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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS <> <> <> Por: Guida Helena Martins da Silva <> <> <> Orientador Francis Rajzman Rio de Janeiro 2012 (

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

<>

<>

<>

Por: Guida Helena Martins da Silva <>

<>

<>

Orientador

Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012 (

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

<>

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<>

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

<>

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Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em..Direito Privado..

Por: . Guida Helena Martins da Silva

RESUMO

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Trata a presente monografia sobre a incidência dos chamados direitos

fundamentais nas relações privadas. A relação Estado-indivíduo é regida por

normas e princípios que podem ser extensíveis à relação entre particulares.

Concebidos inicialmente como oponíveis em face do Estado, os direitos

fundamentais são também aplicáveis às relações contratuais. A Constituição

de 1988 trouxe uma série de princípios e normas que se irradiam para o

Código Civil de 2002. A partir da segunda metade do século XX , a doutrina e

os tribunais começaram a reconhecer e aplicar os direitos fundamentais nas

relações intersubjetivas, sendo consideradas, salvo em alguns países como os

Estados Unidos da América, legítimas a modificação das clausulas contratuais.

A autonomia da vontade, a liberdade contratual são direitos fundamentais, que

devem ser respeitados, porém, em algumas situações, especialmente quando

há um desequilíbrio entre as partes do contrato, a partir de uma ponderação de

valores, podem ser mitigadas.

METODOLOGIA

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A partir de uma apresentação ocorrida em um dos módulos desta pós

graduação, Direito dos Contratos, ministrado pelo professor Alex Prisco, o

tema foi proposto como forma de avaliação. À época foram consultados tão

somente artigos extraídos da internet. O assunto pareceu-me bastante

interessante, pois permitiria tangenciar o direito constitucional, matéria

cotidiana em minha atividade profissional (advogada da União) Foram

utilizados para a realização do presente trabalho a leitura de livros, artigos de

revistas jurídicas e consultas a publicações obtidas na internet A princípio não

foram encontradas muitas fontes acerca da chamada eficácia horizontal dos

direitos fundamentais nas relações privadas, porém, a medida em que houve o

aprofundamento dos estudos, ocorreu a descoberta de vasta bibliografia e o

contato com autores até então por mim desconhecidos. Mister ressaltar a

importância do vasto acervo de livros da Biblioteca do Tribunal de Justiça do

Rio de Janeiro, e da Biblioteca da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

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CAPÍTULO I - CONCEITOS BÁSICOS 11

CAPÍTULO II - CONTRATOS NO BRASIL 20

CAPÍTULO III – DA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS 9

CAPÍTULO IIIV DAS TEORIAS DA EFICÁCIA

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES

PRIVADAS

CAPÍTULO I V APLICAÇÃO DAS TEORIAS NO BRASIL

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 52

ÍNDICE 59

FOLHA DE AVALIAÇÃO 63

INTRODUÇÃO

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Toda interpretação jurídica deve basear-se no pressuposto da

superioridade jurídica da Constituição. A constituição é referência a todo o

ordenamento jurídico, o qual não pode ser reduzido a uma interpretação

estritamente positivista. As normas constitucionais que originalmente seriam

destinadas a tratar da relação Estado-indivíduo, isto é, uma relação

verticalizada, passam a ser aplicáveis também à relação entre particular –

particular, já que dentro deste liame, na maioria das vezes inexiste igualdade

material entre as partes, havendo a preponderância técnica, econômica de

uma parte sobre a outra, sendo, então, necessária a ampliação qualitativa das

normas e princípios regentes daquele liame privado, que passa a sofrer

influência dos chamados direito fundamentais.

Giza-se que não se trata de uma anulação do princípio da autonomia da

vontade, pois se assim o fosse estar-se-ia violando uma das manifestações do

próprio princípio da dignidade humana, mas para que a liberdade volitiva seja

considerada válida e tenha tutela jurídica, deve-se observar aos princípios e

normas que a sociedade considere como essenciais para a efetivação do

objetivo de justiça material, a que se propõe a Constituição do Brasil de 1988.

Deste modo, pode-se afirmar que as pessoas são livres para contratar ou não,

conforme as regras estipuladas entre elas, desde que estejam em

conformidade com os direitos fundamentais.

Durante muito tempo a interpretação dos contratos foi pautada em

aspectos estritamente formais, através de um mero confronto entre o

dispositivo legal e a situação concreta. Pode-se afirmar que tanto a doutrina,

quanto a jurisprudência hodiernamente interpretam os contratos de uma forma

finalística, isto é, busca-se o escopo econômico e social daquele negócio

jurídico de acordo com as normas fundamentais. Neste sentido, constata-se

que no Brasil, o Código Civil de 2002 deixou para trás o paradigma patrimonial

do código de 1916, com fortes influências do Código Napoleônioco, para uma

perspectiva humanista com o reconhecimento da interdependência dos

indivíduos e do princípio da solidariedade social.

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Indubitavelmente, um dos mais expressivos valores contemporâneos é a

liberdade. Darcy Azambuja pontifica que “ liberdade é uma condição essencial

à vida da personalidade humana. Se não se pode conceber a sociedade sem

autoridade (Estado), não se pode concebê-la também sem liberdade”

(AZAMBUJA, pág. 152)

A complexidade da realidade social exige uma perspectiva fundada na

liberdade coadunada com valores éticos, havendo um deslocamento da tutela

da vontade para a intenção do que o destinatário pode perceber. É a tutela da

confiança, de se tentar obter a satisfação da legítima expectativa do

contratante.

O Código Civil de 2002 é inspirado em três grandes princípios: o da

eticidade, da sociabilidade e o da funcionabilidade. Aplicando-os à

interpretação dos contratos, infere-se que os contratos devem estar

submetidos a valores éticos e morais, como a boa fé e o princípio da dignidade

da pessoa humana. Considerando-se o contrato como uma forma de propiciar

a circulação da produção de riquezas, deve-se atentar para princípios como os

da função social, do respeito aos valores sociais do trabalho e ao meio

ambiente.

Destarte, é formulada uma releitura na interpretação dos institutos de direito

privado. Prevalecem as leis de ordem pública sobre as privadas, importa é

complementar e proporcionar um diálogo entre conceitos eminentemente de

direito privado com normas e princípios assentados da Constituição de 1988

como a propriedade e a sua função social (arts. 5o, XXIII, e 186, I a IV), como

o contrato e a defesa do consumidor, assim como o planejamento da atividade

econômica (arts. 5o, XXXII, 170, V, e 174, caput).

A presente monografia se propõe a estudar a eficácia das normas

fundamentais sobre as relações de direito privado, ou na expressão utilizada

pela doutrina alemã, Drittwirkung. (SARLET, 2007, p.173-174)

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CAPÍTULO I

CONCEITOS BÁSICOS

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1.1 Publicização e Constitucionalização do Direito Privado

Cabe, inicialmente, tecer a diferença entre publicização e

constitucionalização do direito privado. O primeiro, também chamado de

dirigismo social, consiste na progressiva intervenção estatal, a partir do

chamado Estado Social no Século XX, especialmente no âmbito legislativo,

passando o direito privado a ser tratado por normas cogentes de ordem

pública. Situações que eram regradas pelo direito privado, como as relações

de locação, consumo e direitos autorais, entre outras, são consideradas de

relevância social, sendo objeto de leis próprias. Enfim, trata-se de um

fenômeno de pulverização de matérias inicialmente tratadas em um único

código e que passam a ser regidas em micro sistemas.

Como pondera o professor Gustavo Tepedino:

Configura-se, de um lado, o direito comum, disciplinado pelo

Código que regula, sob a velha ótica subjetivista, as situações

jurídicas em geral; e, de outro, o direito especial, cada vez mais

relevante e robusto, que retrata a intervenção do legislador em

uma nova realidade econômica e política. (TEPEDINO, 2001,

pág29)

São características da publicização do direito privado a busca pela

diminuição das desigualdades sociais, a proteção das minorias, dos

considerados mais fracos socialmente, e o tratamento de questões outrora de

cunho privado agora sob a égide de normas de direito público.

Orlando Gomes ao tratar sobre o assunto se pronunciou da seguinte

forma em relação ao “princípio da regulamentação legal do conteúdo dos

contratos”:

não mais regras supletivas, que as partes observam se

coincidem com seus interesses, mas normas imperativas, a cuja

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obediência não podem furtar-se. Contratos padronizados. Fala-

se então em dirigismo contratual. (GOMES, 1990, pág.47)

1.2 A Autonomia da Vontade

A autonomia da vontade pode ser definida como a liberdade da pessoa

ausente qualquer forma de coação - de tomar decisões e estes efeitos sejam

reconhecidos pelo ordenamento estatal. Classicamente entende-se que a

autonomia da vontade é regida pelas normas de direito privado. Na

contemporaneidade entende-se que é passível de restrições por normas de

direito público, em nome da preservação da sociedade e dos demais

interesses individuais.

1.3 Distinção entre Normas e Princípios

Outrossim, a distinção entre normas e princípios é fundamental para o

tema a ser desenvolvido. Entende-se como regras, preceitos que descrevem

uma situação jurídica, permitem, proíbem, determinam algo de forma

peremptória, possuindo força jurídica e não apenas moral. Não há espaços

para ponderações; ou se aplica a regra ou não se aplica.

