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UMA ABORDAGEM DIFERENCIADA ACERCA DA TUTELA JURISDICIONAL Marcus Firmino Santiago Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá; Professor substituto de Prática Jurídica Civil na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ; Advogado. SUMÁRIO: Introdução; Capítulo 1. A Terceira Onda Renovatória do Processo: novos instrumentos para solução dos conflitos dentro e fora da jurisdição; Capítulo 2. Formas de Prestação da Tutela Jurisdicional 2.1. As tutelas ressarcitória e inibitória; 2.2. O Processo como instrumento para materialização da tutela inibitória; 2.3. As tutelas cautelar e satisfativa; Capítulo 3. Tempo e Processo: necessidade de formas de atuação imediata da jurisdição - a tutela de urgência; 3.1. Cognição sumária e cognição exauriente; 3.2. Tutela de urgência - conceito e natureza; Conclusão; Bibliografia. RESUMO O reconhecimento de novos direitos e a crescente conscientização acerca da necessidade de oferecimento, por parte do Estado, de mecanismos adequados à proteção destes vem impulsionando uma ampla revisão conceitual do Processo Civil, mostrando-se premente o estudo dos novos instrumentos que permeiam com o objetivo de permitir que a tutela jurisdicional seja prestada de forma eficaz. INTRODUÇÃO No presente trabalho são tecidas considerações acerca do importante movimento pelo acesso à justiça que visa a repensar a atuação jurisdicional, na vertente denominada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth como a Terceira Onda Renovatória do Processo, por meio da qual buscou-se teorizar e implementar mecanismos tendentes a aprimorar as formas de solução de litígios, tanto dentro quanto fora dos limites da jurisdição estatal. www.abdpc.org.br

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UMA ABORDAGEM DIFERENCIADA ACERCA DA TUTELA

JURISDICIONAL

Marcus Firmino Santiago Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá;

Professor substituto de Prática Jurídica Civil na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ;

Advogado.

SUMÁRIO: Introdução; Capítulo 1. A Terceira Onda Renovatória do Processo: novos instrumentos para solução dos conflitos dentro e fora da jurisdição; Capítulo 2. Formas de Prestação da Tutela Jurisdicional 2.1. As tutelas ressarcitória e inibitória; 2.2. O Processo como instrumento para materialização da tutela inibitória; 2.3. As tutelas cautelar e satisfativa; Capítulo 3. Tempo e Processo: necessidade de formas de atuação imediata da jurisdição - a tutela de urgência; 3.1. Cognição sumária e cognição exauriente; 3.2. Tutela de urgência - conceito e natureza; Conclusão; Bibliografia.

RESUMO

O reconhecimento de novos direitos e a crescente conscientização acerca da necessidade de

oferecimento, por parte do Estado, de mecanismos adequados à proteção destes vem

impulsionando uma ampla revisão conceitual do Processo Civil, mostrando-se premente o

estudo dos novos instrumentos que permeiam com o objetivo de permitir que a tutela

jurisdicional seja prestada de forma eficaz.

INTRODUÇÃO

No presente trabalho são tecidas considerações acerca do importante

movimento pelo acesso à justiça que visa a repensar a atuação jurisdicional, na vertente

denominada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth como a Terceira Onda Renovatória do

Processo, por meio da qual buscou-se teorizar e implementar mecanismos tendentes a

aprimorar as formas de solução de litígios, tanto dentro quanto fora dos limites da jurisdição

estatal.

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Dentre os vários instrumentos pensados para o aprimoramento dos

procedimentos judiciais, destacam-se as construções doutrinárias e legislativas erguidas com o

fim de implementar formas diferenciadas de prestação de tutela jurisdicional, com o

reconhecimento da tutela inibitória e das tutelas de urgência, concebidas de forma a munir o

Processo com mecanismos aptos à eficaz proteção dos direitos subjetivos.

Mostra-se relevante, portanto, identificar e conceituar as diversas espécies de

tutela jurisdicional que ao Estado incumbe prestar, diferenciando-as e sistematizando-as, a fim

de delimitar o espaço de atuação de cada uma. Analisam-se, ainda, os mecanismos para

concessão de provimentos urgentes, os quais objetivam viabilizar a atuação imediata da

jurisdição em defesa dos direitos de todos que a invocam.

Por fim, tendo por base os conceitos e entendimentos contemplados ao longo

da exposição, sugerir-se-á forma de classificação dos institutos abordados diversa daquela

usualmente apresentada pela doutrina nacional, na tentativa de oferecer uma contribuição ao

estudo deste tão relevante movimento de renovação da teoria e da prática processual.

1. CAPÍTULO 1. A TERCEIRA ONDA RENOVATÓRIA DO PROCESSO: NOVOS

INSTRUMENTOS PARA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DENTRO E FORA DA

JURISDIÇÃO

A evolução das organizações sociais e a estruturação do Estado,

desenvolvimento que encontra raízes nas formações dos primeiros grupos humanos, levaram

as pessoas a abrir mão de parcelas cada vez mais significativas de sua vontade e capacidade

de autodeterminação em favor de interesses comuns e da viabilização da convivência coletiva.

Ao Estado coube apreender o poder que emana do grupo social, subordinando-

o a uma estrutura de dominação concebida como mecanismo de controle e de propagação de

bem estar e segurança. Um dos mais eficientes sistemas desenvolvidos com o fim de pôr em

prática semelhante propósito foi a detenção da função de fazer cumprir as normas jurídicas. A

criação de Estados nacionais, ao longo da segunda metade da Idade Média, é apontada por

Michel Foucault como um dos fatores desencadeadores do irreversível movimento de

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monopolização da jurisdição, concentrando nas mãos dos soberanos esta incomensurável

parcela do poder2. A partir de então, ao Estado transferiu-se, inexoravelmente, a função de

dirimir as controvérsias e promover a proteção dos direitos subjetivos, eliminando as antigas

formas de auto-tutela.

