia do Xisto, juntamente com uma relevante componente natural. Esta Aldeia integra a Rede das Aldeias do Xisto, rede atualmente constituda por 27 aldeias da Regio Centro (Cmara Municipal do

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    Fundo, 2012) e, tal como as restantes aldeias desta rede, foi alvo de interveno tambm no sentido de recuperar e dinamizar tradies e ofcios tradicionais, valorizar o patrimnio arquitetnico e promover a preservao da paisagem. O patrimnio e os valores locais so fatores diferenciadores que definem esta Aldeia e lhe permitem manter uma identidade nica, caractersticas culturais que, em conjunto com a sua riqueza natural, constituem a base de atratividade turstica da Aldeia.

    Em Janeiro de Cima, um dos grandes destaques vai para o xisto e pedra rolada como materiais de excelncia que conferem Aldeia um carter distintivo. De forma conjugada, o xisto e a pedra rolada, proveniente do rio, funcionam em perfeita simbiose em diversas construes na Aldeia, quer seja ao nvel das fachadas das casas quer nas ruas. No contexto da Rede das Aldeias do Xisto este um elemento comum e, acima de tudo, identitrio, que caracteriza e define uma paisagem onde a componente natural perspetivada em total harmonia com a componente cultural.

    Uma outra atrao de Janeiro de Cima a Casa das Tecedeiras, um estabelecimento temtico que integra um museu, uma sala onde se encontra um tear tradicional, uma oficina de artesanato e uma loja, onde os visitantes podem experimentar a tecelagem, aprender sobre a histria e as tcnicas tradicionais e ferramentas usadas para cultivar e trabalhar o linho (Pinus Verde, 2010b). Na sua entrada, ainda no exterior, possvel encontrar uma representao de um tear, que representa um dos saberes locais privilegiados, a atividade da tecelagem. Esta casa um espao de excelncia na Aldeia que contempla vrios elementos caractersticos da cultura local. A troca de conhecimentos e a aprendizagem so, igualmente, garantidos neste espao, onde a interao entre as tecedeiras, que so habitantes da Aldeia, e o visitante condio-chave. Para alm do contacto prximo com as tecedeiras, tambm possvel conhecer ferramentas de trabalho antigas expostas neste espao temtico (Figura 3. 3). Produtos de linho confecionados na Aldeia so vendidos neste espao, assim como publicaes relativas a Janeiro de Cima ou s Aldeias do Xisto, bem como alguns produtos alimentares produzidos a nvel local/regional.

    Figura 3. 3 Casa das Tecedeiras (vista exterior e interior)

    Fonte: Autores (2011)

    No que concerne arquitetura religiosa, destacam-se, na Aldeia, duas igrejas e trs capelas. A Igreja Velha ou de Nossa Senhora da Assuno uma construo que data do sculo XVIII e localiza-se no centro da Aldeia. A Capela de So Sebastio recebe as celebraes do padroeiro

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    de Janeiro de Cima. Esta capela, que data do sculo XVII, foi alvo de recuperaes em 1956 e 1992 (ADXTUR, 2013). O espao envolvente desta capela foi, igualmente, intervencionado, de forma a criar melhores condies para a celebrao da festa religiosa e do convvio final em que toda a comunidade local participa.

    Ao nvel das festividades religiosas, destaca-se a Festa de So Sebastio, uma festa com uma grande importncia para os atuais e ex-residentes da Aldeia, aqueles que vivem noutros pases, mas que regressam a Janeiro de Cima para viver esta festividade que decorre a 20 de janeiro. Esta festa religiosa, em honra do padroeiro da Aldeia, assinala um tributo a D. Sebastio que, segundo a lenda, ajudou a combater a peste na Aldeia (ADXTUR, 2013).

