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Universidade Cândido Mendes A PROPRIEDADE E AS QUESTÕES HABITACIONAIS NO CONTEXTO SOCIAL DO ESTADO. Por: Júlia Ribeiro Vellozo Orientador: Fernando Alves

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Universidade Cândido Mendes

A PROPRIEDADE E AS QUESTÕES HABITACIONAIS NO CONTEXTO SOCIAL DO ESTADO.

Por: Júlia Ribeiro Vellozo

Orientador: Fernando Alves

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2010 Universidade Cândido Mendes

A PROPRIEDADE E AS QUESTÕES HABITACIONAIS NO CONTEXTO SOCIAL DO ESTADO.

Objetivo: Promover um debate acerca da propriedade e da habitação, no que cerne a responsabilidade do Estado face a estes dois institutos.

Instituto A Vez do Mestre

Júlia Ribeiro Vellozo

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Agradecimentos:

À Deus que sempre sussurra em meus ouvidos: vá em frente, estou ao seu lado!

A compreensão dos meus amados pais, Ubirahy e Leni, que entendem e

respeitam minhas horas solitárias de estudos, somente compartilhada com

meus livros e computadores.

Ao meu irmão e amigo, Jorge Luiz, que será em breve um grande advogado a

fazer uma bela trajetória na profissão que hoje me completa, me orgulha e me

honra.

Ao Grande Mestre, Luiz Carlos da Silva Bistene, que sempre me apoiou nas

grandes dificuldades e sempre festejou minhas pequenas conquistas.

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Dedicatória:

”Tá vendo aquele edifício moço?

Ajudei a levantar

Foi um tempo de aflição

Eram quatro condução

Duas pra ir, duas pra voltar

Hoje depois dele pronto

Olho pra cima e fico tonto

Mas me chega um cidadão

E me diz desconfiado, tu tá aí admirado

Ou tá querendo roubar?

Meu domingo tá perdido

Vou pra casa entristecido

Dá vontade de beber

E pra aumentar o meu tédio

Eu nem posso olhar pro prédio

Que eu ajudei a fazer”

Trecho da música CIDADÃO, de Lucio Barbosa.

Dedico este trabalho a todos os brasileiros profissionais de base

da construção civil, que são os pedreiros, mestres de obras, ladrilheiros,

encanadores, que constroem casas e edifícios para a classe média alta deste

país e que moram em condições desumanas nos subúrbios de meu Deus...

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Resumo

Desde que o homem passou de nômade para sedentário, a terra e sua

utilização ganharam um status diferenciado na história da evolução humana. O Estado

passa a tutelar o direito a propriedade como um dos direitos fundamentais do homem.

No avançar do desenvolvimento da sociedade o direito tem primado por assegurar e

garantir o direito não só a propriedade, mas a habitação exercida com dignidade. Na

Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, está garantido o direito a propriedade, no

entanto este está facultado a exigência constitucional que é a de atender a função social.

Tais determinações legais encontram-se alencados nos incisos XXII e XXIII do artigo

supracitado. A função social atende não só as propriedades urbanas, expressas no Plano

Diretor e no Estatuto da Cidade, como também as propriedades rurais. Entretanto, as

leis estabelecidas através de seus governantes é apenas uma das medidas públicas a ser

adotada por algum ente federativo. Na história recente do nosso país observa-se que

movimentos populacionais geraram desigualdade urbana na ordem habitacional do

Estado, acarretando o uso descontrolado e irresponsável na ocupação do solo nas

grandes cidades. Necessário se faz a implementação de políticas públicas que não só

garanta o direito a propriedade, mas possibilite aos proprietário, dentre outras, a

dignidade e infra-estrutura de moradia e de uso responsável do solo.

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METODOLOGIA

O método que me levarão a conclusão de minha pesquisa

monográfica são as bibliografias pesquisadas, artigos localizados na internet

sobre o tema abordado, entrevistas feitas com funcionários públicos que

trabalham com relocalização de pessoas dentro do Município de Duque de

Caxias, matérias jornalísticas tratando sobre as questões referentes a

habitação, dentre outras fontes.

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SUMÁRIO

1. Introdução......................................................................................................................8

2. Desenvolvimento...........................................................................................................9

2.1. Evolução e conceito de propriedade ........................................................................9

2.2. Desapropriação: conceito, modalidades e formas....................................................10

2.3. A intervenção do Estado na propriedade..................................................................14

2.4. Desapropriação Administrativa como instrumento intervencionista positiva

aplicado pelo ente federativo...........................................................................................15

3. Casos concretos .........................................................................................................20

4. A história da desigualdade urbana brasileira...............................................................22

5. A desigualdade urbana na atualidade – segregação sócio-espacial.............................25

6. Instrumentos urbanísticos - Constituição de 1988, o Estatuto da Cidade e o Plano

Diretor..............................................................................................................................27

6.1. A responsabilidade social do Estado .......................................................................30

7. Entrevistas e Matérias Jornalísticas.............................................................................33

8. Conclusão...............................................................................................................39

9. Referências..................................................................................................................40

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1. INTRODUÇÃO

A idéia de propriedade é presente entre os indivíduos desde os primórdios.

Reportando-nos a épocas não tão remotas verifica-se que a propriedade surgiu

primeiramente como um instituto que tinha na sua origem a posse. Este era requisito

suficiente para se determinar que um indivíduo detinha uma determinada área e

conseqüentemente, era proprietário da mesma.

Em decorrência da evolução natural da sociedade e do surgimento do Estado como

ente centralizador do desenvolvimento social e norteador do comportamento humano

alterou-se o conceito de proprietário surgindo em conseqüência desapropriação como

forma de perda da propriedade frente ao poder público.

O desenvolvimento da sociedade trouxe a baila outro ponto que exige tomada de

soluções de curto a médio prazo por parte do Estado, que é o sistema habitacional. O

papel de Estado e pontuações de possíveis soluções e o objetivo deste trabalho.

A referida pesquisa do tipo bibliográfica, de caráter exploratório baseia-se no

referencial teórico dos doutrinadores José Cretella Júnior, Diogo de Figueiredo Moreira

Neto, José dos Santos Carvalho Filho, dentre outros, além de jurisprudências e artigos

que tratam do tema tratado neste artigo.

Por fim, este trabalho apresentará casos concretos decorrentes de desapropriação

administrativas ocorridas no Município de Duque de Caxias, fruto de Convênio entre

esta e a Petrobras e, que tem como objetivo principal desapropriar moradores

acompanhando o morador jurídica e socialmente na aquisição de nova moradia. Fará

parte também deste trabalho entrevistas de profissionais ligados diretamente ao tema

abordado e matérias jornalísticas que darão embasamento as questões até então

abordadas.

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1 A evolução e a conceituação primária de propriedade

O homem, no desenvolvimento da história social humana, era nômade.

Locomovia-se o tempo todo sem fixar-se em nenhum local específico. Posteriormente, o

homem passou a ser sedentário, passando a residir em moradia em área fixa, onde

também passou a arar a terra, criar animais e construir sua própria moradia. Surge então,

de forma primitiva, a propriedade.

Originalmente a propriedade não necessitava de nenhuma formalidade para se

perfazer. Bastava a posse de uma área para que o indivíduo fosse considerado

proprietário do bem. Foi no Império Romano, com o advento da cidadania e a função

reguladora do Estado, que a propriedade passa a adquirir expressão econômica. Mais

adiante, na Idade Contemporânea, os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade

implantaram no conceito de propriedade um caráter egoísta, com fim em si mesmo.

