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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 Umaid Bhawan Palace: a transformação de um Templo-Montanha Palácio em um Hotel- Museu Palácio ESTRELA PORTO, CLÁUDIA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Tecnologia Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Norte-Gleba A, Asa Norte, Caixa Postal 4431, Brasília-DF, 70904-970 ppg-fau@unb. RESUMO Em 1925, quando Umaid Singh, o 37o Marajá da linhagem dos Rathore, contactou o arquiteto e urbanista britânico Henry Vaughan Lanchester para desenhar o Palácio Umaid Bhawan nas montanhas de Chittar, em Jodhpur, Índia, ele estava pensando em como alimentar a economia durante a depressão mundial, e a seca e fome dos anos 1930 com um projeto privado. A magnificência do Palácio Umaid Bhawan em Jodhpur, seus explêndidos quartos, alguns decorados pelo artista polonês Stefan Norblin, seus elaborados jardins, aparentemente infinitos corredores e conforto moderno sem igual, o faziam uma das mais impressionantes residências reais no mundo. Em estilo Art Deco, Umaid Bhawan também seguia as diretrizes formuladas pelos palácios-templos- montanha dos deuses-reis do antigo sudeste asiático, com simbolismo Hindu derivado do templo de Angkor Wat no Cambodja. A familiaridade do arquiteto com o ritual e simbolismo Hindu foi incorporada no projeto. Mas a influência da tradição indiana está presente em sua forma tectônica, na escultura e motivos decorativos, todos escolhidos por Lanchester. O uso de tecnologia de ponta nos anos 1930 permitiu que parte do palácio fosse efetivamente convertida em hotel nos anos 1970 pelo atual Marajá, Gaj Singh, e então novamente pelo Grupo Taj na primeira década do século 21. Este trabalho pretende analisar as novas funções dadas à esta estrutura original e como os últimos desenvolvimentos em eletricidade, preparação de alimentos, comunicação e sistema de ar- condicionado possibilitaram que o mesmo fosse transformado no mais prestigioso hotel da Índia. Sem os benefícios do avanço tecnológico, Umaid Bhawan poderia ter permanecido apenas como mais um monumento gigante, porém uma impressionante rede de cabos, juntamente com um compressor possante de ar-condicionado, asseguram ampla iluminação e conforto. Atualmente, o palácio continua a ser a residência do Marajá Gaj Singh de Jodhpur, um palácio e um centro de entertenimento como palácio-hotel-museu. O layout simétrico do Umaid Bhawan inclui um hall para audiências públicas (agora o museu), e um auditório onde antes era a zanana (área destinada às mulheres). A área da mardana (apartamentos exteriors para convidados e homens) foi agora trasformada no Hotel Taj, e o vasto Rathore Durbar Hall com o Marwar Hall se tornou a área para banquetes. Engenhosamente concebido, importante simbologicamente, avançado tecnologicamente, super bem trabalhado e com decoração do século 20, o templo-montanha-palácio de Umaid Singh inaugurou uma nova era para os Marajás de Marwar a da democracia. Palavras-chave: Umaid Bhawan Palace; Jodhpur; India; Palácio-Hotel-Museu

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Umaid Bhawan Palace: a transformação de um Templo-Montanha Palácio em um Hotel-

Museu Palácio

ESTRELA PORTO, CLÁUDIA

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Tecnologia

Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Norte-Gleba A, Asa Norte, Caixa Postal 4431, Brasília-DF, 70904-970

ppg-fau@unb.