Assim, eventual conflito entre regras é resolvido, a partir de uma

análise abstrata, com o afastamento de uma regra por outra, que seja

considerada como possuidora de maior valor no ordenamento jurídico.

Já os princípios são mais abstratos, consideram-se como

determinantes de outras normas, constituem em pontos de referência para o

ordenamento jurídico, por isso são reputados como fundamentos de um

sistema normativo. Exprimem valores e são paradigmas, a despeito de

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poderem ser mitigados. Não obstante o grau elevado de abstração,

constituem-se em mandados a serem cumpridos na máxima medida do

possível.

Destarte, as regras são relacionadas ao campo da legalidade, da

validade, enquanto os princípios versam sobre legitimidade. Na hipótese de

colidência entre princípios, haverá a prevalência daquele que for considerado

mais importante, de maior peso no ordenamento jurídico. Evoca-se para a

melhor definição de princípios os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de

Melo:

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,

disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas

compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata

compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica

e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 1980, p. 230)

1.4 Direitos Fundamentais

Outrossim, releva se conceituar direitos humanos, sendo considerado no

presente trabalho o ensinamento de Ingo Sarlet:

temos por dignidade da pessoa humana, a qualidade intrínseca

e distitntiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo

respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,

implicando, neste sentido um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e

qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a

lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida

saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e

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co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em

comunhão com os demais seres humanos. ( SARLET, 2009,

pág. 53)

A noção de direitos fundamentais é variável no tempo e no

espaço, constituindo-se em expressão do momento histórico de um povo.

Podem ser entendidos os princípios como mandados de otimização,

caracterizando-se por serem inalienáveis, invioláveis, irrenunciáveis, universais

– embora, como se verá mais adiante, haja entendimento diverso. Estão

diretamente ligados ao campo ético e moral. Assim sendo, podem ser

considerados como normas de valor supra-estatal, e, portanto, se irradiam

para todos os campos do direito.

1.5 Direito Privado e Direito Público

Mister fazer uma breve distinção, apenas para efeitos de melhor

entendimento do tema a ser tratado, entre direito privado e direito público.

Consideram-se como normas de Direito Público as que versam sobre relações

do Estado com os cidadãos, da organização do próprio Estado e, ainda, das

relações internacionais entre Estados. Um dos princípios mais relevantes

destas normas consistem na prevalência do interesse público sobre o

interesse privado e na indisponibilidade do interesse público. Já as normas de

direito privado caracterizam-se por estatuir as relações entre as pessoas

privadas, especialmente na vida civil e comercial. Em suma, no Direito Público

só pode ser feito o que a lei autoriza, já no Direito Privado pode ser feito tudo

aquilo que a lei não proíbe; o que não está proibido, é permitido.

1.6 Contrato

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Pode-se afirmar, de forma suscinta, que o contrato é a expressão

máxima da manifestação convergente de duas vontades, gerando a

aquisição, modificação ou extinção de direitos com efeitos patrimoniais.

O conceito de contrato romano privilegiava o absolutismo da imposição

da vontade de quem tinha possibilidade de contratar. Considerava-se que o

contrato per se era bom, não podendo acarretar prejuízos às partes Na idade

média, considerava-se que o fim do contrato era a justiça, sendo este mais

importante do que a vontade das partes. Os jusnaturalistas inverteram este

entendimento, porquanto se entendida a vontade como fonte criadora de

direitos e obrigações. Já no século XVIII, a filosofia do contratualismo regeu as

normas jurídicas, concebendo o Estado como agente propiciador às liberdades

individuais, privilegiando-se o conteúdo à forma quanto aos efeitos jurídicos.

Logo, as convenções estabelecidas deveriam ser fielmente cumpridas, já que o

contrato era considerado como lei entre as partes.

1.7 Pacta Sunt Servanda

Neste contexto, explica-se a prevalência da força da vontade, expressa

no princípio da pacta sunt servanda, isto é, inexoravelmente os contratos

deveriam ser cumpridos, sendo consideradaa excepcionalmente como causa

de exclusão da obrigatoriedade dos deveres pactuados o advento de situações

decorrentes de força maior e caso fortuito. Partia-se do pressuposto que todos

são iguais perante à lei e após ter sido proferida a manifestação da vontade

livre dos contratantes, não havia sentido para uma interpretação que

impedisse a produção das conseqüências do que fora acordado, sob pena de

se instaurar instabilidade nas relações jurídicas. Trata-se da primazia do

consenso.

Entretanto, a realidade não se coadunava com a abstração do conceito

de igualdade. Doutrinas questionando a isonomia entre as partes

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principalmente após a desestruturação da Europa depois da II Guerra Mundial,

discordavam da idéia de justiça ínsita nos contratos, assim como a verificação

de que a execução do contrato poderia ensejar o enriquecimento de uma

parte em detrimento da outra. Com a crescente complexidade das relações

interpessoais e internacionais, a globalização da economia, o desenvolvimento

das ciências, a necessidade dos contratos de massa, o surgimento das

sociedades de consumo, tornou-se imperiosa a modificação dos parâmetros e

interpretação dos contratos.

1.8 Rebus Sic Stantibus

Neste período retomou-se a clausula do direito canônico “rebus sic

stantibus”, isto é, não se poderiam exigir os efeitos dos contratos se houvesse

0

condições posteriores diferentes à época da formalização do negócio jurídico,

independente da vontade das partes, que ensejavam pesado ônus no

cumprimento do contrato a uma das partes. Deste modo, o princípio da

autonomia da vontade não poderia ser inflexível, isento de restrições.

Reconhece-se a interferência estatal nos efeitos estipulados livremente pelos

indivíduos, porquanto o contrato deveria ser útil não só para as partes, mas

para os a sociedade.

O desafio, então, passa a ser o da preservação da liberdade volitiva com

a concepção de que o contrato pudesse sofrer a intervenção do Estado,

mantendo-se um equilíbrio entre as partes sem que, contudo, houvesse o

cerceamento da auto-regulação dos interesses particulares. Mister, então, que

fosse avaliada a causa e a finalidade da relação contratual, implicando na

possibilidade de revisar os parâmetros acordados, já que não se poderia exigir

as prestações avençadas (finalidade) se há uma conjuntura distinta daquela

existente da realização do contrato (causa).

1. 9 Direitos Fundamentais

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No que concerne aos direitos fundamentais, em sumário histórico,

registra-se que o conceito de pessoa era desconhecido na Antiguidade, tanto

assim que Aristóteles identificava o homem como um animal político.

Considera-se como marco histórico para o reconhecimento e previsão legal

dos direitos fundamentais o advento da chamada Magna Carta na Inglaterra,

em de 1215. Neste Diploma foram limitados os poderes do rei, assim como

declarados como direitos a igualdade civil e a liberdade política.

Com a Revolução Francesa e a ascensão da burguesia ganha relevância

o princípio de igualdade entre os homens. Destaca-se a influência de

importantes autores como Jean Jacques Rousseau, ao idealizar o contrato

social, e Montesquieu, que pugnava pela existência de poderes harmônicos

(Judiciário, Legislativo e Executivo) que se fiscalizariam entre si. Vale lembrar

que em 1791 foi proclamada a Declaração Norte-Americana (Bill of Rights),

consolidando a idéia de direitos inalienáveis, universais e essenciais à

existência do homem.11

A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 inovou ao

estabelecer que além dos direitos e garantias individuais, os direitos sociais,

são também exigíveis do Estado de todos os homens. O princípio da dignidade

humana é reputado como um atributo do próprio ser humano.

No Brasil não há explicitamente regra relativa à vinculação e

aplicabilidade dos direitos fundamentais aos particulares, mas também não

existe dispositivo que possa conferir interpretação em contrário. Outrossim, o

princípio da autonomia privada tem assento constitucional; devendo ser

conjugado com outros direitos fundamentais, notadamente o da dignidade da

pessoa humana.

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CAPÍTULO II

CONTRATOS NO BRASIL

2.1 Constituição de 1988

A Constituição de 1988 foi fruto de vários arranjos políticos, refletindo-se

na diversidade de interesses e objetivos nela previstos, como o incentivo à livre

iniciativa, a preservação da propriedade, como também a previsão de uma

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função social do contrato e da propriedade. A despeito dos embates

ideológicos, o constituinte originário reconheceu a dignidade humana como

verdadeiro princípio constitucional, notadamente em seu art. 5º, inciso II.

Não se pode olvidar que o objetivo do contrato é a satisfação dos

interesses dos contratantes. O contrato não tem fins altruísitcos. A atual forma

de interpretação dos contratos tem por escopo evitar o distanciamento entre o

dado normativo e a prática, utilizando-se dos princípios, que não podem ser

aplicados de maneira mecânica. O contrato é entendido muito mais como a

serviço da concretização dos princípios e valores do que a primazia do

interesse das partes. Isto não significa que a autonomia das partes tenha sido

superada. Como exemplo há a previsão do artigo 4 o da Constituição de 1988,

que eleva a iniciativa privada como um dos fundamentos da República.

