Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

15
UMA BREVE HISTÓRIA DO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS 1 Valéria Moura Venturella 2 O ensino de línguas estrangeiras, praticado há séculos em salas de aula do mundo, passou por mudanças bastante profundas ao longo do século XX. Dada a importância que o aprendizado de idiomas assumiu com a internacionalização das relações sociais e econômicas no último século, o estudo da aquisição e do aprendizado de uma segunda língua tomou força e impactou as práticas de ensino, também confrontadas com um elevado nível de exigência em termos de resultados de aprendizagem. Apesar dos intensos esforços de pesquisa dedicados à descoberta de como as pessoas aprendem uma língua estrangeira, ainda não sabemos ao certo como o processo ocorre (HARMER, 1991). Por isso, essa prática de ensino – embora permanentemente submetida a questionamentos e reflexões – está longe de contar com respostas acabadas e com uma metodologia de trabalho que garanta o sucesso dos professores e a satisfação dos estudantes. A pesquisa e a aplicação e a verificação de seus resultados devem continuar a nos oferecer insights sobre a busca constante de um trabalho cada vez mais repleto de significado. Esta parte do trabalho descreve brevemente a história dos métodos e abordagens utilizados no ensino de línguas ao longo dos últimos séculos e indica seu legado para as práticas atuais. A seguir, apresenta a proposta de uma abordagem transdisciplinar para o ensino e o aprendizado de idiomas estrangeiros em sala de aula. O Método Clássico Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, o ensino de línguas estrangeiras no ocidente esteve fortemente associado ao aprendizado das chamadas línguas clássicas, o latim e o grego, devido à sua consolidada reputação em promover a intelectualidade dos estudantes (HOWATT, 2000). No estudo das línguas clássicas, o foco estava não no uso da linguagem como instrumento de comunicação, mas na compreensão das regras gramaticais e da estrutura sintática do idioma. Os trabalhos em sala de aula baseavam-se em memorização repetitiva de vocabulário, na tradução de textos literários e em exercícios escritos, sem que houvesse espaço para a prática oral do material estudado. Nos séculos XVIII e XIX, quando línguas estrangeiras modernas passaram a ser parte do currículo escolar, o método clássico estendeu sua tradição para o ensino do 1 Texto adaptado do referencial teórico da Dissertação de Mestrado Rumo a uma abordagem transdisciplinar para o processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa em sala de aula (VENTURELLA, 2004). 2 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora dos cursos de Pedagogia e Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Uruguaiana.

description

Uma breve recuperação da história dos diferentes métodos de ensino de línguas estrangeiras

Transcript of Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

Page 1: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

UMA BREVE HISTÓRIA DO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS1

Valéria Moura Venturella2

O ensino de línguas estrangeiras, praticado há séculos em salas de aula do mundo,

passou por mudanças bastante profundas ao longo do século XX. Dada a importância que o

aprendizado de idiomas assumiu com a internacionalização das relações sociais e

econômicas no último século, o estudo da aquisição e do aprendizado de uma segunda

língua tomou força e impactou as práticas de ensino, também confrontadas com um elevado

nível de exigência em termos de resultados de aprendizagem.

Apesar dos intensos esforços de pesquisa dedicados à descoberta de como as

pessoas aprendem uma língua estrangeira, ainda não sabemos ao certo como o processo

ocorre (HARMER, 1991). Por isso, essa prática de ensino – embora permanentemente

submetida a questionamentos e reflexões – está longe de contar com respostas acabadas e

com uma metodologia de trabalho que garanta o sucesso dos professores e a satisfação

dos estudantes. A pesquisa e a aplicação e a verificação de seus resultados devem

continuar a nos oferecer insights sobre a busca constante de um trabalho cada vez mais

repleto de significado.

Esta parte do trabalho descreve brevemente a história dos métodos e abordagens

utilizados no ensino de línguas ao longo dos últimos séculos e indica seu legado para as

práticas atuais. A seguir, apresenta a proposta de uma abordagem transdisciplinar para o

ensino e o aprendizado de idiomas estrangeiros em sala de aula.

O Método Clássico

Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, o ensino de línguas estrangeiras no ocidente

esteve fortemente associado ao aprendizado das chamadas línguas clássicas, o latim e o

grego, devido à sua consolidada reputação em promover a intelectualidade dos estudantes

(HOWATT, 2000). No estudo das línguas clássicas, o foco estava não no uso da linguagem

como instrumento de comunicação, mas na compreensão das regras gramaticais e da

estrutura sintática do idioma. Os trabalhos em sala de aula baseavam-se em memorização

repetitiva de vocabulário, na tradução de textos literários e em exercícios escritos, sem que

houvesse espaço para a prática oral do material estudado.

Nos séculos XVIII e XIX, quando línguas estrangeiras modernas passaram a ser

parte do currículo escolar, o método clássico estendeu sua tradição para o ensino do

1 Texto adaptado do referencial teórico da Dissertação de Mestrado Rumo a uma abordagem transdisciplinar para o processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa em sala de aula (VENTURELLA, 2004).2 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; professora dos cursos de Pedagogia e Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Uruguaiana.

Page 2: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

francês, do alemão e do inglês e é ainda – com algumas adaptações – um dos mais

populares modelos de ensino de línguas estrangeiras no mundo (HOWATT, 2000). É

necessário lembrar que nos primórdios do ensino de línguas estrangeiras, o objetivo de se

aprender um outro idioma era o exercício intelectual e, em alguns casos, a aquisição de

competências de leitura. A esses objetivos se deve a falta de preocupação com as

habilidades orais e comunicativas dos estudantes (HOWATT, 2000).