    Para alm das celebraes religiosas, todos os anos o Festival Razes DAldeia tem lugar em Janeiro de Cima. Este festival atrai um pblico muito jovem, tanto portugueses como estrangeiros (maioritariamente mexicanos, espanhis, franceses, ingleses, alemes) que, durante um fim de semana, participam neste evento que decorre no Parque Fluvial da Lavandeira, onde existem atividades variadas, entre as quais se destacam workshops relacionados com dana. A msica e os valores culturais e naturais da regio so enaltecidos neste festival de arte e cultura tradicional, destacando-se pelo seu perfeito enquadramento neste espao rural, num dos pontos de interesse bastante apreciado pelos que a visitam.

    Palco de festivais de vero ou de simples convvio, mais propcio no vero, o Parque Fluvial das Lavandeiras merece igualmente destaque pelo facto de contemplar neste espao um elemento histrico, ligado ao passado da Aldeia, que valoriza a paisagem natural de Janeiro de Cima: a barca (Figura 3. 4). Smbolo prximo da relao da populao com o rio a barca (feita em madeira de oliveira), antigamente utilizada para fazer a travessia de pessoas e/ou alguns bens entre as duas margens do rio. A longa tradio na construo das barcas faz parte da histria da Aldeia. Atualmente, a sua presena na margem do rio Zzere em Janeiro de Cima chama a ateno de quem visita o parque fluvial pela primeira vez (ADXTUR, 2013).

    Figura 3. 4 Barcas tradicionais de Janeiro de Cima

    Fonte: Autores (2011)

    A Semana Cultural das Aldeias do Xisto tambm um dos eventos a assinalar neste territrio. Decorre, normalmente, no ms de julho e visa promover o desenvolvimento das diversas localidades do Pinhal Interior. Promovida pela Pinus Verde - Associao de Desenvolvimento Integrado da Floresta e em parceria com vrios atores locais, esta iniciativa permite realar os

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    produtos e artes locais. Janeiro de Cima uma das Aldeias contempladas nesta Semana Cultural.

    Para alm dos recursos j mencionados, outros elementos potencialmente enriquecedores da experincia turstica, em Janeiro de Cima, so a gastronomia, da qual se destacam as migas de gro, os maranhos e o cabrito assado no forno, e os produtos locais (artesanato, linho e alguns produtos alimentares, como a cereja, o mel, o azeite e as castanhas) (ADXTUR, 2009a).

    3.2.1.3. Contexto sociodemogrfico e econmico

    No que diz respeito demografia desta Aldeia na ltima dcada, so bem visveis algumas caractersticas do Interior do pas, nomeadamente o envelhecimento populacional e a desertificao dos respetivos territrios, caractersticas bastante mais acentuadas na Aldeia do que na NUT III em que se insere, como se pode observar na Tabela 3. 1.

    Tabela 3. 1 Caracterizao da dinmica populacional de Janeiro de Cima 2001 2011

    NUT III Cova

    da Beira

    Janeiro

    de Cima

    NUT III Cova

    da Beira

    Janeiro de

    Cima

    Populao Residente (N) 93.579 352 87.869 306

    % Pop. residente com 65 ou mais anos 21,4 31,0 25,2 39,5

    Idade mdia (anos) da populao residente 42,2 46,3 n.d. n.d.

    Taxa de Variao da populao

    (1991-2001 e 2001-2011) (%) 0,5 -20,3 -6,1 -13,1

    Legenda: n.d. = no disponvel Fonte: Elaborado com base em INE (2002, 2012)

    Em termos das atividades econmicas que empregam os residentes da Aldeia, observa-se que o sector secundrio o que emprega maior nmero de residentes (muito ligado tradio da Aldeia relacionada com a construo civil e carpintaria), mas tambm se percebe que o declnio dos sectores primrio e secundrio tem sido parcialmente colmatado pelo crescimento do sector tercirio, com a criao de oportunidades de emprego (Figura 3. 5). Esta situao evidente nesta Aldeia onde, nos ltimos anos, foram criadas novas infraestruturas como um lar de terceira idade (que emprega algumas mulheres residentes na Aldeia), um restaurante e unidades de alojamento turstico (ver seco 3.2.1.5). Esta Figura no deixa, no entanto, perceber a real importncia do sector primrio na Aldeia, uma vez que grande parte da atividade agrcola praticada na Aldeia desenvolvida por reformados ou por pessoas ativas, mas de forma complementar atividade principal desempenhada, geralmente no sector secundrio ou tercirio.

