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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO: SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES Por: Luciana Lopes de Medeiros Tavares Orientador Prof. José Roberto Niterói 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO:

SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES

Por: Luciana Lopes de Medeiros Tavares

Orientador

Prof. José Roberto

Niterói

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO:

SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito

Processual Civil

Por: Luciana Lopes de Medeiros Tavares

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, à minha família, aos

meus amigos e parentes,

especialmente ao meu esposo, por

todo apoio sempre.

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DEDICATÓRIA

Dedico à minha grande amiga Maria Célia

Ferraz pelo incentivo dispensado e pelo

exemplo que é para mim.

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RESUMO

A fraude contra credores, bem como a fraude à execução, é o ato do

devedor com a intenção de prejudicar o credor no recebimento do que lhe é

devido. Ocorre que as duas modalidades de fraude acima citadas, embora com

a mesma finalidade, qual seja, impedir que o crédito seja satisfeito, possuem

inúmeras distinções. O objetivo desse trabalho é justamente fazer uma

exposição dos referidos temas e demonstrar a importância e aplicabilidade de

cada um, tendo em vista suas semelhanças e diferenças. A fraude contra

credores e a fraude à execução não se confundem, ainda que apresentem

alguns requisitos comuns.

Pretende-se então com esse estudo analisar os referidos temas para a

melhor utilização dos mesmos ao caso concreto, para na fraude à execução

tornar ineficaz perante o credor a alienação do bem do executado, e no caso

da fraude contra credores para ver anulado o negócio jurídico realizado. Isso

será possível através da compreensão das hipóteses de cabimento de cada

uma das modalidades de alienação fraudulenta.

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METODOLOGIA

O método de pesquisa utilizado foi predominantemente o bibliográfico,

com a utilização de uma literatura vasta pertinente ao tema.

A metodologia do trabalho está centrada na pesquisa e coleta de

informações de ordem teórica, através de levantamento bibliográfico de livros,

artigos e textos publicados sobre o assunto.

Os recursos bibliográficos utilizados foram selecionados baseados nas

teorias mais consagradas na abordagem do tema, havendo a preocupação de

uma linguagem de fácil compreensão, objetivando sua divulgação para as

pessoas que tenham interesse no tema.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO 1 - Fraude contra credores 10

1.1 – Introdução 10 1.2 – Conceito 11 1.3 – Requisitos da fraude contra credores 12 1.4 – Ação pauliana 14

1.5 – Conclusão 18 1.6 – Observações gerais 18 CAPÍTULO 2 - Fraude à execução 24

2.1 – Introdução 24 2.2 – Conceito 27

2.3 – Requisitos da Fraude à execução 28 2.3.1 Litispendência 28 2.3.2 Frustração do meio executório 29 2.4 – Hipóteses legais 31 2.5 – Efeitos da declaração de fraude 37 2.6 – Considerações finais 39

CAPÍTULO III – Comparativo dos dois institutos 41

CONCLUSÃO 49

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA --

BIBLIOGRAFIA CITADA (opcional) --

ÍNDICE --

FOLHA DE AVALIAÇÃO --

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INTRODUÇÃO

Conforme estabelece o art. 591, do CPC, o devedor ou o responsável

pelo débito apenas respondem pelo mesmo com todos os seus bens presentes

e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei, como aqueles bens que são

considerados absolutamente impenhoráveis. No entanto, existem situações em

que os bens que, aparentemente, deixaram de integrar o patrimônio do

devedor, também podem vir a ser usados para pagamentos dos credores. São

aquelas hipóteses em que a transferência se operou de forma fraudulenta.

Nesta linha de raciocínio, verifica-se que o ordenamento jurídico

procura reprimir os atos do devedor que tenham por finalidade frustrar, total ou

parcialmente, a satisfação de suas obrigações perante os seus credores. São

atos fraudulentos do devedor: a fraude contra credores, a fraude à execução e

a fraude à alienação de bem penhorado.

A maioria dos doutrinadores trabalha apenas com as hipóteses de

fraude a credores e fraude à execução, onde esta incluiria a fraude à alienação

do bem penhorado. Por isso, nesse estudo, serão tipificadas como hipóteses

de fraude, em suas modalidades: a fraude contra credores, prevista na lei civil

(arts. 158 a 165 do CC-02) e a fraude à execução, com previsão no art. 593 do

CPC.

Embora diversas as semelhanças entre a fraude contra credores e a

fraude à execução, especialmente porque os dois institutos se prestam a uma

mesma finalidade, qual seja, preservar a garantia do credor no recebimento do

seu crédito, várias diferenças devem ser apontadas no sentido de distinguir as

duas figuras jurídicas.

Em primeiro lugar, a fraude à execução é instituto de direito processual

consistente em uma violação da função processual executiva, enquanto que a

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fraude contra credores faz parte do direito material, enquadra-se

sistematicamente como um dos defeitos dos negócios jurídicos. Na primeira a

violação é de caráter público, enquanto, que na segunda a violação é de

ordem privada.

A fraude contra credores ocorre antes da instauração da demanda,

enquanto que a fraude à execução se dá após a formação da relação

processual, em uma das hipóteses do art. 593 do Código de Processo Civil.

Na fraude à execução, há uma dispensa da prova do consilium fraudis,

já que a presunção é absoluta, enquanto que na fraude contra credores, pode

ser questionada a má fé para fins de descaracterização do defeito do negócio.

A fraude à execução, por consistir em uma violação de norma pública,

pode ser reconhecida até mesmo de ofício pelo juiz, enquanto que a fraude

contra credores requer propositura de ação pauliana para anulação do ato.

O reconhecimento judicial da fraude à execução implica ineficácia do

ato de alienação, possibilitando seja o bem penhorado e executido, mesmo

que incorporado ao patrimônio do adquirente, ao passo que na fraude contra

credores os autores discutem se ocorre ineficácia relativa ou anulabilidade.

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CAPÍTULO 1

FRAUDE CONTRA CREDORES

1.1 Introdução

A garantia dos credores para a satisfação de seus créditos reside no

patrimônio do devedor. Enquanto o devedor, no curso de sua vida jurídica,

pratica atos que não colocam em choque a garantia de seus credores, está

ele plenamente livre para agir dentro da capacidade que o Direito lhe

concede.

No momento em que as dívidas do devedor superam seus créditos,

mas não só isso, no momento em que sua capacidade de produzir bens e

aumentar seu patrimônio mostra-se insuficiente para garantir suas dívidas,

seus atos de alienação tornam-se suspeitos e podem ser anulados. Surge,

então, o tema da fraude contra credores.

Com a regra geral do art. 591 do CPC, vige em nosso sistema jurídico

o princípio da responsabilidade patrimonial, que significa que todo o patrimônio

do devedor, pouco importando se os bens ou direitos que o compõe existiam

quando a dívida foi contraída, responde por ela, no caso de inadimplemento

voluntário, garantindo ao credor o exato cumprimento da obrigação através da

tutela coativa do Estado. Outrossim, existem poucas restrições que permitem

que, em determinadas situações, alguns bens do patrimônio do devedor não

respondam para o cumprimento de suas obrigações.

Ocorre que, muitas vezes, o devedor subtrai de seu patrimônio os bens

que, por força do princípio da responsabilidade patrimonial, eram garantia geral

do cumprimento de sua obrigação, com o propósito de levar prejuízo aos seus

credores, praticando fraude em relação a eles.

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Visando coibir esses atos fraudulentos, neutralizando perante o credor

a oneração ou alienação dos bens realizada pelo devedor, nosso ordenamento

jurídico disciplinou a proteção ao credor através do instituto da fraude contra

credores, que é instituto de direito material, previsto no capítulo dos defeitos

dos negócios jurídicos (art. 158 a 165 do C.C.), e que consiste em causa para

a desconstituição dos atos praticados pelo devedor, após ter contraído dívidas,

mesmo antes do início do processo.

1.2 Conceito

Para a maior parte da doutrina, constitui fraude contra credores toda

diminuição maliciosa levada a efeito pelo devedor, com o propósito de

desfalcar aquela garantia, em detrimento dos direitos creditórios alheios.

Não constitui fraude, portanto, o fato em si de reduzir o devedor seu ativo

patrimonial, seja pela alienação de um bem, seja pela constituição de

garantia em benefício de certo credor, seja pela solução de débito

preexistente. O devedor, pelo fato de o ser, não perde a liberdade de

disposição de seus bens. O que se caracteriza como defeito, e sofre a

repressão da ordem legal, é a diminuição maliciosa do patrimônio,

empreendida pelo devedor com ânimo de prejudicar os demais credores ou

com a consciência de causar dano.

Segundo Francisco do Amaral, a “fraude contra credor é pertinente

à matéria das obrigações, na parte referente às medidas conservatórias do

patrimônio do devedor, com garantia do pagamento de suas dívidas” (Direito

civil, cit., p. 163).

Marcos Bernardes de Mello conceitua fraude contra credores como

“todo ato de disposição e oneração de bens, créditos e direitos, a título

gratuito ou oneroso, praticado por devedor insolvente, ou por ele tornado

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insolvente, que acarrete redução de seu patrimônio, em prejuízo de credor

preexistente” (Teoria, cit., p. 163).