Por se concentrar na estrutura da língua, em vez de em seu uso, a contribuição do

método clássico para a construção de competências comunicativas em uma língua

estrangeira é bastante limitada (HOWATT, 2000). Também é grande a insatisfação de boa

parte dos estudantes com a dinâmica do método, “lembrado com desgosto por milhares de

estudantes, para quem o aprendizado de uma língua estrangeira significava uma

experiência entediante” (RICHARDS, RODGERS3, 1986 citados por BROWN, 2001, p. 17).

Mesmo assim, apesar das mudanças nos objetivos para o aprendizado de outros idiomas, o

método clássico – ou método gramática-tradução, como também é conhecido – tem

resistido às reformas na metodologia de ensino de língua estrangeira, e continua sendo

utilizado pelos professores.

Segundo Brown (2001), a popularidade do método se deve principalmente à

facilidade de sua aplicação. “Ele requer poucas habilidades especializadas por parte dos

professores” (p. 17). O autor se embasa em outros estudos, porém, para argumentar que o

método clássico não tem defensores. “É um método para o qual não há teoria. Não há

literatura que ofereça uma racionalização ou uma justificativa para ele ou que tente

relacioná-lo a temas em lingüística, psicologia ou teoria da educação” (RICHARDS,

RODGERS, 1986, citados por BROWN, 2001, p. 17).

O conhecimento das regras gramaticais e de um vocabulário amplo é muito

importante no aprendizado de uma língua estrangeira. Também é muito proveitosa a

exploração de textos – sejam eles clássicos ou não – no idioma que se está aprendendo,

uma vez que essa prática não só pode auxiliar os estudantes a conhecer melhor a cultura do

povo que fala aquela língua, como também pode estimular a reflexão, o espírito crítico e a

elaboração própria. O problema a respeito do método clássico é que ele se limita a essas

práticas, geralmente conduzidas de forma descontextualizada e desvinculada da expressão

oral. Ele é, assim, insuficiente para conduzir os estudantes a uma utilização competente do

idioma estrangeiro em situações que exijam interação genuína, seja ela oral ou escrita.

O Método DiretoPor volta de 1875, o professor francês de latim François Gouin viajou para

Hamburgo, na Alemanha, para vivenciar a experiência de aprender um idioma estrangeiro

3RICHARDS, Jack C., RODGERS, Theodore S. Approaches and methods in language teaching: a description and analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

Page 3: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

segundo o método que utilizava para ensinar seus estudantes (HOWATT, 2000). Gouin se

empenhou em aprender alemão através do estudo diligente de sua gramática, da tradução e

mesmo da memorização de obras clássicas, apenas para constatar que não conseguia se

comunicar com os estudantes universitários e demais moradores locais. Após um ano de

tentativas frustradas de aprender a nova língua através do método clássico, Gouin voltou

para a França.

Ao retornar, ele se surpreendeu ao observar a facilidade com que seu sobrinho de

três anos havia aprendido a falar naquele intervalo de tempo, o que o fez ponderar que

talvez a chave para o aprendizado bem-sucedido de uma língua estrangeira estivesse no

processo através do qual as crianças aprendem sua própria língua.

Após extensas observações do processo de construção da linguagem de seu

sobrinho, Gouin conclui que o aprendizado de uma língua consiste na transformação de

percepções em concepções, e então no uso da língua para representar essas concepções.

Assim, a língua constitui uma ferramenta de pensamento e de representação do mundo

(BROWN, 2001). A partir dessa premissa, ele publicou em 1880 o manual A arte de

aprender e ensinar línguas (GOUIN4, 1992 citado por HOWATT, 2000), em que elaborou um

método de ensino, que ele denominou o Método Seriado.

O Método Seriado buscava realizar um ensino direto e conceitual da língua

estrangeira, ou seja, sem tradução ou explicitação de regras gramaticais, através de uma

série de frases contextualizadas e conectadas entre si. Esse método encontrou muitas

barreiras entre os professores e estudiosos da época, mas acabou dando origem ao

respeitado Método Direto, idealizado por Charles Berlitz em 1878 (HOWATT, 2000).

O Método Direto partia do princípio de que o aprendizado de uma segunda língua

ocorria de modo similar ao aprendizado da língua materna. Assim, as aulas contavam com

interação oral e uso espontâneo da linguagem. Não havia tradução e pouca ou nenhuma

análise de regras gramaticais ou estruturas sintáticas. De maneira geral, os princípios do

Método direto podem ser resumidos nos seguintes pontos (BROWN, 2001):

• As aulas são curtas e conduzidas na língua estrangeira;

• A abordagem para o ensino de gramática é indutiva5;

• O vocabulário usado e praticado em aula é quotidiano;

• O vocabulário concreto é ensinado através do uso de figuras e objetos, e o

vocabulário abstrato, através de associação de idéias;

4 GOUIN, F. The art of teaching and studying languages. London: George Phillip, 1992. (Originalmente publicado em Paris, 1880).5 A abordagem indutiva se apóia sobre o raciocínio indutivo, que parte de dados particulares (fatos, experiências, enunciados empíricos) e, por meio de uma seqüência de operações cognitivas, chega a leis ou conceitos mais gerais, indo dos efeitos à causa, das conseqüências ao princípio, da experiência à teoria (HOUAISS, 2001). A indução não tem valor demonstrativo. Seu âmbito de validade abrange apenas os casos em que essa validade foi efetivamente constatada. Assim, não se constitui em ciência, uma vez que a ciência é necessariamente demonstrativa (ABBAGNANO, 2000).

Page 4: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

• As habilidades comunicativas são construídas progressivamente, através de um

sistema de perguntas e respostas de níveis cada vez mais elevados de dificuldade;

• As atividades em sala de aula enfatizam as habilidades orais e aurais, e exigem

correção tanto gramatical quanto em termos de pronúncia.