Aos teóricos do Direito e da Filosofia Jurídica coube o papel de fornecer os

elementos de justificação deste domínio e de aprimoramento das formas de manifestação e

exercício da jurisdição estatal. Nos meandros da teoria do Direito, à processualística foi

delegada a atribuição de conceituar a jurisdição, a qual foi erigida como um dos pilares da

Teoria Geral do Processo.

O suceder das gerações, com a sofisticação das relações intersubjetivas, a

ampliação das situações juridicamente tuteladas e a conscientização da sociedade acerca das

funções estatais, evidenciou a insuficiência dos mecanismos disponibilizados pelo Estado para

exercício da jurisdição. Porém, enquanto as teorias processuais eram aprimoradas, mais e

mais se afastavam da realidade fática, descurando de seu dever de fornecer o manancial

conceitual necessário para a realização das transformações legislativas e paradigmáticas.

Visando a suprir esta deficiência, Mauro Cappelletti e Bryant Garth desenvolveram extensa

pesquisa que teve por foco identificar os entraves à atuação efetiva da jurisdição estatal e

sugerir soluções tendentes a viabilizar sua superação.

Em obra basilar do Direito Processual contemporâneo, os aludidos autores

analisaram a questão do acesso à justiça, direito fundamental reconhecido e consagrado pelos

ordenamentos constitucionais do Século XX, destacando as dificuldades encontradas para sua

materialização, em grande parte devido ao limitado atuar dos Estados no sentido de conferir

efetividade a este direito. Asseveram os autores que: Direito ao acesso à proteção judicial

significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma

ação. A teoria era de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um "direito natural", os

direitos não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção.3

A evolução das sociedades e a mudança da perspectiva acerca do papel

conferido ao Estado que se processa no decorrer, fundamentalmente, do Século XX,

acarretaram a imposição de um atuar positivo deste, decorrente de uma reestruturação na

relação de forças existente entre Estado Democrático e sociedade civil e da crescente

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conscientização popular acerca das obrigações inerentes à assunção do poder de tutelar os

interesses privados4. Assim, não mais se admite que o Estado deixe desvalidos direitos por

ele mesmo proclamados, devendo, ao contrário, atuar positivamente, conferindo máxima

exeqüibilidade aos direitos subjetivos, resguardando-os ante qualquer lesão ou ameaça.

A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez

mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram

para trás a visão individualista dos direitos, refletidas nas "declarações de direitos", típicas dos

séculos dezoito e dezenove. O movimento faz-se no sentido de reconhecer os direitos e

deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. Esses novos direitos

humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, são, antes de

tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos

antes proclamados.5

Identificado o problema, buscaram os autores oferecer algumas soluções para a

superação das barreiras mais evidentes à atuação da jurisdição. Desenvolveram, para tanto, a

teoria das Ondas Renovatórias do Processo, as quais refletem a necessidade de prestação de

ampla assistência jurídica, de elaboração de meios para a tutela de interesses coletivos e novos

instrumentos procedimentais, dentro e fora da jurisdição estatal, capazes de viabilizar o amplo

acesso à justiça.

A Terceira Onda Renovatória do Processo, na qual se estuda o

desenvolvimento de instrumentos mais apurados para a solução dos conflitos, objeto de

análise da presente pesquisa, no dizer de seus idealizadores, (...) centra sua atenção no

conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para

processar e prevenir disputas nas sociedades modernas.

Nós o denominamos 'o enfoque do acesso à justiça' por sua abrangência.6

Esmiuçando brevemente esta onda, cumpre verificar que, em uma de suas

vertentes, representa a ruptura com a tendência dominante durante muitos séculos de

concentração estatal do poder de solucionar os conflitos, afastando todos os resquícios de

auto-tutela e auto-composição. Esta revolução se faz com fundamento na constatação da

absoluta incapacidade do Estado para dirimir todas as controvérsias, buscando-se, então, a

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concepção de meios alternativos à jurisdição a serem oferecidos diretamente aos titulares de

direitos subjetivos lesados ou ameaçados de lesão.

Tomam vulto, com base na construção teórica fornecida por Cappelletti e

Garth, a chamada justiça consensual, que tem por melhor representante a arbitragem, e os

mecanismos alternativos para solução de conflitos, os quais podem ser postos em prática

inclusive no curso de procedimentos judiciais (sendo exemplos o Termo de Ajustamento de

Conduta, estatuído no § 6º, artigo 5º da Lei 7.347/85, e transação penal, prevista no artigo 76

da Lei 9.099/95).

Já dentro da jurisdição, é realçada a premente necessidade de adequação dos

procedimentos às características mutantes da realidade social, com suas novas carências e,

conseqüentemente, novos litígios. Neste ponto mostra-se relevantíssima a luta contra os

entraves procedimentais que, muitas vezes, inviabilizam a atuação jurisdicional, tornando

imprestável a tutela concedida. Como afirma José Rogério Cruz e Tucci, (...) essa tendência

atual, com a finalidade de acelerar a marcha procedimental, deve ser individuada na

intolerância da excessiva lentidão da estrutura do processo tradicional, visto resultar pacífico

que a rápida prestação jurisdicional é elemento indispensável para a efetiva atuação das

garantias constitucionais da ação e da defesa.7

Ademais, alarga-se a consciência de que "(...) a tutela jurisdicional apenas será

adequada se puder realizar efetivamente o direito material"8, como ressalta Luiz Guilherme

Marinoni. Assim sendo, há que se romper as estruturas arcaicas e excessivamente formalistas

do tradicional Processo, repensar os procedimentos, procurando reformá-los de modo a

permitir mais ágil e eficiente atuar da jurisdição, e rever os conceitos vigentes acerca do

conteúdo da tutela jurisdicional. Afinal, se o Processo deve ser instrumento eficaz de proteção

das pessoas, imprescindível é a admissão quanto a poder ter por objeto qualquer espécie de

pretensão que mereça tutela.