Fraude contra credores é, portanto, todo ato suscetível de diminuir

ou onerar seu patrimônio, reduzindo ou eliminando a garantia que este

representa para pagamento de suas dívidas, praticado por devedor

insolvente, ou por ele reduzido à insolvência.

1.3 Requisitos da fraude contra credores

Dois são os elementos que compõe o conceito de fraude contra

credores: o objetivo (eventus damni), ou seja, a própria insolvência, que

constitui o ato prejudicial ao credor; e o subjetivo (consilium fraudis), que é a

má fé do devedor, a consciência de prejudicar terceiros.

Ao tratar do problema da fraude, o legislador teve de optar entre

proteger o interesse dos credores ou do adquirente de boa fé. Preferiu

proteger o interesse deste. Ignorava-se a insolvência do alienante, nem

tinha motivos para conhecê-la, conservará o bem, não se anulando o

negócio. Desse modo, o credor somente logrará invalidara alienação se

provar a má fé do terceiro adquirente, isto é, a ciência deste da situação de

insolvência do alienante.

Este é o elemento subjetivo da fraude: o consilium fraudis, ou

conluio fraudulento. Não se exige o entanto, que o adquirente esteja

macomunado ou conluiado com o alienante para lesar os credores deste.

Basta a prova da ciência da sua situação de insolvência.

O art. 159 do Código Civil presume a má fé do adquirente “quando a

insolvência (do alienante) for notória, ou houver motivo para ser conhecida

do outro contraente”. A notoriedade da insolvência pode se revelar por

diversos atos, como, por exemplo, pela existência de títulos de crédito

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protestados, de protestos judiciais contra alienação de bens e de várias

execuções ou demandas de grande porte movidas contra o devedor.

Embora a insolvência não seja notória, pode o adquirente ter

motivos para conhecê-la. Jorge Americano, citado por Silvio Rodrigues (Silvio

Rodrigues, Direito civil, cit., v. 1, p. 229), refere-se a algumas presunções

que decorrem das circunstâncias que envolvem o negócio e são

reconhecidas pela jurisprudência. Assim, os contratos se presumem

fraudulentos: “a) pela clandestinidade do ato; b) pela continuação dos bens

alienados na posse do devedor quando, segundo a natureza do ato, deviam

passar para o terceiro; c) pela falta de causa; d) pelo parentesco ou

afinidade entre o devedor e o terceiro; e) pelo preço vil; f) pela alienação de

todos os bens.

A prova do consilium fraudis não sofre limitações e pode ser

ministrada por todos os meios, especialmente indícios e presunções. Já

dizia Teixeira de Freitas que, para a prova da fraude, “se admitem indícios e

conjecturas”. Os casos mais comuns de presunção de má fé do adquirente,

por haver motivo para conhecer a má situação financeira do alienante, são

os de aquisição do bem por preço vil ou de parentesco próximo entre as

partes. Veja-se:

“Fraude contra credores. Caracterização. Devedor que aliena imóvel

a irmão e cunhada não demonstrada a existência de outros bens que não

os alienados, obstando o registro da penhora efetivada nos autos da

execução. Presunção de insolvência estabelecida e reforçada pela

existência de outras demandas em face do réu (RT, 794/249).

Como já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, o consilium

fraudis nem sempre se apresenta cristalino, até porque quem dele participa

procura ocultar sua verdadeira intenção. Mas emerge do conjunto de

indícios e circunstâncias a revelar que o negócio subjacente, na verdade, foi

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o meio utilizado pelas partes para drenar os bens do devedor em detrimento

de seus credores (JTJ, Lex, 201/19).

O elemento objetivo da fraude é o eventus damni, ou seja, o

prejuízo decorrente da insolvência. Verifica-se o eventus damni sempre que

o ato for a causa do dano, tendo determinado a insolvência ou a agravado.

O dano, portanto, constitui elemento da fraude contra credores.

O autor da ação pauliana ou revocatória tem assim o ônus de

provar, nas transmissões onerosas, o eventus damni e o consilium fraudis

(Código Civil, cit., p.377).

1.4 Ação Pauliana

A ação anulatória do negócio jurídico celebrado em fraude contra os

credores é chamada de revocatória ou pauliana, em atenção ao pretor

Paulo, que a introduziu no direito romano. É a ação pala qual os credores

impugnam os atos fraudulentos de seu devedor.

Por definição, a ação pauliana visa a prevenir lesão ao direito dos

credores causada pelos atos que têm por efeito a subtração da garantia

geral, que lhes fornecem os bens do devedor, tornando-o insolvente.

Os credores que movem a ação o fazem em seu nome, atacando o

ato fraudulento como um direito seu.

Quanto à natureza da ação, não concorda a doutrina. Ocorre que o

Código Civil de 2002 manteve o sistema do diploma de 1916, segundo o

qual a fraude contra credores acarreta a anulabilidade do negócio jurídico. A

Ação pauliana, nesse caso, tem natureza desconstitutiva do negócio

jurídico. Julgada procedente, anula-se o negócio fraudulento lesivo aos

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credores, determinando-se o retorno do bem, sorrateira e maliciosamente

alienado, ao patrimônio do devedor.

O novo Código não adotou, assim, a tese de que se trataria de

hipótese de ineficácia relativa do negócio, defendida por ponderável parcela

da doutrina, segundo a qual, demonstrada a fraude ao credor, a sentença

não anulará a alienação, mas simplesmente, como nos casos da fraude à

execução declarará a ineficácia do ato fraudulento perante o credor,

permanecendo o negócio válido entre os contratantes: o executado

alienante e o terceiro adquirente.

Para essa corrente, a ação pauliana tem natureza declaratória de

ineficácia do negócio jurídico em face dos credores, e não desconstitutiva.

Se o devedor, depois de4 proferida a sentença, por exemplo, conseguir

levantar numerário suficiente e pagar todos eles, o ato de alienação

subsistirá, visto não existirem mais credores.

Alguns autores, como Lamartine Corrêa e Humberto Theodoro Junior,

criticaram o sistema adotado pelo novo Código no tocante aos efeitos da

fraude, pois preferiam, em lugar da anulabilidade, a ineficácia relativa do

negócio jurídico (José Lamartine Corrêa de Oliveira, A parte geral, cit.;

Humberto Theodoro Júnior, Negócio jurídico. Existência. Validade. Eficácia.

Vícios. Fraude. Lesão. RT, 780/11). Para este último, o sistema adotado

pelo novo Código Civil representa um retrocesso, pois o próprio direito

positivo brasileiro, após o Código de 1916, já havia dispensado a esse tipo

de fenômeno o tratamento adequado da ineficácia em relação à fraude

praticada no âmbito do direito falimentar e do direito processual civil.

Também yussef Said cahali assevera que “o efeito da sentença

pauliana resulta do objetivo a que colima a ação: declaração de ineficácia

jurídica do negócio fraudulento” (Fraudes, cit., p. 385).

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Durante a tramitação do Projeto de Código Civil na Câmara Federal

foi apresentada uma emenda, a de n. 193, pretendendo que a fraude contra

credores acarretasse a ineficácia do negócio jurídico fraudulento em relação

aos credores prejudicados, e não a sua anulação. A isso respondeu a

Comissão Revisora, em seu relatório:

“O Projeto segue o sistema adotado no Código Civil (de 1916),

segundo o qual a fraude contra credores acarreta a anulação. Não se

adotou, assim, a tese de que se trataria de hipótese de ineficácia relativa.

Se adotada esta, teria de ser mudada toda a sistemática a respeito, sem

qualquer vantagem prática, já que o sistema do Código (de 1916) nunca deu

motivos a problemas, nesse particular. Ademais, o termo revogação, no

sistema do Código Civil (de 1916) e do Projeto, é usado para a hipótese de

dissolução de contrato pela vontade de uma só das partes contratantes

(assim, no caso de revogação de doação, por ingratidão). E nesse caso a

revogação opera apenas ex nunc, e não ex tunc. Nos sistemas jurídicos que

admitem a revogação do negócio jurídico por fraude contra credores,

admite-se que o credor tire a voz do devedor (revogação), ao passo que, em

nosso sistema, se permite que o credor, alegando a fraude, peça a

decretação da anulação do negócio entre o devedor e terceiro. São dois

institutos que se baseiam em concepções diversas, mas que atingem o

mesmo resultado prático. Para que mudar?” (José Carlos Moreira Alves, A

parte Geral, cit., p. 146).

Cândido Rangel dinamarco, por sua vez, com assento na teoria da

ineficácia superveniente, afirma que o negócio fraudulento é originariamente

eficaz, e só uma sentença constitutiva negativa tem o poder de lhe retirar a

eficácia prejudicial ao credor (Fundamentos do processo civil moderno, v. 1,

p. 567).

A matéria, como se vê, é polêmica.