A propriedade, na teoria liberal, passa a ser definida como um bem em si mesmo

que se usa, se goza e se dispõe, uma vez que se tem a mesma como resultado de

produção. Atualmente esta conceituação se mantém, porém na legislação brasileira,

entende-se que a propriedade é objeto de tutela jurídica.

Modernamente se tem assegurado a existência da propriedade como instituto

político, mas o conteúdo de direito de propriedade sofre inúmeras limitações no direito

positivo, tudo para permitir que o interesse privado não se sobreponha aos interesses

maiores da coletividade1.

Hoje em razão da função social atribuída a propriedade, pode um proprietário

perder o direito a sua propriedade para o poder público, se alguns requisitos

constitucionais forem desrespeitados, desobedecidos. Entretanto, a propriedade também

deve ser transferida para o poder público em decorrência de necessidade ou utilidade

pública ou interesse social. O meio utilizado pelo poder público para a

instrumentalização da transferência da propriedade do particular para o ente público é a

desapropriação, que em linhas gerais é uma forma de intervenção do Estado na

propriedade de terceiro.

1 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Forense, 1974, p. 393

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2.2 Desapropriação: conceito, modalidades e formas

A intervenção estatal é categorizada em dois grupos: a intervenção restritiva e a

intervenção supressiva. A primeira retira algumas das faculdades relativas ao domínio,

salvaguardando a propriedade em favor do dono. A segunda, mais agressiva, gera a

transferência da propriedade do dono para o poder público, causando desta forma, a

perda definitiva da mesma. A desapropriação é modalidade de intervenção

supressiva do Estado.

Conceitualmente a desapropriação é procedimento administrativo pelo qual o

poder público ou sues delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública,

utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem,

substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização2. O art. 182°§3°da Constituição

Federal determina que desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e

justa indenização em dinheiro.

A desapropriação se dá por quatro modalidades: a desapropriação comum ou

ordinária, prevista no art. 5°, XXIV da Constituição Federal, com a seguinte redação:

“A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade

pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro,

ressalvados, os casos previstos nesta constituição”. Destacam-se duas leis reguladoras

acerca do instituto. A primeira é o Decreto-Lei 3.365/41, também conhecida como a lei

geral da desapropriação. Esta dispõe sobre casos de desapropriação por utilidade

pública. Outra lei que merece destaque é a Lei 4.132/62, que dispõe sobre casos de

desapropriação por interesse social.

Outra modalidade é a desapropriação urbanística sancionatória. Prevista no art.

182, §4°, III da CF, pode ser adotada como forma de penalizar proprietário do solo

urbano que não atender à exigência de promover o adequado aproveitamento de sua

propriedade ao plano diretor municipal. Caso isso ocorra o Poder Público se utiliza da

desapropriação para adequar o solo às necessidades urbanísticas expressas no plano

diretor. A desapropriação rural incide sobre bens imóveis rurais para fim de reforma

agrária.

2 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 153.

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Se dá por interesse social e tem como principal objetivo permitir a perda da

propriedade quando esta não cumpre sua função social. O que a difere das demais

modalidades é que o expropriante desta modalidade é somente a União Federal e a

indenização não é paga em dinheiro e sim através de títulos. Sua previsão constitucional

se encontra disciplinados nos art. 184, 186 e 191 da CF.

A última modalidade a ser tratada neste artigo é a desapropriação confiscatória.

Prevista no art. 243 da CF, não confere ao desapropriado direito indenizatório. Este fato

se pelo fato de o proprietário praticar culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Após o

procedimento expropriatório, a propriedade é destinada a assentamento de colonos para

que a área seja destinada a cultivos de produtos alimentícios e medicamentosos.

O procedimento da desapropriação pode ocorrer em duas fases distintas: uma

administrativa, onde o poder público declara seu interesse no imóvel e, mediante

acordo providencia a transferência do bem ao patrimônio público e outra judicial,

consubstanciada através de ação judicial a ser movida pelo Estado face ao proprietário.

Segundo SANTOS (2009), as desapropriações administrativas são raras3, porém menos

traumáticas e mais rápidas que as judiciais. Para DI PIETRO (2005), esta fase nem

sempre existe, pois, por muitas vezes, o poder público desconhece quem seja o

proprietário do imóvel, hipótese esta em que leva a administração a propor ação

judicial, onde se independe saber quem é o titular do domínio para se conseguir a

imissão na posse.

Neste artigo nos deteremos na desapropriação administrativa, que no nosso ver

deve ser mais aplicada pelo poder público. As vantagens seriam as mais variáveis para

ambas as partes envolvidas: agilidade no procedimento e desafogamento do judiciário.

Independente de desapropriações serem judiciais ou administrativas, elas devem

seguir os pressupostos que são comuns as duas modalidades, ou seja, a utilidade

pública, nesta se incluindo a necessidade pública e o interesse social.

A utilidade pública se dá quando a transferência se dá por simples conveniência

para a administração pública. A necessidade decorre de situações onde, por emergência,

a única solução encontrada é a desapropriação do bem. Nota-se que se uma

desapropriação se dá pelo pressuposto da necessidade, implicitamente esta será também

útil. Porém, podem ocorrer desapropriações que serão úteis, mas não necessárias.

3 CARVALHO, José dos Santos, Filho. Manual do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lunem Juris, 2009, p. 775.

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Exemplos de desapropriações necessárias ou úteis são aquelas que atingem

determinados bens particulares para a construção de escolas, creches, hospitais.

Quanto ao pressuposto interesse social há três fundamentações constitucionais que

são os previstos na Lei 4.132/62, art. 5°, XXIV. Os previstos no mesmo diploma legal

em seu art. 182 que prevê a desapropriação com interesse de atender à função social da

propriedade expressa no Plano Diretor de cada cidade e no art. 184 da Constituição

Federal, que prevê desapropriações para fins de reforma agrária e que tem como

objetivo claro e inequívoco assegurar a função social da propriedade rural.

Segundo Decreto-Lei n°. 3.365/41 em seu art. 2°, todos os bens podem ser objetos

de desapropriação, incluindo-se neste rol os bens móveis, imóveis, corpóreas,

incorpóreas, públicas ou privadas. Inclui-se ainda o espaço aéreo e o subsolo, quando a

utilização destes ocasionar prejuízo ao proprietário do solo.

No que tange os bens públicos, o §2° do art. 2 ° do Decreto-Lei acima citado

estabelece duas exigências para a sua execução: a União cabe desapropriar bens do

domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios e dos Municípios pelo

Estado. Conclui-se com o exposto que a entidade política maior ou central pode

expropriar bens da entidade menor ou local, mas o inverso não é possível. Logo, bens

públicos federais são inexpropriáveis e a de que os Estados não podem desapropriar

bens de outros Estados, o que também se estende aos Municípios (cf. acórdãos in

RTJ77/48,87/542, RDA 128/330, RT 482/160 e 451/176)4.

Em qualquer das hipóteses em que a desapropriação for possível, esta sempre

deverá ser precedida de autorização legislativa, que será emanada da pessoa jurídica

expropriante. Bens pertencentes à entidades da administração indireta aplica-se por

analogia o art. 2° do Decreto-Lei n°. 3.365/41, sempre que se tratar de bem afetado a

uma finalidade pública.