Ressalte-se que, no entanto, não deve ser considerada como um valor per se,

mas sim de que deve ser conjugado com outros valores da Constituição, tais

como os princípios da dignidade da pessoa humana, da boa fé objetiva (artigo

113 do CC) e da função social do contrato (artigo 421 do CC) .

2.2 Boa-Fé

Os deveres decorrentes da boa-fé foram positivados no Código Civil de

2012, cuja redação da clausula geral prevista no no art. 422 emana para todas

as relações privadas. São independentes da vontade dos contratantes. Ela

está presente antes, durante e após o término da relação contratual, gerando

direitos e obrigações, posto que a concepção de contrato foi ampliada para

abarcar o interesses da coletividade.

A boa-fé se constitui numa fonte autônoma de deveres,

independentemente da vontade, e, por isso, a extensão e o

conteúdo da relação obrigacional já não se medem somente

nela (vontade), e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes

ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento

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do negócio jurídico com a admissão de um dinamismo que

escapa ao controle das partes. A boa-fé significa a aceitação da

interferência de elementos externos na intimidade da relação

obrigacional, com poder limitador da autonomia contratual.

(AGUIAR JÚNIOR, 1995, pág. 38)

Concluí-se que é subjacente a toda interpretação e modus operandi das

relações privadas valores éticos, fundamentais à convivência social. Daí

decorre também que há a confiança na outra parte de que será realizada a

obrigação avençada dentro das expectativas de um comportamento adequado

por parte do homem médio.

2.3 Princípio da Função Social do Contrato

O princípio da função social do contrato não está expressamente

previsto em um artigo específico, mas da leitura do art.421 do Código Civil é

possível extrair que a função social do contrato cria dois tipos de deveres: um

externo, para que haja o respeito aos princípios e regras sociais e o dever

intrínseco que corresponde ao dever de lealdade ao contratante. A decisão

abaixo é um exemplo de como o estatuído entre os contratantes é passível de

alteração, rompendo-se com a regra da imutabilidade da “lei entre as partes”,

não somente com fulcro em um direitos fundamental, a saúde, mas também

em seus efeitos irradiantes sobre a legislação infra-constitucional, mais

especificamente no Código de Defesa do Consumidor. Os contratos como os

de seguro de saúde são de adesão, portanto, o consumidor è a mais parte

mais frágil nesta relação de consumo. Assim, verifica-se na

contemporaneidade a aceitação da interveniência do Poder Judiciário, mesmo

que com isto advenha custos não previstos na equação financeira, sobre a

qual foram fixados inicialmente os valores das mensalidades pagas.

APELACAO 0352494-43.2009.8.19.0001

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DES. ADOLPHO ANDRADE MELLO - Julgamento: 13/06/2012 -

DECIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL

DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. RELATÓRIO

MÉDICO. STENT. CLÁUSULA LIMITATIVA. BEM MAIOR.

PACTA SUNT SERVANDA.1. Recurso com alicerce substancial

na existência de cláusula no contrato celebrado entre as partes

que excluiria a cobertura de stent.2. Relatório médico a

evidenciar a necessidade de implante de stent. 3. Procedimento

cirúrgico que não é mero complemento a substituir

artificialmente as funções de um membro ou órgão do corpo

humano, mas, sim, equipamento inerente e indispensável à

própria manutenção da vida do paciente, dada a gravidade do

estado de saúde deste, e indispensável ao pronto

restabelecimento do mesmo. 4. Ainda se existente, a cláusula

limitativa, exclusão que conflita com o disposto no do CDC, pois

acabaria por tornar inócua a garantia contratada. Abusiva, já que

restringe direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato.

Prevalência do direito à vida sobre quaisquer outros de caráter

patrimonial. 5. Saúde é o bem maior a ser preservado. 6.

Princípio do pacta sunt servanda, mitigado, em razão da boa fé

e da função social do contrato que devem regular todas as

relações contratuais, conforme dispõe o art. 421 do Código

Civil.7. Aplicação do Enunciado nº 112 do TJRJ.8.

Desprovimento do recurso.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal , na ADIN 939-7, reconheceu

que os direitos fundamentais não estão concentrados no artigo 5 o ou no

Capítulo 2 o da Constituição, mas que estão difusos pela CR/88, de forma

expressa ou não, não compreendendo apenas direitos e garantias individuais,

mas também direitos sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos

políticos.

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Corolário lógico do que até aqui se expôs, consiste na afirmação de que

a sistemática do direito privado atualmente recebe influência direta dos

institutos de direito público, em especial das normas de direito fundamentais,

as quais servem de parâmetro para a produção legislativa; posto que

condicionam toda produção legislativa, possuindo, pelo menos, o condão de

impedir o estabelecimento de normas ou de políticas lato sensu contrárias ao

seu comando.

16

CAPÍTULO III

DA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS.

3.1 Direitos Fundamentais na Esfera Privada

A aplicação da extensão dos direitos fundamentais na esfera privada

exsurge como uma das conseqüências da teoria Kelsiana, já que a

Constituição encontra-se acima dos demais atos normativos, mas ao falar da

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eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas poder-se-ia

perguntar se não estaria havendo uma invasão no âmbito na esfera da

vontade dos particulares. Afinal, as partes livres e capazes são desimpedidas

para pactuar o que melhor lhes aprouver. Até que ponto a dignidade do

contratante não está sendo afetada novamente por um Estado Leviatã?

Ocorre que nenhum direito é absolsuto, em nome da autonomia da

vontade , da liberdade contratual é defeso que seja feita tábula rasa das

normas e garantias fundamentais . Estas normas são aplicadas em todas as

esferas da vida, não podendo ser consideradas meros conselhos. Incorre em

equívoco conceber a sociedade como tão somente o somatório dos interesses

individuais. Entende-se que o individualismo deve ceder ao todo, até e

enquanto não seja ferido o valor da pessoa.

3.2 Proporcionalidade e Razoabilidade

Cabível então um juízo de proporcionalidade e razoabilidade para a

consecução da ponderação de valores. Entender-se-á como princípio da

proporcionalidade a adequação, a necessidade e proporcionalidade em

sentido estrito e será compreendida como razoablidade um juízo de equidade

no caso concreto. Assim, é razoável que os direitos fundamentais sejam

pensados não apenas do ponto de vista individual, mas adequados ao aos

interesses da sociedade, em razão da necessidade da concretização de

valores do ser humano como um fim.

3.4 Caso Erich Lüth

Neste diapasão, importa em lembrar o emblemático caso Erich Lüth, em

1950, no qual o presidente do clube de imprensa de Hamburgo, Alemanha,

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promoveu um boicote ao filme de Veit Harlam. Tal iniciativa gerou prejuízos

ao cineasta - principal responsável pelos filmes de divulgação das idéias

nazistas durante o governo de Hitler, principalmente por meio de seu filme “Jud

Süß”, de 1941 – e juntamente com os empresários que investiram na produção

cinematográfica, ajuizou uma ação judicial exigindo a cessação da capanha de

Lüth e a reparação dos danos causados. Logrando êxito nas instâncias

ordinárias. A Corte Constitucional foi instada a se pronunciar e pela primeira

vez na história, de fomra explícita, reconheceu a eficácia horizontal dos direitos

fundamentais e a necessidade de ponderação em caso de colisão de direitos.

Ponderou-se a relação entre custo benefício, quanto a privilegiar o direito à

livre expressão em detrimento da aplicação do art.828 do BGB, que previa o

direito à indenização decorrente da ofensa à honra e aos bons costumes. No

entanto, o direito à responsabilidade civil cedeu espaço, a partir da valoração

constitucional, à liberdade de expressão.

Ora, poderia se argumentar que foi ferida a proteção à iniciativa privada,

que houve violação ao direito de se produzir uma obra artísitca, cuja

assistência seria somente a dos pagantes que se interesassem pelo filme.

Logo, o balanceamento de direitos propiciariam, no mínimo, uma insegurança

jurídica já que, na época, inexisitiam normas que censuravam a produção.

Contudo, foi considerada a eficácia horizontal dos direitos fundamentais que

se irradiam para todo o sistema jurídico.

A Corte Alemã elaborou, a partir do caso Erich Lüth, a teoria mediata

dos direitos fundamentais nas relações privadas. Como adiante será melhor

explanado, o julgador irá aplicá-los, a partir da legislação vigente, em especial

na interpretação das cláusulas gerais, mitigando nomras de direito privado

contrárias à aplicação dos direitos fundamentais. Uma indagação exsurge: a

decisão do Tribunal Constitucional, por vias oblíquas, não acabava esvaziando

a possibilidade de outros trabalhos do diretor, que ficaria com a mácula de ser

um profissional comercialmente inviável em razão do seu passado, já que a

película boicotada não fazia apologia do nacional-socialismo?

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3.5 Caso Wackenheim

Um segundo caso também bastante emblemático da aplicação dos

direitos fundamentais às relações privadas consiste no julgado do Conselho

de Estado da França, em 1995, que ao proibir um campeonato de arremesso

de anões, após o requerimento da Prefeitura de Morsang-sur-Orge,

fundamentando-se em seu poder de polícia municipal, justificou que estava

ocorrendo violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ocorre que

um dos anões participantes da competição, Wackenheim, questionou a

interdição no bar onde trabalhava, pois, afinal, estavam sendo violados os seus

direitos ao trabalho, ao de celebrar contratos, a de prestar serviços a quem o

pagasse e, por consequência, estar-se-ia prejudicando a sua própria

sobrevivência.