RESUMO Em 1925, quando Umaid Singh, o 37o Marajá da linhagem dos Rathore, contactou o arquiteto e urbanista britânico Henry Vaughan Lanchester para desenhar o Palácio Umaid Bhawan nas montanhas de Chittar, em Jodhpur, Índia, ele estava pensando em como alimentar a economia durante a depressão mundial, e a seca e fome dos anos 1930 com um projeto privado. A magnificência do Palácio Umaid Bhawan em Jodhpur, seus explêndidos quartos, alguns decorados pelo artista polonês Stefan Norblin, seus elaborados jardins, aparentemente infinitos corredores e conforto moderno sem igual, o faziam uma das mais impressionantes residências reais no mundo. Em estilo Art Deco, Umaid Bhawan também seguia as diretrizes formuladas pelos palácios-templos-montanha dos deuses-reis do antigo sudeste asiático, com simbolismo Hindu derivado do templo de Angkor Wat no Cambodja. A familiaridade do arquiteto com o ritual e simbolismo Hindu foi incorporada no projeto. Mas a influência da tradição indiana está presente em sua forma tectônica, na escultura e motivos decorativos, todos escolhidos por Lanchester. O uso de tecnologia de ponta nos anos 1930 permitiu que parte do palácio fosse efetivamente convertida em hotel nos anos 1970 pelo atual Marajá, Gaj Singh, e então novamente pelo Grupo Taj na primeira década do século 21. Este trabalho pretende analisar as novas funções dadas à esta estrutura original e como os últimos desenvolvimentos em eletricidade, preparação de alimentos, comunicação e sistema de ar-condicionado possibilitaram que o mesmo fosse transformado no mais prestigioso hotel da Índia. Sem os benefícios do avanço tecnológico, Umaid Bhawan poderia ter permanecido apenas como mais um monumento gigante, porém uma impressionante rede de cabos, juntamente com um compressor possante de ar-condicionado, asseguram ampla iluminação e conforto. Atualmente, o palácio continua a ser a residência do Marajá Gaj Singh de Jodhpur, um palácio e um centro de entertenimento como palácio-hotel-museu. O layout simétrico do Umaid Bhawan inclui um hall para audiências públicas (agora o museu), e um auditório onde antes era a zanana (área destinada às mulheres). A área da mardana (apartamentos exteriors para convidados e homens) foi agora trasformada no Hotel Taj, e o vasto Rathore Durbar Hall com o Marwar Hall se tornou a área para banquetes. Engenhosamente concebido, importante simbologicamente, avançado tecnologicamente, super bem trabalhado e com decoração do século 20, o templo-montanha-palácio de Umaid Singh inaugurou uma nova era para os Marajás de Marwar – a da democracia. Palavras-chave: Umaid Bhawan Palace; Jodhpur; India; Palácio-Hotel-Museu

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Ser um Marajá1 em Jodhpur nos anos 1920 significava que você era inquestionavelmente

alguém da elite e o responsável pelo bem estar do seu clã, com a certeza que nenhum

poder na terra poderia apagar este status.

Em 1923, Umaid Singh (1903-1947) ganhou o completo poder monárquico e,

aproximadamente dois anos mais tarde, as medidas para por Jodhpur no século 20 foram

colocadas em prática. O projeto que levaria a isto seria um palácio suficiente grande e

imponente para substituir o Forte de Mehrangarh2 como símbolo da nova Jodhpur.

No ano de 1925, quando o 37o Marajá da linhagem dos Rathore escolheu o arquiteto e

urbanista britânico Henry Vaughan Lanchester (daqui para frente sendo mencionado apenas

como HV Lanchester, 1863-1953), da firma Lanchester & Lodge, baseada em Londres, para

desenhar o Palácio Umaid Bhawan no cume da montanha de Chittar em Jodhpur, Índia, ele

era um dos mais ativos arquitetos de sua era, tendo viajado no Sri Lanka e Myanmar e

trabalhado alguns anos na Índia, onde aprendeu sobre as tradições arquitetônicas Hindus.

Talvez o clã Rathore e a cidade de Jodhpur deveriam ser gratos a Edwin Lutyens3, cujo

poder em Londres e Délhi fez com que HV Lanchester fosse afastado do processo de

planificação da prestigiosa Nova Délhi, para o qual ele já tinha elaborado quatro propostas,

sendo uma delas o imponente palácio do Vice-Rei (Viceroy’s House).

HV Lanchester deixou a Índia relutante, mas retornou oito anos depois para outros projetos.

Quando Umaid Singh o contactou em 1925 para o projeto de Jodhpur, ele aceitou de

imediato, desenhando um edifício semelhante à Viceroy’s House em escala e grandeza,

com 347 quartos, superior aos 320 quartos que havia proposto para o palácio do Vice-Rei

em Délhi.

