UFF - Trabalho de Tóp Esp Dir Const - Prof Claudio Pereira

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Faculdade de Direito TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITO CONSTITUCIONAL Professor Cláudio Pereira de Souza Neto O DIREITO FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Faculdade de Direito TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITO CONSTITUCIONALProfessor Cláudio Pereira de Souza Neto

O DIREITO FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

André Fernandes Monteiro de Souza - Matrícula nº 205.07.139-8Bernardo Mesquita Villela – Matrícula nº 209.07.288

Gabriel Travassos

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TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITO CONSTITUCIONAL PROFESSOR CLÁUDIO PEREIRA DE SOUZA NETOO DIREITO FUNDAMENTAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Juliana BritoThaís Helena de Oliveira Pires – Matrícula nº 208.07.241

SUMÁRIO

1. Introdução

2. Análise da Jurisprudência do STF - Estudo de Casos Concretos

I. RE nº 709.146/RS

II. ADPF nº 130/DF

III. Biografias não autorizadas – “Caso Garrincha”

IV. Liberdade de Expressão X Dignidade da Pessoa Humana – “Caso

Ellwanger”

3. Bibliografia

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1. INTRODUÇÃO

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO é tema complexo, amplamente discutido tanto no

âmbito internacional quanto nacionalmente. Reflexões e questionamentos sobre os limites

da censura e a ética nas comunicações têm-nos feito buscar um parâmetro para a definição

e para o exercício desse direito.

Pensar é o que nos faz humanos, e expressar o pensamento é o que diferencia os

seres humanos. Garantir o direito à LIBERDADE DE EXPRESSÃO é, portanto, quesito

imprescindível para a realização plena do homem, e alicerce de uma sociedade justa.

Todavia, para haver a garantia, é necessário chegar-se primeiro a uma definição do que é

essa liberdade.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO figura entre as liberdades fundamentais, e constitui-se,

como elas, direito por meio de instrumentos jurídicos internacionais e pátrios.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO é a prerrogativa do ser humano de exercer livremente a

sua vontade de manifestar seu pensamento.

Nas palavras de Marmelstein:

“(...) é um instrumento essencial para a democracia, na medida em que permite que a vontade popular seja formada a partir do confronto de opiniões, em que todos os cidadãos, dos mais variados grupos sociais, devem poder participar, falando, ouvindo, escrevendo, desenhando, encenando, enfim, colaborando da melhor forma que entenderem.”

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2. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - ESTUDO DE CASOS

CONCRETOS

I. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 709.146/RS

EMENTA: “As partes firmaram promessa de compra e venda de imóvel e, em

decorrência da insatisfação dos réus (promitentes-compradores) com a

construção, afixaram na janela do apartamento um cartaz constando os

seguintes dizeres (fl. 13): Construtora Rio Novo = incomodações (sic),

infiltrações, desníveis e insatisfação. O conteúdo da ação é a discussão sobre a

possibilidade de colocação do cartaz (...). No caso concreto, tenho que deve

prevalecer o direito fundamental à imagem da empresa autora, uma vez que,

pelas simples fotos do prédio, se vê que trabalha com padrão diferenciado, de

média ou alta classe, e a resolução dos problemas com vícios construtivos já está

ocorrendo, como se vê, a título de exemplo, da cópia da sentença de procedência

prolatada no âmbito dos Juizados Especiais (fls. 282-285). Não posso deixar de

frisar grande preocupação com o ramo da construção civil na atualidade, pois

muitos consumidores firmam promessas de compra e venda esperando receber

o sonho da casa própria em determinado período e isso não ocorre, ou muitas

vezes ocorre, mas sem condições de habitação. Em uma análise sumária, penso

que, em casos tais, não se pensaria duas vezes em proteger a LIBERDADE DE

EXPRESSÃO dos consumidores descontentes, pois no Brasil, infelizmente, certos

objetivos são alcançados apenas por meio de pressão.

Mas, na hipótese apresentada, considerando que, ao que tudo indica, estamos

tratando com empresa idônea e os problemas já estão sendo solvidos (veja-se

também ata de assembléia à fl. 287), estou a manter o julgamento de

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procedência para que os demandados se abstenham de fixar o cartaz na janela”

(fls. 334-335).”

No caso em questão, o Supremo Tribunal Federal manteve decisão do TJRS acerca

da colisão entre os direitos fundamentais à LIBERDADE DE EXPRESSÃO versus aqueles ligados

à honra e a imagem – inclusive de pessoa jurídica. Dessa forma, vê-se que até mesmo é

possível a prevalência dos direitos fundamentais no tocante à pessoa jurídica sobre aqueles

constituídos em torno da pessoa física.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO é um direito fundamental que muitas vezes é sopesado

de forma a não invadir a seara de outros direitos. Assim, como todo o direito, seu abuso

deve ser penalizado.

II. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº

130/DF

Impossível tratar das garantias fundamentais do Brasil contemporâneo sem

abordar a LIBERDADE DE EXPRESSÃO . Dentre os casos mais emblemáticos sobre o tema há de

se ressaltar a ADPF 130/DF que foi manejada pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT,

com atuação destacada do deputado Miro Teixeira, visando a não recepção da Lei de

Imprensa, qual seja: Lei 5.250/1967 pela atual ordem Constitucional.

Importante destacar que o argüente sustentou a tese de que além de incompatível

com tempos modernos, leia-se pós 1988, há dispositivos na mencionada lei que poderiam

ser interpretados de maneira a ferir a liberdade de manifestação do pensamento político,

ideológico e artístico, como exemplo tem-se a norma contida no parágrafo 2º do artigo 1º

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da Lei de Imprensa tratando da possibilidade de censura. Tendo sido deferida sua liminar,

suspendendo os processos que versavam sobre dispositivos da Lei de Imprensa.

Partindo desse ponto, devemos entender melhor a questão de violação da

intimidade, da honra e da imagem do indivíduo, uma vez que a imprensa tem que ser livre,

mas sem extrapolar alguns limites. Forma-se então um paralelo entre LIBERDADE DE

EXPRESSÃO x liberdade de informação. Assim, até que ponto uma pode ir sem afetar a outra.

Na verdade as duas podem ser entendidas como complementares, não como contraposição.

Isto porque dois pontos basilares da Constituição de 1988 são a Democracia e o Princípio

da Dignidade da Pessoa humana e estes, assim como os dispositivos constitucionais que

serão mencionados nas próximas linhas do trabalho, reforçam a idéia de liberdade como

um todo prevalecendo aspectos positivos na sociedade.

Com relação à “ADPF da Lei de Imprensa”, impende destacar o posicionamento do

ministro Joaquim Barbosa que opinou pela procedência parcial do pedido, pois segundo ele

os artigos 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa se justificam tendo em vista o dano causado à

imagem da pessoa ofendida, durante seu voto defendeu ainda uma imprensa mais diversa e

plural, além de livre criticando a hegemonia de alguns grupos de comunicação, salientando

que a concentração da mídia é nociva para a Democracia. Além disso, seguiu a ministra

Ellen Gracie, que também opinou pela procedência parcial, mantendo-se os artigos 1º,

parágrafo 1º, artigo, 2º (caput), 14 e artigo 16, inciso I, que proíbem a propaganda de

guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou

classe.

Além destes, há que se falar no posicionamento do ministro Gilmar Mendes, que

julgou improcedente quanto aos artigos 29 e 36. Alegando ainda que possa haver uma falta

de parâmetros na jurisprudência.

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Por último, cita-se o posicionamento do ministro Marco Aurélio que

diferentemente dos anteriormente citados votou pela improcedência total firmando seu

posicionamento com base no fato de que uma nova lei é atribuição do Congresso Nacional e

que no seu modo de vista a imprensa no Brasil não é cerceada atualmente.

Vencidos esses ministros, a lei 5.250/1967 foi totalmente revogada. Assim, muda o

embasamento para causas acerca do tema, tendo em vista apresentarem-se para reger tais

relações de forma destacada além dos Códigos Civil e Penal, os incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV

do artigo 5º da Constituição Federal, bem como seu capítulo V que engloba os artigos 220 a

224.

Sustentando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, salientam-se as

palavras do Ministro Menezes Direito: “Não existe lugar para sacrificar a LIBERDADE DE

EXPRESSÃO no plano das instituições que regem a vida das sociedades democráticas”, disse o

ministro, revelando que há uma permanente tensão constitucional entre os direitos da

personalidade e a liberdade de informação e de expressão. “Quando se tem um conflito

possível entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade. O preço do silêncio

para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação das

ideias”, completou, ao citar que a democracia para subsistir depende da informação e não

apenas do voto.

Segundo Menezes Direito, “a sociedade democrática é valor insubstituível que exige,

para a sua sobrevivência institucional, proteção igual à LIBERDADE DE EXPRESSÃO e a dignidade

da pessoa humana e esse balanceamento é que se exige da Suprema Corte em cada momento

de sua história”. Ele salientou que deve haver um cuidado para solucionar esse conflito sem

afetar a LIBERDADE DE EXPRESSÃO ou a dignidade da pessoa humana.

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Nesse sentido, há que se levar em conta o momento histórico e todo o contexto em

que foi criada tal lei a fim de formar um posicionamento, devendo o mesmo ser feito com a

Constituição. Levando-se em conta a importância da imprensa diante das autonomias

pública e privada, bem como no campo da formação de idéias e capacidade crítica.

III. BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS – “CASO GARRINCHA”

Questão importante e relevante no âmbito do Direito é o do paralelo

LIBERDADE DE EXPRESSÃO e direito à informação versus inviolabilidade da intimidade e da

vida privada. Quando se está diante de uma situação em que esse dois direitos

fundamentais, garantidos constitucionalmente, têm papéis relevantes na questão, surge o

dilema em saber qual deles deve prevalecer ou se há a possibilidade de aplicação

simultânea e equilibrada entre os dois.

É o que ocorre, pois, com a questão das biografias em que se verifica um conflito

real entre a LIBERDADE DE EXPRESSÃO dos autores e editores juntamente com o direito à

informação e à cultura de todos os cidadãos, e o direito de inviolabilidade da intimidade,

vida privada, honra e imagem. Tal questão já chegou ao Supremo Tribunal Federal e está

sendo discutida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Com amparo na Lei Maior, pode-se afirmar que a privacidade tem quatro campos

de proteção: (i) a intimidade; (ii) a vida privada; (iii) a honra; e (iv) a imagem.

Segundo José Afonso da Silva, é possível identificá-los da seguinte maneira:

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A intimidade abrange o conjunto de informações que somente dizem respeito ao

indivíduo e que não tem qualquer repercussão na esfera privada de seus semelhantes.

A vida privada representa a área de autodeterminação do ser humano nas

relações com outros cidadãos, no que diz respeito à sua família e círculo de amizade.

A honra refere-se às qualidades que definem a reputação do cidadão no meio

social, tanto no que concerne ao apreço que ele tem por si, como no prestígio e no bom

nome junto aos seus pares.

A imagem compreende a representação física do indivíduo, a sua aparência in

natura, cuja reprodução e divulgação devem ficar ao alvedrio de seu portador.

No Brasil, para que uma biografia, tanto de pessoa pública ou desconhecida, seja

publicada é necessário autorização do biografado ou de seus herdeiros. Tal imposição

existe por força do que dispõe o artigo 20 do Código Civil, in verbis:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Desse modo, é possível perceber que há uma restrição legal ao pleno exercício da

LIBERDADE DE EXPRESSÃO que é, por seu turno, um direito garantido expressamente pela

nossa Carta Magna, insculpido no artigo 5º, IX da Constituição Federal. Relega-se a segundo

plano a LIBERDADE DE EXPRESSÃO , direito de suma importância e relevância num Estado

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Democrático de Direito, para proteger outro direito fundamental - direito à intimidade -

estabelecendo-se, assim, um conflito entre normas constitucionais. Resta, então, a dúvida

sobre qual direito deve prevalecer.

Foi com base nos artigos 20 e 21 do Código Civil que decisões judiciais proibiram a

circulação de biografias não autorizadas de pessoas públicas, tais como Roberto Carlos,

Garrincha e João Guimarães Rosa, a pedido do próprio biografado ou de seus herdeiros.

Ocorre que, com tal atitude do Poder Judiciário, está-se permitindo a realização de uma

censura prévia desempenhada pelo juiz o qual proíbe a circulação das obras biográficas,

ferindo, assim, preceito constitucional que veda expressamente a censura.

Roberto Carlos, que teve proibida, a seu pedido, a circulação de sua biografia, assim

se pronunciou acerca da questão: "Há um limite entre o que é de interesse público e o que é

invasão de privacidade", enfatizando que, no caso, não houve censura. De sua fala, pode-se

extrair que, apesar de ele ser uma figura pública, o cantor julga que nem todos os aspectos

de sua vida privada são de interesse público. No entanto, é preciso lembrar que não é

possível interpretar privacidade de uma personalidade pública, que vive da sua imagem,

como se interpreta privacidade quando se trata de uma pessoa desconhecida.

Para tentar sanar o problema das proibições das biografias e da interpretação que

está sendo dada ao dispositivo legal em comento, um projeto de lei de autoria de Antônio

Palloci foi elaborado para corrigir o artigo 20 do Código Civil a fim de compatibilizá-lo à

Constituição Federal. Tal dispositivo passaria a vigorar com a seguinte redação:

Art. 20. Salvo se autorizada ou se necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

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Parágrafo único: É livre a divulgação da imagem e de informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública ou cuja trajetória pessoal ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.

Como é possível notar, o parágrafo único poria fim à discussão acerca da

publicação de biografias não autorizadas de personalidades públicas, acabando com a

censura prévia que está sendo realizada pelo Poder Judiciário. No entanto, o referido

projeto de lei foi arquivado ao fim da legislatura passada. A questão foi novamente

levantada pela deputada Manuela D’ávila, trazendo de volta ao Congresso a discussão sobre

o projeto de lei que altera o artigo 20 do Código Civil.