O Método Direto tornou-se popular no final do século XIX e no início do século XX

em escolas privadas de idiomas estrangeiros na Europa. Nas escolas públicas, ele foi

adotado de modo tímido, por ser considerado difícil em sua aplicação prática. As principais

dificuldades mencionadas pelos professores se referiam ao seu alto custo, à dificuldade de

ser utilizado com o elevado número de estudantes nos grupos, ao tempo necessário para o

aprendizado dos estudantes e também às dificuldades de se preparar professores para

trabalhar com o método (HOWATT, 2000). As críticas mais importantes, no entanto, vieram

de estudiosos que consideravam inconsistentes seus fundamentos teóricos (BROWN,

2001). O sucesso de muitas experiências, argumentavam, se devia mais às habilidades

particulares dos professores do que a uma sustentação teórica. Mesmo assim, após um

período de declínio nos anos 30 do século XX, esse modelo acabou inspirando o movimento

que fez emergir o Método Áudio-Visual.

O Método Áudio-Visual

O Método Direto nunca gozou, nos Estados Unidos da América, do mesmo prestígio

que obteve na Europa. Por um lado, era difícil encontrar professores nativos de línguas

européias no país. Por outro lado, dado seu relativo isolamento, havia pouca necessidade,

para os americanos, de aprender a se comunicar em outros idiomas (BROWN, 2001).

A eclosão Segunda Guerra Mundial fez emergir nos Estados Unidos a necessidade

urgente de se tornar proficiente – principalmente nos aspectos orais – nas línguas dos povos

aliados e também dos inimigos (HOWATT, 2000), o que abriu caminho para uma verdadeira

revolução nas metodologias de ensino de idiomas no país. Para esse fim, o Método Direto

foi adaptado para dar origem ao chamado “Método do Exército”, que devido a sua

comprovada eficácia, tornou-se muito popular. A partir dos anos 50 do século XX, com

adaptações realizadas para atender a estudantes em geral, ele passou a ser conhecido

como método áudio-visual.

O método áudio-visual fundamenta suas práticas padronizadas nas concepções

divulgadas por psicólogos comportamentalistas, principalmente Burrhus Frederic Skinner,

para quem a aprendizagem resulta de condicionamento e formação de hábitos. Além disso,

o método se alimenta dos estudos estruturalistas em lingüística.

Os modelos comportamentalistas de aprendizagem seguem uma série de três

estágios: estímulo, resposta e reforço (positivo ou negativo). Em seu livro Verbal Behavior,

de 1957, Skinner transpôs a teoria do condicionamento ao modo como as pessoas adquirem

a língua materna. Segundo o psicólogo, a linguagem é um tipo de hábito formado pelo ciclo

Page 5: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

estímulo-resposta-reforço, e nosso desempenho no aprendizado da língua depende em

grande parte dos reforços positivos ou negativos que recebemos dos adultos enquanto

estamos aprendendo a falar.

Como o estímulo-resposta-reforço formam o núcleo central da metodologia, o

método áudio-visual se apóia em exercícios de memorização e de treinamento seguidos de

reforço positivo ou negativo, com o objetivo de formar nos estudantes o “hábito” de usar a

língua estrangeira de maneira correta. Outras características desse método são: o uso

intensivo de materiais visuais e auditivos, o uso exclusivo da língua estrangeira em sala de

aula e a ausência de explicações gramaticais. Tanto o vocabulário quanto a estrutura da

língua são apresentadas e praticadas passo-a-passo e de modo contextualizado, e o

objetivo dos trabalhos é fazer com que cada estudante se expresse sem erros na língua

estrangeira (HARMER, 1991).

Apesar de ter sido considerado bem-sucedido em muitos contextos, especialmente o

treinamento das forças militares no uso de línguas estrangeiras (HARMER, 1991), a

popularidade do método áudio-visual decresceu em meados dos anos 60 do último século

devido à constatação de seu limitado poder de promover as habilidades comunicativas dos

estudantes. Descobrimos que a linguagem não é construída através de um processo de

formação de hábitos, que os erros não são necessariamente ruins e prejudiciais ao

aprendizado e que a lingüística estruturalista não esgota o conhecimento de que

necessitamos para ensinar e aprender uma língua estrangeira (BROWN, 2001). Além disso,

a rotina estreita e repetitiva dos trabalhos em sala de aula pode tornar o método entediante

após certo tempo.

O método áudio-visual teve o mérito de inaugurar a aplicação de estudos formais em

lingüística e psicologia do desenvolvimento na formulação e no monitoramento das

atividades de professores e estudantes em um curso de língua estrangeira. Também

algumas de suas propostas, como a utilização de recursos alternativos à tradução e a

descoberta indutiva de regras gramaticais, foram grandes contribuições na história do

ensino de idiomas estrangeiros. No entanto, como todo método, o áudio-visual está sujeito a

críticas severas e apresenta limitações que não podem ser ignoradas. Foi o estudo dessas

limitações que abriu caminho para as propostas que se seguiram.

O cognitivismo e os novos métodos

No contexto de ensino e aprendizagem de línguas, o termo cognitivismo, também

chamado mentalismo, se refere ao grupo de teorias psicológicas que foram desenvolvidas a

partir dos trabalhos do lingüista americano Noam Chomsky, cuja teoria se opôs ao

comportamentalismo. Em 1959, Chomsky publicou seu famoso artigo A Review of B. F.

Skinner's Verbal Behavior, em que explicava sua rejeição da visão comportamentalista do

aprendizado de línguas com base em seu modelo de competência e desempenho.