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    Sector Primrio; 6,0%

    Sector Secundrio;

    57,1%

    Sector Tercirio (social); 20,2%

    Sector Tercirio (econmico);

    16,7%Sector Primrio;

    2,5%

    Sector Secundrio;

    45,7%

    Sector Tercirio (social); 32,1%

    Sector Tercirio (econmico);

    19,8%

    Figura 3. 5 Populao empregada, por sector de atividade econmica, em 2001 e em 2011

    Fonte: Elaborado com base em INE (2002, 2012)

    3.2.1.4. Contexto de planeamento territorial e estratgico

    No que concerne compreenso das orientaes fornecidas pelos IGT para o turismo, quanto a Janeiro de Cima, e de acordo com o que poder traduzir-se em inputs vlidos no mbito do projeto ORTE, importa, essencialmente, efetuar a anlise do PDM do Fundo, uma vez que os restantes IGT existentes para este territrio no tm influncia na Aldeia em apreo. O PDM fornece um conjunto de orientaes para o desenvolvimento da atividade turstica, salientando-se os itens que tm pertinncia para o contexto rural, nomeadamente, os espaos agrcolas destinados a equipamentos de interesse social, cultural, turismo rural cujos acessos e integrao paisagstica devem ser garantidos (Resoluo do Conselho de Ministros n. 82/2000, p.3046, alterado pela Declarao n. 331/2001 (2. srie), pela Declarao n. 9/2003 (2. srie) e pelo Aviso n. 162/2008).

    A Aldeia Janeiro de Cima est integrada na Rede das Aldeias de Xisto e na rea de atuao da ADERES Associao de Desenvolvimento Rural Estrela-Sul. A ADERES foi fundada em 1994 com o objetivo de definir e implementar aes e projetos de desenvolvimento social integrado, na rea das vertentes sul da Serra da Estrela. Outros objetivos so a renovao do tecido social e a melhoria das condies econmicas, sociais e culturais das populaes do territrio de influncia (ADERES, 2010).

    O Programa das Aldeias do Xisto, promovido pela Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) em conjunto com a Pinus Verde (Associao de Desenvolvimento Local) e 16 municpios da Regio, no mbito do III Quadro Comunitrio de Apoio (QCA), foi criado em 2000 e visava contribuir para uma melhoria da qualidade de vida das comunidades locais e construo de espaos dinmicos e atrativos que permitissem o incremento de um desenvolvimento econmico estimulado pela atividade turstica (ADXTUR, 2008). Este Programa iniciou-se com a elaborao dos "Planos de Aldeia", documentos elaborados por uma equipa especializada e multidisciplinar, que compreendem um estudo aprofundado de cada Aldeia, seu contexto e populao (os inventrios do patrimnio material e imaterial foram a base do desenvolvimento de ideias sobre a criao de possveis experincias tursticas, que partissem dessa herana identitria para a construo de produtos tursticos). A

    2001 2011

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    partir deste estudo, foram definidas as aes a desenvolver com o intuito de promover o desenvolvimento desses territrios. O programa criou ainda a ADXTUR - Agncia para o Desenvolvimento Turstico das Aldeias do Xisto, entidade que promoveria aes necessrias no mbito do Programa. Neste momento, a Rede integra 27 Aldeias, pertencentes a 19 municpios da Regio Centro (Cmara Municipal do Fundo, 2012).