O procedimento expropriatório se perfaz em dois grandes momentos: a primeira é

determinada de fase declaratória, onde o Poder Público exterioriza sua vontade na

futura desapropriação. A segunda fase é a executória, onde são adotadas providencias

para se consumar a transferência do bem expropriado. A declaração expropriatória é

meio para que as pessoas federativas se manifestem no sentido de expressar a vontade

de transferir determinado bem para o seu patrimônio5.

4 DI PIETRO, op. cit, p. 165. 5 FILHO, op.cit., p. 790.

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Tal declaração necessita individualizar com precisão o bem ou bens objeto de

interesse por parte do Poder Público. Não sedo desta forma, a declaração será invalida e

inapta a produzir qualquer efeito jurídico6. Importante também que a declaração conste

de forma expressa a finalidade a que se destina a desapropriação. Essa informação é

fundamental para que o proprietário possa apurar se há ou não desvio de finalidade por

parte do Poder Público. Deve fazer parte também da declaração expropriatória o

dispositivo legal que contém o objetivo pretendido pelo Poder Público em relação ao

bem. Obedecendo ao que determina o princípio da publicidade, em regra geral, consiste

que esta declaração seja formalizada através de decreto do Chefe do Executivo7. Esse

ato é normalmente denominado decreto expropriatório.

O decreto expropriatório esta sujeito a caducidade, que é a perda dos efeitos

jurídicos de um ato em decorrência de certa situação fática ou jurídica discriminada

expressamente na lei. O Decreto–Lei n°. 3.365/41, no seu art. 10, prevê que um decreto

expropriatório caduca em um prazo de cinco anos se a desapropriação não se efetivar

mediante acordo ou processo judicial neste prazo. Este prazo começa a correr da data da

expedição do decreto e se aplaca a declarações de utilidade pública. Em caso de decreto

por interesse social o prazo de caducidade do decreto será de dois anos.

Em caso de caducidade do decreto expropriatório, pode o mesmo ser o mesmo

objeto de nova redação. Porém, deve-se respeitar o lapso temporal de um ano após a

caducidade do primeiro decreto expropriatório.

6 SALLES, José Carlos Moraes. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. RT, São Paulo, 1992, p. 71-74. 7 Decreto-Lei n°.3.365/41, art. 6°.

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2.3 A intervenção do Estado na Propriedade

A propriedade é instituto de caráter político: a ordem jurídica pode reconhecer ou

não as características que dão forma ao instituto. Historicamente a propriedade

constituiu verdadeiro direito natural, sendo inserido a direito fundamental nas

declarações de direito da época do constitucionalismo. As tendências socializantes,

porém, alteraram a fisionomia da propriedade e, muitos ordenamentos jurídicos

firmaram o postulado ortodoxo de que a propriedade tinha caráter provisório até que se

chegasse à coletivização em massa8.

A Constituição Federal brasileira promulgada no ano 1988, no seu art. 5°, XXII,

assegura que “È garantido o direito de propriedade”. Tal determinação apesar de não

poder ser erradicada da nossa Constituição, é flexibilizada. A propriedade deixa de ser

um direito absoluto, como ocorria no período medieval e passa a ser direito relativo e

condicionante, sempre que não atender a função social prevista em nosso ordenamento

jurídico ou, como já foi anteriormente mencionado, em decorrência de necessidade ou

utilidade pública ou interesse social.

Desta forma, podemos considerar intervenção do Estado na propriedade toda

qualquer atividade estatal, que, amparada em lei, tenha por fim ajustá-la aos inúmeros

fatores exigidos pela função social a que está condicionada. Extraí-se dessa noção que

qualquer ataque a propriedade, que não tenha esse objetivo, estará contaminado de

irretorquível ilegalidade. Trata-se, pois, de pressuposto constitucional do qual não pode

afastar-se a Administração9.

Esta intervenção se dá por diferentes vertentes. A primeira previsão legal que dá

embasamento a intervenção do Estado está prevista na Constituição Federal, art. 182 §

2°, no capítulo destinado à política urbana: “A propriedade urbana cumpre sua função

social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no

plano diretor”.

Outra previsão legal que dá suporte a intervenção estatal também está prevista na

Constituição Federal, no art. 5°, XXV, o qual estabelece que caberá ao Poder Público

usar propriedade particular em caso de perigo público. Por fim, temos a desapropriação,

que trataremos de forma mais abrangente em capítulo que se segue.

8 FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira, 1989 9 CARVALHO, op.cit., p. 734.

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2.4 A desapropriação administrativa como instrumento intervencionista positivo

aplicado pelo ente federativo

Tudo que até então foi exposto acerca de desapropriação se aplica tanto a

desapropriação administrativa quanto a desapropriação judicial. Porém, como

anteriormente demonstrado, esta monografia tem como finalidade retratar a

desapropriação administrativa como ferramenta estatal viável a equacionar questões de

propriedade e habitacionais que desafiam nossa sociedade e o Estado.

Para MEIRELLES (1993), a fase executória através da via administrativa encerra

a ultimação da transferência do bem por intermédio de acordo entre o Poder Público e o

proprietário10. O acordo é resultado de entendimentos e negociações entre o Poder

Público e o proprietário. O principal objetivo desta negociação é evitar o recurso ao

judiciário para se promover ação judicial de desapropriação. O foco principal desta

negociação recai sobre o bem e o preço. As partes envolvidas se esforçam no sentido de

adequar a alienação do bem mediante pagamento de preço previamente ajustado.

Este acordo é um negócio jurídico bilateral, fruto de consenso entre as partes

envolvidas, que segundo GASPARINI (1992), configura-se em contrato de compra e

venda não o desfigurando a circunstância de ter havido anteriormente uma declaração

expropriatória. Segundo o autor nenhuma coerção é ainda exposta ao proprietário: a

declaração não o obriga a celebrar acordo com o Poder Público. Há livre manifestação e

interesse por parte do proprietário, daí ser conhecida como desapropriação amigável11.

Trata-se, pois, de negócio jurídico bilateral, translativo e oneroso, retratando, desta

forma, contrato de compra e venda12.

Particularmente discordo de tal posicionamento. A desapropriação administrativa,

expressa em decreto expropriatório, vincula o proprietário do bem à alienação do

mesmo ao Poder Público. Desta forma, não havendo acordo entre as partes, poderá o

Poder Público, através de desapropriação judicial, adquirir a transferência do bem

através de depósito judicial em valor de até 80% do valor avaliado do bem, seguido da

10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed. Malheiros, 1993, p., 520. 11 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Saraiva, 1992, p. 471. 12 Lei 6.015/73, art. 167, I, n°.34.

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imissão provisória na posse, deferido pelo juízo. A de se levar em consideração o fato

de que os interesses da Administração Pública se sobrepõe ao interesse do particular.

Desta forma, a expressão desapropriação amigável, não advém de livre

manifestação por parte do proprietário, como atesta GASPARINI (1992) e sim da

possibilidade que ambas as partes tem de firmar acordo, na esfera administrativa, sem

recorrer ao judiciário.

Ao término da negociação, em se firmando acordo entre as partes, necessário se

faz a formalização do mesmo através de uma escritura pública ou por outra forma que a

lei venha especificamente a indicar13. Importante, entretanto, salientar que em respeito

ao princípio da publicidade administrativa se faz necessário que este acordo seja

celebrado através de documento e nunca de maneira verbal.