Page 6: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

Chomsky iniciou sua oposição à abordagem comportamentalista fazendo o seguinte

questionamento: se a linguagem é a aquisição de um hábito, então como pode uma criança

dizer coisas que nunca ouviu antes? Para Chomsky (1959), a linguagem é um sistema de

regras, e a aquisição da linguagem consiste, em grande parte, no aprendizado desse

sistema. Sua premissa básica era que, ao aprendermos o finito número de regras existentes

na língua, podemos então produzir um infinito número de frases. Assim, o que uma criança

adquire ao aprender a língua materna não é um hábito, mas competência no manejo das

regras gramaticais, o que lhe permite, inclusive, ser criativa no uso da linguagem, dizendo

coisas que nunca lhe foram ensinadas.

A revolução na lingüística liderada por Chomsky chamou a atenção de lingüistas

aplicados e professores de língua estrangeira para a estrutura profunda da língua, e

coincidiu com os estudos psicológicos sobre a natureza afetiva e interpessoal do processo

de aprendizagem (BROWN, 2001). Embora os estudos de Chomsky não tenham sido

diretamente aplicados na prática de ensino de línguas estrangeiras, sua “gramática

generativa” levou muitos profissionais a pensar modos de levar a concepção cognitiva de

aprendizado da linguagem para os procedimentos de sala de aula. Assim, o cognitivismo

fundamentou o desenvolvimento de métodos de ensino que estimulavam os estudantes a

conhecer a estrutura subjacente à língua para, com base nela, desenvolver a capacidade de

expressar suas idéias.

As abordagens humanísticasUma perspectiva que desde o início dos anos 80 do último século tem atraído muita

atenção na área de ensino de idiomas é a que, além de ensinar a língua, se preocupa em

educar o estudante. As chamadas abordagens humanísticas se interessam pelos

estudantes como seres integrais e se empenham em auxiliá-los a se desenvolver como

pessoas. Essas abordagens têm como objetivo, além do ensino da língua estrangeira, o

desenvolvimento da personalidade, das habilidades e da auto-estima dos estudantes.

Em 1978, Gertrude Moskowitz publicou seu Caring and Sharing in the Foreign

Language Classroom, um livro que, ao propor atividades que estimulam o bem-estar e as

boas memórias dos estudantes enquanto praticam diferentes estruturas lingüísticas,

estabeleceu um marco na abordagem humanística para o ensino e aprendizado de idiomas

estrangeiros.

À medida que a importância de fatores afetivos no processo de ensino e aprendizado

de línguas estrangeiras se tornava reconhecida, as pesquisas sobre sua aplicação em sala

de aula multiplicavam. Muitos métodos humanísticos foram criados e testados, e atraíam

cada vez mais o interesse de professores ávidos por inovações. Embora o tempo tenha

mostrado que nem sempre eles cumpriam a promessa de levar os estudantes ao auge de

suas potencialidades (BROWN, 2001), esses métodos representam uma etapa importante

Page 7: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

na história do ensino de idiomas estrangeiros, por terem introduzido idéias sobre a

importância dos aspectos interacionais e afetivos no processo de ensino e aprendizagem

que contribuíram para o desenvolvimento da abordagem comunicativa. Abaixo, estão

brevemente descritos alguns dos mais conhecidos métodos que focaram seus trabalhos em

atividades centradas nos estudantes, em suas vidas e seus relacionamentos.

• Community Language Learning (CLL): Esse método se fundamenta na Counseling

Learning Approach elaborada por Charles Curran6, que por sua vez se inspirou na

visão rogeriana de educação7, e foi projetado especialmente para estudantes

adultos, que decidem o que querem aprender. Os conteúdos são selecionados pelos

estudantes a cada aula de acordo com seus interesses e necessidades, e a

atribuição do professor no CLL é a de facilitador da aprendizagem. Descrito de modo

simplificado, o trabalho consiste em os estudantes perguntarem para o professor

como expressar na língua estrangeira o que gostariam de falar, e usarem essa fala

para estabelecer uma discussão significativa com os colegas e com o professor.

Considerando a dinâmica social estabelecida entre os estudantes como sendo de

importância primordial no processo de aprendizagem, essa visão de ensino

considera que os estudantes constituem uma comunidade. Ao assumir a natureza

essencialmente afetiva do processo de aprendizagem, o modelo sugere que

professor e estudantes interajam de modo a criar na sala de aula uma atmosfera de

apoio e confiança que diminua a ansiedade geralmente associada ao processo de

aprendizagem.

• Suggestopedia: Criado pelo psicólogo e educador búlgaro Georgi Lozanov, esse

sistema de aprendizagem se fundamenta na ativação sistematizada das capacidades

potenciais da mente humana (STEVICK, 1990). Para liberar os estudantes de suas

limitações, técnicas de respiração, ambiente confortável e música suave induzem um

estado relaxado que cria condições para as “experiências” dos estudantes com a

linguagem. Essas experiências consistem em tarefas típicas de um curso de língua

estrangeira, como aprendizado de novo vocabulário, leituras, diálogos, e outras. Sua

contribuição para o estado atual do ensino de idiomas se relaciona com a tomada de

consciência da influência dos aspectos ambientais na aprendizagem. A

6 O sacerdote católico Charles A. Curran, também professor de psicologia clínica da Universidade de Loyola, em Chicago, construiu a counseling learning (aprendizado por aconselhamento) ao longo dos anos 70 do século passado como resultado de seu trabalho como professor e psicólogo. Considerada uma das várias abordagens humanísticas para o aprendizado de línguas e para a educação em geral, sua principal característica é a preocupação com a construção da auto-estima e da autonomia dos estudantes, proporcionada por uma atitude de apoio e aprovação por parte do professor (STEVICK, 1990).7 A palavra “rogeriana” deriva do nome do psicólogo Carl Rogers, que idealizou uma abordagem educacional não-diretiva em que professor e estudantes trabalham cooperativamente para promover o aprendizado em um contexto problematizador porém não ameaçador que privilegia o desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo do grupo (ROGERS, 1990).