Assim se desenvolve, calcada firmemente nos conceitos desenvolvidos para

embasar a Terceira Onda Renovatória do Processo, na sua vertente endo-jurisdicional, a idéia

de que o Processo deve servir como instrumento hábil não só à obtenção da recomposição das

lesões, como também à sua prevenção, pois, de outro modo, jamais se o viabilizaria como

efetivo meio de prestação de tutela jurisdicional.

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2. CAPÍTULO 2. FORMAS DE PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

2.1. As tutelas ressarcitória e inibitória

Durante largo tempo, perpetuando entendimento consolidado na época da

estruturação do Direito Romano, afirmou-se que a função da jurisdição consistia na busca

pela reparação dos danos perpetrados aos direitos subjetivos. A atuação quase exclusivamente

ressarcitória9 da jurisdição encontra fundamento, conforme lição de Luiz Guilherme

Marinoni, no conceito prevalente de ato ilícito, o qual identificava intimamente o ilícito com o

dano dele decorrente. Afirma o autor: A confusão entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo

processo de evolução histórica que culminou por fazer pensar - através da suposição de que o

bem juridicamente protegido é a mercadoria, isto é, a res dotada de valor de troca – que a

tutela privada do bem é o ressarcimento do equivalente ao valor econômico da lesão.10

Não interessava ao Direito o ilícito civil que não tivesse por conseqüência um

dano, afinal, este era entendido como parte da estrutura do ilícito, o qual não se poderia

configurar isoladamente.

A superação da visão estritamente patrimonialista que moldava o Direito Civil,

levada a cabo com o advento do paradigma de valorização da dignidade humana, implicou na

mudança de postura dos intérpretes e aplicadores do Direito ante conceitos como dano e

ilícito, que tiveram afrouxado o laço estreitíssimo que os atava. Esta evolução se materializa,

primordialmente, por meio da elaboração de normas que visam à tutela dos direitos

fundamentais, os quais, para serem efetivados, demandam a imposição de condutas positivas.

"Tais normas partem da premissa de que determinados atos devem ser vedados ou

necessariamente praticados, pouco importando os efeitos concretos da sua violação, se

danosos ou não."11 E assim se abre o caminho para a compreensão de que a simples violação

da norma já seria suficiente para a verificação de prejuízo, afastando a vinculação necessária

entre ilícito e dano.

Quando o Estado passa a estruturar seu ordenamento de modo a nele inserir

normas que objetivam a prevenção de lesões a direitos, concretiza-se o que vem sendo

denominado tutela inibitória. Sua razão de existir se aclara toda vez que a proteção

abstratamente conferida pelas normas jurídicas que reconhecem direitos subjetivos mostra-se

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insuficiente para evitar lesões, possibilitando a invocação da atuação jurisdicional inibitória,

de forma a conferir efetividade à norma de direito material. Passa-se, com isto, a admitir

atuação jurisdicional tendente a efetivar este ideal.

A tutela inibitória se caracteriza como uma atuação jurisdicional que tem por

escopo "(...) prevenir o ilícito, culminando por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior

à sua prática, e não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela

ressarcitória"12, o que se coaduna com o propósito de assegurar a integridade do direito

subjetivo, impedindo que venha a ser lesionado. A atuação ressarcitória, por seu turno, "(...)

na maioria das vezes, substitui o direito originário por um direito de crédito equivalente ao

valor do dano verificado e, nesse sentido, tem por escopo apenas garantir a integridade

patrimonial dos direitos (...)"13.

Esta distinção, advinda do reconhecimento de uma nova potencialidade da

atuação jurisdicional, ressalta a mudança do eixo axiológico da ciência jurídica procedida no

correr do Século XX, a qual busca centrar o foco do Direito e, por extensão, da jurisdição, na

tutela da pessoa e dos valores que lhe são mais afeitos. Se a elevação ao grau de Princípios

Constitucionais dos direitos fundamentais de cunho extra-patrimonial assegurou-lhes respeito

e perpetuidade, o reconhecimento da atuação jurisdicional inibitória conferiu-lhes efetividade.

Afinal, em sua maioria proclamam e consagram direitos que, uma vez violados, não podem

ser recuperados.

Neste diapasão assevera Marinoni:

Enquanto a ação ressarcitória pelo equivalente tem origem patrimonialista e

individualista, a ação inibitória, ao contrário, mostra preocupação com os direitos não

patrimoniais e com normas que estabelecem comportamentos fundamentais para o adequado

desenvolvimento da vida social.14

Para complementar a apresentação desta forma diversa de atuar do Estado,

importante se faz ressaltar o papel desempenhado pelo Processo, instrumento fundamental

para a materialização da jurisdição e entrega da proteção necessitada pelos que a invocam.

2.2. O Processo como instrumento para materialização da tutela inibitória

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Cândido Rangel Dinamarco tem sido, no Direito Processual Civil brasileiro,

um dos arautos da nova perspectiva que deve dominar esta ciência, fortalecendo seu caráter

instrumental, isto é, de meio para a realização eficiente de um fim, qual seja, a materialização

dos direitos subjetivos.