Apesar de muito novo (ainda não tinha completado 24 anos), e com apenas dois anos na

sua posição de Deus-Rei, Umaid Singh conseguiu passar a HV Lanchester a importância

de se criar um palácio à altura dos que foram feitos por outros arquitetos ingleses, como

Samuel Swinton Jacob em Bikaner e Jaipur. Para o Marajá Umaid Singh, Jodhpur ainda não

era tão imponente para marcar o poder temporário dos Rathore e nem possuía

acomodações à altura do Vice-Rei ou da nobreza inglesa. Das conversas iniciais, HV

1 Marajá: historicamente, o governante por divino direito de um reino indiano. Todos estes reinos, com recursos privados e prerrogativas reais, foram oficialmente abolidos pelo parlamento indiano no início dos anos 1970. Entretanto, na maioria dos casos, aos olhos do povo, estes governantes nunca perderão o status que lhes foi outorgado por Deus. 2 Mehrangarh: o forte construído sobre o cume de uma rocha que domina a cidade de Jodhpur, um símbolo do poder dos Rathore desde sua construção em1495 por Rao Jodha. 3 Designada pelo rei George V para substituir a cidade de Calcutá como capital da India Britânica, Nova Délhi foi construída entre 1912 e 1929 pelos arquitetos ingleses Sir Edwin Lutyens e Sir Herbert Baker.

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Lanchester compreendeu que estrutura deveria realizar para responder às questões

socioeconômicas e políticas. A ala do Marajá deveria impressionar e ser confortável, a ala

das mulheres um pouco menos, e a ala do Vice-Rei, larga e talvez mais suntuosa do que

aquela que ele havia proposto para o palácio do Vice-Rei em Délhi, com setores destinados

aos visitantes. Garagens, cozinhas e jardins deveriam também ser proporcionalmente

grandes, e o custo era o que menos deveria preocupar.

Embora separados em idade por quase 40 anos, os dois homens – um idoso, procurando

deixar a sua assinatura arquitetônica na Índia; o outro um jovem monarca competindo com

36 gerações de ancestrais – realizaram que tinham uma visão similar: ambos tinham os

seus pés fincados no tradicionalismo do século 19, mas eram fascinados por tecnologia. O

novo palácio deveria responder a estas duas questões primordiais.

“De Linga Purana 4 nós aprendemos que Vishnu 5 , quando ele voou para a cidade

paradisíaca de Shiva 6 no Monte Kailash 7 , ficou maravilhado com os seus palácios e

mansões”8. Como um Deus – o governante por direito divino, Umaid Bhawan gostaria de um

palácio sagrado, mas também de um projeto que levantasse a economia durante a

depressão mundial e desse emprego para a população de Marwar durante o período da

grande seca e fome. HV Lanchester entendeu que o Leste e o Oeste podem se enriquecer

mutuamente, habilmente combinando estéticas do oriente com o conforto do ocidente.

No estilo Art Deco, o Palácio de Chittar, construído entre 1929 e1943, também segue as

orientações arquitetônicas formuladas pelos templos-montanhas Palácios dos antigos

deuses-reis do sudeste asiático, com o simbolismo Hindu derivado de Angkor Wat, com a

sua massa central de cinco torres simbólicas dos templos Shaivitas9 do Camboja, que

replicam a forma básica indiana usada no templo budista Mahabodhi (260 A.C.) em Bodh

Gaya.

O Palácio de Chittar se espelha em Angkor Wat com sua fachada horizontal de 262

4 Linga Purana: livro sagrado sobre a vida de Shiva e de seu relacionamento com outros Deuses, detalhando os rituais Shaivitas e mantras usados nos sacrifícios e devoções. 5 Vishnu: um dos três maiores deuses Hindus, ao lado de Brahma e Shiva; é considerado como “o preservador” e sempre visto como o mais humanístico e devocional. 6 Shiva: Deus da Trinidade Hindu, “o destruidor” ou “transformador” dos mundos. Parvati é a sua consorte. 7 Kailash: montanha sagrada no Himalaia onde é dito que Shiva mora. É também uma categoria de templo Shaivita. 8 Nath et al., 2008, p. 42.

9 Shaivita: seguidor ou associado a Shiva.

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metros, suas cinco torres, como pelas três arcadas empilhadas uma sobre as outras.

Cosmologicamente falando, também podemos ver nove torres10, se considerarmos uma

sendo o pináculo do domo que alcança 57 metros acima da rotunda central, circundado por

outras oito torres, como ashtadikapalas11 (Fig.1), os oito guardiões das direções do mundo.

Fig.1 A proporção geométrica pode ser vista na fachada frontal, direcionada para o leste, com as oito torres circundando a rotunda.