Verifica-se que subjacente aos argumentos do Sr. Wackenheim está

a concepção de que o Estado deve se limitar a manter as condições de

preservação da sociedade, ao bom funcionamento do mercado. Os direitos

fundamentais seriam direitos contra o Estado e, por isso, direitos de autonomia

e defesa.

Entretanto, em 2002, o Conselho de Estado, órgão máximo da

jurisdição administrativa da França, decidiu, em grau de recurso, proibir o

torneio de “anões bala”, ao entender que a pretensão deduzida seria

atentatória e estava em colidência com a dignidade da pessoa humana e,

portanto, violava também a ordem pública.

Observa-se, outrossim, que o desfecho do julgamento, talvez fosse

outro se a questão em jogo não fosse relacionada aos direitos da

personalidade, mas estritamente a relações econômicas. O valor liberdade de

contratação foi restringido por valores fundamentais, valores estes

pretensamente consensuais à sociedade. A tutela da autonomia privada é

muito mais intensa quando conferida a questões de caráter existencial da

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pessoa humana do que quando se refere a demandas de cunho econômico-

patrimonial.

Poder-se-ia argumentar que se tratava de um contrato oneroso entre

partes livres e capazes, que o Sr. Wackenheim, conhecedor das repercussões

que as suas atividades acarretavam, poderia perfeitamente celebrar um

contrato no qual ele seria arremeçado o mais longe possível. Com o

argumento de que a decisão era discriminatória e violava o seu direito ao

trabalho, o Sr. Wackenheim recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU.

3.6 Renúncia a Direitos Fundamentais

Ad argumentandum, poder-se-ia dizer que o Sr. Wackenheim não

estaria abrindo mão da essencia de seus direitos fundamentais. A luz dos

ensinamentos de Virgílio da Silva, poderia até se cogitar uma renúncia pontual

a uma parcela temporária de um direito específico reconhecido como

fundamental. Porém, para o referido professor há limites para a disposição

destes direitos, quais sejam: o respeito a um núcleo axiológico mínimo do

sistema jurídico. Neste caso, então, inocorreria a posibilidade de que o Sr.

Wackenheim renunciasse à titularidade de direitos fundamentais pois estaria

se reduzindo à condição de objeto, esvaziando o sentido de dignidade humana

ínsito aos direitos fundamentais.

Quando aqui se faz menção a renúncia a direitos fundamentais

ou qualquer tipo de transação que os envolva, não se quer

sustentar, obviamente, que seja possível, via declaração de

vontade, abdicar ao direito em si e a toda e qualquer

possibilidade futura de exercitá-lo, mas tão somente à

possibilidade de renunciar, em uma dada relação, a um

determinado direito, ou ainda negociá-lo, em uma determinada

situação. Os efeitos dessa renúncia são válidos para essa

situação determinada. (SILVA. 2005, pág. 65)

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Ao questionamento supra, outrossim, acrescente-se que a dignidade

humana, como afirma Kant, não pode ser renunciada nem pelo prórpio

indivíduo.

Assim, com base neste raciocínio é possível asseverar que as decisões

das Cortes Alemã e Francesa trataram, em última análise, da defesa da

integridade do conceito de ser humano, considerado com um fim em si

mesmo.

3.6 Realitys Shows

Entretanto, poder-se-ia ponderar sobre uma espécie de renúncia nas

hipóteses dos chamados realitys shows, quando a privacidade dos

participantes é exposta pelos canais de comunicação e em alguns casos se

criam situações em que se coloca em risco a própria integridade física das

pessoas? Não raras são as situações em que são propostas provas nas quais

se avaliam os limites físicos e emocionais dos participantes, Entende-se que

não há a renúncia a direitos fundamentais, mas há uma auto-limitação

voluntária, sujeita a desistência a qualquer momento. Abstraindo-se de juízos

de valores acerca de programas deste jaez, afirma-se que cabe ao indivíduo

decidir como e quando, se for o caso, sua intimidade será divulgada.

Entretanto, não significa que esteja definitivamente abrindo mão de seu

direito. Não seria aceitável uma situação na qual se obrigasse o partícipe do

programa a dispor de seus direitos à personalidade, como por exemplo

determinar o confinamento da pessoa contra a sua vontade. A título de

ilustração, colaciona-se a descrição de como eram tratados os participantes de

um reality show veiculado há poucos anos aqui no Brasil.

Fechados em pequenas cabinas individuais, totalmente isolados

do mundo, sem controle sobre a própria vida e enfrentando

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desafios impostos por um computador os participantes têm seus

limites físicos e emocionais testados à exaustão. [...] Fome, frio,

calor, desconforto e precariedade colocam em xeque a sanidade

mental dessas pobres cobaias. [...]. A vida em Solitários é dura.

Os participantes não têm direito a banho, têm suas horas de

sono reduzidas e a alimentação, embora balanceada, é restrita.

Nem nome eles têm. Val só se refere a eles pelo número da

cabine que ocupam. (O PROGRAMA. Esquadrão da moda.

Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Data da

publicação: 2010. Disponível em:

<http://www.sbt.com.br/solitarios/oprograma/>. Acesso em:

04/07/2012.)

O Estado estaria legitimado a agir quando, a partir da ponderação de

valores, ficasse caracterizado o rebaixamento da pessoa a objeto, passando a

ser tratada como uma coisa, ainda mais ao se tratar de uma concessão de

serviço público federal de radiodifusão de sons e imagem. Neste diapasão, o

Ministério Público Federal de São Paulo, juntamente com organizações da

sociedade civil, ajuizou uma ação civil pública em face da emissora Rede TV,

entre os principais fundamentos estavam de que os programas veiculados,

especialmente os do humorista João Kleber, violavam o artigo 221 da

Constituição, porquanto estariam contrariavam valores éticos e princípios como

da dignidade humana, da igualdade e da não discriminação, bem como seriam

desrespeitosos a direitos fundamentais como à honra, à liberdade e à

privacidade alheia. Um dos programas intitulado de “Eu vi na TV” apresentava

um quadro chamado “Teste de Fidelidade”. Tratava-se de forjar situações, a

pedido de um dos integrantes de uma relação afetiva, para por à prova a

fidelidade do outro(a), sendo exposta para todo o país as imagens do

comportamento do “testado” ante a provocações de cunho sexual. Com fulcro,

entre outros, na violação a direitos fundamentais da pessoa humana foi

proferida decisão para que este, como outro programa do apresentador,

deixasse de ser exibido.

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Contudo, seria possível perquirir se não estaria havendo uma invasão à

esfera da liberdade privada, posto que o indivíduo é quem deverá fazer um

juízo de valor sobre o que vai assistir. Por este raciocínio, seria, então, defeso

ao Estado dizer o quê e quais programas o indivíduo é livre para assistir.

Ocorre que pelo princípio da solidariedade social são vedadas à discriminação

e as humilhações a que é exposto o indivíduo, cujo direito afetado seria

também o da sociedade como um todo, não se trataria da defesa de um

interesse individual, mas o de toda uma coletividade, inclusive porque as

mensagens e imagens veiculadas atingiriam a milhões de pessoas no país.

CAPÍTULO IV

DAS TEORIAS DA EFICÁCIA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.

Verifica-se nas teorias abaixo a preocupação em estabelecer regras e

limites para a interferência dos direitos fundamentais nas relações

particulares. Quais as formas e mecanismos usados para a dimensão objetiva

.

4.1 Teoria Mediata

A teoria mediata considera que a incidência dos direitos fundamentais

sobre as regras instituídas nas relações privadas ocorre através de princípios

e das normas de direito privado, fazendo-se- necessário o estabelecimento de

um liame pelo legislador privado, tal como uma ponte entre um sistema e

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outro, cabendo ao Poder Judiciário fazer a integração das normas de direito

privado, exigindo-se para tanto a utilização de conceitos não definidos na

norma, mas que poderiam ser extraídos da sistemática dos institutos de direito

privado. Contudo, poder-se-ia ponderar que a atuação do magistrado estaria

limitada a um número pequeno de situações, mas, em realidade, pertenceria

ao legislador a competência de criar normas que regulem a incidência dos

direitos fundamentais aos particulares. Tal postura estaria evitando uma

espécie de ativismo jurisdicional. No entanto, caberia ao Judiciário o dever de

completar as cláusulas indeterminadas criadas pelo legislador para aplicar

normas privadas em compatibilidade com os preceitos fundamentais, ou seja,

este preceitos servirão como método de interpretação de clausulas gerais ou

também chamadas de preecnchimento. DANIEL SARMENTO pontifica que a:

teoria da eficácia mediata nega a possibilidade de aplicação

direta dos direitos fundamentais nas relações privadas porque,

segundo seus adeptos, esta incidência acabaria exterminando a

autonomia da vontade, e desfigurando o Direito Privado, ao

convertê-lo numa mera concretização do Direito Constitucional.