Não está, este jurista, sozinho em seu empenho pela evolução paradigmática da

ciência processual. Tal necessidade foi identificada por autores como Mauro Cappelletti, já

citado, e José Carlos Barbosa Moreira, para quem é nítida a passagem do Processo de uma

atmosfera ideologicamente impregnada do liberalismo individual para um espaço marcado

pela progressiva acentuação das exigências de ordem social, fazendo necessária, portanto, a

concepção de novas formas de tutela.15 Ao que Dinamarco acrescenta: (...) a crescente

pressão do social no mundo do processo impele-o ao reajuste dos instrumentos de tutela, ou

ao fabrico de novos, para atender de modo conveniente a interesses, de relevância cada vez

maior, que ultrapassam o nível individual para entender com a vida de comunidades

amplíssimas.16

É evidente a evolução das relações sociais e seu reflexo direto no Direito, o que

tem por conseqüência a inexorável necessidade da adequação dos meios fornecidos pelo

Estado para realizar os direitos subjetivos, abstratamente reconhecidos. Volta-se, então, para a

apreciação da questão colocada no início da exposição, concernente à adequação da jurisdição

(e, por extensão, do Processo) aos anseios da sociedade.

O Processo, com sua natureza de instrumento fundamental para expressão da

jurisdição estatal, configura-se como um dos pontos cruciais de estudo sempre que se tem em

mira o propósito de aprimorar a atuação jurisdicional.

Ante o reconhecimento da possibilidade de atuação inibitória da jurisdição,

vem à tona a questão concernente à aptidão dos procedimentos existentes para colocar em

prática este conceito. Afinal, como assevera Dinamarco, é preciso oferecer aos litigantes um

Processo concebido de forma a se moldar às suas legítimas aspirações, capaz, portanto, de

viabilizar o acesso à ordem jurídica justa de que fala Kazuo Watanabe. "Só com isso é que,

através da observância da cláusula due process of law, se dá conteúdo substancial à garantia

constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional."17

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Esta necessidade é elevada, por Marinoni, ao grau de obrigação, em vista da

previsão constitucional acerca da possibilidade de invocação da tutela jurisdicional com o fito

de prevenir lesões a direitos: Se não é possível negar, diante da consideração do direito

material, o direito à tutela inibitória (por exemplo), fica o legislador infraconstitucional

obrigado a estabelecer os instrumentos adequados para garanti-la, sob pena de descumprir o

preceito constitucional consagrador do direito de acesso à justiça.18

Este mesmo autor, referindo-se à evolução histórica do conceito de atuação

inibitória da jurisdição, traz a lição da doutrina italiana, berço de seu florescimento. Na Itália,

como no Brasil, um dos principais óbices à efetividade do Processo identificados pelos

teóricos da nova processualística residiu na ausência de procedimentos típicos para viabilizar

a prestação de tutelas tendentes a inibir as lesões19.

Durante largo tempo, buscou-se solucionar esta carência fazendo uso das

medidas cautelares, as quais serviam razoavelmente à consecução do propósito protetivo

almejado. Porém, evidentes insuficiências conceituais e procedimentais obstavam o alcance

de maior efetividade no atuar jurisdicional.

Evolução grandiosa foi alcançada com o advento da Lei 8.952, de 13/12/1994,

que deu nova redação ao artigo 461 do Código de Processo Civil brasileiro, instituindo regra

que positivou a atuação inibitória, estabelecendo uma série de mecanismos capazes de

viabilizar a prestação jurisdicional voltada à prevenção das lesões. Esta regra foi aperfeiçoada

recentemente, por intermédio da Lei 10.444, de 07/05/2002, que alterou parcialmente o

referido artigo e acrescentou o artigo 461-A, passando o sistema processual civil brasileiro a

contar com normas que viabilizam a tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e

entregar coisa.

A tutela específica das referidas espécies de obrigações tem por condão

fornecer aos jurisdicionados meios próprios para alcançar a proteção de direitos subjetivos,

permitindo que, de modo mais efetivo, se impeça a prática de atos capazes de lesioná-los. É

magnífica expressão de instrumento procedimental capaz de viabilizar a atuação inibitória da

jurisdição.

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Realça o valor das regras jurídicas contidas nestes artigos o fato de seus

preceitos poderem ser utilizados em qualquer processo de conhecimento, sempre que, pela

natureza do objeto litigioso, verifique-se a necessidade de sua invocação, diversamente do que

ocorre com algumas regras somente aplicáveis quanto a controvérsias que possam ser

discutidas em procedimentos especiais.20

2.3. As tutelas cautelar e satisfativa

Outro ponto que merece atenção diz respeito a mais uma característica que

afeta a atuação jurisdicional. Eventualmente, a proteção buscada é de natureza cautelar, ou

seja, o que se pleiteia é a prestação, pelo Estado, de uma tutela tendente a assegurar que o

direito subjetivo objeto de controvérsia poderá ser, uma vez reconhecido, plenamente

exercitado. A tutela cautelar "(...) exerce a função de instrumento que assegura a realização

dos direitos subjetivos. Assegura, porém não satisfaz."21

Ao lado desta atuação acautelatória, existe o imperativo do efetivo

reconhecimento do direito e da concessão, ao jurisdicionado, exatamente do que este faz jus,

como se as prestações decorrentes da norma jurídica tivessem sido voluntariamente

obedecidas. Em suma, existe a necessidade de o direito ser realizado concretamente no plano

das relações humanas. Em resposta a esta carência erige-se o conceito da tutela satisfativa.