O simbolismo também está presente na forma final do domo, com três camadas: o primeiro

mundo é protegido por nagas12 estilizadas, também associado a Shiva como o lorde do

submundo; o segundo mundo possui papagaios, a ave sagrada dos Rajputes do clã

Rathore; e o terceiro mundo, simbolizado por uma achatada e segmentada pedra amalaka13,

suporta o papagaio-kalasa14, um lótus e o bindu15, ou ponto onde este mundo se esvanece

em outro.

10 No contexto de Shiva, nove é o mais espiritual dos números; ele conecta o homem ao universo. 11 Ashtadikapalas: os oito guardiões das direções do mundo, sempre representado nas paredes e tetos dos templos Hindus, o pilar do Vaastu Shastra. 12 Nagas: serpente. 13 Amalaka: uma das partes constituintes da Shikara. Sua forma é circular e é simbolicamente colocada no ápice

dos santuários. Shikara é uma palavra sânscrita que significa “pico da montanha”; refere-se à torre que emerge na arquitetura dos templos Hindus do Norte da Índia. As múltiplas camadas são simbólicas das sagradas montanhas sobre as quais estão localizados os palácios dos Deuses. 14 Kalasa: vaso emblemático que finaliza o telhado de um templo. Ele pode conter um tesouro ou, misticamente, os raios do sol, sabedoria ou amrita – a bebida sagrada dos deuses, necessária para a continuidade do poder dos deuses sobre os demônios.

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“Na escultura, nagas sempre aparecem para Shiva e Parvati em seus palácios elevados no

Monte Kailash. Colocando tais motivos no pico do templo-montanha e ao redor do pescoço

do shaft central emergindo do Monte Kailash, HV Lanchester deu imediatamente à massa

central um inequívoco simbolismo Shaivita”16 (Fig. 2).

Fig. 2 A decoração do domo da rotunda está impregnada por um simbolismo Shaivita, o Monte Kailash protegido por estilizados animais Art Deco.

15 Bindu: o mais alto ponto físico de uma torre de um templo Hindu. Como um devoto venera um templo, o bindu é o ponto do qual sua mente escapa deste mundo material para o mundo imaterial de Brahma. 16 Nath et al., Op. Cit, p. 71.

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A familiaridade do arquiteto com o simbolismo e ritual Hindus também foi incorporada na

planta do palácio. HV Lanchester explica:

[…] a tradição pedia que ele fosse alinhado na ponta do compasso, com a entrada principal faceando o leste. Neste lado, entretanto, foram colocados os portões de entrada e os quartos dos guardas, além do qual um caminho circular conduz ao porte-cochère. […] Continuando do oeste [da entrada] passa-se por um hall elíptico que acomoda uma dupla escada que conduz ao andar superior do bloco principal, e daí para um hall central sob o domo. Para o sul desta área, no térreo, ficam os quartos oficiais do Marajá e no andar de cima os seus quartos privativos, que se comunicam com a ala da zanana17. Para o norte, estão os quartos dos convidados de alta importância, e além, na ala norte, suítes para os oficiais, staff e hospedes de menor importância. Abaixo desta ala, um andar inferior acolhe quartos de serviços variados. A zanana foi colocada no final da ala sul do palácio... e seus jardins tiveram de ser separados do jardim principal ornamentado, situado ao norte e oeste do terreno; enormes gramados salpicados de flores e arbustos marcam o eixo central ocidental; ao norte desta área estão as quadras de tênis descobertas e as quadras de squash cobertas, garagens, etc.18

A entrada principal do Palácio de Chittar foi alterada em função do acesso de veículos, com

o acréscimo de um porte-cochère com pilares e um caminho circular. Mas esta entrada do

bloco central do Palácio é impressionante. Três aberturas formais foram desenhadas para a

tradicional elevação oriental do Palácio, com proporções similares à de Angkor Wat (Fig. 1).

Estas aberturas possuem pilares com lintéis decorados como no wat. As varandas com

pilares também evocam Fatehpur Sikri, a cidade Mughal do século 16 de Akbar 19 . O

desenho do edifício foi baseado nas condições climáticas: varandas foram essenciais para

garantir o equilíbrio entre a temperatura interna e externa, e também para mitigar a força dos

raios solares, que são parcialmente filtrados pelos jalis20.

O layout simétrico do Umaid Bhawan com as alas residenciais se afastando simetricamente

da rotunda central, coberta por um imponente domo, inclui um hall para as audiências

públicas (agora o museu) em direção ao sul, e um auditório no norte, onde se podia assistir

a filmes ou onde eram encenadas peças teatrais para o Marajá e seus convidados e família.