(SARMENTO, apud SAMPAIO, 2003, pág. 78)

Destarte, a teoria mediata, adotada entre outros países na Alemanha,

busca preservar o principio da autonomia, limitando a possibilidade de

aumentar os poderes de intervenção do Estado na vida dos particulares que,

sob a justificativa de garantir os direitos fundamentais de viés social, dariam

azo à atrofia de outras garantias fundamentais relacionadas à liberdade do

indivíduo, até mesmo na esfera da intimidade pessoal.

4.2 Teoria Imediata

Já a teoria imediata, adotada entre outros por Portugal e Brasil, postula

que os direitos fundamentais não precisariam de mediação legislativa para

ingressar no sistema privado, seriam aplicadas de forma direta nas relações

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intersubjetivas, até porque todo e qualquer ato normativo deve estar em

consonância com preceitos constitucionais. Considera-se que não há como ser

criada uma regra geral para a aplicação dos direitos fundamentais, fazendo-se

imperiosa a análise do caso concreto no qual o paradigma está sendo

questionado. Portanto, mister que haja a realização de um ponderação de

valores, tal como propõe Ingo Wolfgang Sarlet , pois:

a forma de positivação e a função exercida pelos direitos

fundamentais se encontram umbilicalmente ligadas à sua

eficácia e aplicabilidade" ("a graduação da carga eficacial dos

direitos fundamentais depende, em última análise, de sua

densidade normativa, por sua vez igualmente vinculada a forma

de proclamação no texto e à função precípua de cada direito

fundamental . (SARLET, 1988, p. 248)

Cabe ressaltar que o aludido autor divide os direitos essenciais em

vários grupos para realizar uma análise distinta com relação à aplicação de

cada um deles, tendo sempre como premissa o postulado da otimização

máxima. Ainda que inexista legislação, o particular poderá opor seu direito em

face do outro, o que não significa que a teoria imediata não seja aplicada na

ausência de legislação.

Entretanto, poder-se-ia questionar que os magistrados não foram

eleitos para legislar, havendo uma subtração das funções de um Poder que

fora legitimamente escolhido pelo povo. Configurada estaria uma situação de

instabilidade jurídica, já que, por exemplo, a revisão de um contrato seria

analisada à luz de concepções ideológicas do magistrado, assim como um

determinado juízo poderia ter uma concepção de que somente os direitos

previstos no título II da Constituição seriam fundamentais; enquanto outro

poderia entender que, a despeito de determinado direito está situado no Título

II da Constituição, não seria materialmente considerado como direito essencial

a proteger a dignidade da pessoa humana.

A resposta aos questionamentos supra encontra-se no §2º, do art. 5 que

confere ao juiz a possibilidade de reconhecer a fundamentalidade de um

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direito fora do Título II. A propósito, o STF já reconheceu vários direitos

fundamentais fora do Título II, como a irretroatividade tributária, o direito

fundamental ao meio-ambiente, o direito fundamental à saúde. No entanto,

nem todos os direitos fundamentais seriam oponíveis aos particulares, pois

existem aqueles que são especificamente destinados ao Poder Público como

os direitos políticos, alguns direitos fundamentais sociais, como os direitos à

assistência e previdência social, e algumas garantias fundamentais de cunho

processual, como habeas corpus e mandado de segurança.

Assim sendo, não estaria o magistrado com poderes discricionários e

sem parâmetros para identificar um direito como fundamental, porquanto o

direito deve está vinculado ao Título II, assim como deve ser entendido como

essencial para garantir a proteção à dignidade da pessoa humana.

De toda sorte, tanto a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais,

quanto à indireta consideram que não pode haver a supressão da vontade

individual.

4.3 Teoria dos Deveres de Proteção do Estado

Uma terceira teoria, bastante semelhante à teoria da eficácia mediata é

a chamada doutrina dos "Deveres de Proteção do Estado" em relação aos

direitos fundamentais, surgida na Alemanha e capitaneada por autores como

Joseph Isensee e Klaus Stern. O legislador é quem deve atuar no seu ofício

em proteção e em consonância com os direitos fundamentais. Portanto não

haveria a interpretação judicial, mas a aplicação de normas e parâmetros

constituídos à luz dos direitos fundamentais.

4.4 Teoria da Convergência Estadista

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Uma quarta teoria, desenvolvida por Jügen Schwabe é a "Teoria da

Convergência Estadista”. A responsabilidade por alguma violação aos direitos

fundamentais praticada por particular seria a do Estado, pois uma lesão à

esfera individual teria ocorrido porque aquele ente público não exerceu seu

dever de legislar sobre a matéria. Neste sentido, cabe lembrar que seria

aplicada a teoria no Brasil a partir da premissa de que ninguém é obrigado de

fazer ou deixar de fazer algo, senão em função de lei. Em suma, se houve

alguma conduta danosa foi devido à permissão ou omissão legislativa,

cabendo, por conseguinte, a possibilidade de responsabilização do Estado.

Destarte, ao particular causador do prejuízo não será possível imputar

nenhuma responsabilidade por um ato que, em última análise, decorreria da

postura do Estado. Assim, segundo a teoria de Schwabe, não existe

equiparação entre ato do Estado e ato privado. O comportamento particular

não deixa de ser tratado como tal, porém, a responsabilidade pelos seus

efeitos é entendida como se estatal fosse. Desta feita, sempre que o Poder

Público não exercer sua função de legislar, violações de direitos fundamentais

por pessoas privadas serão por ele permitidas, e somente àquele poderá ser

imputada a responsabilidade, já que o Estado tem o dever de legislar.

4.5 Articulação das Teorias Mediata, Imediata e a dos Deveres de

Proteção do Estado

Uma tentativa de articulação das teorias mediata, imediata e a dos

Deveres de Proteção do Estado foi proposta por Robert Alexy, o qual formulou

a existência de níveis de deveres (o nível dos deveres do Estado; o nível dos

deveres frente ao Estado; e o nível da relação entre sujeitos privados). A

premissa básica é que entre os direitos fundamentais e os interesses

particulares há uma ponderação de interesses. Em um primeiro nível, as

decisões proferidas pelo Judiciário devem estar pautadas na existência de

direitos fundamentais, sob pena de o Estado ser responsabilizado ( sendo este

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o segundo nível). Já o terceiro nível seria a irradiação dos efeitos dos direitos

fundamentais sobre as relações privadas.

4.6 Teoria do state action

Cabe ressalvar que nos Estados Unidos prevalece a doutrina do “state

action”. Parte-se das premissas liberais, no sentido de que as normas

constitucionais, ainda que relativas a direitos fundamentais, vinculam apenas o

Estado, ou excepcionalmente a particulares no exercício de atividade

tipicamente estatais (public function theory), impedindo, por conseguinte, a

concepção da eficácia horizontal. Entende-se que deve haver uma

interpretação literal do contrato. Esta doutrina começou a sofrer algumas

temperanças a partir da política conhecida como New Deal Cita-se um famoso

caso ( Marsh X Alabama -1946), no qual uma empresa proprietária de um

terreno, que também servia de moradia para seus funcionários, veio a

constituir quase uma cidade privada, mas havia a restrição do ingresso de

determinado grupo religioso naquela área. A Suprema Corte entendeu que

estava ocorrendo o cerceamento do direito de expressão dos habitantes da

propriedade da empresa, não podendo o particular determinar normas que

estivessem relacionadas à vida privada dos indivíduos.

Entretanto, nos Estados Unidos ainda prevalece a teoria da “sate

action”, como pode ser exemplificado no caso Boy Scouts of America x Dale,

2000. Trata-se de uma sociedede privada de escoteiros, que destituiu do

posto de líder de uma tropa em Nova Jersey, Dale, um escoteiro, ativista de

um grupo de gays e lésbicas. Foi ajuizada uma ação no Superior Tribunal de

Justiça de Nova Jersey, sob a alegação de discriminação com base na

orientação sexual em lugares públicos. A Corte julgou procedente a ação, mas

a Suprema Corte Americana, em grau de recurso, decidiu favoravelmente a

Boy Scouts of America, sob o pálio de que a livre associação, assim como a

liberdade de não se associar, constiti um direito, não cabendo ao Estado

intrometer-se em assuntos privados para contrariar os objetivos e diretrizes da

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associação, bem como ir contra as suas deliberações, com o objetivo de impor

um direito contido na Primeira Emenda.

CAPÍTULO V

APLICAÇÃO DAS TEORIAS NO BRASIL

5.1 Posicionamento do Supremo Tribunal Federal

No acórdão abaixo proferido pelo Supremo Tribunal Federal -

transcrita na íntegra em razão da importância para os tribunais inferiores no

Brasil que, reproduzem trechos ou transcrevem a íntegra da ementa, utilizam-

no como paradigma a outros julgados - ficou consignado que o Estado não

pode se abster de intervir em uma relação privada para assegurar os direitos

fundamentais. No caso foi realizada uma ponderação de valores a partir da

colisão de direitos - entre a aplicação dos atos sociais da UNIÃO BRASILEIRA

DE COMPOSITORES, que é uma sociedade civil sem fins lucrativos, e a

aplicação dos direitos previstos no art.5, incisos LIV e LV da CR/88.