Page 8: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

Suggestopedia indicava que um ambiente de aprendizagem tranqüilo e seguro

poderia facilitar o aprendizado da língua estrangeira.

• The Silent Way: Apoiado mais em fundamentos cognitivos que afetivos, esse método

propõe uma aproximação problematizadora para o aprendizado de uma língua

estrangeira. Segundo o Silent Way, o aprendizado e a construção de autonomia são

facilitados pela utilização de objetos concretos como mediadores, pela descoberta,

pela criatividade e pela necessidade de solucionar problemas de modo cooperativo

(STEVICK, 1990). O professor deve falar em aula apenas o essencial, oferecendo

espaço para as manifestações dos estudantes. É possível reconhecer aqui os

primórdios da utilização de “técnicas de descoberta” e de atividades

problematizadoras que são bastante utilizadas na abordagem comunicativa, e

também a preocupação com os limites do TTT, o teacher talking time, ou seja, o

tempo de fala do professor em sala de aula.

• Total Physical Response: O conhecido TPR foi desenvolvido pelo psicólogo

americano James Asher a partir da premissa de que a memória é ativada pela

atividade física, e também a partir de conhecimentos sobre como as crianças

adquirem a linguagem ao ouvir os adultos e responder ao que ouvem com ações

(STEVICK, 1990). Asher acreditava que antes de se iniciar nas habilidades

produtivas da língua – falar e escrever – os estudantes deveriam ter tempo suficiente

para experienciar sua recepção – ouvir e ler – e executar certas ações requisitadas

pelo professor. Em um estágio subseqüente, os estudantes, apropriando-se da fala,

passariam a dar instruções uns aos outros. O método logo demonstrou suas

limitações: a diretividade, que obriga o uso quase exclusivo do modo imperativo, a

dificuldade de ser utilizado com grupos numerosos e em longos períodos de curso,

sua confinação a níveis básicos e, principalmente, a difícil transição do exercício das

habilidades receptivas para as produtivas. Porém, dado seu caráter cinético, as

atividades propostas pelo TPR, integradas em um contexto mais amplo e integrado

de aprendizagem, podem ser motivadoras e significativas, especialmente em níveis

elementares. Além disso, elas incluem no processo de aprendizagem o envolvimento

dos movimentos do corpo, um aspecto geralmente deixado de lado nas salas de

aula.

Aquisição e aprendizagem da linguagem e a Abordagem NaturalNo início dos anos 80 do último século, as pesquisas sobre como as pessoas usam a

linguagem se concentraram na diferença entre aquisição e aprendizado de uma língua.

Stephen D. Krashen, lingüista da Universidade da Califórnia, Los Angeles, caracterizou

aquisição como um processo subconsciente que resulta na construção de competências

para o uso de uma língua, enquanto que o aprendizado consistiria na construção do

Page 9: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

conhecimento sobre a língua. Nessa perspectiva, a aquisição da linguagem seria mais bem

sucedida e duradoura do que seu aprendizado (HARMER, 1991).

Krashen sugeriu que o aprendizado de uma segunda língua ou de uma língua

estrangeira deveria ocorrer do modo mais semelhante possível à maneira como uma criança

adquire sua língua materna. Segundo o autor, não se ensina a língua à criança. O que

ocorre é que ela está exposta ao uso da língua diariamente, por muitas horas, e também

está colocada em situações de comunicação com adultos. Sua construção gradual de

competência no uso da língua depende de uma série de processos subconscientes,

resultados do input8 que recebe do exterior e das experiências que o acompanham.

O conceito de input é chave na proposta de Krashen para ensino de língua

estrangeira. Segundo ele, os estudantes devem estar expostos a um nível lingüístico um

pouco acima do que eles podem produzir mas ainda dentro dos limites de sua

compreensão. Essa é, de acordo com sua visão, a maneira como os pais se comunicam

com seus filhos, tendendo a adequar sua linguagem ao nível de entendimento do bebê, e

tornando-a mais complexa à medida que a criança amadurece. Ao promover esse tipo de

experiência em sala de aula, os professores estariam facilitando o desencadeamento de

processos inconscientes que levariam os estudantes à aquisição da língua estrangeira.

Os trabalhos de Krashen inspiraram sua colega Tracy Terrell na idealização da

Abordagem Natural (BROWN, 2001), que busca, através do estabelecimento de um

ambiente natural de uso da língua estrangeira na sala de aula, a emergência espontânea

nos estudantes do desenvolvimento de habilidades de comunicação quotidiana, como ir às

compras ou estabelecer uma conversa em uma reunião social.

A proposta apresentada pela Abordagem Natural é coerente com o que ocorre

quando estudantes de intercâmbio adquirem a língua estrangeira em sua interação com a

comunidade que fala o idioma. Contudo, o modelo demonstra insuficiências em sua

aplicação em sala de aula. Uma das principais críticas ao modelo se refere à dificuldade

para se determinar o nível de input apropriado a cada grupo de estudantes e o momento

adequado em que os estudantes passam da recepção para a produção de linguagem

(HARMER, 1991). Sua contribuição na evolução das práticas de ensino de línguas

estrangeiras, no entanto, consiste na busca da instauração de uma atmosfera que remeta os

estudantes à genuinidade das situações comunicativas naturais e que estimule seu

aprendizado inconsciente, não como o fundamento principal de seus estudos, mas como

mais uma ferramenta na complexa tarefa que é a promoção do aprendizado de um idioma

estrangeiro.

A abordagem comunicativa

8 Input é um termo usado, neste contexto, para designar a linguagem que os estudantes ouvem ou lêem, em sala de aula ou fora dela, durante seu processo de aprendizagem.