    As orientaes estratgicas nas quais poder assentar o desenvolvimento da atividade turstica em Janeiro de Cima encontram sustentao e enquadramento no Programa de Valorizao Econmica de Recursos Endgenos (PROVERE) Rede das Aldeias do Xisto, desenvolvido pela ADXTUR. O documento em questo apresenta os seguintes objetivos gerais: a) tornar a Rede das Aldeias do Xisto num viveiro de servios tursticos distintivos e irrepetveis, criando assim um novo destino turstico em Portugal; b) contribuir para a promoo e comercializao de produtos e servios recomendados pela ADXTUR integrando-os ou no em produtos tursticos sob a marca Aldeias do Xisto; e c) contribuir para o desenvolvimento, escala regional e local, do territrio da Rede das Aldeias do Xisto (ADXTUR, 2009b, p. 44-46).

    Atualmente a marca Aldeias do Xisto representa a oferta de servios tursticos dos seus associados (hotis, pousadas, alojamento em espao rural, restaurao, animao turstica, comrcio tradicional), articulada com o Calendrio de Animao das Aldeias do Xisto. Sem nunca perder de vista aquilo que o essencial da sua estratgia - o bem-estar e a qualidade de vida das populaes locais - a Rede das Aldeias do Xisto oferece uma marca diferenciadora e identitria, que promove os valores do territrio, a sua oferta turstica e os servios e produtos dos seus parceiros atravs de um calendrio de eventos culturais nicos, criativos, que pretendem ser sustentveis e diretamente ligados s tradies locais. Muitos desses eventos e ofertas esto a dar origem a pacotes tursticos integrados, que juntam ofertas e servios de vrios parceiros (por exemplo a criao recente do Xavo2).

    3.2.1.5. Caracterizao da atividade turstica

    Na Aldeia existem trs unidades de alojamento TER, um restaurante, dois cafs e um pub. Refere-se, ainda, a existncia de cerca de 6 empresas de animao turstica a dinamizar atividades no concelho do Fundo. Uma das atraes importantes da Aldeia a Casa das Tecedeiras, onde os visitantes podem experimentar tecer, visitar o ncleo museolgico do linho, bem como adquirir produtos locais artesanais (ver seco 3.2.1.2.). Existe, ainda, um espao prximo do rio, que muitas vezes funciona como parque de campismo gratuito, pertencente Junta de Freguesia, um parque de merendas e um parque infantil. O auditrio da Junta de Freguesia tambm um espao a assinalar para a receo de reunies, debates ou sesses de diversa ndole.

    Pela Aldeia passam tambm um conjunto de percursos temticos (Percurso Natureza, Percurso do Linho, Percurso do Xisto e Percurso da gua) que permitem percorrer, a p, de BTT, em

    2 O Xavo uma moeda que permite a quem a adquirir a possibilidade de usufruir um desconto nos agentes locais aderentes mais informaes em: http://www.aldeiasdoxisto.pt/detalheagenda/63/5/577/7/2010/2555

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    carro ou veculo todo-o-terreno, caminhos que cruzam vrios elementos paisagsticos, histricos, etnogrficos e culturais.

    Relativamente aos materiais promocionais sobre Janeiro de Cima3, as imagens veiculadas referem-se maioritariamente aos elementos naturais (categoria Natureza e paisagem - 47%). Os elementos predominantemente mencionados so rvores, montanhas, florestas, flora e vales (Figura 3. 6).

    Figura 3. 6 - Frequncias relativas das categorias nas imagens promocionais de Janeiro de Cima

    Fonte: Elaborao prpria

    O rio outro elemento natural que se destaca nestes materiais por ser considerado um elemento principal de atrao, pelas tradicionais barcas da Aldeia e por existirem atraes tursticas nas suas margens como o parque fluvial, um moinho de gua e um caf. De seguida a categoria Arquitetura (26%) refere-se ao conjunto de casas tpicas da Aldeia, distinguidas por conterem tanto o xisto da montanha como as pedras roladas do rio. Dado que o xisto um elemento histrico e natural da paisagem da Aldeia, tambm um dos smbolos mais representados nos materiais promocionais, parecendo que a cultura viva fica um pouco subaproveitada nestes materiais. Consequentemente, o verde e o castanho so as tonalidades que mais se destacam pela promoo do patrimnio natural da Aldeia.