No Supremo Tribunal Federal está pendente de julgamento a Adin nº 4815,

proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros, em que se requer seja declarada

a inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil por afronta à LIBERDADE DE

EXPRESSÃO e proibição à censura, consubstanciados no artigo 5º, IX da Lei Maior.

Enquanto não se decide a questão, subsiste o controle realizado pelo Poder

Judiciário que está aplicando, nos casos das biografias não autorizadas, a letra fria da lei

sem atentar para os direitos fundamentais insculpidos na Carta Magna, proibindo, dessa

forma, a publicação de tais obras.

Biografia do ex-jogador de futebol “Garrincha” – STJ – REsp nº 521.697

Um caso conhecido de biografia não autorizada, que chegou ao STJ para julgamento

é o do ex-jogador de futebol Garrincha. O livro foi retirado de circulação durante um ano

após a Justiça dar ganho de causa às familiares de Garrincha. A publicação retornou às

livrarias apenas no final de 1996 e desde então não foi mais contestada. A disputa jurídica

se arrastou por dez anos e acabou apenas quando as filhas do antigo atacante entraram em

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acordo com a Companhia das Letras. O livro ficou proibido por um ano (de dezembro de

1995 a novembro de 1996). Porém, o processo movido pelas filhas de Garrincha perdurou

por mais dez anos e rendeu o pagamento de R$ 30 mil, a cada uma das filhas do craque em

acordo feito pela editora na Justiça. 

Neste caso, as autoras, filhas herdeiras de Manoel dos Santos, consagrado como

Garrincha, promoveram uma ação ordinária contra Editora Schwarcz Ltda., por esta ter

lançado o livro intitulado "Estrela Solitária - Um brasileiro chamado Garrincha", sem

autorização das autoras, alegando violação ao direito à imagem, ao nome, à intimidade, à

vida privada, à honra e todos os conexos da personalidade do referido ídolo, execrando a

sua memória, postulando pela indenização de danos patrimonial e moral.

Em primeiro grau a ação foi julgada parcialmente procedente, reconhecendo a

existência apenas de danos morais a serem indenizados no valor equivalente a mil salários

mínimos, com juros de 6% ao ano, desde a citação, e em honorários advocatícios fixados em

10% sobre o valor da condenação.

As partes apelaram. As autoras, para aumentar o valor da condenação por danos

morais, para obter o reconhecimento de danos materiais, juros desde o lançamento do livro

e honorários em 20%.

A ré, buscando a nulidade da sentença por falta de apreciação adequada da prova, e,

no mérito, a improcedência ou a redução da indenização dos danos morais e a aplicação do

art. 21 do CPC.

O egrégio Tribunal local decidiu, ter por incabível o dano moral, e, por maioria,

admitiu o dano material a ser indenizado no valor correspondente a cinco por cento sobre

o total do preço do livro a ser apurado em liquidação.

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As autoras interpuseram dois recursos especiais, alegando dissídio e violação dos

artigos 159 e 1.553 do Código Civil de 1916, buscando reparação pelos danos morais em

valor correspondente a dez mil salários mínimos, postulando pela contagem dos juros a

partir do ato ilícito, e que a liquidação seja feita por arbitramento.

A ré também ingressou com recurso especial, alegando ofensa aos artigos 6º

e 126 do CPC, 4º da LICC, 160, I, e 1.526 do Código Civil de 1916, e 38, caput, da Lei

9.610/98, isso porque o direito de imagem é personalíssimo, não se transmitindo para as

filhas, aduzindo, fundamentalmente, que elas não teriam legitimidade para ajuizarem a

presente ação.

Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como

principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer

proteção a imagem e a honra de quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque

elas permanecem perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se

prolongam para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí

porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu

falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a

exaltação feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer

agressão que lhe possa trazer mácula.

Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua

morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para

postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja por dano material.

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O primeiro recurso especial das autoras foi parcialmente conhecido e, nessa parte,

parcialmente provido. O segundo recurso especial das autoras não foi conhecido. O recurso

da ré foi conhecido pelo dissídio, mas improvido.

Verificou-se terem as autoras sofrido danos morais que reclamam indenização,

que, pelas peculiaridades da espécie, foi estipulado no valor correspondente a cem salários

mínimos para cada uma.