Page 10: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

Podemos afirmar que os fundamentos da abordagem comunicativa começaram a se

construídos com os Currículos Nocionais-Funcionais (CNF). Os currículos baseados em

noções e funções tiveram origem nos trabalhos de Van Ek e Alexander (1975) para o

Conselho da Europa9, que se dedica, desde o final dos anos 50 do século XX, a promover a

popularização do estudo de línguas estrangeiras (TRIM, 2001). Para desenvolver seu

trabalho, os autores partiram dos conceitos de noção e de função. Noções são contextos ou

situações amplos em que usamos a linguagem. Já as funções representam tanto o objetivo

quanto a atividade executada pelas pessoas nos dados contextos. Assim, na noção geral de

identificação pessoal, por exemplo, podemos enquadrar as noções mais específicas de

nome, idade, endereço ou números de telefone. Nessa situação, as funções de perguntar,

responder, identificar, confirmar e corrigir, entre outras, seriam necessárias para a

comunicação (BROWN, 2001).

A característica mais marcante dos CNF é o uso das noções e funções da língua

como critério para a organização de um currículo de estudo. O estabelecimento desse

critério representou uma quebra de paradigma, pois até então cursos e materiais se

organizavam em torno de seqüências de tópicos gramaticais e de grupos léxicos. A

abordagem nocional-funcional, como também é chamada, logo passou a influenciar de

maneira decisiva o planejamento de cursos e a produção de materiais didáticos para o

ensino de línguas estrangeiras no mundo.

É importante ressaltar que os CNF não foram propostos como método de trabalho,

mas sim como um fundamento para a estrutura dos currículos em língua estrangeira. Nos

cursos organizados segundo esse princípio, uma unidade de estudo parte de uma situação

para propor uma combinação bastante variada entre atividades, tais como práticas

controladas de pronúncia e tópicos de gramática, trabalhos interativos em pares ou

pequenos grupos e simulações. Embora não garantissem o desenvolvimento de

competências comunicativas10 (BROWN, 2001), por tenderem a uma prática mecânica de

9 O Conselho da Europa é a organização política mais antiga do continente. Fundado em 1949, o Conselho reúne hoje 46 países europeus, e tem como objetivos defender os direitos humanos, a democracia parlamentar e o governo através de leis; promover acordos para padronizar as práticas sociais e legais dos países-membros; promover a consolidação de uma identidade européia baseada em valores compartilhados através das diferentes culturas (Council of Europe Portal, 2004).10 A competência comunicativa foi definida pela primeira vez pelo antropólogo da Universidade de Indiana Dell Hymes, que se inspirou nos trabalhos de Noam Chomsky para produzir, em 1964, a obra The ethnography of communication. O autor sustenta que, para se comunicar com sucesso, uma pessoa necessita dominar mais do que os aspectos gramaticais da língua. Ela precisa saber como os membros daquela comunidade usam o idioma para atingirem seus objetivos. O conceito de competência comunicativa foi mais tarde discutido e refinado por muitos outros autores, e hoje se diz que são quatro seus principais aspectos: gramatical (formal), sócio-lingüístico (apropriação da fala ao contexto social), discursivo (coerência na fala) e estratégico (compensatório) (SAVIGNON, 1991). Brown (2001) inclui nesse conjunto o elemento funcional, que se refere à habilidade de escolher a função da linguagem adequada ao objetivo e à necessidade que se apresenta. É importante mencionar, como ressaltam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1999), que colocam a competência comunicativa como um objetivo a ser alcançado pelo ensino de idiomas estrangeiros na rede regular de ensino, que esses componentes não podem ser entendidos como independentes, mas como elementos que se inter-relacionam no ato comunicativo.

Page 11: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

certas formulações rígidas, os trabalhos fundamentados nos CNF lançaram as bases sólidas

necessárias para o desenvolvimento da abordagem comunicativa.

Outra pedra fundamental da abordagem comunicativa foi o conjunto de estudos a

respeito dos estilos e das estratégias individuais de aprendizagem desenvolvidos entre o

final dos anos 70 e o início dos 80 do século passado, quando pesquisadores e professores

influenciados pelos estudos cognitivistas começaram a prestar atenção nas diferenças

individuais presentes em suas salas de aula e nos distintos estilos de aprendizagem que

cada estudante apresentava (BROWN, 2001).

Essas observações originaram esforços no sentido de sistematizar meios de auxiliar

os estudantes a desenvolver estratégias que lhes permitissem fazer o melhor uso possível

de seu próprio estilo e, ao mesmo tempo, compensar suas habilidades pouco

desenvolvidas. Os pesquisadores americanos Michael O’Malley e Anna Chamot se

dedicaram a estudar, ao longo dos anos 80 do último século, as estratégias adotadas pelos

estudantes de uma segunda língua, e seu trabalho foi decisivo para esse esforço. Seus

estudos se encontram descritos e ordenados de em seu livro de 1990, Learning Strategies

in Second Language Acquisition.

Estilos de aprendizagem são “traços cognitivos, afetivos e psicológicos que são

indicadores relativamente estáveis de como os indivíduos percebem o ambiente de

aprendizagem, interagem com ele e a ele respondem” (KEEFE11, 1979, citado por BROWN,

2000). Assim, algumas pessoas apreendem e processam novas informações visualmente;

outras necessitam interagir com o conteúdo, e assim por diante. Segundo os estudiosos do

cognitivismo, uma vez que os professores conhecem os estilos de aprendizagem de seus

estudantes, eles têm melhores condições de planejar atividades de modo a auxiliar cada

grupo de estudantes a desenvolver suas potencialidades. Também, se os estudantes tomam

consciência do modo como aprendem, eles podem planejar e desenvolver métodos de

estudo apropriados a seu estilo.