RE 201819 / RJ - RIO DE JANEIRO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. ELLEN GRACIE

Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES

Julgamento: 11/10/2005 Órgão Julgador: Segunda

Turma

Publicação

DJ 27-10-2006 PP-00064

EMENT VOL-02253-04 PP-00577

RTJ VOL-00209-02 PP-00821

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Parte(s)

RECTE. : UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES -

UBC

ADV. : VERA LUCIA RODRIGUES GATTI E OUTROS

RECDO. : ARTHUR RODRIGUES VILLARINHO

ADV. : ROBERTA BAPTISTELLI E OUTRO

29

Ementa

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO

BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO

SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO.

EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES

PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As

violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no

âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente

nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito

privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela

Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes

públicos, estando direcionados também à proteção dos

particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA

DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira

não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à

revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos

postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da

Constituição da República, notadamente em tema de proteção

às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia

privada garantido pela Constituição às associações não está

imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram

o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A

autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem

jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com

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desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente

aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da

vontade não confere aos particulares, no domínio de sua

incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as

restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja

eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares,

no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades

fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS.

ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE

NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO.

EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM

30

GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO

DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA

E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem

função predominante em determinado âmbito econômico e/ou

social, mantendo seus associados em relações de dependência

econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de

espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de

Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra

a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada

para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos

autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro

social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do

contraditório, ou do devido processo constitucional, onera

consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de

perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras.

A vedação das garantias constitucionais do devido processo

legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício

profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida

pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o

exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso

concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais

concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à

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ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO

EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

Observa-se que a decisão vai além de proteger o direito à

prévia comunicação dos atos e da igualdade de tratamento entre a acusação e

a defesa quanto à produção e manifestação de provas. Ressalte-se que no

caso também estava em jogo o próprio direito à livre associação, assim como

as prerrogativas conferidas por lei ao gozo de direitos autorais, nos termos da

Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, já que a UBC integra o ECAD

(Escritório Central de Direitos Autorais).

Ressalta-se, portanto, que o escritório central, previsto na lei, é patrimônio dos

titulares, patrimônio este administrado pelas associações de titulares. São essas

associações que dirige e administram o ECAD, fixando preços e regras de cobrança e

distribuição dos valores arrecadados, e controlam todas as informações cadastrais

pertinentes aos titulares, às suas obras musicais e aos seus fonogramas. (extraído,

em 25/06/2012, de

http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx)

Ademais, a exclusão do sócio significaria a obstrução ao recebimento

dos valores decorrentes da execução de seu trabalho em lugares públicos, da

fluência dos direitos autorais, que também são intransferíveis, imprescritíveis,

inalienáveis e irrenunciáveis. Cabe lembrar que as sociedades de defesa de

direitos autorais, como a UBC, têm como escopo principal defender os direitos

autorais de seus associados. Verifica-se, outrossim, que a decisão do STF

está em consonância com os diversos tratados internacionais sobre a

proteção dos direitos autorais dos quais o Brasil é signatário.

O direito essencial a ser preservado é o mais favorável à pessoa

humana. Entre dois direitos formalmente constitucionais, isto é, a livre

associação, sem a interferência do Poder Público, e o direito ao exercício da

ampla defesa; considerou-se como o de maior importância, no caso concreto,

aquele último. Ressalta-se que não se trata de se instituir uma hierarquia de

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direitos fundamentais, mas o da verificação de quais são os valores que

tenham maior densidade quanto às características dos direitos fundamentais.

Percebe-se que há diversas exigências ao Estado, que deve dar a

máxima eficácia às normas decorrentes do direito à livre associação, como

também de conferir a otimização do direito à ampla defesa. Então,

concomitantemente há o dever de se abster quanto ao direito da liberdade de

criação de estatutos e regras entre particulares, assim como há o imperativo

de agir quando aquelas venham a ferir direitos fundamentais.

O Supremo Tribunal Federal entende que a dimensão objetiva não

exclui a dimensão subjetiva, mas a reforça, já que os direitos fundamentais não

são apenas posições jurídicas dos indivíduos perante um Estado, mas são a

um só tempo direitos subjetivos e parâmetros essências à ordem

constittucional objetiva, não podendo, portanto, ser adotada a doutrina

americana quanto à concepção de liberdade do indivíduo, já que os direitos

individuais, quando ponderados com os direitos da sociedade, não

prevaleceriam.

5.2 Entendimento do Superior Tribunal de Justiça

A Egrégia Corte reconhece um efeito irradiante das normas

fundamentais nas relações privadas. No caso de contratos é imprescindível

que haja uma interpretação conforme os princípios constitucionais, sem

necessidade de mediações. Ademais, há de se considerar o entendimento de

que o Estado deve ter uma conduta ativa para a concretização dos direitos

fundamentais.

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 476649 SP

2002/0135122-4 (STJ)

Data de Publicação: 19 de Novembro de 2003

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Ementa: Consumidor. Contrato de prestações de serviços

educacionais. Mensalidades escolares. Multa moratória de 10%

limitada em 2%. Art. 52 , § 1º , do CDC . Aplicabilidade.

Interpretação sistemática e teleológica. Eqüidade. Função social

do contrato. É aplicável aos contratos de prestações de serviços

educacionais o limite de 2% para a multa moratória, em

harmonia com o disposto no § 1º do art. 52 , § 1º , do CDC .

Recurso especial não conhecido. . POSSIBILIDADE,

REDUÇÃO, MULTA MORATORIA.

Encontrado em: STJ RESP 503073 MG, RESP 39569 SP

(RSTJ 64/250), RESP 52995 SP, RESP 293214 SP

Neste julgado do Superior Tribunal de Justiça considerou perttinente a

intervenção estatal, porquanto o cumprimento do contrato não poderia ser

considerado apenas sob a ótica individualisata, devendo ser observado o

estatuído na Constituição quanto à proteção ao Consumidor (art.5º,XXXII).

Em observância ao princípio social do contrato, houve uma mitigação do

interesse particular quanto à redução da cláusula moratória de 10% para 5%.,

assim como buscou-se preservar o equilíbrio na relação contratual, a partir da

ponderação entre valores econômicos e sociais. Neste sentido cabe trazer à

colação o Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I

Jornada de Direito Civil.

Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do

novo Código Civil, não elimina o princípio da au t onom ia

con t r a t ua l , mas a t enua ou r eduz o a l cance desse

p r i nc íp i o quando p r esen t es i n t e r esses

metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da

pessoa humana.

Observa-se a presença do princípio da solidariedade social,

no qual as partes devem buscar o bem comum, para a satisfação dos

interesses coletivos, não podendo ser legitimada uma situação de

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enriquecimento sem causa, que afetaria os direitos fundamentais do devedor.

No entanto, poder-se-ia afirmar que a possibilidade de revisão contratual daria

azo à insegurança jurídica, pois o contrato propicia a circulação de bens e a

interferência do Estado, com vistas a promover os direitos fundamentais,

acabaria por dificultar as relações privadas, gerando, ainda que de forma

indireta, uma certa instabilidade contratual e o repasse dos custos decorrentes

de um rearranjo financeiro.

5.3 Análise Econômica do Direito.

Em uma análise econômica do direito, seriam possíveis arrolar as

seguintes críticas: ao Judiciário seriam repassadas demandas que deveriam

ser tratadas no campo legislativo, propiciando uma certa “politização” daquele

Poder, assim como a falta de previsibilidade nas decisões, que estariam mais

voltadas para um casuísmo de cunho sociológico, do que propriamente atento

à aplicação da lei e aos temos dos contratos celebrados. Neste diapasão,

alguns eventos indesejados poderiam ocorrer, tais como aumentos das taxas

de juros, aluguéis e preços em geral. Outrossim, ocorreria um efeito reverso, já

que aos contratantes considerados como partes mais fracas haveria um grau

de exigência maior para a celebração de um contrato, em razão do risco de

ingerências externas, vindo a modificar as clausulas contratuais.

A Análise Econômica do Direito” critica ferrenhamente essa

postura protetiva do Judiciário brasileiro. Confira, a esse

respeito, o seguinte argumento apresentado por Armando

Castelar Pinheiro, um dos principais expoentes da AED aqui no

Brasil:“a maioria dos magistrados acredita que os juízes têm um

papel social (redistributivista) a desempenhar, e que o objetivo

de proteger a parte mais fraca na disputa justifica a violação de

contratos. Este posicionamento reduz a segurança jurídica com

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que se desenrola a atividade econômica, e pode fazer com que

determinados mercados não se desenvolvam, possivelmente

prejudicando exatamente os grupos sociais que os juízes

buscam beneficiar. A quase inexistência de um mercado de

crédito imobiliário, notadamente para as famílias de mais baixa

renda, é um exemplo ilustrativo de como uma boa intenção pode

terminar tendo o efeito oposto ao originalmente buscado

(extraído, em 25/06/2012, de Análise Econômica dos

Direitos Fundamentais. George Marmelstein Lima.

http://direitosfundamentais.net/2007/12/14/analise-economica-

dos-direitos-fundamentais.)

Busca-se um meio termo entre os direitos fundamentais em conflito.