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Não obstante tratar-se de questão controvertida nos tribunais, o

Superior Tribunal de Justiça, encarregado de uniformizar a jurisprudência no

País, nos precedentes que levaram à edição da Súmula 195, adiante

transcrita: “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude

contra credores.”, criados antes da promulgação do novo Código Civil, já

vinha aplicando, por maioria de votos, a tese da anulabilidade do negócio, e

não a da eficácia, senão vejamos:

REsp. 20.166-8-RJ, 27.903-7-RJ, 13.322-0-RJ. O último acórdão

citado tem a seguinte ementa: “Consoante a doutrina tradicional fundada na

letra do Código Civil, a hipótese é de anulabilidade, sendo inviável concluir

pela invalidade em embargos de terceiro, de objeto limitado, destinando-se

apenas a afastar a constrição judicial sobre o bem de terceiro. De qualquer

sorte, admitindo-se a hipótese como de ineficácia, essa, ao contrário do que

sucede com a fraude de execução, não é originária, demandando ação

constitutiva que lhe retire a eficácia”.

Malgrado tecnicamente corretas as assertivas de Moreira Alves,

contidas no relatório da Comissão Revisora supra transcritas, pode-se dizer

que, sob o aspecto prático, a teoria da ineficácia relativa é mais apropriada,

pois a declaração de que o negócio jurídico não prejudica aos credores

anteriores ao ato, por ineficaz em relação a eles, é suficiente para satisfazer

o interesse destes, autorizando a penhora dos bens como se ainda se

encontrassem no patrimônio do executado.

Segundo ainda assinala yussef Said cahali, “a jurisprudência de

nossos tribunais é pacífica no sentido de afirmar que a ação pauliana não é

real, nem relativa a imóvel; é pessoal; visa à revogação de ato fraudulento

e, eventualmente, pode versar sobre imóvel; seu objeto é a restauração do

estado jurídico anterior, isto é, a recomposição do patrimônio do devedor,

que constitui a garantia do credor ameaçado pelo ato fraudulento (Fraudes,

cit., p. 334).

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1.5 Conclusão

A fraude contra credores é apenas um capítulo da fraude em geral.

O Direito procura, por todas as formas, coibir o engodo, o embuste, a má-fé,

sempre protegendo o que age de boa-fé. Daí por que não existe fraude

coibida pelo ordenamento apenas nos fatos típicos descritos na lei, mas

também em todos os casos onde o fraudador estiver à frente do legislador.

Nossos juristas têm-se preocupado quase que exclusivamente com

a fraude contra credores, esquecendo-se de que esta é apenas uma

espécie de fraude.

O homem, ávido por proveitos materiais, não mede esforços nem

conseqüências para conseguir vantagem, ainda que em prejuízo do

próximo. A fraude não é somente fruto da simples desonestidade, mas

principalmente resultado de inteligências apuradas e de astúcia. Por isso,

pelos princípios gerais de direito e pela eqüidade, não está o julgador

adstrito tão-só à lei para punir e coibir a fraude, em todas as suas formas.

1.6 Observações gerais

1 - "Embargos de terceiro - Fraude à execução. Fraude contra

credores. O reconhecimento da fraude à execução pressupõe a prévia

citação do executado-alienante, sendo insuficiente, para esse fim, a tão-só

propositura da ação, pois só a citação válida induz litispendência. Dado o

caráter instrumental do processo, que não constitui um fim em si mesmo, a

fraude contra credores pode ser levantada em processo de embargos de

terceiro e aí resolvida incidentalmente.

Em sendo o adquirente cunhado da executada, com quem mantinha

relações de negócio, sabia ele, ou poderia saber, do estado de insolvência a

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que restou reduzida com a venda do automóvel, isto partindo-se do

pressuposto de que realmente houve entre eles um negócio jurídico

verdadeiro e não um mero ato de simulação levado a efeito apenas subtrair

da execução o veículo adquirido que continuou na posse da vendedora,

caracterizando-se a fraude contra credores" (TARS - Apelação Cível -

195108337, 1a Câmara Cível, Rel. Heitor Assis Remonti - 10-10-95).

"Embargos à execução. Fraude de execução. Terceiro adquirente

de boa-fé. Precedentes da Corte.

1. Já assentou a Corte que não registrada a penhora, à ineficácia da

venda, em relação à execução, depende de se demonstrar que o

adquirente, que não houve o bem diretamente do executado, tinha ciência

da constrição' (REsp. no 225.091/GO, Relator o Senhor Ministro Eduardo

Ribeiro, DJ de 28/8/00). 2. Recurso especial conhecido e provido" (STJ -

Acórdão RESP 401937/MG (200101639268) RE 471552, 29-11-2002, 3a

Turma - Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

2 - "Fraude contra credores - Contrato oneroso do devedor

insolvente - Parentesco próximo - Presunção de fraude - Suficiência para

justificar a ação revocatória - Artigo 107 do Código Civil - Prova em contrário

a cargo do devedor não demonstrada - Ação procedente - Recurso

desprovido" (TJSP - Ap. Cível 119.328-4/4, 16-5-2001, 7a Câmara de Direito

Privado - Rel. De Santi Ribeiro).

"Fraude contra credores - Réus que alienam bens imóveis,

neutralizando a cobrança executiva pelo credor - Insolvência que se

presume, por não possuírem, os devedores, bens livres e desembaraçados

à penhora - Fraude contra credores caracterizada - Sentença de

procedência mantida" (TJSP - Ap. Cível 39.045-4, 6-8-98, 5a Câmara de

Direito Privado - Rel. Marcus Andrade).

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3 - "Fraude contra credores - Ação Pauliana - Anterioridade da

constituição do crédito - Bens alienados para irmã do devedor - Existência

do elemento objetivo (eventus damni) e do elemento subjetivo (consilium

fraudis) - Recurso não provido" (TJSP - Apelação Cível 282.011-1 - São

Paulo - 9a Câmara de Direito Privado - Rel. Franciulli Netto - 11-11-97).

"Ação revocatória - Fraude contra credores - Alienação feita a

concunhado, sem ocorrer a transferência - Preexistência de dívida -

Consilium fraudis e eventus damni - Comprovação - Estado de insolvência

não elidido - Ônus da prova - Anulação. Resultando comprovado nos autos

a preexistência de dívida com o vencimento do título executado, a alienação

feita pelo devedor a seu concunhado, sem que tenha demonstrado a

existência de patrimônio - Ônus que lhe cabia - para elidir seu alegado e

demonstrado estado de insolvência, a procedência da controvérsia se

impõe. Presentes todos os requisitos que caracterizam a fraude:

anterioridade do crédito, consilium fraudis; e eventus damni, haverão de ser

anuladas as transmissões, porque lesivas aos direitos do credor" (TAPR -

Apelação Cível - 72125100 - 4a Câmara Cível - Rel. Eduardo Fagundes - 19-

3-97 - Ac. 8019 - 11-4-97).

"Fraude contra credores - Doação feita a filho - Procedência -

Hipótese de penhora de bens da avalista do doador - Ausência de provas

quanto a sua solvência - Anterioridade da constituição do crédito que basta

para caracterizar a fraude - Responsabilidade, ademais, que não é solidária

- Recurso não provido" (TJSP - Ap. Cível 162.871-1, 7-4-92, Rel. Barbosa

Pereira).

"Fraude contra credores - Demonstração das presenças do

consilium fraudis e do eventus damni - Caracterização - Sociedade por cotas

encerrada ou desativada sem deixar bens suficientes para a garantia do

débito - Responsabilidade dos sócios - Admissibilidade pela aplicação da

teoria da despersonalização da pessoa jurídica - Recurso não provido"

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(TJSP - Ap. Cível 060.959-4, 12-11-98, 6a Câmara de Direito Privado - Rel.

Testa Marchi).

"Embargos de terceiro - Fraude contra credores - Consilium fraudis -

Ato de alienação - Prejuízo ao credor - Ciência do alienante - Caracterização

- Anulabilidade - Via adequada. Há fraude contra credores quando o

devedor aliena ou onera algum bem, com conhecimento do prejuízo que vai

causar ao credor, pela ausência de outros bens que possam garantir a

satisfação de direitos e obrigações preexistentes. Nessa medida, ocorrendo

o consilium fraudis e o eventus damni, o ato de alienação se considera em

fraude contra credores e pode ser anulado (Artigos 106/113, do Código

Civil), mesmo em embargos de terceiro" (2o TACSP - Ap. c/ Rev. 525.898-

00/1, 9-8-99, 11a Câmara Cível - Rel. Juiz Artur Marques).

"Ato jurídico - Defeito - Fraude contra credores - Dívida preexistente

e insolvência do devedor - Consilium fraudis - Nulidade verificada - Recurso

não provido. A insolvência ficou caracterizada pelo insucesso da execução,

quando o devedor citado não pagou a dívida e nem ofertou bens à penhora,

nem sendo encontrados bens para serem penhorados. Embora a alienação

envolvendo a propriedade imobiliária tenha ocorrido após a execução, o fato

ocorreu após a constituição da dívida. A ré adquirente uniu-se ao réu

alienante para fraudar a futura execução, e essa presunção decorre de uma

ligação que há entre eles, que se pode considerar familiar, posto que ela é

irmã da companheira dele. Além do mais, nenhum dos réus apresentou

qualquer elemento idôneo para demonstrar que se tratou de um negócio

real e não fictício" (TJSP - Ap. Cível 90.295-4, 29-2-2000, 9a Câmara de

Direito Privado - Rel. Ruiter Oliva).