Estratégias são caracterizadas, no contexto de ensino e aprendizado de uma língua

estrangeira, como o uso da língua estrangeira como um instrumento de aprendizagem em si

(CHAMOT, 1987), ou, mais especificamente, “ações, comportamentos, passos ou técnicas

específicas que os estudantes utilizam (geralmente de modo intencional) para aperfeiçoar

seu progresso no desenvolvimento das habilidades na segunda língua” (OXFORD, 1992-

1993, p. 18). Desenvolver e aprender a utilizar estratégias de aprendizado são importantes

ferramentas no desenvolvimento de habilidades comunicativas. O’Malley e Chamot (1990)

categorizam as estratégias em três grupos, que são: as metacognitivas, as cognitivas e as

sócio-afetivas. As estratégias metacognitivas envolvem conscientização, reflexão,

planejamento, avaliação e monitoramento do próprio processo de aprendizagem. As

11KEEFE, J. W. Student learning styles: diagnosing and prescribing programs. Reston: National Association of Secondary School Principals, 1979.

Page 12: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

estratégias cognitivas se direcionam para as tarefas de aprendizado propriamente ditas, tais

como repetição, uso de palavras-chave, contextualização e inferência. Já as estratégias

sócio-afetivas têm a ver com a qualidade da interação com o professor e com os colegas.

As pesquisas sobre estilos e estratégias de aprendizado foram decisivas no processo

de mudança de enfoque no ensino de idiomas iniciado com as abordagens humanísticas.

Na evolução de métodos centrados na figura do professor para abordagens em que os

estudantes se assumem como protagonistas – ou, pelo menos, co-partícipes da ação – o

conhecimento dos estilos e estratégias e de como fazer uso deles permitiu que os

estudantes iniciassem o importante aprendizado sobre como aprender, um dos objetivos da

abordagem comunicativa.

Assim, entre o final dos anos 80 e o início dos 90 do século XX, iniciou-se o rápido

desenvolvimento de abordagens que passaram a privilegiar as propriedades comunicativas

da língua, e os trabalhos em sala de aula passaram a se caracterizar pela busca de

autenticidade e de atividades significativas que preparassem os estudantes para atuar no

mundo real utilizando a língua estrangeira como instrumento. Foi o início da busca do que

ficou conhecida como a abordagem comunicativa.

A abordagem comunicativa, segundo Douglas Brown, “é um conjunto de princípios e

crenças unificado, porém fundamentado em amplas bases teóricas sobre a natureza da

linguagem e de seu ensino e aprendizagem” (BROWN, 2001, p. 43). De difícil definição,

essa abordagem resulta em um amplo conjunto de interpretações e aplicações práticas em

sala de aula. O autor oferece, para fins de clareza, seis características principais do ensino

comunicativo, que são os seguintes:

• A complementaridade entre a busca de correção formal e de fluência;

• A busca da integração dos elementos da competência comunicativa;

• O envolvimento dos estudantes em interações espontâneas e genuínas, ou seja, no

uso pragmático, autêntico, funcional da linguagem com objetivos significativos;

• A preparação dos estudantes para se comunicar na língua estrangeira nas mais

variadas situações fora da sala de aula;

• A compreensão, por parte dos estudantes, de seus estilos de aprendizagem e o

desenvolvimento de estratégias que lhes permitam um aprendizado autônomo;

• O professor colocado como facilitador e condutor dos processos em sala de aula, e

não como o detentor do conhecimento.

Essas práticas e objetivos que caracterizam a abordagem comunicativa são

resultado da sedimentação de experiências prévias com o ensino de idiomas estrangeiros,

ao mesmo tempo em que são avanços significativos em relação a elas. Essa abordagem faz

uso de muitos dos princípios embasadores e procedimentos de sala de aula consolidados

por outros métodos e abordagens, como as técnicas de descoberta para o ensino de

conteúdos estruturais, o trabalho cooperativo em pares ou grupos para prática de novos

Page 13: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

itens de linguagem, e o currículo organizado a partir de contextos e funções. Ao mesmo

tempo, a abordagem comunicativa é equilibrada no sentido de evitar privilegiar qualquer um

dos aspectos da competência comunicativa e também ao dar igual ênfase à correção formal

e à fluência.

Assim, os objetivos dessa abordagem incluem levar os estudantes a se comunicar

competentemente no idioma estrangeiro, além de prepará-los para refletir sobre como

aprendem e como podem fazer melhor uso de seu estilo de aprendizagem. O trabalho com

a abordagem comunicativa é desafiador não só para os estudantes, mas também e

principalmente para os professores. O profissional deve não só ser proficiente no idioma

como também estar teórica e tecnicamente preparado para tomar as decisões inesperadas

que se fazem necessárias em um ambiente pouco controlado como é o do processo

comunicativo de ensino e aprendizagem. Como não há uma lista rígida de procedimentos a

ser seguida, o professor necessita desenvolver um perfil reflexivo e observador para realizar

opções informadas no planejamento dos cursos e em sua atuação em sala de aula.

Outro ponto importante a ser mencionado é a preocupação da abordagem

comunicativa em fazer do estudante, e não do professor, o protagonista do processo. Isso

não quer dizer que o professor tem uma atuação menor em sala de aula, mas sim que sua

ação é de natureza diversa dos ambientes centrados no professor. Nas práticas

comunicativas, o professor disponibiliza aos estudantes as informações necessárias e as

situações apropriadas para uma atuação significativa. Durante os trabalhos, o professor

observa seus estudantes e decide quando e como é necessário intervir. Após, é uma de

suas atribuições fornecer um feedback que possa conscientizar os estudantes sobre suas

potencialidades e insuficiências, para auxiliá-los a continuar se desenvolvendo. A avaliação

dos resultados de aprendizagem dos estudantes também se configura como um desafio,

dada a complexidade dos objetivos da abordagem e também a importância que o feedback

assume na evolução do aprendizado dos estudantes.