Sob a perspectiva da análise econômica do direito deve-se combater a

prevalência de um direito social sem que seja levada em consideração as

consequências macroeconomicas, já que podem ser razoáveis para um

determinado grupo e nefastas para toda a coletividade. Não se pode negar a

efetivação de um direito em detrimento ou anulação de outro, tal como ocorre

na situação de impenhorabilidade de bem familiar que, por força da Lei

8.009/90, retirou do mercado uma forma de garantia dos contratos de locação

e, por conseguinte, dificultou a formação de novos contratos de locação por ter

havido a redução de uma das formas de garantia mais usuais naqueles

negócios jurídicos. No entanto, a previsão contida na Lei 8.245, de 18.10.91,

que acrescentou o inciso VII à Lei 8.009/90, para ressalvar a penhora “por

obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação” proprciona

beneficiar um maior número de pessoas, prestigiando a ampliação da oferta

ao ser aceita a garantia fidejussória, sem prejuízo do que fora avençado

contratualmente, ao possibilitar a satisfação do crédito do locador através da

constrição patrimonial de bem residencial do fiador.

Por outro lado, a exigência ao particular de suportar uma modificação

no que foi contratado, exigindo-se que seja formulado um novo vínculo ou

estruturado em outras bases, poderia acarretar um efeito negativo nas

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relações comerciais, tais como uma retração por parte de alguns empresários

em investir em seus negócios, ou mesmo a criação de empecilhos na

circulação de mercadorias e serviços ( como a majoração de preços e a

criação de novos requisitos exigidos para a parte considerada mais fraca). De

uma certa forma, há quase uma espécie de responsabilidade solidária com o

Estado. Já que particulares são também instados a contribuírem, na maioria

das vezes, de forma pecuniária, de forma efetiva na consecução de direitos

fundamentais. Será isto justo, que o contratante além de ter que manter o

equilíbrio – em muitas vezes - tênue entre os devedores, terá também que

fazer às vezes do papel de Estado.

5.4Ordem Econômica

Assim também, verifica-se a colidência de interesses em processos de

estruturação de grandes empresas, no qual o Estado intervém, não

necessariamente através do Judiciário, mas através de órgãos como o CADE

(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ao analisar as propostas de

união da Perdigão com a Sadia e da fusão da Nesttlé com a Garoto. Há o

interesse social de se proibir a formação de monopólios, com o fito de proteger

os consumidores e conferir a máxima eficácia à norma constitucional que

protege o hipossuficiente nas relações consumeristas. Tenta-se preservar a

liberdade de escolha e se evitar a formação de preços abusivos, assim como a

tutela da própria livre iniciativa, no que tange ao cercamento da concorrência

por parte de outras empresas. Por outro lado, estar-se-ia imiscuindo na relação

privada, contrariando o direito de organização dos interesses dos particulares,

que não somente buscam os lucros, mas também formas de maior

competitividade, incremento do capital, cujas consequências, entre outras,

refletiriam em uma maior arrecadação fiscal e de forma legítma e em uma

maior competitividade tanto em âmbito nacional, quanto internacacional.

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No caso supra, verifica-se que além da defesa do consumidor, há

também o interesse em manter uma ordem econômica concorrencial. Partindo-

se da premissa básica que a Constiuição é um sistema uno de normas, deve-

se primar pela coerência do sistema, utilizando-se para tanto um juízo de

proporcionalidade para que sejam otimizados os princípios e interesses em

jogo, eis que não há hierarquia entre os princípios constitucionais.

Enfim, fez-se um balanceamento dos interesses, com vistas a

harmonizar os princípios que estão em colidência. Todavia, poderia se

argumentar se tal solução estaria sujeita a influência das ideologias do

hermeneuta, da política governamental vigente em determinado período. Então

seria cabível a seguinte indagação: esta forma de compromisso fundada em

interpretações subjetivas garantiria a estabilidade e previsibilidade das

relações jurídicas? Uma resposta possível consiste na constatação que a

realidade é mulifacetada e cambiável, não bastando apenas a aplicação de

regras normativas isoladas para que se alcance uma melhor solução

conciliatória, talvez não a ideal, mas a possível, que, por analogia, poderia ser

entendida como uma transação, ou um pacto de compromissos entre os

interesses das partes, já que se busca a máxima efetivação dos mesmos.

5.5 Relações Trabalhistas

O julgado a seguir é mais um exemplo do entendimento já consagrado

do STF quanto à aplicabilidade das cláusulas e garantias no âmbito das

relações horizontais, posto que a autonomia privada não pode ser exercida em

detrimento a direitos de terceiros, especialmente àqueles com assento

constitucional.

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE.

TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA

ESTRANGEIRA ESTATUTOS DO PESSOASL DESTA:

APLICABILIDADE: AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO

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TRABALHADOR BRASILEIRO. CF , 1967, art. 143, parágrafo 1;

CF. 1988, art. 5, “caput”.

I – Ao recorrente por não ser francês, não obstante trabalhar

para a empresa francesa n Brasil, não foi aplicado o Estatuto do

Pessoal da Empresa,que concede vantagens aos empregados,

cuja aplicabilidade seria restrita aos empregados, cuja

aplicabilidade seria restrita ao empregadao de nacionalidade

francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: CF. 1967, art. 153,

parágrafo !: CF 1988, art. 5, caput.

II – A discriminação que se baseia em atributo, qualidade nota

íntrinseca ou extrínseca do indivíduo, como sexo, a raça, a

nacionalidade, o credo religiosos, etc, é inconstitucional.

Precedente do STF. Ag110.846 (AgRg) –PR, Célio Borja, RTJ

119/465.

III – Fatores que autorizam a desigualização não ocorrentes no

caso.

IV – R.E conhecido e provido”

( RE161.243DF. Rel. Min Carlos Veloso)

A aplicação dos direitos fundametntais nas relações de trabalho

encontra menos objeções do que a sua incidência nas demais realções

contratuais privadas, ante à desigualdade fática dos envolvidos. Tal fato faria

com que houvesse uma maior intensidade na proteção de direitos como à

segurança, à saúde, à informação, à intimidade e à privacidade no contratos

laborais. No caso em comento foi coibida a desigualdade entre trabalhadores

nacionais e estrangeiros. Seriam admissíveis assimetrias no tratamento dos

empregados em uma empresa fundada em aspectos individuais como a

qualificação do empregado, o grau de eficiência, o nível educacional e o tempo

na empresa, entre outros. A decisão do STF não poderia é anular o núcleo

essencial dos direitos potestativos do empregador - limitado pela legislação

imperativa e pelas normas coletivas, conforme prescreve o artigo 444 da

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Consolidação das Leis do Trabalho - como os de organizar, dirigir e fiscalizar

suas atividades econômicas. A liberdade de contratar e avençar as cláusulas

dos contratos deve estar harmonizada com o conjunto de direitos

fundamentais, que, no caso em tela, reconheceu a violação de um dos

princípios com maior peso na Constituição, qual seja o da igualdade. Ainda que

outros empregados brasileiros da empresa francesa anuíssem com a

diferença dos seus salários em relação aos empregados franceses, não se

poderia negar eficácia à norma mandatória da isonomia, sob pena de violação

ao princípio da máxima efetivação da Constituição.

Uma outra situação na qual há uma necessidade de harmonização entre

os princípios fundamentais e liberdade do empregador estabelecer regras no

âmbito das atividades laborais é a possibilidade de acesso do empregador ao

conteúdo das mensagens enviadas e recebidas pelos seus empregados,

através de e-mail corporativo. O Estado não poderia intervir no poder de

comando do empregador, quando este determina a vedação de uso do

computador para fins pessoais no local de trabalho, até mesmo porque a

utilização de email funcional é uma forma de veiculação da imagem da

empresa. No entanto, não prevalece o direito à fiscalização do conteúdo face

aos princípios da preservação da intimidade, da vida privada, da honra, da

imagem e do sigilo de correspondência, sem prejuízo de eventuais punições

aplicadas ao empregado.

TRT, 3ª. Região, 4ª Turma, processo n. 00997-2005-030-03-00-

6, relator Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault,

publicação DJMG 13/06/2006.

“ (...) Nesse espaço de tensão entre os homens e o poder, entre

os homens e as máquinas, é indispensável que se encontre um

ponto de harmonia em que as garantias constitucionais não

sejam desprezadas em nome da modernidade, da

produtividade, da qualidade total e do lucro. Eis o papel que

entendo caber aos operadores do Direito para uma efetiva

tutela da intimidade, na qual se insere a inviolabilidade de

correspondência, inclusive a eletrônica: preservação da

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45

privacidade do conteúdo dos e-mails, verdadeira extensão da

vida e dos segredos mais íntimos das pessoas, exceto nas

hipóteses em que tal invasão se torne realmente indispensável

para a apuração da verdade dos fatos e mediante prévia

autorização judicial, já que, por outro lado, a pré-constituição da

prova, como salientou o juiz Caio Vieira de Mello, quando

produzida por uma das partes direta e pessoalmente envolvida

na mensagem, desafia certificação cartorial, por iniciativa do

remetente ou do destinatário, únicas pessoas, que, em

princípio, podem ter acesso ao conteúdo de determinadas

mensagens.”