4 - "Execução - Fraude - Alienação do imóvel penhorado posterior

ao ajuizamento da ação executiva e respectiva citação - Prova de

insolvência - Desnecessidade - Caracterização. A alienação de bem imóvel

penhorado em momento posterior ao ajuizamento da ação executiva e da

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citação válida configura fraude à execução, sendo despicienda a prova do

eventus damni, isto é, da insolvência do devedor em razão da referida

transmissão" (2o TACSP - AI 629.299-00/6, 10-4-2000, 2a Câmara Cível -

Rel. Peçanha de Morais).

5 - "Consilium fraudis - Transferência de imóvel de filho para pai -

Contrato de arrendamento celebrado antes da transferência - Distrato

prevendo pagamento da dívida, vencido no mesmo dia do registro da

escritura pública de compra e venda do imóvel - Notificação, expedida no

dia seguinte ao vencimento das obrigações previstas no distrato -

Descumprimento das obrigações assumidas, no prazo concedido -

Ajuizamento de ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos

e reintegração de posse - Redução dos devedores ao estado de insolvência

- Negócio entre familiares - Presunção de o pai conhecer o estado de

insolvência do filho e da nora, os devedores - Consilium Fraudis evidente -

Caracterização de defeito do ato jurídico - Aplicação do artigo 106/147, II,

ambos do Código Civil - Hipótese de declaração de ineficácia do ato, com

relação ao credor, e, não, de anulação - Averbação no Registro Imobiliário,

com base no artigo 167, II, no 12, da Lei 6.015/73 - Cerceamento de defesa

não configurado - Ação julgada procedente - Recurso não provido, com

recomendação" (TJSP - Ap. Cível 79.716-4, 15-9-99, 8a Câmara de Direito

Privado - Rel. Zélia Maria Antunes Alves).

6 - "Fraude contra credores - Contrato oneroso - Necessidade de

que a insolvência seja notória ou haver razão que permita supor seja

conhecida de quem contratou com o devedor - Código Civil, art. 107.

Sentença que desconsiderou esse requisito. Rescisória procedente" (STJ -

Ação Rescisória AR 24/RJ (8900076353), 2a Seção, Rel. Min. Eduardo

Ribeiro, 27-11-91, DJ, 3-2-92, p. 432).

"Ação pauliana - Fraude contra credores - Contrato oneroso do

devedor insolvente - Parentesco próximo - Presunção de fraude -

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Suficiência para justificar a ação revocatória - Artigo 107 do Código Civil -

Prova em contrário a cargo do devedor não demonstrada - Ação procedente

- Recurso desprovido" (TJSP - Ap. Cível 119.328-4/4, 16-5-2001, 7a Câmara

de Direito Privado - Rel. De Santi Ribeiro).

7 - "Ação Pauliana - Procedência decretada - Exegese dos artigos

106 e 107 do Código Civil - Ato translativo de propriedade de filho para mãe,

quando já estava aquele com débito perante entidade bancária - Ademais, a

venda foi feita por valor incontestadamente menor que o real - Dívida líquida

e incontestável existente ao tempo da transação dominial - Recurso provido"

(TJSP - Ap. Cível 86.470-4, 27-7-99, 3a Câmara de Direito Privado - Rel.

Alfredo Migliore).

CAPÍTULO 2

FRAUDE À EXECUÇÃO

2.1 - Introdução

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O instituto da fraude à execução está diretamente ligado ao tema da

responsabilidade patrimonial do devedor.

O processo é norteado pelo princípio da execução real, de modo que a

atividade jurisdicional executiva recaia sobre os bens do devedor. Sob a égide,

o art. 591, do CPC, prescreve que o devedor responde pelo cumprimento de

suas obrigações com seus bens presentes e futuros.

O reconhecimento judicial da fraude à execução implica ineficácia do

ato de alienação, possibilitando seja o bem penhorado e executido, mesmo

que incorporado ao patrimônio do adquirente, ao passo que na fraude contra

credores os autores discutem se ocorre ineficácia relativa ou anulabilidade.

Dispõe o art. 593 do CPC: "Considera-se em fraude de execução a

alienação ou oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo de alienação ou oneração corria contra o

devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei."

As atitudes do proprietário que pretende furtar-se ao pagamento de

seus credores podem ocorrer de duas formas, com denominação semelhante,

mas origem diferente: a fraude contra credores e a fraude contra execução.

Trata-se de dupla aplicação do vocábulo fraude, mas não há equivalência nos

dois institutos, se bem que a finalidade seja a mesma.

Na fraude contra credores, o devedor adianta-se a qualquer

providência judicial de seus credores para dissipar bens, surrupiá-los, remir

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dívidas, beneficiar certos credores etc. Nessa hipótese, o credor ainda não

agiu em juízo, pois a obrigação pode estar em curso, sem poder ser exigido

seu cumprimento. O interesse na fraude contra credores até aqui estudado é

de âmbito privado. A insolvência do devedor é requisito fundamental para o

instituto.

Na fraude de execução, o interesse é público, porque já existe

demanda em curso; não é necessário, portanto, que tenha sido proferida a

sentença. O interesse é público porque existe processo, daí por que vem a

matéria disciplinada no estatuto processual.

Na fraude de execução, o elemento má-fé é indiferente, tanto do

devedor como do adquirente a qualquer título, pois é presumido. Nessa

hipótese, existe mera declaração de ineficácia dos atos fraudulentos. Não se

trata de anulação, como na fraude contra credores; conforme já mencionamos,

a moderna doutrina tende a considerar esses negócios ineficazes.

Não sobra dúvida, no entanto, que ambos os institutos buscam a

mesma finalidade, ou seja, proteger o credor contra os artifícios do devedor

que procura subtrair seu patrimônio. Ocorre na fraude de execução um

procedimento mais simplificado para o credor, que não necessitará do remédio

pauliano para atingir seus fins. O fato, porém, de o ato inquinado ser anulado

na ação pauliana ou declarado ineficaz na fraude de execução não terá maior

importância prática, desde que o credor seja satisfeito.

O diploma processual refere-se não só à alienação dos bens em

fraude, como também à oneração, não referida no Código processual anterior.

A fraude do devedor pode ser tanto unilateral como bilateral. Importante,

porém, para existir a fraude de execução, em qualquer das espécies descritas

no código processual, é que já exista ação judicial proposta.

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Tanto na fraude de execução, como na fraude contra credores, a

alienação ou oneração, por si só, pode não configurar fraude, se o devedor

possuir outros bens que suportem suas dívidas. Nesse caso, não haverá dano.

Sustentada e provada a fraude no curso da ação, pode o credor pedir

a penhora do bem fraudulentamente alienado, pois tal alienação para o direito

público é ineficaz em relação a terceiros. Estes, é claro, terão ação regressiva

contra o transmitente para se ressarcirem do que pagaram, cumulada com

perdas e danos, se presentes seus requisitos.

Desse modo, os casos capitulados no CPC trazem a "presunção

peremptória de fraude, e por isso, em execução movida contra o alienante, a

penhora pode recair sobre os bens transmitidos, como se não houvesse

alienação. Mas fora dessas hipóteses, os atos de alienação em fraude de

credor só podem ser anulados por demanda revocatória, ou pauliana, a fim de

que possa, depois, a penhora recair sobre os bens alienados" (Tornaghi, 1976,

v. 1:86).

A jurisprudência majoritária entende que a fraude de execução pode

ocorrer a partir da citação, quando se tem a ação por proposta e ajuizada.

O instituto da fraude de execução, expressamente previsto no art. 593,

do CPC, acaba por gerar certa polêmica no que tange a sua aplicabilidade, ou

seja: o momento de incidência, a suspensão do processo de execução em que

se configura a fraude, a necessidade de ação autônoma para vê-la declarada,

a obrigatoriedade ou não da averbação da penhora e ainda a discussão sobre

a boa-fé do terceiro adquirente.

A questão cujo estudo nos propomos tem suscitado muitos estudos,

notadamente a ver pela interpretação contra legem que nossos tribunais têm

emprestado aos dispositivos legais que regem a matéria.

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Pretendemos apresentar, assim, um visão geral sobre as hipóteses de

ocorrência da fraude de execução, demonstrando os caracteres gerais e

alguns aspectos polêmicos, que comportaria solução divergente daquela

comumente adotada, sem pretensão de esgotar a matéria, pois tal seria

impossível no âmbito do estudo a que nos propomos.

2.2 - Conceito

Fraude de execução é a alienação de bens pelo devedor, na

pendência de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, sem a reserva -

em seu patrimônio - de bens suficientes a garantir o débito objeto de cobrança.

Vê-se desde logo que se trata de um instituto de direito processual,

regulado na lei adjetiva - CPC art. 593 - e que não se confunde com a fraude

contra credores prevista nos arts. 106 e ss. do CCB.

A fraude contra credores é um dos defeitos dos atos jurídicos, que

depende de ação própria para ser declarado e que, se procedente, implica na

anulação do ato. A fraude de execução é instituto de direito processual, um

incidente do processo, que não reclama ação própria e cujo reconhecimento

implica na ineficácia da alienação em relação à outra parte, não desfazendo a

alienação.