Quanto ao recurso especial da ré, mencionou-se novamente o voto do ilustre

Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, de onde foi extraído os seguintes trechos:

"A matéria que se coloca no presente recurso envolve basicamente os direitos da personalidade. Consiste em saber se são ou não sempre intransmissíveis ou se há, em certas situações, transmissibilidade de direitos.Ninguém desconhece que os direitos da personalidade extinguem-se com a morte, o que os torna física e juridicamente intransmissíveis. Mas não se pode igualmente desconhecer que a personalidade das pessoas famosas projetam efeitos jurídicos para além da morte e que afetam os seus sucessores. É o que ocorre, por exemplo, com pessoas já falecidas cuja imagem continua sendo explorada comercialmente através de filmes, vídeos, fotografias, publicidade, livros, memórias, biografias etc. Os efeitos econômicos daí decorrentes incorporam-se ao patrimônio dos herdeiros do falecido e só por eles podem ser comercialmente explorados. O mesmo pode ocorrer quanto aos efeitos morais. Os ataques e ofensas à memória do morto são ofensas aos seus parentes próximos, causando-lhes sofrimento e revolta.Dessa forma, os parentes próximos de pessoas famosas falecidas passam a ter um direito próprio, distinto dos direitos de que era titular o de cujus, que os legitima para, por direito próprio, pleitearem indenização em juízo.Tal é a espécie dos autos, porquanto as autoras pleiteiam indenização, por direito próprio, por danos materiais e morais que alegam ter sofrido pela publicação não autorizada da biografia do seu falecido pai. Como atleta famoso do futebol, a imagem, o nome e os feitos do biografado projetaram efeitos patrimoniais para além de sua morte, que se incorporaram ao patrimônio das autoras.O novo Código Civil, atento aos princípios constitucionais e a toda legislação esparsa em nosso ordenamento jurídico relativos a esta matéria, disciplina os direitos da personalidade em seus arts. 11/21. Em seu art. 11 estabelece, após

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ressalvar casos previstos em lei, a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade dos direitos da personalidade.Prevê, todavia, no parágrafo único do art. 12, que qualquer ameaça ou lesão a esse direito gera perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei e, em se tratando de morto, como no caso presente, os herdeiros indicados e o cônjuge são legitimados para buscar o ressarcimento ou a indenização decorrente de lesão.Concernente ao mérito, cumpre assinalar que a biografia de uma pessoa relata fatos relacionados com o seu nome, imagem, intimidade e outros aspectos vinculados aos direitos da personalidade.Sendo assim, e à luz dos princípios acima expostos, é forçoso concluir que terceiros não podem se apropriar desses direitos e publicar obra biográfica de pessoa já falecida sem a autorização dos herdeiros, por mais erudita que seja a obra e nobres os seus propósitos.O exercício da livre manifestação do pensamento, da expressão intelectual e da profissão não autorizam a apropriação dos direitos de outrem para fins comerciais e de lucro, por se encontrar isso fora do direito de informar. Configura locupletamento sem causa explorar comercialmente a popularidade do biografado sem autorização de quem de direito ou sem lhe dar a devida participação.De forma ainda mais explícita, em seu art. 20 e seu parágrafo único o novo Código Civil prevê a prévia autorização para a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa, pena de render ensejo a indenização, ocorrendo lesão a honra e a boa forma ou respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Destaca, em seu parágrafo único, que em se tratando de morto, o caso presente, são partes legítimas para requerer a proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.A prévia autorização é um mecanismo protetor e permite garantir aos herdeiros a justa remuneração do correspondente uso da imagem e da exploração comercial da obra de biografia, evitando que terceiro sem título jurídico algum obtenham ganhos remuneratórios.Destarte, a prévia autorização dos herdeiros de Garrincha para a exploração comercial de sua biografia era medida indispensável, certo que o v. acórdão centra o seu fundamento como razão de decidir neste ponto essencial, destacando que a ilicitude, que gera o direito a indenização do dano material, foi a publicação não autorizada e se correto afirmar que os direitos da personalidade são intransmissíveis, nem por isto deixam de merecer proteção em favor de familiares próximos.

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Cabe analisar, portanto, a legitimidade constitucional da publicação de biografias

não-autorizadas, a partir da relação entre o direito à privacidade (art. 5º, X, da Constituição

Federal) e a LIBERDADE DE EXPRESSÃO (art. 5º, IV, V, IX, XIII e XIV e art. 220, §§ 1º e 6º, da

Constituição Federal) no ordenamento jurídico brasileiro.

Após o exame do texto da Lei Maior, com apoio na doutrina constitucionalista e no

Código Civil Brasileiro, observou-se que a biografia não-autorizada não tem amparo

jurídico-constitucional por representar uma violação ao direito à privacidade. O fato da

personagem do livro biográfico ser pública, não significa dizer que lhe deva ser negada

proteção de sua esfera privada, reconhecida a todo e qualquer cidadão.