A indenização é exigência legal que tem por finalidade compensar o proprietário,

que por ter perdido seu bem, necessita ser recompensado. Esta exigência cabe tanto para

as desapropriações administrativas, como para as desapropriações judiciais, entretanto,

os momentos em que cabem as indenizações divergem entre ambas.

A desapropriação tem como objetivo propiciar transferência de propriedade de

particular para o Poder Público mediante pagamento de indenização, que deve ser

prévio, justo e em dinheiro. Somente depois de cumprido este requisito é que se dará a

transferência do bem, objeto da desapropriação. Porém, existem casos em que a

transferência se dá após o referido pagamento e, estes casos são os de desapropriações

judiciais.

A desapropriação via judicial, admite a figura da imissão provisória na posse,

situação em que o Poder Público passa a ter a posse provisória do bem antes mesmo de

findar-se o processo judicial. A imissão na posse não transfere de forma definitiva a

propriedade para o poder Público, mas é incontestável que para o proprietário tem por

esse procedimento enorme perda, uma vez que deferida a imissão o proprietário perde o

direito de usufruir o bem que antes lhe pertencia em sua plenitude.

13 A Lei 6.160, de 06/12/1974, admitiu a escritura particular em casos de desapropriação no Nordeste.

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Pensando em amenizar essa situação de impotência do proprietário frente ao Poder

Público, o STJ, tem tomado algumas decisões para equilibrar essa relação. Como

exemplo, temos a que “o proprietário de imóvel expropriado para fins de utilidade

pública tão somente é responsável pelos impostos, inclusive o de IPTU, até o

deferimento e efetivação da imissão provisória na posse”.14

Ao valor indenizatório agrega-se o valor do bem expropriado, com todas as

benfeitorias existentes antes do ato expropriatório. No que tange as benfeitorias

realizadas posterior a data do ato expropriatório, aplica-se a regra do art. 26°§1°, do

Decreto-Lei n°. 3.365/41, que permite pagamento das benfeitorias necessárias. As úteis,

só serão pagas se autorizadas pelo expropriante.

Soma-se ao valor indenizatório também lucros cessantes, danos emergentes e

juros compensatórios, cabidos em casos de imissão provisória na posse, que são

computados da data do deferimento da imissão. A base da calculo é a diferença entre a

oferta inicial do Poder Público e o valor da indenização15.

O STJ tem duas Súmulas que trata especificamente de juros aplicados as

indenizações expropriatórias. São elas a de n°. 164, que determina que “no processo de

desapropriação são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse,

ordenada pelo juiz, por motivo de urgência” e a Súmula n°. 618 que estabelece que “na

desapropriação direta ou indireta, a taxa de juros compensatórios é de 12% ao ano”.

Entretanto, é de suma importância ressaltar que a Medida Provisória n°. 2.183/01,

trouxe algumas inovações sobre o tema. No art.1°, acrescentou ao Decreto-Lei n°.

3.365/41 o art. 15ª, que estabelece que no caso de emissão provisória na posse, na

desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para

fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor

do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios

de até 6% ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da data da

imissão na posse, vedado o calculo de juros compostos. No entanto, esse dispositivo foi

suspenso liminarmente na ADIN 2.332-DF, Rel. Min. Moreira Alves, por contrariar

exigência constitucional de indenização justa deferida na Súmula 618 do STF, já

mencionada neste artigo anteriormente.

14 REsp n°. 239.687-SP, 1ª Turma, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, julgado em 17/02/2000. 15 DI PIETRO, op. Cit., p, 167.

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Também no mesmo julgamento se afastou a base de calculo dos juros

compensatórios fixada na referida MP, por entender-se que os mesmos devam incidir

sobre a diferença entre os 80% do preço ofertado e o valor fixado na sentença, de

acordo com o art. 33, §2°, do Decreto-Lei n°. 3.365/41. A mesma ADIN suspendeu os

§§1° e 2° do art. 15ª, entendendo que os juros compensatórios são devidos,

independente de o imóvel produzir renda16.

Além de todos os já mencionados, acrescenta-se ao valor indenizatório os juros

moratórios, honorários advocatícios e correção monetária. Com relação aos dois

primeiros, a jurisprudência tem entendido que elas são cumuláveis (RTJ 941/169,

95/275, RT 542/252, RDA 148/199). Esse entendimento é o mesmo da Súmula 12 do

STJ que determina que, em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e

moratórios. O Decreto-Lei n°. 3.365/41, no seu art. 33, §2°, estabelece que o

indenizado, ainda que discordando do valor ofertado pelo Poder Público fixado por

arbitramento ou por sentença judicial, poderá levantar em até 80 % do valor depositado.

O critério utilizado quanto ao valor a ser depositado gera muitas controvérsias na

esfera jurídica brasileira. Segundo determina o art. 15, §1° do Decreto-Lei n°. 3.365/41,

o critério para fixação deste depósito prévio é, dentre outros, o valor fixado para efeito

de imposto predial e territorial. Como esses valores resultam sempre em montante muito

inferior ao valor real do bem expropriado, os tribunais, entenderam ser este dispositivo

como inconstitucional, passando a considerar que o deposito devesse chegar mais

próximo do valor real do bem.

Esses posicionamentos não encontraram respaldo no STF e a Corte em decisão

contraria consolidou seu posicionamento em Súmula 652 em que “não contraria a

Constituição o art. 15, §1° do Decreto-Lei n°. 3.365/41”. Tal posição só faz onerar mais

a situação do desapropriado, que na pratica já perdeu seu bem.

Por outro lado, a desapropriação administrativa, o procedimento quanto ao

pagamento é bem mais simples e justo para o indenizado e mais rápido e seguro para o

Poder Público. Ocorrendo acordo entre o desapropriado e o Poder Público, o valor é

entregue diretamente ao desapropriado, que por ser de acordo com os anseios do

mesmo, pode tão logo adquirir sua nova residência.

16 DI PIETRO, op. Cit., p, 168.

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19

Para o Poder Público tal medida é mais rápida por não enfrentar a morosidade do

judiciário. Mais seguro, pois pode o Poder Público acompanhar o morador em nova

aquisição de casa própria, pagando valor justo pelo bem o que evita que este venha

adquirir casa em área de risco, como beira de rios, beira de encostas, o que geraria para

ao Estado problemas sociais e financeiros de difícil reparação.

Vejamos no próximo tópico a teoria aplicada na prática por um ente federativo: o

Município de Duque de Caxias, situado no Estado do Rio de Janeiro.

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3. Casos concretos

Os moradores aqui citados serão identificados por letras para garantir-lhes

privacidade. As fotos que ilustram os textos fazem parte do acervo da SUPRE –

Superintendência de Projetos Especiais e também fazem parte de Processos

Administrativos do Município de Duque de Caxias.

Desapropriada “x”

Fig.1. Situação antes da desapropriação administrativa

• Moradora do bairro Jardim Balneário Ana Clara, em Duque de Caxias, a

desapropriada vivia em condições sociais extremamente desfavoráveis.

• A residência da desapropriada estava em péssimas condições.

• Com a indenização acordada em desapropriação administrativa, a moradora

conseguiu valor indenizatório satisfatório para adquirir uma nova moradia.

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Desapropriada “x”

• Abaixo residência da desapropriada adquirida com o suporte jurídico e social da

SUPRE.