Mas, talvez, a mais relevante diferença entre um e outro instituto, é que

“a ocorrência da fraude contra credores reclama a prova de existência de

consilium fraudis, enquanto que, na fraude de execução, a existência da fraude

é presumida pela simples alienação” (Humberto Theodoro Júnior, Processo de

Execução, Ed. Leud, 1991, p. 154).

O consilium fraudis caracteriza-se pela existência de um conluio

fraudulento entre alienante e comprador ou, ainda, que este conheça a

situação de insolvência daquele.

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Ensina Liebmam que na fraude de execução "a intenção fraudulenta

está in re ipsa; e a ordem jurídica não pode permitir que, enquanto pende o

processo, o réu altere a sua posição patrimonial dificultando a realização da

função jurisdicional" (Enrico Tulio Liebmam, apud Theodoro Júnior, op. cit. p.

155).

2.3 - Requisitos da fraude contra o processo executivo

Dois requisitos formam a fraude contra o processo executivo: a

litispendência e a frustração dos meios executórios.

2.3.1 – Litispendência como elemento da fraude

Inaugura-se a litispendência, segundo os arts. 263, 2ª parte, e 219 do

CPC, mediante citação válida. Este efeito, que se destina a produzir a

pendência da lide perante o réu, não se relaciona, absolutamente, com a

constituição da relação processual, que já existe, mas entre o autor e o Estado,

desde a distribuição (art. 263, 1ª parte). Mas o art. 593, II, não alude à

litispendência, empregado uma fórmula ambígua: “quando, ao tempo da

alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda”. Por isso, a

interpretação de que basta o ajuizamento, pois não interessa ao terceiro se

ocorreu a citação (José Luiz Bayeux Filho, “Fraude contra credores e fraude à

execução”, n. 47, p. 256), exibe seus méritos. Acontece quem uniformizando a

interpretação do dispositivo, a jurisprudência do STJ estima imprescindível a

citação.

Por conseguinte, da fraude contra a execução somente se cogitará a

partir da data da citação. (Luiz Gustavo Lovato, “Fraude à execução”, n. 31.5.3,

p. 558. Em sentido contrário, bastando a propositura, Misael Montenegro Filho,

Curso..., .. 2, p. 345). Neste sentido, proclamou a 4ª Turma do STJ: “Para que

se configure a fraude de execução, não basta o ajuizamento da demand, mas

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a citação válida.” (4ª Turma do STJ, REsp. 2.429-SP, 19.06.1990, Rel. Min.

Barros Monteiro, RJSTJ 2 (12)/385. No mesmo sentido: 3ª Turma do STJ,

REsp. 34.860-.-SP, 30.11.1993, Rel. Min. Nilson Naves RJTJ/RS 6 (59)/298, e

4ª Turma do STJ, REsp. 45.519-7-SP, 12.04.1994, Rel. Min. Torreão Braz,

RJSTJ7 (69) /346).

Impende enfatizar que o ato praticado pelo devedor antes da citação e

depois do ajuizamento não constitui fraude contra a execução. Nesta hipótese,

somente se configurará fraude contra credores, vedado ao credor penhorar o

bem alienado independentemente do desfazimento da transmissão através da

pauliana.

O ato fraudulento do obrigado deve se ajustar a um processo pendente

(art. 219, caput, primeira parte do CPC), independentemente da sua natureza

(cognição, execução ou cautelar). É desnecessário, portanto, que se cuide de

ação executória (5ª T. do STJ, REsp. 173.142-SP, 20.08.1998, Rel. Min. José

Arnaldo da Fonseca, DJU 14.09.1998, p. 116). Em tal sentido, decidiu a 4ª

Turma do STJ: “Pode incidir a regra contida no inciso II do art. 593 do CPC,

ocorrendo fraude contra a execução, após a citação para o processo de

conhecimento, não sendo indispensável que já tenha se instaurado a ação de

execução” (4ª T. do STJ, REsp. 233.152, 21.11.2002, Rel. Min. Cesar Asfor

Rocha, DJU 10.03.2003, P. 222).

2.3.2 – Frustração do meio executório como elemento da fraude

A ideia de frustração dos meios executórios substitui, à luz do art. 593,

a de insolvência, que na fraude contra credores, se afigura consequência

imediata do negócio suspeito. É que nesta espécie de fraude, impende verificar

a existência do dano. No âmbito da fraude contra a execução, ao invés,

dispensável se revela a investigação do estado deficitário do patrimônio,

bastando a inexistência de bens penhoráveis. Daí a noção mais adequada de

frustração dos meios executórios.

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Seja como for, a jurisprudência afirma que só cabe a penhora do bem

do adquirente se houver insolvência do executado. Nada obstante, a

insolvência se insinua na tipicidade da fraude prevista no inc. II. Deverá o

credor provar o conhecimento da insolvência pelo adquirente, “salvo se pública

ou notória, ou que tenha havido má fé” (3ª T. do STJ, REsp. 155.355-PE,

06.10.1998, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 30.11.1998, p. 154)não se pode

duvidar, de qualquer sorte, da possibilidade de o credor obter a execução

específica, tomando das mãos de terceiro o bem porventura alienado no curso

da demanda reivindicatória, embora aí não se cogite de insolvência, nos

termos do inc. I. Notável se afigura, pois, a utilidade do conceito de meio

executório.

Em tudo isso se nota, outra vez, que as repercussões da

responsabilidade patrimonial se cingem às obrigações para entrega de coisa e

pecuniária.

Vale observar, aqui, a possibilidade de o adquirente defender sua

posse, através de embargos de terceiro, até ficar provado que a sua aquisição,

efetuada depois da penhora não registrada, constitui uma das hipóteses de

ineficácia do ato.

É interessante examinar de perto a tipicidade da fraude à execução e

os casos atípicos.

2.4 - Das hipóteses legais

As hipóteses em que a lei tipifica a existência de fraude de execução

são as constantes do art. 593 do CPC, a saber: I – quando sobre os bens

alienados pender ação fundada em direito real; II – quando ao tempo da

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alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à

insolvência; e III – nos demais casos expressos em lei;

Outra previsão legal da fraude de execução vem tipificada no art. 185

do CTN, que será objeto de estudo em tópico próprio infra.

A hipótese do inciso I do art. 593 não comporta muitas dúvidas e, na

verdade, poderia dizer-se que é supérflua, desnecessária, pois, a situação ali

delineada, estaria contida no inciso II do mesmo dispositivo legal.

Quem assegura o minus também assegura o plus, se a lei considera

ineficaz a alienação de bens não gravados de ônus reais ou que não possuam

ação real versando sobre a sua propriedade em trâmite, quando pendente

ação capaz de reduzir o devedor a insolvência, com mais certeza não poderia

atribuir valor à alienação de bem quando penda litígio fundado em direito real

sobre o mesmo.

Mas o dispositivo refere-se a situação diversa da contida no inciso II,

pois se aplica a hipótese de venda de bem objeto de discussão em ação

versando sobre direito real.

Como é cediço, um dos atributos dos direitos reais, é a sua oponência

erga omnes, sendo decorrência desse atributo o direito de sequela, que

consiste na possibilidade do titular do direito real seguir a coisa e retirá-la do

poder de quem a detenha.

Caso o bem alienado seja objeto de ação fundada em direito real, a

alienação é ineficaz em relação ao ganhador da demanda, não podendo o

adquirente resolver o direito real indicando outros bens do alienante ou

mediante pagamento em dinheiro ou entrega de outro bem, pois, a teor do art.

863 do CCB, "o credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber outra,

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ainda que mais valiosa" e o direito de seqüela possibilita ao credor titular de

direito real buscar a coisa e retirá-la do poder de quem a detenha.

Além disso, para configuração da fraude de execução no caso do art.

593, I, do CPC, é desnecessário que o alienante seja reduzido à insolvência

pela alienação e é irrelevante que possua outros bens, caracterizando-se a

fraude de execução de pleno direito pela simples transmissão de bem sobre o

qual pende ação real.

A situação prevista no inciso II do art. 593 comporta uma análise mais

detida, notadamente em face da interpretação contra legem que se empresta a

essa norma.

Reza o dito inciso II que a alienação ou oneração, será considerada

fraudulenta, quando ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o

devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência.

Aí surge a indagação: para a ocorrência da fraude de execução, basta

a propositura da ação ou exige-se a citação válida?

Posiciona-se a doutrina (Nesse sentido veja-se: Humberto Theodoro

Junior, op. cit. p. 159; Araken de Assis, op. cit. p. 228 e ss.; Arruda Alvim,

Direito Processual Civil, vol II, p. 216; Pontes de Miranda, Comentários ao

CPC, vol. IX, p. 3 e 462; José Carlos Barbosa Moreira, Novo Processo Civil

Brasileiro, p. 238; Yussef Sahid Cahali in RT 544/137) e a jurisprudência (STF -

RE 105846 Rel. Min. Francisco Rezek; RE 107692 Rel. Min. Sidney Sanches;

STJ - Resp 37931-8 Rel. Min. Fontes de Alencar; 55884-0 Rel.. Min. Sálvio de

Figueiredo Teixeira; 173142 Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca; TJ-MS – AC

654.851, rel. Des. Hildebrando Coelho Neto, j. 29/09/1999; AI 644.679, rel Des.