Como pudemos observar ao longo dessa breve narrativa, no período de pouco mais

de um século transcorrido entre 1880 e 1990, pesquisadores do processo de ensino e

aprendizagem e professores de línguas estrangeiras se envolveram na busca de um método

ou de uma abordagem que garantisse êxito no processo de aprendizado dos estudantes. Ao

final dos anos 80 do último século, após a explosão de estudos, pesquisas e inovações em

metodologias para o ensino de línguas estrangeiras ocorrido ao longo da década, os

profissionais da área haviam já acumulado um considerável escopo de experiências e

aprendizados sobre teorias da aprendizagem e também sobre o trabalho prático em sala de

aula.

À medida que cada método mostrava suas limitações, o próprio conceito de método

– no sentido de um plano ordenado, sistemático e prescritivo de trabalho a ser posto em

prática em qualquer situação – foi sendo questionado, e a busca por uma metodologia de

Page 14: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

trabalho ideal foi dando lugar à observação de cada grupo de estudantes e a reflexões sobre

a escolha esclarecida de práticas que melhor se adequassem às suas necessidades e aos

seus interesses específicos.

Na última década, os objetivos dos pesquisadores e professores mudaram.

Abandonando a busca de um modelo único, passaram a direcionar seus esforços no sentido

de flexibilizar, adaptar e integrar um conjunto de técnicas e procedimentos que,

fundamentados em teorias válidas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humano,

possam dar conta das especificidades de cada grupo de estudantes e de cada contexto

institucional e social. Nossa profissão atingiu um nível de maturidade que nos permite

reconhecer a complexidade da tarefa de promover o aprendizado de uma língua estrangeira

para estudantes que têm características, estilos de aprendizagens, objetivos e

potencialidades individuais e peculiares.

O que se busca hoje, além de promover o aprendizado da correção formal e de

fluência na língua estrangeira, é auxiliar nossos estudantes a compreender as

características sociais, culturais e pragmáticas da língua que estão estudando (BROWN,

2001). Além disso, estamos preocupados com sua conscientização a respeito de seu estilo

de aprendizagem e com sua construção de autonomia e de estratégias. Buscamos também

envolvê-los em um trabalho cooperativo de compartilhamento de responsabilidades pelo

aprendizado.

Como foi colocado no início, não sabemos ao certo como realizar esse trabalho.

Passamos as últimas décadas construindo, desconstruindo e reconstruindo conceitos,

confrontando teorias com nossas práticas e experiências, e refletindo sobre esse confronto.

Acabamos nos tornando mais flexíveis em nossos procedimentos, e aprendemos a lidar com

as incertezas inerentes à nossa profissão. E, acima de tudo, considerando a não-existência

de respostas acabadas, nos conscientizamos de que nossas reflexões e estudos devem

continuar. Segundo Brown (2001), cada professor de língua estrangeira hoje deve estar

consciente de que cabe a ele desenvolver sua própria abordagem para planejar e promover

seu ensino, e “refletir sobre um número de opções metodológicas possíveis à sua

disposição para planejar as aulas para cada contexto particular” (BROWN, 2001, p. 40).

REFERÊNCIAS:

BROWN, H. D. Principles of language learning and teaching. New York: Longman, 2000.

BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. 2. ed. White Plains: Longman, 2001.

CHOMSKY, Noam. A Review of B. F. Skinner's Verbal Behavior. In: Language n. 35, v. 1, 1959.

Page 15: Uma Breve História do Ensino de Línguas Estrangeiras

Council of Europe Portal. [On line]. Disponível: <http://www.coe.int/T/e/Com/about_coe/> [2004, out.].

HARMER, Jeremy. The practice of English language teaching. London: Longman, 1991.

HOWATT, A. P. R. A history of English language teaching. Oxford: Oxford University Press, 2000.

MOSKOWITZ, Gertrude. Caring and sharing in the foreign language classroom. Boston: Heinle & Heinle, 1978.

SAVIGNON, Sandra. Communicative competence: theory and classroom practice.2. ed. Menlo Park: Addison-Wesley, 1991.

OLIVEIRA, Luiz Eduardo Meneses de. A historiografia brasileira da literatura inglesa: uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951). Campinas, 1999. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária). Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas.

O'MALLEY, Michael, CHAMOT, Anna. Learning strategies in second language acquisition. New York: Cambridge University Press, 1990.

OXFORD, R. (1992) Language learning strategies in a nutshell: update and ESL suggestions. In: TESOL Journal [On line], n. 2, v. 2, p.18-22. Disponível: <iteslj.org/Articles/Lessard-Clouston-Strategy.html> [2004, out.]

ROGERS, Carl. The interpersonal relationship in the facilitation of learning. In: The Carl Rogers Reader, London: Constable, 1990.

SKINNER, B. F. Verbal behavior. New York: Appleton-Century-Crofts, 1957.

STEVICK, Earl W. Humanism in language teaching: a critical perspective. Oxford: Oxford University Press, 1990.

TRIM, John. (2001) The work of the Council of Europe in the field of modern languages, 1957-2001. European Day of Languages [On line]. Disponível: <http://www.ecml.at/efsz/files/Trim.pdf> [2004, out.]

VAN Ek, J. A., ALEXANDER, L..G. Threshold Level English. Oxford: Pergamon Press. 1975.

VENTURELLA, Valéria Moura. Rumo a uma abordagem transdisciplinar para o processo de ensino e aprendizagem de língua inglesa em sala de aula. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.