• A nova moradia é condizente com a dignidade da pessoa humana.

• O Poder Público deve, sempre que possível, equilibrar interesses entre os

anseios da administração pública e as necessidades do cidadão. A

desapropriação administrativa permite esse equilíbrio.

Fig.2. Situação após a desapropriação administrativa

Fig.3. Situação da desapropriada após a desapropriação

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4. A história da desigualdade urbana brasileira

As cidades brasileiras, e em especial a cidade do Estado do Rio de Janeiro,

vivenciam uma extrema fragilidade no que tange a implementação de políticas públicas

que busquem soluções que se não solucionem, ao menos, amenizem a questão

habitacional existente no Estado.

Os problemas que ora enfrentamos tem uma origem histórica que não deve ser

desprezada, para que não venhamos a incorrer nos mesmos erros no futuro. Os

problemas que envolvem a habitação do Estado tem uma ligação intima com a

informalidade urbana, que diz respeito a inadequação físico-construtiva e ambiental da

habitação e do entorno, de construções precárias, terrenos ocupadas em áreas de risco

ou de preservação ambiental, área útil insuficiente para o número de moradores, como

também a ausência de infra-estrutura urbana e por último a ilegalidade da posse ou do

contrato de uso.

A ocupação habitacional desassistida pelo poder público, se dá desde muito

tempo. É fato recorrente em nossa história. Até os meados do século XIX, a terra no

Brasil era concedida pela Coroa, as sesmarias, ou simplesmente ocupadas, sem nenhum

controle por parte do Império. Os Municípios tinham o Rócio, que eram terras em que

se implantavam as casas e pequenas áreas de produção, sem custo. Desta forma a terra

não tinha valor comercial, mas estas formas de apropriação já favoreciam a hegemonia

de classe social privilegiada.

A Lei das Terras, datada de setembro de 1850, transformou a terra e sua

utilização em mercadoria nas mãos dos que já detinham cartas de sesmaria ou, quem

detinha prova de ocupação pacifica e sem contestação e da própria Coroa, oficialmente

proprietária de todo território ainda não ocupado e que a partir de então passava a

realizar leilões para a sua venda. Sendo assim, pode-se considerar que a Lei de Terras

representa a implementação da propriedade privada do solo no Brasil. Para ter terra, era

necessário pagar por ela17.

17 FERREIRA, João Sette Whitaker. Texto extraído de publicação em Anais do Simpósio “Interfaces das representações urbanas em tempos de globalização”. UNESP, Bauru e SESC Bauru, 21 a 26 de agosto de 2005.

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Entretanto, para Maricato, foi entre 1822 e 1850, nas décadas anteriores à

aprovação da Lei das Terras, que se consolidou de fato o latifúndio brasileiro, através da

ampla e indiscriminada ocupação das terras e a expulsão dos pequenos posseiros pelos

grandes proprietários rurais. Tal fato se deu muito em função da indefinição do Estado

em impor regras, limites, decorrentes das disputas entre os próprios detentores do poder.

Segundo a autora, a demorada tramitação do projeto de lei que iria definir regras para

comercialização e propriedade da terra se devia ao medo dos latifundiários em não ver

suas terras confirmadas18.

Nesta disputa deu se o fim do projeto liberal de financiamento de uma

colonização branca de pequenas propriedades, baseadas nos colonos europeus, por meio

das vendas das terras do Estado. Ao contrário, o que ocorreu foi uma demarcação da

propriedade fundiária nas mãos dos grandes latifundiários, que se apropriaram

indevidamente até de terras que pertenciam ao Estado.

Desta forma, os imigrantes, que deveriam ser colonos de pequenas plantações,

acabaram sendo utilizados como mão de obra substituta dos escravos.

Percebe-se que o processo político de aprovação da Lei das Terras está

intrinsecamente ligado ao fim do trafico de escravos. O fim da escravidão no Brasil não

tem nada haver com ideologia abolicionista e sim com interesses comerciais entre o

Brasil e a Inglaterra.

A revolução industrial impôs uma expansão comercial, fazendo aumento o

interesse da Inglaterra sobre o Brasil. Entretanto, para que esta relação comercial se

concretizasse, foram feitas algumas exigências, dentre elas, o fim da mão de obra

escrava e a implementação do assalariamento. Face a este impedimento, os produtores

cafeeiros, em especial, passaram a utilizar-se da mão de obra “livre” e assalariada dos

imigrantes, induzindo-os ao endividamento. Os trabalhadores recém-chegados as

fazendas abriam crédito com seus patrões para aquisição de bens que lhes eram

necessários. Os itens superfaturados geravam dívidas impossíveis de serem pagas,

tornando os imigrantes, escravos.

18 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidades. São Paulo: Atual, 1997, p.38.

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Os fatos acima narrados consolidaram a divisão da sociedade em duas classes

distintas, a saber, os proprietários fundiários e os escravos: os negros, que seriam

libertos pela Lei Aurea em 1888 e os brancos, imigrantes presos as dívidas contraídas

com seus patrões ou ignorantes de todos os procedimentos necessários para se obter o

título de propriedade de um lote de terra.

Importante ressaltar que a Lei das Terras não regulamentou apenas as terras

localizadas nas áreas rurais, como se pode deduzir. A lei distinguiu pela primeira vez na

história do país o que era solo público e privado, incluindo-se nesta destinação áreas

urbanas. A grande questão que pretende ser abordada neste trabalho é que esta

regulamentação fundiária serviu como ferramenta garantidora de privilégios da classe

dominante, abarcando uma pequena parcela enriquecida da sociedade brasileira.

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5. A desigualdade urbana na atualidade – segregação sócio-espacial

Os dados históricos narrados no capítulo anterior nos dão uma prévia da situação

atual em que se encontra a ocupação do espaço urbano e de como ao longo do tempo o

Estado vem cometendo os mesmos erros, o que só faz agravar ainda mais a qualidade de

vida das pessoas que vivem nas grandes cidades.

FERREIRA (2005) explica-se então o porque das duas grandes cidades do país

nestes primeiros momentos da urbanização brasileira, promoveram uma sistemática

segregação social: simplesmente reproduzia-se na cidade a mesma diferenciação social

resultante da hegemonia das elites que se verificava nos latifúndios. É desta época que

datam os primeiros registros de cortiço e até mesmo de ocupação em morros com

moradias populares.

No ano de 1888, ano do fim da abolição, o Rio de Janeiro contava com mais de

45 mil pessoas vivendo em cortiços, sendo a maioria escravos libertos. As epidemias, a

insalubridade, decorrentes da ausência de infra-estrutura, como por exemplo, o

saneamento básico, a violência, a alta densidade urbana, eram marcas de uma parte da

cidade e já davam a tônica do que viria a ser a cidade brasileira no século XX19.

Diante do quadro anteriormente demonstrado, Diante do quadro acima

demonstrado, é fácil perceber que o Estado, em suas mais diferentes fases políticas

tentou reverter a situação acima mencionada.

A primeira experiência de política nacional de habitação de que sem notícia foi

feita pelo governo Dutra (1946-1951) com a Fundação da Casa Popular. Havia uma

preocupação dos conservadores com a forte influência do Partido Comunista nos

grandes centros urbanos, após a derrocada do Estado Novo. Eles acreditavam que o

proletário com casa própria tenderia a se comportar como um burguês, favorecendo uma

certa estabilidade social. Em 1953, tentou-se transformar esta Fundação em banco

hipotecário. Nenhum dos dois projetos governamentais foi adiante, por questões

políticas e também econômicas.