Claudionor M. Abss Duarte, j. 3103/1999), em sua clara e esmagante maioria,

pela necessidade de que exista citação válida para ocorrência de fraude de

execução, sendo que existe corrente que exige a inscrição da penhora no

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registro competente para que se configure a fraude (STJ – REsp 249.328, rel

Min. Ari Pargendler, j. 03/08/2000; REsp 248.323, rel. Min. Ruy Rosado de

Aguiar, j. 04/05/2000; TJ-MS – AI 653.945, rel. Des. Oswaldo Rodrigues de

Mello, j. 26/05/1999; AI 653.565, rel. Des. Jorge E. da Silva Frias, j.

25/06/1999).

Sustentam os partidários dessa corrente, que, para ocorrência da

fraude de execução, deve existir litispendência e, em não tendo ocorrido

citação válida, não existe litispendência.

Aduzem ainda, que, "Os efeitos que, em geral, defluem da citação, não

retroagem todos à data do ajuizamento (art. 263, 1.ª parte). Excepcionalmente,

retroagirá a interrupção da prescrição, em virtude de norma expressa (art. 219,

§ 1.º)" (Araken de Assis, op. cit. p. 228).

Data venia, ousamos discordar do entendimento dominante, por

entender, que, além de tratar-se de interpretação contra legem, a adoção

dessa interpretação acaba por causar sério risco à segurança jurídica,

legitimando condutas injurídicas dos devedores e permitindo que grasse a

injustiça, pois evidente o prejuízo tanto ao credor quanto à justiça, que se vê

desmoralizada por tais expedientes, com clara ofensa ao princípio da

efetividade do processo.

Sem pretender defender a aplicação da sabidamente insuficiente

interpretação literal, fato é que, toda e qualquer interpretação deve ter início

com a busca do significado no vernáculo do termo usado pelo legislador,

notadamente sob o aspecto jurídico.

Fala o legislador que a alienação é fraudulenta quando exista

"demanda" pendente capaz de reduzir o alienante à insolvência, destarte, a

acepção do termo demanda deve ser o ponto de partida para correta exegese

do art. 593, II, do CPC.

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Demanda, segundo conceito de Pontes de Miranda, "é o ato jurídico

com o qual o autor põe o juiz na obrigação de resolver a questão, ainda que

seja se cabe a constituição ou o mandamento, ou a execução" (Pontes de

Miranda, Comentários ao CPC, Ed. Forense, 4.ª ed., p. 80). Esse mesmo

autor, anota também que demanda é igual a ação no sentido processual

(Pontes de Miranda, op. cit. XX).

Se é certo que antes da citação não se aperfeiçoa a relação jurídica

processual (Luiz Rodrigues Wambier, Curso Avançado de Processo Civil. Vol.

1,, Ed. RT, 1999, p. 155), não se pode negar que, a partir da propositura da

ação, já exista demanda no sentido empregado pelo legislador no art. 593, II,

do CPC.

Em outros dispositivos, aliás, o CPC alude ao termo demanda como

ação proposta, independentemente de citação, entre os quais o § 3.º do art.

461, que permite ao juiz que "sendo relevante o fundamento da demanda"

conceda a tutela liminarmente. No mesmo sentido a expressão é utilizada no

art. 835 e no § 2.º do art. 1016,

O fato de o § 1.º do art. 219 do CPC aludir que, a interrupção da

prescrição, retroage à propositura da ação, antes de infirmar a possibilidade de

ocorrência da fraude de execução mediante o simples ajuizamento da ação, a

confirma, pois permite concluir daí, que, o ordenamento jurídico tem como

existente a demanda desde que ação foi proposta e não só quando a relação

processual é angularizada.

O que se extrai desse entendimento, é que se pretende extrair de um

indício da existência de demanda desde a propositura da ação, a conclusão de

que se trata de uma exceção, o que data venia não condiz com a

hermenêutica.

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O legislador não fala em litispendência e sim em demanda, logo,

proposta a ação, independente de citação, ocorrendo a alienação ou oneração

referida no art. 593, II, caracterizada está a ocorrência de fraude de execução.

A adoção do entendimento contrário, aliás, vem em desprestígio do

princípio da efetividade do processo, com grave prejuízo àquele que busca a

tutela jurisdicional, logo está em descompasso com a moderna

processualística, que prestigia um processo com resultado prático.

Averba Kazuo Watanabe que "Do conceptualismo e das abstrações

dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhes deram foros de

ciência autônoma, partem hoje os processualistas para busca de um

instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais

abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio jurídica" (Kazuo

Watanabe, Da Cognição no Processo Civil, Ed. Bookseller, 2000, p. 20).

Conclui o Professor que, para esse fim, deve-se "proceder ao melhor

estudo dos institutos processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando

os institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos -, sempre com a

preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à

realidade sócio jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação

que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos" (Kazuo

Watanabe, op. cit. pp. 20/21).

Do mesmo teor são os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni, para

quem, "É evidente que uma execução que não leva à satisfação do direito

material afirmado pelo autor não pode corresponder à necessidade de

tempestividade da tutela jurisdicional" (Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas

do Processo Civil, Malheiros, 1999, p. 160).

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No mundo em que vivemos não se pode fechar os olhos para o fato

que, proposta a demanda, a todos é possível certificar-se de sua existência, aí

incluídos o alienante e o adquirente.

Notória é a facilidade de serem extraídas certidões negativas de ações

em nome de fulano ou sicrano, bem como o tempo exíguo em que as mesmas

são fornecidas, notadamente em face da progressiva informatização dos

registros de distribuição.

Nesse quadro, a adoção do critério da necessidade da ocorrência de

citação para configuração de fraude de execução revela-se descoincidente

com a realidade sócio-jurídica e acaba por satisfazer interesses escusos,

retirando do alcance do credor bens fraudulentamente alienados pelo devedor

após a propositura da ação.

Dir-se-ia que resta ao credor a via da ação pauliana, com a utilização

do fato da propositura da ação como indício do consilium fraudis, mas, data

venia, mesmo o menos assisado operador do Direito há de concluir que tal é

um contra-senso, pois além de contribuir com a proliferação de ações desse

jaez na nossa já assoberbada justiça, acaba por retardar a satisfação do

credor e a entrega da tutela jurisdicional.

À vista desse contexto, tem-se esboçado uma alteração desse

entendimento até então dominante e pacificado, permitindo-se a declaração de

ineficácia de alienação ou oneração de bens, por fraude de execução,

independentemente da citação do devedor.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery sustentam que "A

alienação ou oneração de bens após a simples propositura da ação (art. 263,

1.ª parte, CPC), ainda que realizada antes de realizada a citação válida (art.

219, CPC), se presume configurada a fraude de execução (art. 593, CPC)"

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(Nelson Nery Júnior Rosa Maria Nery, CPC Comentado, ed. RT, 1999, p.

1111).

Nesse sentido trilha a jurisprudência do E. STJ (REsps 226.413-SP e

168.867-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, julgados em 8/6/2000), limitando-se,

entretanto, a reconhecer a fraude, quando há prova de que, ciente da

demanda, o devedor escusou-se em receber a citação e, nesse lapso de

tempo, alienou bens fraudulentamente.

Algumas decisões, entretanto, apontam no sentido da posição aqui

adotada, como no AGA 198.099/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,

onde o Relator menciona que "para que se admitir a fraude à execução é

necessário, ao menos que o imóvel tenha sido alienado posteriormente à

propositura da ação executiva", de modo a admitir a existência de fraude de

execução independentemente de citação do devedor na ação executiva (No

mesmo sentido TJ-DF AI 0007240.96 e AC 0029655.93; STJ REsp 0033993

Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; TJ-MG AC Nº 56.009/4 Rel. Des.

CORRÊA DE MARINS).

2.5 - Dos efeitos da declaração da fraude

Analisadas as hipóteses legais que caracterizam fraude de execução,

mister se faz se determinar os efeitos da decretação desse vício social.

A fraude de execução, diferentemente da fraude contra credores, não

anula ou nulifica o ato translativo de propriedade, apenas declara o mesmo

ineficaz em relação ao credor prejudicado. Decorre daí que o ato continua

válido e eficaz perante terceiros, só não podendo ser oposto ao credor

prejudicado.

Nos casos dos arts. 593, II, do CPC e 185 do CTN, caso o adquirente

do bem comprove que o alienante possui outros bens suficientes para garantir

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o débito ou, ainda, se o alienante ou próprio adquirente adimplirem a obrigação

com o credor lesado pela fraude de execução, permanecerá íntegro o negócio

jurídico.

No caso de ocorrência de fraude de execução na forma tipificada no

art. 593, I, do CPC, apenas o julgamento de improcedência da ação fundada

em direito real será capaz de afastar a ocorrência de fraude. Caso a sentença

tenha transitado em julgado, somente se aviada a competente ação rescisória

e vindo a mesma ser julgada procedente, ficará descaracterizada a fraude,

mas, de qualquer forma, a declaração de ineficácia só beneficia o credor titular

do direito real.

Destarte a fraude só produz efeitos jurídicos em favor do credor

prejudicado, não atingindo terceiros.