A fachada oeste possui um pórtico com colunas de quase dez metros de altura, ligado ao

17 Zanana: harém, a ala destinada às mulheres no interior do Palácio. 18 HV Lanchester & Ta Lodge, 1950, apud Nath et al., Op. Cit, p. 29.

19 Cerca de 1526 d.C começa o império Mughal na Índia. Akbar (1556-1605) foi o terceiro imperador deste periodo. 20 Jalis é um rendilhado em pedra nas paredes, janelas e entradas dos edifícios, através do qual a luz do sol penetra, o ar circula e se pode ver do exterior. Normalmente as placas são perfuradas, formando desenhos geométricos.

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exterior por uma majestosa escada. Basta descer os seus degraus para se chegar ao

elegante jardim trabalhado, moldando a paisagem (Fig. 3).

Fig. 3 Através da colunata do pórtico da fachada oeste se tem acesso direto ao jardim pontuado de buganvílias.

O Palácio foi inteiramente construído com arenito rosa dourado, usando a técnica

construtiva de viga e pilar. Esta pedra veio das pedreiras situadas em Sursagar e Fidusar,

vinte quilômetros ao norte, através de uma estreita estrada de ferro. Ao chegar no sítio de

construção, os maçons a transformavam em placas lisas que iriam servir de lajes ou compor

os blocos de pilares e vigas. Nesta região, porém, as tempestades de areia são fortes.

Quando o vento se intensifica, partículas de areia deslizam em direção ao solo pelas

encostas das construções e penetram nas ranhuras. Os grandes blocos de arenito rosa

foram, portanto, intertravados sem o uso de argamassa. Estas complicadas juntas

implicavam o deslizamento de monólitos em blocos de gelo. Assim que o gelo derretia, as

peças se encaixavam. Foram usados toneladas de gelo para este propósito. A pedra natural

devia ser dura e resistente, mas não tão quebradiça que não pudesse ser retirada e

esculpida externamente pelos maçons; devia também ser granulada e macia para se poder

moldar e trabalhar os motivos esculpidos internamente.

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A técnica de viga e pilar nos faz pensar na arquitetura dos primeiros templos Hindus e o uso

do mármore makrana nos remete ao Taj Mahal de Agra, construído pelo quinto imperador

Mughal Xá Jahan (1627-58) com pedra similar, que, coincidentemente, nasceu de uma

princesa de Jodhpur. Além disso, os pisos do Palácio expõem um extravagante uso de

terrazzo pastel, azul e rosa, que são dispostos como o mármore em padrões geométricos,

muito em voga nos anos 1930 (Fig.5).

As tradições indianas também estão presentes na sua forma tectônica, escultura e motivos

decorativos, todos escolhidos por HV Lanchester e pelo seu supervisor, George Goldstraw,

que se tornou depois o arquiteto do Estado de Jodhpur. HV Lanchester empregou símbolos

tradicionais no interior e no exterior do edifício, criando suportes orientais Art Deco para os

beirais externos, sombreando a fachada do Palácio. E nos halls exteriores e nos capitéis das

colunas podemos ver principalmente esculpidos animais e plantas selvagens. Ele também

brincou com a luz e a sombra, colocando pedras entre os pilares exteriores da loggia para

criar chhaya21 (Fig. 4).

Fig. 4 Inspirado pelas todas22 do Rajastão, HV LANCHESTER criou suportes Art Deco para os beirais sombreados pelas chhayas, mantendo o sol abrasador de Jodhpur na periferia do telhado.

21 Chhaya: beiral profundo usado para sombrear na arquitetura religiosa Hindu e na construção dos palácios. 22 Toda: cachorro, suporte.

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A decoração interna e externa foi unificada pelo estilo Art Deco, sistema de desenho que

tende a enfatizar planos em formas geométricas. Artistas indianos foram treinados para

desenhar motivos antigos Hindus no estilo Art Deco, e depois estes desenhos eram

repassados aos escultores indianos para que eles pudessem recriar os mesmos em pedra.