19 MARICATO, op. Cit, p. 27.

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A ditadura militar implementou algumas reformas sociais e no setor urbanístico

produziu através do Sistema Financeiro de Habitacional – SFH e Banco Nacional de

Habitação – BNH. A época forma construídas mais de 4 milhões de moradias,

entretanto o seu fracasso se deu por erro de foco. Pensava-se nas grandes empreiteiras e

não na população carente de moradia. Os resultados eram baseados em dados

quantitativos, que rendessem frutos políticos e não em resultados qualitativos, que

resultassem em solução habitacional para a população de baixa renda, que não tinha

nenhum acesso ao mercado imobiliário. Desta forma surgiu mais um programa

governamental que fracassou nas suas iniciativas.

Os dados do último Censo comprovam que uma insignificante parcela da

população brasileira vive em área rural. Em 2000, apenas 31.845.211 brasileiros viviam

em regiões rurais, sendo quase metade delas no nordeste. A proporção de pessoas que

moram em áreas urbanas era de 75,6% em 1991 e passou de 81,2% em 2000. A Região

Sudeste é a que apresenta maior grau de urbanização, 90,5% 20.

Na cidade do Estado do Rio de Janeiro, com área territorial de 43.696,1 km², os

três municípios mais populosos são o Rio de Janeiro com 6.136.652 habitantes, São

Gonçalo com 973.372 habitantes e Duque de Caxias com 855.010 habitantes. Desta

população que vive na cidade do Rio de Janeiro, 96,9% vivem em área urbana, nos

grandes centros21. A questão deste alto percentual populacional vivendo nas áreas

urbanizadas está na baixa qualidade de vida e na cruel segregação social imposta pelo

Estado e pela classe minoritária, mais extremamente influente neste país, a elite.

20http://www.potyguar.com.br/historiadobrasil/index_arquivos/numerosdobrasil.htm, consulta realizada no dia 01/08/2010, às 18:30 hs. 21 http://www.portalbrasil.net/estados_rj.htm, consulta realizada no dia 13/08/2010, às 10:25 hs.

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6. Instrumentos urbanísticos – Constituição Federal de 1988, Plano Diretor e

Estatuto da Cidade

O cenário das cidades brasileiras caracteriza-se cada vez mais por contrastes

profundos entre condições urbanas, distinguindo cada vez mais as classes sociais mais

privilegiadas das menos favorecidas. Este processo se evidencia na revolução industrial.

A fim de garantir a promoção igualitária da distribuição de renda e riqueza para os

trabalhadores em geral, o Estado assume um papel intervencionista visando garantir

direitos fundamentais na educação, na saúde, na esfera trabalhista e no âmbito

habitacional também.

A expectativa era proteger os mais pobres do processo seletivo do mercado

imobiliário, de característica especulativa e privatista. Esta intenção governamental não

se deu apenas na Europa, mas também na América do Norte. A iniciativa não impediu

que exclusões sociais ocorressem no campo imobiliário, entretanto, a idéia introduzida

nestes continentes rendeu alguns resultados, positivos e otimistas.

A partir desta idéia central buscou-se proteger os mais pobres do mercado

imobiliário, que se caracteriza por sua natureza especulativa e privatista, a fim de

garantir que estes não fossem expulsos dos grandes centros. Esta teoria estatal se deu

não só no continente europeu, mas também no continente norte americano. De fato, na

pratica a iniciativa não impediu que ocorressem nestes continentes exclusões sociais no

contexto habitacional, entretanto geraram frutos que são aplicados na atualidade no

intuito de solucionar graves distorções no setor urbanístico.

Todo o contesto acima mencionado proporcionou ao Estado um poder

regulador sobre o uso e ocupação do solo, estabelecendo restrições a sua utilização,

criando taxas de ocupação, dentre outros. Atribuiu também ao Estado a capacidade de

criar mecanismos financeiros e isenções a fim de garantir auxilio que garantisse que a

população permanecesse em suas residências, evitando com isto o exílio social urbano.

Desta forma podemos concluir que os instrumentos urbanísticos, que foram

criados na Europa do Pós-Guerra, são ferramentas que visam ao Estado exercer um

efetivo controle sobre o espaço urbano.

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Partindo desta lógica foi que no Brasil, a partir da década de 80, ganha força o

tema da Reforma Urbana, impulsionado pelo fortalecimento de movimentos sociais,

particularmente os movimentos de moradia. Eles se mobilizaram para garantir a

aprovação na Constituição, que foi promulgada em 05 de outubro de 1988, o Estatuto da

Cidade. Nele constam instrumentos que permitem as Prefeituras exercerem algum

controle sobre a complexa dinâmica de produção da cidade.

Importante ressaltar que no Brasil, diferentemente do que ocorreu na Europa e

nos Estados Unidos, os instrumentos urbanísticos surgiram como forma de tentar

reverter um quadro já instalado de processo histórico-estrutural de segregação espacial e

social. O objetivo foi tentar uma hegemonia adquirida pela classe dominante deste país

e que perdura a mais de 500 anos.

A Constituição de 1988 determinou que todo o município com mais de 20.000

habitantes tenha um plano diretor, que é um conjunto de diretrizes urbanísticas

destinadas a organizar e induzir, do ponto de visto do poder público, formas desejáveis

de ocupação e uso de solo. Define também as políticas públicas urbanas, como os

transportes, zoneamento e provisões de habitações de interesse social. Segue abaixo o

texto constitucional que prevê legalmente o plano diretor:

Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar

o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para

cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de

desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa

indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para

área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado

aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

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I - parcelamento ou edificação compulsório;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no

tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de

emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez

anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização

e os juros legais.

Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e

cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,

utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que

não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou

à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

No ano de 2002, foi aprovado o Estatuto da Cidade, determinando que as

cidades que ainda não tivessem instituído o plano, o produzissem no prazo de cinco

anos. Ademais o Estatuto da Cidade faculta aos Planos Diretores uma importância

significativa por atribuir-lhes regulamentar os instrumentos urbanísticos propostos por

cada município. O lado positivo deste instituto é que os Planos Diretores repassaram

para as esferas municipais a mediação dos conflitos existentes entre o interesse privado

e o interesse público, atendendo as necessidades face a realidade vivenciada por cada

município, respeitando sua singularidade, dando a oportunidade a sociedade de

participar de modo mais próximo de todas as discussões que envolvem o tema.

Em contrapartida, o fato de o Plano Diretor ter data de vigência anterior ao

Estatuto da Cidade, que regulamenta os instrumentos urbanísticos, possibilita uma

disputa negativa no âmbito municipal. Em alguns casos o texto do Plano Diretor, ao

propor novos instrumentos do Estatuto, relegou a regulamentação para uma etapa ainda

ulterior, estendendo além do razoável, seu prazo de efetivação.

Em suma, os Planos Diretores pouco fazem para a enorme parte da população

excluída, distante da realidade urbana periférica e não impedem a fragmentação das

políticas públicas urbanas.

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6.1 A responsabilidade social do Estado

Os problemas que ora enfrentamos, seja a dificuldade de acesso a propriedade

seja na exclusão social através de políticas públicas habitacionais, o fato é que o Estado

tem sua parcela de responsabilidade no que tange implementação de projetos e

programas que visem, se não erradicar, ao menos amenizar de forma substancial o atual

panorama que ora vislumbramos.