Outro efeito da decretação de fraude de execução, é que o ato do

devedor-alienante é considerado como atentatório à dignidade da justiça (CPC

art. 600, II), sujeitando-o às penas do art. 601 do CPC, que prevê

expressamente a possibilidade de aplicação de multa ao devedor pelo juiz, em

montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito.

Pode o juiz aplicar outras sanções de natureza processual ou material

ao devedor. Anote-se que não existe mais a previsão expressa da sanção

proibindo o devedor de falar nos autos, de modo que, à vista da nova

disposição, tal pena não é mais permitida em nosso ordenamento jurídico,

mesmo porque era violadora dos princípios constitucionais da ampla defesa e

do contraditório (CF art. 5.º, LV).

Como consequência extra processual da fraude de execução, temos a

tipificação de tal conduta como crime, capitulado no art. 179 do Código Penal,

entretanto, por se tratar de crime que só se procede mediante queixa (CP art.

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179, p.ú.), dependerá da propositura de ação penal privada pelo credor

prejudicado.

2.6 - Considerações finais

A fraude de execução é um vício social, que causa graves prejuízos à

boa-fé e à segurança dos negócios jurídicos, motivo pelo qual deve ser

reprimida na forma da lei.

Inúmeros são os casos em que se encontra presente esse vício e, em

virtude da interpretação das normas no sentido de só declarar a fraude

somente após a citação do devedor, acaba por proliferar sua ocorrência e

torná-la impune, em prejuízo do credor.

A adoção do entendimento contrário (consideração da fraude de

execução desde a propositura da ação) não implicaria sequer em agravação

da situação do terceiro adquirente – que seria o único com direito a ser

protegido na espécie, pois o devedor tem é que quitar seu débito e a

expropriação do bem é exercício regular de um direito pelo credor -, pois, esse

terceiro, poderá ter conhecimento da ação executiva contra o devedor mesmo

antes de sua citação, mediante a simples busca nos distribuidores cíveis.

Aliás, citado ou não, o devedor-alienante dificilmente informará o

adquirente que foi citado, que existe ação pendente, de modo que para

proteger o negócio entabulado, o adquirente terá que cercar-se da cautela

referida no parágrafo anterior.

Logo, a fixação do termo a quo para ocorrência da fraude de execução

na citação, não altera a situação do terceiro de boa-fé e acaba por facilitar

alienações fraudulentas.

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Por fim, para que se evite a propagação desse vício que abala as

relações jurídicas, mister se faz que não fiquem impunes.

Para isso aconteça, é preciso dar aos textos legais em comento, uma

interpretação que mais atenda o quadro econômico-social atual, onde é sabido

que algumas empresas e pessoas físicas, por deter assessoria especializada,

têm conhecimento da existência da ação desde o seu ajuizamento, sendo

useiras e vezeiras em alienar bens quando do conhecimento da ação.

A multa prevista em lei e as outras sanções de natureza material ou

processual precisam ser aplicadas pelos juízes, independentemente de

requerimento da parte, pois essa fraude atenta contra a dignidade da justiça,

sendo esta lesada diretamente.

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CAPÍTULO III

SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES ENTRE OS INSTITUTOS

O texto do art. 593 do CPC, assim dispõe:

Art. 593: Considera-se em fraude de execução a alienação ou

oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo de alienação ou oneração corria contra o

devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei.

Importa destacar que as atitudes do proprietário que com a pretensão

de furtar-se ao pagamento de seus credores podem ocorrer de duas formas,

com denominação semelhante, mas de origem diferente: a fraude contra

credores e a fraude contra execução. Tem-se a dupla aplicação do vocábulo

fraude. No entanto, não há equivalência nos dois institutos, se bem que a

finalidade seja a mesma.

Assim, na fraude contra credores, o devedor adianta-se a qualquer

providência judicial de seus credores para dissipar bens, surrupiá-los, remir

dívidas, beneficiar certos credores, dentre outros. Nessa hipótese, o credor

ainda não agiu em juízo, pois a obrigação pode estar em curso, sem poder ser

exigido seu cumprimento. O interesse na fraude contra credores é de âmbito

privado. A insolvência do devedor, portanto, é requisito fundamental para o

instituto.

Diferente ocorre na fraude de execução, em que o interesse é público,

vez que já existe demanda em curso; não é necessário, portanto, que tenha

sido proferida a sentença. O interesse é público porque existe processo, razão

pela qual a matéria em liça se encontra disciplinada junto ao diploma

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processual, enquanto a fraude contra credores está codificada junto ao

estatuto de direito material.

Outro diferencial, na fraude de execução, o elemento má-fé é

indiferente, tanto do devedor como do adquirente a qualquer título, vez que é

presumido. Nessa hipótese, existe mera declaração de ineficácia dos atos

fraudulentos. Não se trata de anulação, como na fraude contra credores.

Saliente-se que a doutrina contemporânea tende a considerar esses negócios

ineficazes.

De acordo com a doutrina dominante, a literalidade da lei, a ofensa à

garantia patrimonial dos credores gera, no plano de direito material, a

anulabilidade do ato praticado pelo devedor.

Indubitável que ambos os institutos buscam a mesma finalidade, qual

seja, a proteção do credor contra os artifícios do devedor que procura subtrair

seu patrimônio. No entanto, a fraude de execução tem um procedimento mais

simplificado para o credor, vez que não necessitará do remédio pauliano para

obtenção do bem da vida.

O fato, porém, de o ato inquinado ser anulado na ação pauliana ou

declarado ineficaz na fraude de execução não terá maior importância prática,

desde que o credor seja satisfeito.

Importa destacar que, diferente da fraude contra credores, na fraude

de execução, o ato apontado pode apresentar-se tanto sob as vestes da

simulação como sob o manto da fraude propriamente dita. Há, portanto,

equivalência dos vícios, nesse caso, inexistindo a diferença que ocorre no

direito privado.

O diploma processual vigente refere-se não só à alienação dos bens

em fraude, mas também à oneração, não referida no Código processual

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anterior. Gize-se que a fraude do devedor pode ser tanto unilateral como

bilateral. Importante, porém, para existir a fraude de execução, em qualquer

das espécies descritas no diploma processual, é que já exista ação posta em

juízo, ou seja, será sempre incidental.

Cumpre referir que na fraude de execução, “segundo o entendimento

uniforme da doutrina brasileira, os atos de alienação ou de onerarão realizados

pelo obrigado se ostentam ineficazes” e, “em contrapartida, dentro da visão

tradicional, a fraude contra credores é causa de anulabilidade do ato (art. 171,

II, do CC), cujo reconhecimento, e o conseqüente desfazimento daquele,

ocorre em ação própria, prevista no art. 161 do CC de 2002”.

EMENTA: ACÃO PAULIANA. CLAUSULA TESTAMENTARIA. E

ANULÁVEL CLÁUSULA TESTAMENTARIA QUE OBJETIVE A FRAUDE

CONTRA CREDORES, EX VI DO ART. 106 DO CCB. RECURSO

IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 194256905, Nona Câmara Cível, Tribunal de

Alçada do RS, Relator: João Adalberto Medeiros Fernandes, Julgado em

21/03/1995).

Importante, ainda, esclarecer que tanto na fraude de execução como

na fraude contra credores, a alienação ou oneração, por si só, pode não

configurar fraude, caso o devedor possua outros bens que suportem suas

dívidas. Caso em que inexistirá dano. Nesse sentido, uníssona a

jurisprudência:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO.

PRETENSÃO DA CREDORA DIRIGIDA À DECRETAÇÃO DA OCORRÊNCIA

DE FRAUDE À EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO, À

VISTA DOS ELEMENTOS EXISTENTES NOS AUTOS. Embora tenha ocorrido

a alienação de bens pertencentes ao executado após sua citação válida nos

autos de ação monitória contra ele aforada, a qual originou a presente

demanda executiva, não há comprovação de que tais atos tenham acarretado

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a insolvência do pólo passivo, requisito que também se faz necessário para o

reconhecimento da fraude pretendida pela exeqüente. Inteligência do art. 593,

inciso II, do CPC. Precedentes desta Corte. NEGADO SEGUIMENTO AO

AGRAVO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº

70018231118, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 01/02/2007).

Silvio de Salvo Venosa esclarece: que sustentada e provada a fraude

no curso da ação, pode o credor pedir a penhora do bem fraudulentamente

alienado, pois tal alienação para o direito público é ineficaz em relação a

terceiros. Estes, é claro, terão ação regressiva contra o transmitente para se

ressarcirem do que pagaram, cumulada com perdas e danos, se presentes

seus requisitos.

A jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul formou entendimento no sentido de que a fraude de execução

pode ocorrer a partir da citação válida, quando se tem a ação por proposta e

ajuizada, conforme colacionados abaixo:

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. EMBARGOS DE

TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL APÓS A CITAÇÃO NA EXECUÇÃO.