"Todo direito e, correlativamente, todo dever que grava o sujeito passivo,

obrigado a respeitá-lo e cumpri-lo, tem seu núcleo em determinado verbo especial, através do

qual é possível identificar a respectiva ação (de direito material) que o realiza."22 A partir de

semelhante assertiva, da lavra de Ovídio Baptista, por meio da qual se pode afirmar a

equiparação do conceito de satisfação de um direito ao entendimento do senso comum,

percebe-se que esta vai se dar quando for alcançada a materialização dos comandos inseridos

nas normas jurídicas, ou, parafraseando o autor, quando forem os verbos postos em prática.23

Note-se que a distinção entre tutela cautelar e tutela satisfativa não parece

conflitar com a primeira apresentada (atuação jurisdicional tendente à concessão de tutela

inibitória ou ressarcitória), podendo-se entender que ambas são classificações

complementares, cada qual abrangendo um aspecto da atuação jurisdicional.

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A análise casuística permite demonstrar o afirmado.

É possível vislumbrar a concessão de uma tutela simultaneamente cautelar e

inibitória quando se procede ao arresto dos bens de um pretenso devedor, de modo a impedir

que qualquer lesão seja perpetrada ao direito do credor, assegurando o adimplemento de seu

crédito, caso definitivamente reconhecido. De outra feita, quando alguém busca impedir que

uma casa de shows inicie suas atividades, visa à obtenção de tutela inibitória e satisfativa,

prevenindo-se lesão a direito, o qual espera ver reconhecido e realizado (qual seja, a não

produção de ruído excessivo em zona exclusivamente residencial, por exemplo).

Em suma, o tipo de proteção que o jurisdicionado pode almejar receber do

Estado se reveste de naturezas variadas, amalgamadas a partir da espécie de provimento

passível de ser conferido. Assegurar ou satisfazer a pretensão do particular, inibir a violação

da norma ou reparar a lesão ocorrida, são atividades complementares que se combinam,

impondo ao estudioso que se proponha a classificar a atuação jurisdicional especial atenção, a

fim de não incorrer na confusão de conceitos antagônicos ou na oposição de formas de

manifestação da jurisdição que se integram.

É certo que o desenvolvimento de novos juízos acerca da jurisdição viabiliza

seu aprimoramento, tanto no plano hermenêutico quanto no positivo, fundando-se em

construções teóricas como as aqui expostas regras procedimentais instituídas com o fito de

tornar o Processo mais bem aparelhado para a prestação jurisdicional. Porém, algo mais se

mostra necessário.

O aprimoramento dos procedimentos passa pela necessidade de se viabilizar a

pronta atuação do poder estatal, sob pena de seu pronunciamento, ao final de um longo e

tormentoso processo, restar inócuo. Freqüentemente, mostra-se imprescindível que a proteção

jurisdicional seja conferida em um momento diverso, anterior àquele no qual usualmente se

daria, resguardando-se eficazmente os direitos dos particulares. Na eterna batalha que o

Processo trava com o tempo, pendendo entre o binômio celeridade/segurança, alguns

conceitos vêm sendo desenvolvidos com os olhos voltados para o equilíbrio entre estes

princípios aparentemente inconciliáveis.

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3. CAPÍTULO 3. TEMPO E PROCESSO: NECESSIDADE DE FORMAS DE

ATUAÇÃO IMEDIATA DA JURISDIÇÃO - A TUTELA DE URGÊNCIA

José Rogério Cruz e Tucci, em sua obra Tempo e Processo, afirma,

enfaticamente, a inarredável necessidade de o Processo Civil ser municiado com mecanismos

capazes de permitir a realização da função institucional que lhe toca, autorizando que ao

jurisdicionado que tenha razão seja concedido exatamente aquilo que lhe seria justo

reivindicar24. Em outras palavras, defende que o Processo só cumpre sua função quando

permite a concessão, ao titular da pretensão, da tutela a que este faz jus, em tempo de

efetivamente preservar seu direito.

O tempo é algo inerente ao Processo. Afinal, processo é atividade que gera

transformação, é a passagem de um estado para outro, diverso do inicial, caracterizando seu

dinamismo. Esta mudança de estado não se dá instantaneamente, demandando tempo. Este,

por seu turno, pode ser manipulado de forma a permitir que a atividade processual ocorra de

maneira mais ou menos célere. Neste momento, adentra-se em outra questão, concernente ao

já aludido binômio segurança/celeridade.

Segurança, ainda hoje, é identificada por muitos juristas com lentidão,

enquanto celeridade seria sinônimo de precipitação e caminho aberto para o arbítrio25. O

tempo, porém, permitiu aos pensadores do Direito desenvolver argumentos que se contrapõem

a estas máximas, sustentadas desde os primórdios do Direito Romano. Celeridade não é, nem

poderia ser, sinônimo de precipitação. Acima de tudo, quando se reclama por um Processo

célere está-se clamando pelo afastamento das dilações indevidas, desnecessárias e

absolutamente evitáveis. A decisão proferida tardiamente não possui efetividade, despe-se da

capacidade de proteger o interesse do jurisdicionado, não representa, portanto, prestação de

tutela jurisdicional.

É inegável (...) que, quanto mais distante da ocasião tecnicamente propícia for

proferida a sentença, a respectiva eficácia será proporcionalmente mais fraca e ilusória. De tal

sorte, um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida

em que postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo

razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior

que seja o mérito científico do conteúdo da decisão.26

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Cândido Dinamarco corrobora esta assertiva, acrescentando que:

Os males de corrosão e frustração que o decurso do tempo pode trazer à vida

dos direitos constituem ameaça à efetividade da promessa de tutela jurisdicional, contida nas

Constituições modernas - e ameaça tão grave e tão sentida, que em tempos atuais se vem

afirmando que tal garantia só se considera efetiva quando for tempestiva.27

Uma solução proposta para o conflito apresentado, entre celeridade e

segurança, pugna pela admissão da busca gradual da certeza processual, viabilizando a

concessão de tutelas provisórias no curso dos procedimentos, na medida em que ao julgador

vão sendo fornecidos elementos capazes de embasar, minimamente, sua atuação. Tenta-se,

assim, conciliar a implementação de mecanismos capazes de acelerar a marcha processual,

sem aniquilar as garantias mínimas que conferem segurança a todos os destinatários das

decisões judiciais.