Prédios públicos desativados e construções privadas inacabadas têm sido

constantemente invadidos pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Este

movimento surgiu em 1997 da necessidade de organizar a reforma urbana e garantir

moradia a todos os cidadãos além de lutar por um modelo de cidadade mais justa. Está

organizado nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Roraima, Pará e

Pernambuco. É um movimento de caráter social, político e sindical. O MTST é uma

organização político popular autônoma com princípios, programa e forma de

funcionamento próprios. Além do trabalho organizado de luta por moradia o MTST

mobiliza pessoas em bairros pobres organizando lutas e propondo soluções para

problemas que afligem os bairros periféricos pobres22.

Outra organização de grande proporção é o Movimento Sem Terra se organiza

em torno de três objetivos principais: Lutar pela terra, Lutar por Reforma Agrária, Lutar

por uma sociedade mais justa e fraterna23. Independente do cunho político que há por

trás de tais Movimentos, o propósito de ambos é buscar soluções voltados às questões

da distribuição e uso consciente da terra e da justa distribuição de áreas para habitação

digna das classes menos favorecidas.

O Estado tem ao longo do tempo incrementado, seja no âmbito jurídico, seja no

âmbito gerencial, formas para se equacionar tantos problemas que envolvem o tema

abordado. A explicação para o empenho seja o reflexo que tais questões refletem em

todos os contextos de nossa sociedade.

22 http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_dos_Trabalhadores_Sem_Teto Consulta realizada no dia 29/08/2010, às 11:15 hs. 23 http://www.mst.org.br/taxonomy/term/324 Consulta realizada no dia 29/08/2010 às 11:50

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O aumento da violência, a proliferação de doenças em decorrência da falta de

saneamento básico em áreas que são tomadas por invasores, os danos ambientais

ocasionados por estas invasões, são alguns dos problemas enfrentados pelo Estado face

a sua impotência em solucionar a questão.

Dentre as inúmeras tentativas governamentais para elucidar tais questões

destacamos:

Programa Minha Casa Minha Vida – Seu objetivo é atender as necessidades

habitacionais das famílias que possuam renda de zero a três salários mínimos. O

lançamento do programa ocorreu em 25/03/2010. O Governo visa construir um milhão

de casas para famílias que recebem até dez salários mínimos. Sendo que com essa faixa

salarial a prestação minima é de R$50, e o valor máximo que poderá comprometer o

orçamento gira em torno de 10% em um prazo de 10 anos.24

Projeto Morar Carioca – Em 27 de agosto de 2010, a prefeitura do Rio de

Janeiro lançou o projeto que prevê um processo de urbanização e de integração de todas

as favelas cariocas nos próximos 10 anos. O projeto faz parte do Plano Municipal de

Integração de Assentamentos Precários Informais. Além da urbanização, o “Morar

Carioca” prevê outras quatro linhas de atuação: conservação do espaço público, controle

do crescimento das favelas, legislação urbanística, com a criação de Postos de

Orientação Urbanística e Social (POUSO) e o reassentamento de moradores que se

encontram em áreas de risco.

Programa Lares Habitação Popular - A Cohab Minas foi agraciada com o

Selo por seu projeto “Justiça Social com Justiça”, que adotou como inovação, no

Programa Lares Habitação Popular (PLHP), a seleção informatizada dos candidatos à

casa própria, mediante critérios objetivos e imparciais. O sistema treina as prefeituras

conveniadas com a Cohab para procederem a inscrição e a seleção de mutuários, de

acordo com critérios desenvolvidos pela companhia de habitação.

24http://www.vaicomtudo.com/minha-casa-minha-vida-cadastrar-no-programa-habitacional.html, site acessado em 30/08/2010.

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Os principais critérios são o valor do aluguel pago pelo mutuário em relação à

renda familiar, o tempo de residência no município, estado civil, número de

dependentes na habitação, situação de risco da moradia por ocasião da inscrição e a

situação profissional.

Além disso, recebem maior pontuação os idosos, que têm assegurados 3% do

número de casas ofertadas, e as pessoas com deficiência, que contam com o direito a

12% das unidades, se o seu cadastro for aprovado.

As pontuações alcançadas pelo mutuário são lançadas em um software

desenvolvido pela Gerência de Tecnologia da Informação da Cohab-MG e processadas

segundo uma fórmula matemática que dá o resultado final da classificação dos

candidatos. Essa metodologia garante a lisura da seleção e reforça a intenção da

companhia de ser justa na seleção dos mutuários contemplados com a casa própria.

Além da inovação tecnológica, a isenção do processo seletivo é proporcionada também

pela exigência de que a prefeitura conveniada institua o Conselho Municipal de

Habitação, caso não exista no município, e dê ampla divulgação para a abertura das

inscrições para o programa. O conselho fiscaliza as inscrições e aprova ou não o

processo, encaminhando à Cohab a ata com os selecionados ou reprovados.

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7. Entrevistas e matérias jornalísticas

Estadão.com.br/São Paulo

Sem-teto ocupam imóveis no centro de SP e armam barracas no Viaduto do Chá Movimento critica falta de políticas públicas para moradia e reclama imóveis vazios na cidade

26 de abril de 2010 | 4h 06

500 pessoas montam barracão no Viatudo do Chá, em São Paulo, em manifestação

Foto: JB Neto/AE

SÃO PAULO - Cerca de 1,5 mil famílias sem-teto ocuparam na madrugada desta segunda-feira, 26, dois prédios abandonados na região central e um terreno na zona sul de São Paulo. Algumas horas depois, por volta das 4h30, outros 700 sem-teto armaram barracas de madeira e lona na calçada do Viaduto do Chá, ao lado do prédio da prefeitura, segundo a Frente de Luta por Moradia (FLM).

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O PROBLEMA DOS SEM-TETO

uma questão mundial http://www.watchtower.org/t/20051208/article_01.htm

DO REDATOR DE DESPERTAI! NA POLÔNIA

“Bêbado imundo e fedorento — sem posses, sem identidade, sem

nada!”. Esse estereótipo é assustador, mas, de acordo com os voluntários

que trabalham pela causa dos sem-teto em Czestochowa, Polônia, é

exatamente assim que as pessoas em geral encaram quem não têm onde

morar.

Segundo uma reportagem feita pela revista The Economist há alguns

anos, muitos dos milhares de meninos de rua da cidade de Ulaanbaatar, na

Mongólia, moravam embaixo das ruas, em galerias fedorentas que levavam a

canos de esgoto ou ao sistema de aquecimento da cidade. Embora ficassem

chocados ao saber disso, muitos mongóis concluíram que as crianças ficaram

nessa situação “porque as pessoas são muito preguiçosas para cuidar de

seus filhos”, relatou a revista.

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No outro lado do mundo, meninos de rua são chacinados por

esquadrões da morte que se autodenominam vigilantes. Por quê? Uma

publicação das Nações Unidas explicou: “Na América Latina, muitas pessoas

do poder judiciário, da polícia, da mídia, do mundo empresarial e da

sociedade em geral acreditam que os meninos de rua são uma ameaça moral

à civilização.” A mesma fonte observou: “Relata-se que, em média, três

meninos de rua são mortos por dia no Estado do Rio de Janeiro.”