Na mitologia Hindu as aves e os animais possuem significado particular, e cada um, por sua

vez, era importante para os Marwares e para a instituição do Marajá. Papagaios e pavões

são vistos há séculos como símbolos de realeza. O papagaio simbolicamente é a metáfora

dos Rajputes, combinando sabedoria, velocidade, espírito de luta e domínio sobre as outras

aves. E o guincho do pavão, o animal mais esculpido no exterior, age como aviso prévio

assim como as aves que salvaguardam os templos das demoníacas asuras23 na mitologia

dos templos Puranas.

Fig. 5 O piso trabalhado do Palm Court, o lobby oval interno, emprega mármore de várias cores e se direciona aos dezesseis pilares ricamente trabalhados em arenito.

23 Asuras: ante-deuses na mitologia Hindu. Estes personagens são os antagonistas dos suras ou devas ou deidades. Inicialmente, eram considerados poderosos seres regentes dos princípios morais. Mais tarde, a tradição Hindu os considera demônios, possivelmente pelos períodos de seca que assolaram a região.

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Uma série de animais, compreendendo leões, cavalos, javali, touro, elefante, pavão e

papagaio, pode ser vista esculpida nos frisos, arquitraves, capitéis e batentes de porta. Além

disso, a presença deles serve para quebrar a monotonia das largas bandas de pedra e

acrescentam elementos visualmente interessantes aos batentes de portas.

Os animais esculpidos no Palácio de Chittar também podem ser vistos como integrados às

formas dos templos de Shiva. Dezesseis duplas colunas suportam a rotunda do palácio. Os

seus capitéis incarnam leões Art Deco, criando o mais apropriado templo para o monarca

(Fig. 5). O princípio ativo ou criativo, visto como energia, é manifestado como natureza.

Então o leão é a perfeita metáfora para o conceito de Marajá. Além disso, esculturas no

interior e no exterior do palácio possuem motivos vegetais e de fitas, assim como um certo

número de frisos geométricos que podem ser encontrados em templos do século 10 ou

mesmo anterior, localizados a um dia de viagem de Chittar.

O tema dos aviões também é visto casualmente, mas o lótus, com quatro ou oito pétalas,

um motivo constante na arquitetura Hindu, ocorre em abundância no interior do palácio.

A mobília também seria no estilo Art Deco, a pedido do Marajá Umaid Singh, familiarizado

com o estilo desde dos anos 1920, uma vez que mobília Art Deco da firma Maples de

Londres era popular entre os Britânicos e a alta realeza indiana. A impressionante

estilização Art Deco dos motivos Hindus que o renomado artista J Roslyn, já havia feito

certamente inspirou Umaid Singh. HV Lanchester também apreciava o trabalho de J Roslyn

e lhe deu o controle total da decoração do palácio. Desta forma a firma Maples de Londres

foi a escolhida por J Roslyn para criar a mobília Art Deco para o Palácio de Chittar. Em

Londres, Maples preparava as aquarelas coloridas para todos os quartos da ala do Marajá e

do Vice-Rei e as enviada ao Marajá Umaid Singh para aprovação. Aprovados, os móveis, as

luminárias e os tapetes foram confeccionados e despachados por navio. Infelizmente, a

mobília Art Deco para os aposentos reais e do vice-rei, despachada por Maples de Londres

em 1942, no meio da Segunda Guerra Mundial, foi torpedeada na costa da África. Então

outra, similar, foi feita na Índia.

Os interiores pródigos, com mobília dourada trabalhada elegantemente, seguem o estilo Art

Deco, complementados pelos murais exóticos do artista polonês Julius Stefan Norblin (1892-

1952). Seus desenhos, de um purismo Art Deco maior que os de Maples, foram usados

quase que exclusivamente para a decoração final dos quartos da família do monarca,

enquanto que os esboços de Maples foram utilizados para dar um frescor Art Deco às outras

suítes.

Após 15 anos de construção, o projeto foi finalmente completado em 1943, mas

formalmente inaugurado em 24 de dezembro de 1942 pelo Marajá Umaid Singh. Desde

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então, ele tem servido como a principal residência da família real de Jodhpur. O uso de

tecnologia de ponta nos anos 1930 permitiu que parte do palácio fosse efetivamente

convertida em hotel nos anos 1970 pelo atual Marajá, Gag Singh, e depois novamente pelo

grupo Taj na primeira década do século 21.