    Em termos de procura turstica, verifica-se a inexistncia de registo do nmero de visitantes, sendo referido por vrios elementos da populao e pela Junta de Freguesia que nos fins de semana e nas frias de vero a populao mais que duplica, devido ao nmero de turistas residenciais na Aldeia (quer emigrantes que mantm ligao Aldeia, quer pessoas que trabalham nas cidades mais prximas e mantm uma segunda residncia na Aldeia). Foi ainda referido por vrios agentes da oferta turstica que os anos 2012 e 2013 foram marcados por uma quebra na procura, especialmente na poca baixa, quebra que atribuem crise econmica que o pas atravessa, mas tambm introduo de portagens nos principais eixos de acesso,

    3 Os materiais promocionais foram recolhidos pela equipa do projeto ORTE durante as visitas Aldeia para aplicao de questionrios, e as fotografias foram retiradas dos seguintes websites: https://www.facebook.com/pages/JANEIRO-de-CIMA/216609698351404?fref=ts e https://www.facebook.com/media/set/?set=a.466446680055040.107908.183779918321719&type=3

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    oriundos dos grandes centros urbanos (A23, acesso por Lisboa; e A25 e A23, acesso pelo Porto).

    3.2.2. Linhares da Beira

    3.2.2.1. Contexto geogrfico

    A freguesia de Linhares da Beira pertence ao concelho de Celorico da Beira, distrito da Guarda, situando-se na NUT III Beira Interior Norte (Figura 3. 1). Est localizada numa posio central, prxima do eixo de desenvolvimento marcado por trs polos importantes do interior da Regio Centro: Viseu, Guarda e Covilh. Destaca-se, ainda, pela localizao na orla Norte da regio do macio da Serra da Estrela (o maior Parque Natural do pas), a cerca de 800 m de altitude (Barbosa & Correia, 1990), beneficiando da paisagem do Vale do Mondego (CMCB, 2009) (Figura 3. 7). Trata-se de uma regio marcadamente serrana, o que lhe confere uma atratividade turstica elevada e singular, semelhana de outras reas de montanha da Pennsula Ibrica (Aranzabal et al., 2009).

    Figura 3. 7 - Panormicas desde o castelo de Linhares da Beira

    Fonte: Autores (2011)

    A regio dominada por rochas de natureza grantica, reveladoras do perfil geolgico dominante que caracteriza a Serra da Estrela (Marques, 1996). O granito um importante recurso natural que serviu de matria-prima maioria das construes desta Aldeia histrica, conferindo-lhes um caracterstico tom cinzento-escuro (Abrantes, 1995). O facto de a Aldeia de Linhares estar situada numa faixa de transio entre o xisto do Complexo Xisto-Grauvquico e a extensa mancha de granito que domina a regio setentrional da Serra da Estrela, implica a presena de uma extensa zona de migmattica, que origina pequenos relevos de dureza que povoam a paisagem daquela regio (SGP, 1992) e tambm a presena de uma densa rede de files aplito pegmatticos que, sob o ponto de vista morfolgico, deram origem a um conjunto significativo de imponentes cristas, que se podem observar, por exemplo, no vrtice de Cabea Alta, a este de Linhares. Este facto confere movimentao e atratividade paisagem, como frequente suceder nas regies serranas (Mgica & De Lucio, 1996).

    Linhares da Beira integra, para alm do Parque Natural Serra da Estrela, o Stio de Interesse Comunitrio Serra da Estrela Rede NATURA 2000 (ICN, 2005), rea que constitui um