FRAUDE CONFIGURADA. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS POR

MAIORIA. A existência de penhora sobre o imóvel, tampouco o registro

daquela já levada a efeito quando da alienação, não são pressupostos para a

configuração de fraude à execução. Alienação que, no caso concreto,

conforme informado na sentença, ocorreu após a penhora, da qual já intimada

a co-executada Vanice, e três dias após a citação do executado, a não deixar

dúvidas quanto à pressa dos executados em livrar o bem da execução. Erigir-

se-ia o registro da penhora como pressuposto da fraude, apenas no caso de

alienação por sub adquirente, quando não-adquirido o bem diretamente do

executado, porquanto, nessa hipótese, não estaria o adquirente obrigado a

investigar a situação patrimonial do executado. Por outro lado, além de

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nenhum dos incisos do art. 593 exigir o registro da penhora como requisito da

fraude, insta lembrar que tampouco o processo de execução é pressuposto da

ineficácia da alienação em fraude à execução. (Embargos Infringentes Nº

70019956358, Nono Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 17/08/2007).

EMENTA: APELAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL

CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIROS. ALIENAÇÃO

APÓS A CITAÇÃO DO RÉU. FRAUDE. I A decisão atende ao requisito

constitucional da fundamentação, trazendo bem claras as razões de decidir e a

conclusão, tanto que o recorrente não teve dificuldade em atacá-la.

Disposições do art. 93, IX, da Constituição Federal. II Tendo a alienação do

imóvel sido efetuada posteriormente à citação válida do executado em

processo de execução, configurada a fraude à execução. Precedentes do

TJRS e STJ. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70018362459,

Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena

Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 14/02/2007).

Ainda, nesse mesmo sentido:

EMENTA: FRAUDE À EXECUÇÃO. É pressuposto para se reconhecer

a fraude à execução a existência de um processo de execução e a ocorrência

de citação válida do devedor. RECURSO ADESIVO. Ausente o requisito da

sucumbência, não se conhece do recurso adesivo. Apelo improvido e adesivo

não conhecido. (Apelação Cível Nº 70004386710, Décima Nona Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 24/06/2003).

EMENTA: EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE VEÍCULO

ANTES DA CITAÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA. Não há como

se reconhecer o instituto da fraude à execução, em face de prévia disposição

do bem penhorado, sem que esta tenha sido feita após a citação da execução

respectiva, máxime quando se trata de título extrajudicial. É verdade que tal

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requisito não está expresso no art. 593, II, do CPC. Mas não é menos

verdadeiro que torrencial jurisprudência e interpretação doutrinária a respeito

fazem tal leitura, que se encontra fundamentada na expressão legal “correr

contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. Situação em que

perdem relevância as demais circunstâncias do negócio, que foi realizado entre

familiares, mas que se mostra documentado pelo certificado expedido pelo

trânsito. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70002453157, Décima Câmara

Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em

28/03/2002).

Assim, entende-se que “a fraude contra credores e a fraude de

execução não são institutos completamente diverso, nem se regem por

princípios essencialmente distintos”, como ensina Humberto Theodoro Júnior.

Os diferenciais, ou seja, o que as separa são os chamados aspectos

secundários, como, por exemplo, o fato de uma ocorrer antes da existência de

demanda contra o alienante (fraude contra credores) e a outra pressupor a

litispendência (fraude de execução). Nesse sentido, muito bem leciona o

Desembargador gaúcho Élvio Schuch Pinto em voto proferido no recurso de

apelação nº 187064308, do qual foi relator, in verbis:

EMENTA: FRAUDE CONTRA CREDORES.INADMISSIBILIDADE DE

SUA INVOCACAO COMO DEFESA EM EMBARGOS DE TERCEIRO. A

NATUREZA CONSTITUTIVA NEGATIVA DA DECISAO QUE A PROCLAMA,

NA ACAO PAULIANA, PRESSUPOE LIDE DE COGNICAO AMPLA, EM

PROCEDIMENTO COMUM ORDINARIO. HAVENDO NO DIREITO POSITIVO

BRASILEIRO PREVISAO DE DUAS DIFERENTES ESPECIES DE FRAUDE,

COM GRAUS DIVERSOS DE GRAVIDADE, E SO NO CASO DE UMA DELAS,

A FRAUDE A EXECUCAO, A LEI PROCESSUAL PREVENDO A PRONTA

RESPONSABILIDADE E SUJEICAO DO BEM ALIENADO OU GRAVADO

FRAUDULENTAMENTE, AO JUIZO DA EXECUCAO, AO INTERPRETE NAO

E LICITO IGUALA-LAS NO TRATAMENTO REPRESSIVO QUE MERECEM, E

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ADMITIR A SUMÁRIA E INCIDENTAL PROCLAMACAO DA FRAUDE

CONTRA OS CREDORES, QUANDO ALEGADA COMO MATÉRIA DE

DEFESA EM EMBARGOS DE TERCEIRO. NATUREZA JURIDICA:

ANULABILIDADE OU INEFICACIA. DECLARACAO DE VOTO. RECURSO

PROVIDO. (Apelação Cível Nº 187064308, Terceira Câmara Cível, Tribunal de

Alçada do RS, Relator: Élvio Schuch Pinto, Julgado em 25/11/1987).

Assim, da circunstância acima referida, qual seja, a preexistência de

lide pendente é que decorre a dispensa de ação pauliana para declaração da

fraude de execução, cuja verificação se dá incidentalmente no curso da causa

em andamento.

Ademais, nas duas modalidades de fraude, se oneroso o ato de

disposição praticado pelo devedor, reclamam os mesmos elementos

essenciais, quais sejam: o elemento objetivo e o elemento subjetivo, ou seja, o

eventus damni e o consilium fraudis, respectivamente. Analise-se que

inocorrentes tais elementos essenciais, ou na ausência de algum deles, não se

pode configurar a fraude de execução. No entanto, encontra-se decisão do

Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário.

Diante do exposto, frise-se que os institutos jurídicos têm por escopo

alcançar alienações ou onerações fraudulentas, sejam onde estiverem os bens

e na posse de quem quer que seja, resultando, eventualmente, tanto em um

como em outro, sem qualquer efeito o negócio fraudulento efetivado.

Assim, ambas as fraudes apresentam muitos pontos em comum, a

começar pela sua origem no direito romano, tendo a evolução histórica dos

dois institutos se pautado por medidas conservatórias do patrimônio do

devedor, de forma que pudesse garantir a satisfação de seus credores,

mediante a ineficácia dos atos fraudulentos praticados pelo devedor insolvente.

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Apesar das semelhanças entre os institutos quanto à finalidade, é

inquestionável a existência de inúmeras diferenças entre a fraude contra

credores e a fraude à execução.

Abaixo segue quadro sinótico, demonstrando as principais diferenças

entre os dois institutos:

FRAUDE A EXECUÇÃO

FRAUDE CONTRA CREDORES

Instituto do direito processual. Instituto do direito material. Consistente em uma violação da função processual executiva.

Enquadrada na sistemática como um dos defeitos dos negócios jurídicos.

Violação de caráter público. Tipifica ilícito penal (art. 179, do CPC).

Violação de caráter privado. Interesse particular.

Ocorre após a instaurada a relação processual (hipótese do art. 593. Do CPC).

Ocorre antes da instauração da demanda.

Presume-se a má fé e a insolvência. O credor tem o ônus de provar ou de trazer indícios ao ajuizar a ação pauliana sobre a insolvência e a intenção fraudulenta.

Dispensa a prova do consilium fraudis, já que sua presunção é absoluta.

O elemento subjetivo do consilium fraudis se presume, mas no caso de alienação onerosa, essa presunção é relativa, caberá ao adquirente e ao devedor o ônus de provar que não houve má fé.

Pode ser reconhecida de ofício, ou por petição simples nos próprios autos.

Só pode ser reconhecida após requerimento da parte credora através da ação pauliana.

Interesse do credor e do Estado, pois os atos praticados serão considerados atentatórios à dignidade da justiça (art. 600, I, do CPC).

Interesse somente do credor como particular prejudicado, porém beneficiará os demais credores.

O reconhecimento judicial implica ineficácia do ato de alienação em face do credor, possibilitando seja o bem penhorado e executido. Atos declarados ineficazes.

O reconhecimento judicial implica ineficácia relativa ou anulabilidade. Atos anuláveis.

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CONCLUSÃO

Ao longo do presente instrumento de pesquisa, abordou-se questões

relacionadas à fraude contra credores e à fraude de execução, bem como

apontou-se a diferenciação entre as duas espécies de fraude acima, quais

sejam: fraude contra credores e fraude de execução, sendo cada qual com as

suas particularidades.

Entretanto, é de se concluir que o Direito procura, por todas as formas,

coibir o engodo, o embuste, a má-fé, sempre protegendo o que age de boa-fé.

Daí porque não existe fraude coibida pelo ordenamento apenas nos fatos

típicos descritos na lei, mas também em todos os casos onde o fraudador

estiver à frente do legislador.

Nossos juristas têm-se preocupado com as modalidades de fraude,

para inibir de forma eficaz esse tipo de prática.

O homem, ávido por proveitos materiais, não mede esforços nem

consequências para conseguir vantagem, ainda que em prejuízo do próximo. A

fraude não é somente fruto da simples desonestidade, mas principalmente

resultado de inteligências apuradas e de astúcia. Por isso, pelos princípios

gerais de direito e pela equidade, não está o julgador adstrito tão só à lei para

punir e coibir a fraude, em todas as suas formas.