Desenvolvimento de ponta em eletrificação e condutos de água, preparação de alimentos,

comunicações e sistema de ar condicionado o habilitou a se tornar um dos mais prestigiosos

hotéis na Índia. Sem os benefícios do avanço tecnológico, Umaid Bhawan poderia ter

permanecido apenas como qualquer outro monumento gigante, mas um sistema elétrico

fantástico associado a um compressor de ar condicionado possante garantem ampla

luminosidade e conforto.

Fig. 6 O duplo lance de escadas do hall elíptico conduz aos apartamentos privados do segundo andar.

Chega-se à rotunda, o ponto central para onde tudo converge, após atravessar o hall elíptico

com dupla escada que levam aos apartamentos privados superiores (Fig. 6). Na base da

balaustrada das escadas há papagaios esculpidos, e de cada lado do hall de entrada do

Palácio, há mais duas alas, o que outrora foram as salas de dança e de banquete: os

abobadados Rathore Durbar Hall e o adjacente Marwar Hall. A habilidade dos engenheiros,

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projetando a estrutura da cobertura destes dois halls em aço canelado, permitiu que os

artistas, ao fecharem as abóbadas com um rendilhado de pedra, criassem pura arte. A

escala vastíssima dos halls quase apaga os seus magníficos candelabros de cristal. Ao

pensar o Marwar Durbar Hall, HV Lanchester projetou os balcões do primeiro andar com

cortinas em lâminas de bambu, o que permitia às mulheres confinadas na zanana assistirem

sem serem observadas o que se passava na corte dos homens. Atualmente, ambos,

Rathore Durbar Hall e o Marwar Hall, se transformam numa área de banquete para 600

convidados. Entre os dois halls, há uma área destinada a apoio.

Fig. 7 No meio de um lindo gramado, o pavilhão brando baradari24.

A ala da rotunda possui passagens distintas para os residentes e para os empregados, que

caminham por detrás dos pilares. Da rotunda, uma discreta escada leva à piscina

subterrânea, com acesso privativo para as damas da corte que vinham da zanana. As

paredes estão adornadas com motivos aquáticos em tons azuis pintados por Norblin e o

piso decorado com mosaicos feitos com os temas do zodíaco.

24 Baradari: é um edifício ou pavilhão com 12 portas desenhado para permitir o livre fluxo do ar. A estrutura possui 3 portas de cada lado do pavilhão quadrado. Devido à excelente acústica produzida, estes edifícios são particularmente adequados para performances (danças) realizadas pelas cortesãs da corte indiana ou por outros artistas.

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A área de lazer, compreendendo bar, restaurante, salas de bilhar e de fumar, está situada

ao norte, e além dela, onde antes era a área da mardana 25, agora acomoda os 64 quartos e

suítes do Hotel Taj.

O colossal Umaid Bhawan, nomeado após o falecimento de seu patrocinador, Marajá Umaid

Singh, o avô do atual Marajá, Gaj Singh, ao sul de Jodhpur, é o último dos grandes palácios

da Índia e uma das maiores residências privadas no mundo – situado numa área de 10,5

hectares de jardins exuberantes (Fig. 7). Na época de sua inauguração, o serviço era feito

por nada mais que por 300 empregados, e hoje, se combinarmos o staff do Marajá e do

hotel, a equipe chega a número similar.

Em 1971, Indira Gandhi aboliu os privilégios dos Marajás, retirando os seus ganhos

privados. Em resposta, Gaj Singh tornou Umaid Bhawan autossuficiente. Embora a metade

do palácio seja agora um hotel de luxo, ele continua também sendo um museu e a principal

residência da família real de Jodhpur.

Concebido de forma engenhosa, simbolicamente importante, avançado tecnologicamente,

extremamente bem trabalhado e com decoração do século 20, o Templo-Montanha Palácio

de Umaid Singh representa a nova era para os Marajás de Marwar – a era da democracia.

Referências

DAVIES, Philip. The Penguin guide to the MONUMENTS of INDIA. London: Pinguin Groupp,1989, Volume II: Islamic, Rajput, European, 606 p.

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PORTO, Cláudia. Índia e Butão, os caminhos que percorri. Brasília: ARP, 2010, 370 p.

SORREL, Annie. Rajasthan, Des Citadelles du Désert à la Douceur du Mewar. Genève: Editions Olizane, 1998, 471 p.

TADGELL,Christopher. The History of Architecture in India. London: Phaidon,1990, 336 p.

25 Mardana: área destinada aos homens, apartamento para os homens e convidados.