A decisão demonstra a aplicação da teoria imediata das normas de

direito fundamental, ou como prefere chamar Ingo Sarlet de perspectiva

jurídico-objetiva dos direitos fundamentais. O Poder Judiciário é legitimado a

intervir nas relações subjetivas com o fito de garantir princípios éticos do

direito, podendo relativizar outros princípios. No caso, o dever de proteção ao

hipossuficiente, irradia-se para a seara privada, isto é, fornece subsídios e

diretrizes para a aplicação e interpretação às normas de direito privado.

A Constituição traz implícita a limitação de um direito fundamental por

outro, mas também ela pode fazer limitações de forma explícita, sendo, então,

o Poder Judiciário competente para promover tal mediação, com o escopo de

garantir princípios éticos do direito, mesmo que não haja no ordenamento

jurídico pátrio preceito como o previsto no Artigo 18, item 1 da Constituição

Portuguesa de 1976: ‘Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos,

liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades

públicas e privadas."

CAPÍTULO VI

CONCLUSÃO

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46

Verifica-se que as normas de direito fundamentais exercem um

“efeito irradiante” sobre todo o sistema jurídico. Portanto, sendo um erro

entender os contratos tão somente como manifestação máxima da autonomia

privada. Esta deve ser qualificada por princípios como os da boa-fé e da

função social do contrato. A ordem constitucional consagra a liberdade de

escolha como uma das manifestações do princípio da dignidade da pessoa

humana. Portanto, é assegurada pelo ordenamento jurídico a faculdade que o

indivíduo possui em deliberar, conforme os seus interesses, sobre os efeitos

do negócio jurídico, desde que haja observância às normas de direitos

fundamentais.

A autonomia da vontade é um direito constitucional implícito, mas que

se concretiza através de outros direitos, como por exemplo o direito de

propriedade (art.5, XXII0, o direito à propriedade ( art.5 º, o direito ao livre

exercício de qualquer trabalho, ofício ou emprego(art.5 º, XXX), o direito de

convenção ou acordo coletivo (art 7 º, XXVI)

Uma eventual tensão entre o princípio da autonomia da vontade e

direitos fundamentais não deve ser interpretada como um antagonismo a ser

resolvido com a anulação de um legítimo interesse particular. Considera-se

que tal situação decorre da característica de uma sociedade plural, cuja

diversidade de objetivos refletem-se nas normas e princípios estatuídos na

Constituição de 1988. Assim, dentro de um contexto hermenêutico-constitucional, que

objetiva a máxima concretização dos direitos fundamentais, constitui um poder-dever do

Estado a proteção dos direitos fundamentais contra atos emanados por particulares ou pelo

próprio Poder Público.

Na maioria das relações privadas tem-se uma parte economicamente

mais forte, cuja efetivação dos interesses poderá ferir direitos fundamentias do

outro contrante, sendo, então, aceita a incidência da dimensão objetiva. E

ainda que houvesse uma simetria entre as partes seria exigível a observância

aos direitos fundamentais, podendo-se afirmar que a tutela será de forma

mais intensa quando estejam em jogo valores não patrimoniais.

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47

Entretanto, sob o pálio da aplicação de direitos fundamentais não se

justificam intervenções do Estado nas relações particulares, quando de forma

genérica se evoca o princípio da proporcionalidade ou o princípio da dignidade

humana, sob pena de se estabelecer a insegurança jurídica e ofensa aos

direito fundamentais relacionados à liberdade privada. Também não se trata de

se adotar uma posição como a nos Estadaos Unidos, na qual, em homenagem

à liberdade, o Judiciário só intervém de forma excepcional nas relações

privadas e nestes casos, mister que haja uma cuidadosa fundamentação no

caso de revisão contratual em nome da preservação de valores fundamentais.

Outra forma de preservação do equilíbrio entre a autonomia da vontade

e as normas fundamentais é a aferição da existência de relativa igualdade

entre as partes. Não havendo a supremacia de uma parte sobre a outra, não

haveria razão de se mitigar o valor liberdade, desde que os direitos

fundamentais não fossem atingidos. No caso de flagrante desigualdade

substancial, a aplicação direta dos direitos fundamentais na esfera privada

seria legitimada. Não obstante a relativa igualdade em um contrato, em sendo

caracterizada a violação das chamadas questões existenciais, a tutela da

autonomia privada também se mostra presente.

NOTAS REMISSIVAS

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48

(1) AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Globo, 1988,

pág. 152.

(2) SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 7. ed. rev.

atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2007. p.173-174.

(3) TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a

Constitucionalização do Direito Civil. in Temas de Direito Civil. 2. ed. Org.

TEPEDINO, G. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pág29.

(4) GOMES, ORLANDO Direitos Reais Rio de Janeiro: Editora Forense, 10a ed.

1990, pág.47.

(5) MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo.

Ed. RT, São Paulo, 1980, p. 230.

(6) SARLET, INGO WOLFGANG. A Eficácia dos Direitos Fundamentais.

Editora do Advogado. 10 a ed. 2009, pág. 53.

(7) AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. A boa-fé na relação de consumo. Revista

Direito do Consumidor, n.6,abr.1995, pág. 38.

(8) SILVA. Virgílio Afonso da. A Consitutcionalização do Direito – Os Direitos

Fundamentais nas Relações entre Particulares. São Paulo. Malheiros, 2005,

pág. 65.

(9) ) O PROGRAMA. Esquadrão da moda. Sistema Brasileiro de Televisão

(SBT). Data da publicação: 2010. Disponível em:

<http://www.sbt.com.br/solitarios/oprograma/>. Acesso em: 04/07/2012.

10) SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais:

fragmentos de uma teoria. (251/314). In SAMPAIO, José Adércio Leite (org).

Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Editora Del

Rey, 2003, pág, 78.

(11) SARLET, INGO WOLFGANG. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos

Fundamentais na Constiuição Federal de 1988, p. 248.

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49

(12) http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx. Acesso em

25/06/2012.

(13) LIMA, George Marmelstein. Análise Econômica dos

Direitos Fundamentais. http://direitosfundamentais.net/2007/12/14/analise-

economica-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 04/07/2012.

(14)http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Portugal/Sistema_Politico/Constituicao

/06Revisao/constituicao_p02.htm. Acesso em: 04/07/2012.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. A boa-fé na relação de consumo. Revista

Direito do Consumidor,n.6,abr.1995.

2 - AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Globo, 1988.

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50

3 - BARROSO, Luís Roberto (org). A nova interpretação constitucional:

ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro:

Renovar, 2006.

4 - GOMES, ORLANDO Direitos Reais Rio de Janeiro : Editora Forense, 10a

ed. 1990.44

5- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo.

Ed. RT, São Paulo, 1980

6 - SARLET, INGO WOLFGANG. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos

Fundamentais na Constiuição Federal de 1988.

7 – SARLET, INGO WOLFGANG. A Constituição Concretizada. Porto Alegre.

Livraria do Advogado.

8 - SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais:

fragmentos de uma teoria. (251/314). In SAMPAIO, José Adércio Leite (org).

Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Editora Del

Rey, 2003.

9 -SILVA. Virgílio Afonso da. A Consitutcionalização do Direito – Os Direitos

Fundamentais nas Relações entre Particulares. São Paulo. Malheiros.

10- TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a

Constitucionalização do Direito Civil. in Temas de Direito Civil. 2. ed. Org.

TEPEDINO, G. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

RESUMO 3

METODOLOGIA 4

SUMÁRIO 5

INTRODUÇÃO 6

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CAPÍTULO I

CONCEITOS BÁSICOS

1.1Publicização e Constitucionalização do Direito Privado 9

1.2 A Autonomia da Vontade 9

1.3 Distinção entre Normas e Princípios 10

1.4 Direitos Fundamentais 12

1.5 Direito Privado e Direito Público 12

1.6 Contrato 13

1.7 Pacta Sunt Servanda 13

1.8 Rebus Sic Stantibus 14

1.9 Direitos Fundamentais 15

CAPÍTULO II

CONTRATOS NO BRASIL

2.1 Constituição de 1988 17

2.2 Boa-Fé 17

2.3 Princípio da Função Social do Contrato 18

CAPÍTULO III

DA INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS.

3.1 Direitos Fundamentais na Esfera Privada 21

3.2 Proporcionalidade e Razoabilidade 21

3.7 Caso Erich Lüth 22

3.8 Caso Wackenheim 24

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3.6 Renúncia a Direitos Fundamentais 24

3.9 Realitys Shows 25

CAPÍTULO IV

DAS TEORIAS DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS

RELAÇÕES PRIVADAS.

4.1 Teoria Mediata 28

4.2 Teoria Imediata 29

4.3 Teoria dos Deveres de Proteção do Estado 31

4.4 Teoria da Convergência Estadista 31

4.5 Articulação das Teorias Mediata,

Imediata e a dos Deveres de Proteção do Estado 32

4.6 Teoria do state action 32

CAPÍTULO V

APLICAÇÃO DAS TEORIAS NO BRASIL

5.1 Posicionamento do Supremo Tribunal Federal 34

5.2 Entendimento do Superior Tribunal de Justiça 38

5.3 Análise Econômica do Direito 40.

5.4Ordem Econômica 42

5.5 Relações Trabalhistas 43

CONCLUSÃO 47

NOTAS REMISSIVAS 49

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 51

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ÍNDICE 52