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    extraordinrio componente natural de grande valor paisagstico com panormicas de rara beleza representando valores caractersticos da geografia natural (Decreto-Lei n. 557/76 de 16 de julho, p.1562), sob gesto do atual Instituto da Conservao da Natureza e das Florestas. A paisagem de Linhares insere-se, assim, na unidade designada por Serra da Estrela, detentora de uma forte identidade resultante tanto das suas caractersticas naturais, como do seu contedo em termos histricos e culturais (Abreu et al., 2004, p. 191), reveladora de territrio profundamente humanizado desde tempos antigos (Aguiar et al., 2009). A localizao de Linhares permite ainda que se encontrem dois pontos panormicos de excelncia: o castelo, com vista sobre o coberto vegetal do lado da Serra e sobre o mosaico agricultado do vale do Mondego, correspondente unidade de paisagem designada por Cova de Celorico (Abreu et al., 2004), detentora de um padro esttico muito apelativo em termos de valorizao turstica; e o mirante de Linhares, a cerca de 1060 m de altitude, prximo do caminho de terra batida que leva at uma das rampas de salto dos parapentistas - modalidade famosa em Linhares, qual se deve a designao da Aldeia como Capital do Parapente. Deste segundo miradouro privilegiado possvel observar ainda algumas das espcies de aves que representam a avifauna presente na Serra da Estrela, sendo algumas destas alvo de medidas de conservao, a nvel nacional e/ ou europeu. Neste territrio igualmente de registar a presena de animais domesticados ligados pastorcia como as ovelhas, em rebanhos muitas vezes guardados pelo famoso co Serra da Estrela.

    De acordo com Abrantes (1995, p. 13), a toponmia da Aldeia, Linhares, deriva dos vrios e belos linhares - campos de linho - cultivados outrora nas imediaes da povoao. No entanto, atualmente, a paisagem que circunda Linhares seminatural e/ ou agrcola, caracterizada por manchas de pinheiro-bravo misturado com o carvalho-negral, terras de regadio, milheirais, culturas arvenses de sequeiro, vinhedos, prados e lameiros (Barbosa & Correia, 1990; ICN, 2005).

    Esta regio caracterizada por um clima temperado, com veres secos (nem muito frios nem muito quentes) e com invernos chuvosos (CMCB, 2009), que contribuem para a existncia de diversas linhas de gua nas imediaes da Aldeia, entre as quais a Ribeira de Linhares e a Ribeira da Cabea Alta (CMCB, 2009). Em Linhares da Beira de registar a presena de uma Levada que atravessa a povoao e que nasce no local de Sete Fontes, na freguesia de Videmonte (Abrantes, 1997). Este um sistema de desvio da corrente de gua para irrigao das hortas e pastagens ou o funcionamento de moinhos, permitindo, em determinadas alturas do ano, percecionar de forma bastante audvel o barulho da gua a correr.

    Os caminhos de terra batida e veredas existentes neste tipo de paisagem serrana permitem o desenvolvimento de atividades desportivas como caminhadas ou a prtica de BTT. Tendo isso em considerao, o Municpio de Celorico da Beira tem vindo a promover, na envolvente da Aldeia, a criao e sinalizao de percursos segundo diretrizes nacionais e europeias (como os Trilhos das Ladeiras e Trilho da Serra do Ralo), possibilitando aos visitantes descobrir as caractersticas da paisagem e do patrimnio natural e histrico-cultural existente nesta regio.

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    3.2.2.2. Contexto histrico e cultural

    Estando enquadrada na rede das Aldeias Histricas de Portugal, Linhares foi alvo de interveno ao nvel da recuperao das fachadas das casas e da pavimentao das ruas, destacando-se claramente, ao nvel de recursos culturais, o patrimnio arquitetnico, que constitui, por si s, motivo de atrao de visitantes. O conjunto arquitetnico da Aldeia harmonioso, uma vez que os traos caractersticos dos edifcios se mantm na maioria das construes existentes, destacando-se, nesta paisagem, o granito.

    So diversos os pontos de interesse cultural na Aldeia que retratam factos histricos e elementos culturais identitrios desta comunidade. Destaque, em primeiro lugar, para o seu castelo, ponto de paragem obrigatrio para todos os que visitam a Aldeia. O castelo, existente pelo menos desde finais do sculo XII (IGESPAR, 2012) e hoje classificado como Monumento Nacional (Figura 3. 8), constitui um stio privilegiado de observao da paisagem e foi um importante ponto de defesa desde os primrdios da nacionalidade.