3.1. Cognição sumária

É entendimento corrente entre os estudiosos do Direito que, por intermédio do

Processo, busca-se alcançar a verdade, a qual se reflete no pleno conhecimento dos fatos

realmente ocorridos e que dão ensejo à situação controvertida, objeto de discussão. A

consideração do mito da verdade processual é de fundamental importância para a valorização

da atividade cognitiva desenvolvida no Processo, sendo a perseguição das certezas, para

muitos, a sua principal razão de existir. Por tal motivo associa-se a segurança à lentidão e à

multiplicação dos atos processuais.

Em certas situações, porém, a celeridade se faz imperativa, sob pena de

qualquer provimento jurisdicional restar inócuo ante a sua incapacidade de tutelar os direitos

subjetivos, em vista da pena imposta pelo tempo. São hipóteses em que se torna imperioso

abrir mão da segurança oferecida pela ampla cognição em prol de uma proteção imediata

concedida ao jurisdicionado.

Esta valorização da celeridade não se pode dar, outrossim, em exacerbado

desfavor da segurança, devendo-se ter em vista, sempre, o equilíbrio entre estes dois fatores

tão caros ao Processo.

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A conceituação da cognição sumária, tal qual elaborada por Marinoni e Kazuo

Watanabe, por exemplo, permite que se alcance este objetivo, admitindo que, em um primeiro

momento, o julgador realize uma atividade cognitiva superficial de forma a viabilizar a

concessão de uma proteção célere e, em um segundo momento, dando prosseguimento à

instrução processual, aprofunde-se na colheita e apreciação das provas até encontrar a

verdade, realizando cognição exauriente. O conceito de cognição sumária, porém, não é

unívoco, dividindo-se em duas vertentes: uma que entende dever esta se dar de maneira

horizontal, abrangendo todos os elementos inseridos na relação litigiosa, e outra que defende

sua realização de forma vertical, restringindo-se os elementos a serem apreciados. Chiovenda,

em seu estudo sobre ações sumárias, fazia tal distinção, identificando estas possibilidades

como, respectivamente, forma de cognição incompleta porque superficial e forma de cognição

incompleta porque parcial28.

Adentrando em sua análise, verifica-se que a sumarização vertical da cognição

impõe ao juiz a vedação de apreciar algumas das questões litigiosas, as quais são excluídas

em função de comando normativo. Exemplifica-o a impossibilidade do julgador apreciar

qualquer questão suscitada em procedimento de Mandado de Segurança que dependa de prova

diversa da documental para ser demonstrada29.

Na sumarização vertical, depreende-se que as controvérsias restantes são objeto

de cognição exauriente. Desta forma, pode-se eficazmente pôr em prática a idéia da

aceleração processual, afastando-se a realização de atos desnecessários ao desvendamento da

verdade. Porém, em muitos casos, isto não será o suficiente para assegurar a preservação do

direito do jurisdicionado.

Diversamente dispõe o conceito de sumarização horizontal, por meio do qual

advoga-se não uma limitação quanto às matérias objeto de apreciação, mas quanto à

profundidade da atividade cognitiva. Desta forma, busca o julgador obter os elementos

mínimos necessários para justificar sua atuação imediata, fornecendo ao jurisdicionado uma

proteção célere.

Realiza-se, assim, um juízo de verossimilhança por meio do qual se busca a

máxima possibilidade com um mínimo grau de certeza acerca da veracidade dos fatos

alegados, justificadores da atuação jurisdicional. Esta apreciação sumária dos argumentos

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levados a juízo pelo titular do direito lesado, ou ameaçado, não afasta a necessidade de

profunda análise posterior de todas as questões já conhecidas superficialmente pelo julgador.

Como afirma Ovídio Baptista, "(...) a cognição sumária (...) nada mais significa do que a

legitimação de um juízo sumário, à espera de confirmação, no curso da ação, cuja cognição

final que a completará (...) haverá de ser necessariamente exauriente (...)".30

Com a realização da cognição sumária horizontal, após a apreciação superficial

de todos os elementos carreados ao Processo, pode o julgador decidir pela concessão de uma

tutela imediata ao jurisdicionado, satisfazendo, provisoriamente, sua pretensão, após o que

dará seguimento à instrução processual até alcançar a necessária certeza, tão cara à segurança

jurídica. Tratando do tema, diz Marinoni:

A tutela antecipada, ao viabilizar a tutela do direito no curso do processo de

conhecimento, resolve de forma adequada o grave problema de necessidade de distribuição

isonômica do tempo do processo e, mais do que isso, destrói o mito de que o juiz somente

pode julgar após ter encontrado a 'certeza jurídica'.31

A concessão de uma tutela após sumária cognição permite quebrar a barreira

que o tempo freqüentemente impõe à efetiva realização da jurisdição, viabilizando a

materialização da proteção que ao Estado incumbe conceder aos jurisdicionados de forma útil

e efetiva.

A este tipo de tutela, prestada com base em juízo de verossimilhança após

cognição horizontalmente sumária, denomina-se tutela de urgência, a qual possuirá natureza

semelhante à do provimento final pretendido, qual seja, ressarcitória ou inibitória.