A liberdade de comunicação somente prevalece caso a personagem esteja falecida e

não existam sucessores, na forma da lei, que tenham legitimidade para solicitar a tutela

jurisdicional da intimidade e da vida privada desvelada na referida obra. Solução similar

deve ser reconhecida ao ausente, por analogia, haja vista a omissão do art. 12, parágrafo

único, do Código Civil Brasileiro.

O direito à privacidade não protege o seu titular apenas contra o Estado, mas

também contra as ingerências abusivas de outros cidadãos na esfera que se procura

assegurar com esse preceito constitucional.

Tal como o direito à privacidade, a liberdade de comunicação também foi

qualificada como direito fundamental no sistema constitucional pátrio. Essas normas

constitucionais asseguram ao autor da biografia o direito de manifestar e difundir

livremente os fatos obtidos em sua pesquisa, assim como os seus sentimentos e opiniões

pessoais sobre o biografado, desde que não obscurecido pelo manto do anonimato.

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Aparentemente, a vedação à censura ou licença no exercício dessa faculdade

impediria a instituição e aplicação de quaisquer outros limites. Mas, ao se analisar com

mais cautela a Constituição Federal, verifica-se que esse direito fundamental não pode ser

desenvolvido de modo lesivo a outros direitos de igual hierarquia. Não há supremacia a

priori de um direito sobre o outro quando ambos foram qualificados como fundamentais.

As tensões entre direitos dessa natureza devem ser superadas a partir dos

elementos do caso concreto, mediante a aplicação da razoabilidade e da ponderação de

bens.

Não há muita dificuldade em se apontar como inconstitucionais as leis que

autorizem o Estado a impor qualquer forma de censura à edição de ensaio biográfico.

Entretanto, a Lei Maior determina ao Estado, se apoiado em lei, o dever de impedir ou

recolher biografias que representem “discriminação atentatória aos direitos e liberdades

fundamentais”, notadamente na questão do preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.

O direito à informação deve ceder espaço ao direito à privacidade, pois a

intimidade e a vida privada não merecem exposição quando isso representa a completa

destruição da esfera particular que a Lei Maior reconhece em favor de toda e qualquer

pessoa humana.

Desse modo, a edição de biografia exige, por imperativo do direito à privacidade, a

autorização do biografado. Portanto, a publicação de biografia não-autorizada representa

um atentado a direito fundamental e legitima o interessado a impedi-la ou recolhê-la

mediante o exercício do direito de ação, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição

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Federal.

IV. LIBERDADE DE EXPRESSÃO X DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – “CASO

ELLWANGER”

O presente caso refere-se ao Habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal

Federal em favor do escritor Siegfried Ellwanger, acusado de praticar racismo através da

edição e venda de livros com idéias discriminatórias, negando o holocausto.

Absolvido em primeira instância, o Superior Tribunal de Justiça o condenou a dois

anos de reclusão sob o entendimento de que toda e qualquer discriminação se configura no

delito de racismo.

Os advogados do paciente impetraram o Habeas corpus no STF alegando que

Ellwanger foi condenado por discriminação contra os judeus, que não configura racismo

porque os judeus não constituem uma raça, portanto não tem o caráter de

imprescritibilidade. Sustentam ainda que deva ser extinta a punibilidade, pois o delito já

teria prescrito, uma vez que a imprescritibilidade é uma característica apenas do racismo.

No entendimento do STF o delito de Ellwanger constitui crime de racismo, por isso

decidiu pelo indeferimento do pedido. Diz o artigo 5º inciso XLII da Constituição Federal:

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei.

A legislação complementar a que o artigo refere-se é a Lei 7.716/90, que

antes restringia o racismo apenas a raça e a cor. Com a Lei 8.081/90 incluiu-se a religião,

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procedência nacional e etnia.

O conceito de racismo e a interpretação da norma constitucional dividem

opiniões entre os ministros. Moreira Alves, relator, fez uma interpretação restritiva do

texto e concluiu que o racismo seria apenas a discriminação racial contra afro-descendente.

Maurício Corrêa apontou a necessidade de interpretar de acordo com a antropologia e a

sociologia, pois o conceito biológico de raça não pode mais ser considerado, devido às

inúmeras miscigenações. Marco Aurélio de Mello, em seu voto, alegou que um dos

fundamentos de um Estado Democrático de Direito é a tolerância, LIBERDADE DE EXPRESSÃO .

O Supremo Tribunal Federal concluiu que, partindo de premissas históricas, a

discriminação contra os judeus é um tipo de racismo. O termo racismo deve ser

interpretado de acordo com a sociedade, pois há um sentido muito maior do que aquele

presente nas palavras do texto.