    Figura 3. 8 - Castelo de Linhares da Beira e panormica desde o ponto mais elevado da Aldeia

    Fonte: Autores (2011)

    O castelo visitvel por dentro e constitudo por duas torres: a Torre Sineira e Torre de Menagem. Na Torre Sineira era possvel encontrar o posto de turismo da Aldeia, at julho de 2013, altura em que o posto foi deslocado para um ponto mais acessvel, na entrada da Aldeia. No piso superior existe uma sala transformada em auditrio, a partir da qual se pode aceder cobertura da torre, onde possvel desfrutar da paisagem envolvente a Linhares da Beira e conhecer um Relgio de Pndulos, que data do sculo XVII. Por sua vez, na Torre de Menagem existe um simulador de parapente, uma vez que Linhares considerada a capital desta modalidade. Para alm da possibilidade de visualizar, de um ponto alto da Aldeia, a paisagem envolvente de Linhares, existe tambm um sightseeing virtual, que permite identificar pontos atrativos na Aldeia e na paisagem, para alm de apresentar informao virtual sobre os mesmos e oferecer a possibilidade de tirar fotografias temticas, enquadrando-se em cenrios alusivos ao sculo XVI, inseridos na paisagem envolvente Aldeia. Porm, devido a problemas de diversa ordem, estes equipamentos no esto a funcionar por falta de manuteno.

    A localizao privilegiada da Aldeia, sob o ponto de vista defensivo, promoveu a ocupao humana de Linhares desde o tempo do Imprio Romano, como prova uma estrada de pedra e o Frum de Linhares (Falhas, 2010). O Frum, construo em pedra onde, em tempos passados, se tomavam decises de carter administrativo, legislativo e judicial, outro dos pontos de

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    interesse na Aldeia, bem como a adjacente Fonte de Mergulho. Durante a Idade Mdia, a povoao sofreu um importante desenvolvimento, de que testemunho a igreja, de estilo Romnico, e decorada com pilares de estilo Manuelino. As linhas caractersticas do estilo manuelino so tambm uma marca identitria de Linhares, presentes em vrios edifcios da Aldeia (janelas e portas manuelinas). Destaque ainda para a calada romana, entrada da Aldeia. Segundo factos histricos, acredita-se que esta rua seria uma parte do troo que ligava Mangualde a Linhares da Beira (CMCB, s/d). Existem ainda importantes vestgios de progresso na Idade Moderna, como prova a arquitetura renascentista de muitas casas (Figura 3. 9).

    Figura 3. 9 - Janelas e portas de estilo manuelino e passagem sob casa renascentista

    Fonte: Autores (2011)

    Merecem destaque, ainda, o Solar dos Brando de Melo e o Solar Corte Real, ambos convertidos numa pousada, a Pousada do INATEL, inaugurada em 2010. Para alm destes solares, destaca-se o Solar Pina Arago, uma construo de propriedade privada, de estilo barroco, que data, provavelmente do sculo XVI e que exibe, na sua fachada, um braso em pedra com as armas da famlia (AHP, 2013; CMCB, s/d).

    entrada de Linhares possvel encontrar um edifcio com representatividade histrica local, a Casa Fortaleza, onde funcionou, em tempos passados, um hospital e tambm uma albergaria. Na fachada principal, esto presentes duas grgulas que, segundo a tradio popular, so representativas do diabo e de uma cabra, personagens de uma lenda local que permanece at aos dias de hoje: a Lenda da Dona Lopa e a Dama P de Cabra (Abrantes, 1995). Por sua vez, a Antiga Cmara e Cadeia (atualmente funciona no seu interior a Junta de Freguesia), a Fonte de So Caetano, restaurada em 1829, assim como o Pelourinho de Linhares, pelourinho quinhentista de ornamentao manuelina com a esfera armilar e uma cruz (AHP, 2013) so, igualmente, edifcios marcantes que no passam despercebidos no contexto de visita Aldeia.

    Ao nvel da arquitetura religiosa, destacam-se em Linhares da Beira du