3.2. Tutela de urgência - conceito e natureza

Tutela de urgência, como visto, caracteriza-se como a atuação célere do

Estado, conferindo ao jurisdicionado uma proteção imediata ao seu direito, de forma a

impedir que este se perca ou não possa ser futuramente exercitado de modo eficaz.

Tem por objetivo, conforme salienta o jurista italiano Andrea Proto Pisani, (...)

assegurar a efetividade da tutela jurisdicional nas situações de vantagem, que, tendo conteúdo

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e/ou função (exclusiva ou prevalentemente) não-patrimonial, sofreriam dano irreparável

decorrente do longo tempo necessário para o desfecho da demanda plenária: esta compreende

a tutela sumária antecipatória cautelar e não-cautelar determinada por razões de urgência;32

É realizada após cognição superficial dos elementos que compõem e

fundamentam a demanda formulada, no que se denomina cognição sumária horizontal. Dada a

tibieza desta cognição, a tutela de urgência não se funda em um juízo de certeza, mas de

plausibilidade, daí porque ser necessariamente provisória, podendo, ou não, ser confirmada

após a continuação da instrução processual, quando se desenvolverá plenamente a atividade

cognitiva de forma exauriente.

Além destas conclusões, elaboradas a partir dos conceitos firmados nos tópicos

precedentes, entende-se cabível afirmar a identidade entre a natureza que reveste a tutela final

pretendida e a tutela de urgência, mera antecipação daquela. Sendo assim, se a pretensão do

titular do direito subjetivo versar sobre a obtenção de provimento inibitório (tendente,

portanto, a impedir a violação da norma sobre a qual se funda seu direito), de natureza

inibitória será eventual tutela de urgência que lhe seja concedida. Assim é que, por exemplo,

pessoa que pretenda impedir construção de prédio cujas fundações poderiam abalar seu

imóvel, busca atuação inibitória da jurisdição. Se o provimento final pretendido, qual seja, a

preservação da integridade do bem, for concedido antecipadamente, tão logo se instaure a

relação processual, caracterizada estará prestação de tutela de urgência, neste caso, revestida

de natureza inibitória.

De outra feita, se o jurisdicionado invoca a atuação do Estado com o fim de

obter o desfazimento de obra em prédio vizinho que culminou com a construção de fossa

sanitária junto ao muro divisório, já existe a violação normativa e já está operando efeitos a

lesão ao direito subjetivo que emana das regras pertinentes ao direito de vizinhança. É caso

claro em que se busca atuação ressarcitória da jurisdição, almejando-se a reparação do dano

sofrido e a restauração da integridade da norma jurídica violada. Fazendo-se necessária a

concessão de uma proteção imediata (cessando o uso da fossa sanitária de forma a impedir

que se torne impossível a reversão da contaminação do solo, por exemplo), esta terá natureza

ressarcitória, tal qual o provimento final esperado.

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Além desta característica, também se pode classificar a atuação jurisdicional

em função da espécie de proteção buscada, se cautelar ou satisfativa. Tanto uma tutela quanto

a outra podem ser concedidas após cognição sumária, em caráter urgente, sendo intuitiva a

constatação de que a necessidade de entrega, ao jurisdicionado, de uma resposta imediata, sob

pena do decurso do tempo tornar inútil qualquer prestação, independe da natureza do

provimento final.

Invocando-se os exemplos trazidos no item 2.3, verifica-se que o arresto pode

ser determinado no início do competente processo cautelar, antecipando-se os efeitos da

decisão final a ser proferida neste procedimento, da mesma forma que a interdição do

estabelecimento comercial, objetivo final da demanda proposta, pode ser imposta

imediatamente, a fim de impedir qualquer mácula ao direito do demandante.

Naturalmente, tal qual os provimentos finais almejados, estas tutelas

provisórias, concedidas em caráter de urgência após cognição sumária, se revestirão das

mesmas naturezas daqueles, ou seja, inibitória e cautelar, no primeiro caso, e inibitória e

satisfativa, no segundo.

Situação semelhante é proposta por Ovídio Baptista, ao ponderar que "(...) uma

liminar de reintegração de posse, na ação de esbulho possessório, é satisfativa, enquanto

realizadora da pretensão do possuidor esbulhado, embora tal satisfação seja provisória"33.

Cabendo sublinhar sua natureza ressarcitória, posto que tendente a sanar lesão já perpetrada

ao direito da pessoa que invoca a atuação jurisdicional.

A atuação urgente da jurisdição encontra respaldo normativo nas regras

inseridas nos artigos 273, 461, § 3º, e 804, do Código de Processo Civil. A primeira se refere

à tutela de urgência satisfativa, consubstanciada na concessão de uma tutela provisória capaz

de permitir a pronta realização do direito objeto de litígio. Foi inserida no ordenamento

processual em 1994, por intermédio da Lei 8.952, de 13 de dezembro, suprindo grave lacuna e

atendendo aos reclamos de toda a sociedade.

A norma do § 3º do artigo 461, CPC, regulamenta especificamente a prestação

de tutela inibitória em caráter urgente, evolução grandemente aplaudida na sistemática

processual civil brasileira34. Defende-se que o provimento inibitório nela embasado possui

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natureza variável, ora cautelar, ora satisfativa, o que se explica ante o fato de não ser possível

perder de vista o objetivo almejado pelo Direito e endossado pela regra processual: impedir,

de maneira eficaz, a ocorrência de lesão à norma jurídica e, por extensão, ao direito subjetivo

que dela emana, sendo, portanto, indiferente a classificação conferida à tutela prestada. A

observação mostra-se pertinente em função da existência de procedimentos próprios e

exclusivos para a formulação de pretensões de natureza cautelar, inseridos no ramo do

Processo de mesmo nome.