O Brasil tem como compromisso o combate ao racismo, em todos os aspectos,

como diz a Constituição Federal:

Art. 3º constituem os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil:I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É certo que todos os princípios fundamentais decorrem da dignidade da pessoa

humana, princípio formador dos direitos da personalidade, mas não existe hierarquia entre

os princípios, apenas ponderação. O STF ponderou pelo princípio da dignidade da pessoa

humana, nesse caso, por entender que “A discriminação racial levada a efeito pelo exercício

da LIBERDADE DE EXPRESSÃO compromete um dos pilares do sistema democrático, a própria

ideia de igualdade.”

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Em razão disso, pode-se afirmar que essa decisão tem um papel importante no

fortalecimento da democracia, pois o princípio democrático não é pautado apenas pela

liberdade, mas também pela igualdade. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO encontra limites, logo,

não pode levar ao racismo, a intolerância. Fica evidente a condenação para preservar uma

sociedade pluralista e tolerante, defendendo a dignidade da pessoa humana, uma vez que

não há outro meio igualmente eficaz de punição. Se a LIBERDADE DE EXPRESSÃO for levada

sem limites, inúmeros bens jurídicos seriam lesionados.

A colisão dos direitos fundamentais pode ser encontrada facilmente no Habeas

corpus nº 82.424 impetrado por Siegfried Ellwanger, em virtude de se colocar em xeque

princípios garantidos pela Constituição Federal de maneira plena e sem distinção.

O Supremo Tribunal Federal sob Relatório do Excelentíssimo Senhor Ministro

Moreira Alves, deu por indeferido por oito votos a três o pedido de Habeas corpus

impetrado pela defesa do paciente sustentando serem as publicações inconciliáveis com os

padrões éticos e morais estabelecidos na Constituição Federal Brasileira. A questão

principal do processo é a colisão entre dois direitos fundamentais previstos pela CF, sendo

eles:

Art. 1 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]III – a dignidade da pessoa humana

E o direito de LIBERDADE DE EXPRESSÃO :

Art. 5° IV – é livre de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

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A defesa alega que no presente caso o direito a LIBERDADE DE EXPRESSÃO ser mais

importante e que a publicação poderia ter qualquer conteúdo ficando a critério da opinião

publica compará-los ou não. Já os tribunais inferiores consideraram as publicações como

uma afronta direta a dignidade da pessoa humana, entendimento este ratificado pelos

ministros do STF.

O indeferimento do pedido foi justificado sob alegação de que qualquer gesto que

se volte contra a dignidade da pessoa humana deve ser considerado crime. O Ministro

Marco Aurélio considerando a importância dos dois princípios e a não hierarquização dos

mesmos, decidiu que a não censura às publicações seria proporcionalmente melhor para a

promoção da democracia e de uma cultura diversificada como a existente no Brasil, pois

deixaria a cargo da própria opinião publica. Justificativa esta o motivo pelo qual declarou

deferir o pedido de HC. Já o Min. Gilmar Mendes, nitidamente hierarquizou os princípios

colocando como intolerável que no caso o Principio da Dignidade Humana seja atingido

pelo Principio da LIBERDADE DE EXPRESSÃO .

A primeira estratégia dos impetrantes se dá em torno da prescritibilidade das leis

que se aplicam ao caso. Os impetrantes defendem que o paciente pode ser condenado pelo

crime tipificado no artigo 20, da Lei 7.716/89, que prescreve a discriminação contra os

judeus. Entretanto, alegam que o crime cometido não possui conotação racial, o que impede

a aplicação do artigo 5° da Constituição e, portanto, a imprescritibilidade no caso, de forma

a possibilitar a suspensão da execução da sentença devido à prescrição do caso. Os

impetrantes afirmam que o texto da Lei ao se referir à imprescritibilidade por

discriminação diz respeito especificamente ao racismo, e a questão que se instaura a partir

daí é se judeus consistem numa raça deforma que se possa aplicar o artigo 5° da

Constituição.

Os defensores do paciente afirmam que os judeus não são uma raça, e buscam

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vários autores judeus para fundamentar essa idéia. Ao todo são três os ministros que

deferem o pedido de habeas corpus: Moreira Alves, Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto. Os

dois primeiros defendem a extinção da punição em função prescrição do caso. No discurso

do relator ministro Moreira Alves constam várias citações de autores judeus, alguns deles

antropólogos, que tentam definir o que são os judeus.

A conclusão reiterada é que não constituem uma raça, pois esse termo se referia,

sobretudo, a diferenças biológicas. Essa idéia encontra respaldos no fato de haver judeus de

inúmeras nacionalidades, bem como haver judeus brancos, negros e amarelos . A grande

confusão, segundo alguns autores, sobre a classificação dos judeus, se deve a Hitler que

propagou a idéia de raça judia, inferior, em contraposição a idéia de raça ariana, superior.