Os sem-teto “provocam em nós medo e desconforto . . . , mas eles

são humanos que sentem as dores da fome como nós. São muitos e têm

uma necessidade real”. Isso é o que diz uma página na internet criada por

voluntários que trabalham pela causa dos sem-teto em Czestochowa. A

mesma página diz ainda: “Esperamos que . . . existam pessoas que reajam a

essa grande necessidade.” Que necessidade é essa e qual a sua dimensão?

Morro do Bumba Por Favela em Foco, 14/04/2010. Rio de Janeiro/RJ

Fig. 1. Moradores deixando as casas após o deslizamento

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Fig. 2. Visão do alto do Morro do Bumba

Na manhã de terça-feira, o Rio de Janeiro amanheceu submerso ao caos. O

temporal que se iniciou ainda na noite de segunda alagou a cidade, e toda a região

metropolitana também sofreu as conseqüências de mais de 24 horas ininterruptas de

chuva. Grande parte do estado parou. O deslocamento para a cidade era inviável, o

trânsito, que comumente apresenta problemas, praticamente não funcionou e as

autoridades pediram para que as pessoas ficassem em suas casas.

O pior cenário porém ainda seria desenhado na noite de quarta-feira, quando,

aproximadamente às 20 horas, o Morro do Bumba, localizado na região central de

Niterói veio abaixo, aterrando mais de 50 casas e centenas de pessoas.

A tragédia está sendo acompanhada de perto pela população através da

cobertura constante da mídia que há todo momento atualiza os números de vítimas e as

estatísticas dos danos ocorridos na tragédia. Há porém, uma grande quantidade de

moradores que ainda estão na região e que sofrem com o perigo iminente das chuvas e o

descaso das autoridades que, mais preocupados com as conseqüências políticas, travam

uma disputa de interesses em que a população, como sempre, parece não ter o cuidado

prioritário.

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A equipe do Favela em Foco esteve neste fim de semana (dia 10 e 11) em

Niterói, na região mais afetada pela chuva. Testemunharam e registraram cenas

desoladoras do cenário no Morro do Bumba (ou do que restou dele), mas também

imagens de solidariedade e esperança. Sentimentos que se multiplicam quando

solicitados.

Dona Rosângela Costa, 40 anos, mora do Morro do Bumba desde que nasceu e

hoje sua casa encontra-se condenada após o desabamento: “Porque as pessoas vieram e

construíram aqui? Por que as autoridades permitiram, por que eles deixaram. E agora?

Onde estão nossas crianças? Perdemos nossas crianças, nossos anjinhos. E o futuro das

que ficaram? Onde está? No lixão?”.

Maria da Penha, 33 anos, viu sua casa também ser inundada e está colaborando

como voluntária na Igreja Apostólica Cristã, preparando a alimentação para os

desabrigados e faz o apelo: “Ficamos ilhados em cima da cama, mas mesmo assim

viemos ajudar pois vimos que tem gente precisando mais. Chega gente toda hora aqui

precisando de comida, roupas, calçados, produtos de higiene.

Em meio a todo o caos renasce um sentimento que, por vezes, parece

adormecido ou economizado: o de compaixão. E é esse sentimento que conforta e

produz esperanças não só em quem foi vitimado pelas chuvas, mas em todos nós. A

busca incansável por um futuro de mais igualdade e dignidade social.

A Tribuna do Advogado - Edição n°. 493

Remoções injustificadas é uma espécie de deportação, uma morte em vida e por

isso violam a integridade dos direitos humanos

Entrevista de Alexandre Mendes

Integrante do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado

do Rio de Janeiro, que presta atendimento jurídico a cerca de 150 comunidades,

Alexandre Mendes é um ferrenho critico das remoções promovidas pela Prefeitura do

Rio nos últimos anos.

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Segundo ele, a medida está em desacordo com a lei. “Alem de não concretizar

o plano de prevenção elaborado com recursos do Ministério das Cidades, que valoriza

as obras de contenção de encostas e estabilização do solo, a atual gestão passou a

priorizar o reassentamento generalizado, que é medida drástica e excepcional segundo a

legislação”, afirma o defensor.

Diz Alexandre em outro trecho da entrevista: “Ao invés de apresentar laudos

detalhados a Geo-Rio tem apresentado perigosamente laudos genéricos, abandonando o

critério da especificação. Hoje, comunidades inteiras podem ser forçosamente

removidas em razão desta mudança de metodologia. É um retrocesso incrível, que tem

alarmado as comunidades pobres e os profissionais que trabalham com políticas

urbanas. E quando visitamos as comunidades ameaçadas pela remoção fica evidente que

os deslizamentos ocorreram por omissão do poder público, sobretudo pela finalização

das obras de prevenção.

Para Alexandre ao contrário da urbanização, que valoriza o bem-estar dos

moradores, a remoção forçada rompe com as relações sociais que dão significado à

vida, como por exemplo, o contato com equipamentos de lazer, escolas, serviços

urbanos, trabalho, transporte, familiares, vizinhos. Neste sentido, as remoções

injustificadas são uma espécie de deportação, uma morte em vida e por isso violam a

integridade dos direitos humanos.

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8. Conclusão

O que fazer diante do caos? Cruzar os braços, pedir ajuda a providência divina,

contar com a sorte? Não, de fato do Estado não se espera tal atitude: a responsabilidade

objetiva que lhe é atribuída na Constituição Federal, não cabe atitudes omissas como a

que presenciamos por parte dos governantes.

Aos menos favorecidos não é dado o direito de uma vida digna. O acesso a

terra, a propriedade é dificultada. Os preços altos demais impedem que a classe

empobrecida deste país tenha a sonhada casa própria. Sem alternativa, vivem em áreas

urbanas periféricas, onde não há por parte do poder público nenhuma estrutura que lhes

assegure uma vida social descente. Desta forma, são excluídos.

A história se repete ao longo dos anos. Há muitos anos as coisas são assim, o

que não significa que elas devam permanecer desta forma. Vimos que alguns programas

governamentais se predispõem a amenizar o problema com aplicação de uma gestão

pública eficiente e responsável, que visa diminuir a segregação sócio-habitacional que

assola nossa sociedade. Necessário se faz a divulgação e proliferação de tais programas.

Mas isso não basta. É indispensável separar os interesses pessoais da obrigação

social e política que cada governante ao assumir sua função. Nada mudará enquanto não

se investir em políticas públicas estruturadas, que tenham por finalidade precípua sanar

as questões aqui abordadas. Que sabe assim, viveremos em uma sociedade mais digna,

com diferenças sociais, admito, mas não com disparates sociais, que separam territórios

onde de um lado está a elite e de outro, nós, vitimas do flagelo urbano.

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9. Referências

CARVALHO, José dos Santos, Filho. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2009. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira, 1989.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Saraiva, 1992.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Ed.

Malheiros, 1993.

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Forense, 1974.

SALLES, José Carlos Moraes. A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. RT, São Paulo, 1992. http://www.mst.org.br/taxonomy/term/324 Site consultado em 29/08/2010. http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_dos_Trabalhadores_Sem_Teto Site consultado em 29/08/2010. http://www.portalbrasil.net/estados_rj.htm Site consultado em 13/08/2010. http://www.potyguar.com.br/historiadobrasil/index_arquivos/numerosdobrasil.htm Site consultado em 01/08/2010. http://www.vaicomtudo.com/minha-casa-minha-vida-cadastrar-no-programa-abitaciona.html Site consultado em 13/08/2010.