Percebe-se ainda que - e assim se faz mais um reparo - em vista da sua

especialidade, esta última regra se sobrepõe à anteriormente analisada, em função de

sistematizar de maneira una a atuação inibitória, servindo, portanto, como fundamento para

sua invocação, pelo que se reserva à extraída do artigo 273 a função de base legal para a

outorga de tutelas de urgência satisfativas e ressarcitórias, excluídas as inibitórias.

Já a regra do artigo 804, presente no atual Código de Processo Civil desde

1973, concede ao julgador a possibilidade de prestar a tutela de urgência no curso dos

procedimentos cautelares, revestindo-se, naturalmente, de natureza acautelatória.

Deixa-se de comentar a discussão concernente à possibilidade de os

procedimentos cautelares servirem à concessão de tutelas satisfativas, mas não se abre mão de

ressaltar que o provimento final pode ser tanto inibitório (como já visto no item

2.3) quanto ressarcitório35.

Certo é, portanto, que as classificações trazidas não se excluem nem se

sobrepõem, mas se complementam, posto que vinculadas unicamente ao tipo de proteção que

aos direitos subjetivos será prestada. Permite-se, então a seguinte sistematização: Tutela

inibitória: atuação da jurisdição que objetiva prevenir violações às normas jurídicas e as

subseqüentes lesões aos direitos delas decorrentes.

Tutela ressarcitória: atuação da jurisdição tendente a reparar os danos

verificados como conseqüência de violações a normas jurídicas.

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Tutela cautelar: atuação da jurisdição que visa a assegurar a efetividade da

proteção concedida ao direito subjetivo.

Tutela satisfativa: atuação da jurisdição com o fim de tutelar o direito do

particular, realizando-o concretamente.

Tutela de urgência: atuação célere da jurisdição, concedendo ao particular uma

proteção imediata e provisória, alicerçada em juízo de verossimilhança, ao qual se chega após

cognição sumária.

Tutela definitiva: atuação da jurisdição, após cognição exauriente, oferecendo

ao jurisdicionado, com base em um juízo de certeza e em caráter definitivo, a proteção

almejada.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento de novas construções teóricas é uma forma eficiente de

aprimoramento do Processo e, por extensão, da prestação jurisdicional. A mudança de

paradigmas, com a desvinculação do formalismo e a consagração da instrumentalidade do

Processo, representa o passo fundamental para a elaboração de conceitos como os estudados,

capazes de conferir a este, que é a principal forma de expressão da jurisdição estatal,

mecanismos aptos a viabilizar a efetiva proteção dos direitos subjetivos.

Para que se assegure a plena manifestação do direito de acesso à justiça, devem

ser oferecidos, incondicionalmente, mecanismos para superação dos entraves inerentes à

jurisdição, tal qual estruturada no correr dos séculos. Dentre as alternativas vislumbradas

pelos pensadores contemporâneos do Processo está a disponibilização de meios hábeis para

que, eficazmente, se manifeste o Estado, através do exercício da jurisdição, fornecendo a

todos a proteção de que necessitam. Neste sentido, o desenvolvimento de conceitos como a

atuação inibitória da jurisdição representam passos enormes no sentido de aprimorar as

formas de prestação de tutela, admitindo-se ao Estado um agir voltado à prevenção das lesões,

o que se coaduna coma crescente consagração de direitos de caráter extra-patrimonial, que se

particularizam por serem de difícil ou impossível restauração, uma vez violados.

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A positivação de novos direitos e a admissão da tutela em caráter preventivo

são evoluções que impulsionam outras, de vez que ajudam a evidenciar novas carências, em

especial a pouca utilidade dos mecanismos tradicionalmente concebidos para amenizar a

rigidez do tempo processual. Como a atuação do Estado somente pode se dar mediante a

observância de procedimentos pré-determinados, sem os quais não se pode garantir que esta

será imparcial e legítima, o tempo se torna um fator concentrador de atenções.

Tendo-se por certo que a tutela jurisdicional somente pode se manifestar por

intermédio do Processo, de grande relevo se torna a sua correta administração. O equilibrado

desenrolar dos atos processuais impede que questões fundamentais sejam negligenciadas,

prejudicando o alcance da razoável certeza que confere segurança às decisões, ou que outras

de menor peso sejam exaltadas a ponto de as formalidades procedimentais alcançarem maior

importância que a proteção dos jurisdicionados. Além da eficiente administração do tempo do

Processo, é preciso oferecer aos jurisdicionados formas de quebrar as barreiras por aquele

impostas e que, não raro, acabam por tornar inútil qualquer tutela prestada.

A consagração da tutela de urgência é uma feliz resposta a este anseio,

materializando uma forma de ótimo equilíbrio entre celeridade e segurança, posto que capaz

de viabilizar a concessão de uma proteção provisória, sem afastar a necessidade da cognição

exauriente das questões suscitadas.

A conceituação apresentada nestas linhas, calcada em teses consagradas por

alguns dos expoentes do pensamento jurídico contemporâneo, procurou demonstrar que a

atuação jurisdicional urgente pode se dar em quaisquer procedimentos, independentemente da

natureza da tutela final pretendida (ressarcitória ou inibitória, cautelar ou satisfativa), não

representando, a sua estruturação teórica, empecilho à plena manifestação de suas

potencialidades.

Desta forma, buscou-se adequadamente equilibrar o objetivo maior almejado

pela sociedade, de solução eficaz e justa dos conflitos, com as formas por meio das quais pode

se manifestar a jurisdição, cumprindo sua função primordial de oferecer a todos efetiva

proteção aos seus direitos.

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BIBLIOGRAFIA

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