Moreira Alves, no auge de sua argumentação, prevê quais as conseqüências de se

abrir o conceito de racismo. Para ele, as conseqüências seriam negativas, pois, afetariam

diretamente as liberdades fundamentais em diversos âmbitos, a saber, o econômico, o

político e o social.

Carlos Ayres Britto, que também defende o deferimento do pedido, afirma que o

trabalho feito por Siegfried Ellwanger é de revisão histórica, e defende durante toda sua

argumentação a liberdade de pensamento. A justificativa de seu voto é a ausência de

tipicidade de conduta.

Os ministros que indeferem o pedido de habeas corpus são Maurício Corrêa, Celso

de Mello, Gilmar Mendes, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie, Cezar Peluso e

Sepúlveda Pertence. Para eles, em geral, o conteúdo do livro não constitui uma revisão

histórica das perseguições que marcaram a 2° Guerra Mundial, e podem, sim, colocar a

segurança dos judeus residentes no país em perigo.

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A polêmica em torno do habeas corpus impetrado no caso de Ellwanger gira em

torno da questão qualificativa de judeu como raça ou não. O conflito entre dois direitos

fundamentais, que garantem o fundamento e funcionam em todo nosso Estado

Democrático de Direito, resultam em um longo debate sobre qual deve se sobrelevar ao

outro.

Com isso, observa-se que o próprio Direito constitucional não pode se limitar

somente a aquilo que está escrito na Constituição, mesmo porque, muitas vezes os

enunciados normativos presente nela se encontram de forma abrangente, por fim

necessitando da interpretação dos aplicadores do direito, que acabam fixando suas linhas

de pensamento através da jurisprudência constitucional. Contudo, ainda assim há a

presença de certos limites que devem ser seguidos e respeitados na interpretação do texto

constitucional.

Com essas novas linhas de pensamento sendo fixadas, acabam cada vez com mais

freqüência originando Mutações Constitucionais, que nada mais são do que a mudança

interpretativa de determinada norma sem alterar o texto escrito, ou seja, o seu

entendimento assume novos significados devido às mudanças que vão ocorrendo aos

poucos na sociedade. Cabe ao intérprete não ultrapassar os limites possíveis de

interpretação da norma, pois caso o faça ele acaba assumindo a função de legislador, o que

na verdade não compete ao seu cargo fazê-lo.

Nas palavras de Celso Lafer “a orientação fixada no acórdão foi a de que a garantia

constitucional da LIBERDADE DE EXPRESSÃO não é absoluta, tem limites jurídicos e não pode

abrigar, em sua abrangência, manifestações que implicam ilicitude penal”.

Assim, torna-se fácil perceber que os direitos de expressão encontram limites

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previamente identificados pelo constituinte, podendo sofrer recuos quando vão contra a

valores intrínsecos a todos os seres humanos, principalmente quando são feitos através de

discursos de ódio.

Para os ministros que decidem pelo deferimento do Habeas corpus pode-se

observar uma enorme preocupação com a LIBERDADE DE EXPRESSÃO , que, segundo eles, é um

dos “grandes baluartes da liberdade”, que o considera um dos mais importantes e

imprescindíveis para a concretização do princípio democrático. É a partir da LIBERDADE DE

EXPRESSÃO que podemos exteriorizar todos os nossos pensamentos sem o medo de sofrer

alguma sanção do Estado, a LIBERDADE DE EXPRESSÃO torna-se uma ferramenta

indispensável para o exercício da democracia e da soberania popular.

Para os ministros que indeferem o pedido de Habeas corpus o princípio de maior

relevância é o da dignidade da pessoa humana no que tange ao Estado Democrático de

Direito. De acordo com esses ministros, para que exista um Estado Democrático é

necessário que o princípio da dignidade da pessoa humana não seja violado.

3. BIBLIOGRAFIA:

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http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/08/11/acao-no-stf-projeto-na-camara-

buscam-fim-do-veto-biografias-459742.asp

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411

http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/50582/

projeto+que+libera+biografias+naoautorizadas+corrige+contradicao+legal.shtml

http://www.abpi.org.br/materiais/textospublicos/pl33782008.pdf

http://www.britocunha.com.br/v3/wp-content/uploads/2012/04/Biografia-precisa-de-

autorizacao1.pdf

http://www.danielsarmento.com.br/2012/09/as-biografias-e-o-stf-2/

http://www.facsaoroque.br/novo/publicacoes/pdfs/aline.pdf

http://www.lrbarroso.com.br/shared/download/artigo-stf-lei-de-imprensa.pdf

http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=107402

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?

idConteudo=105656&caixaBusca=N

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/15258-proibicao-de-biografias-leva-

editoras-ao-supremo.shtml

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